;

Memória Roda Viva

Listar por: Entrevistas | Temas | Data

Roberto Freire

9/7/2001

O então senador pernambucano pelo PPS, antigo Partido Comunista Brasileiro, defende a coalização com outros partidos, na disputa eleitoral pela sucessão presidencial de 2002, e dá sua visão do que seria o comunista contemporâneo

Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.

     
     

Paulo Markun: Boa Noite. O Roda Viva apresenta hoje, o segundo programa da série sobre a conjuntura política, como fizemos na semana passada. Hoje, nas próximas duas semanas, nós estaremos discutindo e analisando, com importantes lideranças políticas do país, a movimentação que já se faz, em torno da sucessão presidencial de 2002, e a situação da política atual, o nosso entrevistado hoje é um líder historicamente alinhado à esquerda, que vem procurando uma aliança de partidos de oposição, para enfrentar o candidato governista no ano que vem. No centro do Roda Viva esta noite, o senador pernambucano, Roberto Freire, presidente do PPS, Partido Popular Socialista.

[Comentarista Vera Souto]: Na página do Senado Federal na internet, estão os caminhos que levam à história política do advogado, João Roberto Pereira Freire, eleito em 1994 pelo Partido Popular Socialista, PPS, para representar o estado de Pernambuco no Senado. Seu primeiro cargo eletivo foi como deputado estadual pelo MDB em 1975, depois foi eleito deputado federal por quatro vezes, pelo MDB, PMDB, e as outras duas pelo PCB, o Partido Comunista Brasileiro, onde Roberto Freire também se apresentou como candidato à Presidência da República, em 1989. Foi o primeiro parlamentar a assumir a sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro, quando o partido ainda estava na clandestinidade. O PCB foi criado em 1922, ano de acontecimentos importantes na cultura e na política, como a Semana de Arte Moderna, e a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, protesto do movimento tenentista, contra a política do "café com leite", que garantia a São Paulo e Minas a alternância no poder federal. O PCB espalhou as suas raízes pelo país, sofreu dissidências internas, passou por repressão violenta nos períodos da ditadura, foi legalizado e, 70 anos após a sua criação, desapareceu, transformou-se em 1992, no Partido Popular Socialista, o PPS, anunciado como o novo partido destinado a enfrentar os novos desafios do mundo, após a queda do Muro de Berlim. Presidente do PPS desde a sua fundação, Roberto Freire levou o partido a integrar a Frente Brasil Popular, em apoio à candidatura de Lula à Presidência da República, em 1994, Em 98, o senador pernambucano voltou à disputa presidencial, dessa vez como candidato à vice, na chapa encabeçada por Ciro Gomes. O PPS, já buscava ali, a formação de uma frente de centro esquerda, como forma de reunir forças para enfrentar os partidos conservadores. A coalizão entre partidos de oposição, volta a ser procurada, agora, pelo PPS e pelo seu pré-candidato à Presidência da República, o ex-governador do Ceará e ex-ministro da Fazenda, Ciro Gomes, de olho nas dissidências e nas novas possibilidades de alianças políticas. A candidatura Ciro Gomes já recebeu apoio do PTB, o Partido Trabalhista Brasileiro, corre agora em busca de adesão do PDT, torcendo para que o PMDB, não tenha candidato próprio e também possa apoiar o projeto do PPS para 2002.

Paulo Markun: Para entrevistar o senador Roberto Freire, presidente do PPS, nós convidamos Oliveiros Ferreiro, professor de política da Universidade de São Paulo, a USP e da PUC aqui de São Paulo. Está conosco ainda o jornalista, Kennedy Alencar, repórter especial do jornal a Folha de S.Paulo; o jornalista, Bob Fernandes, redator chefe da revista Carta Capital; a socióloga, Fátima Pacheco Jordão, especialista de opinião pública, membro do Conselho Estadual da Condição Feminina; o cientista político, Carlos Novaes, analista da TV Cultura; o jornalista, Carlos Eduardo Lins e Silva, diretor adjunto do jornal Valor Econômico e o jornalista José Nêumane, editorialista do Jornal da Tarde. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Se você quiser participar do programa, o endereço na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite senador.

Roberto Freire: Boa Noite.

Paulo Markun: O senhor, há algum tempo atrás, fez um discurso que tinha o título “tem cheiro de novidade no ar”. Eu pergunto ao senhor: “tem cheiro de 'frente' no ar”? Quer dizer, existe essa história da Frente [Brasil Popular] objetivamente ou é só uma vontade do PPS?

Roberto Freire: Está difícil, não é fácil, porque até alguns setores da própria esquerda admitem que, talvez, seja interessante existir mais de uma candidatura. E tem uma dificuldade, que é talvez a básica, é de que ainda não conseguimos esse discurso  “cheiro de novidade no ar”, ainda não conseguimos construir um programa mínimo que unifique, porque uma coisa que a gente tem que fugir, já que está muito na moda, porque é bem atual, é uma eleição como a da aliança na Argentina, que vai sem ter programa, apenas se alia para ganhar a eleição. Isso é perigoso, não é? Porque eles não prepararam um programa, não quiseram enfrentar o problema da questão da paridade, da questão econômica básica da Argentina na eleição, vai para o governo e tem que enfrentar, e para enfrentar chama um adversário histórico dessa aliança. Isso no Brasil não pode acontecer e, enquanto não tivermos esse programa comum, não adianta a gente falar de unidade.

Oliveiros Ferreira: Quais são as forças sociais que apoiariam este programa senador?

Roberto Freire: Olha, esse é o grande problema que talvez até ajude para a gente discutir mais seriamente a política... É que quando você tem momentos como este, em que há troca de partido, há um realinhamento, isso acontece por conta das forças políticas.

Oliveiros Ferreira: Eu falei as sociais!

Roberto Freire: Claro, claro, das forças políticas que estão na sociedade, não é o rótulo, ninguém muda de partido porque ele quer mudar de camisa, é porque o que ele mais ou menos representa naquela força política, ou bloco que ele pertencia, já não corresponde mais aos seus interesses. Concretamente, a gente tem que, hoje, no Brasil, você tem um projeto político que tem que atender..., se o país quer continuar sendo uma sociedade industrial, isso é uma opção que está sendo colocada. A Argentina há algum tempo atrás jogou isso fora, a ditadura militar, o Chile, talvez com muito maior tranqüilidade, também não fez essa opção, não sei se o Brasil vai...

Oliveiros Ferreira: Mas, a sociedade industrial da segunda ou da terceira onda?

Roberto Freire: Não, eu diria da segunda onda ainda, que tem um aspecto importante, por exemplo, nós construímos, fora dos países centrais, talvez a única economia que tem bem de capital, indústria de médio capital, são poucas as que têm, nove ou dez no mundo, uma delas é o Brasil.  Isso também está sendo colocado, então isso tem... Aí você é qual? Qual é uma definição interessante? Que está na raiz de toda uma discussão que o PT faz, que Itamar [Franco] em parte representa, Itamar representa pela direita, do nacionalismo mais afirmativo, mais exacerbado desse setor, há aqueles que pretendem, com o interesse nacional, uma definição do Brasil industrial, mas de qualquer forma, com a visão, não de autarquia, de exacerbação nacionalista, mas de afirmação de interesse, num processo de inserção, que é um pouco o que nós estamos querendo colocar, como racionalidade de um programa econômico, uma inserção social...

Kennedy Alencar: Mas, quais são as diferenças concretas senador? Quais são as diferenças concretas? Porque o Lula fala em fazer aliança, o Ciro [Gomes] também fala em fazer aliança, é tão difícil vocês dois fazerem aliança, os dois partidos... Parece muito mais fácil o partido do senhor fazer aliança com o PTB, que é uma sigla de direita fisiológica, e o Lula namorar o PL - Partido Liberal, também de direita, do que vocês se entenderem entre si, por que é tão difícil? Onde não fecha essa conta, senador?

Roberto Freire: Não, aí tem dois aspectos. Primeiro: não fecha porque o Lula tem 30% das intenções de votos, e normalmente o PT, um ano antes da eleição, imagina ter Lula como presidente. Já fez em 94 e só não fez em 98, porque ele fez ao contrário, fez uma leitura que iria perder a eleição e se despreocupou. Quando viu que poderia ter um segundo turno já era tarde.

Kennedy Alencar: Aí não pode estar faltando para o Lula os 15% que o Ciro tem com uma união de vocês.

Roberto Freire: Sim, mas esse raciocínio é meio mecanicista.

Kennedy Alencar: Não funciona assim?

Roberto Freire: Isso é, não. São as somas, aí talvez a pesquisadora possa indicar... Não uso desses vasos comunicantes porque todos são contra o Fernando Henrique Cardoso, estão dando 75% para tudo que é oposição, você acha que em 2002 vai dar isso? Não vai. Aí, o segundo, que é mais importante, é que o PT tem dificuldade de ter um programa dentro do PT, vai ter dificuldade de ter comigo, o “cheiro de novidade no ar”. Foi uma reunião que o PT participou, e é bom que a gente lembre isso, vamos lembrar, já que você fez alguns históricos aqui, esse discurso foi feito em cima de um documento, que foi discutido em Santiago do Chile, por Ciro Gomes, Castañeda [Jorge Castañeda foi ministro das Relações Exteriores do México durante a presidência de Vicente Fox, de 2000 a 2006], que é hoje ministro de Relações Exteriores lá do México, Roberto Mangabeira Unger, e do Brasil estava lá presente o PT, o Lula com o Marco Aurélio Garcia, com o José Dirceu, Tarso Genro, ou seja, os setores influentes no pensamento de dentro do PT, discutindo exatamente essa aliança de centro esquerda, e essa alternativa de neoliberalismo, que esse é o título, inclusive do documento. E eu queria dizer assim, olha, eu não fui convidado para esse debate, até porque ninguém levava muito em consideração o PPS, era uma coisa pequena, e alguns até desqualificavam, achavam que não era para ter essa preocupação, o Ciro mesmo dizia: “eu nunca me preocupei mesmo com o PPS, não”. Só que ficavam insistindo, foram debater isso e não funcionou coisa alguma, porque o PT lá achava ótimo, mas quando chegavam aqui outros PTs, as várias tendências, não conseguem se unificar.

Kennedy Alencar: Mas, isso está apaziguado no partido hoje está claro, o PT não...

Roberto Freire: Não está apaziguado, ô companheiro você...

Kennedy Alencar: O partido mudou muito, senador, a gente tem acompanhado pela imprensa, o próprio discurso que o partido está fazendo hoje, porque tem uma hegemonia desse grupo moderado dentro do PT, não é por onde o senhor está falando, eu acho que aí Ciro e Lula estão disputando a hegemonia na esquerda, ou seja...

Roberto Freire: Sim, mas é normal.

Kennedy Alencar: ...eles preferem brigar entre si, a se unirem.

Roberto Freire: Não, não, não.

José Nêumane: O Ciro é homem de esquerda.

Roberto Freire: Disputar hegemonia é algo que todas as forças políticas fazem. O que não precisa a gente aqui dizer, é que aí passou em 94, estava apoiando o Lula. Em 98 criei uma alternativa e, não tenha dúvida, se tiver segundo turno, nós estaremos juntos. Estivemos juntos aqui em São Paulo, estivemos juntos em Recife, já desde o primeiro turno, juntos em Curitiba, desde o primeiro turno, juntos em Goiânia. Essa eleição última agora, demonstrou que essa polêmica e esse debate... que isso é normal no campo da esquerda, se têm dois turnos, que é um tipo de institucionalidade e garante exatamente a afirmação...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Então para que o senhor quer fazer frente no primeiro, se têm dois turnos exatamente para isso, para cada um afirmar as suas diferenças?

Roberto Freire: Sim, mas se também fizer não custa nada, eu vou discutir programa, se tiver, qual o problema? Agora, se não tiver, não tem nenhuma angústia.

Carlos Eduardo Lins e Silva: E qual é a identidade entre o senhor e o PTB?

Roberto Freire: O PTB, olha, a identidade no ponto de vista ideológico, não temos.

Kennedy Alencar: Não é dose...

Roberto Freire: E não temos história... Não, não é dose.

Carlos Eduardo Lins e Silva: E no ponto de vista de comportamento político?

Roberto Freire: Têm alguns setores do PTB que terão dificuldades no governo nosso, porque não teremos a prática que é tradicional na política brasileira do clientelismo, do fisiologismo que o Estado privatizado brasileiro sempre teve.

Kennedy Alencar: Mas qual o setor que não é assim?

Carlos Eduardo Lins e Silva: Então, se não existe, se não existe afinidade ideológica e nem de comportamento, qual é a afinidade que existe entre o PPS e o PTB para estarem fazendo uma eleição?

Roberto Freire: Sabe qual é? O PTB não representa nenhum setor da elite brasileira. Quer queira quer não, essa história de PTB com os comunistas... e nós somos uma vertente dessa, é uma trajetória de uma relação com setores que você pode aqui começar a discutir com muita pureza ideológica, mas você tem que analisar que o PTB tem uma origem e, eu ficava falando aqui antes do programa, eu só vou lembrar isso, o PTB tem uma origem de ser muito contraditório, ou você tem duas vertentes.

Kennedy Alencar: Desculpa senador, o PTB de hoje não tem nada a ver com esse PTB da origem.

Roberto Freire: É porque você é muito jovem.

Kennedy Alencar: O PTB do Roberto Jéferson.

Roberto Freire: Não, é porque você é muito jovem e você não conheceu os bigorrilhos [político que, em qualquer partido, sempre faz o papel de situacionista].

Kennedy Alencar: É puro pragmatismo bater por televisão, é puro pragmatismo senador.

Roberto Freire: Se você quer ouvir, você... Não, pragmatismo não.

Kennedy Alencar: É puro pragmatismo eleitoral.

Roberto Freire: Pragmatismo não, eu diria a você, salvacionismo, até porque o que a elite dominante brasileira, o bloco de dominação do senhor Fernando Henrique Cardoso, em aliança com o PT por outro lado, é de criar uma legislação eleitoral que impede um novo surgir, e eu discuti com os setores do PTB, que nós quando pudemos buscar a unidade trabalhista, estamos discutindo isso..., houve uma tentativa prévia do PDT com o PTB de juntarem, não seria nada de estranho, porque iria juntar historicamente, os bigorrilhos com os compactos.

Bob Fernandes: Mas o que quer dizer bigorrilho?

Roberto Freire: Na história do PTB...

Bob Fernandes: O que quer dizer bigorrilhos, para quem está em casa significava o quê, significa?

Roberto Freire: Bigorrilho é quem faz da política, por exemplo...

Bob Fernandes: O que significa o PTB hoje, com fisiologia, tudo o que todo mundo sabe...

Roberto Freire: Não, era o PTB que, por exemplo, ficava muito mais preocupado em estar ligado ao governo, o Bernardo Silveira tinha pouca definição ideológica, os compactos daquela época, eram pessoas que tinham até algumas definições marxistas.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Nos dê um nome de um compacto de hoje, por favor, do PTB, um compacto hoje do PTB?

Bob Fernandes: O Roberto Jéferson não é mais, porque...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Um compacto do PTB de hoje, uma pessoa que o senhor considera como os compactos antigos que esteja no PTB hoje?

Roberto Freire: Olha, eu não sei, não tem nenhum, até porque hoje, a gente tem mais liberdade do que tínhamos naquela época, e hoje não precisa ser nenhum comunista para ser compacto no PTB, pode ser comunista dentro do PPS, pode ser comunista qualquer...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Senador, se o senhor mantém a esquerda ideológica...

Roberto Freire: ...ou a esquerda de qualquer outro..

Carlos Eduardo Lins e Silva: Se o senhor não tem afinidade de comportamento... O único ponto em comum que o senhor nos colocou até agora, foi o fato do PTB não representar a elite, agora...

Roberto Freire: Não. Temos sim e eu quero discutir o programa.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Bandidos também não representam a elite, o senhor vai fazer aliança com bandidos?

Roberto Freire: Se você está chamando de bandido você acusa.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Não, eu não estou falando que eles são bandidos, eu estou dizendo que bandidos também não representam a elite.

Roberto Freire: Sim, mas eu não estou chamando, não, não, não...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Então vai se fazer uma aliança com bandido só porque não representam a elite, eu não falei que o PTB é.

Roberto Freire: Não faça sofisma [raciocíno falso que leva a uma ilusão de verdade], porque isso pode gerar confusão de que alguém está dizendo que o PTB é bandido.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Eu não estou dizendo isso.

Roberto Freire: Eu reprimo isso. Eu não faço aliança com bandido.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Ótimo.

Roberto Freire: Nunca fiz.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Então, quais são os pontos que fazem você fazer aliança com o PTB?

Roberto Freire: Então, se você disser que algum tem... então com bandido é problema perdido.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Não, mas só responda essa pergunta...

Roberto Freire: Olha, quando eu digo bandidos, onde eu posso ter, eu peço que o Ministério Público tome as medidas cabíveis e fiz isso.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Muito bem, então a única pergunta...

Roberto Freire: E tem mais, e alguns que são e que ninguém dizia nada, eu também tive coragem de dizer que precisava...

Carlos Eduardo Lins e Silva: A única pergunta é: quais são os pontos que fazem o senhor fazer aliança com o PTB, só isso?

Roberto Freire: Estou fazendo aliança com o PTB, claro, porque o PTB tem interesse em participar do governo. Teremos regras, vamos discutir um programa comum, não vamos abrir nenhuma questão de princípio, e nós vamos disputar a eleição, e esse é o caminho. E, tem mais, vamos ampliar, isso terá dificuldade, eu não vou sofrer patrulhamento, porque ninguém vai me chamar de puro, porque eu não preciso que ninguém chame, e ver eu não participar e nem disputar o processo.

Fátima Pacheco Jordão: Senador, independente da pureza, taxas eleitorais...

Roberto Freire: Não, puro que eu digo... É porque a discussão está aqui.

Fátima Pacheco Jordão: Eu queria falar que faixas eleitorais.

Kennedy Alencar: Mas eu estou falando que vai ter participação do Roberto Jéferson, por exemplo, ele foi chefe da tropa de choque do Collor, esteve na liderança, na chefia dos defensores, dos transgressores da CPI do Orçamento. Roberto Jéferson vai ter cargo no governo de vocês?

Roberto Freire: Não, eu posso dizer que a Erundina vai participar do governo.

Kennedy Alencar: A Erundina, a Erundina não é do PTB.

Roberto Freire: Sim, mas eu estou querendo dizer, vai participar porque eu quero um governo de coalizão hoje.

Kennedy Alencar: Eu estou perguntando do PTB, senador... O senhor tem uma dificuldade enorme para dizer, que alguém do PTB que possa participar do governo.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Ministro do seu governo, um nome?

Roberto Freire: Alfredo Mário Dias, de Minas Gerais, é uma pessoa que pode..., se você quiser que eu...

Fátima Pacheco Jordão: Senador...

Bob Fernandes: Chegar ao ponto...

Paulo Markun: Deixa só a Fátima fazer a pergunta dela, porque se estendeu aqui desorganizadamente.

Fátima Pacheco Jordão: Senador, voltando um pouco em termos de relações de taxa eleitoral e poder em relação a esse processo, o senhor mencionou que o Lula tem 30% e, portanto sai em condições que ele define quais sejam. O seu partido tem um candidato também nessa situação em relação ao seu partido, o senhor teve... o seu partido teve cerca de 5% dos votos válidos nas últimas eleições municipais, seu candidato tem cerca de 15% de intenções de votos, 18% de votos válidos, vamos chamar assim, portanto é um candidato bastante descolado, ou pode ser descolado, quando o senhor fala "nosso governo". Que condições terá, não só a aliança que o senhor pretende fazer, mas a própria articulação do partido com seu candidato. Por exemplo, em São Paulo na última eleição municipal, o senhor fez uma intervenção bastante dura, ainda assim o candidato do seu partido não participou da eleição, que o seu partido apoiava aqui em São Paulo, ele queria outro candidato. Então, a minha pergunta é na direção de se o Ciro Gomes com 15% e PPS com 5%, não está desbalanceado para um processo de ação conjunta?

Roberto Freire: Não, porque nisso não há nada de estranho, até porque, talvez o que seja menos desassociado, seja o PT. Lula e PT. Mas Lula é muito superior ao que o PT representa. Tudo isso, todos os partidos, são raros... e não creio que o presidencialismo, como sistema eleitoral, vá dar ao presidente uma maioria partidária no Congresso. É raro, não temos isso, não temos na história, e não sei se vamos ter agora em 2002, terá que se fazer governo de coalizão, é a nossa proposta, mesmo que essa coalizão não participe do processo eleitoral, seja menor, mais restrita. Mas o segundo turno necessariamente vai gerar um tipo de aliança que viabilizará uma maioria.

José Nêumane: E a posse? Está provado, na história do Brasil, que o presidente da República tem uma grande possibilidade de fazer uma coalizão depois que ele tomou posse, essa que é a verdade.

Roberto Freire: Ele tomou posse... o presidencialismo em todo lugar é um pouco assim, não há nada de estranho se a América Latina apresenta isso, mesmo em alguns...

José Nêumane: Mas no nosso caso, nós temos realmente uma presença muito forte do presidente no Congresso.

Roberto Freire: Muito, porque o governo vai...

José Nêumane: A força do governo dentro do Congresso, se faz uma coalizão parlamentar...

Roberto Freire: Claro, isso aí todos fizeram, você teve até o exemplo concreto do Collor, que não tinha...

José Nêumane: Não tinha parlamentar.

Roberto Freire: Parlamento nenhum, nenhum parlamentar quase.

José Nêumane: E teve maioria.

Roberto Freire: E teve maioria, articulou a maioria. Claro que depois perdeu, porque não era nada orgânico. Mas aí vai depender da ação política que você pode ter. É uma experiência que eu não tenho, não tenho nenhuma preocupação com isso, até porque temos muita clareza de que o governo terá que ser de coalizão. Eu participei, fui líder de governo que também não tinha nenhum partido, Itamar [Franco] não era... foi em um momento crítico, e nós fizemos uma grande articulação no parlamento, eu fui líder, e tinha três parlamentares só no meu partido, e conseguimos fazer, até porque mesmo quem fez oposição, ou ficou na oposição, teve posturas mais ou menos cooperativas, por exemplo, o PT teve uma postura cooperativa, não foi uma oposição como ele costuma fazer.

Paulo Markun: Senador nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos daqui instantes com o Roda Viva. Até já.

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, nós voltamos com o Roda Viva que esta noite entrevista o senador Roberto Freire, presidente do Partido Popular Socialista, o PPS. Eu queria recolocar a bola em jogo com a pergunta de Maurício Huertas, que é jornalista e coordenador da ONG Vergonha Nunca Mais, ele diz o seguinte: “Dá para separar o projeto eleitoral do Ciro Gomes, do árduo processo de construção do seu partido, que se propõe popular socialista e representante legítimo da esquerda mais moderna e democrática?”.

Roberto Freire: Não, eu acho que é moderno e democrático e tem que participar do processo eleitoral, então o projeto eleitoral é parte integrante da construção dessa alternativa. Isso aí até parece como se fossem coisas que eu tivesse que fazer opção. Não, o partido terá viabilidade de afirmar uma postura de esquerda democrática, contemporânea, que nós pretendemos, participando do processo eleitoral e se viabilizando eleitoralmente. Eu não quero mais ter nenhuma veleidade de criar partidos de quadros, isso não.

Oliveiros Ferreira: Mas um partido de massa faz com que os fins desapareçam e ficam apenas os meios, não é?

Roberto Freire: Depende, depende. Olhe, não é bem assim, a história não é bem essa..., e se nós formos, por exemplo... O dramático é que a gente é levado a ter muitas categorias [como as políticas] européias, e o Brasil é mais Estados Unidos. A gente fica querendo criar partidos, como os partidos europeus, com matrizes sociais democratas ou qualquer outra, aí a gente tem algumas dificuldades.

Oliveiros Ferreira: Não, não é o problema da criar partido, o problema é que o senhor disse que participar da eleição faz parte do programa do partido?

Roberto Freire: Não, não é parte do programa, é que você fortalece a alternativa partidária no processo democrático, claro, no âmbito eleitoral; é isso que eu estou dizendo.

Oliveiros Ferreira: Mas se o senhor participa de uma eleição com um candidato que tem um programa que não corresponde ao seu programa, como é a pergunta que foi feita...

José Nêumane: Não, mas a pergunta não foi essa?      

Oliveiros Ferreira: A pergunta foi essa!

Paulo Markun: Não, a pergunta era se dava para criar um partido com essas opções eleitorais.

Roberto Freire: Se você..., na eleição..., poderia fazer... [falando junto com o Markun e concordando com ele]. Claro eu estou participando do processo eleitoral do nosso candidato, é isso que eu estou dizendo, [que] corresponde ao projeto de partido da esquerda democrática. Tanto é que a gente está tendo condições, hoje, de trazer o debate, da esquerda brasileira em geral, para algumas das conceituações que nós antes fazíamos, e que eram consideradas como se fóssemos apenas um dissidente, ou um continuador do que estava aí. Por exemplo, o PT vir discutir algumas teses econômicas que nós antigamente, quando dizíamos, éramos considerados continuadores desse governo - alongamento do perfil, respeito de contrato - porque a tese era a moratória e o rompimento dos contratos. Então, quando nós fazíamos isso algum tempo atrás - no “cheiro de novidade no ar” - nós éramos os continuadores ou apenas dissidentes, não éramos a esquerda. Hoje, estamos trazendo a esquerda, naquilo que é o mais representativo, que é  verdade, é o PT, para discussão de teses como a nossa, então o processo eleitoral ajudou.

Bob Fernandes: Senador, só para voltar um assunto que foi interrompido, inclusive pelo "apagão" [falta temporária de energia elétrica, devido aos problemas de racionamento da época da entrevista], eu imagino que as pessoas em casa estejam interessadas [em saber], falando claramente, se [caso] o senhor não necessitasse de um tempo na televisão, o senhor procuraria o PTB para conversar?

Roberto Freire: Num primeiro momento não. Porque talvez não precisássemos estar tendo, por exemplo, que justificar aqui algumas alianças, e tivéssemos apenas de buscar as alianças onde a identidade maior já existisse.

Oliveiros Ferreira: Então a lei eleitoral impede que o partido seja coerente consigo próprio?

Roberto Freire: Não, não impede a coerência, mas ela exige que você faça algumas concessões.

Oliveiros Ferreira: A lei eleitoral?

Roberto Freire: A lei eleitoral! Claro!

Paulo Markun: E por que então não se reforma a lei?

Roberto Freire: E tem mais, se pretende fazer uma reforma que é ainda pior. Vou dar um exemplo, veio aqui antes de mim [refere-se ao programa anterior, com Jorge Bornhausen] , um dos grandes defensores da reforma, que é tão casuísta quando foram os pacotes de abril, até porque pensa que é um pouco órfão da ditadura, é criar ou aumentar a questão da filiação partidária para quatro anos, ou seja, isso é um absurdo, fica falando de lei de fidelidade partidária, isso não existe em nenhum país civilizado e democrático do mundo. A fidelidade é partidária não é uma imposição legal, até porque isso é uma “violentação”. Eu queria ver se, nos Estados Unidos, agora, com a crise que teve lá do Senado... o republicano perdeu a maioria, porque o senador republicano saiu, isso em todo lugar do mundo acontece. O problema é que no Brasil, você pode ter excessos, porque os partidos não são ainda, estruturas muito... Tivemos pouco tempo..., estamos até tendo... esse processo democrático, que a partir de 85, com o fim da ditadura militar é talvez o mais longo da história brasileira...

José Nêumane: Mas, parece que a legislação eleitoral, pelo menos pelo que o senhor coloca aí, ela é controlada pelos grandes partidos, ela serve, de uma certa forma, para a reprodução do poder desses partidos no processo eleitoral...

Roberto Freire: É reserva, é reserva de mercado, vou te dar um exemplo, nós, a população brasileira, o cidadão comum, a cidadã que está cuidando dos afazeres das escolas de seus filhos, problema de saúde, o trabalho, o racionamento, ela não está ainda voltada para a campanha eleitoral de 2002. Isso é algo que está muito presente para nós, que temos mandatos ou que temos na política...

José Nêumane: Aliás, é cedo demais, não é?

Roberto Freire: É, mas quando chega... Não, mas é cedo por quê? Porque em outubro, você está decidindo quem é que vai participar do processo. Pouco importa o que ocorra no país, de outubro até outubro do outro ano, por quê? Porque quem não se filiou agora em outubro, não participa do processo, só de forma a escolher [votar], mas não de receber o voto. É até algo, que você pode discutir, de inconstitucionalidade.

Carlos Novaes: Mas, para que não possa mudar de partido... Mas eu queria voltar na questão eleitoral que eu acho que é importante?

Roberto Freire: Não, não, está enganado, por favor! Quem não estiver com a filiação em um ano, não pode ser votado. Não é o problema de mudar de partido não...

Carlos Novaes: Não pode ser votado, tem que escolher um partido, não é razoável.

Roberto Freire: Não.

Carlos Novaes: Se alguém entra no processo político...

Roberto Freire: Um ano antes?

Carlos Novaes: Sim e der condições, inclusive, para a sociedade de olhar, ver como é que os partidos estão estruturados.

Roberto Freire: Não, não senhor, isso é uma limitação.

Carlos Novaes: Quer dizer, na verdade, estou um pouco espantado com o seu pouco apego à dinâmica institucional?

Roberto Freire: Não, não senhor.

Carlos Novaes: Só um minutinho, deixa-me fazer a pergunta.

Roberto Freire: Você está..., espere aí, repara uma coisa, você está...

Carlos Novaes: Está bem, eu não faço a pergunta.

Roberto Freire: Não, é porque você não está entendendo. O que eu estou querendo dizer, que o cidadão brasileiro se não estiver hoje, presente, até outubro ele tem que se filiar a um partido para disputar a eleição, qualquer cidadão...

José Nêumane: Para ser candidato o senhor quer dizer?

Roberto Freire: Para ser candidato, isso é uma limitação que não existe em nenhum país democrático, é isso que estou querendo que o senhor...

Oliveiros Ferreira: Já existia nos estatutos da esquerda democrática em 1945.

Roberto Freire: De quê?

Oliveiros Ferreira: Para você, para ser candidato, precisava ter seis meses de filiação.

Roberto Freire: Isso é no estatuto do partido, eu posso até botar cinco anos no meu partido, e ele entra no meu partido se ele quiser. Claro! Isso é democrático, eu posso fazer as limitações que eu bem entender, e as pessoas se submetem, agora, institucionalmente eu impedir o cidadão que... Eu não estou falando de quem tem mandato, não estou falando de quem está filiado em partido, não... Estou falando do cidadão comum, o cidadão brasileiro...

José Nêumane: Mas do ponto de vista do eleitor, senador...

Carlos Novaes: Que não há impedimento...

José Nêumane: O senhor falou contra a fidelidade partidária. Agora, no ponto de vista do eleitor, eu voto em um candidato que é de um partido, esse candidato eleito, ele muda de partido dez vezes, de acordo com a conveniência dele, quer dizer, pode ser até que a fidelidade partidária seja uma exigência pouco democrática. Mas, do ponto de vista do eleitor...

Roberto Freire: Vou dar um exemplo, deixe-me dar um exemplo.

José Nêumane: No Brasil é uma esculhambação isso! O cara muda de partido como se muda de camisa. É uma situação assustadora.

Roberto Freire: Vamos fazer o seguinte, vamos fazer o seguinte, você acha que quem tem mandato - vou dizer uma coisa bem pragmática - quem tem mandato quer continuar tendo mandato, não é verdade? Ele muda de partido e se submete ao voto. Será que a gente não pode ter o mínimo de compreensão? E dizer o seguinte: ele mudou, até porque os interesses que ele representa, é o que nós estávamos querendo discutir...

Oliveiros Ferreira: Não, mas eu gostaria que o senhor discutisse...

Roberto Freire: Claro, claro.

Oliveiros Ferreira: ...e fizesse o relatório da comissão central.

Roberto Freire: Mas é nisso, e como é que você... Mas no momento que você muda de partido, você pode estar mudando e fazendo realinhamento político, porque não quer continuar naquele partido. Vou dar um exemplo: o PMDB vai decidir se quer o Itamar, e o PMDB que está com o Fernando Henrique vai ter que ficar no PMDB, porque tem a lei de fidelidade? Isso é justo, repare?

Bob Fernandes: Mas não, é o contrário, ou o PMDB, é o PMDB exatamente que é, com o perdão da palavra, uma zona, que todo mundo troca de partido o tempo todo?

Roberto Freire: Não companheiro, mas por que é que eu tenho que ter...

Bob Fernandes: Mas, não, é ao contrário?

Roberto Freire: Não, não é o contrário não.

Bob Fernandes: Não é a ausência do partido verdadeiro, real, que leva a isso?

Roberto Freire: Não, não é o contrário, eu quero mostrar a você o seguinte: o PMDB, nas suas contradições, tem uma parcela significativa, até majoritária, como representação no parlamento brasileiro, que apóia o governo. Vai ter uma convenção em um momento qualquer da política agora, do realinhamento político, da crise do governo, forças sociais vinculadas à interesse do capital nacional e de interesse que vai contra políticas de privatizações cresceram dentro do partido, e querem uma candidatura Itamar. É justo que uma lei venha e impeça essa opção da cidadania brasileira? Isso evidentemente que é injusto, no ponto de vista democrático. Então, eu quero dizer que se as pessoas não podem ter como candidato Itamar e continuarem no PMDB, porque tem uma lei de fidelidade, isso evidentemente vai contra a expressão da cidadania.

Bob Fernandes: Isso não é a pessoalização da política? O mandato pertence ao partido ou a um candidato?

Roberto Freire: Pertence..., é um misto. O quociente eleitoral é definido em função do voto partidário, mas o voto no Brasil é nominal.

Bob Fernandes: Sim, mas no ponto de vista prático...

Roberto Freire: Então é um misto, ele é imperativo. Se você quiser esse raciocínio há umas tonalidades que eu defendo, seja uma lista partidária, ao invés de ser um voto nominal, aí sim passa a ser do partido.

José Nêumane: Mas eu quero pegar o exemplo do Itamar, o exemplo do Itamar é ótimo, há alguma justificativa, a não ser o humor tempestuoso do Itamar, para ele mudar tanto de partido. Que justificativas políticas e sociais podem explicar, por que é que o Itamar muda de partido a cada semana?

Roberto Freire: Tudo bem! Vamos admitir, você pode até dizer: olha, isso aí é uma demonstração de que os partidos, ou Itamar não está bem adaptado. Agora, eu que não posso criar uma lei que diga que a sociedade não analise e defina se quer ou não Itamar, governador de Minas, ou presidente do Brasil, eu não posso ter uma lei, porque aí é uma violência o que eu estou cometendo, em nome de uma certa pureza, eu dizer:  “Esse cidadão não pode. Por quê? Porque mudou de partido”. E daí? Você veja que isso tudo tem a ver com a criação da ditadura... é interessante porque isso tudo é casuísmo. Quando a ditadura se instalou, quis impedir, por exemplo, que nós indicássemos um candidato a governador do Distrito Federal, na antiga Guanabara, não é Distrito Federal não; é Guanabara, marechal Henrique Teixeira Lott, aí ele inventou o primeiro casuísmo, não, não tem domicílio eleitoral, isso tudo é criação, que eu digo... para quê? Eu sou cidadão.

Oliveiros Ferreira: Mas domicílio eleitoral existia antes?

Roberto Freire: Não, não, olha, eu estou lhe dizendo!

Carlos Eduardo Lins e Silva: Domicílio eleitoral existe nos Estados Unidos, por exemplo, ele ainda quer comprar uma casa...

Roberto Freire: Não, tanto é que eu vou lhe dizer, Jânio Quadros saiu e foi eleito no Paraná.

Oliveiros Ferreira: Foi Getúlio.

Roberto Freire: O Getúlio...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Foi quando o prazo ganhou.

Roberto Freire: Não foi prazo nenhum, prazo nenhum, prazo era convenção, como em qualquer país democrático é o seguinte: qual é o prazo para você nominar os candidatos? Este é o prazo para que você faça a escolha pelo partido, claro que em uns países que tem uma tradição maior, as pessoas não mudam de partido como aqui no Brasil. Agora, você vai querer que no Brasil, quando... um dado interessante..., você teve uma ditadura que tinha partido, no cone sul, a primeira coisa que as ditaduras fizeram foi fechar todos os partidos, não foram os comunistas só, foram todos, por quê? Ontem eu fui na Argentina, participei do jantar comemorativo de 105 anos do Partido Socialista Argentino. Não tem muita expressão não, é pequeno, mas está há 105 anos lá. No Brasil isso aqui acaba por conta dessa visão, porque acha que uma tutela legal pode definir fidelidade, filiação. E aí podem definir também, extingue os partidos, cria outros, cria por lei e, lamentavelmente no Brasil..., [caem alguns objetos de seu bolso] eu acho que eu perdi tudo aqui, [risos] então a crise, a crise não é só, pode ir não é?

Paulo Markun: Pode ir, vai alguém aí.

Roberto Freire: Para tratar...  a crise, era eu...

Bob Fernandes: A situação do PTB que provocou problema em relação a isso.

Roberto Freire: Não, agora ela não está no PTB não, está em alguma discussão democrática, ainda tem alguns setores do bloco parlamentar majoritário... fica pensando que essas tutelas legais  são democráticas, não são.

Kennedy Alencar: Mas, não parece razoável, senador, para o senhor, haver algum tipo de fidelidade partidária e também diminuição da quantidade de partidos que a gente tem.

Roberto Freire: Não, não...

Kennedy Alencar: O que a gente vê, o que a gente tem em muitas eleições, são legendas de aluguel. Na verdade, servem para fazer o jogo sujo de alguns candidatos. E teve, na última eleição em São Paulo, por exemplo, alguns partidos ali verdadeiros partidos laranja [partidos usados para fins que não os de um partido legítimo]. Vai um candidato majoritário pega aquele partido, que faz aquela denúncia moralista, sem prova, e acaba criando um dano eleitoral. Ou seja, uma fórmula para redução dos partidos não seria uma coisa bem feita?

Roberto Freire: Eu prefiro ficar com a experiência democrática dos países... Até porque eu acho que nem você e nem eu temos direito de ficar definindo o que é partido legítimo ou partido... Porque eu posso ter até um certo critério, que alguém diga: “Não, o senhor é muito justo”. Mas nessa questão de cidadania, eu não estou desfazendo algo que é um litígio, uma lida judicial, não. Eu estou, no momento, dando um critério a você, que eu posso julgar que é muito bom, mas ali podem já achar que os seus conceitos não sejam os melhores. Eu posso aqui dizer a você... Eu sempre fico preocupado com alguns pequenos partidos, eu acho que um partido que me preocupou muito em 98, foi o PMDB, aí você não chama ele de "legenda de aluguel".

Kennedy Alencar: Mas o PMDB tem representatividade, tem governadores votados, tem deputados votados... O que se vê é muitos partidos que não tem um deputado, um vereador, um senador. Desculpe senador, mal ou não, uma parcela da sociedade escolheu o PMDB.

Roberto Freire: Olha, vamos fazer o seguinte... olha, estou falando a você, a democracia brasileira não sofreu em nada por conta desses partidos, nada! Sabe qual é o drama de partido que pode estar complicando a democracia? É um partido que fica fazendo como faz o PMDB, o PFL, que são sempre governo, e ficaram aí sem esse compromisso...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Isso é, sempre a oposição.

Roberto Freire: Ou também são sempre oposição...

[Sobreposição de vozes]

Carlos Eduardo Lins e Silva: Não se esqueça que no governo Sarney, o PMDB era governo e oposição ao mesmo tempo.

Roberto Freire: Governo e oposição ao mesmo tempo. Então, eu não... E o que é quê tem? Eu não vou proibir por isso, sabe por quê? Porque eu tive uma experiência muito traumática, na minha participação política, que alguns generais que acharam que éramos subversivos, e partidos como o nosso não poderiam ter nenhuma participação. E esse era o conceito que alguns setores achavam que era democrático. Não, comunista não pode ter legalidade.

Oliveiros Ferreira: Mas na Alemanha é.

Roberto Freire: Ainda é, mas agora não... Agora já mudou por causa da unificação... os comunistas da antiga...

[Risos]

Oliveiros Ferreira: Eles mudaram de nome, mudaram de programa.

Bob Fernandes: Senador, o senhor está se referindo a um acesso [do seu partido] à opinião pública, [pela] televisão, isso aqui é uma televisão pública. E o senhor reconheceu, basicamente, que procurou o PTB, pela necessidade de acesso, comunicação com a opinião pública. Como é que o senhor vê o projeto, recém saído do forno, não sei se chegou ao Congresso já, de Lei Eletrônica de Comunicação de Massa, do governo Fernando Henrique Cardoso, o senhor Pimenta da Veiga, que concentra ainda mais o poder, segundo o que se pode perceber.

Roberto Freire: Olha, eu ainda não li o projeto não, mas alguma coisa que vi é meio preocupante, até porque se tem uma coisa democrática...

Bob Fernandes: Tudo o que nós estamos discutindo aqui é isso?

Roberto Freire: Sim, mas eu ainda não li, ainda não, eu não vou aqui, alguma coisa que eu li foi...

Bob Fernandes: A essência que nós estamos discutindo, na verdade, é a impossibilidade dos partidos, de alguns grupos sociais se comunicarem freqüentemente com a opinião pública.

Roberto Freire: É, e eu quero dizer que a gente fez uma conquista democrática, isso antes de 64, que foi o programa eleitoral gratuito [nos meios de comunicação]. Poucos países do mundo têm isso, e eu quero acoplar isso, por exemplo, ao financiamento público de campanha, que é uma experiência importante para o Brasil, para acabar, inclusive com o excessivo interesse do poder econômico nas eleições, influenciando, e com uma outra característica, que é o processo de privatização, você pode dar muito peso, inclusive, às empresas que podem interferir internamente, em algumas decisões. Eu não sei se essa coisa tem que ser também globalizada. Eu acho que deve ser... isso talvez ajude a construir essa perspectiva de você ter acesso à comunicação de massa.

Bob Fernandes: O tempo todo, não às vésperas da eleição?

Roberto Freire: Hein?

Bob Fernandes: Não às vésperas da eleição! Esses 15, 20 dias, um mês, inclusive um contato permanente mais aberto?

Roberto Freire: Mas, isso você tem.

Bob Fernandes: Que programa de televisão aberta no Brasil tem um debate como esse?

Roberto Freire: Sim, mas agora o problema é que eu não posso ficar imaginando que eu vou obrigar uma televisão...

Bob Fernandes: Sim, mas o [José] Sarney é dono de uma emissora, de uma rede poderosa no Maranhão, o [Fernando] Collor é dono em Alagoas, o Aluísio Alves é dono no Rio Grande do Norte, o Antônio Carlos [Magalhães] é na Bahia, o Albano Franco é dono em Sergipe, como é que se criarão grupos de lideranças políticas, grupos de oposição a isso, por exemplo, sem o espaço para se comunicar com a opinião pública.

Roberto Freire: É, essa é uma grande discussão, inclusive eu quero dizer, que nós estamos bem melhores agora do que estávamos antes. O processo de privatização, de qualquer forma, tirou do Estado essa concessão e essa benesse.

Bob Fernandes: Trouxe de volta. As opiniões públicas estão sendo usadas em todos municípios como se fossem, não evidentemente essa... Televisões públicas estão sendo entregue a chefes políticos, em todos os municípios Brasil afora.

Roberto Freire: Onde?

Bob Fernandes: No Brasil.

Roberto Freire: Isso eu não sei. Olha, pelo que eu sei, hoje, na legislação há um certo risco de você voltar a ter os Ministérios das Comunicações muito presente, disso ter ido para uma agência pública...

Bob Fernandes: Já está.

Roberto Freire: Mas ela é, toda ela, de leilão, não tem mais.

Bob Fernandes: TVs públicas não, TV pública tem inclusive o ex-chefe, o ex-fiscal da Anatel era dono da TV pública e exercia como tal.

Fátima Pacheco Jordão: Inclusive, senador, o Conselho Constitucional de Comunicações do Congresso, nessa legislação, foi retraído para o Ministério das Comunicações, reforçando essa tendência.

Roberto Freire: Aí é uma discussão, pode ser o Ministério das Comunicações ou Anatel, ambas são instituições públicas.

Fátima Pacheco Jordão: Será para ser Congresso.

Roberto Freire: Congresso são todas as duas.

Bob Fernandes: Mas não instalou até hoje...

Roberto Freire: Qualquer umas das duas passa pelo Congresso e, aquilo ali, aquilo é uma mera chancela, um referendo. Olha, eu não vi nada, olha aquilo ali é uma... é um cartório.

Oliveiros Ferreira: Eu tenho a impressão de que vocês estão falando linguagem diferente.

Roberto Freire: Diferentes? O que eu estou falando...

Oliveiros Ferreira: Ela está falando do Conselho Constitucional de Comunicações do Congresso.

Fátima Pacheco Jordão: Exatamente, que estava previsto no plano da lei do Sérgio Motta [foi ministro das Comunicações no governo Fernando Henrique Cardoso] e no âmbito do Congresso.

Roberto Freire: Não, não, espera aí, esse Conselho Nacional ia participar da discussão junto com a Anatel, de critérios nas definições das concessões...

Bob Fernandes: O Conselho não foi instalado até hoje, desde a Constituinte que está assim...

Roberto Freire: Está certo, está certo. Mas mesmo assim, deixa eu explicar. Antes era uma decisão do [poder] executivo que dava a concessão, e por isso que existiu...

Bob Fernandes: Mas o [poder] executivo continua... Retomou o poder de conceder e está concedendo TVs públicas e municipais...

Roberto Freire: Não, não, não.

Bob Fernandes: Está, senador, com certeza.

Fátima Pacheco Jordão: Segundo essa lei, sim, senador.

Roberto Freire: Deixe-me explicar.

Oliveiros Ferreira: Ele está falando de TV pública, o senhor está pensando em TV particular?

Roberto Freire: Mas a TV pública é a TV que é dada à instituição.

Bob Fernandes: Mas não é verdade! Não é isso que está acontecendo no país.

Roberto Freire: Claro que é companheiro! Não pode ter, se é outra... conceder... Deixa eu explicar o que é colega, qual foi a mudança que sofreu.

Kennedy Alencar: Estão "passando a perna" aí na instituição pública senador. Estão criando instituições públicas fantasmas aí, o meio político cria uma instituição pública filantrópica, sei lá o quê! E consegue.

Roberto Freire: Mas não tem...!

Kennedy Alencar: Está tendo.

Bob Fernandes: Tem, o Saulo [Ramos] que é fiscal da Anatel, o Saulo é dono de  uma TV pública na cidade dele que anuncia lá.

Roberto Freire: Mas qual é uma TV pública, o que você está chamando de TV pública?

Bob Fernandes: É uma concessão de televisão que você usa no município, como se fosse uma TV pública e você usa politicamente, como antes.

Roberto Freire: Não, deixe-me ver uma coisa, o seguinte: antes você tinha a concessão para entidades públicas, estados, fundações culturais, ligadas ao poder público, universidades. Bom! Estão fora, TV’s educativas e tudo mais. E tinha a televisão do sistema comercial.

Bob Fernandes: A rede.

Roberto Freire: Essa era uma concessão dada pelo poder público... o Ministério das Comunicações e o presidente da República davam, com a aprovação do Congresso, o Senado e a Câmara, isso a título gratuito. O que hoje acontece é que isso não é mais a título gratuito, isso participa de um processo de leilão público. As [TVs] públicas continuam sendo definidas publicamente. Qual é o problema que existia? O problema do Sérgio Motta, que o Pimenta [da Veiga] passou uma certa rasteira, é que o Sérgio Motta, inclusive no Senado, quando foi lá discutir o processo de privatização, tinha como proposta o fim do Ministério das Comunicações. Por quê? Porque toda aquela atividade que seria com a privatização, de fiscalização, de controle da definição das normas, das bandas,  isso tudo ia para Anatel! O que agora o Pimenta fez é que manteve esse poder de definir no ministério. Agora, está diferente do que era anteriormente, por quê? Mesmo no ministério, agora, é a título oneroso, não é mais como concessão gratuita. É nesse sentido que houve esse título de discussão, esse outro projeto que tem de propaganda virtual e, inclusive ,uma discussão para o problema de assinatura, de toda uma interferência...

Bob Fernandes: Não, a Lei Eletrônica de Comunicação de Massa [projeto do ex-ministro Sérgio Motta] prevê uma concentração de poder, recém divulgada na semana passada, ainda maior da do que é hoje, essa é a essência da Lei.

Paulo Markun: Eu acho o que essa discussão está prejudicada Bob, o senador disse que não leu o projeto.

Bob Fernandes: Está certo, não leu, então mudemos, não é?

Paulo Markun: Nós estamos discutindo um projeto que o senador não leu.

Roberto Freire: Não mudou, não mudou, por exemplo...

Paulo Markun: Agora está em debate no Congresso não adianta discutir.

Bob Fernandes: Está nos jornais.

Roberto Freire: Não mudou a título oneroso, não mudou, não mudou a título oneroso das concessões hoje de televisão e de rádio.

Kennedy Alencar: Qual é a política, então senador?

Roberto Freire: Isso é política hein! Isso é política!

Bob Fernandes: Isso é mais política do que o resto...

Roberto Freire: No Estado brasileiro é uma das políticas mais sérias. E foi este Estado brasileiro que criou alguns poderes aí, excessivos para essa elite política que deu sustentação... e pouco importava partido, aí eram de todas as legendas, dando a sustentação ao Estado que está aí, porque o senhor Antônio Carlos Magalhães não é empreendedor de comunicação em canto algum, mas foi por quê? Porque controlou o Ministério das Comunicações e controlou o poder neste país. O senhor Jader Barbalho, com outra legenda diferente....

Oliveiros Ferreira: É o "comunismo eletrônico".

Roberto Freire: É, foi lá, eu chego lá, em Pernambuco, eu vou lá ver também.

José Nêumane: O Jader Barbalho, hoje, usa a televisão e o jornal dele para se defender das acusações que fazem contra ele.

Kennedy Alencar: Disse que não leu o projeto e que não tem como discutir.

Roberto Freire: Esse eu li, companheiro, esse eu li, é que eu estou falando isso aí...

Kennedy Alencar: Não, desse projeto que o Bob está falando que deu origem ao início da discussão.

Roberto Freire: Esse não é lei, enquanto não for lei, eu não estou falando....

Kennedy Alencar: É uma discussão...

Roberto Freire: Não é lei ainda, é um projeto.

Paulo Markun: Senador mudemos de assunto... Pergunta de Adão Camargo - eu acho que temos um tempo precioso, acho que esta discussão é importantíssima, só acho que nós estamos desequilibrados nela, na medida em que estamos discutindo isso com uma pessoa que não conhece o projeto, está certo? Como a opinião pública que não teve acesso ao projeto, e o Bob que é um especialista no assunto, nós vamos ficar...

Bob Fernandes: Não, não. Eu acho bom a opinião pública ir conhecendo, então já passamos...

Paulo Markun: É superficialmente. Adão Camargo...

Roberto Freire: A opinião pública não conhece não.

Paulo Markun: ...de Avaré, São Paulo pergunta o seguinte: senador...

Roberto Freire: Você não conhece, você não conhece.

Paulo Markun: Senador, o Adão Camargo pergunta o seguinte: “O senhor acha que o Ciro Gomes é um homem de esquerda?”.

Roberto Freire: Acho, acho.

Paulo Markun: Por quê?

Roberto Freire: Ele tem uma formação humanista, o governo dele é uma experiência importante de coalizão, ele foi um governo que, no Ceará, teve participação efetiva de setores do movimento social, com capacidade de bom diálogo e tem uma compreensão política, hoje, bem moderna, adequada ao que é o pensamento da esquerda.

Oliveiros Ferreira: Isso é ser esquerda? Isso, a posição dentro das forças sociais não definiria melhor, diante da abertura para o Brasil industrial, ou não? Porque ele foi o ministro que continuou a abertura Collor, não é verdade?

Roberto Freire: Não.

Oliveiros Ferreira: Ele disse que os brasileiros eram uns idiotas, porque não estavam esperando chegar a mercadoria estrangeira mais barata que a nacional.

Roberto Freire: É, mas olha, se você analisar o projeto que ele tem em 98 e hoje, ele justifica, inclusive quando vão falar, que ele fez isso, ele chama isso, em uma linguagem econômica, como um choque de oferta, porque corria o risco, naquele momento, de que o Plano Real pudesse ter problemas graves, porque o ágio tinha voltado para a economia, com ele aí teve de abrir e abriu de uma forma que não foi solta, aleatória, não, ele antecipou as tarifas comuns do Mercosul que iriam entrar em janeiro de 94, e ele antecipou, para esse choque de oferta, para que não ocorresse o que ocorreu com o [Plano] Cruzado lá atrás, com outra característica, mas ocorreu, com um impacto de consumo que foi exacerbado pelo fim da inflação. Ele explica... Mas a decisão dele..., não a política dele..., mas deixe-me explicar..., mas a política dele..., inclusive...

Oliveiros Ferreira: Mas, eu estou pensando agora é no senhor,  na sua definição de esquerda, no governo de coalizão...

Roberto Freire: Eu não falei isso.

Oliveiros Ferreira: O governo dele é de esquerda?

Roberto Freire: Eu falei que o governo que está preocupado com questões... Não é coalizão, participação de setores sociais... 

Oliveiros Ferreira: Mas fez coalizão também, não é?

Roberto Freire: Coalizão é importante, coalizão com a esquerda. Não foi coalizão com a direita, não.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Como vai o diálogo com o Brizola?

Roberto Freire: Olha, Ciro tem tido muita conversa com ele, tenho um bom diálogo. O Brizola está tentando ver se unifica o PDT, com Itamar e Ciro não sei...

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor acha viável isso?

Kennedy Alencar: A tese dele é que quem estiver melhor nas pesquisas encabeça a chapa, você concorda? O senhor colocou o Itamar no campo da direita, não é?

Roberto Freire: Não, o Itamar no campo da direita não, alguma das propostas dele, tem porque..., eu considero que alguns setores nacionalistas...

Oliveiros Ferreira: É o nacionalismo da direita.

Roberto Freire: Só de direita, claro! Estão próximos a ele.

[Sobreposição de vozes]

Carlos Eduardo Lins e Silva: A aliança Itamar, assim, é viável na sua opinião?

Roberto Freire: Olha, vai depender, por exemplo se no PMDB ele se consolidar como candidato, talvez seja mais difícil... No caso do PDT..., nós vamos ter que analisar, até porque no PDT não é um problema só do tempo de televisão..., é de que essa aliança com PTB estava muito associada... eu posso até dizer que eu fui surpreendido, porque eu não esperava que viesse tão cedo. Eu acho que tinha, assim, um espaço de maior disputa com os setores do governo, e a nossa idéia era da unificação do movimento trabalhista... Teve vertentes...

Kennedy Alencar: Mas o Ciro não consultou o senhor para fazer essa aliança, procurar essa coisa, ele fechou esse acordo com o PTB sem falar com o senhor que é presidente do partido?

Roberto Freire: Quem foi que disse que ele não falou?

Kennedy Alencar: Não, o senhor está dizendo que acha que foi muito cedo que fecharam essa aliança com o PTB?

Roberto Freire: Não, mas... não foi cedo por ninguém..., foi cedo porque...

Kennedy Alencar: Preferia conversar mais?

Roberto Freire: Não, o processo..., não foi o Ciro... não tem nenhum problema não, fomos nós.

Kennedy Alencar: Não, mas ele disse que é uma aliança que ele impôs ao PPS.

Roberto Freire: Quem impôs?

Kennedy Alencar: Que o Ciro impôs ao PPS.

Roberto Freire: Não, quem foi que lhe disse isso?

Kennedy Alencar: O que se diz no partido do senhor, alguns setores do partido do senhor tem franca discordância com a aliança com o PTB ainda, e o senhor parece ser uma das pessoas que preferiam esperar um pouco mais...

Roberto Freire: Não, não é que queria esperar não.

Kennedy Alencar: Para fechar essa aliança com o PTB?

Roberto Freire: Mas, porque essas coisas não têm preferências, porque não depende de mim, quando eu tenho preferência é quando eu posso fazer. O problema é que eu imaginava que o PTB fosse um partido que demorasse um pouco mais a fazer essa opção pela candidatura do Ciro. Essa era uma disputa que tinha, interna, tinha setores que defendiam, mas tinha setores mais palacianos que, eu acredito, iam fazer com um pouco mais de tempo, essa sua relação com o governo, isso veio talvez pela crise do racionamento. O fato é que veio antes do tempo.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Eles viram que o "navio estava fazendo água" [afundando] mais depressa do que eles pensavam?

Roberto Freire: Talvez tenha sido.

Paulo Markun: Senador, nós agora vamos fazer um rápido intervalo, mas voltaremos daqui instantes com o Roda Viva, até já.

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, nós estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o senador Roberto Freire, presidente do PPS em mais um programa da série sobre a conjuntura. Aldo de Souza, do Rio de Janeiro, pergunta se Garotinho é um nome forte para 2002.

Roberto Freire: Olha, Garotinho está com um problema, que talvez tenha sido uma grande surpresa nessas últimas pesquisas, do crescimento... Agora Garotinho vai ter uma dificuldade grande com o problema de aliança, não é? O partido dele terá um tempo muito curto em termos de televisão e, talvez, a tentativa de se afirmar..., ele está tendo uma postura assim de afastar, talvez, possíveis aliados, mesmo com o crescimento que ele possa ter de intenção de votos.

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor faz aliança com ele, o senhor faria aliança com o Garotinho se pudesse?

Roberto Freire: Olha, nós não votamos com ele lá no Rio, não, viu? O partido não ficou com ele lá.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Não, mas o senhor não votou com o PTB também e está fazendo aliança com o PTB, não fazer aliança com...

Roberto Freire: Eu sei, eu não tenho essa relação assim com o Garotinho, nós não fizemos nenhuma aliança com ele não, mas o PSB é um partido que... nós estamos fazendo aliança em vários estados...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas, o Garotinho não é bem PSB?

Roberto Freire: Sim, mas está no PSB, também se não fizer assim aí...

José Nêumane: Ele está mais naquele perfil fundamentalista cristão, ele está fazendo uma grande comunicação em rádios evangélicas no interior do Brasil...

Bob Fernandes: No país todo....

José Nêumane: É, no Brasil inteiro, você vai, você encontra uma rádio evangélica, você ouve uma pregação...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Isso tem uma mistura de religião com...

Roberto Freire: Tem, e eu não gosto disso não, isso é uma coisa que me causa um certo incômodo.

Kennedy Alencar: Por quê, senador?

Roberto Freire: Porque eu nunca fui bom nessa relação de Igreja, de religião com o poder. Eu acho que, uma grande conquista que o Brasil teve, é termos uma república laica, não é? E, mais do que isso, é que esse processo gera uma intolerância... vou dar um exemplo, o próprio Garotinho, já com um certo receio dessa vinculação muito grande dele com os evangélicos, não sei se a pesquisa... Quem viu aí? Esse Data Folha já tinha um dado interessante, é que o voto católico é onde ele tinha menor índice de intenção [de voto], ou seja, isso é uma das coisas que pode criar...

Bob Fernandes: Mas talvez o suficiente para levá-lo ao segundo turno?

Roberto Freire: Eu não sei, porque, olha, no dia, na hora em que tiver isso, você vai ter também um processo de discussão, mas sempre são poucas as pessoas, até, que tem essa coragem de estar discutindo essa questão fundamentalista, por quê? Porque tanto na política, se fazendo muitas concessões... eu vi aqui, no segundo turno, era uma facilidade tremenda de se buscar esses pastores...

Bob Fernandes: Todo mundo fazendo...

Roberto Freire: Aí todo mundo acha bom porque vem o voto, então a gente tem que dizer o seguinte: “Olha, o voto do cidadão, ótimo!" Agora, igreja não tem que estar tendo esse tipo de... O Brasil tem uma boa experiência, a Liga Eleitoral Católica, o Partido Democrático Cristão nunca foi forte no Brasil.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Com que partido o senhor não faz coligação de jeito nenhum, mesmo que tenha muito tempo na televisão, mesmo que tenha meia hora na televisão, o senhor não faz?

Roberto Freire: Pronto, aí você vê como é a política, fica um negócio assim, nesse maniqueísmo... chegar ali juntinho... PPB e PFL,  pronto.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mesmo que tenha meia hora?

Roberto Freire: Mesmo que tenha meia hora...

Kennedy Alencar: O que o senhor acha do Lula ter procurado o PL, que tem deputados na bancada da Igreja Universal do Reino de Deus? Que o Lula... Eu acho que estava falando aí...

Roberto Freire: É, vamos aqui..., eu estava até meio preocupado porque eu tinha tirado [a pergunta] da outra vez. Agora eu acho que tem que dar a ele... [referindo-se ao direito de outro entrevistador fazer a pergunta]. Mas olha..., o problema é de Lula, eu só espero que não faça concessão, por exemplo..., uma coisa que eu acharia no Brasil de... Agora já tivemos, inclusive o Movimento Negro pedindo que se pague também, professor da Umbanda, das religiões afro-brasileiras, que deve ter direito, se tem ensino de religião na escola pública, tem que dar a todos, não tem que ser da Igreja Católica e pagar para professor da Igreja Católica, não. Quem tem que pagar são as igrejas. Primeiro de tudo: não deveria nem ter. Problema de religião é problema de família e da Igreja, não é do Estado, o Estado tem que garantir a liberdade, até porque com isso, dando a religião lá [na escola] estou garantindo, talvez, o privilégio das religiões majoritárias no país..., porque mesmo não sendo oficial é quase que oficiosa.

Carlos Novaes: Quem acompanhou com atenção a sua defesa, as suas tentativas de justificar a aliança com o PTB, fica com um problema, que é o seguinte: qual é a razão para o senhor recusar tão violentamente o PPB e o PFL e aceitar o PTB? O senhor vai se refugiar na seguinte idéia: que o PTB não representa nenhuma facção do capital, esse é um argumento, digamos, do velho comunismo, mas o PTB...

Roberto Freire: Algumas coisas do velho comunismo são muito interessantes.

Carlos Novaes: Mas ele tem sido a linha acessória das forças conservadoras do Brasil.

Roberto Freire: Não vamos pensar que está tudo ruim não, ham?

Carlos Novaes: Ele tem sido a linha auxiliar das forças conservadoras no Brasil, tanto que, ali nos municípios onde nem o PFL e nem PPB lançam candidatos para prefeito, o PTB chega a ter 25% dos votos nacionais, quando a média dele é 3%. Ou seja, onde a direita não lança candidato, no PPB e no PFL, é o PTB que aparece representando a direita. Então... é, mas os dados mostram isso...

Roberto Freire: De algum município, de uns municípios...

Carlos Novaes: Não, de todos os municípios onde eles não lançam candidatos... A direita não lança candidato, o PTB, desse conjunto de municípios, tem 1/4 quase dos votos do Brasil, ou seja, o PTB é uma linha auxiliar do voto conservador de direita do Brasil, mas não precisa ir tão longe...

Roberto Freire: Não conservador de direita... Pode ser conservador e não ser de direita.

Carlos Novaes: Não, mas no caso do PTB é de direita, ou não é?

Roberto Freire: Não sei.

Carlos Novaes: Não apoiaram o Collor, não é de direita o PTB? O que sobrou do PTB com laços do movimento sindical? O que sobrou do PTB em laços com as forças sociais?

Roberto Freire: Não, espere aí, laço com movimento sindical?

Carlos Novaes: É, do PTB não sobrou nada.

Roberto Freire: A Força Sindical tem a expressão deles... [A Força Sindical é uma das centrais sindicais brasileiras]

Carlos Novaes: A Força Sindical tem uma expressãozinha agora recentemente, nos sindicatos metalúrgicos de São Paulo. Fora disso o que é que é? O movimento sindical vivo do Brasil está com a esquerda.

Roberto Freire: Onde?

Oliveiros Ferreira: O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo é o sindicato...

Roberto Freire: Qual é, qual, onde?

Carlos Novaes: É esse sindicato.

Roberto Freire: Onde é que você está vendo isso?

Carlos Novaes: Onde o quê?

Roberto Freire: Essa esquerda no movimento sindical?

Carlos Novaes: A esquerda do movimento sindical é a CUT [Central Única dos Trabalhadores].

Roberto Freire: É, mas que é três, três candidatos a presidente da CUT, isso é um problema grave da CUT, eles devem...

Carlos Novaes: Mas eles continuam sendo de esquerda.

Roberto Freire: Ôpa, espera aí, claro, eu não estou dizendo..., mas eu estou querendo mostrar que você vê um movimento sindical, o movimento dos trabalhadores é uma coisa meio complicada, por quê? Porque a CUT, os três, os três candidatos a presidente da CUT, todos os três eram servidores públicos. Esse é um problema que a CUT inclusive deve estar analisando. Espera aí, eu estou querendo dizer que no movimento dos trabalhadores, em geral, você tem hoje uma presença muito grande da  Força Sindical. Aí, eu não estou querendo dizer se é mais radical, é mais à esquerda ou menos a esquerda, eu estou dizendo, o movimento operário, o movimento dos trabalhadores, eu diria até, aqueles que têm menor presença, historicamente, são talvez os mais espoliados, há uma tendência de seu fortalecimento na Força Sindical. É uma discussão política que eu acho que é importante a gente fazer para não ficar apenas, no que ia dizer, não, a CUT está representando hoje o movimento operário...

Paulo Markun: O fundador da Força Sindical está no PL, é um deles.

Roberto Freire: É da Força Sindical, é inclusive...

Paulo Markun: Está no PL.

Roberto Freire: Está no PL. Foi a concessão...

Fátima Pacheco Jordão: E o atual presidente está no PTB.

Roberto Freire: Está no PTB.

Paulo Markun: O atual presidente está no PTB.

Roberto Freire: O presidente está no PTB.

Paulo Markun: O Paulinho.

Fátima Pacheco Jordão: E disse que vai ser o vice do Ciro [Gomes].

José Nêumane: Essa questão da esquerda e da direita, eu vi O Globo no sábado, dando a notícia que o Lula estava dando uma guinada à direita, porque elogiou o [Otávio Gouveia de] Bulhões [1906-1990, economista que foi ministro da Fazenda no governo Castelo Branco de 1964 à 1967] e o Delfim. Eu acho que O Globo fez uma leitura errada. Na verdade, o Lula não elogiou o Bulhões e o Delfim, o Lula disse que o governo Fernando Henrique era pior que a ditadura militar. E essa é a mentalidade que tem circulado um pouco aí na sociedade brasileira, eu vi nesse programa muita gente boa defendendo essa idéia que eu considero uma sandice. De qualquer maneira...

Roberto Freire: Eu concordo, porque é uma sandice. Eu estava fazendo uma comparação, eu digo o seguinte: talvez esse... nem governo, nem Delfim tivessem procurado o FMI [Fundo Monetário Internacional], e procuraram, até porque o Lula... faltou alguém informá-lo, que não era bem verdade isso. Mas era muito mais grave, é que a ditadura não precisava buscar o FMI, porque tinha atrelado o Brasil, como força auxiliar política de uma "terceira guerra", em que nós, os comunistas, internamente, já éramos os inimigos, ou seja.  Era da política pior e mais grave, que era a política do Pentágono, de segurança nacional, então muito mais grave do que evidentemente só o FMI. E outra coisa, essa comparação com a ditadura é que, talvez, olha, as pessoas que dizem isso, eu fico perguntando, será que você viveu a ditadura?

Carlos Eduardo Lins e Silva: Senador, desculpe, o senhor não respondeu a pergunta do professor lá, qual a diferença do PTB, do PPB e o PFL?

Roberto Freire: Sim, eu estava querendo dizer..., tanto é que não é um partido da direita, não é. É um partido que eu estou dizendo o seguinte... eu ia dizer, eu terminei não falando... Em Pernambuco, por exemplo, Recife e a área metropolitana, ganhamos com a esquerda, a prefeitura, junto com o PTB. Eu quero dizer a você que no Rio Grande do Sul, tem o PTB que não se confunde com toda essa visão, dos bigorrilhos, eu quero buscar o antigo, porque nem tudo o que é antigo a gente tem que jogar fora, até porque alguma coisa nos ensina... o PTB sempre foi uma mescla disso daí. Eu quero trabalhar com os trabalhadores, ou com esses que são mais oprimidos e excluídos, porque para isso eu quero falar, muitas vezes ele até votando na direita, não é? Então eu quero também falar para eles, eu não quero falar apenas para aqueles que estão... acho que o PTB pode representar isso, estamos abertos para isso, não vou fugir de enfrentar, que é problemático até, porque o PTB, até bem pouco tempo, apoiava o Fernando Henrique...

Carlos Novaes: Não só apoiava, como é campeão, é campeão na base parlamentar do Fernando Henrique, os deputados do PTB votam sistematicamente e votaram..., e mais, quando o Roberto Jefferson acabou de fazer aliança com os senhores, uma das coisas que ele pediu foi isso: olha, parem de falar mal. Aliás, o Roberto Jefferson dando lição de moderação ao Ciro Gomes: para de criticar o presidente, e eu vou continuar votando com o presidente no Congresso, porque para nós isso é importante. Então, não é nem que ele deixou a base parlamentar, o PTB está na base parlamentar do governo, até a próxima votação. Eu vou acreditar que o PTB está apoiando vocês, no dia que o PTB negar o voto ao Fernando Henrique dentro do Congresso por alguma razão, que vocês...

Roberto Freire: Não faça isso não, porque senão você vai fazer isso agora. Teve uma votação agora ,recente, que eles votaram, inclusive caminharam junto com o PT, contra o governo, então tenha cuidado porque...

Carlos Novaes: Qual foi?

Roberto Freire: Agora, recentemente, há pouco aí, no orçamento, por exemplo, votaram contra com a saúde. Não é assim, não. Até porque não é por aí que a gente deve medir.

Oliveiros Ferreira: O senhor não acha que nós estamos fazendo propaganda demais do PTB?

Roberto Freire: É como se ficasse..., eu sei das dificuldades que você tem, só que eu acho que tem que sentar com eles, e vou discutir um programa comum.

Bob Fernandes: Agora falando do PPS. Senador, fale do PPS um pouco.

Roberto Freire: Claro, vou discutir e não tem nenhum problema, até porque eu gostaria muito de fazer essa aliança com todas as forças de esquerda, inclusive junto com o PT. Agora, eu não posso só ficar na base do desejo.

Paulo Markun: Coincide, viu Bob, só para... Você vai fazer a pergunta, só para justificar, é a observação que os telespectadores têm feito majoritariamente aqui nos e-mails, e que serão encaminhados ao senador, como, aliás, são encaminhadas todas as perguntas, para todas as pessoas que estão no centro do Roda Viva, e é exatamente sobre a aliança PPS e PTB?

Bob Fernandes: É, eu queria falar do PPS, não propriamente dito, mas o núcleo do poder que está em torno do Ciro Gomes. O senhor que tem uma formação marxista clássica e tem, digamos, eu não sei bem, como que um antagonista - ideologicamente não creio que esteja próximo do senhor, inclusive pessoalmente, porque os senhores já tiveram algumas rusgas - que é uma pessoa muito importante nesse projeto de poder, que é o Roberto Mangabeira Unger [ver entrevista com Unger no Roda Viva]. Inclusive o senhor foi obrigado a atropelá-lo no processo de secretário de São Paulo, quando daquela questão de filiações partidárias, quer dizer, então, falando do projeto, porque quem executa e faz os projetos são as pessoas. Então, quer dizer, é possível, e até que ponto essa desinteligência entre o senhor e o Mangabeira Unger não pode atrapalhar um projeto de poder mais adiante. Digamos que o Ciro seja presidente da República, como é que os senhores se darão?

Roberto Freire: Olha, não tem, não tem muito esse desentendimento.

Bob Fernandes: Olha, pelo que a gente sabe, tem, não é?

Roberto Freire: Não, eu estou dizendo que não, não teve desentendimento. O problema é que eu não atropelei não, eu decretei uma intervenção aqui, isso não é um atropelo não.

Bob Fernandes: É eufemismo.

Roberto Freire: Não precisa ser, não, e fiz isso com toda a transparência, até porque o partido não iria se transformar, evidentemente, numa legenda e nem eu quero alugar as filiações.

Bob Fernandes: Sim, mas então tem um desentendimento?

Roberto Freire: Claro, mas isso é feito com toda transparência, nenhum problema.

Bob Fernandes: Há algo latente colocado aí?

Roberto Freire: Eu não sei se é latente, eu não sei se ele tinha percebido no que ele estava se metendo, ninguém vai ser candidato em um partido, fazendo um partido...

Bob Fernandes: Sim, mas independente disso, há diferenças de percepção ideológica, eu diria.

Roberto Freire: Sim, mas é óbvio. Qual é o problema? Eu não sei se tem também essa coisa a ver com Ciro não, há informação distinta...

Carlos Novaes: Mas é curioso, o senhor atacou tanto o PT pelas divergências internas do PT.

Roberto Freire: Não ataquei, não.

Carlos Novaes: Não? O senhor disse: “Olha, eles vão ter muitos problemas", o senhor apresentou isso como um defeito do PT.

Roberto Freire: Não, não.

Carlos Novaes: E das correntes internas, agora o senhor vem justificar o PTB, o Mangabeira Unger, todo mundo junto?

Roberto Freire: Você não se engane, olha aí depois você reclama...

Carlos Novaes: Dois pesos e duas medidas?

Roberto Freire: Não, você está reclamando porque eu interfiro, mas você, evidentemente, está querendo extrair aquilo que eu não disse. Eu constatei um fato na dificuldade do PT, por conta das suas tendências. O PT pode achar isso ótimo e você também, eu não quero tendência no PPS. Agora, divergência no PPS é claro que sempre teve. Eu não quero "assentar limbo", porque isso já deixamos bem para trás. Mas também não quero tendência.

Carlos Novaes: Mas a minha pergunta é muito clara, senador, porque é um problema as tendências do PT, e não é um problema uma aliança que reúne o PTB e o Mangabeira Unger?

Roberto Freire: Aliança é diferente. Não, não... porque é diferente.

Carlos Novaes: Porque vocês vão ter que governar juntos, do mesmo jeito. O problema é o mesmo.

Roberto Freire: Se você quiser saber qual é a diferença é fácil, eu tenho um problema e o PT, com as tendências, terá dificuldades inteiro, eu não tenho.

Bob Fernandes: Mas o senhor não chega ao extremo do Jorge Bornhausen, não, que disse que o Brasil não merece Itamar e Lula, ou como é que foi mais ou menos a frase? Foi mais ou menos isso.

Kennedy Alencar: Itamar e Lula no segundo turno.

Paulo Markun: Itamar e Ciro.

Fátima Pacheco Jordão: Que o Itamar não está preparado.

Kennedy Alencar: Itamar e Lula no segundo turno.

Bob Fernandes: Itamar e Lula.

Roberto Freire: Não é um autor que eu gosto de citar.

Bob Fernandes: Jorge Bornhausen?

Roberto Freire: E, muito menos, ouvir a citação dele.

Kennedy Alencar: Mas senador, eu queria dizer o seguinte...

Roberto Freire: Mas olha, eu estou dizendo a você o seguinte, o problema do PT... Não é se é ruim ou é bom, eu estou constatando um fato. Agora, eu não gosto disso no meu partido, eu acho que o partido não deve incentivar tendência, por quê? Porque são vários partidos dentro de um, isso pode ter funcionado na Itália quando a Democracia Cristã criou esse tipo de tendência. Aqui foi algo muito positivo no começo, o PT avançou tremendamente com essa idéia. O socialismo, vamos definir depois, a política vamos definir. E saiu juntando, e foi um grande movimento que [o PT] conseguiu. Tem dificuldade hoje em definir, está começando a ter uma certa hegemonia, acho que Lula começou a perceber que não pode ser presidente da República, tratando as tendências e não se definindo. Está tentando buscar a definição, isso é importante, veja a dificuldade. Eu não preciso buscar definição, nem o nosso candidato programaticamente dentro do partido. Esse é o programa dele para presidente e o partido está tranqüilo, mesmo que possa ter divergência, do ponto de vista político, com o Mangabeira. Posso dar uma  [divergência] bem geral? Ele é presidencialista, e eu sou parlamentarista, e ele tem uma visão desse presidencialismo de algo que há um caráter plebiscitário, que é importante na sociedade, porque isso tem um fator... eu acho que isso, talvez, seja até o pior fator que possa ter o presidencialismo.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas por falar em plebiscito, o Ciro disse que vai resolver os grandes problemas da nação por plebiscito, disse isso ao [jornal] Valor.

Roberto Freire: Não, eu não sei se ele, não...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Eu estava presente, eu ouvi.

Roberto Freire: Eu sei, isso aí saiu mal. Ele teve que justificar agora, porque, primeiro, tudo ele não pode resolver, isso até porque plebiscito e referendo não é o presidente que convoca, é o Congresso.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas ele estava muito convencido de que essa é a melhor solução, me pareceu que ele defendeu com muita ênfase que tem que resolver os grandes problemas nacionais por plebiscito, porque no Congresso vai ser difícil, e a coisa tem que ser por plebiscito.

Roberto Freire: Se ele disse isso, eu sei que cometeu um equívoco, porque ele teve que... agora domingo ele fez uma colocação que é tremendamente aceitável, até reconhecendo que era difícil ele dizer, vou chamar o plebiscito ou referendo, porque não depende dele, não é o presidente que faz isso, Constitucionalmente só quem convoca plebiscito ou referendo é o Congresso.

José Nêumane: Se o presidente pedir um plebiscito, o Congresso não vai assim, não é?, convocar...

Roberto Freire: Mas se for no impasse, evidentemente que ele não vai dar. Se for nessa visão, é porque você está admitindo que há um impasse entre executivo e legislativo.

Carlos Novaes: Mas se não há um impasse, para que um plebiscito?

Roberto Freire: É porque o plebiscito...

Carlos Novaes: Ou o plebiscito é para regular problema de coordenação entre o executivo e o legislativo, e aí surge um problema adicional, de que o Congresso não pode... ceder...

Oliveiros Ferreira: Pode ser para regular problema entre o governo e a sociedade.

Carlos Novaes: Pois é! E aí, isso! E se for para regular problema entre o governo e a sociedade, e for precisar do Congresso, para quê um plebiscito se o Congresso já pode resolver?

Paulo Markun: A pena de morte, por exemplo, não tem que ter plebiscito, vamos citar outra, a monarquia...

Bob Fernandes: Mas pena de morte não é iniciativa do executivo, Markun.

Paulo Markun: Sim, eu digo, mas...

Carlos Novaes: Olha, nós estamos falando de problemas de governo, não de problemas dessa ordem, desse campo de valores.

Paulo Markun: Sim, mas...

Roberto Freire: Não, mas eu quero dizer o seguinte: quem quer ouvir? Eu acho que o plebiscito é um processo de democracia direta, que eu não gostaria de utilizar, até porque ele é muito maniqueísta. Sim ou não, é uma coisa reducionista, perigosa, inclusive. No momento, é muito utilizado por ditadores. Eu sou muito favorável ao referendo. E gostaria de dizer o seguinte, que há uma falsa idéia, como se o referendo fosse uma diminuição... uma carta de renúncia do Congresso. É exatamente o inverso, o referendo consolida e dá maior substância à própria decisão do Congresso, por quê? Porque faz com que a sociedade participe de algo que foi decidido pelo Congresso. E os melhores momentos do Parlamento, em qualquer sociedade, é quando ele discute uma questão e a sociedade dela participa. Esse é o melhor momento que tem, mesmo que seja uma decisão contra ela. Mas aí ela sabe porque o Congresso está se mobilizando e votando. Então, o referendo dá essa ligação. Se você for em qualquer democracia, das mais avançadas na questão da democracia direta, até porque no Brasil tem a grande chance, porque tem uma boa base técnica, a questão da informática, onde você tem rapidamente uma consulta,  que poderia ser bem utilizada... Você tem os Estados Unidos, qualquer eleição lá tem um número imenso de referendos. Hoje, inclusive se utiliza muito na questão tributária, nos Estados Unidos utilizam muito. A Itália faz muito referendo. Essa é uma idéia que a gente, aqui, na questão da democracia direta, o referendo seja um instrumento. Há uma tendência no Congresso, dos parlamentares não gostarem porque fica como se dizendo: "eles querem ser muito mediadores, e não terem uma decisão e uma definição da sociedade posterior".  Isso, na questão da reeleição, por exemplo, Fernando Henrique, em um primeiro momento, interessou-se, chamou até o Franco Montoro,  junto com a gente, para tentar um referendo, veio a pressão da sua base, que achava que aquilo não deveria, e ele aí correu feito... a promiscuidade de ficar tentando conquistar voto de qualquer jeito para garantir a reeleição, se tivesse o referendo talvez não precisasse daquilo. Ali foi o primeiro momento de uma grande flexão do governo, com uma relação promíscua com o Congresso Nacional.

Kennedy Alencar: Senador, o senhor faz uma crítica do governo Fernando Henrique, uma crítica política social do Fernando Henrique. Agora há uma contradição do partido do senhor, que o PT aponta e algumas outras pessoas apontam, e vocês têm o  [...] de Fernando Henrique, que é o Raul Julgueman. Como o PT, às vezes, diz que o PPS se comporta de uma maneira mais governista, porque se alinha com teses do governo, com as quais o PT não se alinha. Qual a justificativa para ter um ministro do governo do Fernando Henrique, senador?

Roberto Freire: Não, nós não temos ministro.

Kennedy Alencar: O Raul Jungmann é filiado ao PPS.

Roberto Freire: Ele não está na qualidade de filiado do PPS, eu falei aqui quando você... foi até meio inusitado, não precisaria fazer, mas talvez foi uma homenagem que eu quis prestar à mulher brasileira, na figura de Luíza Erundina. O PPS tem uma postura... cometemos muitos erros e intolerância, o partido foi, mesmo com alguns aliados até civilizados, internamente nós cometemos os piores absurdos, de intolerância política. Eu acho que a gente aprendeu que não devíamos caminhar assim, e a gente teve uma posição, de que não iríamos fazer com nenhum dos nossos militantes, o que fizeram com Luíza Erundina, e mais...

Kennedy Alencar: Você defendeu o fortalecimento dos partidos, não é ruim um ministro liberar um ministro então, se ele não aplica a política do partido,  se ele é filiado?

Roberto Freire: Não vou expulsar, fiz mais, companheiro. Não é um ministro que foi para lá chamado Fernando Henrique, e associou-se ao partido, foram os dirigentes do partido, a executiva nacional do partido que, em 94, quando decidimos apoiar Lula, alguns dirigentes do partido do Rio de Janeiro solicitaram licença porque queriam votar em Fernando Henrique Cardoso. E nós não expulsamos, não. Vai e vota e depois se quiser se integrar de novo no processo político vai. Expulsar e ficar assim, então não adianta. Você é livre e democrático. Se as pessoas quiserem se entregar o constrangimento não é meu, e o que gostaria de até dizer é o seguinte: o partido pode até discordar da concepção da reforma agrária, que ainda está em vigor no país, mas eu quero dizer que, como ministro, Fernando Henrique tem que agradecer o PPS, por ter dado a ele um quadro que talvez seja o melhor que ele possa ter. [O Raul Jugman] enfrentou o que era o setor que é o mais difícil do governo e vai sair do governo, e ninguém vai dizer nada dele, numa área meio complicada, como, inclusive o Jader Barbalho vai ter que explicar e tudo...

José Nêumane: O Raul Jungmann está dando um tiro na indústria da seca...

Roberto Freire: Na indústria da seca... e está acabando com aquele negócio lá.

José Nêumane: Esse é um ato histórico que passa a ser...

Roberto Freire: Olha, eu quero dizer a você o seguinte, não está fazendo em nossos nomes, não. Mas eu quero dizer que não estamos fazendo nenhuma vergonha, viu?

Fátima Pacheco Jordão: Senador, o senhor falou em homenagem à mulher brasileira, então vamos um pouco além da homenagem, vamos falar, politicamente, de um segmento que pode ser a minoria política. Há coisas acontecendo na sociedade que estão sendo transferidas para o processo político, que vem da sociedade. Então, eu pergunto, qual é a posição sua, do seu partido e do seu candidato, em relação às políticas compensatórias, como agora foi tanto debatido no Congresso do Rio de Janeiro contra o racismo, a posição que o Brasil vai levar para a Conferência da ONU, da necessidade de políticas compensatórias, para combater o racismo e o preconceito? E, com relação a políticas compensatórias ou específicas, com relação às mulheres, por exemplo, o Programa Integral da Saúde da Mulher, que é um programa específico da saúde da mulher que tem já quase 20 anos e tem enormes dificuldades...

Roberto Freire: Tudo bem, vamos fazer uma distinção...

Fátima Pacheco Jordão: Para além da homenagem?

Roberto Freire: Claro, claro, vou fazer uma distinção das políticas compensatórias. No caso do problema, eu chamaria mais de políticas de integração e de superação de desigualdades, não necessariamente políticas compensatórias, o problema do gênero, problema da raça, no caso - raça é um nome que a moderna biologia já não aceita muito - vamos falar das etnias, talvez seja melhor, no caso do negro, e no caso da mulher, são políticas em que você tem que discutir intervenções concretas, seja de cota, nós estamos com o experimento das cotas na política e já avançamos, ainda há muito pouco, muito ainda a fazer, mas já melhoramos muito a presença da mulher na política, que é uma presença benfazeja. Temos que fazer isso em função do salário, do emprego, do acesso a bens culturais, e porque, tanto o negro quanto a mulher, são discriminados nisso. O IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] IBGE é até muito preciso nisso aí, talvez a grande conclusão que tem é, se o Brasil é um país desigual, a desigualdade é ainda pior em relação aos negros e as mulheres. E não adianta ter política de crescimento econômico, porque não supera, isso tem que ter intervenção concreta. Então temos que buscar... estamos, inclusive analisando a experiência que foi feita nos Estados Unidos,  já tem um acúmulo razoável para saber quais os erros que existem, as distorções que foram cometidas e os acertos, para saber como fazer. Temos que buscar isso, acho que é algo muito interessante porque é algo meio consensual, é difícil você ter uma força política no Brasil que seja contra isso. As mulheres conseguiram uma minoria impressionante lá no Congresso, elas têm um peso, porque toda vez que elas se mobilizam, elas se mobilizam por cima dos partidos, elas conseguem até avanço, no ponto de vista institucional. A outra política compensatória, isso dá um problema, por exemplo, um bom debate que a esquerda precisa fazer e que, de vez em quando, alguns setores da esquerda...  que não gosta, porque não gosta da polêmica... eu costumo dizer que essas políticas compensatórias são políticas liberais, que podem até ser importante e devam ser feitas, mas, o próprio nome indica, ela foi pensada para compensar aquilo que o sistema ou a estrutura não atende, ou seja, tem que compensar franjas marginais, não integradas. O problema brasileiro é o seguinte: é que a gente cria essa política, mas tem que levar em consideração que o nosso problema não é de franja marginal, lamentavelmente, o problema nosso é estrutural, porque a grande maioria é excluída. Então, eu fazer política, por exemplo, no século XXI, o Brasil ainda com analfabetos, eu vou pensar em resolver o problema do analfabeto, imaginando renda mínima vinculada à Bolsa Escola. Eu posso até utilizar, mas ela será sempre algo que compensa, uma sociedade não teria que ter essa compensação, [o Estado] teria que atender.

Paulo Markun: Senador...

Roberto Freire: Há até um dado importante em Brasília, alguém admite que, por exemplo, quando Cristóvão Buarque, que atendeu 100 mil famílias, não sei se chegou a 100 mil, mas próximo a isso, tinha provavelmente umas 50 ou 60 mil que eram do mesmo nível cultural, viviam na mesma região e não foram atendidas, porque tinham um bem a mais, e isso as excluía do programa. Só que essa se sentiu discriminada, porque não era tão diferenciada daquela outra família e não foi atendida. Então esse tipo de coisa tem que ser levado... Não significa que não se deva fazer. O PT, de vez em quando tem um problema grave, que quando eu digo, que eu quero formular um programa de esquerda para o Brasil e, evidentemente, não cabe no pensamento da esquerda. Pensar que será de esquerda defender apenas as políticas compensatórias, mesmo que as utilize...

Paulo Markun: Senador o nosso tempo acabou, a última pergunta de Raul Fernandes Marinheiro Júnior, é curta: qual é a definição para o senhor, de comunista hoje no Brasil e se o PPS espera ter militantes comunistas?

Roberto Freire: O PPS tem muito militante comunista ainda.

Paulo Markun: E o que é que é comunista hoje no Brasil? 

Roberto Freire: Hoje, é algo que pode se reduzir apenas à utopia, porque se ficarem imaginando como referencial de organização social, que foi a experiência a que nós nos vinculamos, do movimento comunista, da experiência do chamado socialismo real, da União Soviética, todo o sistema que se organizou no bloco soviético no período da Guerra Fria, evidentemente que é uma coisa de pensar política olhando pelo retrovisor. Toda aquela visão foi algo que marcou o século, teve conquistas, avançou, afirmou alguns valores importantes, ainda tão presentes, conseguindo, inclusive condicionar mudanças, conseguiu ter experiências importantes na social-democracia, pressionando por uma posição mais radical, onde você viu a sociedade mais justa, na Europa Ocidental, então teve, não é aquele negócio de dizer que não passou na história, e só trouxe os seus equívocos, seus erros e até seus crimes. Ter essa visão, hoje, evidentemente é algo que não corresponde à contemporaneidade, ao mundo do futuro, à modernidade. Agora, como utopia, eu continuo ainda acreditando que a gente pode buscar o reino da liberdade, que é a idéia de que possamos ter uma sociedade, se não perfeita, que nós não vamos ter, mas uma sociedade bem mais justa do que esta que nós temos. Nessa utopia, nós ainda podemos lhe dizer que o comunista existe, agora como organização social, o chamado socialismo real dos partidos comunistas, da Quarta e da Terceira Internacional, evidentemente isso é algo já ultrapassado.

 

Paulo Markun: Muito obrigado pela sua entrevista senador, e aos nossos entrevistadores obrigado também, e a você que está em casa. E nós voltaremos na próxima segunda-feira com mais uma hora e meia de debate no Roda Viva. Mais uma produção do jornalismo público da TV Cultura. Uma boa noite, uma ótima semana e até segunda.

Sobre o projeto | Quem somos | Fale Conosco