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Memória Roda Viva

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Roberto Freire

10/8/1989

O deputado federal e candidato à Presidência da República pelo Partido Comunista Brasileiro fala de como seu partido vê questões como reforma agrária, liberdade de imprensa e propriedade privada, entre outras

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[Programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Augusto Nunes: Boa noite. Estamos começando mais um programa da série Roda Viva Eleições 89. Estão sendo entrevistados durante esta semana no Roda Viva os candidatos à Presidência da República com melhor colocação nas pesquisas de opinião realizadas até agora. São dois programas por noite. O primeiro começa às 21h30min e o segundo, às 22h30min. Em cada programa é entrevistado um candidato durante uma hora. Para esta série especial, convidamos dois grupos de jornalistas que têm estado aqui diariamente representando alguns dos mais importantes veículos de comunicação do país. Já participaram até agora da série Roda Viva Eleições 89 os seguintes candidatos: Mário Covas, do PSDB; Fernando Collor de Mello, do PRN; Luiz Inácio Lula da Silva, do PT; Aureliano Chaves, do PFL e Leonel Brizola, do PDT. Agora nós conversaremos com o candidato do Partido Comunista Brasileiro [PCB] à Presidência, o deputado federal Roberto Freire, que estará sendo entrevistado nesta noite pelos seguintes jornalistas: Carlos Nascimento, editor de jornalismo da TV Record; Júlio César Mesquita, diretor do jornal O Estado de S. Paulo; Roberto Müller Filho, vice-presidente do jornal Gazeta Mercantil; Rodolfo Konder, editor-chefe do Jornal da Cultura; Luiz Weis, redator-chefe da revista Superinteressante; e Clóvis Rossi, repórter do jornal Folha de S.Paulo. Registramos e agradecemos a presença entre nós de convidados da produção do Roda Viva. Deputado Roberto Freire, ao contrário dos comunistas tradicionais, o senhor é a favor do pluripartidarismo, portanto, contra o regime de partido único, o senhor admite liberdade religiosa, é a favor de eleições livres e diretas, e não prega a extinção da iniciativa privada. Eu queria que, diante de tudo isso, o senhor nos apresentasse alguma prova de que é realmente comunista. 

Roberto Freire: Olha, inicialmente eu queria dizer que não é Roberto Freire que é a favor do pluripartidarismo, não é Roberto Freire que é a favor da liberdade religiosa, não é Roberto Freire que é defensor de um socialismo em que a propriedade seja social e não só propriedade estatal, ou seja, que não tenhamos uma economia estatizada completamente. Eu quero dizer que quem é favorável a isso é o Partido Comunista Brasileiro. E isso não é de hoje. Então eu estou aqui representando um partido que tem um projeto histórico para este país, que é um projeto socialista e que, desde 1958, começa a resgatar a questão da democracia como um valor fundamental. Isso não é de hoje, não corresponde a nenhum oportunismo eleitoral. Isso corresponde a uma tradição de luta dos comunistas que, inclusive, foi muito bem demonstrada quando não entrou em desespero na luta contra a ditadura. Todo o processo de luta e de resistência contra a ditadura, nós comunistas do PCB tivemos a capacidade de entender que o processo de luta era luta de massa, democrática, da grande frente democrática. Então, nesse sentido, eu quero dizer que, ao defender isso, eu me sinto muito à vontade, porque pessoalmente sou favorável a isso e, mais, tendo a companhia do Partido Comunista Brasileiro, o que muito me honra.

Augusto Nunes: Deputado, antes de começar a rodada pelo Julinho Mesquita, eu faria a pergunta então por outro ângulo. O que faz com que o Partido Comunista Brasileiro seja diferente, por exemplo, de um partido da social democracia européia? Qual é a diferença essencial?

Roberto Freire: Essa talvez seja a grande discussão e é importante a gente conversar, porque isso é algo de profundo, não é discutir em cima de mitos, nem de fetiches e muito menos em cima de dogmas. Lamentavelmente, nós comunistas tivemos durante muito tempo a primazia do dogma sobre a reflexão. Nós tivemos aqui no Brasil a aplicação de manuais, de normas bem rígidas, e até imaginávamos que tínhamos guias espirituais, eram os guias dos povos. E nós sofremos muito com isso, cometemos muitos erros e nós estamos revendo muitos desses erros e resgatando talvez algo muito importante do marxismo, o seu humanismo, a sua democracia. O que o caracteriza é algo que o mundo todo está discutindo. O que é a perestroika, a glasnot? O que é o processo de renovação do socialismo? O que é que significa a revolução científica e tecnológica? Quais são os novos modos de produção, as relações sociais que aí vêm?  Será que nós iríamos imaginar o socialismo do século 21 igual àqueles que imaginaram no século 19 quando fundaram sua teoria? E o marxismo não evoluía e ficava parado no século 19, ou então a aplicação do socialismo no século 20, entre guerras, um socialismo que iria ficar estatificado, quando o mundo avança? Evidente que não! Nós estamos querendo discutir o socialismo para o século 21, com as novas formas de produção, com as novas relações sociais que a revolução científica e tecnológica aí indica, o novo mundo que está surgindo, a superação dos estados nacionais. Então, nós estamos vivendo um mundo em reorganização, e nós íamos ficar com aqueles dogmas do passado? Eu acho que, pelo contrário, nós estamos trazendo uma grande discussão, aprofundando, e há distinção -  o que nós não queremos é ser gerentes do capitalismo, nós queremos o socialismo -  há distinção entre quem quer o socialismo e aqueles que simplesmente querem melhorar o capitalismo, que é o exemplo da social democracia.

Júlio César Mesquita: Deputado, o senhor sabe muito bem, talvez até melhor do que eu, que, nos países comunistas, um programa como hoje o senhor se encontra aqui, numa televisão ao vivo, num debate como este, jamais seria possível ser levado ao ar, porque não há liberdade de imprensa. Você tem um órgão oficial do partido comunista que é o que se comunica com a sociedade. O senhor sabe muito bem também que há poucos dias em Cuba foi vetada a entrada de jornais russos, esclarecendo o que é a perestroika, o que é a glasnost, enfim, nós não temos liberdade de imprensa em países comunistas.  Aqui no Brasil, graças a Deus, felizmente, há alguns anos nós já temos liberdade de imprensa. O senhor, caso venha a ser o presidente da República, se habilitaria a tentar estatizar os meios de comunicação? O senhor é a favor ou contra a liberdade de imprensa? E se for a favor da liberdade de imprensa, como é que se encaixa isso dentro do seu projeto comunista?

Roberto Freire: Olha, primeiro de tudo eu acho que essa conquista foi tanto sua quanto minha. Nós estamos aqui falando, e talvez grande parte dessa conquista tenha sido até com muito sacrifício da nossa parte. Nós comunistas pagamos, com alguns companheiros, até com a vida, para reconquistarmos o direito de estarmos falando aqui. Então a nossa vida, a nossa experiência aqui no Brasil, é de que nós lutamos pela liberdade de imprensa, para podermos estar falando aqui.  E esse é um compromisso que nós temos, não é um compromisso pessoal, como eu vinha dizendo, é um compromisso do partido. O que ocorre no mundo socialista é que a discussão sobre a liberdade de imprensa, durante um certo tempo, teve um certo viés autoritário de dizer que a liberdade não era bem de imprensa. O que se queria e o que se pretende no mundo capitalista, e o que se dizia lá, era que era a liberdade da empresa, que não era propriamente a da imprensa.  Só que eu acho que isso está mudando e mudando aceleradamente. E você dizer que isso não seria possível no mundo socialista, eu digo que há algum tempo já é. Não é um debate com um candidato a presidente, [por] que ainda não chegou, mas candidatos a senador, na Polônia mesmo, teve 99, parece, senadores eleitos pela oposição e que debateram na televisão. Está se buscando um processo de democratização. É verdade que isso está ocorrendo. Eu acho que é importante salientar, porque isso nos ajuda a defender também a liberdade de imprensa aqui. Eu não sou favorável à estatização dos meios de comunicação Eu defendo que nas telecomunicações e na comunicação social, quando não escrita, ela seja por concessão do Estado, como é hoje. Agora, o que eu quero discutir é o controle que a sociedade deve exercer para se evitar monopólios. E nós temos que discutir concretamente quem é que deve dar concessão, a quem se deve dar concessão, quais são os compromissos, porque é um serviço público, não é algo que se possa usar e utilizar como bem se entender, é um serviço social. Agora, esse controle deve ser exercido pelo poder político democrático da sociedade. No caso concreto, nós avançamos porque não é mais o presidente da República. A questão das concessões, hoje são dadas pelo Congresso Nacional.  Nós defendemos a continuidade disso, agora queremos alguns controles. E o primeiro deles, por exemplo, por que aqui se privilegiam grupos financeiros privados e não se privilegiam, na distribuição ou na concessão desses canais, entidades da sociedade civil: sindicatos, partidos políticos, universidades. Por que não se fazer também isso? Eu não estou defendendo até porque onde havia estatização – e não era só no mundo socialista, era também na Europa ocidental – está se promovendo um processo de privatização também dos meios de comunicação. Essa é a nossa posição. Está previsto inclusive na Constituição brasileira.

Augusto Nunes: Deputado, temos várias perguntas a fazer, e os telespectadores, como o senhor pode notar pelos papéis que chegam, também. Então eu vou pedir tanto aos entrevistadores como ao próprio deputado Roberto Freire que sejam bastante concisos. Não há nenhuma limitação rígida para o tempo de respostas, mas que sejam concisos para que o maior número possível de assuntos possa ser abordado.

Roberto Freire: Até porque eu estou muito favorável ao diálogo.

Rodolfo Konder: Deputado, quando Marx pregava o desenvolvimento incondicional das forças produtivas, certamente ele não imaginava que um dia nós estaríamos colocados diante de um desafio diferente e novo, que é questão da preservação do meio, a questão ecológica. Hoje o desenvolvimento das forças produtivas pode ter limites, podemos chegar à conclusão de que não é sempre que as forças produtivas devem se desenvolver ou pelo menos não é ilimitadamente. Em relação à ecologia, qual é o seu projeto, qual é a sua postura?  O senhor considera indispensável, por exemplo, que todos os projetos de um governo considerem a questão ecológica como uma referência básica?

Roberto Freire: Olha, eu acho que Marx, inclusive, teve algo de interessante, porque ele imaginava que com o desenvolvimento dessas forças produtivas, nós iríamos ter socialismo nos países mais desenvolvidos. E se deu o rompimento pelo elo mais frágil, talvez por países mais atrasados. O importante a salientar é que esse desenvolvimento dos países capitalistas, de ponta, do chamado Primeiro Mundo, se deu sem respeitar esse desafio, que era exatamente desenvolver-se, mantendo o meio ambiente, a natureza, preservando a chamada ecologia, os ecossistemas.  Não respeitaram coisa alguma e hoje estão em busca desse tempo perdido. O desafio nosso é que nós vamos ter que nos desenvolver, buscando caminhos em que haja o respeito fundamental. Existe hoje toda uma preocupação ecológica no Brasil. Eu gostaria de dizer preocupação ecológica e não consciência ecológica, que ainda nós não temos. Nós fomos despertados muito tardiamente para essa questão, e mais até por pressão externa do que interna, não foi algo que surgiu do Brasil. Talvez em função da devastação, desmatamento da Amazônia, toda a manifestação de setores, de pressão internacional na Europa, é que trouxeram a preocupação ecológica. Mas eu acho que nenhum governo pode enfrentar processo de desenvolvimento, sem hoje levar em consideração a questão da ecologia. Isso para qualquer governo que entre. E é necessário dizer: nós não vamos abdicar do desenvolvimento, mas nós vamos ter que encontrar novos caminhos do desenvolvimento, levando-se em consideração a questão ecológica. Só que eu lembraria o seguinte: eu talvez possa ainda continuar com aquele messianismo marxista nesse ponto de que pode-se desenvolver infinitamente, em função de que o conhecimento humano é infinito. Ele vai ter que descobrir, e está conseguindo descobrir científica e tecnologicamente, meios de que se faça desenvolvimento, mas ao mesmo tempo se preserve a natureza. A ciência e a tecnologia podem responder a isso.

Clóvis Rossi: Deputado, o senhor já apontou nessa resposta um erro de avaliação de Marx em relação à implantação do socialismo. E falou também do socialismo do século 21 em contraposição ao do século 19, a formulação da teoria no século 19. Eu queria saber se isso, e mais os outros vários [erros] que o senhor ainda não mencionou, nos autorizam a supor que o marxismo está morto, ou não?

Roberto Freire: Ao contrário, talvez ele fosse ser assassinado, se não tivesse esse processo de renovação, ele ficava inerte. O marxismo não é dogma, e talvez seja um instrumento de análise que, inclusive, com o desenvolvimento, vai ter que ser atualizado. Nós hoje podemos estar falando de marxismo, e nós não podemos falar apenas de Marx ou Engels e nem só de [Vladimir] Lênin [(1870-1924), líder da Revolução Russa de 1917 e chefe de governo da Rússia de 1917 a 1922]. Nós talvez tenhamos que falar no mundo como o nosso, desenvolvido, embora com situações de certa perversidade, mas o fato concreto é que esse desenvolvimento criou teorias como a de Gramsci. Então, o marxismo não pode estar inerte no passado. Ele é um guia, talvez muito mais teórico para análise de realidade e que tem que se adaptar às novas realidades, porque a morte seria ele ficar nos seus manuais e talvez com suas formulações do século passado. Talvez analisando o Estado a partir da Comuna de Paris. E nós temos que começar a analisar o Estado do século 21, onde o Estado Nacional já está sendo superado. É importante começar a analisar o marxismo como algo que é muito vivo até. E eu acredito que o que nós estamos tentando no Brasil é discutirmos essa perspectiva do marxismo vivo e não do marxismo dos manuais, porque nós também tivemos esse erro. Não era de Marx, era o nosso.

Luiz Weis: Há uma distinção, evidentemente, entre marxismo e partidos marxistas. Os partidos comunistas, como o senhor bem sabe, constituíram a sua identidade, ao longo do tempo e na geografia, fundamentados, entre outras coisas, num projeto de tomada de poder pela via revolucionária, para a implantação de uma ditadura do proletariado [conceito desenvolvido por Marx para o ato revolucionário de expropriar os meios de produção e anular a resistência burguesa, produzindo como consequência a hegemonia do proletariado sobre toda a sociedade, dando início à transição do capitalismo para a primeira fase da sociedade comunista], sob a hegemonia do partido único, Partido Bolchevique [Também conhecido como Partido Operário Social Democrata Russo, representou a ala radical dos comunistas russos, que tomou o poder no país em 1917, após a Revolução Russa], e que conduziria ao advento do socialismo. Segundo todas as evidências, esse projeto faliu, ou para usar o jargão, caiu no processo, caiu em desgraça.  Diante disso, muita gente pode estar se perguntando, e eu gostaria de ser porta voz dessa pergunta para o senhor. Para que servem hoje os partidos comunistas? O quê, aos olhos do povo, os distinguem dos demais partidos de esquerda que privilegiam os avanços sociais?

Roberto Freire: Olha, primeira coisa, eu gostaria não de fazer uma profissão de fé, porque não é necessário, mas eu gostaria de talvez situar uma certa relatividade na questão do socialismo. Ele tem 70 anos e construiu sociedades bem mais justas, onde existia fundamentalmente a justiça. O capitalismo tem quase 400 anos, estamos vivendo no Brasil, que é capitalista, e que não resolveu os problemas básicos. Então vamos começar a ter uma certa relatividade quando analisamos os dois sistemas. Nós não podemos estar analisando o capitalismo apenas no capitalismo de ponta, naquilo que sempre se beneficiou da espoliação que o capitalismo, a partir inclusive do sistema colonial, e depois do sistema imperialista, fez com os países de Terceiro Mundo. É importante a gente começar a analisar que o capitalismo é desenvolvido exatamente onde ele teve a capacidade de ser central e de colocar na dependência e na subordinação inúmeras outras nações que tinham da sua mais valia, da exploração direta, através do colonialismo, inclusive impedindo o processo de industrialização. O colonialismo inglês na Índia é o exemplo de que se fala sempre, tentando desarticular todo o processo de industrialização daquele país. Então é importante a gente salientar por aí. São 70 anos de experiência histórica, o que é muito pouco em termos de história, embora possa até ser muito em relação a gerações, porque é verdade que é bem maior do que uma geração.

Luiz Weis: Deixe eu entender direito. O projeto ortodoxo, portanto, não demonstrou ainda a sua inviabilidade.

Roberto Freire: Não. Não é o projeto ortodoxo, esse demonstrou. Claro que as sociedades...

Luiz Weis: Se ele demonstrou sua inviabilidade, para que serve o Partido Comunista hoje?

Roberto Freire: [continua falando, mesmo que Augusto Nunes esteja tentando avisá-lo sobre o tempo esgotado para a resposta] Mas o Partido Comunista vai ficar igual ao de 1917? E quem disse que o Partido Comunista Brasileiro é igual ao Partido Bolchevique de Lênin? Até porque o Partido Bolchevique é uma experiência soviética, é uma experiência da Rússia czarista. Nós estamos no Brasil, no limiar do século 21, não temos nada a ver com o processo de desenvolvimento, em termos concretos, eu não estou falando do ponto de vista teórico da idéia, de um exemplo histórico.

Augusto Nunes: Deputado, eu vou repetir, eu vou reiterar o apelo à concisão: nós estamos já com alguns bons minutos de programa. Eu queria completar a roda, então. Está dada a resposta?

Roberto Freire: Talvez para não ficar uma dúvida para ele, que eu estou vendo aí...

Luiz Weis: A resposta não está dada, mas não adianta, vamos seguir o programa e não faltará oportunidade para gente voltar nesse assunto.

Roberto Freire: Nós vamos voltar. Quero só que você pense que nosso [...] não é bolchevique não, é brasileiro.

Roberto Müller: Deputado, vou falar do Brasil de pouco tempo atrás, de 1986. A minha pergunta, ao contrário do que gosto de fazer, eventualmente, imputa um certo juízo de valor pessoal. Mas eu quero ouvir a sua resposta e a sua interpretação. Porque não obstante, toda a modernidade, as transformações a que o senhor se referiu agora a respeito do movimento comunista, do pensamento marxista, os comunistas e os marxistas seguem [sendo] especialistas em examinar o movimento das bases, o movimento das classes, dos grupos sociais. Sem prejuízo do que os economistas tenham dito e como tenham analisado, eu me recordo que à época, em 86, quando foi feito o Plano Cruzado [Plano econômico para contenção da inflação lançado em março de 1986 por Dílson Funaro, ministro da Fazenda do governo Sarney], e meses depois, quando o ministro Funaro, que já houvera feito o Plano Cruzado, fez também a suspensão do pagamento [da dívida externa brasileira], a moratória, o que ele tinha em mente e ele me disse isso, era que se tratara de fazer dois movimentos de transferência de renda do setor financeiro, no primeiro caso, interno, para o setor produtivo, comercial e trabalhista, por conseqüência. E no segundo movimento, uma transferência de renda do setor financeiro externo para o setor produtivo externo ou interno. A ser verdade essa premissa que eu coloco como base para a pergunta, o que se assistiu depois, a par de uma discussão teórica, muito sofisticada, foi que, aparentemente, os beneficiados, seja no movimento trabalhista, seja entre os industriais e os comerciantes e seja – o que é surpreendente, entre os parlamentares, os políticos de centro, até a esquerda – não defenderam esse movimento. Se isso é verdade, se o senhor concorda com isso, eu gostaria de ouvir a interpretação de um deputado comunista candidato à presidente da República, por que isso acontece no Brasil, e certamente não aconteceria na Itália e na França, outros países igualmente capitalistas?

Roberto Freire: Talvez a sua pergunta já contenha a resposta. É que no Brasil nós não tivemos um partido político que tivesse a responsabilidade de defender uma política estatal. O que nós tivemos foi um oportunismo deslavado. E, no momento em que o Plano Cruzado teria que sofrer evidentemente processos de mudanças, de correção de rumos e não se confundir com algo que era talvez muito benéfico do ponto de vista eleitoral, que era o congelamento, e que talvez aquilo fosse o detalhe do projeto - o projeto era muito mais um processo de distribuição de renda, transferência de renda do setor privado para setor público, para o setor trabalho e do capital, e do capital nacional, não mais vinculantes à remessa, através dos juros do pagamento do serviço da dívida externa - , pois bem, esse plano foi inviabilizado por um oportunismo eleitoral. Porque eu me recordo, e eu estava no Congresso, quando a equipe econômica do ministro Dílson Funaro procurou o Congresso para fazer as devidas correções no processo de insumos que estava com preços defasados e aquilo ali fez uma grande pressão na economia. O PMDB, o PFL e o governo não admitiram porque aquilo estava dando ganhos muito grandes na popularidade e iria render frutos na eleição. E ,logo depois da eleição, vieram as correções, e aí apareceu realmente como quase um estelionato eleitoral, e isso foi a grande frustração que houve no país. Essa é a nossa visão, foi a nossa visão inclusive no processo. Nós defendemos, talvez tenhamos sido o único partido que defendeu a moratória, e aí nós fomos coerentes porque defendemos também a suspensão do pagamento agora e a moratória, se chegarmos à Presidência. Então mostramos aí e podemos estar dizendo isso. Foi realmente uma irresponsabilidade da nossa classe dirigente e da elite política, de não ter dado sustentação a um projeto que era de distribuição de renda e que se confundiu com ganhos fáceis por conta do congelamento.

Carlos Nascimento: Deputado, depois de tantas explicações, talvez o senhor vá se assustar com a simplicidade da minha pergunta. Eu hoje falava por telefone com uma pessoa bem informada, instruída, bem colocada, e ela me falava sobre uma terceira pessoa. Então, num certo momento, ela disse assim: “Ih, ele é comunista”! Quer dizer, como é que o Partido Comunista do Brasil convive hoje com esse preconceito que evidentemente existe e existe em larga escala? Historicamente explicado porque o partido ficou na clandestinidade, as coisas que o senhor já sabe. Dentro da sua estratégia de campanha, como é que o senhor enfrenta esse preconceito, ou ele não existe, é uma coisa isolada?

Roberto Freire: Existe. Existe e forte.

Augusto Nunes: Só para aproveitar, por favor, deputado! São perguntas de telespectadores que são muito ligadas a essa preocupação levantada pelo Carlos Nascimento. Vários telespectadores perguntam, por exemplo, como o Luis Carlos de Oliveira, de Fortaleza, Ceará, se o senhor, caso seja eleito, não teria medo de repetir no Brasil a trajetória do presidente Salvador Allende [(1970-1973), foi deposto por um golpe de Estado comandado pelo general Augusto Pinochet, que instaurou a ditadura no Chile], no Chile, onde se tentou implantar um projeto socialista, e todos sabemos qual foi o desfecho da experiência. E o Hermano Raimundo de Melo, aqui de São Paulo, diz o seguinte: “Se acabou o tempo em que diziam que comunista come criancinhas, como é que aconteceu o que aconteceu na Praça da Paz Celestial na China [grande praça no centro de Pequim, foi palco, em 1989, da violenta repressão do governo chinês às manifestações pacíficas de estudantes e intelectuais contra o regime ditatorial. Estima-se a morte de quatro mil pessoas no episódio]? Eu acho que a questão é a mesma.

Roberto Freire: Bem, tem algo a ver com isso. O preconceito existe e não é fácil superá-lo. Nós temos pouco tempo de discussão do que nós somos, do que pretendemos. Esse partido tem 67 anos de existência e só sete anos de legalidade. Mas nós já conseguimos avanços substanciais a ponto de nós ouvirmos isso que você embutiu na sua pergunta de que as pessoas dizem “Olha, mas ele é comunista”!  Mas dizem o seguinte: “Mas tem um bom programa de governo, talvez seja a grande alternativa para este país e a grande opção para resolvermos alguns de nossos problemas”. Eu aí aposto um pouco, sabe em quê? Em que o preconceito será menos forte do que a melhor opção. Então é um processo. Eu acho que nós vamos superar também ao demonstrarmos que nós não somos comedores de criancinhas, aliás, nós queremos que todas as crianças comam, e no Brasil isso ainda não é verdade. Nós queremos que, neste país, não exista a discriminação, aquilo que inclusive nós temos, por experiência própria, sido vítimas dessa discriminação. Eu acho que a força desse processo sucessório, de nós estarmos discutindo, apresentando propósitos como nós estamos, talvez seja mais forte do que o rótulo do preconceito.

Luiz Weis: Deputado, eu gostaria de emendar nesse tema.

Augusto Nunes: A sua resposta está concluída?

Carlos Nascimento: Só uma coisa, posso? A grande preocupação de quem tem esse preconceito em relação aos comunistas, por exemplo, é o direito à propriedade. Coisa a que o brasileiro se apega cada vez mais, principalmente aqueles que tem dinheiro.

Roberto Freire: Que lamentavelmente em alguns campos não tem.

Carlos Nascimento: Qual é o seu conceito de direito de propriedade, por exemplo, a propriedade rural. O senhor mexeria na reforma agrária novamente?

Roberto Freire: Claro, claro, é uma necessidade. Agora...

Augusto Nunes: Aliás, deputado, antes de passar a pergunta. O senhor diz que o programa pode ajudar a acabar com o preconceito. Tem essa pergunta do Carlos Nascimento, e vários telespectadores como Tereza, simplesmente, de João Pessoa, querem saber o seguinte, queria que o senhor respondesse de forma sucinta. Como é que seria a sua reforma agrária?

Roberto Freire: A resposta sucinta é muito fácil. Parece, né? A nossa concepção do direito de propriedade, em alguns campos, tem a concepção marxista. O direito de propriedade dos meios de produção, esses devem ser de propriedade social, podem ser até propriedade estatal, ou podem ser outras formas de propriedade social. Agora, a propriedade da casa de moradia, o Brasil é o país que tem o menor índice de proprietários de casas de moradia. Talvez seja o que tenha o menor índice, levando-se em consideração que é um país urbano. Enquanto a Itália, a Alemanha têm altos índices daqueles que moram em casa própria, no Brasil esse índice é baixíssimo. Ou seja, quando eu quero garantir a habitação, quero garantir a propriedade privada da moradia. Quando eu digo que na estrutura fundiária, quero acabar com o latifúndio e distribuir terra, estou criando novos proprietários. Eu quero também novas formas de propriedade. As áreas das propriedades privadas vão ter que ter limites. Mas dentro do socialismo tem propriedade privada da terra, e isso não é apenas em Cuba, não é na Alemanha, não. Ocorre em quase todos os países socialistas. A exceção era a União Soviética, e que começa a ter, a partir do chamado arrendamento por 90 anos. É importante salientar que nós queremos distinguir o latifúndio, nós queremos a propriedade da terra como propriedade social ou propriedade privada, desde que tenha limites na sua extensão. E queremos a terra produzindo, até porque este país precisa produzir alimentos para nossas cidades e insumo para as nossas indústrias. A nossa reforma agrária tem essa concepção. Agora eu não falei sobre Salvador Allende. Eu gostaria de dizer que Salvador Allende é um das experiências importantes para se analisar, porque é a demonstração clara de que nós comunistas, lá no Chile, que também assim agimos, respeitamos a lei, chegamos ao governo pela via democrática do voto, junto com os socialistas de Salvador Allende. Estávamos iniciando um processo de transformação social com o apoio da população. Houve uma eleição depois de Allende, presidente, e as esquerdas ganharam a eleição, eleições municipais. Pois bem, acabou em tragédia. E não foi a esquerda que desrespeitou a Constituição não, foi a direita fascista, inclusive com o apoio da direita internacional. Então eu gostaria de entender Allende, toda a sua experiência, e dizer o seguinte: aquele ali é um dos heróis que a América Latina ainda vai cultuar. Foi um homem que tentou fazer em liberdade, na democracia,  a revolução socialista no Chile.

Luiz Weis: Deputado, o preconceito que alcança os comunistas do Brasil tem muitas faces. E eu queria me reportar e ouvi-lo sobre uma delas. Em 1945, da outra vez que o Partido Comunista apresentou um candidato a presidente da República que, por sinal, não era membro do partido - aliás, é a primeira vez que um membro do partido, comunista de carteirinha, como o senhor, é candidato a presidente - pois bem, Yedo Fiúza, engenheiro, ex-prefeito de Petrópolis, obteve algo como 10%, 560 mil votos, sobre um colégio eleitoral de seis milhões. O que transposto em votos de hoje seria uma festança para o senhor. Equivaleria ao senhor, no dia 15 de novembro, fechar o expediente com algo como oito milhões de votos, que seria uma beleza.

Roberto Freire: Pode ter mais também, não?

Luiz Weis: Pode, não há limite para o otimismo. E os marxistas têm como característica essencial o otimismo.

Roberto Freire: E principalmente no Brasil.

Luiz Weis: Mas eu gostaria de continuar a minha pergunta. Naquele tempo, os jovens brasileiros, que já constituíam uma parcela ponderável do eleitorado, e que eram gente nascida nos anos 30, tinham vivido a experiência da guerra, sabiam que PC significava, para o bem ou para o mal, Partido Comunista. Deputado Roberto Freire, o jovem de hoje do Brasil, que representa um contingente ainda maior do eleitorado, acha que PC é computador pessoal, é microcomputador. E aquela parcela dos jovens que sabe distinguir microcomputador como sigla de PC de Partido Comunista acha que Partido Comunista é sinônimo de "cuecão." Como é que partido lida com essa imagem anacrônica perante esse setor jovem?

Roberto Freire: Olha, estamos lidando agora. Será que eu conversando aqui, da forma como estou conversando, essa juventude, que por acaso estiver vendo, vai achar que esse partido é "cuecão"? Ou talvez esse partido significa o futuro? Eu quero dizer a você que é ao contrário. O que nós estamos percebendo, e eu tenho isso por experiência bem recente, porque nós temos ido às universidades, estamos indo aos colégios secundários e tratando de debater com a juventude. Nós estamos percebendo é que estamos representando o novo, que é o fato interessante. Está sendo até surpresa para os próprios militantes do partido que imaginavam isso que você está dizendo, que começávamos a entrar na era do "cuecão". Não! Nós estamos, talvez, na era do século 21, na era da cibernética, da informática.

Luiz Weis: Quer dizer, o problema não existe?

Roberto Freire: Olha, existe em parte. Agora, nós o estamos superando. E tem mais: não é o mesmo partido, é evidente. É evidente também que nós estamos mudando, nós não somos algo imutável não. Ao contrário, nós estamos mudando com o mundo, mas estamos sabendo mudar com o mundo e apontando talvez mudanças ainda mais fundamentais. Por isso é que nós não estamos sendo superados. Ao contrário, entre a juventude, estamos percebendo é que nós estamos crescendo. E talvez os outros que há um tempo atrás pareciam ser o novo, esses é que estão parecendo ser o velho.

Clóvis Rossi: Deputado, o senhor não acha que, nesse esforço para superar os preconceitos, e acoplado a isso, as transformações que se estão dando na União Soviética, num sentido mais liberalizante ou privatizante, ou como se queira chamar, levam ao risco de que o Partido Comunista se transforme, no Brasil, numa espécie de "bibelô da burguesia", que está aí apenas para enfeitar o processo, mas que não assusta mais ninguém, porque não tem propostas que sejam essencialmente diferentes dos partidos sociais democratas? Essa, aliás, é uma pergunta que o senhor não respondeu. Qual é a diferença básica que o caracteriza? Não há o risco de que o PCB vire um "bibelô da burguesia"?

Roberto Freire: Olha, eu não sei não, porque a nossa história não representa isso. Ao contrário, nós sempre fomos o "bode expiatório" da ausência da democracia no Brasil. Nós pagamos muito caro por isso, pagamos em vida, pagamos com uma vida sacrificada. Ninguém entrou nesse partido – e quando eu entrei – entrou imaginando ser bibelô de coisa alguma. Imaginava correr riscos, riscos até de vida, ser preso, de não ter perspectiva até de viver no Brasil, de ser morto. Essa é um pouco a nossa história. É evidente que nós não fomos nunca bibelô de burguesia. E nem iremos ser.

Clóvis Rossi: Eu não me refiro ao período, eu me refiro...

Roberto Freire: Não, claro, estou entendendo isso simbolicamente, não fique também preocupado, não. Eu estou entendendo que isso não é nenhuma agressão desse tipo, até porque eu lhe conheço. É evidente que você não ia fazer uma agressão dessa. O que eu estou querendo dizer é que nós não vamos ser também esse tipo de bibelô, um enfant gaté [expressão francesa que significa, literalmente, menino mimado, bastante utilizada nos meios políticos] de nenhuma burguesia. Ao contrário, nós somos instrumentos de transformações profundas que queremos na realidade brasileira.

Roberto Müller Filho: O PSDB também, o PT também.

Roberto Freire: Não, não! [mostrando-se exaltado] Eu não estou querendo choque de [...] capitalismo, eu não estou falando isso. Eu estou falando de socialismo, e quer ver a diferença? O que eu estou querendo é uma nova hegemonia neste país. O que eu estou querendo é que a classe operária e os trabalhadores sejam classe dirigente. Que os investimentos, neste país, tenham um controle social, que a produção tenha um controle dos trabalhadores. Eu não estou querendo aqui ser gerente de capitalismo, não. Eu admito a participação da propriedade privada, mas a propriedade privada vai se subordinar a definições do controle social que a classe operária  e os trabalhadores vão dar. Eu não estou aqui promovendo ou propondo que exista no Brasil capitalismo, não. Eu quero uma nova sociedade socialista, agora dentro da democracia. [Sobreposição de vozes] Eu estou respondendo talvez, segundo ele, uma pergunta que eu não tinha respondido. Olha, e uma coisa é o seguinte: eu posso até responder mal, mas eu não quero deixar de responder, não.

Augusto Nunes: Antes de passar ao Konder e ao Julinho, eu só advirto que vários telespectadores estão reclamando perguntas mais ligadas, também, aos itens do programa do candidato Roberto Freire, só como lembrete aos entrevistadores também. Só um segundinho, Julinho! Aproveitando isso, eu encaminho ao senhor a pergunta da Zazi Aranha Correa, de Brasília. “O senhor tem pregado a estatização da saúde e da educação, funções tradicionalmente confiadas ao Estado. No seu governo haveria ou não espaço para o sistema privado de educação e saúde”? Peço para que o senhor seja breve.

Roberto Freire: Olha, é muito claro. O sistema de educação e saúde hoje no Brasil se transformou em bem de comércio, talvez em alguns setores até muito privilegiados, para maximizar lucro. As pessoas investem para ter lucro em cima da ausência da educação e da ausência da saúde do povo brasileiro. Hoje para ter acesso a esses bens, é preciso ser rico. O Estado sucateou a escola pública, o Estado sucateou o serviço público da área da saúde. Essa é uma realidade aí que causa indignação, e nós precisamos reverter isso. E quando eu digo “a estatização”, é o Estado voltar a cumprir ou criar condições para cumprir esse exercício básico de cidadania.

Augusto Nunes: Mas haveria espaço para o sistema privado, tanto na saúde quanto na educação?

Roberto Freire: Não, eu não vou confiscar nenhuma escola privada, nem irei desapropriar, nem irei impedir que exista. Eu apenas digo que não vai ter nenhuma verba pública para nenhuma escola privada. Todas as verbas públicas serão para escolas públicas. E eu quero dizer que uma escola púbica que remunere bem o professor, que dê dignidade aos profissionais da área da educação, que dê boa qualidade, evidentemente que ninguém vai pagar escola privada. Isso é uma obrigação que o Estado tem que ter. Eu gostaria de lembrar o seguinte: nós estamos comemorando 200 anos da Revolução Francesa. Um dos objetivos lá era escola pública, gratuita e laica. A burguesia fez isso na Europa, aqui no Brasil não fez, talvez os comunistas é que tenham que fazer. Na saúde é a mesma coisa: estatização do sistema de saúde.

Rodolfo Konder: Deputado, nas perguntas dos telespectadores, houve uma referência ao massacre na Praça da Paz Celestial e eu vou retomar esse tema...

Roberto Freire: [interrompendo Konder] Você me ajuda, porque eu acho que é importante [...] nossa atenção.

Rodolfo Konder: ...sob o seguinte ângulo. A questão da pena de morte é uma questão claramente não ideológica. A União Soviética é um dos países que mais executam, dos sete países que mais executam gente, ao lado de África do Sul, Estados Unidos, Irã, Nigéria, Iraque e a China, evidentemente. Na China, recentemente, depois do massacre, o governo começou a executar pessoas que haviam se manifestado pela democracia. E agora em Cuba as pessoas estão sendo executadas por um suposto envolvimento em tráfico de drogas. Qual é a sua opinião sobre pena de morte e em relação especificamente a esses casos da China e de Cuba?

Roberto Freire: Olha, eu tive o desprazer de estar num programa de televisão, quando estava acontecendo o chamado massacre da Praça da Paz Celestial. Então eu quero dizer que fui imediatamente questionado, e não sabia nem qual a posição que o partido ia assumir, mas eu assumi uma posição individual, e por sorte e pelo prazer de ver... [interrompido por Weis]

Luiz Weis: Desculpe, deputado! Eu ouvi corretamente o senhor dizer que a essa altura, há um mês atrás, depois de toda a modernização do Partido Comunista Brasileiro, que o senhor enfatiza, o senhor não sabia qual poderia ser a posição do Partido Comunista em relação ao massacre da Praça da Paz Celestial?

Roberto Freire: Claro, porque eu poderia não ser tão enfático quanto eu fui. Isso poderia parecer, como alguns pretendem fazer, ao dizer que eu não sou o partido. E alguns ficam dizendo até “é um bom candidato, apesar de comunista”. E eu fico dizendo: “talvez eu seja bom porque eu sou comunista”. Eu não queria ser tão enfático e depois sentir uma nota um pouco tíbia do partido, uma vez que tinha relações com o Partido Comunista Chinês. Esse é um dado importante, e nós não vamos ficar imaginando que o passado nosso ainda não tem peso, e nós já aceitamos tantos processos desses ... Esse partido, e aqui as pessoas têm conhecimento histórico...

Augusto Nunes: [interrompendo] Por favor, deputado. Eu gostaria que o senhor concluísse a resposta então.

Roberto Freire: Sim, mas é importante porque não é uma resposta para uma pergunta, já é toda uma série de polêmicas. E eu quero dizer do prazer de ter sido enfático, condenando aquilo, e a nota do partido, tão enfática quanto a minha condenação. Então, nesse sentido é que eu estava, sim, vendo e achando isso que é algo de novo, porque o partido também teve na Primavera de Praga, uma posição de defesa da intervenção soviética em Praga. Quero dizer que nós estamos mudando. Está mudando o mundo, mudam os comunistas, e eu acho que está mudando para melhor. Isso é importante, e eu não vejo isso como algo de equivocado, não. Eu assumo meus erros, tento não cometê-los mais. Agora, a questão da pena de morte. Eu sou contra a pena de morte no Brasil, no Irã, na União Soviética, na China e em Cuba. Eu votei aqui contra a pena de morte na Constituinte e apelei, até junto com outros setores, no âmbito internacional, para que o governo cubano comutasse a pena, garantindo evidentemente a política cubana contra o flagelo, que é o narcotráfico, a busca de uma cooperação internacional a favor disso, a coragem que teve o governo cubano de enfrentar isso dentro da própria estrutura do poder, talvez um poder que tenha se desvirtuado em função da quarentena, da criação, da falta de transparência, de toda uma série de problemas, mas o fato é que teve a coragem. Agora, [em relação à] a pena de morte eu sou contra, lá, aqui ou em qualquer lugar. Essa é uma posição filosófica minha.

Júlio César Mesquita: Deputado, apesar do Rodolfo Konder ter tirado de mim a pergunta que eu ia fazer que era exatamente sobre isso, eu gostaria de saber se o senhor, como comunista, portanto, um ateu, uma pessoa que não acredita...

Roberto Freire: [interrompendo] Olha, não tanto. O problema é o seguinte. Eu sou ateu...

Júlio César Mesquita: [interrompendo] O senhor não é católico apostólico romano.

Roberto Freire: Não, é porque você fez uma relação, que não é sempre verdadeira. Tem comunistas que são crentes.

Júlio César Mesquita: Certo. Perfeito. Sem dúvida.

Roberto Freire: Nem todo comunista é ateu. Eu por acaso sou. Então, [deve-se tomar cuidado] para não fazer uma generalização.

Júlio César Mesquita: Então, está certo, mas em relação a sua pessoa eu estava correto?

Roberto Freire: Está correto, mas os comunistas em geral, não.

Júlio César Mesquita: Exatamente. Eu gostaria de saber qual é a sua opinião rapidamente, concisamente, sobre a Teologia da Libertação?

Roberto Freire: Olha, talvez eu não seja a pessoa mais indicada para isso. Talvez fosse interessante...

Júlio César Mesquita: O senhor, como presidente da República, vai ter que ter diálogo com a Igreja, [Católica] e o senhor sabe que a Igreja no Brasil é muito influenciada pela Teologia da Libertação. O senhor vai ter que conversar com a CNBB [Confederação Nacional dos Bispos do Brasil], com padres de todas as tendências. Eu quero sua opinião clara e transparente sobre Teologia da Libertação.

Roberto Freire: Ah, bom. Nesse sentido talvez eu possa colocar. Eu estava pensando que você queria que eu fizesse aqui uma dissertação sobre a teologia.
 
Júlio César Mesquita:
Não, de jeito nenhum. Aí eu perguntaria a algum membro da CNBB.

Roberto Freire: Claro, é por isso que eu disse. Eu poderia até falar, mas não seria a pessoa indicada.

Júlio César Mesquita: Eu quero a sua opinião sobre a Teologia da Libertação.

Roberto Freire: Não, não é sobre a Teologia da Libertação, é sobre esse processo interno da Igreja, que tem algumas divergências, algumas dissidências, e que de vez em quando nós vemos o Papa buscar uma certa disciplina. Então, eu quero tratar a igreja que represente institucionalmente a religião. Eu não vou entrar no processo de economia interna da igreja. Eu respeito é a instituição. [Sobre] Os processos internos, os debates, é evidente que eu posso me pronunciar como cidadão. Como presidente da República, o meu tratamento vai ser com a Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil.

Clóvis Rossi: Deputado, eu vou fazer uma pergunta, que na verdade não é minha, mas de um dirigente cubano [...], você deve conhecer bem, que basicamente é a seguinte: ele me disse em janeiro, em Cuba, a seguinte dúvida: durante 70 anos, nos venderam como verdade única, indiscutível, o que o senhor chamou agora há pouco de “projeto ortodoxo socialista”, e que vigorava na União Soviética até Gorbachev. Agora querem nos vender uma outra verdade única e indiscutível, simbolizada na glasnost, na perestroika. “Quem me garante” – perguntava ele – “que esta verdade única também não é uma mentira que vai se descobrir daqui a cinco, dez, 15 anos”?

Roberto Freire: Só quero dizer que eu não quero mais ver a perestroika ou a glasnot, como nós víamos antes os manuais da Internacional [Socialista, organização global de partidos sociais democratas, socialistas e trabalhista], os livros do Stalin. Eu acho que nós temos que nos precaver disso, é verdade, e olhe que não é fácil. Esse partido tem uma tradição de seguir, e é normal, porque sempre foi muito perseguido, e a solidariedade internacional e a internacional do proletário era talvez a sua grande sustentação. Aqui no Brasil era reprimido, a nível internacional, tinha condições de dizer que existia e conseguia sobreviver. O fato concreto não adianta esconder, e nós estamos revendo muito tudo isso. E acho que é importante esse processo que está se produzindo dentro do movimento comunista em nível internacional. O que eu digo é que nós precisamos nos precaver para não cairmos de novo nos manuais. Acho que o que Gorbachev diz, e diz com muita propriedade, é que ele está sabendo de onde está saindo, ele não sabe onde vai chegar com a perestroika. Eu espero também que nós não vamos atrás da perestroika, e se isso por acaso vier a não dar certo lá, nós aqui também dizemos “está vendo”? Não vamos ter isso, não. Nós queremos o que há de concreto nisso: o resgate da democracia como valor fundamental, que é o processo de democratização que está existindo no mundo socialista. Isso é algo que é importante, tem até um valor universal. Não é algo que se perca em processos históricos, bem limitados por conjunturas. Essa é a visão básica da questão democrática, e o problema da eficiência na área da economia, e não estar se guiando também por manuais de ordem econômica. Nesse sentido nós estamos tendo até cuidado. [Augusto Nunes tenta interromper, mas Freire continua falando], eu tenho uma preocupação, que o partido realmente não vá naquela de ter, por exemplo, que não começou com Gorbachev, todo esse processo de renovação teve uma tentativa em um degelo que [Nikita] Krushev [político ligado ao Partido Comunista, governou a ex-União Soviética de 1955 a 1964. Iniciou o processo de desestalinização e aproximação com o Ocidente] tentou fazer em 56 e que não deu certo...

Augusto Nunes: Eu queria só que concluísse, deputado, por favor.

Roberto Freire: ...talvez pela incapacidade da elite dirigente naquele momento. Então, tem um certo cuidado. Não vamos cair no novo manual, não, só que com o sinal trocado.

Roberto Müller: Deputado, me permita voltar aqui ao Brasil. Eu ouvi recentemente, num outro programa de televisão, uma declaração sua respondendo a uma pergunta de qual seria a sua primeira atitude, caso eleito presidente da República. E o senhor disse qualquer coisa parecida - me corrija se eu estiver errado - que a sua primeira medida seria tentar formar um gabinete de coalizão nacional, que permitisse enfrentar essa grave crise social, econômica e política que temos aí, com a qual estamos convivendo, e que temos pela frente. O que eu não ouvi – e não houve tempo para que o senhor respondesse – mas eu preferia que fizesse agora, se possível, quem é que cabe dentro desse gabinete? Que forças políticas caberiam dentro do governo presidido por Roberto Freire, eleito pelo Partido Comunista?

Roberto Freire: É. Não foi de coalizão nacional, não é um governo de união nacional, era um governo de coalizão democrática, que é bem distinto. Nós vamos situar forças políticas e ter condições de articular essas forças políticas até para dar base de sustentação no trato com o Congresso, porque nós não temos maioria. Então, teremos que ter um programa que não fuja à nossa concepção de política, que não fuja aos nossos compromissos básicos, mas que tenha, em processo de transição, a capacidade de ser implementado por um governo de coalizão democrática. Porque não vamos ficar imaginando que eu vou ter, com três parlamentares, ou com a esquerda tendo cinqüenta, ou com uma esquerda, de forma mais ampla, tendo cento e poucos deputados, nós vamos ter condições de implementar um programa de imediato que seja de transformações fundamentais.

Roberto Müller: Que medidas econômicas, por exemplo, caberiam?

Roberto Freire: Hoje já foram apresentadas no Congresso algumas medidas que fazem parte do nosso plano de emergência. O governo não está adotando, está adotando só o perfunctório [rotineiro], o detalhe, o que não significa grande coisa. Mas nós conseguimos ter uma ampla maioria no Congresso defendendo a suspensão do pagamento da dívida externa, ao discutir a questão da dívida interna, alongando e tentando transformar essa poupança ou trazer essa poupança interna para a atividade produtiva e investimentos. Ou seja, tem alguns mecanismos que são próprios nossos e que tiveram condições de forjar uma maioria no Congresso. Eu me lembro na Constituinte também que nós tivemos a capacidade de formar uma frente democrática que foi vitoriosa em várias votações e conseguiu derrotar o "centrão" [coalizão formada durante a Assembléia Constituinte por parlamentares situados no espectro político de centro-direita]. Nós temos uma Constituição democrática e avançada em alguns aspectos. Então, foram, mais ou menos, essas forças políticas que deram sustentação a teses democráticas e avançadas na Constituinte. Eu diria, por exemplo, que setores democráticos e progressistas do PMBD, que ainda existe, estariam presentes nisso. Nós teríamos que discutir a participação do PSDB que é um partido que tem uma postura democrática, tem compromisso com a democracia, tem setores que têm compromisso com mudanças, com transformações e tem até alguns com objetivos socialistas. Alguns chegam e, senão todos, pelo menos a uma perspectiva radical de transformações, a uma sociedade mais justa. Nós teríamos o PDT que, como partido, mesmo que sua liderança tenha alguns problemas de uma visão mais arcaica da política, ele foi instrumento importante na Constituinte. Tem o PT e temos nós e as outras forças de esquerda.  Então isso poderia forjar uma grande frente democrática que desse sustentação para esse governo de coalizão democrática.

Carlos Nascimento: Deputado, o senhor falou aí que não pretende ser eleito presidente apenas para gerenciar o capitalismo e sim para implantar o socialismo no país, subordinando ao Estado as atividades sociais, econômicas que o partido entender convenientes. Agora, todas as pesquisas de opinião feitas hoje no Brasil entre assalariados revelam que mais da metade dessas pessoas – não é a burguesia, não é a classe dominante – querem ser donos do seu próprio negócio, querem ter a sua empresa e progredir dentro do sistema capitalista. Se não me engano, 75%. O quê,  para mim pelo menos, demonstra que a vocação do Brasil hoje, pelo que diz o próprio povo, é uma vocação capitalista. O senhor não acha que está na contramão da história?

Roberto Freire: Olha, talvez esses 70%, eu não sei desses dados, eu não conheço. Eu respeito muito as pesquisas, eu confio, eu sou homem de boa fé. Então, essas pessoas estão muito com valores que foram implantados pela classe dominante. Olha, ninguém sustenta um sistema apenas pela repressão, pela polícia ou pelo aparelho do Estado. Ele se sustenta fundamentalmente pelos valores que são consensuais na sociedade. Esse é o papel fundamental da educação, dos mecanismos de informação. E o escravo, na época da escravatura, achava que sempre iria existir o escravo e iria existir o senhor. Tinha até na religião, o São Tomás de Aquino [(1225-1274) frade dominicano, teólogo. Sua filosofia é conhecida como tomismo, fez grandes contribuições para a doutrina escolástica, que une fundamentos de Aristóteles e o cristianismo] dizia que deveria existir senhor e servo. Então eu quero dizer que há uma ideologia também no Brasil que faz com que o trabalhador fique pensando que ele só pode sobreviver, ou ele só pode ter condições, se for capitalista. E é um pouco verdade, porque ele sabe que só pode dar educação aos seus filhos, que só pode ter saúde para si e para sua família, que só pode ter uma moradia digna, que só pode ter qualidade de vida, se for rico. E, neste país, ninguém é rico pelo salário, ninguém é rico porque o Estado garante a ele necessidades básicas gratuitamente. Ele precisa ter dinheiro para poder ter esse acesso a esses bens. E aí talvez venha todo esse valor, que é o valor do individualismo, é o valor do levar vantagem em tudo, é o valor que eu quero inclusive também mudar. Eu quero o valor de solidariedade, de cooperação, não de concorrência e de individualismo.

Carlos Nascimento: É errado ganhar dinheiro, na sua opinião, ficar rico? 

Roberto Freire: Com o trabalho dos outros, sim. Eu duvido [que] você [vá] ganhar dinheiro plantando dinheiro. Agora, se você tiver dinheiro e alugar trabalho ou contratar mão-de-obra, provavelmente o trabalho vai dar mais valia a você, vai dar lucro. Claro, é o sistema capitalista!

Luiz Weis: Deputado, essa questão de melhorar o capitalismo ou lutar pelo socialismo, tem o quê? Cem anos? Ela é inerente desde o nascimento do movimento marxista, em que se discute o que é melhor: se é lutar por reformas que melhorem o capitalismo ou não, vamos para a conquista do socialismo. Eu lhe pergunto: os movimentos políticos da Europa, por exemplo, que optaram por melhorar o capitalismo, não conseguiram dar às classes trabalhadoras dos respectivos países condições de vida melhores do que as que têm a classe operária brasileira e as que têm a classe operária da União Soviética?

Roberto Freire: Eu já respondi um pouco isso, quando eu estava tentando, embora de forma muito rápida, quando eu disse que o colonialismo foi algo que levou a esses países centrais do capitalismo, concretamente da Europa e, a partir da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, com a transferência que se deu para lá, levou concretamente todo um processo de produção de riqueza.

Luiz Weis: Sim, mas na União Soviética de hoje se fala em economia de mercado.

Roberto Freire: Por favor, Weis, não! Mas espera aí, quem disse a você que o mercado surgiu com capitalismo? O mercado é antes, o capitalismo vai continuar depois. O que diferencia o mercado capitalista do mercado socialista é que na economia capitalista quem determina inclusive as prioridades do Estado é o mercado. E eu quero dizer que numa sociedade socialista o mercado existe, mas definido e controlado por aqueles que produzem. É distinto. No mercado do sistema capitalista, o mercado é a única norma. Por exemplo, para o mercado não importa que a educação neste país seja um privilégio de rico, que a grande maioria da população vive analfabeta. Ao mercado não importa que as pessoas não tenham acesso ao serviço de saúde, o que importa é saber se vai ter lucro a iniciativa privada.

Luiz Weis: Sim, mas tudo depende do controle político que haja sobre o mercado ...

Roberto Freire: [fala de forma exaltada] Sim, mas é isso que eu estou dizendo, esse controle, no capitalismo, não tem. No capitalismo, fica sendo explorado um serviço que deveria ser comum para todos e não, é apenas para quem tem acesso porque tem dinheiro. Eu quero dizer que no socialismo é distinto, vai haver mercado, só que vai haver o controle dos investimentos, o controle da produção, por uma outra classe dirigente que não os detentores dos meios de produção. É isso que caracteriza e esse que é o aspecto básico da  distinção, daqueles que querem o capitalismo e daqueles que querem o socialismo. Não é acabar com o mercado, porque ninguém acaba com o mercado, o mercado somos nós.

Augusto Nunes: Deputado, vou pedir de novo concisão a todos, porque nós temos somente cinco minutos.

Júlio César Mesquita: [começa a falar enquanto Augusto Nunes fala e não é possível entender o início de sua fala] ...do tema que está sendo discutido, nós sabemos perfeitamente que hoje no Brasil nós temos dois tipos de sindicalismo representando os trabalhadores: sindicalismo representado pela CUT [Central Única dos Trabalhadores] e temos o sindicalismo chamado de resultados, representado por Luiz Antônio Medeiros e Antônio Rogério Magri, que atualmente é o presidente da CGT [Confederação Geral dos Trabalhadores].  Eu queria que o senhor desse a sua opinião sobre esses dois tipos de sindicalismo, aqui, existentes hoje em dia no Brasil.

Rodolfo Konder: Posso pegar uma carona? Por exemplo, a greve geral que está sendo preparada supostamente pela CUT. Dentro dessa análise, você é a favor ou é contra?

Roberto Freire: Tudo bem, eu só gostaria de dizer que me parece que não tem muito essa distinção de sindicalismo de resultados.

Júlio César Mesquita: É falado pelos próprios líderes, né?

Roberto Freire: Sim, mas eu acho que todos, infelizmente, são de resultados, e o que é grave, todos muitos corporativos. O sindicato – e é normal – defende interesses de categoria, são corporativos. Mas, lamentavelmente, esses sindicatos estão com tanto peso do ponto de vista da política, que até partidos se submetem a esse corporativismo, e não universalizam as várias reivindicações. Eu tenho até muito receio do sindicalismo brasileiro, com essa liderança que nós temos, de nos transformarmos no sindicalismo norte-americano, que pode até ser muito eficiente na busca – e o Magri diz isso muito abertamente – de ganhos para sua categoria ou sua corporação, mas que não tem um projeto político para o país. E eu quero que o sindicato e que o movimento operário, neste país, tenha um projeto político nacional. E, nesse sentido, não pode ser apenas do resultado da categoria ou da corporação. Ele tem que ter também a visão, por exemplo, de não perseguir numa greve apenas o ganho economicista, não apenas a reposição, mas tem que estar discutindo qual é o plano que vai se aplicar no país como uma classe nacional. Por exemplo, não discutir a reposição do salário, mas discutir fundamentalmente um plano contra a inflação, que seja representativo dos interesses da classe operária e não dos interesses do capital financeiro ou do capital industrial. Então, é nesse sentido é que nós estamos querendo discutir o movimento sindical, talvez um sindicato de finalidade e não de resultados, mas buscar a finalidade da política. Então aí, a greve geral se situa um pouco nesse campo. Eu tenho muito receio desse tipo de greve quando coloca a questão da reposição salarial, ou da luta apenas por ganhos economicistas ou ganhos para a categoria. Eu acho que seria interessante que se preparasse um movimento dos trabalhadores, mas em torno de um projeto, para enfretamento da crise, para resolução do problema inflacionário, porque a inflação significa um instrumento perverso de transferência de renda do setor trabalho para o setor capital. E deter isso significa muito mais do que apenas repor o que a inflação corroeu nos seus salários. Então, se a greve for dentro da implantação de um projeto político, da tentativa de um enfrentamento da crise, com a visão que a classe operária deve ter, e que é distinta da lógica conservadora da classe dominante brasileira, essa greve geral tem o nosso apoio. A greve geral só por reposição [salarial] é perigosa, não leva a nada.

Augusto Nunes: Deputado, nós temos dois minutos, Clóvis Rossi vai fazer a última pergunta. O senhor responde e termina.

Clóvis Rossi: Eu, ao contrário do seu otimismo, sou cético. Parece que o senhor está defendendo um modelo brasileiro,  chamemo-lo assim. Ou seja, não há mais referência, até porque o senhor não sabe onde é que vai terminar o processo soviético, o senhor já condenou Cuba N vezes, o modelo atual de Cuba, o fechamento. Eu queria saber se existe no mundo algum país, não que seja um modelo acabado e perfeito, mas que possa fornecer subsídios para um modelo brasileiro, e qual seria esse país?

Roberto Freire: Olha, o primeiro que eu diria é que todos os países construíram o seu caminho, e o poeta até diz isso muito bem: “O caminho se faz ao caminhar” [verso de Antonio Machado, poeta espanhol]. Não é alguém que cria, não, esse é um processo. [“Na poesia, tudo bem, mas...”, comenta Clóvis Rossi] Não é na poesia não, é na realidade. Nunca a aplicação de modelo, em canto nenhum, deu resultado, nunca! E todas as revoluções vitoriosas tendem a impor seus projetos, os seus modelos, a outros países e nunca deram resultados. A Rússia soviética tentou fazer isso na Alemanha, na Hungria, e não deu resultado. A China tentou fazer isso, do cerco do campo à cidade. Cuba tentou através da sua [...] Ou seja, nenhuma grande revolução teve condições de implantar seu modelo. Então, nós não vamos ficar nessa daí. O que eu quero dizer é que, como um ideal, as sociedades socialistas são sociedades mais justas, ensinam algo a que nós aqui busquemos, não aplicando como manual ou como modelo, mas tirando dali alguns ensinamentos, até nos erros. A sociedade seria bem mais justa. Como lógica, o que nós queremos, e isso também é bom que está ocorrendo no mundo socialista, é que ela não é só justa, ela também está buscando ser livre. E ,no Brasil, nós não somos nem justos, numa sociedade de injustiça social, e nem somos livres. Nós precisamos construir ambos e nós estamos dando o caminho, é o caminho socialista.

Augusto Nunes: Deputado, nós temos que encerrar aqui o programa com o deputado federal Roberto Freire, candidato do Partido Comunista Brasileiro à presidente da República. Muito obrigado ao deputado Roberto Freire, aos entrevistadores e aos telespectadores que nos ligaram. E agradecemos também a presença dos convidados da produção.

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