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Memória Roda Viva

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Jô Soares

26/3/1990

Nesta entrevista, Jô fala sobre sua história, a arte de fazer rir e o prazer em entrevistar pessoas dos mais diferentes perfis, sem deixar de satirizar a situação política e econômica do Brasil, à época do Plano Collor

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Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um programa Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. Este programa também é transmitido, ao vivo, pelas TVs Educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É ainda retransmitido para mais 15 emissoras que formam a Rede Brasil, através da TV Educativa do Rio de Janeiro. O convidado do Roda Viva desta noite é Jô Soares. Você que está em casa e quiser fazer perguntas por telefone, pode chamar (011) 252-6525, (011) 252-6525. A Carla, a Bernadete e a Ana estarão anotando suas perguntas. Para entrevistar Jô Soares esta noite no Roda Viva nós convidamos: Ivan Ângelo, editor chefe do Jornal da Tarde; Humberto Werneck, repórter do Jornal do Brasil; Maurício Kubrusly, jornalista da TV Globo; José Simão, crítico de televisão do jornal Folha de S.Paulo; Mário Prata, escritor; Angeli, cartunista; Cacá Rosset, ator e diretor de teatro; Serginho Leite, humorista e showman. Na platéia, assistem ao programa, convidados da produção. Aos 52 anos, 120 quilos e 1 metro e 70 de altura, Jô Soares é atualmente o dono de um dos mais prestigiados programas da televisão brasileira, o Jô Soares onze e meia, no SBT. Jô acredita que o entrevistador vai mesmo substituir o humorista. Seu programa, Veja o gordo, uma forma que fez sucesso durante 19 anos na televisão, acabou no ano passado. Além de humorista, Jô Soares também escreve, dirige teatro, canta, dança, toca vários instrumentos, representa e atualmente é o mais novo disc-jóquei do rádio brasileiro - tem um programa de jazz na rádio Eldorado. Boa noite Jô.

Jô Soares: Tudo bem? Eu quero fazer duas retificações antes de começar, é o seguinte: primeiro não são 120 quilos, são 127, hoje, e depois eu acho...

Jorge Escosteguy: Quando você sair daqui serão 118.

Jô Soares: É... por aí, agora embaixo do refletor... E.... a outra é o seguinte, eu não acho que o entrevistador substitua o humorista. Eu acho que o humorista, o comediante, é também entrevistador, mas, mesmo num programa de entrevistas, eu não deixo nunca de fazer humor porque é uma característica quase visceral, não é?

Jorge Escosteguy: Você agora está apresentando um programa no rádio, você tirou a barba, colocou a barba, tirou a barba... Isso é alguma crise de identidade, alguma crise de...

Jô Soares: Não, eu adoro a minha barba. Aliás, todo mundo que tem barba adora barba. Você deve gostar da sua barba, todo mundo que tem barba, e dizem ”Ah, por que que raspou a barba?”. Eu também adoro a minha barba, mas tanta gente reclamou, ligando: “Ah não! Fica melhor sem barba! Não pode, você tem aquela cara de garotinho, de bebê, não pode ter barba!”. E ao assistir aos programas que eu fiz com barba - aliás, ainda tem algumas entrevistas [que] foram gravadas com barba, que vão ao ar naturalmente com barba, apenas com a nota “essa entrevista foi gravada originariamente com barba”...

Jorge Escosteguy: Antes do Roda Viva ? [risos]

Jô Soares: Agora, o problema da barba é que, realmente, ela dificultava algum tipo de expressão, algumas reações. A câmara não pegava algumas reações que ficavam escondidas atrás da barba, mas eu fico com pena porque...

Jorge Escosteguy: Você notou isso em algum momento no seu programa. Como é que foi? Você estava comentando antes do programa.

Jô Soares: Eu notei quando vi a entrevista com o general Newton Cruz [general do Exército brasileiro com trajetória interligada à linha mais dura da ditadura militar, época em que foi chefe do SNI (Serviço Nacional de Informação) - ver parte de entrevista de Cruz no programa comemorativo de 18 anos do Roda Viva] que tinha algumas expressões minhas, que eu sabia que eu estava fazendo e eu olhando não via, porque a boca fica escondida pela barba, o rosto fica um pouco escondido pela barba.

Jorge Escosteguy: Jô, o Maurício Ramos, telespectador aqui da Aclimação, ele pergunta o que você acha...

Jô Soares: Já ligou? Mal começou e ele já ligou?

Jorge Escosteguy: Já ligaram várias pessoas. O que você acha do presidente Fernando Collor como pessoa?

Jô Soares: Como pessoa, eu conheço o presidente Fernando Collor muito pouco. Eu estive com ele algumas vezes em que eu o entrevistei, uma vez em Alagoas, estive com ele também uma vez.... encontrei com ele também no hotel Maksoud [Plaza], quer dizer, encontrei com o presidente Fernando Collor poucas vezes e o presidente [enfatiza] Fernando Collor eu ainda não encontrei, porque me parece que é outra pessoa.

Jorge Escosteguy: Mas ele já encontrou com você, seguramente?

Jô Soares: Pelo vídeo, eu espero que sim. [risos]

Jorge Escosteguy: O Humberto Werneck tem uma pergunta para você.

Humberto Werneck: Jô, eu quero voltar um pouco a essa dupla atividade sua. Não é, de certa forma, surpreendente que você faça mais sucesso num talk show do que num programa humorístico?

Jô Soares: Não, eu acho que esse negócio de mais sucesso é muito relativo, né, porque o meu programa de humor sempre teve muito sucesso. Na Globo, era o programa de maior audiência da linha de show e...

Humberto Werneck: Sim, mas o que está acabando agora é o programa humorístico.

Jô Soares: Exatamente. Mas, muito mais por uma necessidade minha de mudar um pouco de programa, porque são 19 anos fazendo o mesmo tipo de programa. Primeiro foi o Faça humor [não faça guerra ], depois do Faça humor  foi o Satiricon, depois, o Planeta dos homens, depois, o Viva o gordo e depois, o Veja o gordo [programas de esquetes que Jô liderou ou foi parte integrante, em emissoras como Globo e SBT]. Por mais que fossem criados 20 tipos, quase que todo ano, 20 tipos diferentes, por mais que houvesse um rodízio de tipos, a forma do programa não dá para você mudar. Quer dizer, é um programa de quadros, em que acaba um quadro, entra outro. Então chegou uma hora, quando eu comecei, quando eu batalhei para fazer esse programa, e que o Silvio me deu essa oportunidade fantástica, eu sentia que havia possibilidade de se fazer humor sim, quer dizer, de continuar sendo comediante, num outro tipo de programa.

Humberto Werneck: E onde é que você se sente melhor?

Jô Soares: É muito difícil... Eu me sinto muito bem nos dois, quer dizer, quando eu estou criando um personagem, fazendo um programa, eu me sinto muito bem; quando eu estou entrevistando alguém também. Eu acho que o programa de entrevistas é mais, talvez, gratificante, na hora de fazer, porque você bate papo e bater papo é a coisa de que eu mais gosto.

Ivan Ângelo: Um programa de humor no SBT...

Jô Soares: Espera aí, deixa eu virar, derramei a água... O programa de humor do SBT, eu pedi para não continuar fazendo o programa. Eu pedi para ficar fazendo só o programa de entrevistas e alongando o programa de entrevistas ou seja...

Ivan Ângelo: [Interrompendo] Mas por quê?

Jô Soares:... O programa de entrevistas vai de segunda a sexta... Exatamente porque já havia um certo cansaço de minha parte, da mesma fórmula de programa, mais o Condomínio Brasil, que é escrito pelo meu querido amigo Max Nunes e meu querido amigo Hilton Marques estréia em breve no SBT, com o Paulo Silvino, com o Motta, enfim, com um elenco muito forte - e eu vi o programa já, o programa está muito engraçado, está de grande qualidade.

Ivan Ângelo: Parece que esses programas todos têm uma certa fórmula parecida. E o que você acha, então, desses programas da turma nova, tipo Casseta popular,TV Pirata, tal? Esse tipo de humor te diz alguma coisa?

Jô Soares: Eu acho ótimo. Eu acho que o fundamental do humor é que ele seja engraçado e irreverente. No momento que o humorista deixa de se irreverente, ele deixa de ser engraçado, ele começa a virar conservador. O Jerry Lewis, por exemplo, eu acho que entrou em parafuso quando ele começou a ficar muito preocupado com o negócio de filmes com mulheres nuas que apareciam, muita mulher nua e não sei o quê. Isso foi dando... uma loucura na cabeça dele, que primeiro ele não queria. Nos filmes dele não tinha nada relacionado com isso. E depois ele ficou enlouquecido porque ele via que, mesmo ele fazendo filmes que não tinham nada sobre sexo, os filmes eram programados, às vezes, em cinemas, em programa duplo com um filme absolutamente erótico. Aí ele disse assim “Vou parar de fazer, vou parar de fazer filme”.

Jorge Escosteguy: Só pegando a deixa, você falou em mulher nua, e a Laura Batista, do Ipiranga, aqui em São Paulo, ela disse que o cantor Marcelo Nova, numa entrevista ao programa Metrópolis aqui da TV Cultura, criticou você, chamando de machista, por exibir mulheres com os seios de fora no seu antigo programa Viva o gordo. Você gostaria de fazer um comentário sobre isso?

Jô Soares: Não vejo...

Jorge Escosteguy: Você falou do Jerry Lewis com mulheres nuas...

Jô Soares: Não... Eu acho que o fato de você exibir mulheres com o seio de fora, você pode ser absolutamente machista e só exibir mulheres cobertas dos pés à cabeça - aliás, o machista, o verdadeiro machista, gosta mesmo é da mulher coberta dos pés à cabeça, sobretudo a dele, não é.... [risos] - então, eu acho que o fato de ser machista ou não é uma coisa que está na cabeça das pessoas. Eu acho que o... Não sei o que incomodou o Marcelo Nova [músico, ex-líder da banda baiana Camisa de Vênus, também com atuações solo e na companhia de Raul Seixas]... Tem uma coisa que incomodou muito o Marcelo Nova, que eu entrevistei o Marcelo Nova junto com o Raul Seixas [músico baiano que se tornou uma lenda do rock brasileiro, gravou mais de 20 álbuns em sua carreira e conquistou uma legião de fãs que não desapareceu mesmo após sua morte aos 44 anos (1989), vítima de uma pancreatite causada pelo alcoolismo], no meu programa - o Raul Seixas, por quem eu tenho a maior admiração, segui e persegui a carreira do Raul Seixas, assisti shows dele em teatro, achava um talento extraordinário, sobretudo na época da ditadura braba, quando ele conseguia, com aquela aparência de brincadeira, falar tudo o que a gente queria falar. Uma vez, inclusive, encontrei com o Paulo Pontes [dramaturgo brasileiro com atuação em rádio, teatro e televisão, falecido precocemente, aos 36 anos, em 1976], assistindo a um show do Raul Seixas e falando a mesma coisa. Mas, enfim, o Marcelo Nova, que foi na entrevista por causa do Raul Seixas, ficou muito irritado porque foi cortada uma frase que ele disse em relação ao nome do conjunto que tinha sido censurado e aí ele falou: “Teria sido muito melhor se fosse assim” e disse um nome que era absolutamente grosseiro e violento. E eu, inclusive, falei: “Olha, não sei se é legal você botar isso aqui porque vai ficar um negócio chocante” e tirei o nome. Então isso aí deixou ele muito...

Jorge Escosteguy: Bravo.

Jô Soares:...perturbado. Mas acho que de machista eu não tenho nada, minha mulher Flávia que o diga e as pessoas que me conhecem também.

Jorge Escosteguy: Cacá Rosset e depois o Mário Prata, por favor.

Cacá Rosset: Jô como é que você está vendo, como é que você viu o pacote econômico do novo governo, da Zélia [Maria Cardoso de Mello,  foi ministra da Fazenda e mentora do Plano Collor], do Collor e, sobretudo, como é que você viu os desdobramentos do pacote, tipo prisão de gerente de banco por causa de desodorante, invasão da Folha de S. Paulo, uma certa arbitrariedade, um certo autoritarismo que pintou. Como é que você viu isso?

Jorge Escosteguy: Desculpe interromper você, é só para acrescentar que essa pergunta é feita também pelos telespectadores Donizete Aguiar, de Taubaté, Jorge Sampaio da Mota, de Brasília, que está hospedado num hotel aqui em são Paulo e Nilton Célio da Silva, aqui da Vila Conceição.

Jô Soares: Eu não cheguei a ver o pacote porque eu não vi nem o meu dinheiro ainda. [risos] Não deu para ver nada.

Ivan Ângelo: Bloquearam quanto seu?

Jô Soares: Hein?

Jorge Escosteguy: Você tinha dinheiro onde Jô?

Jô Soares: Eu tinha dinheiro da minha firma aplicado no Over...

Cacá Rosset: Como a Zélia, a Zélia também deixou.

Jô Soares: A Zelinha também coitadinha! [risos] Não avisaram a ela e não deu tempo de tirar. [risos]. Mas eu não tinha nenhum volume extraordinário aplicado. Não é uma coisa que a mim tenha afetado especificamente, a não ser o meu último salário, que eu recebi no dia 14 e foi direto para o "pacotão"...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Direto para o Banco Central.

Jô Soares:...Sem valer nada.

Jô Soares: Agora, eu não entendo de economia. Eu entrevistei a Maria da Conceição [Tavares, economista, matemática e professora universitária de opiniões fortes e palavras enfáticas. Nascida em Portugal e naturalizada brasileira, foi consultora econômica do Ministério do Planejamento e apoiou o Plano Cruzado. Filiou-se ao PT em 1994] no meu programa, inclusive falei sobre a posição, que eu achava que a posição do Lula estava sendo muito fraca, porque afinal de contas, ele também foi eleito no dia 17 de dezembro, como líder de 31 milhões de brasileiros, quer dizer, foi eleito para a oposição. E, aliás, a Maria da Conceição falou assim: “Não, mas isso não sabes que é a imprensa? Então tu não sabes como é a imprensa?”. Eu sei como é a imprensa, e eu acho que a imprensa no Brasil tem errado muito menos do que os economistas. Eu acho que o que me assusta, aliás, no plano é exatamente que todos os economistas adoram. Eu não entendo de economia, me sinto mal com o plano pela maneira como ele foi imposto, porque eu acho que eu sou uma pessoa absolutamente democrática, esse tipo de coisa assim na marra eu acho um absurdo...

Cacá Rosset: Essa coisa, por exemplo, de congelar poupança, conta corrente. Você acha que houve um calote, uma expropriação, um depósito compulsório ou não houve nada como estão dizendo.

Jô Soares: Eu acho que houve... O presidente disse: “Não é confisco!”, na televisão quando falaram em confisco ele falou: “Não é confisco!”. Ficou até irritado, eu fiquei até com medo e falei: “Eu não disse nada, estou aqui quietinho!”. [risos] Mas eu acho que houve um confisco sim. Um dinheiro que vai ser devolvido em papel porque se for devolvido em dinheiro volta a inflação que está.

Cacá Rosset: Você acredita que o governo vá devolver esse dinheiro depois de 18 meses?

Jô Soares: Eu não sei. Em dinheiro? Eu acho muito difícil devolver. Pode devolver em título negociável. Mas voltando ao negócio de prender as pessoas assim, arbitrariamente, eu sou radicalmente contra, porque é uma atitude de violência, uma atitude de arbítrio e que não leva, rigorosamente, a nada, sobretudo porque você prende o gerente do banco que está recebendo ordens, você prende o dono do supermercado que não vai lá marcar o negócio, de repente o cara erra... tem dois produtos dentro do supermercado inteiro que estavam marcados errados, quer dizer, tinha que se ouvir essas pessoas primeiro. E a entrada e a prisão dos diretores da Folha de S. Paulo; aí, realmente, não dá para entender! Porque volta a criar um pânico de você ficar em casa...

Cacá Rosset: Você acha que nesse caso houve uma tentativa de intimidação, quer dizer, uma ameaça à liberdade de expressão, uma coisa desse tipo?

Jô Soares: Não sei. Eu não sei se houve. Eu não sei nem o que houve. O que eu sei é que é uma ameaça. Tá certo?

Angeli: Já que você citou a Folha, você concorda com a Folha quando diz que estamos sendo governados por um [Benito] Mussolini juvenil [comprando-o com o ditador italiano criador da doutrina governista totalitária chamada fascismo].

Jô Soares: Não sei... Eu acho que a história...

Angeli: [interrompendo] Ou você acha juvenil da parte da Folha isso?

Jô Soares:...[Risos] Eu acho que a história não se repete, mas eu acho que realmente o presidente podia abaixar o queixo um pouco.

Jorge Escosteguy: Você votou em quem Jô ?

Serginho Leite: Parece que ele revogou essas duas medidas. Ele revogou.

Jô Soares: E de mãos fechadas. Não sei se vocês já notaram que ele só anda de mão fechada e queixo para cima...

Jorge Escosteguy: É para economizar. [risos]

Jô Soares: Ele podia lembrar, ele podia voltar àquela imagem, ele podia voltar a passar aquela imagem, que ele passava na campanha, do Fernando Collor que eu conheço; que é uma pessoa absolutamente cordata.

Serginho Leite: É uma coisa engraçada, ele desce a rampa do Planalto em frente aos militares postados com os dragões e tudo, ele se posta militarmente. É uma coisa muito engraçada e hoje tem uma foto dele no jornal vestido de roupa de campanha [militar] para ir para Rondônia...

[Sobreposição de vozes]

Serginho Leite:... Nenhum general jamais usou uma roupa daquela quando foi lançar aquelas usinas...

Jô Soares: Aliás, essa roupa... de camuflagem... Camuflagem é uma coisa que não me entra na cabeça, porque o sujeito botar uma roupa manchada de marrom, pintar a cara de preto...

[...]: [interrompendo] E tirar foto. [risos]

Jô Soares: Tirar foto, nem se fala. Mas digo, aquele uniforme de campanha para mim nunca entrou na cabeça, que o cara entra com o uniforme todo manchado, pinta o rosto de preto, uma porrada de galho na cabeça, uma metralhadora na mão e quer que pense que é uma árvore! [risos] Pô! Fica complicado.

Jorge Escosteguy: Você votou em quem, Jô, para presidente?

Jô Soares: Eu votei no Lula. Eu votei no Mário Covas [do PSDB] no primeiro turno, eu votei no Mário Covas, achava que era o que tinha mais pinta de presidente. No segundo turno eu votei no Lula. Eu ia anular meu voto, na realidade, porque eu não era nem Collor, nem era Lula, eu era Covas. Mas aí a minha mulher, a Flávia, é apaixonada pelo Lula, votou no Lula, eu disse: “Também não vou anular meu voto” e votei no Lula. E as razões por que eu não queria votar no Lula... eu não ia votar no Lula porque eu tinha certeza que ele ia congelar caderneta de poupança, que ele ia meter a mão no Over... [risos]... que ele ia congelar a conta corrente. Eu digo: “Eu não vou votar no Lula”.

Serginho Leite: Acusação feita até pelo Collor veementemente no último debate, falando assim: “O senhor confirma que o senhor vai dar um calote na poupança”, era bom passar o VT não é?

Jô Soares: Eu estou preocupado com o presidente Fernando Collor pelo seguinte: com os cinquentinha que ficaram na conta [alusão à quantia máxima estabelecida por uma das medidas do Plano Collor I para as aplicações de poupança, quando do chamado confisco (NCz$ 50 mil – cinquenta mil cruzados novos)] dele ainda não vai dar para ele comprar a aparelhagem de som que ele sonha tanto. [risos]

[...]: E o Lula já tem.

Jô Soares: E o Lula já tem a aparelhagem.

Jorge Escosteguy: Mário Prata, por favor.

Mário Prata: Em primeiro lugar é um prazer muito grande estar aqui. Em segundo lugar, eu não agüento mais falar desse Collor, nesse plano. Eu prefiro camuflar essa história.

Jô Soares: Não, camuflar não porque eles já andam camuflados.

Mário Prata: O [jornalista, político e escritor] Fernando Moraes [cujo primeiro sucesso editorial foi A Ilha, relato de uma viagem a Cuba] mandou lhe dar um recado, que aquela entrevista que você pediu com o [presidente cubano] Fidel Castro, ele conseguiu.

Jô Soares: Agora, eu vou ter que ir a Cuba. [Risos]. Não, o problema é que a gente tinha pedido uma entrevista com o Fidel, mas o tempo ficava meio difícil, e também ia descaracterizar muito o programa porque eu ia ter que sair para ir entrevistar o Fidel e depois os exemplos políticos e econômicos do Fidel a gente já tem hoje em dia aqui no Brasil, não precisa também entrevistar lá fora.

Mário Prata: Está certo. A minha pergunta é outra. [risos] Queria te perguntar o seguinte: esse seu programa é o maior sucesso do Brasil hoje. E eu queria te fazer uma pergunta: quanto tempo você ficou tentando fazer esse programa na Globo e não deixaram e alegavam o quê? Dentro da mesma Globo, você tentou, dentro do seu programa de humor - você falou que fez 19 anos - alguma vez você tentou uma mudança, um novo caminho lá que também foi bloqueado?

Jô Soares: Não. O que acontece é o seguinte: o programa de entrevistas eu venho tentando fazer sim, desde a época que eu fazia o programa com o [dramaturgo e diretor teatral] Silveira Sampaio, em São Paulo, eu fazia as entrevistas externas e as entrevistas internacionais. Depois no programa da Hebe [Camargo], na Record, eu fazia as entrevistas internacionais junto com ela. E sempre tive vontade porque eu achava que era uma coisa que eu sabia fazer e o Silveira Sampaio dizia: “Isso, você faz muito bem, você faz como ninguém faz, sempre tentei fazer”. Na Globo, a gente tentou fazer um programa chamado Globo Gente em 75, 74...

[...]: [interrompendo] Foi com a Sandra Bréa, não é?

Jô Soares: Não era comigo mesmo só. [risos]

[...]: Não, junto com você a [falecida atriz] Sandra Bréa.

Jô Soares: Não, não. Era só eu fazendo entrevistas, mas era impossível porque era em plena repressão, e havia um negócio que não se podia entrevistar ninguém e não se podia falar sobre nada. Então o programa de entrevistas onde você não pode entrevistar ninguém e não se pode falar sobre nada, fica difícil.

Serginho Leite: Você estava reivindicando isso na Globo, a ponto de você ir para o SBT para fazer esse programa?

Jô Soares: No momento não, mas é uma coisa que eu reivindicava sempre. Sabe aquela coisa de você ficar enchendo o saco: “e o programa de entrevistas, será que não dava, a gente rachava? “E o programa de entrevistas?”.

Mário Prata: Mas eles não acreditavam, não era só por isso, Jô...

Jô Soares: Não. Houve uma época que não havia, quer dizer, quando eu saí da Globo o Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-diretor de programação da Rede Globo] me falou, “Inclusive o teu programa de entrevistas não teria espaço para fazer diariamente, só talvez uma vez por semana, não haveria espaço”. Aí eu saí da Globo e o programa foi um sucesso muito grande. Hoje em dia, eu acho até que há o espaço porque o espaço você cria, exatamente, mostrando num outro lugar que dá para você fazer.

Humberto Werneck: Mas mesmo dentro da Globo você acha que o seu programa caberia dentro da Globo, dos padrões ali?

Jô Soares: Desde que eu tivesse total liberdade como eu tenho no SBT...

Humberto Werneck: E você acha que eles te dariam?

Jô Soares: Eu não sei. Eu só faria com esse nível de liberdade. Porque senão, não tem um programa. Você imagina, como eu entrevistei a Maria da Conceição, se eu tiver que entrevistar a Maria da Conceição: “‘olha, não pergunta isso, não fala aquilo, não fala não sei o quê!” e ela sem poder gritar, não tem programa.

Angeli: Nem chorar. [risos pela referência ao temperamento da economista]

Jô Soares: Agora, quanto ao outro negócio do programa de humor, eu acho que os programas de humor que eu vejo no mundo inteiro, em televisão, eles são limitados por uma forma, ou seja, ou é uma história, ou é sitcom [comédia de situação] que tem uma história...

Mário Prata: [interrompendo] Ou são tipos?

Jô Soares:...Ou então são quadros, são quadros diferentes. Isso no mundo inteiro...

José Simão: Mas você não vai sentir falta não de interpretar esses tipos, principalmente os tipos femininos que são os melhores que você faz. Quer dizer, não é uma opinião minha, é a opinião de todos.

Jô Soares: Que é isso, amor? Assim você me deixa mal. [fazendo trejeitos e mexendo nos cabelos] [risos]

José Simão: E são inesquecíveis...

Jorge Escosteguy: Jô.

Jô Soares: Não, eu não vou sentir falta pelo seguinte...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Desculpe Jô, é que é a mesma pergunta do telespectador Carlos Alberto, aqui do Jaguaré, ele pergunta se você pensou no público que gostava tanto do seu programa e dos seus personagens?

Jô Soares: Eu pensei. Mas eu acho o seguinte, os meus personagens e o público específico [enfatiza] de humor, ele tem a oportunidade de me ver no teatro, onde eu faço meu show de humor, onde eu faço o que eu quero e que é uma coisa muito mais elaborada no sentido de que você, cada dia, você acrescenta alguma coisa no trabalho que você está fazendo. Então eu não vou frustrar o meu público que quer ver especificamente um programa de humor porque eu estou no teatro sempre, fazendo. Eu não estou até agosto fazendo temporada no teatro por acaso, porque há anos que entra ano e sai ano eu estou com um show diferente...

José Simão: Certo, mas você pessoalmente não sente falta de...

Jô Soares: Não, porque exatamente por isso.

[...]: Porque está no teatro.

Mário Prata: Você falou que são quadros, não é? No seu programa, no último no SBT e mesmo na Globo, na abertura você brincava muito com a parte eletrônica da televisão, com dublagem e tal. Você nunca pensou em fazer um programa que você usasse não só você como ator, mas o teu talento de escritor, de humorista, para criar essas situações de dublagens, de inserções de você em cena...

Jô Soares: Eu cheguei a fazer Mário...

Mário Prata: Você fez isso no começo da sua carreira, não é?

Jô Soares: E fiz depois. No Satiricon eu fiz também.

Mário Prata: Pois é. No Satiricon, não era bem o começo, mas o Satiricon...

Jô Soares: Fiz no começo, fiz no Satiricon.

Mário Prata: Você agora não tem vontade de brincar com esse tipo de humor que sai do quadro, do personagem?

Jô Soares: Olha, acontece o seguinte, não é que eu não tenha vontade, mas eu já brinquei muito com isso, entende?

Mário Prata: Sei.

Jô Soares: Não é uma coisa que eu nunca tenha feito. Então você sabe que o que mais estimula você é o novo, é o diferente, é a idéia nova que mais te estimula. E, às vezes, é um personagem novo que te estimula. Eu me lembro de um personagem que a gente fez na estréia do programa, aqui no SBT, que era o Cearomem, eu adorava fazer aquilo, achava uma coisa de absoluto nonsense, que era um cearense que tinha sido mordido por um lobisomem e a meia-noite ele virava o cearomem, quer dizer, não era um cearense, era um inglês, perdão, era um inglês, um pesquisador de folclore inglês, que tinha sido mordido por um cearense de Quixeramobim e à meia-noite ele virava o cearomem. Então era um inglês que falava: “estou muito contente, mas a lua está no céu, [imitando sotaque inglês] ô bichinho o que é que está havendo comigo! [imitando sotaque nordestino do Brasil]...”' E ele virava um cearense. Então você vê que, mesmo dentro de um quadro, você pode ir à loucura, como é o caso, por exemplo, da TV Pirata, que é um programa que inovou, no sentido de que tem gente nova fazendo o programa, mas que é um programa de quadros, é um programa de sátira, que a gente fazia no Satiricon, e um programa que tem hoje uma liberdade de linguagem que a gente na época não tinha.

Serginho Leite: E até a semana passada, dinheiro para gastar de monte, não é? [risos]

Cacá Rosset: Você, ultimamente, no teatro só tem feito os shows. Mas você fez teatro, você dirigiu, fez vários espetáculos como ator, enfim, teatro de prosa. Você parou de fazer teatro por quê? Você tem vontade, você tem algum projeto, você teria vontade fazer teatro?

Jô Soares: Acontece o seguinte, eu acho que um ator em cena é teatro. Então eu faço o meu espetáculo no teatro, não é: “Ah! É show disso, é não sei o quê...”. É um ator em cena fazendo personagens, com platéia, logo é teatro.

Cacá Rosset: Você dirigiu Romeu e Julieta, você fez várias...

Jô Soares: Claro. Agora eu fiz, como diretor: Romeu e Julieta, o Casamento do senhor Mississipi, eu fiz [Eugène] Labiche [dramaturgo e escritor francês], Os 30 milhões do americano, enfim, dirigi um monte de espetáculos e fiz também peças de teatro com elenco etc, como ator também. Claro que é uma coisa que me agrada muito, mas no momento atual do Brasil, de alguns anos para cá, eu achava mais importante fazer um espetáculo em que eu tivesse a liberdade de sair, todo dia, inteiramente do texto, entende? Porque a evolução do surrealismo no Brasil foi tão grande que não havia peças surrealistas que retratassem aquilo que estava acontecendo. Então a melhor maneira de você acompanhar, era você fazer um espetáculo sozinho, onde você pudesse falar de tudo. Então por isso é que, até então, é o que eu venho fazendo. Mas é claro que quando eu estou fazendo isso e estou fazendo televisão e estou escrevendo para a [revista] Veja e estou escrevendo para o Jornal do Brasil, eu não tenho tempo de dirigir um espetáculo ou de fazer um espetáculo como ator. Mas é claro que eu adoro.

[Sobreposição de vozes]

Cacá Rosset: Eu acho que você faria coisas fantásticas, quer dizer, como fez...

Jô Soares: [Interrompendo] Obrigado.

Cacá Rosset:...Como fez. Mas eu vejo, por exemplo, você fazendo O Senhor Puntila [e seu criado Matti] do Brecht, acho que seria uma coisa extraordinária, extraordinária.

Angeli: Agora Jô, você citou a TV Pirata. Ao contrário do desenho de humor em que sempre houve espaço para o surgimento de novas gerações, de novos profissionais, no humor da TV existiu um grande vácuo entre a sua geração e o pessoal da TV Pirata. E por que você acredita que aconteceu isso?

Jô Soares: Eu acho que aconteceu exatamente pelo enorme desenvolvimento das novelas. Porque qualquer ator de talento, qualquer comediante de talento que surgia, era puxado, sugado, imediatamente, para ir trabalhar em novela.

Angeli: E na área de redação? Os redatores?

Jô Soares: A mesma coisa. A mesma coisa. Você acha que se o Max Nunes sentar na máquina não escreve uma novela?

Angeli: Escreve.

Jô Soares: E escreve mais facilmente do que escreve um programa de humor, você sabe disso.

José Simão: Mas agora o humor está com tudo nas TVs. Estão todos apostando em programas de humor agora. Do ano passado para cá tem aumentado o número de programas de humor.

Jô Soares: Sim, mas acontece o seguinte: ficou, como o Angeli falou, um buraco muito grande. Tanto que quem é que está fazendo TV Pirata? Marco Nanini [ator com várias atuações em comédia e excelente performance interpretando os mais diversos tipos de personagens] que fez novela durante anos, o Ney Latorraca [ator de vasto currículo, parceiro de Marco Nanini na peça O mistério de Irma Vap, que ficou 11 anos em cartaz] fazia, o elenco inteiro é o elenco que estava na novela.

José Simão: Maria Zilda  [atriz de cinema e televisão]...

Angeli: Eu me lembro do Bondinho, - você se lembra do Bondinho, a revista Bondinho ? - houve até um anúncio uma vez que eles fizeram: “Entre para essa turma!”, que era à procura de novos talentos de redatores de humor e tal, e não surgiu ninguém.

Jô Soares: E também é muito difícil você escrever para a televisão. Porque você tem que escrever uma coisa que seja com hora marcada, com tempo e hora marcada, que seja curta e que seja engraçada, mas com limites. Porque você, por exemplo, você senta para escrever uma história em quadrinho, o limite é a sua cabeça.

Angeli: Certo.

Jô Soares: Na televisão, não. Na televisão você está... É até mais difícil você escrever, no caso, para a televisão, do que escrever para o rádio. No rádio, o limite é o céu, aliás, o limite agora é 50 mil... Mas, até então, era o céu. [risos]

Angeli: Jô, na maioria das vezes, quando um humorista de imprensa se aventura a transpor o seu humor para a TV, geralmente o que é forte no papel fica fraco no vídeo e tal. E você...

Jô Soares: [interrompendo] Por causa dos personagens.

Angeli: Certo.

José Simão: É por que é muito difícil escrever...

Jô Soares: Os personagens no papel, você, por exemplo, tem dezenas de personagens absolutamente geniais. Quem é que vai interpretar aquilo?

Angeli: É difícil. Quando eu tentei ficou uma coisa brocha.

Jô Soares: Exatamente.

Angeli: Agora eu vejo que também acontece com o humorista que domina a linguagem de TV, quando ele vai para a imprensa, acontece também de cair um pouco a qualidade. Não a qualidade, mas a força da coisa. E você trabalha para a Veja, Jornal do Brasil, não é? Você sente isso no seu trabalho, essa diferença de linguagens afeta o seu trabalho? Você acredita nisso?

Jô Soares: Às vezes. Às vezes afeta, depende muito. Eu tenho uma experiência de escrever para jornal porque eu escrevo para jornal desde 61.

Angeli: Bom, eu lembro de textos seus no Pasquim, na época de ouro do Pasquim.

Mário Prata: No Última Hora.

Jô Soares: No auge do Pasquim, aliás, fui processado pela Promotoria, pelo Ministério da Justiça por um artigo que eu escrevi no número 100 do Pasquim que chamava A cama.

Angeli: Eu lembro disso. Agora...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Só um minutinho, por favor, eu queria completar a roda, o Maurício Kubrusly ainda não fez uma pergunta, por favor.

Maurício Kubrusly: Jô, você tem falado muito em renovar e evitar a repetição. Agora, quando você tem uma coluna no jornal, você tem numa revista semanal é mais fácil, mas quando você tem uma coluna no jornal, os cronistas, até o [Carlos] Drummond [de Andrade] [renomado poeta, contista e cronista brasileiro cuja imagem chegou a ser impressa nas notas de Cr$ 50 (cinqüenta cruzeiros) em circulação no Brasil entre 1988 e 1990. Faleceu em 1987, aos 86 anos] reclamava disso, tem aquele espaço que você tem que encher e você não consegue ser genial todo dia. Num programa de entrevista tem um pepino assim. Quer dizer, hoje aqui está uma festa, todo mundo que está em casa, “Olha, é o Jô” e tal. Hoje temos um super entrevistado aqui...

Jô Soares: Espero que sim.

Maurício Kubrusly: Não, é verdade. Tem o Jô, um entrevistado de peso. Mas você tem um programa de segunda à sexta, quanto tempo demora o programa?

Jô Soares: Não tem tempo.

Maurício Kubrusly: Legal.

Jô Soares: Ele não tem um tempo específico, exatamente por isso é a vantagem de entrar às 11 e meia, mais ou menos. Eu pego a Maria da Conceição Tavares, eu faço dois blocos com ela, foram 40 minutos, 42 minutos de entrevista.

Maurício Kubrusly: Também, então, não tem um número certo de entrevistados?

Jô Soares: Tem. Em principio são três. No caso, quando eu vejo o entrevistado, como a Maria da Conceição, que eu sei que obrigatoriamente vai passar do tempo, ela faz 2 blocos...

Ivan Ângelo: Aliás, naquele dia o [Romeu] Tuma [senador que, à época da entrevista, era diretor-geral do Departamento de Polícia Federal] ia ser entrevistado?

Jô Soares: Não, ele foi entrevistado no dia seguinte. Como eu entrevisto...

Maurício Kubrusly: Mas é que é gravado.

Jô Soares: Como é gravado como se fosse ao vivo, quer dizer, direto, sem interrupção, ele chegou lá para fazer a entrevista dele. Parecia ensaiado, até.

Maurício Kubrusly: Mas então, será que existe no Brasil um número de entrevistados interessantes que alimente um programa? Você acha que existe?

Jô Soares: Olha, Maurício, eu acho que sim, por dois motivos. Primeiro, é o seguinte: fundamental nesse tipo de programa de entrevistas é o papo que a gente leva, às vezes, muito mais do que o entrevistado. Às vezes você pega um entrevistado que ninguém conhece e que dá um banho de entrevista, como era o caso do [político (do Prona) com visual e retórica bastante peculiares] Enéas [Ferreira Carneiro] quando foi lançado à Presidência da República, e que a primeira entrevista que ele deu foi no meu programa e foi uma coisa de enlouquecer, foi um sucesso imenso. Então, quer dizer, não é a pessoa em si, você não precisa entrevistar medalhões para que a entrevista seja boa. Às vezes até você entrevista medalhões e a entrevista sai um saco. Então, quer dizer, muito mais o bate papo que é gostoso. Então se num bate papo tem uma pessoa que seja boa conversadora, se tem um bom conversador o papo sempre desenvolve, e, modéstia à parte, eu acho que eu sou um bom conversador. Além disso, é impressionante, eu acho que seria mais difícil fazer esse programa semanal do que diário porque uma entrevista puxa a outra. Você convida uma pessoa e a pessoa chega e diz assim: “Olha, tem um fulano lá na Paraíba que faz não sei o quê e tal”, entende? O volume aumenta muito mais. Você falou o negócio de jornal, você sabe que falando com várias pessoas que escrevem diariamente em jornal e que já escreveram semanalmente, acaba ficando mais fácil você escrever todo dia do que você escrever uma vez por semana, porque o intervalo é muito grande de uma semana para outra...

Maurício Kubrusly: Mas você não cria colunas geniais todos os dias. É impossível.

Jô Soares: Você não cria colunas geniais todos os dias, mas você cria um bom estilo todo dia.

José Simão: E ritmo não é?

Jô Soares: É. Então tem colunas que você lê todo dia e você não percebe. A coluna que você gosta de ler, que você lê todo dia... é difícil você dizer assim: “Ah, essa coluna hoje está ruim”. Quer dizer, ela sempre tem uma média.

Jorge Escosteguy: Jô.

Ivan Ângelo: Você falou em convidados. Você teve algum caso de alguém recusar ser entrevistado? E você recusou alguém que se oferecesse?

Jô Soares: Não, nunca. Porque eu acho que o que interessa é exatamente... O programa é absolutamente democrático, não tem limitações, não tem censura nenhuma...

Ivan Ângelo: Sim, mas nunca ninguém disse não? “Não. Não vou”.

Jô Soares: Não, nunca. E também nunca teve um convidado que eu disse “Não, não quero”. Sabe, eu acho que o que interessa é ver a coisa ali.

Maurício Kubrusly: Agora, você sabe que do lado de cá, de quem está assistindo, a gente percebe na sua cara quando você acha que a entrevista está brochando. Você vai indo e tal e a entrevista está quente e aí quando você começa a olhar muito o papel, quando você começa... a gente já sabe que vai acabar, que não está...

Jô Soares: Mas não é bom isso? [risos]

Maurício Kubrusly: É que tem uns convidados que, às vezes, não deviam estar lá mesmo.

Jô Soares: Eu acho que é uma cumplicidade que acontece junto com o telespectador. Várias pessoas me dizem isso, ”Eu vi que você estava entrevistando fulano que você estava achando um saco”...

[Sobreposição e vozes]

Humberto Werneck: Jô, teve alguma entrevista que foi um desastre absoluto?

[...]: Tirando a do [brigadeiro João Paulo Penido] Burnier.

Angeli: Tirando a do [escritor, jornalista, humorista e cronista brasileiro] Luís Fernando Veríssimo. [risos]

[Sobreposição de vozes]

Humberto Werneck: Conta para a gente a história dessa entrevista do Burnier.

Jô Soares: Como assim? O porquê da entrevista do Burnier?

Humberto Werneck: É porque a gente tinha entrevistado o capitão Sérgio e aí o Burnier ligou para a produção dizendo que ia fazer um pedido de resposta, aquela coisa e tal. Só que ele queria o pedido de resposta porque a lei de imprensa, que já é uma loucura porque não dá para entender... ainda uma das aberrações da Lei de Imprensa é o seguinte: ele teria o direito de usar o tempo que o Sérgio teve na entrevista dele, para ler um depoimento. Ou seja, o brigadeiro Burnier lendo durante 22 minutos! [risos]

Serginho Leite: Num programa de entrevistas.

Jô Soares:... Aquela papelada, num programa de entrevistas. Eu falei, “Olha, isso eu não vou deixar, então vamos... se vai haver discussão na Justiça, vamos discutir para ver qual é o modus operandi para ele dar essa resposta”. Aí eu liguei para ele e falei: “Olha, brigadeiro, eu acho que a melhor maneira é você vir aqui dar uma entrevista” – “Mas ele falou 22 minutos” – “Também você vai falar no mínimo 22”...

José Simão: [Interrompendo] Está aberto ao monólogo.

Jô Soares:...Exatamente. O programa é aberto ao monólogo. [risos]

Jô Soares: E eu acho que a entrevista dele, inclusive, foi ótima exatamente por causa disso. E o Luís Fernando conseguiu falar mais de cinco palavras, que é uma coisa fantástica, o Veríssimo...

Jorge Escosteguy: Jô, o telespectador Antônio Gomes Filho, de Santa Cruz das Palmeiras, São Paulo, ele pergunta se é verdade que você estudou na Suíça, foi colega do filho do Aga Khan [príncipe Karim Aga Khan, líder institucional e espiritual de milhões de muçulmanos ismaelitas.] e a sua mesada era maior que a do filho do Aga Khan?

Jô Soares: Não, essa mesada eu não sei. [risos]

Jô Soares: Eu estudei na Suíça...

[...]: [Interrompendo] É engraçado porque o Aga Khan recebia dinheiro em peso, não é? Não era o Aga Khan?

Jô Soares: É, exatamente... Não, eu recebia uma mesada de qualquer estudante, que era possível receber, de estudante que na época estudava fora, que eram 200 dólares, e estudei na Suíça sim, e o filho do Aga Khan, o Karim, estudava, fui colega dele de Suíça, mas ele estudava no Le Rosé, que era outro colégio, aliás, um colégio rival, em nível de competições esportivas, do nosso. Ele estudava no Le Rosé e eu no Lycée Jaccard. Agora a mesada dele devia ser muito maior do que a minha, porque desses 200 dólares saía compra de livros, compra de material, uma série de coisas.

Jorge Escosteguy: O Jair da Costa, de Campinas, ele pergunta se você faria o mesmo sucesso se fosse magro?

Jô Soares: Eu não sei. Como humorista? Eu acho que sim.

Maurício Kubrusly: Mas você foi magro.

Jô Soares: Eu já fui quase magro. Eu acho que se gordura fosse engraçado não havia necessidade de humorista. Você comprava um quilo de toucinho e ria o ano inteiro. [risos]

Jô Soares: Pendurava na janela e aaah [fingindo rir]. O que eu acho é o seguinte, o que eu senti quando eu emagreci é que as pessoas estranhavam muito a diferença de formato. É como se... sei lá... a Mercedes-Benz lançasse um carro que, em vez de ter a estrela, tivesse uma lua na frente. Quer dizer, a diferença, a minha marca registrada é ser gordo. Então quando eu perdi 80 quilos, que eu cheguei a pesar 160, também já era sacanagem.

Ivan Ângelo: Você perdeu por quê?

Jô Soares: Eu perdi exatamente porque com 160 eu continuava engordando. Eu resolvi fazer uma dieta para manter aquele peso, e como eu não encarava como dieta, psicologicamente, eu comecei a emagrecer brutalmente, que era só um controle de peso. E fui até os 80 quilos, que para 1 metro e 70 ainda é gordo, mas para quem pesava 160 é um palito de magro. E realmente mudou a minha imagem. Eu fiz um espetáculo, na época, de teatro chamado Ame um gordo antes que acabe que as pessoas morriam de rir, era um espetáculo super engraçado. Foi super bem criticado e tudo. Mas as pessoas estranhavam alguma coisa. Então aí eu voltei a engordar, voltei aos 120, 127, dependendo da época, exatamente, porque eu fui o único gordo do mundo que emagreceu e não teve estímulo. Porque geralmente o sujeito emagrece e todo mundo fala, “Emagreceu, está ótimo! Que bonito, está magro!”. Comigo era o contrário, “Pô! Emagreceu, que horror! Você é tão melhor gordo!”. Aí realmente...

Maurício Kubrusly: Deve estar todo mundo com inveja de você, porque você fala em perder 60 quiilos, 80 quilos e o pessoal sofre por dois ou três quilos, não é?

Jô Soares: Dois eu perco embaixo do queixo. [risos]

Jô Soares: Dois eu perco de um dia para o outro.

Maurício Kubrusly: Houve uma vez que a [jornalista] Lilian Wite Fibe saiu da Globo e conta-se que o [jornalista] Paulo Henrique Amorim, que continuava na Globo, ligou para ela e disse: “Como? Você saiu da Globo? Como é a vida fora daqui? Como você saiu da Globo?” Agora ela voltou para Globo e não sei se ele telefonou para ela e disse: “Você voltou para a Globo!”. Mas você saiu da Globo por iniciativa sua e vive índices muito inferiores do Ibope do que a Globo dá, porque a Globo é... é o negócio da Globo... fica aquela preguiça, fica na Globo e ninguém muda. Está um, entra outro e continua aquele índice de Ibope. Como é viver com muito menos telespectadores? Muda muito?

Jô Soares: No meu caso não muda nada, rigorosamente nada, pelo seguinte, a repercussão do meu programa é igual ou maior do que a repercussão dos meus programas na Globo.

Maurício Kubrusly: Mas com muito menos espectadores.

Jô Soares: Com muito menos espectadores. E quanto ao fato de ter menos espectadores, pelo horário e por ser na segunda rede do país, etc, para um artista que durante 17 anos teve 65 por cento de audiência, ele já está suficientemente conhecido para não sentir nenhum impacto de falta de popularidade, você entendeu? Para te dar um exemplo, no teatro, por exemplo, não afetou rigorosamente nada. Eu faço uma entrevista, como a da Maria da Conceição ou do Tuma, as pessoas no dia seguinte, todo mundo fala na entrevista, quer dizer, depende muito do alvo que você está atingindo. E quanto ao fato de ser popular, eu já sou um artista popular. Então, realmente, não afetou em nada. Afetou no bom sentido, que eu pude fazer um programa que eu achava fundamental fazer.

Cacá Rosset: Eu vi há pouco tempo uma entrevista do [cantor] Agnaldo Timóteo, cerca de um mês, dois meses atrás, no programa [de entrevistas com celebridades] do [apresentador] Amauri Júnior, o Flash, uma entrevista muito violenta, e uma das coisas que ele dizia é que uma série de artistas não pagavam Imposto de Renda. Faziam shows, cobravam em dólar e ele citou você, o [compositor, intérprete, poeta e escritor] Chico Buarque...

[...]: Caetano Veloso [cantor e compositor baiano, ícone do Tropicalismo].

Cacá Rosset:...Caetano Veloso, pode ser, não lembro. Você chegou a ver essa entrevista?

Jô Soares: Não. Eu vi uma entrevista na [no programa da] Sílvia Poppovic [jornalista e apresentadora] em que ele citava o Chico Buarque e citava o Caetano Veloso, não me citava.

Cacá Rosset: Nessa do Amauri, ele te citou também.

Jô Soares: Ele nunca foi meu contador na realidade. [risos]

Jô Soares: Inclusive eu não daria nada para o Agnaldo Timóteo contar. [risos]

Jô Soares: Nem histórias. [risos]

Jô Soares: Eu acho uma loucura isso. Eu acho um absurdo. Eu acho que só pedindo um exame de sanidade mental. Porque ele pode falar, como ele disse, que ele há 25 anos não paga imposto, o que para mim é, realmente, partindo de uma pessoa que foi deputado federal, que freqüentou o Congresso deste país, confessar que nuca pagou Imposto de Renda, eu acho uma loucura. Agora de minha parte, eu sempre paguei imposto, meus impostos são pagos direitinho, é tudo com nota fiscal, não tem como eu não pagar.

Maurício Kubrusly: O Tuma não vai invadir a sua casa?

Jô Soares: Não. Pode inclusive vir como convidado, como invasor é difícil. Também acho que o Chico Buarque...

Cacá Rosset: Você responde a esse tipo de acusação, quando você ouve uma entrevista ou alguém escreve alguma coisa desse tipo, não?

Jô Soares: Nunca, nunca, nunca. Não. Evidente que eu responderia se fosse...

Cacá Rosset: Uma coisa ao vivo e tal.

Jô Soares: Não. Se fosse uma pessoa que tivesse critério, tivesse competência para falar sobre isso... Quer dizer, se fosse um ministro da Fazenda ou um chefe da Receita Federal que dissesse: “Olha, aqui, o senhor Jô Soares não paga imposto”, aí realmente eu responderia: “Pago. Está aqui a guia do imposto. Está aqui tudo pago”. Graças a Deus pago muito imposto, porque é sinal de que eu ganho muito bem. Pago muito imposto, acho que até hoje o meu imposto não tem sido bem utilizado em prol da população, mas pago muito bem e não tenho como não pagar porque tudo que eu faço é mediante recibo e nota fiscal. Não sei o que o senhor Agnaldo Timóteo faz. Eu não sei se aonde ele trabalha dão nota fiscal ou não, no meu caso tem que dar. E outra coisa, quanto ao Chico Buarque e ao Caetano Veloso, meus caros e queridos amigos e profissionais da maior seriedade, eu tenho certeza absoluta [enfatiza] de que os dois também pagam Imposto de Renda direitinho e bonitinho.

Jorge Escosteguy: Mário Prata.

Mário Prata: Obrigado. Já que entramos no pessoal, aquela pergunta que mamãe gostaria de fazer. Você tem, apesar de ser um só, você se subdivide como ator, como diretor, como entrevistador, como tendo uma coluna numa revista e num jornal, eu queria saber como é que é a tua vida, se você é uma pessoa organizada, se você bate ponto para você mesmo, se você tem o dia certo, quarta-feira às 6 da tarde eu faço a matéria da Veja, sabe? Ou vai indo...

Maurício Kubrusly: [Interrompendo] Ainda tem o rádio, não é?

Mário Prata:...É o rádio, o programa de jazz. Dá? Como é que é? Começa segunda-feira como?

Jô Soares: Eu só respeito o horário no que tem realmente horário, por exemplo, eu tenho que ir uma certa hora para fazer o programa de rádio, tenho que ir para a televisão para fazer o programa de televisão, quando eu estou no teatro tem que começar, nove e dez está começando o espetáculo. Agora, na hora de escrever, eu sou muito recalcitrante, porque escrever para mim é o lado mais...

Mário Prata: [interrompendo] Gostoso.

Jô Soares: Não, ao contrário, o lado mais estafante. Porque para mim, todo o resto da atividade é muito lúdico, é muito a criança fazendo, estou interpretando alguma coisa, play ou jouer...

Mário Prata: O escrever para você é o mais difícil?

Jô Soares: É. Não é o mais difícil, é o que menos tem recompensa na hora, estímulo. Porque você entra num palco, você está lá brincando de ser alguma coisa. A palavra francesa, inglesa é perfeita...

Mário Prata: Mas na hora em que você cria a careca do [político brasileiro] Ulysses Guimarães [falecido em 1992], você não tem um orgasmo ali, particular, seu?

Jô Soares: Claro, na hora em que eu estou criando...

Mário Prata: Não tem aquela alegria?

Jô Soares: Na hora em que eu estou criando tenho, ma a primeira coisa é mostrar para alguém. Quer dizer, o negócio da criança: “Olha o que eu fiz”. Criança quando desenha, que vem mostrar, “Olha o desenho que eu fiz”. Mas eu digo o seguinte: a hora de sentar no computador para escrever não pode ter uma, não pode ter essa rigidez de horário para mim. Tem que ser... às vezes é em cima da hora, às vezes é quando vem a idéia. Então eu não consigo esquematizar uma rigidez de horário como você deve ter.

Maurício Kubrusly: Você anda com caderninho? Anota idéias?

Mário Prata: Tenho. Pois é por isso que eu estou perguntando...

Jô Soares: Você deve ter, inclusive, porque é todo o seu lado, o seu lado maior é aí. Então se você não tiver isso, você está frito.

Mário Prata: Porque, por exemplo, não falando de mim, mas eu acho que no caso de um escritor de uma peça de teatro, eu, particularmente, eu sinto mais prazer quando eu crio a coisa do que na estréia lá.

Jô Soares: Do que quando vê.

Mário Prata: Do que no aplauso lá.

Jô Soares: Claro... É óbvio, porque os personagens estão todos na sua cabeça e no palco, por melhor que seja, não é exatamente aquilo que você pensou.

Mário Prata: Já tem alguém fazendo.

Jô Soares: Já tem alguém fazendo.

Mário Prata: O diretor vendo é muito pior.

Ivan Ângelo: É por isso que você não escreve teatro?

Jô Soares: Não, eu escrevo teatro também, mas acontece...

Ivan Ângelo: Teatro, peça?

Jô Soares: Não, peça de teatro eu não escrevo no momento por falta absoluta de tempo.

Ivan Ângelo: Gostaria de escrever?

Jô Soares: Mas quando eu faço meus shows, eu sento e escrevo como se fosse uma peça de teatro. Já escrevi peça de teatro, peça em um ato para espetáculos com mais de uma peça. Mas, realmente o meu prazer maior é quando eu estou no palco, quando eu estou me exibindo, porque o ator é um exibicionista, inclusive em alemão ator se diz schauspieler, quer dizer, brincar de se mostrar, que é exatamente o que o ator é, o ator é um exibido, é um exibicionista nato.

Mário Prata: Para concluir essa pergunta Jô, a gente nunca sabe quem são os autores das piadas que a gente ouve, tem piadas geniais e a gente não...

Jô Soares: Nunca se sabe.

Mário Prata: Nunca se sabe. Seria demais pedir para você contar a melhor piada que você conhece? Que não é sua.

Jô Soares: É muito difícil.

Mário Prata: Tem alguma piada que alguém já veio lhe contar que é sua, que você bolou você criou...

Maurício Kubrusly: Fez a volta inteira...

Jô Soares: Uma, uma.

Mário Prata: Uma? Qual é?

Jô Soares: Uma piada que é a do Cristo português.

Mário Prata: Como é que é?

Jô Soares: Mas aí eu tenho que levantar, dá para levantar? Fez a volta e eu ouvi como piada que eu achei engraçado até, que eu fazia num espetáculo, que é o Cristo português que estava na cruz lá há 2000 anos [levantando-se] e que estava assim [abre os braços] dizendo [com sotaque português] “Ai meu Deus, cá estou eu aqui na cruz há dois mil anos, não adiantou nada, ninguém seguiu os meus ensinamentos, ninguém levou a sério e eu aqui há dois mil anos amarrado, pregado a essa cruz, eu vou é sair daqui sabe!” – [faz que está se soltando e assopra uma das mãos, faz o mesmo com a outra mão e em seguida finge que está caindo para frente, preso aos pés, gritando]. [risos]

[...]: É sua essa piada?

Jô Soares: Essa piada, que virou piada mesmo, foi uma piada que eu fiz. Então...

Mário Prata: E quem escreve as piadas Jô?

Jô Soares: Não sei.

Mário Prata: Quem sabe isso?

Jô Soares: Ninguém sabe. Eu pergunto para o Hilton Marques, pergunto para o Max Nunes, ninguém sabe. Porque, inclusive, uma coisa que você vê no mundo inteiro. Você vê piadas aqui que estão em compêndios de anedotas francesas ou italianas, alemãs. A mesma piada contada no mundo todo.

[Sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: Nós vamos ter que fazer um rápido intervalo, por favor! E o Roda Viva volta daqui a pouco entrevistando hoje Jô Soares. Até já.

[intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando Jô Soares. Os telespectadores que quiserem fazer perguntas por telefone podem chamar (011) 252-6525. Jô, o José Castelar...

Jô Soares: [Interrompendo] Eu estou enjoado ainda com essa rodada que eu dou aqui. Isso dá um trabalho.

Jorge Escosteguy: O José Castelar, produtor do antigo Canal 5 da TV Paulista, pergunta se você ainda faz música com máquina de escrever, uma idéia do [ator que interpretou o personagem Tarzan] Lex Baker, segundo ele, igual naquele programa com a orquestra da antiga TV Paulista. Como é essa história?

Jô Soares: Foi um concerto que foi feito no tempo da TV Record para orquestra e máquina de escrever, onde a gente fazia a dança ritual do fogo, e a gente fez, inclusive no Teatro Municipal de São Paulo com o [maestro] Júlio Medalha e com a orquestra do Teatro Municipal, foi uma maravilha. Mas isso é uma daquelas coisas, que o Mário estava falando, de idéias que você tem e que você joga. Eu já tinha feito uma vez no meu programa de televisão na TV Record e depois a gente fez no Teatro Municipal, mas é uma coisa que não dá para você repetir muito.

Angeli: Jô, você estava citando isso, foi nos anos 60 isso? 70?

Jô Soares: Foi anos 60.

Angeli: Dá para notar pelas conversas no seu programa que você sempre esteve muito ligado à vanguarda dos anos 60: Tropicália, artes plásticas, teatro, cinema. Então eu queria saber de você, se você acha que o que é produzido hoje, em termos de arte, teatro, artes plásticas, tal, tem o mesmo grau de transgressão que tinha nos anos 60 e, enfim, nesses tempos tão brocha, o que você acha viril na arte brasileira? O que você vê que o excita.

Maurício Kubrusly: Está legal essa pergunta!

Jô Soares: Eu acho o seguinte: em nível de transgressão é difícil ser igual aos anos 60, inclusive em relação a anos 60 no Brasil, porque nos anos 60 tinha que haver realmente uma transgressão, quer dizer, era fundamental haver uma transgressão. Agora eu acho que a arte, o que me excita em qualquer criação artística é a qualidade dela. Eu acho que você pode ver, às vezes, ou um espetáculo, ou uma pintura, ou um desenho absolutamente convencional e se for de grande qualidade, aquilo o estimula, o excita e é crítico, tem crítica. E na vanguarda a mesma coisa, quer dizer, eu acho que não é necessariamente pelo fato de um espetáculo ou um desenho ser de vanguarda que ele é necessariamente bom.

Angeli: Sim, lógico.

Jô Soares: Mas, agora, eu acho que os anos 70, até então, e os anos 80 foram menos criativos do que os anos 60.

Angeli: E por que você acha isso?

Jô Soares: Eu acho que exatamente porque nos anos 60 ainda havia a possibilidade de você, realmente, bater de frente com outras coisas. Nos anos 70, quando houve o AI5... o AI5 foi realmente uma Idade Média, não é? Para nós todos.

José Simão: Sim, mas aquele filme Hitler III Mundo, em que você era ator, foi em que ano? Era em 60?

Jô Soares: Era em 67... 66!

José Simão: Foi um pouquinho antes. Depois veio A mulher de todos, do...

Jô Soares: É. Também nessa época, 66, 67.

José Simão: Também nessa época.

Angeli: E cinema, por que você atualmente... Eu vi, há pouco tempo, Cidade oculta, não é? Em que você trabalha.

Jô Soares: Está aí, é um filme que eu acho ótimo e que eu me convidei para fazer. Eu disse assim: “Eu quero fazer esse filme de qualquer jeito. Não quero ganhar nada, mas quero ter uma participação no filme”.

Angeli: Ué, mole assim? Acho que eu vou fazer um filme e convidar o Jô... [risos]

Jô Soares: Não por quê... Aí é que está. Muitas vezes eu não faço porque eu não sou convidado...

José Simão: E televisão, você gosta de ver televisão?

Jô Soares: Gosto. Gosto.

José Simão: O que você mais gosta de ver em televisão?

Jô Soares: Graças a Deus eu faço, eu tenho a possibilidade de fazer exclusivamente aquilo que eu gosto. Isso e que é o grande privilégio...

José Simão: Você chega em casa, liga a TV, como é que é?

Mário Prata: Você gosta de ver carnaval na televisão?

Jô Soares: Carnaval na televisão, eu acho maravilhoso. [risos]

Jô Soares: Realmente eu acho... [risos]. Aliás, tem uma história, negócio de carnaval na televisão que eu vou contar aqui, que eu acho fantástica, que foi aquele carnaval brabérrimo em que ameaçaram tirar as emissoras do ar e tal e que tinha a Bandeirantes transmitindo um baile que estava uma loucura. Então era bunda de uma, seio da outra, perna aberta da outra, e o diretor já estava enlouquecido, e quem apresentava o programa era a Cristina Prochaska, lembra da Cristina Prochaska? Coitadinha, a Cristina Prochaska ia apresentando aquilo, enlouquecida, e o diretor de TV, chegou uma hora que ele não tinha imagem para pôr no ar, porque ele cortava para um lado, era o cara com a língua de fora perto do bico do seio da moça, o outro era uma bunda arreganhada, era uma coisa horrorosa! Aí o diretor de TV ficou enlouquecido e falou assim: “Fecha na Prochaska!” Aí o diretor tchum [gesticula apontado as mãos para baixo]! [muitos risos]

Jô Soares: O camaraman foi direto, tchum [repete o gesto com as mãos]! [risos]

Jô Soares: Ele já estava enlouquecido... Ai, meu Deus... [risos]

Maurício Kubrusly: Jô, dá uma olhada nesse pessoal da fila mais de cima, essas moças bonitas, rapazes bonitos e tal. Está vendo? Uma vez você estava entrevistando no seu programa o [roqueiro] Supla, o filho de Marta [Suplicy, psicológa e política do PT, foi prefeita de São Paulo (2000-2003) e ministra do Turismo (2007)] e Eduardo [Suplicy, economista, professor e senador pelo PT],...

Jô Soares: Sim.

Maurício Kubrusly: E ele perguntou assim: “Ah, porque tem esse pessoal pago aqui no seu programa, essas moças para enfeitar”, e você, “Não. Mas quem te disse isso?” e você ficou brincando com ele e afinal passou a idéia de que não tinha, mas tem.

Jô Soares: Não, o que tem é o seguinte,...

Maurício Kubrusly: Então mudou, porque tinha.

Jô Soares: Não. O que tem é o seguinte,...

Maurício Kubrusly: São umas modelos para dar uma enfeitada e tal.

Jô Soares: Não. Tem uma série de modelos que ficam...

Maurício Kubrusly: Desculpa. Aqui foi apresentado, tem um pessoal...

Jô Soares: Sim, tudo bem. Tem 10% de modelos, às vezes nem isso, porque o forte de pessoas que vão assistir ao programa são colégios, faculdades, convidados que vão assistir os convidados, entende? Agora como o programa é gravado na Vila Guilherme, que é um lugar de difícil acesso, quando a gente começou a gravar o programa, disse assim: “Escuta! E platéia?”, porque eu acho fundamental programa de entrevista com platéia, porque eu acho que a televisão só leva o que está aqui para dentro de casa, quer dizer, a linguagem de televisão, a única coisa que existe numa linguagem realmente de televisão é o videoclipe, que é um pé no saco. Videoclipe é disco para surdo, o cara não pode ouvir a música, então fica vendo aquelas imagens, um saxofone que sai uma flor, abre a flor aparece uma bunda, de dentro da bunda sai uma flauta... [risos] O cara fica tentando, o surdo fica tentando entender a música, através do videoclipe. É a única linguagem realmente exclusiva de televisão, o resto a televisão pega e leva para a casa. Então, eu achava fundamental que tivesse uma platéia. Então eu disse assim: “Bom, no começo a gente vai ter que contratar modelos, rapazes e moças, para encher a platéia”. Mas, hoje em dia, já no tempo do Supla, já no tempo do Supla, naquele dia do Supla, a platéia inteira era formada por professores, que, aliás, eu falei na hora, não sei se você se lembra.

Maurício Kubrusly: É?

Jô Soares: Eu disse assim: “Estão ganhando para estar aqui”. Eu falei: “Como? Professores! Todos aqui são professores, professor hoje em dia não está ganhando nem para ensinar, quanto mais...”.

Maurício Kubrusly: Porque eu li alguns dias depois no jornal alguém se reportando a isso, não me lembro que jornal, na verdade, e dizia, “Não, não é verdade. Tem! Ganha tanto. Tem não sei quantas modelos”. Acho que dá para a cena de corte, aquele rosto de modelo bonito e tal.

Jô Soares: Não, não é isso não. É realmente para ter alguém na platéia, e era um medo que a gente tinha, mas que hoje em dia não tem a menor necessidade, inclusive, são programas e programas que a gente grava exclusivamente com colégios, pessoas que vão lá.

Maurício Kubrusly: Você acha que faz questão de que leve isso para casa? Agora, no programa de humor, até no seu, quando existia o programa... Tem a risadinha biônica. Biônica porque tem aquela claque lá “ria”, “ria alto”. Você acha legal isso, você está em casa e hahaha [ele imita risadas].

Jô Soares: Não. Eu não acho legal, mas acontece o seguinte... É um peru, não é? [faz gluglu, imitando a voz de peru]. [risos]

Jô Soares: É um peru. É um negócio terrível...

Maurício Kubrusly: Eu acho desestimulante.

Jô Soares:...Mas acontece o seguinte, que a risada está para o humor como a orquestra está para o cantor. Então é melhor você ver um cantor cantando com uma banda medíocre, do que o cantor cantando sozinho. Então o efeito da risada num programa de humor, que é colocado, e que tem lá os quaqua boys e as quaqua girls que ficam sentados lá assistindo e riem na hora. Claro que é uma coisa que é uma pálida imitação da realidade, mas sem isso a coisa fica [enfatiza] muito fria, tende a ficar muito fria.

Serginho Leite: Sonorização, não é?

[Sobreposição de vozes]

Jô Soares: É que a gente não tem... Não conseguiu no Brasil, em lugar nenhum, na Globo também tinha os quaqua boys e as quaqua girls, quer dizer, em lugar nenhum no Brasil eu vi se conseguir sonorizar realmente um programa com risada, porque é muito difícil, sobretudo porque é o seguinte, o cara fala assim:”Bom dia, como vai?” e o cara [imita alguém gargalhando], fica uma loucura. Com os quaqua boys você consegue, com a claque você consegue controlar um pouco isso, mas é evidente que o ideal era você poder... Por isso a minha questão de ter a platéia ao vivo e de gravar o programa de entrevistas exatamente como se fosse ao vivo, corrido, para ter reação de platéia que é fundamental, é o que esquenta a coisa.

Serginho Leite: Vão exigir diploma universitário da claque, para eles entenderem a piada e rirem mesmo na hora certa.

Jô Soares: Às vezes, o operador da claque, o diretor de claque, às vezes, o sujeito quer rir, que achou graça e “Psiu! Não está na hora, não é agora!” [risos]

Jô Soares: Fica complicado.

Jorge Escosteguy: O Humberto Werneck tem uma pergunta para você Jô, por favor.

Humberto Werneck: Jô, é fato que além dessa claque você tem ajuda de uma pessoa que fica te sugerindo temas e perguntas ali por um discreto microfone no ouvido?

Jorge Escosteguy: Ponto eletrônico?

Jô Soares: Tem a Diléa Frate, que está em contato permanente comigo, que é a diretora do programa.

Humberto Werneck: Que tipo de participação ela tem ali?

Jô Soares: Ela tem, por exemplo, o sujeito fala alguma coisa... A gente está no meio de um assunto e ela se lembra de uma coisa, que a Diléa é uma pessoa super bem informada, ela se lembra de uma coisa que diz respeito àquele assunto, ela fala: “Olha, não esquece de perguntar tal coisa”. Entende? É como se fosse uma direção ao vivo dentro do programa. Então é um acréscimo que fica em vez de só eu perguntando, se ela se lembra de alguma coisa que amarre a pergunta, ela faz. Como o Max Nunes fica também lá em cima, o Hilton Marques fica lá em cima. Outro dia a gente estava entrevistando um negócio sobre futebol, com o [comentarista de futebol] Osmar Santos, e o Hilton Marques se lembrou de um episódio qualquer que tinha acontecido com o Osmar e ele lembrou, “Olha, lembra ao Jô aquele negócio não sei o quê, tatatá...”. Claro que é um auxilio fantástico porque em vez de ter uma pessoa só, são três cabeças lhe sugerindo.

José Simão: É ponto eletrônico, para quem não conhece televisão, é ponto eletrônico.

Jô Soares: Fica também assim: “Jô, agora vira mais para a câmera de cá porque a pessoa via levantar e vai cantar”. É um recurso que é usado, inclusive, nos programas de entrevista americanos porque tem... No programa de entrevista americano, aliás, é usado muito mais violentamente isso, porque a marcação é muito mais rígida. No meu caso, inclusive, eu uso ou não a pergunta ou a sugestão que me é feita. Às vezes, faz uma pergunta que eu acho que não é... Inclusive a Diléa que é maravilhosa, às vezes é super-radical, quando tem um entrevistado de quem ela não gosta, ela começa a querer perguntar coisas horríveis para a pessoa: “Pergunta a ele como é que foi aquele negócio que ele fez!” [risos] e eu fico ali assim: “Mas escuta...e tatatá.....” e não pergunto.

Serginho Leite: Por falar em ponto, tinha um programa...

Jô Soares: Mas não é um ponto... como é que se diz? Que cerceia alguma coisa, ao contrário.

Serginho Leite:... Que era aquele [ O ] Povo na TV [programa de auditório da década de 1980 com teor sensacionalista], que inclusive o [apresentador do programa] Wilton Franco, ele colocava duas... Da onde surgiu o Wagner Montes [que também apresentava o programa] e outras figuras aí tá! E o Wilton Franco fazia o programa inteirinho no ponto. O programa era recitado, o apresentador tinha um timing mais lento de falar e o Wilton Franco falava tudo no ponto. Quer dizer, era um boneco mesmo, era um fantoche que estava ali na frente, o programa inteirinho, através do ponto eletrônico.

Jô Soares: O que eu devo dizer que não é o meu caso...

Serginho Leite: Claro. Não, estou só citando...

Jô Soares:...Porque senão eu estaria mudo aqui. [risos] Cadê o ponto, meu Deus?! [risos]

[Sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: Por favor, um de cada vez, senão ninguém entende em casa.

Cacá Rosset: Você tem quantas gravatinhas-borboletas?

Jô Soares: Ah, não sei. Tenho uma porção. Eu adoro gravata-borboleta. O gordo, inclusive, tem uma vantagem de usar gravata-borboleta que é o seguinte, quando ele come alguma coisa com molho, não pinga na gravata, não é? [risos]

Jorge Escosteguy: Ivan Ângelo, por favor.

Ivan Ângelo: Você, você... Agora já tem aqui uns 40 minutos, uma hora de programa, você se sente mais confortável como entrevistador ou como entrevistado? O que te dá mais prazer?

Jô Soares: As duas coisas. As duas coisas porque, inclusive, como entrevistador também eu converso, conto casos para as pessoas e falo, me lembro de coisas e falo na hora, quer dizer, toda aquela resposta imediata em cima do telespectador é uma característica exclusivamente minha, em papo, em conversa, em tudo. Então eu gosto muito das duas coisas, me sinto muito à vontade perguntando e me sinto muito à vontade respondendo, porque eu adoro falar, quer dizer, gordo é uma coisa muito exibicionista, ele fala... Aliás, gordo tem que ser exibicionista pela própria, já pensou um gordo discreto? Passa na rua: “Quem é aquele senhor discreto ali?” “É um gordo”. [risos]

Cacá Rosset: Aliás, por que você, nos seus shows, pelo menos que eu me lembre, nos seus shows de teatro você repete sempre a coisa do gordo, Veja o gordo antes que acabe, Viva o gordo, o Gordo não sei o quê... Isso é uma grife? Você sempre usa isso, não é? Como título?

Jô Soares: Eu acho que é...

José Simão: Na televisão também.

Jô Soares: O primeiro espetáculo que eu fiz sozinho chamava: Todos amam um homem gordo, fez muito sucesso e tal. Quando eu fui fazer o segundo espetáculo, foi quando eu tinha emagrecido e eu botei Ame um gordo antes que acabe...

Mário Prata: [Interrompendo] Não tem a história que o Boni quis "segurar o gordo"? A palavra “gordo”, quando você saiu da Globo?

Jô Soares: Teve. Foi uma idéia que não vingou que ele falou na hora. Foi na emoção, do lado passional que o Boni tem que é uma pessoa de quem eu gosto muito, tenho a maior admiração, grande amigo meu, mas é extremamente passional e quando eu saí da Globo ele disse: “É não vai usar mais a palavra gordo, vou proibir de usar a palavra gordo!”, eu disse: “Mas a mim! Eu [enfatiza] não vou poder usar a palavra gordo?” Aí ele mesmo riu e falou: “Não, isso aí deixa, isso aí não”. Então depois do segundo espetáculo, que foi Ame um gordo antes que acabe, quando eu fui fazer o terceiro espetáculo, que foi o Viva o gordo e abaixo o regime, o título original do espetáculo seria só Abaixo o regime, mas eu digo, “Não. Vamos botar Viva o gordo e abaixo o regime” porque ainda era na época brava da censura, eu digo: “Vamos botar Viva o gordo e abaixo o regime para a coisa passar”. Quando eu fiz os três, que tinha a palavra gordo no título, eu disse: “Bom, agora vai encaixar em todos”.

Ivan Ângelo: Agora vai como marca. Jô, sobre teatro, você tem reservado o segundo semestre no Teatro Cultura Artística?

Jô Soares: Tenho.

Ivan Ângelo: Você vai fazer o que lá?

Maurício Kubrusly: Um espetáculo de gordo?

Jô Soares: Vou voltar com o meu espetáculo O Gordo ao vivo, que saiu de casas cheias, casas lotadas no Cultura. Saiu porque já havia um compromisso com a [atriz] Fernanda [Montenegro], e aí eu volto lá.

Ivan Ângelo: Tem muito tempo que você faz espetáculo solo, só faz solo agora. Por que você não gosta mais de contracenar, você não gosta de...?

Jô Soares: Eu gosto, mas é aquilo que eu respondi antes...

Angeli: Ou porque não cabe mais ninguém no palco? [risos]

Jô Soares: É aquilo que eu respondi antes. Eu acho que no momento é importante eu estar no palco dizendo aquilo que eu penso. Uma coisa que eu posso mudar diariamente, não é. O espetáculo fica com um lado jornalístico, assim, muito forte.

Angeli: Jô, eu lembro de uma frase do [cartunista, chargista, pintor, dramaturgo, escritor, desenhista e jornalista] Ziraldo [ver entrevista com Ziraldo no Roda Viva] que ele dizia: “Num mundo melhor não vai precisar de humoristas, num mundo melhor não haverá humoristas”.

Jô Soares: Mas se não precisar de humoristas, o mundo já não será melhor. [Risos]

Angeli: Mas o Ziraldo é mineiro, e a gente sabe que pode se dar ao luxo de ter essa postura de missionário, essas coisas. Eu queria saber se você acredita num mundo melhor e, se acredita, nesse mundo melhor, do que os humoristas vão se alimentar?

Jô Soares: Eu acredito sim num mundo melhor, mas não acredito num mundo perfeito.

Angeli: Certo.

Jô Soares: Então, eu acho que, num mundo melhor, a função do humorista vai ser a de melhorar o mundo. Eu acho que o humorista só não existe na utopia. E por outro lado, também, a utopia é um pé no saco.

Angeli: É chata pra caramba!

Jô Soares: É muito chato. Você tem uma medida de felicidade também em relação às coisas que você sofreu, aquilo que você passou, enfim. E que o ser humano... a grande beleza do ser humano, para mim, é exatamente que ele é fraco, ele é frágil. E é nessa pequenez que está a sua grandeza, quer dizer, por ser pequenino que ele é grande. Essa função do humor de catucar cada vez que o ser humano é pequeno é que engrandece ele.

Angeli: Pegando essa coisa do ser humano, eu me lembro de outra frase, que é do [desenhista, humorista, dramaturgo, escritor e tradutor brasileiro] Millôr [Fernandes - ver entrevista com Millôr no Roda Viva], que dizia que o homem veio do macaco e alguns não chegaram lá ainda. [risos] Eu queria saber de onde você supõe que veio o homem e para onde você supõe que vai o homem?

Jô Soares: Bom, que ele vem... vem lá da água, das celulinhas mesmo, foi evoluindo, é, indiscutivelmente, um tipo de macaco, alguns são mais gorilas do que macacos... [risos] Mas veio do macaco. Agora para onde ele vai eu não sei...

Cacá Rosset: Jô, você acredita em Deus?

Jô Soares: Acredito.

Cacá Rosset: Você não é candidato, então eu posso fazer a pergunta.. [Risos, pela referência ao prejuízos eleitorais de candidatos que se declararam ateus]

Jô Soares: Pode, pode. Acredito, indiscutivelmente, em Deus. Porque eu acho que o universo todo seria uma série de coincidências tão incríveis, seria uma coisa tão inacreditável que tudo que está acontecendo fosse por coincidência, que eu acredito em Deus. Eu estou bem acompanhado.

Maurício Kubrusly: Isso tem alguma a coisa a ver com alguma religião?

Jô Soares: Tem gente muito boa que acredita em Deus. E acho que... Aliás, eu li uma vez uma declaração de uns cientistas que estavam metidos lá num cálculo qualquer de astronomia, de física e tal que diziam exatamente isso: “Olha, tem muita coincidência para isso não ser parte de um plano maior qualquer”.

Maurício Kubrusly: Isso tem alguma coisa a ver com alguma religião?

Jô Soares: Olha, tem. Quer dizer, basicamente com a religião católica, que é a religião onde eu fui criado, batizado, crismado.

Maurício Kubrusly: Você vai à missa?

Jô Soares: Não. Já fui muito à missa. Hoje em dia eu não vou mais à missa porque eu acho que tem uma série de incompatibilidades entre o que eu acredito como cristão e a Igreja Católica como instituição.

[...]: Você já foi muito, mas até que idade?

Mário Prata: Você foi coroinha?

Jô Soares: Não, coroinha não.

Mário Prata: Nunca ajudou na missa?

Jô Soares: Não.

[...]: Comeu muita hóstia?

Jô Soares: Comia muita hóstia... [risos]

Serginho Leite: Deixa eu te fazer uma pergunta de gordo. Você falou que não tem horário para trabalhar nem coisa nenhuma, você assalta geladeira? Gosta de cozinhar? O que você gosta de comer?

Angeli: Trabalha de cuecão ali, assim...

Serginho Leite: Bota um aventalzinho, dá uma volta no fogão? O que você faz?

Jô Soares: Cuecão. Short de lycra. [risos]

Jô Soares: Lycra. Essas coisas são boas para gordo porque você senta e ele estica, você pensa que está folgado. [risos]

Jô Soares: Agora, assalto geladeira sim, minha e a dos outros... [risos]

Jô Soares:... E cozinhar, não cozinho nada.

Serginho Leite: Qual é seu prato preferido?

Jô Soares: Eu acho que gordo dificilmente, gordo profissional, dificilmente ele cozinha, porque se ele cozinha, ele perde um pouco a vontade de comer. Meu prato preferido?

Serginho Leite: Seu prato preferido?

Jô Soares: Cheio. Prato cheio.

Serginho Leite: Prato cheio do que vier. [risos]

Maurício Kubrusly: No embalo da comida, do que você se alimenta, quer dizer, não dessa. Tem tempo? Dá para você ir ao cinema, dá para você ir ao teatro, dá para você ouvir música?

Jô Soares: Dá.

Maurício Kubrusly: Dá?

Jô Soares: Dá, pelo seguinte: em primeiro lugar, eu viajo dois meses por ano. Aí, viajando dois meses por ano, eu vou ver tudo que é espetáculo...

Maurício Kubrusly: Fora daqui?

Jô Soares:...Tudo que é cinema... No Brasil, eu vou ao cinema e vejo vídeo como um desesperado, vejo muito videocassete [aparelho de reprodução e gravação de vídeos cujo sucessor tecnologicamente superior é o DVD player]. Leio uma média de um livro por semana.

[...]: Então você não dorme?

Jô Soares: Durmo. Durmo sete, oito horas.

Maurício Kubrusly: Vamos lá. Perguntas da mamãe...

[...]: Como é que é um dia seu?

Jô Soares: [Em tom de brincadeira] Olha, eu acordo, lavo os dentes... [risos]... Eu não tenho... É como eu falei para o Mário: “Eu não tenho roteiro de dia. Tem dias, por exemplo, quando eu estou escrevendo um espetáculo, eu sento na máquina e escrevo dez horas por dia. Dez, onze horas por dia.

Angeli: No computador agora.

Jô Soares: No computador, que realmente é a maior invenção que existe para escrever porque... Eu tenho uma máquina de escrever eletrônica, virou um carroção. [Risos] Virou uma carroça! O computador faz tudo e depois você fica com cuidado, você sujou a palavra, você vai lá limpa, põe vírgula, vira coisa de veado. [risos] O texto vira coisa de veado, só falta florzinha em volta.

Mário Prata: Mas tem florzinha já. Têm uns programas com florzinha.

Jô Soares: Tem programa com florzinha. Você pode botar... Você usa florzinha, eu já vi. [risos]

[...]: Ô Jô...

Jô Soares: Mas então... varia muito. Quando eu tenho... por exemplo, o dia de hoje. Eu cheguei de viagem de Itaipava, de Petrópolis, sentei no computador, escrevi o que eu tenho que mandar para a Veja, depois vim para cá.

José Simão: E você sempre manda de última hora o texto para a Veja, o editor tem que ficar ligando, como é que é?

Jô Soares: Não, não. Eu mando no prazo. Mesmo porque senão fica uma coisa torturante. É melhor você realmente se impor o seu prazo do que ficar aquela coisa de enlouquecer [faz gesto de falar ao telefone, discando]. Eu já fui assim. No tempo em que eu escrevia a Família Trapo, tinha vezes...

José Simão: Se esconde no chuveiro, não é?

Jô Soares: É. Era um horror.

Angeli: Você que era o redator da Família Trapo ?

Jô Soares: Eu e o Carlos Alberto de Nóbrega. Eu e o Carlos Alberto.

Humberto Werneck: Quando é que você descobriu que era engraçado? Quando é que você soube disso?

Jô Soares: Mamãe me falou! [risos]

Jô Soares: Mamãe, papai. Isso é um script de vida, um roteiro de vida que você segue, porque você quando tem dois anos e você fala uma gracinha, aí as pessoas riem, é um estímulo. É um negócio de estímulo mesmo, de reforço...

Mário Prata: [Interrompendo] Você era gordinho Jô, pequeno?

Jô Soares: Sempre gordo. Sempre gordo, nasci com 4 quilos...

Mário Prata: Eu nasci com 5, até aí eu estou ganhando.

Jô Soares: Mas você perdeu e eu ganhei, quer dizer, fui engordando. Papai disse que uma vez, com três anos, na Ilha do Governador, num piquenique, eu comi dois frangos. Eu acho que era mentira. Eu acho que era sacanagem dele. [risos] E eu comecei a falar com dois anos de idade, também tem isso.

[...]: E não parou mais.

Jô Soares: Não parei mais. Eu vi que aquilo tinha uma certa utilidade. A primeira palavra que eu falei foi: “caiu”, porque eu não falava rigorosamente nada, minha mãe pensando que eu era mudo, imagina. Meu avô preocupado, “Puxa, Mercedes esperou tanto tempo para ter esse filho...” - porque quando eu nasci, minha mãe tinha 40 anos - “..teve um menino mudo”. Eu não falava nada. Muito alegre e tal, mas não falava nada. E um dia eu estava brincando, gostava muito de brincar com lata de talco vazia, de jogar no chão, fazer aquele barulho, eu gostava: téim! téim! E mamãe estava lá e falou assim, “Não faz mais isso não. Chega!” E botava lá e eu “téim” de novo, e ela botava, eu “téim”! Aí ela olhou e disse assim: “Se fizer de novo, vai tomar uma palmada!”, e virou. Quando ela virou, eu “téim”! Joguei. Ela virou para mim e eu falei: “Caiu”! [risos]

Jô Soares: Aí foi uma maravilha. “Ele fala! Ele fala!”. Aí eu falava tudo: mamãe, papai, aniversário, dois aninhos, otorrinolaringologista, já saía tudo.

Angeli: Agora, Jô, humorista, jornalista e bicheiro é quem mais coleciona processos, não é? Eu queria saber quantos processos você já teve na sua carreira e tal?

Jô Soares: Olha, processo mesmo eu só tive esse que eu lhe falei, pelo Pasquim. Agora, eu tive vários cortes de censura, várias ameaças assim, de chegar ao teatro e dizerem “O espetáculo hoje não vai porque tem que ir à censura”. Tinha um espetáculo em que eu fazia um número, um negócio de fazer as pessoas repetirem a palavra bunda comigo. Cortaram a minha bunda, eu tive que ir para Brasília para recuperar a bunda.

Angeli: Recuperar a bunda.

Jô Soares: Voltei com a bunda um pouco cortada, mas... [risos]

Jô Soares: Uma vez tinha um espetáculo que eu fazia, uma peça de teatro Tudo no escuro - black comedy, que eu botei lá uma coisa que falava no [banco] Bradesco, era uma época que tinha um comercial do Juca de Oliveira, que era fantástico, um comercial famosíssimo que ele dizia assim: “Seja sócio do Bradesco! E seja sócio do Brasil!”, ele fazia assim [assente com a cabeça e sorri] não é? Aí eu imitava... era uma bicha que quebrava o negócio e não tinha como pagar, e eu dizia assim: “Mas você não tem cartão de crédito? Você não tem cartão bundesco? Então entre para o bundesco! Seja sócio do bundesco! Seja sócio do Brasil! [repete o gesto] ” É por causa dessa bobagem que cheguei, no dia seguinte, no teatro e estava proibido o espetáculo, estava na censura e disseram: “Não, teve alguém que denunciou que você fala contra as instituições do país e blablablá...” [gesticula exageradamente]

Angeli: E como era essa negociação para...

Cacá Rosset: Essa coisa da piada de ocasião, quer dizer, você pode usar muito no teatro. Por exemplo, o ministro [do Trabalho] [Antônio Rogério] Magri fala que o plano é “imexível” [neologismo - que causou  polêmica e estranhamento - criado pelo ex-ministro Antônio Magri em 1990, ao opinar, em rede de televisão, sobre o Plano Collor (no qual não se poderia mexer) e que não existia nos dicionários da língua portuguesa à época, sendo posteriormente dicionarizada], você pode naquela noite ou no dia seguinte fazer uma gag, uma piada disso. Na televisão, sobretudo os programas gravados, como é que isso funciona? Isso pode se perder, três dias depois, o plano não é mais imexível, por exemplo, como é que...

Jô Soares: Não, pelo seguinte, os programas são gravados com uma semana de antecedência, numa semana o imexível fica. [risos] Aliás, o imexível vai ficar bastante tempo.

[Sobreposição de vozes]

Jô Soares: Vai entrar para o [dicionário] Aurélio, com h.

Angeli: O Sérgio Porto [cronista, escritor, radialista e compositor brasileiro, mais conhecido por seu pseudônimo Stanislaw Ponte Preta] iria se deliciar com essas coisas.

Jorge Escosteguy: Jô, o José de Moura Candelari, aqui de São Paulo, ele pergunta para você de um José para o outro, como é que você conseguiu virar Jô e não Zé? [risos]

Jô Soares: Essa é uma excelente pergunta. Todo José vira Zé. Como eu fui estudar na Europa com 12 anos e voltei com 18 e na Europa não tem Zé, eu virei Jô. Então, quer dizer, o diminutivo normal lá de José é Jô e aqui é Zé. Mas eu até os 12 anos, eu era Zezinho. Até os 12, eu era Zezinho.

Mário Prata: Você foi estudar na Suíça, então os seus pais deviam ter uma grana e tal. Como é que é a tua origem?

Jô Soares: Papai ganhava muito bem, ganhava muito bem e perdeu tudo. Eu voltei da Europa, eu ia fazer exame, cheguei a prestar exame para a Oxford, Cambridge para entrar...

Mário Prata: Seu pai era comerciante?

Jô Soares: Não. Papai era corretor da Bolsa. Corretor de fundos públicos. E aí eu tive que voltar para o Brasil exatamente porque papai perdeu rigorosamente tudo.

Angeli: E nem existia a Zélia nesse tempo.

Jô Soares: Nem tinha a Zélia. Chegou a não ter onde morar.

Mário Prata: Zeliou, não é?

Jô Soares: Zeliou. Foi morar com mamãe num apartamento emprestado, e eu fui morar num quarto alugado, na rua Prado Júnior, em Copacabana, num quarto alugado num apartamento de um casal de poloneses... que era uma coisa estranhíssima, no terceiro andar, que alugava para estudantes e tal. Tinha um estudante também da Costa Rica e um do Panamá. E o do Panamá estava perdendo a bolsa de estudos, eles eram estudantes do colégio militar. O do Panamá estava perdendo a bolsa de estudos porque disseram que ele falava mal do país dele, então perdeu a bolsa. E ele dizia assim [imitando sotaque espanhol]: “Dicen que yo hablo mal de mi país. ¡Una mentira! ¡Una calumnia! ¡Porque yo iría a hablar mal de una porcaria de un país como aquél?! [risos] Una mierda de país que nada se encontra. ¡Como voy a hablar mal?! [risos] [“Dizem que eu falo mal do meu país. Uma mentira! Uma calúnia! Por que eu iria falar mal de uma porcaria de país como aquele? Uma merda de país em que nada se encontra. Como vou falar mal?!] E o outro da Costa Rica era engraçado, porque eu dizia assim: “Você está estudando aqui?” “Sí, yo estoy estudiando açá. [imitando o sotaque] [Sim, estou estudando aqui.] “Fez serviço militar?” “No, no hice servicio militar no, mi papa pagó y yo no…” [Não, não fiz serviço militar não, meu pai pagou e eu não...] Eu falei: “Pagou quanto? 1000 dólares?”, ele falou: “No, 100 dólares. ¡Si pago 1000 dólares, me hacen general!”. [risos] [Não, 100 dólares. Se pago 1000 dólares, me fazem general!]

Jô Soares: Aí, voltando, eu comecei... Papai tendo perdido tudo, mamãe também e tal, mas não perderam o humor e a maneira de ser, papai era realmente um filósofo, eu lembro do papai chegando em casa e dizendo para a mãe assim: “Olha, Mercedes, para amanhã já temos. Comida para amanhã, já está aqui”. Lembra até o nosso Plano Collor isso, não é verdade? Mas aí eu comecei já, eu cheguei começar a estudar para fazer o curso Rio Branco, do Itamarati, porque eu achava que ia ser diplomata, veja você! E já comecei a fazer televisão, comecei a fazer teatro e tal. Perdão, quem?

Jorge Escosteguy: O Maurício Kubrusly.

Maurício Kubrusly: Você disse que ficou 19 anos fazendo programa de humor e aí você cansou, estava aquele negócio, mesmo você criando 20 personagens novos em média, por ano e tal. Mas esses personagens têm uma característica, não só no seu programa, nos programas em geral, normalmente eles têm aquela... cria um personagem que tem um bordão, normalmente ele tem um bordão e isso se repete durante 12 meses ou 10 meses. Eu acho absolutamente desesperante, mas parece que é assim mesmo...

Jô Soares: Da mesma forma que você se repete diariamente no Jornal da Globo. Isso não tem saída.

Maurício Kubrusly: Mas tem que repetir aquele mesmo bordão?

Jô Soares: Não é o mesmo bordão. O que repete não é o bordão, o que repete é o esquema do quadro e é a pessoa. Quer dizer, você chega para fazer... por mais que você entreviste uma outra pessoa, você vai armar um esqueminha para fazer o seu teatro e fechar com aquela piada, está certo? Por mais que mude, o esquema é o mesmo, Maurício...

Maurício Kubrusly: E na entrevista não?

Jô Soares:...Porque a televisão tem essa característica. A televisão tem... A entrevista também será sempre eu falando, quer dizer, a entrevista corre menos esse risco porque o entrevistado não é o mesmo, mas se eu entrevistar toda a semana a mesma pessoa, por mais genial que ela seja, depois de duas semanas a gente vai estar armando o mesmo esquema. A televisão tem esse negócio de...

Maurício Kubrusly: [Interrompendo] Não, mas no rádio era assim. O programa de humor no rádio era igualzinho. Tinha o mesmo personagem durante anos...

Jô Soares: Claro! Evidente! Mas é o que eu digo, é uma característica tanto do rádio quanto da televisão, a repetição. Por que você consegue imitar facilmente as pessoas da televisão ou as pessoas do rádio? Porque você sabe aquelas características que elas têm. Você sabe, por exemplo, que o [jornalista, sociólogo e comentarista de economia] Joelmir Betting, se você tirar a metáfora dele, ele não consegue falar: “Montou no estribo da inflação e subiu no cavalo que saiu a galope...”. Tirou a metáfora, ele fica perdido. “Não se pode fazer omelete sem quebrar os ovos”. Evidente, porque não tem como ele fugir disso. Você leva para a televisão as suas características pessoais. Nos quadros de humor acontece a mesma coisa. Sobretudo porque o que dá gancho para você voltar a ver o quadro é porque você quer ouvir de novo aquele bordão. É um negócio estranhíssimo. A pessoa espera para rir com aquele bordão.

Cacá Rosset: Como os programas políticos também.

Maurício Kubrusly: Mas você mesmo falou aqui, do negócio da TV Pirata, quando você falou em TV Pirata, você disse: “É bom porque está sendo feito por gente nova, mas eles estão fazendo o programa com quadros e tal, tal, tal”. Quer dizer, havia uma crítica de que: “Bom, novo, mas não tão novo assim porque é quadro”. Você acha que é possível sair disso?

Jô Soares: Eu acho que novo está no talento de cada um.

Jorge Escosteguy: Mas você acha que é possível que o humor saia disso? Dessa receita? De ter toda a semana o mesmo quadro...

Jô Soares: Pode. Você pode fazer uma comédia de situação, pegar um ator que faz o pai, o outro faz a mãe, o outro faz o vizinho...

Maurício Kubrusly: E nunca mais fazer...

Angeli: A grande família, do [ator e autor] Oduvaldo Vianna [Vianinha].

Jô Soares: A grande família, a Família trapo.

José Simão: A Família trapo era assim.

Jô Soares: Agora se você vê a Família trapo hoje, uma vez, como era antigamente, você acha maravilhoso, tem aquele lado saudosista e tal. Se for reescrever a Família trapo, vai voltar à mesma coisa, é o cunhado que não trabalha, é um não sei o quê? Entende?

José Simão: Os mesmos tipos, não é?

Jô Soares: É difícil porque, inclusive, você se baseia em certas chaves. Em jornal é a mesma coisa.

Maurício Kubrusly: Então o problema está do lado de lá, porque é a pessoa que quer ouvir.

Angeli: Fazer o personagem sempre tem que ter o bordão que vai...

Jô Soares: Você espera o bordão. Se você não põe o bordão as pessoas reclamam.

Angeli: Perfeito. Perfeito.

Serginho Leite: Nos Estados Unidos tem um programa no cable TV, de americanos, são programas de vanguarda, programas novos, onde eles realmente fazem uma coisa diferente, um programa de colagem, mas a custa de muito dólar, não é Jô? A custa de muita grana.

Maurício Kubrusly: Para fazer cada um diferente do outro?

Serginho Leite: É. Para fazer um diferente do outro toda a semana mesmo.

Maurício Kubrusly: Mas Serginho...

Jô Soares: Mas depois que faz o primeiro, os outros têm o mesmo formato. O Saturday Nigth Live, eu tenho gravado vários, vários, desde o início até hoje. O esquema é o mesmo! É a mesma coisa de você querer editar um jornal em que a página 2 não venha depois da página 1. Não adianta, porque é o formato [enfatiza] da coisa.

Mário Prata: Deixa eu ampliar isso um pouco. O [humorista, escritor, ator e pintor] Chico Anysio [ver entrevista no Roda Viva] falou uma vez que em shows dele de público, no teatro, a melhor piada é a que o cara já sabe. Que na hora que ele começa a contar, o cara se sente co-autor: “Ninguém sabe, mas eu já sei”. É verdade isso?

Jô Soares: Muitas vezes é.

Mário Prata: Que ele aguarda...

Jô Soares: O cara que já viu... Tem sujeito que leva, por exemplo, do meu show, tem muita gente que leva o amigo para ouvir aquela, e ele ri mais do que o amigo, “Olha agora, olha agora, hahahahaha...” [simula uma gargalhada e ergue os braços]. [risos]

Jô Soares: Ele ri mais do que o amigo que não conhece. Às vezes, ele até atrapalha o amigo que diz: “Espera aí, deixa eu ouvir.”

Angeli: E ele já havia contado antes de levar o amigo.

Jô Soares: Já havia contado, mal contado. “Não eu não sei contar direito. Você vai lá...”. [risos]

José Simão: É a mesma coisa de personagem. A pessoa não se cansa de ver o personagem. Quando liga no seu programa quer ver aquele personagem, não é?

Jô Soares: Por isso é que eu acho fundamental, você usar o personagem que tem um tempo de vida específico...

Cacá Rosset: Aliás, Jô...

Jô Soares: Eu prefiro tirar o personagem do ar com todo mundo perguntando, “Ah, por que saiu?”, do que dizer assim: “Pô, mas ninguém agüenta mais aquele personagem!”.

Cacá Rosset: Você não ressuscita, quer dizer, você quando termina... Eu lembro de um personagem que você fazia, que eu adorava, eu tenho a impressão que era no Faça humor, não faça guerra, que é aquele do funcionário que falava com a Nair no telefone, “Alô Nair, tudo bem, benzinho? Eu estou aqui... O menino o quê, Nair? O menino não sei o que lá... “, eu adorava, adorava...

Jô Soares: Nunca repeti.

Cacá Rosset: Você não repete? Você não...

Jô Soares: Tem alguns que eu repito, por exemplo, o Gardelon, aquele muy amigo e tal, eu repito. Eu repito geralmente os personagens que dão uma historinha. Então o Irmão Carmelo, tem sempre uma historinha que acontece ali com o sacristão e tal. O muy amigo, estão sempre chamando ele para fazer uma loucura qualquer... [risos]

Jô Soares:... Então... O muy amigo seria muito chamado agora...

Serginho Leite: Exatamente. [risos]

Jô Soares: Olha, Gardelon você vai entrar ali no supermercado e vai remarcar tudo para cima. “Eu vou remarcar tudo para cima?” – “Tudo” – “E se chegar o Tuma?” – “Você empurra ele, sai Tuma!” – “Sai Tuma!”. [risos]

Cacá Rosset: Jô, você tem algum “filho” predileto? De todos esses personagens que você já fez, já criou, tem algum quêe.. [faz gesto com se acertasse um alvo]?

Jô Soares: Não. Tem um que... É o tal negócio, na hora em que eu faço eu gosto de fazer todos, mas o personagem que a gente mais se divertia fazendo, e que não era um personagem de grande agrado popular, era o Figurante de Novela, que queria se meter sempre fora de hora e tal. Aquilo, na hora de fazer, a gente se divertia demais fazendo, mas geralmente na hora de fazer eu curto.

Jorge Escosteguy: Jô, o Paulo Teixeira, aqui de São Paulo, da Vila Sabrina, ele pergunta, “O que eu faço agora, são 23h20 e eu não sei se assisto ao Roda Viva ou se vou assistir ao seu programa?”.

Jô Soares: Olha, o meu programa vai começar meia-noite por causa do horário político. Então você assiste ao Roda Viva e aí [faz gesto de quem vira o seletor de canais da televisão] vira para o SBT e assiste à entrevista, [risos] que, aliás, hoje é com o Antonio Ermírio. Vou fazer uma chamada aqui...

Ivan Ângelo: Aliás, já houve uma chamada.

Jô Soares: Já houve a chamada.

Jorge Escosteguy: O Marcelo Morgado, de São José dos Campos, você falava há pouco da Suíça, ele disse que tem um episódio seu de se fingir de morto na Suíça.

Jô Soares: Têm vários! [risos]

Jorge Escosteguy: De se fingir de morto? Então conte um.

Jô Soares: A gente fazia muito esse negócio, a gente enlouquecia a polícia suíça. A gente fingia que tinha tiroteio, pegava bala de festim, ia para o centro, Place Saint François ali, e aí um saía do cinema, passava o carro e atirava “pam”, com tiro de festim, aí caia no chão morto, “Ahhh!” [fingindo estar baleado], ficava na rua e aí passava outro carro e recolhia. Aí ficava uma loucura! Ninguém sabia se era acerto de contas, gangues de várias...

José Simão: E nos seus tempos de motoqueiro, não tem nenhuma história dos seus tempos de motoqueiro?

Jô Soares: Não. Eu sou um motoqueiro tranqüilo. Eu ando de moto desde os 13 anos de idade. Agora eu parei um pouco para dar uma certa folga ao meu anjo da guarda.

Angeli: Mas você anda com uma moto só na rua? Dá? [risos]

Jô Soares: Dá. Uma vez eu comprei uma moto que era uma cinqüentinha... [risos]

Jô Soares: Aí realmente já era sacanagem. Eu saí para subir a [Avenida] Brigadeiro Luis Antônio com aquela moto. Aí eu fui, [faz barulho de motor ganhando aceleração], quando começou a subida a moto [faz barulho de motor desacelerando] voltava... [risos]

Jô Soares:...Aí eu fui direto para a loja, que era na Brigadeiro, e disse assim: “Olha, troca isso aqui!”.

Serginho Leite: Quero economizar combustível, mas não dá.

Jô Soares: É. Realmente não dá.

Maurício Kubrusly: Jô, vocês faziam isso na Suíça porque não acontecia nada? Para dar um agito?

Jô Soares: A gente enlouquecia um pouco Lausanne, que Lausanne era uma cidade muito pacata e tinha dois ou três...

Maurício Kubrusly: [Interrompendo] Acho que continua sendo.

Jô Soares:... brasileiros... É, continua sendo. E mais uns 20 sul-americanos. E a gente fazia uma zorra! E aí todo mundo queria ser sul-americano, os iranianos, italianos, “Sul América!”, fazia essas loucuras. Tinha dois gêmeos argentinos que eram inteiramente loucos, Félix e Martin Gomes Salzia, e que eram idênticos, mas idênticos como duas gotas d'água. Não dava para diferenciar mesmo. Então os dois deixavam a barba crescer, três dias de barba, aí ele entrava no barbeiro e dizia assim, “O senhor tem que fazer a minha barba, mas tem que botar a cadeira na direção da Meca. Eu sou muçulmano, se o senhor não deixar a cadeira na direção da Meca a minha barba cresce em 2 minutos”... [risos]

Jô Soares:... “Ah, está bom, deixa de brincadeira!” – “Eu estou avisando o senhor, vai crescer a barba em 2 minutos”. Aí o cara dizia, “Deixa de bobagem!”, e fazia a barba dele em qualquer posição da cadeira,. Ele saia, esperava 2 minutos e entrava o irmão, “Eu avisei o senhor da minha barba!”... [risos]

Jô Soares: O barbeiro ficava alarmadíssimo! [Risos]. Desse tipo de brincadeira, a gente fazia aos montões, não é?

Maurício Kubrusly: Você disse que o humorista, quando não puder mais cutucar, perde a graça. Mas tem alguns assuntos que diz, "Não. A gente brinca com tudo, mas com... eutanásia eu não brinco”, “Mas com...” Tem?

Jô Soares: Eu acho que não deve ter. Eu acho que na hora que o humorista começa a dizer isso, ele começa a ficar reacionário, exatamente porque o humor não é para ser levado a sério, não é para ser levado a ferro e fogo. Se eu faço uma piada com um gordo, não quer dizer que eu odeio os gordos, nem que eu esteja segregando os gordos. Piada de racista não quer dizer que você esteja sendo racista. Você está criticando o racismo, porque se existe a piada de racista é porque existe o racismo, senão não tinha piada. Então, quer dizer, é sempre uma forma de denúncia, você faz uma piada com fratura exposta, não é que você é a favor da fratura exposta. O que eu acho, que aí depende da delicadeza de cada um, tem certas piadas ou brincadeiras que eu não faria com um entrevistado meu por uma questão de delicadeza. Aí vai a questão da sensibilidade de cada um, mas dizer, “Não. Piada de não sei o quê, eu não faço”, “Palavrão eu não digo”. Para mim palavrão não existe, para mim palavrão e uma coisa que está na cabeça das pessoas. A palavra existe para dizer de alguma coisa. Então também não existe assunto tabu. Eu acho que no momento em que o humorista começa a se colocar assuntos proibidos, ele deixa de ser humorista!

Maurício Kubrusly: Mas fora do circuito da televisão, do rádio, das imprensas, existem dezenas de piadas sobre o Cazuza [cantor e compositor, de grande reconhecimento e apelo junto aos jovens, vitimado pelo vírus da aids, morreu em julho de 1990, aos 32 anos]. Você faz uma piada sobre o Cazuza?

Jô Soares: Não. Não, em primeiro lugar porque é uma pessoa de quem eu gosto muito, meu amigo e é um caso pessoal [enfatiza]. Então você fazer uma piada com o Cazuza, eu acho que é uma falta de sensibilidade. Eu [enfatiza] não faço uma piada com o Cazuza, eu, pessoalmente. Mas dizer assim: “Então estão proibidas todas as piadas sobre a aids?” Não. Entende?

Jorge Escosteguy: Mário Prata.

Mário Prata: Não.

Jorge Escosteguy: Então uma última pergunta, nosso tempo está se esgotando...

Jô Soares: Já? Eu tenho que ir correndo lá pra fazer o outro programa. [risos]

Jorge Escosteguy: Onze e meia, vai começar o seu programa no SBT. O Carlos Alberto Martins Costa, aqui de São Paulo, ele quer saber “qual foi à entrevista mais difícil que você já fez?”.

Jô Soares: Eu não sei. Mais difícil? Pode parecer a do Brigadeiro Burnier, mas não foi.

Angeli: Nem a do Luiz Fernando Veríssimo, não é? [risos]

Jô Soares: A do Luís Fernando foi...

Serginho Leite: Eu ia sugerir a do Luís Fernando e a da [ex-cantora e apresentadora] Angélica.

Jorge Escosteguy: O Maurício Magalhães, Jô...

Jô Soares: É difícil. Eu não me lembro. Essas coisas são feitas muito, muito na hora, não é? Eu não senti dificuldade mesmo em nenhuma entrevista até agora, graças a Deus.

Jorge Escosteguy: O Maurício Magalhães, aqui de São Paulo também, ele disse: “Você vive entrevistando gente famosa e interessante, não tem interesse em me entrevistar, que eu sou um cara comum e desinteressante?”.

Jô Soares: Comum e desinteressante? Não. Como é o nome dele? [risos]

Jorge Escosteguy: Maurício Magalhães.

Jô Soares: Maurício, é o seguinte, se você for uma pessoa comum e interessante, claro que eu quero entrevistar. Agora comum e desinteressante, só se eu fosse louco, porque você vai lá e vai falar o quê? [risos]

Jô Soares: “Como é o seu nome?” – “Maurício Magalhães” – “O que você tem para dizer?” – “Nada”. [risos] Então eu acho o seguinte, o fundamental é que a pessoa não seja alfandegária, desde que ela tenha algo a declarar, eu entrevisto. [risos]

Jorge Escosteguy: Nós agradecemos então a presença no Roda Viva esta noite do Jô Soares, dos nossos convidados e a atenção do telespectador. As perguntas que não puderam ser feitas ao Jô, serão entregues a ele logo após o programa. Uma boa noite a todos e até a próxima segunda-feira, às nove e meia da noite.

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