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Memória Roda Viva

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José Goldemberg

6/4/1992

Em meio às denúncias de corrupção e à renúncia coletiva do ministério Collor, o então ministro da Educação, ex-reitor da USP e renomado pesquisador, fala também da situação do ensino no país

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Jorge Escosteguy: Boa noite. A reforma ministerial do presidente Fernando Collor [Fernando Collor de Mello] é uma das maiores, senão a maior de toda a história republicana. A renúncia coletiva do ministério foi uma novidade que pegou todo mundo de surpresa. Em compensação, o plano de ação com que o governo tenta ampliar sua base de apoio político está sendo acusado de ressuscitar idéias expostas há trinta anos pelo então presidente João Goulart. Não por acaso, alguns auxiliares diretos do presidente Collor trabalharam com o chanceler de Jango, [entre esses] Santiago Dantas, autor do então plano de metas. Trabalharam com Santiago Dantas, o ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, e o secretário especial de Assuntos Estratégicos, Eliezer Batista. Não por acaso, hoje mesmo, na voz do Brasil, o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, elogiava o plano de ação do governo Collor. No Roda Viva que está começando agora pela TV Cultura, nós vamos falar um pouco da reforma ministerial do governo e uma das prioridade, ou a prioridade maior, do plano de ação, que é a educação. No centro do Roda Viva está sentado o ministro da Educação José Goldemberg, um dos três ministros civis que, por seu prestígio pessoal, acima dos partidos, permaneceu no cargo a convite do presidente, logo após a renúncia coletiva. Os outros dois ministros que também ficaram no cargo foram Marcílio Marques Moreira, da Economia, e Adib Jatene, da Saúde [ver entrevista com Jatene no Roda Viva] [...] José Goldemberg, gaúcho de Santo Ângelo tem 64 anos, cientista internacionalmente reconhecido nas áreas de energia nuclear e da física geral, ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência [SBPC], foi também reitor da USP, secretário de Educação do governo de São Paulo. Acumula atualmente também a Secretaria Nacional do Meio Ambiente. Para entrevistar José Goldemberg no Roda Viva, nós convidamos Sérgio Buarque de Gusmão, chefe de redação da sucursal de São Paulo do jornal O Globo; Sônia Racy, colunista do jornal O Estado de S. Paulo; Carlos Alberto Sardenberg, editor da sucursal de São Paulo do Jornal do Brasil; Antônio Carlos Ferreira, repórter da TV Globo; José Paulo Kupfer, diretor de redação do jornal Diário do Comércio e Indústria DCI; Ottoni Fernandes, jornalista da Gazeta Mercantil; Flávio de Carvalho, editor da revista Exame e Informática e Sérgio Rondino, editor de política do jornal Bandeirantes, da rede Bandeirantes. Na platéia, assistindo o programa, convidados da produção [...] Boa noite ministro. Eu gostaria de pedir para o senhor, neste começo de Roda Viva, se o senhor pudesse, por favor, nos resgatar um pouco da história dessa reforma ministerial. Ou seja, em que momento ela chegou ao senhor e como ela chegou ao senhor?

José Goldemberg: Boa noite. Olhe, na semana passada, eu fui nomeado secretário de Meio Ambiente da presidência da República em caráter interino em substituição ao doutor Lutzemberg [(1926-2002) secretário especial do Meio Ambiente entre 1990 e 1992], que havia deixado o governo. O presidente me encarregou imediatamente de ir a Washington tentar viabilizar os empréstimos para a área de meio ambiente, que estavam disponíveis, mas que não haviam se convertido em realidade. Ao mesmo tempo, eu deveria acompanhar o chanceler [Francisco] Rezek [ministro das Relações Exteriores] a Nova Iorque, onde estava se realizando a última conferência preparatória da ECO-92. E nós viajamos, aliás, nós viajamos juntos no sábado à noite e domingo tivemos contato com o pessoal da embaixada e da representação brasileira na conferência do comitê preparatório, que nos descreveram os bastidores do que estava ocorrendo...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Quer dizer, até o momento do embarque, o senhor não sabia de absolutamente nada?

José Goldemberg: [interrompendo] Absoluta e total normalidade. O único evento que, digamos, chamou um pouco atenção foi a renúncia de Pedro Paulo Leoni [na época titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Foi afastado do governo por denúncias de corrupção na Petrobrás], que não havia sido aceita pelo presidente. O pedido de demissão dele foi recusado pelo presidente, o que dava a entender que essa fase de substituições do ministério estava encerrada, e, qual não foi minha surpresa quando, segunda-feira, às oito da manhã, hora de Nova Iorque, portanto, dez horas no Rio, telefona o embaixador Marcos Coimbra e, logo em seguida, o próprio presidente. O embaixador Marcos Coimbra disse que os ministros haviam apresentado a carta de demissão [no dia 30 de março de 1992, o ministério apresentou ao então presidente Collor um pedido de renúncia coletiva], [então], leu a carta e perguntou se eu concordava em subscrevê-la. E eu respondi que, evidentemente, sim porque não havia sido eleito, era o presidente [quem havia sido eleito] e não os ministros, que ocupavam um cargo de confiança. E, assim que ele desligou, telefonou o próprio presidente e me disse que havia decidido fazer uma reforma ministerial, mas que os três ministros mencionados – Marcílio, Jatene e eu – estávamos confirmados de imediato e pediu, naturalmente, absoluto total sigilo porque, de fato, o anúncio foi feito algumas horas depois.

Jorge Escosteguy: Agora, foi o presidente que pediu a renúncia coletiva dos ministros ou os ministros que entenderam que seria melhor colocar os seus cargos a disposição?

José Goldemberg: [interrompendo] Olha, eu não sei, eu não estive nessa reunião das nove, onde, aparentemente, ocorreram os eventos, mas a maneira pela qual o embaixador Coimbra colocou é que os ministros haviam decidido apresentar a renúncia coletiva a fim de deixar o presidente à vontade para reorganizar seu ministério. Olha, a maneira pela qual eu descrevo os acontecimentos, não tendo sido testemunha ocular do desenlace, é que nós estamos passando por uma experiência de parlamentarismo.

Jorge Escosteguy: O senhor diria que deu sorte de estar no exterior ou foi apenas o acaso?

[risos]

José Goldemberg: Não, não, um acidente de viagem. Eu acho que estamos vivendo uma experiência parlamentarista simplesmente. Por isso eu acho que os partidos de oposição, que são convidados a integrar o governo, eles podem tentar fazer um acordo sobre certos tópicos comuns. Eu não creio que seja necessário, e num regime parlamentarista nunca é assim, que todos os partidos concordem com tudo. Eu acho que concordam com algumas coisas e eles formam a coalizão no que se refere a essas coisas e não em relação a outras, por isso eu acho que grandes discussões sobre fazer uma frente com o governo não cabe nesse momento. Essas discussões ocorrem nesse exercício do mandato.

Jorge Escosteguy: Agora, até onde o senhor pode perceber, estando a alguns milhares de quilômetros de distância, quer dizer, essa reforma obedeceu a uma necessidade estritamente política administrativa do governo de mudar o seu rumo ou de alguma forma ela foi pressionada pela enchente de denúncias de corrupção do governo, onde, não por acaso, ficaram os três ministros dos partidos acima de qualquer suspeita?

José Goldemberg: Não, eu acho... Aliás, o próprio presidente colocou isso. Eu acho que estamos ameaçando entrar num período de ingovernabilidade pela sucessão de denúncias que acabava afastando os ministros, pelo menos vários ministros, das suas atividades normais porque eles passavam metade do tempo, ou mais da metade do tempo, ou depondo em comissões do Congresso ou depondo até na Polícia Federal. Quer dizer, realmente, essa não é a atmosfera em que o ministro possa efetivamente exercer...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O senhor, particularmente, como se sentia trabalhando num governo acusado por tantas... não especificamente o senhor, claro, mas o governo em geral?

José Goldemberg: Bom, eu acho que era um ambiente de perturbação em que, na realidade, a gente esperava no próximo dia, algum evento fora do comum.

Jorge Escosteguy: ...Mais alguma bomba.

José Goldemberg: Exato.

Jorge Escosteguy: Sérgio Rondino, por favor.

Sérgio Rondino: O senhor acredita que... Acho que é isso que a opinião pública deve estar se perguntando nesse momento, o senhor acredita que essa corrupção, com essa penada, com essa limpeza no governo, o presidente afastou [a corrupção] ou ele tem que se preocupar com isso, o risco diminuiu, pelo menos?

José Goldemberg: Olha, a corrupção não é demonstrada, são denúncias de corrupção, são denúncias sucessivas de corrupção. Sabe, é necessário apurar denúncias e confirmá-las...

Sérgio Rondino: [interrompendo] O ministro [João] Santana [secretário de Administração Pública e depois ministro da Infra-Estrutura no governo Collor] demitiu mais três da Petrobrás hoje. Quer dizer, não é só denúncias, há fatos provados.

José Goldemberg: Sim, exato. Quer dizer, o que ocorre é que o sistema jurídico brasileiro é bastante complicado. Olha, para demitir uma pessoa... Eu, outro dia demiti cinco no Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente] não é? Meu primeiro ato como secretário do Meio Ambiente. Bom, esses processos... Bem, em primeiro lugar, o que me impressiona nesses processos é a quantidade de papel. Provavelmente, custa muito mais caro demitir um funcionário, do que todo salário que ele ganhou durante a vida toda. Quer dizer, é uma parafernália reunir coisas e etc e tal, até em casos que está claramente configurado o interesse público em botá-lo para fora. Quem assina as demissões é o presidente da República, os ministros não têm autoridade para demitir um funcionário, mesmo que eles sejam ladrões confessos.

Antônio Carlos Ferreira: Então, o senhor admite que possa haver corrupção dentro do próprio Ministério e da Secretaria que o senhor dirige?

José Goldemberg: Eu acho que sim. Depende do nível. Esse é um problema que eu enfrentei, eu fui ministro interino da Saúde, onde havia problemas...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Mas não comprou nenhuma bicicleta no período [refere-se ao suposto escândalo que envolveu o ministro da Saúde do governo Collor, Alceni Guerra, acusado na época de superfaturmaneto em compras, entre essas, bicicletas para o seu ministério]?

José Goldemberg: [risos] Não, não comprei nenhuma bicicleta, pelo contrário, a primeira providência que eu tomei como ministro interino da Saúde foi baixar uma portaria que proibia dispensa de licitação a não ser pelo próprio ministro. Porque o que acontece em muitos ministérios é que "n" chefes de vários níveis possuem autoridade de dispensar licitações, e como é bem sabido, na Fundação Nacional de Saúde, 90% das aquisições eram sempre feitas com dispensa de licitação.

Antônio Carlos Ferreira: Mas professor Goldemberg, em que nível teria, então, a corrupção que o senhor acha que possa haver dentro do próprio Ministério Público?

José Goldemberg: Eu acho que na micro-corrupção, acho que é muito difícil se proteger da micr-corrupção, quer dizer, é do funcionário que coloca o processo...

[sobreposição de vozes]

Sérgio Rondino: [interrompendo] Posso te dar um exemplo, é uma curiosidade...

[sobreposição de vozes]

Sérgio Rondino: Por exemplo, o senhor, o [Adib] Jatene e ministro Marcílio [Marques Moreira] foram mantidos no governo porque foram considerados modelos a serem seguidos, isso foi explicitado pelo governo. Eu lhe perguntaria o seguinte, uma pergunta direta, como o senhor se comportaria, por exemplo, como o senhor reagiria, se uma empreiteira lhe oferecesse um jet sky de presente?

José Goldemberg: Bom, olha, aí, viu...

Ottoni Fernandes: [interrompendo] Se fosse um reator nuclear o senhor aceitaria?

[risos]

José Goldemberg: Aí é um problema da personalidade e da reputação que a gente tem. Eu duvido que se alguém me oferecesse um jet sky ou um carro último tipo...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Mas, então, alguma coisa que o senhor gostaria de receber, um presente que o senhor gostaria de receber?

José Goldemberg: Pois é, outro dia eu ganhei um caixa de mangas do prefeito...

Antônio Carlos Ferreira: Mas era daquelas compradas em Genebra, ou não?

José Goldemberg: Não, era do município, que é produtor de mangas. Eu... deixa eu responder a sua pergunta. Eu não só botaria o interlocutor para fora, como tomaria providências para que a firma que ele representa tivesse uma vida extremamente difícil dentro do ministério, essa é a resposta. Agora, esse tipo de reputação se forma ao longo dos anos, esse tipo de brincadeira que alguns fazem, afinal de contas todo mundo aceita jet sky e não sei o quê, esse tipo de brincadeira que eu não faço, viu?

[...]: Vamos pegar um caso concreto...   

Sônia Racy: [interrompendo] O senhor já passou por uma situação dessas, ministro?

José Goldemberg: Eu não, mas acho que a minha secretária já passou.

Sônia Racy: Foi via recado?

José Goldemberg: É, isso foi do passado, não foi agora não. Quando eu fui presidente da Cesp [Companhia Energética de São Paulo], há alguns anos... A Cesp é uma empresa que lida com grandes empreiteiras e a minha secretária de muitos anos, uma senhora já entrada em anos, veio me procurar muito aflita porque a data do meu aniversário estava se aproximando, ou da minha mulher, coisa assim. Ela disse que ela estava sendo assediada porque as empreiteiras perguntavam o que nós gostávamos, que cor de carro nós gostávamos, etc e tal. Isso foi uma vez só, viu?

Ottoni Fernandes: Ministro, deixa fazer uma pergunta só. O senhor, quando assumiu o ministério da Educação, tomou duas providências a respeito de denúncias e corrupção na área do ministério; um inquérito na Fundação de Assistência ao Estudante e depois também teve medidas na questão do preço do Ciacs [Centros Integrados de Apoio à Criança. Projeto federal muito semelhante aos Cieps, que abrigariam estudantes em período integral nas escolas do país. Inicialmente, o programa previa construir mais de cinco mil unidades, mas com a saída de Collor da Presidência, perdeu continuidade e poucas unidades foram construídas de acordo com o projeto original]; em que pé estão esses dois casos, o que foi feito?

José Goldemberg: Bom, o primeiro foi um subpreço que havia sido introduzido numa compra grande de alimentos para merenda escolar. O que eu fiz foi, imediatamente, instalar uma sindicância, não paguei o subpreço até hoje, e enviei o caso todo, que, depois de investigado internamente no TCU [Tribunal de Contas da União], convalidou a minha posição. Então, acabou por aí. Segundo dizem, as pessoas que desejavam, que estavam com a expectativa de receber aquele subpreço, pretendem acionar o governo. Isso, tudo bem, aí eles podem acionar, a Justiça que decida.

Ottoni Fernandes: Internamente, o que foi feito a respeito desse contrato?

José Goldemberg: Ah bom, aquelas pessoas que estavam lá, não estão mais, simplesmente. Aí a gente vai trocando...

José Paulo Kupfer: Ministro...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Desculpe só antes de passar ao senhor José Paulo Kupfer, eu queria voltar um pouquinho ao assunto, o senhor dissehá pouco que essa questão depende do nome, da reputação que a pessoa constrói ao longo da vida, então, o senhor disse: “eu duvido que alguém me ofereça um jet sky”. Agora, não só ofereceram, como deram um jet sky ao ministro Ricardo Fiúza [(1939-2005) ministro da Ação Social (entre janeiro e setembro de 1992) e da Casa Civil em 1992].

José Goldemberg: Bom, mas eu acho que ele ficou extremamente embaraçado e até devolveu o jet sky e etc...

Jorge Escosteguy: Depois de muita pressão da imprensa, não é, ministro?

Sônia Racy: Depois que o jet sky quebrou.

Jorge Escosteguy: José Paulo Kupfer, por favor.

José Paulo Kupfer: Professor Goldemberg, essas histórias todas, queria que o senhor falasse um pouco, é do ser humano, é do brasileiro, é do sistema político que a gente vive e é da forma de governo em que estamos, enfim, o que explica essa saraivada de perguntas e essa saraivada de questões: há mais corrupção hoje do que antes? Ou há mais imprensa livre do que antes? Há mais impunidade que antes? Queria que o senhor tentasse refletir um pouco.

José Goldemberg: Olha, sabe, é difícil fazer diagnósticos definitivos nessa questão. Porque eu acho que há a imprensa livre, há a imprensa mais livre. Eu acho que esse tipo de coisa acontecia correntemente no passado, só que não havia, naturalmente, a vigilância da imprensa em torno disso. Eu não creio que os brasileiros de hoje sejam piores que os do passado.

José Paulo Kupfer: E são melhores?

José Goldemberg: Olha, nem piores nem melhores. Naturalmente, com o agravamento da situação econômica em que os orçamentos acabam ficando mais apertados, as pessoas ficam mais vulneráveis...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Vulneradas.

José Goldemberg: Eu acho, mas essas corrupções maiores, elas provavelmente existiram sempre, só que agora a imprensa está em cima, o que eu acho ótimo, e a resposta do governante, acho que deve ser...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] O senhor falou que o presidente Collor fez foi uma ação parlamentarista e o senhor disse isso até com um pouco de boca cheia, como se fosse uma coisa, realmente, que devesse ser feita, que fosse útil e que fosse o caminho certo. Tudo bem, eu até concordo, particularmente, com o senhor. Mas o povo ainda não diz o que ele prefere, talvez não seja isso, vai ter um plebiscito [refere-se à consulta popular prevista pela Constituição de 1988 para decidir a forma (monarquia ou república) e o sistema (presidencialismo ou parlamentarimo) do governo brasileiro]. Por que um presidente antecipa as datas e faz um parlamentarismo com antecedência, digamos assim...

José Goldemberg: Isso eu lhe explico. É porque o presidente está tendo sérias dificuldades para aprovar propostas enviadas ao Congresso Nacional e que não tem sido... Não é que elas têm sido rejeitadas, elas não têm sido apreciadas e, obviamente, é necessária uma maioria parlamentar com alguma solidez para fazer andar e levarmos esse projeto...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Isso resolve com o parlamentarismo?

José Goldemberg: Não, não resolve, mas o que o presidente está tentando fazer é uma composição mais ampla que o apóie, que lhe dê um...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Mas o presidente Sarney [José Sarney] também tentou de outra maneira, com outras intenções, a mesma composição; seria o mesmo caso?

José Goldemberg: Bom, eu não quero fazer considerações sobre o presidente Sarney, mas tem várias maneiras de conseguir maiorias, e aqui é “às abertas”. Quer dizer, é uma composição com os partidos políticos...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O senhor diria que com o presidente Sarney era “às fechadas”?

José Goldemberg: Não sei, mas eu tenho a impressão que um dos santos fortes em governos passados era São Francisco.

Sérgio Buarque de Gusmão: O que o senhor está querendo dizer? É que era mais “mão aberta”, não? Não é que eram fechadas, é que era mais “mão aberta”, não?

Jorge Escosteguy: Agora, o senhor acredita que nessa ação política do governo hoje, por exemplo, o coordenador político do governo, Jorge Bornhausen [ministro-chefe da Casa Civil durante o governo Collor], dava como certo os tucanos [refere-se aos partidários do PSDB] descendo do muro e aderindo ao governo, o senhor acha certo isso?

José Goldemberg: Olha, eu acho que será lamentável se eles não o fizerem, não é mesmo? Porque... Eu estava me referindo aos tucanos, quando eu falei de parlamentarismo. Quer dizer, o governo tem uma base de sustentação que não é suficientemente ampla para garantir aprovação no Congresso de medidas que eles julgam muito importantes como, por exemplo, a Lei dos Portos, desregulamentação do serviço público, Lei da Propriedade Intelectual, coisas desse tipo. O governo simplesmente não consegue [aprovar]. Até [não consegue aprovar] algumas reformas constitucionais. Bom, o que fazer então? É lutar caso a caso, que é o que temos feito. Tanto que, no caso da informática, é uma luta corpo a corpo em que fui o principal negociador e o Congresso acabou aprovando as mudanças da Lei da Informática. Bom, esse sistema não funciona muito bem e o governo está tentando, então, obter uma maioria que seja uma maioria mais estruturada, de modo que a maioria se forme em torno de certas idéias comuns, certos programas comuns. E aí, então, a legislação relevante passa sem o inferno que é cada batalha no Congresso.

Antônio Carlos Ferreira: Ministro, deixa pegar uma carona...

Jorge Escosteguy: Rondino, a Sônia e o Ottoni, por favor.

Sônia Racy: Ministro, quando o senhor assumiu o ministério da Educação, o senhor não quis ficar com essa parte de construção dos Ciacs. Com essa confusão que deu com o ministro Alceni Guerra [ministro da Saúde e da Criança (1990-1992)], o senhor acabou [gerenciando] a construção do Ciacs. Como o senhor está se sentindo sobre isso?

José Goldemberg: Olha Sônia, não é verdade. Quando eu me tornei ministro da Educação, eu me tornei membro do comitê superior do Ciacs, mas não me foi oferecido o gerenciamento da construção do Ciacs, só ocorreu quando o ministro Alceni estava para deixar o ministério. Então, o presidente Collor me chamou e disse que esse era um projeto da maior importância etc e que ele queria preservar.

Sônia Racy: Eu tive a informação que isso foi oferecido ao senhor.

José Goldemberg: Não, olha, não...

Sônia Racy: [interrompendo] E o senhor recusou.

José Goldemberg: Por melhor que seja a sua coluna, ela não está bem informada nesse caso. Agora, quando o ministro Alceni estava para sair do ministério, o presidente Collor pediu para eu assumir o cargo, o que eu acho que foi uma coisa recebida bem por muitas pessoas. Porque os Centros Integrados de Apoio à Criança, por mais que se fale, eles são uma grande escola. E o que se passa num centro integrado, a gente vê isso lá em Brasília, é um lugar que é [povoado] por mais de mil crianças e toda a atividade do centro gira em torno [delas]; centro esportivo, teatro, saúde, etc e tal. Bom isso é uma escola, não é?

Sônia Racy: Mas, sem discutir o projeto, como o senhor vai fazer essa licitação ser mais transparente do que já foi e...

José Goldemberg: [interrompendo] Estou fazendo, estou fazendo.

Sônia Racy: Qual o procedimento? Quais mecanismos de segurança o senhor está tomando para que não haja o que já houve?

José Goldemberg: Sônia, em primeiro lugar, colocar a Secretaria de Controle Interno como parte do processo; em segundo lugar, consultar o Tribunal de Contas antes do post factum acontecer, porque esse negócio de consultar o Tribunal de Contas post factum é coisa que gera os problemas que a gente tem visto, não é que eu tenho feito isso. Olha...

Sônia Racy: [interrompendo] O senhor tem dinheiro em caixa para isso?

José Goldemberg: Tenho.

Sônia Racy: Quanto?

José Goldemberg: Tenho dinheiro em caixa para o que está previsto. Houve um corte de 25% no orçamento do Ciacs, ainda assim, existem aproximadamente setecentos milhões de dólares.

Sônia Racy: A meta para este ano é construir quantos?

José Goldemberg: São aproximadamente quinhentos Ciacs.

Jorge Escosteguy: Ministro, só pegando uma carona no Ciacs, dois telespectadores telefonaram, o Renato D’Ângelo, daqui de São Paulo pergunta: “[qual] a sua opinião sobre o Ciacs, uma estrutura grande e onerosa e a mão-de-obra não qualificada no ensino no Brasil”. E o Hélio Ribeiro, de Guaratinguetá: “por que houve uma falsidade e enganação na política e implementação dos tão encantados Ciacs?”.

José Goldemberg: Sei lá, não são perguntas, são declarações.

Jorge Escosteguy: Eles perguntam com uma crítica, eles discordam do Ciacs.

José Goldemberg: Sei lá.

Sônia Racy: Por que o Ciacs e não a reforma do atual sistema, que está caindo aos pedaços?

José Goldemberg: Reforma? O Ministério da Educação, o tradicional Ministério da Educação investe aproximadamente quinhentos milhões de dólares por ano reformando escolas, só no ano passado nós construímos...

Sônia Racy: Cadê essas escolas?

José Goldemberg: Ah, está vendo? Aí é que está, formar opiniões apressadas. Nós construímos o ano passado 15 mil salas de aulas, o que corresponde a setecentas escolas no Brasil todo, aproximadamente. É que o Brasil é muito grande. Nós construímos lá no interior do Piauí, no interior do Rio Grande do Sul e por aí afora. Construímos 15 mil salas de aulas, esses são os programas normais do ministério, que investe uma quantidade muito grande de dinheiro, que vem de salário educação, são reformas e construções. O que me deixa muito aborrecido é que ninguém coloca uma placa do governo federal. Agora, eu vou perseguir os prefeitos, obrigando-os a colocar uma placa que diga “feito com recursos do governo federal”. Mas nós fizemos [essas escolas]. Então, o Ciacs é um programa complementar. Olha aqui, a visão que eu tenho do Ciacs é extremamente simples, é uma escola de rico para pobre. Porque os filhos de ricos aqui do Brasil vão aos Ciacs, não é mesmo? E nós estamos fazendo, criando escolas...

Antônio Carlos Ferreira: ...Não seria uma escola de ricos para poucos pobres? Aí está a pergunta do telespectador. A idéia do Ciacs é uma coisa muito grande para um país que está cheio de problemas e vai servir para poucas pessoas. Vai sair muito na imprensa: inauguração de Ciac, mas isso não vai refletir no grosso. Estou interpretando a pergunta do telespectador.

José Goldemberg: [interrompendo] Muito obrigado, porque eu não tinha entendido a pergunta. Veja, pelo programa formulado atualmente, até o fim do governo Collor, se tudo ocorrer normalmente, nós teremos construído Ciacs para cinco milhões de crianças. É pouco, porque no Brasil há 28 milhões de crianças nessa faixa escolar que vão às escolas. Bom, é um começo, não é? Não é tão elitista...

[...]: Nesses quinhentos Ciacs, serão cinco milhões?

José Goldemberg: Não, não, quatro milhões. O certo seriam cinco milhões...

José Paulo Kupfer: Agora, deixa fazer uma pergunta, eu posso errar - fiz correndo aqui a conta - setecentos milhões de dólares para quinhentos Ciacs dá mais ou menos um milhão e quatrocentos mil dólares por Ciac...

José Goldemberg: [interrompendo] Isso.

José Paulo Kupfer: Imaginando que o preço do metro quadrado esteja por quinhentos dólares, é um preço quase americano: seriam Ciacs de dois mil e oitocentos metros quadrados?

José Goldemberg: São quatro mil metros quadrados cada Ciac, a construção...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Sai mais barato quatro mil metros quadrados?

José Goldemberg: Esse é o valor concreto. Quer dizer, já estão começando a ficar prontas...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Quatro mil metros quadrados de construção?

José Goldemberg: De construção, de área construída.

José Paulo Kupfer: Em cada Ciac?

José Goldemberg: É, são grandes.

José Paulo Kupfer: Melhor do que qualquer high school americana, mesmo as melhores, desse tamanho.

José Goldemberg: É, são parecidas com as escolas americanas, tem toda a parte assistencial, a parte médica, etc e tal.

José Paulo Kupfer: Pelo tamanho, ministro, quatro mil metros de construção.

Sônia Racy: Mas o último não saiu por dois milhões e duzentos mil dólares? Quer dizer, se for pelas contas do José Paulo [Kupfer], não dá, não é?

José Goldemberg: A conta dele é correta. Quer dizer, cada Ciac custa um milhão e duzentos mil dólares, é claro, como nós temos...

Sônia Racy: [interrompendo] Eu li qualquer coisa que foram dois milhões e...

José Goldemberg: [interrompendo] Como nós temos pouca experiência em construir, à medida que esse negócio entrar em regime... Temos 13 fábricas que já foram licitadas e estão produzindo, quando isso entrar em massa, as coisas vão correr melhores, os primeiros saem um pouco mais caro mesmo.

Sônia Racy: [interrompendo] Bastante mais caro, não é ministro?

José Goldemberg: [interrompendo] Não, mas não foram dois milhões e duzentos mil dólares.

Sônia Racy: Mas foi o que saiu na imprensa, dois milhões e duzentos mil dólares.

José Goldemberg: É possível que alguém até tenha tentado cobrar, mas nós não pagamos, viu?

[risos]

Carlos Alberto Sardemberg: Não vale para a educação e para o Ciacs aquela argumentação, do ministro Jatene ,que é melhor tratar dos hospitais que existem, do que construir novos?

José Goldemberg: [interrompendo] É que hospitais já têm bastante, escola não tem. Aqui em São Paulo, na metrópole, na grande metrópole brasileira, temos um déficit de sala de aula de seis mil salas de aulas, aqui, no município de São Paulo e grande São Paulo. E, como cada escola tem, de modo geral, digamos, vinte salas, está faltando duzentas, trezentas escolas aqui, na grande São Paulo. Por isso as escolas têm três turnos, quatro turnos, cinco turnos...

[sobreposição de vozes]

José Paulo Kupfer: Seu Goldemberg, deixa eu fazer uma pergunta que trouxe de casa...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Um de cada vez, por favor, o José Paulo trouxe uma pergunta de casa, depois da pergunta de casa do José Paulo é o Ottoni, em seguida o Sérgio Rondino, como uma pergunta da televisão.

José Paulo Kupfer: É uma dúvida pessoal e junto com ela vem uma homenagem ao meu filho mais velho, André Kupfer, que faz hoje 17 anos. Em setembro ele está indo para os Estados Unidos terminar o high school. Eu estou fazendo bem ou estou fazendo mal? Eu como pai dele?

José Goldemberg: Ele vai fazer o que lá? Acabar o high school? O que ele quer fazer?

[risos]

José Paulo Kupfer: Não sei. Talvez computação.

Jorge Escosteguy: Parte para uma consulta com o ministro.

José Goldemberg: Manda falar comigo.

José Paulo Kupfer: Eu quero lhe perguntar sobre o ensino brasileiro de hoje, é claro que é essa a pergunta, não a outra.

José Goldemberg: Claro, é muito variado, o rico tem bom ensino em qualquer lugar, não é? Pobres não. Depende.

José Paulo Kupfer: Mas ele não é pobre, graças a Deus.

José Goldemberg: Mas tem excelentes escolas aqui, por isso ele não precisa ir para os Estados Unidos, essa é a resposta.

José Paulo Kupfer: Estou errado?

José Goldemberg: Está errado.

José Paulo Kupfer: Para todos os pais que estão nos ouvindo, é um erro mandar os filhos para os Estados Unidos estudar.

José Goldemberg: [interrompendo] Tem excelentes escolas aqui no Brasil...

Jorge Escosteguy: Ottoni Fernandes, por favor.

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Públicas?

José Goldemberg: Públicas têm menos, mas tem excelentes escolas públicas, mas...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] O senhor poderia me dar três exemplos?

José Goldemberg: Como?

José Paulo Kupfer: Três exemplos hoje?

José Goldemberg: De escolas públicas? Claro, a escola Caetano de Campos, que não é mais na Caetano de Campos, [fica] na Aclimação, em Pinheiros é [boa]. A escola Lapa é também [boa], há muitas escolas públicas boas. E, [com] esse programa que o Fernando Moraes está tocando aqui, elas vão aumentar muito. Sabe, o governo, aliás, não é só o governo federal não, não é propaganda do governo Collor não, governos estaduais estão engajados numa grande campanha para melhorar a escola pública. E eu acho que vai ocorrer. E, aliás, inclusive com essa crise das mensalidades escolares, vai ocorrer mais depressa ainda porque [como] as pessoas não podem pagar escola particular, vão mandar os filhos para escola pública e vão ficar em cima. Porque, atualmente, escola pública é sinônimo de escola de pobre. Pobre tem outras preocupações além da educação. No momento que a classe média começar a chatear os professores de escola pública e reclamar quando eles fazem greve, etc e tal, tudo vai acabar...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] O senhor colocaria um filho seu numa escola com quatro, cinco turnos? Que ele vai estudar duas horas por dia?

José Goldemberg: Não, não colocaria. Isso precisa ser consertado. Agora, existem algumas escolas públicas boas ainda.

Ottoni Fernandes: Ministro.

Jorge Escosteguy: Ottoni Fernandes, por favor.

Ottoni Fernandes: Ministro, eu queria lhe perguntar [sobre] a questão política. Esse programa de ação que o governo do presidente Collor está propondo para negociar, principalmente com o PSDB, é um programa muito amplo e possui algumas medidas importantes, como a ênfase na questão da educação, na questão da modernização administrativa. Há uma série de reformas que precisam ser feitas, a questão da energia, por exemplo. [Mas] esse programa, todo mundo está dizendo que é uma arapuca para atrair tucano, certo? Mas o seguinte: também está se usando esse programa para discutir com o Partido Liberal, certo? Eu pergunto: que programa é esse que pode juntar, como uma grande arapuca, e que pode entrar desde um PL até um PSDB? Não é um programa vago demais, amplo demais?

José Goldemberg: Olha, aí que está. Se ele for específico demais, não dá para fazer acordo. Hoje de manhã, eu tive uma discussão pelo rádio com o Pimenta da Veiga [foi deputado federal por Minas Gerais e prefeito de Belo Horizonte pelo PSDB. Tentou o cargo de governador de Minas Gerais nas eleições, em 1990, mas perdeu para Hélio Costa (PMDB)], em que eu reclamei do comportamento dos tucanos que estão levando uma semana para deliberar sobre o assunto, pensar. Mas ele disse assim:  “não, tem que pensar mesmo, discutir em detalhes". A lógica do governo, quer dizer, o indivíduo que está na função executiva, ele vai decidindo as coisas enquanto ele anda, não é mesmo? Se, agora, nós pararmos o governo, até que os partidos examinem em detalhe se apoiam aquela medida, se apóiam essa medida, nem dá para discutir, entende?

Antônio Carlos Ferreira: Mas não houve um erro do presidente aí? Primeiro, demite todo mundo, faz um escândalo e depois lança a negociação com o partido. O senhor acha que uma semana é muito tempo? Eu acho uma semana pouco tempo. De uma hora para outra foi colocado o problema para o partido, que não estava nem esperando. Não teria sido mais útil a tática de fazer essa negociação primeiro, lançar aos poucos, ir atraindo o partido e depois sim, quando tivesse alguma coisa, aí sim, demite os ministros e convoca outros. Não foi também jogado o programa, de uma hora para outra, para cima dos tucanos?

José Goldemberg: Olha, na Itália é assim. Quer dizer, demite o ministério, depois ficam os interinos e etc. No regime parlamentarista vai ser assim. Porque aí o secretário executivo fala... eu não morro de amores pelo parlamentarismo, alguém ia perguntar se eu sou parlamentarista?

Carlos Alberto Sardemberg: Eu ia perguntar se o senhor era parlamentarista.

José Goldemberg: Eu não sou muito ligado no parlamentarismo não, mas, enfim, é assim que funciona...

Carlos Alberto Sardemberg: O senhor é presidencialista? Porque no governo inteiro, agora, que o senhor está, todo mundo é parlamentarista, agora, não é?

José Goldemberg: É, eu sei, pois é. Felizmente, ninguém me perguntou isso...

[risos]

José Goldemberg: Eu não tenho um caso maior por parlamentaristas...

Sérgio Rondino: [interrompendo] Ministro, o senhor está demonstrando... O senhor se define como um técnico que tem passado por várias administrações, mas está demonstrando uma habilidade política, pelo menos para começar, muito interessante...

[risos]

Sérgio Rondino: O problema é o seguinte: o senhor, nessa condição de técnico, passou por governos bastante diferentes: o senhor serviu o governo Montoro, [(1916-1999) foi governador do estado de São Paulo 1983 a 1987] depois serviu ao governo Quércia [governador de São Paulo de 1987 a 1991] e agora está com o Collor...

José Goldemberg: [interrompendo] Serviu? Bem, deixa eu...

Sérgio Rondino: [interrompendo] Serviu no bom sentido...

[sobreposição de vozes]

Sérgio Rondino: Eu lhe perguntaria se é possível exercer cargos tão importantes assim sem fazer política? E até perguntaria mais, se senhor é tão competente que não precisa ser político para ficar nos cargos, ou o senhor é politicamente mais hábil do que os próprios políticos?

Sônia Racy: Eu complementaria: como o senhor se define, politicamente?

José Goldemberg: Uma pessoa altamente educada, lida, não é mesmo? Que superou o paradigma, no começo de século...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Social democrata [social-democracia], socialista [socialismo]?

José Goldemberg: Sei lá, isso são rótulos...

Sérgio Rondino: [interrompendo] Social-liberal...

Antônio Carlos Ferreira: Social-liberal, que está na moda hoje em dia.

José Goldemberg: Pois é. Eu diria que as minhas convicções são mais próximas da social-democracia, eu acho.

Ottoni Fernandes: O senhor tem plumas, é meio emplumado ou não? [referência aos tucanos, do PSDB]

José Goldemberg: Não, mas eu tenho amigos à beça emplumados...

[sobreposição de vozes]

José Goldemberg: Uma porção de gente me faz essa pergunta aqui, dá à impressão que eu estou fazendo algo indecente, não é mesmo?

Antônio Carlos Ferreira: Pelo contrário, acho que o senhor faz política em tudo.

Sérgio Rondino: Hoje, entrar no governo é suspeito um pouco, não é?

José Goldemberg: Pois é. Quer dizer, eu faço questão de explorar essa pergunta, porque as pessoas dão uma conotação de que o indivíduo parece ser ou esperto demais, porque consegue se acertar nos governos ou, então, sei lá o quê...

Sérgio Rondino: Eu não usei [essa] habilidade: esperto, é o senhor que está usando.

José Goldemberg: Veja, as funções que eu ocupei ao longo da minha vida foram conquistadas pelo próprio mérito. Eu sou professor catedrático, não existe mais catedrático, mas antigamente existia, na Universidade de São Paulo, por concurso, e está acabado. Tudo sem favores para ninguém, foi uma posição conquistada. Depois, eu fui presidente eleito da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. De vez em quando alguém me pergunta se eu já me candidatei a algum posto político, etc e tal, a resposta é não. Mas é muito mais difícil ser eleito presidente da sociedade de cientistas do que ser eleito qualquer coisa em política, não é? Porque cada cientista é o centro do mundo. Então, lidar com um monte de centros do mundo não é sopa, não é? Então, eu também fui eleito e depois eu fui escolhido reitor da Universidade de São Paulo, após uma escolha em que... Após uma manifestação da maioria de seus professores, e são, digamos, as funções que eu exerci pelo próprio mérito. Agora, diversos governos têm me convidado para exercer funções, todas elas próximas da minha área de competência. De vez em quando, alguém faz uma brincadeira, se eu vou acumular Secretaria de Esportes ou coisa parecida, essas brincadeiras não pegam não. Todas as funções que eu exerço são funções que têm algo a ver com a minha esfera de competência, até Ministério da Saúde, não é mesmo? Porque, como reitor da USP, eu dirigia vários hospitais, não é mesmo? Então, não é verdade que seja oportunismo, nada disso, eu rejeito categoricamente esse tipo de...

Sérgio Rondino: [interrompendo] Não falei oportunismo...

José Goldemberg: [interrompendo] Não falou, mas alguns pensam...

Carlos Alberto Sardemberg: O governador Montoro teve uma idéia esquisita quando convidou o senhor para ser presidente das companhias energéticas. O senhor, até então, tinha uma vida totalmente acadêmica...

José Goldemberg: Isso.

Carlos Alberto Sardemberg: E, de repente, desembarca numa estatal...

José Goldemberg: [interrompendo] Mas eu entendia de energia à beça, viu, desculpa a falta de modéstia, viu?

Carlos Alberto Sardemberg: Entender de energia é uma coisa...

Sérgio Buarque de Gusmão: Dirigir o departamento da USP é mais complicado do que dirigir uma central de energia?

Carlos Alberto Sardemberg: [interrompendo] Isso que eu queria perguntar para o senhor. O senhor entendia de energia, claro, mas o senhor não entendia de uma enorme estatal, que é muito mais do que produzir energia, tem todo um procedimento político, relações com outras empresas, etc. E depois, o senhor saiu da vida acadêmica e não voltou mais. Quer dizer, aí emendou numa carreira pública com cargos cada vez mais importantes...

José Goldemberg: [interrompendo] Mas eu conservo atividades acadêmicas...

Carlos Alberto Sardemberg: Que diferença o senhor vê entre vida acadêmica e a vida pública, assim, que o senhor tomou? O senhor se surpreendeu com alguma coisa, achou que tinha, sei lá, muita roubalheira, muita confusão?

José Goldemberg: Não, não. Primeiro deixa responder a pergunta da Cesp. Quando eu fui nomeado presidente da Cesp, aqueles engenheiros clássicos que entendiam “para burro” daquilo disseram: “isso aí não dá, esse fulano é um acadêmico perdido no mundo, um professor Pardal [personagem de desenho animado, criado em 1952, por Carl Barks, para a Walt Disney Company, caracterizado como um cientista doméstico cujas invenções nem sempre funcionam da maneira esperada], deixa cair as coisas, etc e tal”. Olha, 15 dias depois, ninguém mais falava isso. E eu acho que é...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O que o senhor fez para ninguém mais falar isso?

[risos]

[...]: Quem falar, já está demitido.

José Goldemberg: Eu...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Baixou um decreto.

José Goldemberg: Administrei com grande...

[risos]

[...]: Deu um choque elétrico...

[risos]

José Goldemberg: Eu administrei com grande autoridade. Dizem alguns, até com grande competência. Essa idéia de que professor universitário é meio perdido no mundo é conversa, viu.

José Paulo Kupfer: Muito mais na USP, não é? Que tem uma política danada.

José Goldemberg: Pois é. Claro, é difícil sobreviver lá dentro, então, foi isso. Agora, deixa eu responder a sua comparação: a diferença entre a vida acadêmica e a vida não acadêmica. Essa sim é uma coisa interessante. Isso eu aprendi... Claro, devo isso ao Montoro, que me nomeou para um lugar diferente dos lugares que eu estava ocupando como resultado da minha própria atividade profissional. As universidades são contemplativas, elas se debruçam sobre o passado em geral, ou até sobre o presente, de uma maneira contemplativa. Quer dizer, as pessoas entram na universidade, elas raramente se vêem como pessoas de ação, elas são analistas...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Quando elas tentam as outras impedem, não é professor?

José Goldemberg: Como?

José Paulo Kupfer: Quando elas tentam, as outras em volta impedem.

José Goldemberg: As outras impedem. Pois é, tem um componente disso. Agora, acontece que é um mundo pequeno, à medida que a gente sai da universidade e começa a exercer suas funções, a gente vê uma outra área. Por exemplo, eu tinha um preconceito tremendo contra banqueiros, achava que eles eram, sei lá, que nem os agiotas da Idade Média, esse tipo de figura, não é?

José Paulo Kupfer: E hoje o senhor acha o quê?

José Goldemberg: Bom, depois que conheci o [Olavo] Setúbal [ (1923-2008) industrial, banqueiro, foi diretor do Banco Itaú e prefeito da cidade de São Paulo] e esses outros aí, eu “tiro meu chapéu” para eles, não é? Esse pessoal é competentíssimo. Aliás, se não fossem competentes, não seriam ricos.

[...]: Muita gente “tira o chapéu”.

Carlos Alberto Sardemberg: Que visão o senhor tem das empreiteiras e lobistas de empreiteiras?

José Goldemberg: Ah, eu tenho um PHD nisso. Além do meu doutorado em física, eu tenho doutorado com esse pessoal.

Antônio Carlos Ferreira: Como o senhor trata essa gente, ministros, os lobistas, por exemplo?

José Goldemberg: Com uma enorme cordialidade e sem nenhuma tolerância, eu me caracterizei... Porque as pessoas me vêem sorridente, não é? E pensam que eu sou uma "Maria-vai-com-as-outras", isso ninguém pensa depois de conversar 15 minutos comigo. E os empreiteiros... Bom, lobistas, eu praticamente não os conheço, eles, acho, desapareceram do meu horizonte. Sabe, eu abro essas revistas e jornais, tem aqueles lobistas com mulheres lindas, maravilhosas, eu não conheço essas mulheres, não é?

Sérgio Rondino: É porque eles conhecem a porta certa, ministro. A sua, eles não vão gostar, mas outras...

Jorge Escosteguy: Ministro...

José Goldemberg: Agora, os empreiteiros são, de fato, muito competentes. Quer dizer, uma vez ganhando a obra, eles são competentes. Isso aí eu quero dizer como testemunha...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Até ganhar [a obra], eles são o que ministro?

José Goldemberg: Até ganhar é um problema. Depois de ganhar são ótimos, viu. Eu outro dia, eu fui visitar a linha vermelha [obra rodoviária no Rio de Janeiro]. Olha, de fato, é uma obra de engenharia espantosa para qualquer padrão, não é padrão brasileiro não. Eles, em seis meses, fizeram aquele negócio, é um negócio extraordinário. Agora, até ganhar a obra, é complicado.

José Paulo Kupfer: Eles também são competentes, não é?

[sobreposição de vozes]

José Goldemberg: Eles também são competentes, em outro sentido.

Jorge Escosteguy: Só para completar a roda, o Flávio de Carvalho tem uma pergunta para o senhor, por favor.

Flávio de Carvalho: Professor, estamos aí a dois meses da ECO-92. E eu queria saber assim: interinidade até a ECO-92, o senhor vai implementar idéias próprias que o senhor tem  sobre questões ecológicas, que são um pouco diferentes da maioria das pessoas que militam na área, não é? Por exemplo, o senhor acha que tecnologia e a ciência fazem parte da solução das questões ecológicas, [existe] um pessoal mais radical que acha o contrário, então, nesses dois meses de interinidade, o senhor vai batalhar pelas idéias que o senhor tem ou vai tocar as coisas como estão andando?

José Goldemberg: Não, não, deixa eu lhe explicar qual é a minha missão. Porque o presidente, ao me designar [como ministro interino], ele explicou claramente a minha missão. A primeira delas é colocar em ordem, administrativamente, esse complexo Ibama e a Secretaria do Meio Ambiente, que acabou ficando uma confusão. E, sabe, com cinco mudanças de direção no Ibama em dois anos, de fato, não há administração que funcione, não é mesmo? Então, a minha primeira missão é escolher diretores que fiquem; que, mesmo depois que eu sair, eles fiquem. A idéia pelo menos é essa: que eles fiquem; e colocar uma certa ordem administrativa. O Ibama é um órgão muito complicado porque ele foi formado pela fusão do antigo IBDF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal], da Sudepe [Superintendência do Desenvolvimento da Pesca], não sei vários órgãos lá...

[...] Sema [Secretária do Meio Ambiente]...

José Goldemberg: Sema, e quando a gente entra lá dentro e começa a olhar aquele negócio, continuam aqueles "imperiozinhos" pequenos lá dentro. E é preciso dar um jeito nisso. De fato, tem uma firma que foi contratada para fazer uma análise da maneira pela qual aquilo deve ser organizado, de modo que se torne efetivamente  uma agência de proteção ambiental. Então, essa é minha primeira missão. É uma missão, digamos, de ordem administrativa, de probidade administrativa: acabar com esses processos que estão andando por lá. O doutor Lutzemberg saiu jogando fogo para todos os lados – está tudo cheio de corruptos, etc e tal...

Ottoni Fernandes: [interrompendo] Aliás, uma carona aí, o senhor foi muito cauteloso quando falou da sua ida aos Estados Unidos. Mas, na realidade, o senhor foi negociar o empréstimo de 120 milhões de dólares com o BID que o doutor Lutzemberg não quis pegar.

José Goldemberg: É verdade.

Ottoni Fernandes: E agora esse dinheiro vai para onde?

José Goldemberg: Está viabilizado.

Ottoni Fernandes: Vai para madeireiro?

José Goldemberg: Imagina, não, imagina.

Sônia Racy: Como o senhor fez, ministro, para explicar as palavras do ex-ministro Lutzemberg?

[sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: O senhor chegou lá e disse o  quê?

[sobreposição de vozes]

José Goldemberg: [interrompendo] Espera aí um pouquinho, conseguir um empréstimo do Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento é uma parada. Teve cinco ou seis missões aqui do Banco, são projetos minuciosos e detalhados que foram feitos ao longo dos anos...

Sônia Racy: [interrompendo] Depois de todo esse esforço.

José Goldemberg: [interrompendo] Chega um cidadão lá e diz: "olha, não dá para dar esse dinheiro para esse cara que vai desaparecer em corrupção"...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Mas quando ele negou o empréstimo, será que seria preciso dizer para eles que ele era meio maluco ou não, já estava claro para eles que foi a primeira pessoa que apareceu lá e disse que não queria dinheiro?

José Goldemberg: Bom, deixa responder da maneira... Eu fui recebido com grandes efusões de alegria quando eu cheguei lá e a minha discussão era absolutamente pragmática, quer dizer, tem um empréstimo... Veja, um desses empréstimos que está concedido, nos estamos pagando taxa de permanência...

Antônio Carlos Ferreira: Porque não pegou o dinheiro, o dinheiro está lá.

José Goldemberg: Porque não pegou o dinheiro e, de fato, generalizar, dizendo que todo mundo é ladrão não dá, não é verdade, quer dizer...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Tem projeto para esses 120 milhões?

José Goldemberg: Tem para todos esses projetos. [Temos] projetos super minuciosos, é uma pilha desse tamanho [mostra com as mãos]...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Quais são esses projetos?

José Goldemberg: Um deles, por exemplo, é fazer parques nacionais, um dos projetos importantes é popularizar os parques nacionais: colocar cercas, colocar guardas florestais, fazer casas, sei lá, portões, etc e tal, esse tipo de coisa como tem nos Estados Unidos. E é uma carência muito grande, porque aqui, o que o governo faz é baixar um decreto dizendo que tem um parque nacional lá na serra do Araguaia, mas está só no mapa, viu. Você chega lá, não tem parque nenhum. Pelo contrário, está cheio de posseiro.

Sônia Racy: O governo federal tem recursos para dar, em contrapartida a esses empréstimos?

José Goldemberg: Bom, esse era um dos problemas. De fato, até setembro do ano passado, o governo federal não tinha liberado a contrapartida em um dos empréstimos, não dos outros, esse é um dos problemas e o Lutzemberg, nesse ponto de vista, tinha razão.   

Sônia Racy: Isso foi solucionado?

José Goldemberg: Foi solucionado. O que eu pretendo fazer é, primeiro, colocar uma certa ordem, em segundo lugar, a Conferência está aí, a Conferência é agora, nas primeiras duas semanas de junho, e há discussões no mundo todo, nas Nações Unidas e em outros lugares. Essas discussões não são sobre visões proféticas, são sobre documentos específicos: quanto dinheiro vai para prevenção de mudanças climáticas; quanto dinheiro vai para a biodiversidade, e por aí afora. E aí, então, o que tem se discutido nessas conferências internacionais é se há conflitos entre o desenvolvimento sustentável e a ausência de desenvolvimento. Porque, se você começa a radicalizar muito a proteção do meio ambiente, você acaba se convencendo de que o melhor é não ter progresso nenhum. Porque o progresso acaba sempre destruindo um pouco. Bom, que eu não partilho dessa tese é notório, absolutamente notório, não é mesmo? Mas a grande maioria das pessoas que estão envolvidas nessas conferências internacionais também não compartilham [com essa tese]. Então, as decisões vão ser tomadas por esse tipo de pessoas. Agora, existem organizações não governamentais que têm uma visão pouco ética dessas coisas. Eu fui, agora, conversar com as organizações não governamentais que tinha sido objeto do palco, do mesmo palco na qual tinha falado o Lutzemberg duas semanas antes. Então, ele fez um discurso lá, desses discursos tipo filosóficos, que a melhor maneira de proteger o meio ambiente é mudar a maneira das pessoas se comportarem. Muito bem, realmente, eu achei que essa era a missão mais difícil, porque uma pessoa tecnocrática como eu, teve que enfrentar esse pessoal. Olha, eu acabei me saindo muito bem, eu vou te explicar o porquê - e não foi pelos meus méritos não, foi pelos deméritos dos extremistas da área ambiental - eu vou te dar um exemplo, levanta um cara e diz: “olha aqui, eu sou o presidente da associação contra a construção de estradas. Pela moratória da construção de estradas”, estava na cara que era um americano loirinho, etc e tal. Bom, eu usei os métodos que eu aprendi na universidade, eu falei...

Ottoni Fernandes: [interrompendo] Ele tinha uma fábrica de barcos por acaso?

[risos]

José Goldemberg: ...Eu falei: “você é americano?”. Aí todo mundo começou a rir, não é? Ele disse: “sou, sou americano”. Eu disse: “você já esteve em algum país em desenvolvimento?” “Não, nunca estive em país em desenvolvimento, mas eu assisto televisão, eu leio”. Eu falei: “meu filho, estradas são construídas na África ou no Brasil ou onde quer que seja para atender as necessidades da população, para permitir o transporte de grãos, para permitir a passagem de comida. Você vai querer, agora, que a gente faça uma moratória no Brasil, não construir mais estradas no Brasil?” “Mas as estradas matam 17 mil raposas por ano, sei lá o quê”. Ele se cobriu de ridículo, entende? Quer dizer, é a posição extrema. Esses são ecologistas de país rico e nós somos país em desenvolvimento, nós precisamos de desenvolvimento. Agora, é possível dirigir o desenvolvimento de uma maneira que ele não seja tão destrutível como foi no passado. Quer dizer, nós não precisamos repetir os erros do passado, agora, negar o desenvolvimento do Brasil, tenha dó, não é?

Jorge Escosteguy: Ministro desculpe interrompê-lo, nós voltaremos em seguida nesse assunto, precisamos fazer um rápido intervalo. O Roda Viva volta daqui a pouco, entrevistando hoje o ministro da educação José Goldemberg, até já.

[Intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva que hoje está entrevistando o ministro da Educação, José Goldemberg. Ministro, o senhor esteve hoje, em uma reunião ao meio dia, com o governador do estado, Luiz Antônio Fleury, e os reitores da USP, Unicamp e Unesp falando sobre recursos para essas universidades; quais recursos seriam esses e para quê?

José Goldemberg: Olha, é o seguinte: o governo federal decidiu pleitear, junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, um grande empréstimo para reequipar as universidades brasileiras. Isso é uma iniciativa um pouco parecida com a iniciativa que foi tomada aqui em São Paulo em relação à USP, quando eu fui reitor [dessa universidade] no período de 1986 a 1990 e, de fato, na ocasião, nós captamos um recurso que permitiu dar um impulso apreciável às atividades da Universidade de São Paulo. E o que nós queríamos fazer era repetir isso para as universidades federais. As universidades federais são em número 37.  Além disso, existem 14 faculdades isoladas: Escola Superior de Agricultura de Lavras, Escola Paulista de Medicina e várias outras. E a idéia é captar um grande empréstimo que, então, permitisse um re-equipamento apreciável dessas universidades. Isso está sendo [assistido] pela área federal e tem prioridade a parte do governo federal, mas os governos estaduais desejam aproveitar a oportunidade para reforçar também as suas universidades. Isso ocorre não só com o governo de São Paulo, como com o governo do Paraná e Santa Catarina, por exemplo. E, no caso aqui, então, o governador Fleury me convidou para almoçar porque ele queria me apresentar o projeto que foi apresentado pelas três universidades que deverá ser anexado ao projeto que está sendo preparado pelo governo federal para as suas universidades. E vai haver uma discussão, então, com o BID e a idéia é que se capte um empréstimo grande.  Esse empréstimo ganhou até um nome, é o Jumbo, o empréstimo...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Sônia.

Sônia Racy: De quanto ministro?

José Goldemberg: O empréstimo que as universidades de São Paulo pleitearam é de 207 milhões de dólares, distribuídos em um período de quatro anos para as três universidades, mais o IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas]. E no plano todo, no que se refere ao plano federal, nós estávamos com a intenção de captar alguma coisa como quatrocentos ou quinhentos milhões de dólares, como um todo para o Brasil. De modo que isso vai depender, evidentemente, de uma discussão com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, mas essa idéia é, digamos, dar um salto qualitativo nas universidades brasileiras.

Jorge Escosteguy: Eu lhe perguntei há pouco sobre isso, porque há várias perguntas de telespectadores aqui sobre a questão universitária; a Marta Braga, de Belo Horizonte, telefonou e pergunta se o senhor acha que é possível um professor de universidade ganhar dois salários mínimos, e se houver uma nova greve o senhor está preparado? O Adílson Barbonária, de Osasco, pergunta se ainda [é possível] acreditar na possibilidade da faculdade de graça?

José Goldemberg: Olha, em relação à primeira pergunta, eu até quero agradecer essa moça, viu?

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Marta Braga, de belo Horizonte.

José Goldemberg: Quem ganha dois salários mínimos é o professor de nível mais baixo das universidades e que trabalha apenas 12 horas por semana. Eu quero, realmente, reclamar em altos brados quanto a esse tipo de insinuação. Os salários dos professores universitários aqui no Brasil são os salários mais elevados do país, excluídos os ministros de Estado.

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] O senhor ainda recebe pela Universidade de São Paulo?

José Goldemberg: Eu sou aposentado pela Universidade de São Paulo. Eu trabalhei 41 anos na Universidade de São Paulo...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Quanto o senhor ganha por mês?

José Goldemberg: O senhor vai me desculpar, eu não acho que esse seja um assunto para ser discutido em público.

José Paulo Kupfer: Tudo bem, então, eu vou lhe colocar uma questão...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Desculpe, desculpe, só um minutinho José Paulo, eu queria que o ministro terminasse a questão dos salários e da universidade gratuita, as duas perguntas.

José Goldemberg: Eu posso lhe garantir que eu recebo três vezes menos do que eu receberia se eu fosse professor de uma universidade militar.

Sérgio Buarque de Gusmão: [interrompendo] Ministro, mas porque o senhor discute o salário dos professores em público e não discute o seu salário, já que é ministro da Educação?

José Goldemberg: Mas eu discutirei...

Sérgio Buarque de Gusmão: [interrompendo] O senhor não quer revelar o seu salário...

José Goldemberg: Claro, então, eu revelarei...

Sérgio Buarque de Gusmão: [interrompendo] É pago com dinheiro público, por que o senhor não pode revelar?

José Goldemberg: Lógico, eu direi, veja, os professores universitários, de modo geral, fazem campanhas por salários citando o salário mais baixo. Porque um indivíduo de 22 anos que se forma e é contratado como auxiliar de ensino e trabalha 12 horas por semana, esse é um dos regimes de trabalho da universidade mais baixo. Entre esse regime e o regime mais alto existe o fator dez. Então, o professor de nível inicial ganha duzentos e cinqüenta mil cruzeiros aproximadamente e o de nível mais elevado ganha dois milhões e meio, que é um dos maiores salários. Como eu sou um professor que trabalhou durante 41 anos na universidade, não é mesmo, eu sou titular, fiz mestrado, fiz doutorado...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Esse é um bom salário para tudo isso?

José Goldemberg: O meu salário?

José Paulo Kupfer: Dois milhões e quinhentos...

José Goldemberg: É o salário mais elevado que tem aqui no Brasil...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Mil dólares?

José Goldemberg: É, mil dólares, mil e quinhentos dólares são os salários mais elevados que tem aqui no Brasil para profissionais que trabalham para o governo, é isso. Agora, como eu tenho 41 anos de trabalho e acabo de me aposentar da universidade, e a gente ganha qüinqüênios, que é um benefício que é previsto na Constituição, o meu salário é aproximadamente o dobro desse salário, é aproximadamente três mil dólares, que é um terço do que eu ganharia se eu fosse professor nos Estados Unidos. Agora, realmente, colocar reivindicações salariais dessa maneira é incorreto. Os salários dos professores universitários brasileiros, no momento, são os mais altos há sete anos, há sete anos que eles nunca...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Das federais pode ser.

José Goldemberg: Das federais.

José Paulo Kupfer: Mas da USP, certamente não.

Carlos Alberto Sardemberg: Mais altos em que sentido?

José Goldemberg: São os mais altos nos últimos sete anos. Eles são os salários mais altos nos últimos sete anos. Quer dizer, há sete anos, só há sete anos atrás os salários eram mais altos, o salário foi sendo recuperado nos últimos anos e houve uma recuperação importante no ano passado. Portanto, esses são salários significativos no Brasil. É claro que não podem ser comparados com salários de gerente de banco, mas tem cinqüenta mil professores nas universidades brasileiras, de modo que eu tenho impressão que o problema da reivindicação salarial dos professores universitários no Brasil, ele foi relativamente bem equacionado no ano passado, não é mesmo? Porque o que o governo federal fez, eu já era ministro da Educação, foi dar um salário que premiasse a titulação, não é salário igual para todo mundo. Eu sou contrário à salário igual para todo mundo. Eu sou favorável a um salário que seja proporcional à dedicação do indivíduo dentro da universidade e a sua titulação. E é por isso que há uma diferença do fator dez entre o salário mais alto e o salário mais baixo, de modo que é isso mesmo, essa moça, como é, a Marta?

Jorge Escosteguy: A Marta Braga, de Belo Horizonte.

José Goldemberg: Isso, ela está se referindo ao indivíduo que acaba de ingressar na universidade e trabalha 12 horas por semana, acho que está muito bom. Agora, ele pode fazer mestrado, pode fazer doutorado, pode trabalhar em outros regimes, ele pode trabalhar no regime de quarenta horas semanais, ele pode trabalhar no regime de dedicação exclusiva, e o salário dele vai subindo e chega a mil e quinhentos dólares. Depois de trinta, quarenta anos de atividade, aí o indivíduo ganha uns qüinqüênios, que significam o aumento de 5% a cada... É 1% ao ano, então, se o indivíduo trabalha trinta, quarenta anos, ele acaba recebendo uma gratificação.

Jorge Escosteguy: Ministro, e a questão do Adílson que é a da universidade gratuita, se ainda podemos acreditar nessa possibilidade.

José Goldemberg: Bom, a universidade gratuita está inscrita... Toda universidade pública no Brasil é gratuita, isso é inscrito na Constituição. Houve algumas propostas de alguns membros da área econômica [para] mudar esse artigo na Constituição, e eu me opus. Eu acho que há problemas mais importantes para discutir aqui no Brasil do que discutir uma questão desse tipo, então, a universidade pública no Brasil é gratuita e ponto final, esse é um assunto sobre o qual não há discussão...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O governo não pretende rediscutir?

José Goldemberg: Não, o governo não pretende rediscutir e para rediscutir precisa mudar a Constituição.

Ottoni Fernandes: Ministro, a propósito dessa questão da educação, os países desenvolvidos, por exemplo, o Japão e a Alemanha, eles estão investindo 3% do PIB anualmente em pesquisa não militar, são os países que estão na liderança hoje num processo de desenvolvimento tecnológico, embora os Estados Unidos ainda liderem algumas tecnologias básicas. Vamos pensar num mundo cada vez mais competitivo, e uma proposta que está nesse plano de ação do governo é de, cada vez, abrir o país mais para o exterior, para a competição externa. Derrubar barreiras tarifárias é uma proposta muito forte desse governo, agora, eu pergunto: nessa economia tão competitiva, que investe tanto em pesquisa, onde os professores não ganham mil e quinhentos dólares por mês, onde as universidades são muito bem instaladas, onde existe o Japão... Eles têm quase o dobro do número da carga horária do Brasil, não é? Qual caminho que sobra para o Brasil nesse processo, onde ele teria de investir em desenvolvimento, em pesquisa, qual nicho que sobra para gente, e para onde a gente deve canalizar, vamos dizer, a reforma da educação?

José Goldemberg: Olha, eu posso responder de uma maneira clara em relação ao ensino primário. Em relação ao ensino primário, eu tenho uma resposta quantitativa pronta. O governo gasta, no Brasil, com ensino primário trezentos dólares por criança; governo municipal, estadual, federal. Ensino primário, ensino fundamental, sete a 15 anos, por ano trezentos dólares, 25 dólares por mês. Ou seja, cinqüenta mil cruzeiros por mês e o ensino não é bom, é esse ensino que a gente vê por aí, crianças empilhadas nas escolas etc e tal. Em muitas escolas particulares que dão ensino melhor, a mensalidade é por volta de duzentos mil cruzeiros, por aí. Ou seja, de três a quatro vezes mais, que é o que custa. Essa história de dizer que escola particular são os tubarões, que estão roubando as criancinhas etc e tal, não é verdade. Ensino custa caro em qualquer parte do mundo, sobretudo, porque precisa pagar melhor os professores. Se não pagar melhor os professores, não dá dignidade para função e o professor ou a professora acaba preferindo ser secretária, datilógrafa ou ascenssorista, do que ser professor primário. Então, o mínimo que seria preciso para reabilitar a escola pública no Brasil seria dobrar os gastos com a educação. Essa resposta, eu tenho estudado isso, o Brasil não pode, não tem condições de fazê-lo, é por isso que não dá para fazer Ciac para todo mundo de uma hora para outra, porque uma criança no Ciac custa o dobro do que uma criança em uma escola comum hoje, por boas razões: ela vai ficar lá oito horas, ela vai comer lá, ela vai praticar esportes, vai fazer uma porção de coisas. Então, não dá para ter mais Ciacs, não dá por quê? Por que se gasta no Brasil 20% de tudo quanto é imposto estadual, municipal e federal em educação. Portanto, se dobrasse, gastaria 40% e aí tinha que abandonar segurança, estradas e outras coisas, e não dá. O Japão fez isso em 1870 – se bem que os dados não são muito confiáveis – durante um curto período, o Japão fez isso, ele colocou 35%, 40% em educação. Alguns estados [fazem isso] no Brasil. O estado de São Paulo coloca, acho, trinta e poucos por cento em educação...

Ottoni Fernandes: [interrompendo] E aí, fazer o quê, então? Não dá para fazer isso. Não dá para dobrar?

José Goldemberg: Dobrar não dá, não dá porque aí não teria dinheiro para hospitais, para outras coisas, não é?

Sérgio Rondino: E as soluções alternativas? No primeiro bloco deste programa, o senhor falou aqui no ministro Jatene, o senhor falou que havia até mais hospitais do que escolas. Eu vi uma entrevista dele em que dizia, por exemplo, que a comunidade deveria participar mais para fazer mais hospitais e deu o exemplo do sindicato da indústria de celulose que construiu um hospital para as comunidades de trabalhadores e tal. Eu vejo aqui, no recorte de jornal, que empresários já chegaram a propor ao senhor a idéia de utilizar sindicatos desse tipo ou as próprias empresas construírem escolas, utilizando, para isso, os recursos do salário educação, 2,5%, e eles bancariam o resto para fazer uma escola gratuita para os seus funcionários, que  também serviria para a comunidade. Esse tipo de proposta, o senhor é contra ou a favor?

José Goldemberg: Não, não sou contra, não. E existe... Parte do salário educação não é recolhida pelo governo, pois atua dessa maneira. E, com o Ciacs, isso vai ocorrer em grande quantidade, porque nós vamos entregar o Ciacs para associações comunitárias que decidam efetivamente enfrentar o problema. Agora, a manutenção não é barata. A proposta dos empresários, tem uma verba embutida, não é mesmo? Eles deixariam de recolher o salário educação e o salário educação tem um efeito redistributivo muito importante.

Ottoni Fernandes: Mas o Banco Mundial diz que 50% das verbas destinadas ao Brasil para a área social, elas se perdem dentro da máquina administrativa...

José Goldemberg: [interrompendo] Conversa, isso é conversa, isso daí deve ser...

Ottoni Fernandes: [interrompendo] O dinheiro é bem aplicado?

José Goldemberg: Não, não é bem aplicado, não. Eu diria que pode existir um desvio de 10% a 15% e não é roubo não, é dinheiro usado em administração. Então, você vai em um estado do Nordeste, por exemplo, o que acontece? Acontece que 30% dos professores não estão na sala de aula, eles estão emprestados para a Secretária de Ação Social ou sei lá o quê. Então, o dinheiro acaba sendo gasto, mas os professores não estão em sala de aula. É nesse sentido que aparecem estatísticas do Banco Mundial. Vocês, como jornalistas, lêem jornal demais, vou te mandar os relatórios.

Ottoni Fernandes: Agora, voltando à minha pergunta anterior: e o nosso caminho nesse processo de modernização e competitividade? Quer dizer, tem de investir no setor de educação básica e não tem dinheiro. O senhor está traçando um destino para o Brasil, daqui a cinqüenta anos, tétrico, porque o senhor deu exemplo do Japão...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Parece que eu estou certo em mandar meu garoto para fora.

[risos]

José Goldemberg: Não está não. Olha aqui, nós já gastamos 20% de tudo aqui. Alguns estados gastam mais, o estado de São Paulo gasta trinta e pouco por cento e é isso que precisa ser feito. Eu estou fazendo uma campanha tremenda... Campanha não é bem a palavra, é quase uma... chega próximo da coação com os governadores estaduais para que aumentem os salários dos professores, para tornar a profissão atraente. A profissão não é atraente, simplesmente. E como ela não é atraente, as pessoas vão fazer outra coisa. Na medida em que serão feitas as reformas da carreira dos professores – eu estou falando de ensino fundamental – aí sim começa a atrair professores. E, agora, com o retorno das crianças, parte das crianças do ensino privado para o ensino público, [haverá] uma possibilidade de recuperar a escola pública. Vai precisar de mais investimentos, isso não há dúvida nenhuma. Vai ser uma luta, porque dobrar não dá. Agora, a gente pode aumentar 15% ou 20% e é por aí. Envolver a sociedade aqui no Brasil é muito difícil, as pessoas não querem pagar pelas coisas, quando elas pagam, descontam do imposto de renda, que seria dinheiro que [iria] para o governo federal que aplicaria de uma outra maneira, então, tira do salário educação. Agora, em relação à pesquisa científica e tecnológica, deixa eu lhe falar, o Japão coloca 3% do seu PIB em pesquisa científica e tecnológica, mas 80%, dos 3%, vêm da própria indústria e aqui no Brasil não vem nada, é tudo o governo. Quer dizer, o Brasil ficou um grande cartório, essa que é a verdade. Com essas inúmeras proteções de mercado que apareceram por aí, isso aqui virou um cartório, então, quem paga por pesquisa científica e tecnológica no Brasil, única e exclusivamente, é o governo federal, que coloca 0,7% do PIB, é pouco, mas é o que o Japão coloca, é o que o governo...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Mas as empresas estão erradas ou o governo está errado?

José Goldemberg: As empresas estão erradas, as empresas estão absolutamente...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Mas o governo convida? Tem programas para as empresas?

José Goldemberg: [interrompendo] Claro, o governo, inclusive, dá deduções no imposto de renda, é que elas são imediatistas. Como não havia competitividade aqui, eles vendem, eles podem vender produtos de baixa qualidade...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Ministro, é uma coisa já um pouquinho antiga, mas o segundo PBCT, que era um livro desse tamanho, Plano de Ciência e Tecnologia, tinha um glossário no final reunindo - e eu lembro bem - 427 siglas de órgãos envolvidos com esse assunto aqui no Brasil. Como se vai conseguir recursos e retirar esses recursos, utilizar esses recursos com esse macarrão tecnológico que é a [parte burocrática] no Brasil?

José Goldemberg: [interrompendo] Não, não, mas o senhor deve ter se impressionado com essa lista. Os institutos tecnológicos de vulto aqui no Brasil, são dez ou vinte, é o IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas]...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Não, não os fornecedores de recursos, ministro, não os que fazem pesquisas.

José Goldemberg: Olha, eu quero ver esse livro outra vez, porque eu fui secretário de Ciência e Tecnologia e só tinha duas fontes: Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] e CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Pois eu vou lhe trazer o livro, são 427.

José Goldemberg: [interrompendo] Mas isso deve ser insignificante.

José Paulo Kupfer: Tinha no Itamaraty, tinha em todos os ministérios...

José Goldemberg: [interrompendo] Isso são tostões, contribuição importante mesmo é CNPq e Finep.

Sérgio Buarque de Gusmão: Ministro, e a questão da iniciativa privada, as universidades não seriam muito fechadas às parcerias com as empresas?

José Goldemberg: São, são elitistas claro...

Sérgio Buarque de Gusmão: [interrompendo] O senhor, quando foi reitor da USP, o senhor não teve muita dificuldade de abrir a universidade para parcerias?

José Goldemberg: Tive claro, são elitistas. A Universidade de São Paulo proibia que os seus professores prestassem consultoria externa porque eles achavam que era antiético, por quê? Porque a idéia que vigorava na Universidade de São Paulo, que eu mudei, era a idéia do exército chinês, todo mundo igual, sem sigla, sem estrelinhas... Era proibido... para você ver o extremo do elitismo, entende, aí foi quebrado isso. Mas era uma visão...

Sérgio Buarque de Gusmão: [interrompendo] Mas o senhor pode levar essa experiência para as universidades federais, abri-las para parcerias com as empresas?

José Goldemberg: Olha, dificilmente. Somente para algumas mais desenvolvidas. Mas as outras são elitistas, elas ficam lutando por salários da base, e quando não conseguem salário na base, ainda fazem greve, de modo que...

Carlos Alberto Sardemberg: [interrompendo] Ministro...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Só um minutinho Carlos Alberto, por favor, antes de passar à Sônia, o Tonico e depois você, lembrar aos telespectadores José Carlos, de Santo André, Daniel Taubkin, presidente da Fundação Pantanal Alerta Brasil ,aqui em Perdizes, e Maria Lúcia, de São Miguel Paulista, que o ministro já respondeu as questões sobre o ensino. A Sônia tem uma pergunta, o Tonico e o Sardemberg, por favor.

Sônia Racy: Ministro, voltando um pouco ao ensino básico, o senhor disse que custam trezentos dólares por ano cada criança no ensino básico no Brasil, não é? Quanto custa um aluno em universidade? Os dados que eu tenho aqui dizem que custam oito mil dólares por ano?

José Goldemberg: É verdade.

Sônia Racy: Agora, isso não poderia haver um remanejamento dessa verba, que o ensino básico, pelo raciocínio simples é mais básico, não é?

José Goldemberg: Bom, Sônia, depende do que se quer, é claro, colocando desse jeito, parece que os alunos das universidades são uns vampiros, não é? Estão sugando o sangue do país, porque o dinheiro vem do governo. E, de fato, se a gente olha no orçamento do Ministério da Educação, 60% [da verba] do Ministério da Educação vai para a universidade, pouco vai para o ensino fundamental, mas compensamos os municípios...

Sônia Racy: [interrompendo] 60%, ministro?

José Goldemberg: 60% vai para as universidades. Então, parece uma distorção tremenda. A resposta a isso é o seguinte: universidades custam caro pela sua própria natureza. Quer dizer, oito mil dólares é o que custa também um estudante nos Estados Unidos.

Sônia Racy: O senhor tinha idéia de ter ensino pago em universidades, não é?

José Goldemberg: Tinha, pois é. Essa idéia foi proposta e não prosperou na reforma constitucional, e era uma resposta a isso. Porque o que ocorre é que no Brasil [houve] uma distorção que é o seguinte: na universidade pública, de modo geral, como há muita competição para entrar na universidade pública, só conseguem entrar aqueles que estão na escola particular no secundário, no curso secundário. Então, os mais necessitados não conseguem entrar na universidade pública e tem que ir para uma universidade paga, há uma distorção aí...

Sônia Racy: Como nós poderíamos corrigir essa distorção?

José Goldemberg: É muito difícil. Uma das maneiras seria cobrar mensalidade. Não é uma idéia muito boa porque a mensalidade teria que ser tão alta que poucos poderiam pagam. E depois, há uma fração [dos alunos que entram na universidade] que é pobre. Na USP nós fizemos uma análise dessa coisa: aproximadamente 60% dos alunos são de nível social que lhes permitiriam pagar bastante, mas tem 30% ou 40% que não conseguiriam. Então, você precisa de um sistema monstruoso de bolsas de estudo, etc e tal, como é pouco o crédito educativo... Existe o crédito educativo, é um programa que o ministério tem e é um inferno, ninguém paga de volta o crédito, e é no mundo todo, pensei que fosse só no Brasil, mas é no mundo todo. Quer dizer, no fundo é um subsídio, então, é muito complicado. Eu acho que o jeito é olhar diferente, Sônia, trezentos dólares é muito pouco, um aluno no high school, onde você quer mandar o seu filho, custa três mil dólares para o governo, não é para a pessoa, lá é de graça também, mas custa para o governo...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Dez vezes mais que aqui?

José Goldemberg: Dez vezes mais que aqui!

Jorge Escosteguy: Ministro, o senhor falou de crédito educativo, o telespectador Nilton Fernandes, de Osasco, telefonou perguntando porque o crédito educativo não está sendo liberado? Antes, o adiantamento de verbas ocorria no primeiro semestre, e agora, só no segundo semestre. A verba do crédito educativo está sendo destinada para a construção do Ciacs?

José Goldemberg: Ai meu Deus, sei lá...

[Risos]

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Felizmente nós vivemos numa democracia.

José Goldemberg: É claro, pois é, precisa ter uma paciência, mas eu vou responder, mas que precisa ter uma...

Sérgio Rondino: [interrompendo] O senhor não acha melhor mudar o nome Ciacs não, ministro?

José Goldemberg: É, pois é, talvez.

Jorge Escosteguy: Tem mais um telefonema, Rosaria dos Reis, chegou agora, Lapa. Ligou da Lapa perguntando qual o futuro do crédito educativo? Os alunos têm dificuldades de receber o pagamento e há atrasos de alguns meses.

José Goldemberg: É isso mesmo, olha aqui. O crédito educativo é um programa que é feito com recursos do Tesouro Nacional, é recurso do governo, recurso dos impostos. Ele compete com a verba que a gente gasta em escola primária, em ensino superior, em Ciacs. Porque no bolo do dinheiro do Tesouro Nacional tem um pacote lá que se chama crédito educativo e ele vai para alunos que vão para escolas particulares. Como as universidades públicas são de graça, além das universidades públicas, o governo sustenta 87 mil estudantes através do crédito educativo, que vão para escolas particulares, e essa que dá esses problemas aí...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O pessoal quer saber por que não está chegando o dinheiro do governo.

José Goldemberg: Eu sei. No ano passado atrasou, mas nós conseguimos regularizar, vai chegar. No primeiro trimestre o Tesouro não liberou recursos não só para créditos educativos, como não liberou recurso nenhum, vai começar a chegar, agora, no segundo trimestre.

Jorge Escosteguy: Tonico, por favor.

Antônio Carlos Ferreira: Ministro, o senhor já está aqui dando uma demonstração de ser um administrador com competência. Já, há um certo tempo, o senhor lida mais na parte de administração, na parte do ensino. Então, eu vou fazer uma pergunta para saber até que ponto o senhor já deixou de ser um cientista, um físico, e até que ponto o senhor já é mais um político, um administrador. Então, eu queria saber qual foi o último livro de física que o senhor leu e quando foi? Não se lembra?

José Goldemberg: Eu respondo para ele ou não?

[risos]

Jorge Escosteguy: Por favor.

José Goldemberg: Meu filho, não sei se você lê jornais com assiduidade, eu assino as principais revistas científicas...

Antônio Carlos Ferreira: Isso aqui é uma pergunta para saber se o senhor ainda se interessa por física, se o senhor ainda chega à sua casa e vai ler um livro de física e não ler o Diário Oficial, é isso que eu quero saber.

José Goldemberg: Eu vou responder agressivamente. Eu não só me interesso, como eu assino as revistas que trazem os assuntos mais modernos na minha área de especialidade. E agora que se expandiu o assunto sobre energia, no ano passado, eu ganhei o título honoris causa de uma universidade estrangeira pelo reconhecimento das minhas contribuições. Eu publico, aproximadamente, dez a vinte artigos científicos por ano.

Antônio Carlos Ferreira: E dá para conciliar?

José Goldemberg: Bom, você faça o seu julgamento. Você acha que uma universidade estrangeira iria dar o título honoris causa para mim pelos meus belos olhos ou pelas minhas qualidades administrativas? É um título científico, é uma universidade que dá pouquíssimos títulos honoris causa, e é a mesma universidade que deu o título honoris causa para o Einstein [(1879-1955) físico considerado um dos cientistas mais importantes da humanidade, formulou a teoria da relatividade e recebeu o prêmio Nobel de física de 1921] há muitos anos, não que a comparação valha, mas é para mostrar o nível da universidade. E no ano passado, ainda por cima, também no ano passado, eu ganhei um prêmio importante na área de energia e meio ambiente em que competiram aproximadamente cem pessoas do mundo todo, e eu fui o único premiado do Terceiro Mundo...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] E o livro de física? O Tonico quer saber, qual foi o livro de física que o senhor leu, o último livro de física.

José Goldemberg: Eu escrevo livros, você não lê meus livros?

[risos]

José Goldemberg: Eu leio os meus, aí é que está, não é?

[...]: Só os seus?

José Goldemberg: Sou a vanguarda do conhecimento, não é? Eu vivo escrevendo livros...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O senhor acha que a física parou no senhor? O senhor não precisa mais ler livro nenhum?

José Goldemberg: É claro que eu leio livro, eu leio desses livros, o [Murray] Gell-Mann [físico estadunidense, propôs, em 1964 (independentemente com o físico russo George Zweig),  a teoria dos quarks, constituintes dos prótons, nêutrons e outras partículas, autor de O quark e o jaguar: aventuras no simples e no complexo], que é um grande físico teórico, que escreveu um livro sobre os quarks, que são os componentes últimos da matéria, eu não só li, como sou capaz de entender o livro, porque só ler também...

Jorge Escosteguy: Sérgio Rondino.

Sérgio Rondino: Vamos falar um pouco de energia, então, que é um assunto que o senhor gosta, não é?

José Goldemberg: [interrompendo] Ele acha que não, que eu virei um burocrata que só leio Diário Oficial...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Não, eu achei interessante o senhor ter reagido assim, como o senhor disse, agressivamente. Significa que o senhor ainda mantém alguma coisa da universidade dentro do ministério, isso é positivo. Era só isso que eu queria medir e medi.

Sérgio Rondino: Eu queria saber se, na área de energia, as idéias do governo estão batendo. O recém nomeado ministro Eliezer Batista, a pronúncia está certa?

José Goldemberg: [interrompendo] Eu não sei, Eliezer?

Sérgio Rondino: Pois é, cada um fala uma coisa. Bem, então, que seja Eliezer. Ele, em uma entrevista recente, disse que é preciso economizar energia, que a melhor equação de energia no Brasil agora está em aumentar o uso do gás da Bolívia e da Argentina. Ele admite até que isso exija mexer na matriz energética brasileira, o senhor concorda com isso?

José Goldemberg: Eu concordo. Eu li essas declarações do Eliezer, e eu achei [as declarações] extraordinariamente sensatas. E deixa adicionar uma pitada de sal. Eu tenho brigado dentro do governo para que essas idéias [sejam] introduzidas antes do Eliezer chegar lá, eu acho que ele vai encontrar dificuldade em certas áreas, mas...

Jorge Escosteguy: Quais áreas, ministro? Petrobrás, o senhor quer dizer?

José Paulo Kupfer: [interrompendo] É verdade mesmo, esse gás boliviano faz tempo que veio e não chega.

[sobreposição de vozes]

José Paulo Kupfer: [Quais são] os interesses que impedem que o gás chegue?

José Goldemberg: Eu [lhe] explico. Se o gás boliviano fosse introduzido pelo Brasil, o que seria ótimo para o meio ambiente porque ele é muito pouco poluente, ele substituiria o óleo combustível e a Petrobrás ficaria com excedente de óleo combustível, que é altamente poluente, e ela não quer ficar com excedente de óleo combustível.

José Paulo Kupfer: [interrompendo] O senhor é contra o monopólio?

José Goldemberg: Olha, eu sou, em geral, contra monopólios, são assuntos...

Jorge Escosteguy: E esse específico com a Petrobrás.

José Goldemberg: Eu acho que já passou a época do monopólio, acho que a tentativa que o governo está fazendo de abrir é válida.

Jorge Escosteguy: Sérgio, por favor.

Sérgio Buarque de Gusmão: Eu só quero voltar ao tema da reforma ministerial. Colocar o seguinte: o senhor tem vários colegas ou ex-colegas numa situação complicada. Eles estão pedindo demissão, não sabem se permanecem nos cargos, alguns até lêem nos jornais que pessoas estão sendo escolhidas para substituí-los, foi o caso, por exemplo, do próprio ministro das Relações Exteriores. Se o senhor não tivesse sido confirmado no cargo, o senhor teria aceitado essa situação constrangedora?

José Goldemberg: Eu acho que é uma situação constrangedora de fato, não é mesmo? E eu tenho minhas dúvidas, viu? Eu acho que... Não sei se foi um dos colegas aqui que levantou a questão de que teria sido muito melhor fazer o plano antes e trocar depois...

Antônio Carlos Ferreira: O parlamentarismo não é isso?

Sérgio Rondino: Mas o governo não é parlamentarista...

[sobreposição de vozes]

José Goldemberg: [interrompendo] Ah, eu te digo. Não, não é não. Porque quando o gabinete cai, o secretário geral, que é de carreira, ele assume. Na Itália, isso vive acontecendo o tempo todo e a administração continua a andar, aqui não, esse é o problema, não é? O [humorista e apresentador de TV] Jô Soares [ver entrevista no Roda Viva] estava fazendo uma brincadeira agora no programa que eu fui, de fato, foi a única brincadeira ótima, ele disse: “agora, ficou esse problema dos ministros saíram ou não, pelo visto, não precisa de ministros, não é? Vai ver é melhor deixar assim.” É uma observação curiosa...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Respondendo ao Sérgio, o senhor disse que tem dúvidas se se submeteria a essa situação constrangedora ou o quê?

José Goldemberg: Pois é, quão explícito você quer que eu seja?

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Esses ministros têm dúvidas.

José Goldemberg: Eu tenho dúvidas se eu aceitaria, bom...
[risos]

Carlos Alberto Sardemberg: Uma pergunta para um cientista, um homem ligado à ciência. O senhor é um cientista de um país de Terceiro Mundo, mas que tem uma posição de Primeiro Mundo, a questão é a seguinte: o senhor falou há pouco que as empresas não investem aqui no Brasil. E não investem, basicamente, porque grande parte das empresas que estão aqui são de capital estrangeiro. Elas investem lá fora e querem simplesmente fazer aqui o que já ficou pronto lá fora: o remédio, a televisão, o computador e etc. E houve certas políticas para impedir isso, como forçar o desenvolvimento de setores nacionais, que acabaram não dando certo. A questão é a seguinte: o Brasil tem futuro de Primeiro Mundo? Quer dizer, existe possibilidade do Brasil vir a ser um grande país de Primeiro Mundo, como quer o presidente, ou nós estamos condenados a ser um país de Terceiro Mundo com pequenos bolsões de progresso?

José Goldemberg: Olha, eu acho que a resposta está no fim da sua frase. Nós podemos desenvolver grandes bolsões de Primeiro Mundo, que é o que fez a Coréia e esses outros países. Os Tigres Asiáticos, por exemplo, fizeram isso. Eles pegaram nichos e nesses nichos eles se tornaram muitos bons e acabaram dominando fatias do mercado internacional, um pouco como fez a Embraer na sua fase inicial com os [aviões] bandeirantes. Mas o futuro é esse, é conquistar certos nichos. A idéia de [colocar] fronteiras em torno do país bem altas ou infinitas com o desenvolvimento autárquico passou. A União Soviética tentou, uma porção de gente tentou, não dá. [Em um] mundo com uma competitividade galopante, uma integração na esfera internacional, no mercado internacional, é praticamente impossível. O problema é conquistar nichos, agora, tem nichos aqui que nós podemos...

Carlos Alberto Sardemberg: [interrompendo] No que o Brasil é bom e poderia desenvolver?

José Goldemberg: Ele é bom em várias coisas, por exemplo, a Embraer com os [aviões] bandeirantes. [Ela] começou a ter problemas quando quis começar a fazer avião de tudo quanto é espécie, aí ela perdeu aquele nicho privilegiado...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Mas caía tanto bandeirante por aí, ministro.

[risos]

José Goldemberg: Não, não, isso é anedótico. Caiam outros aviões também, não, esses bandeirantes são jovens, não é mesmo?

[risos]

Sérgio Buarque de Gusmão: Em que mais o Brasil é bom?

José Goldemberg: Em várias áreas o Brasil é bom. Por exemplo, em alumínio o Brasil é muito bom. Ele tem vantagens comparativas, ele tem energia hidroelétrica abundante.

José Paulo Kupfer: Tecnologia mais de ponta, ministro?

José Goldemberg: Ah, tecnologia mais de ponta, o pessoal aqui viveu ilusões, viu. Pensou que ia fazer...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Microeletrônica, está fora?

José Goldemberg: Não, computação claramente foi uma experiência que não deu muito certo. Quer dizer, uma proteção durante anos e anos, não é mesmo, que acabou fazendo com que o mercado tivesse produtos obsoletos e caros, não é?

Carlos Alberto Sardemberg: E a sua opinião, nesse caso, [qual] é? Então, esquece esse negócio de indústria do computador, vamos comprar lá fora e pronto?

José Goldemberg: Não, nós vamos nos associar e nós vamos descobrir vantagens comparativas e grandes. Por exemplo, a Índia tem uma situação muito parecida com a do Brasil, se tornou num país fortíssimo em software, não em hardware, em software, por quê? Porque a mão-de-obra indiana é muito boa...

Carlos Alberto Sardemberg: Sério?

José Goldemberg: É sério.

Jorge Escosteguy: Ottoni, por favor.

Ottoni Fernandes: Ministro, eu queria voltar à questão ambiental, que eu acho que é importante. O senhor estava se referindo ao pessoal dos Estados Unidos, por exemplo, que estava querendo defender as raposas ali e evitar as estradas, não é? Tem um forte lobby nos países desenvolvidos contra alguns projetos ambientais no Brasil, e muita gente identifica nesses lobbies não apenas interesses meritórios na área ambiental, mas fortes interesses econômicos. Eu lembro que algum tempo atrás, quatro anos atrás, eu li uma matéria na revista Fortune dizendo que atrás do lobby que tenta impedir a construção da BR 364, abrindo caminho para o Pacífico, tem o forte interesse dos sojicultores americanos. Aí, eu queria justamente perguntar a respeito dessa rodovia e juntar, de novo, a questão do secretário de Assuntos Estratégicos, Eliezer Batista. Esse secretário sempre defendeu uma política de ocupação [da região] dos cerrados, eu acho que é uma área muito importante e sempre defendeu a abertura de novos canais, corredores de exportação. Agora, ele volta a defender essa questão dos cerrados, e a rodovia BR 364 se torna extremamente importante para viabilizar esse projeto. No entanto, o secretário Eliezer cometeu um erro de avaliação sete, oito anos atrás, há mais tempo, quando foi desenhada a ferrovia Carajás, que leva o ferro de Carajás para o porto, no Maranhão. Eu mesmo entrevistei na época o secretário e ele defendia a necessidade de implantar indústrias ao longo dessa ferrovia, e as indústrias que acabaram sendo implantadas foram essas guseiras, produtoras de ferro gusa, que, ao invés de ter florestas próprias, elas começaram a tirar carvão vegetal da floresta. Elas foram os grandes responsáveis pela derrubada da floresta no eixo daquela rodovia. O senhor não teme que um processo de ocupação desordenada ao longo da BR 364 possa agravar os danos à floresta, e é possível evitar essa ocupação desordenada?

José Goldemberg: Olha, ainda há pouco, acho que o nosso amigo ali me perguntou se eu pretendia implantar políticas próprias e tal, não. Eu vou ficar dois meses nesse cargo e não pretendo fazer isso, agora, é claro que, na dinâmica do dia-a-dia, essas coisas aparecem. Outro dia, apareceu o problema da BR 364 e eu escolhi a Maria Tereza Jorge Pádua para responder por tal demanda, ela é uma ecologista com as credenciais adequadas para ser a presidente do Ibama, e ela é também a secretária adjunta da Secretaria de Meio Ambiente. Ela é favorável à abertura de uma estrada para o Pacífico, mas, o que se discute é o traçado, há questões sobre o traçado.

Ottoni Fernandes: Não seria pelo Acre, necessariamente?

José Goldemberg: Pois é, exatamente, não seria necessariamente pelo Acre. Eu não tenho competência nessa área, mas a idéia é abrir uma estrada por uma outra rota lá, que acabe juntando com uma estrada que tem no Peru.

Antônio Carlos Ferreira: O senhor é a favor ou não dessa...

José Goldemberg: [interrompendo] Eu sou a favor sim, eu sou a favor de...

Sérgio Buarque de Gusmão: Para que serviria essa estrada?

José Goldemberg: Serviria para escoar a produção de soja e outros produtos, já que são produtos daquela região, para o Pacífico. Economizando, portanto, transporte aqui para baixo. Indo para o porto do Pacífico, então ficaria mais...

Sérgio Buarque de Gusmão: [interrompendo] Mas não tem uma ferrovia como essa sendo projetada para esse sentido...

[...]: Ela vem para o Atlântico...

Sérgio Buarque de Gusmão: Ela vem para cá. Ela não pegaria a produção ali do Centro-Oeste para trazer para...

José Goldemberg: [interrompendo] Sim, pois é, mas ela não viria lá do Acre...

Ottoni Fernandes: [interrompendo] Eles querem o mercado japonês, o interesse é exportar soja para o Japão, e aí que tem o lobby norte americano que não quer perder o mercado de soja e de grãos do Japão, tem um forte interesse o Japão seria o grande importador de grãos do cerrado.

José Goldemberg: Mas, enfim, a minha resposta é o seguinte, eu não tenho nenhuma objeção de caráter ideológico quanto à construção da BR 364, agora, há uma consideração de caráter técnico, e as pessoas acham que tem traçados que teriam menos conseqüências ambientais.

Jorge Escosteguy: Ministro, desculpe interromper, mas nós estamos chegando ao fim do nosso programa, eu lhe faria uma última pergunta de um telespectador, buscando até uma certa simbologia do que seria o novo governo Collor e das mudanças do novo governo Collor, o Hélio Selles Ribeiro, de Guaratinguetá, ele telefonou dizendo o seguinte, eu que me formei na USP, onde o senhor foi um ilustre reitor, e acho que Cláudio Humberto [assessor de Fernando Collor] não tem a mínima condição para ser adido cultural do Brasil em Portugal, o senhor francamente conseguiria discordar de mim e por quê? Ou seja, esse seria de uma certa forma o novo clima do governo, ou seja, o Cláudio Humberto vai para Portugal aprender cultura e diplomacia, e "acabou, bateu e levou"?

José Goldemberg: Olha, não fui eu que nomeei o Cláudio Humberto...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Mas ele não disse que foi o senhor que nomeou, ele queria apenas uma opinião sua sobre isso. Ele estudou na USP quando o senhor era reitor e o conhece muito bem.

José Goldemberg: Como?

Sérgio Buarque de Gusmão: Foi o governo do qual o senhor pertence.

José Goldemberg: Olha, eu acho que são incidentes menores, não é, quer dizer, o presidente Sarney designava as pessoas aí para postos no exterior que também que eram premiações. Eu não fico entusiasmado com isso...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Quer dizer, o senhor acha que o governo Collor tem os mesmo direitos de cometer os mesmos equívocos do governo Sarney?

José Goldemberg: Não, eu não acho não, não, eu não acho não. Eu acho que esse método de premiação não é grande coisa. Eu acho que, para ocupar essas funções, é preciso ter... É bom que seja diplomata inclusive, não é? E freqüentemente são diplomatas...

Jorge Escosteguy: Com as exceções de praxe.

José Goldemberg: Com as exceções de praxe, o que eu acho que não são muito recomendáveis...

Jorge Escosteguy: Ministro, nós agradecemos a sua presença hoje aqui no Roda Viva, e eu vou ler aqui a declaração do Mariano Garcia Filho, de Campinas, para o senhor não achar que nós estamos sempre num tom crítico, ele telefonou e disse só o seguinte: "ministro, pelo amor de Deus, não abandone o governo". Agradecemos a sua presença aqui no Roda Viva, agradecemos os companheiros jornalistas e os telespectadores, lembrando que as perguntas que não puderam ser feitas ao vivo, serão entregues ao ministro após o programa. O Roda Viva fica por aqui e volta na próxima segunda-feira às nove horas da noite. Uma boa noite a todos e até lá.

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