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Lillian Witte Fibe: Boa noite. Preservar o ambiente é o mesmo que preservar a paz. Na hora do aperto, as conseqüências das mudanças climática - secas, falta de água, por exemplo - vão desestabilizar várias regiões no mundo. E isso vai gerar mais conflitos e mais violência. O alerta vem de um dos mais influentes personagens do debate internacional sobre o meio ambiente. Ele é prêmio Nobel da paz de 2007 e chama a atenção do mundo para a questão ambiental e para a estreita relação entre recursos naturais e paz. Nosso convidado de hoje no Roda Viva é o indiano Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC). Você vê a entrevista já, já.
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Lillian Witte Fibe: Rajendra Pachauri preside o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas. Em 2007, mesmo ano em que recebeu o Nobel da Paz, divulgou ao mundo o maior e o mais alarmante relatório já feito sobre as conseqüências do aquecimento global. Foi o primeiro documento de uma organização internacional a afirmar que o homem é o responsável pelo aquecimento global.
[Comentarista]: O relatório do painel de cientistas, que a ONU apresentou em Paris, no início de 2007, assustou e chegou a ser chamado de alarmista por alguns críticos. Mas, ele foi anunciado como um relatório mínimo, um consenso entre cientistas de todo o mundo. Eles já alertavam que conseqüências do aquecimento eram subestimadas. Os sinais surgiam de todo o lado e cada vez mais violentos. Tsunami varrendo ilhas na Ásia [onda de porto ou maré de terremoto e tremores provocados por fenômenos geológicos que ocorrem nos oceanos e resultam em grandes ondas nas regiões costeiras com grande poder destrutivo]. Furacões com força nunca vista destruindo grandes áreas nos Estados Unidos e, até no Brasil, onde o Catarina mostrou os estragos que um vento de 170 km/h pode fazer. O verão europeu já registrava calor fora do normal provocando mortes. E ,no inverno, chegou a faltar frio para a hibernação de ursos e para assegurar as geleiras que desmoronam quando vez mais. As imagens da agonia do planeta ganharam ainda mais destaque com o filme Uma verdade inconveniente (2006), do ex vice-presidente americano Al Gore [vice-presidente de Bill Clinton entre 1993 e 2001. Disputou e perdeu as eleições americanas em 2001 e, logo após, começou uma campanha mundial visando encontrar soluções para os problemas ambientais], parceiro de Rajendra Pachauri no Nobel da Paz de 2007. Rajendra é um veterano estudioso da questão ambiental. Nascido na Índia, foi ministro do Petróleo e Gás e é presidente do Instituto Asiático de Energia há 25 anos. Doutor em engenharia e economia pela Universidade da Carolina do Norte desde 2002 é presidente do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas. E, desde então, busca convencer o mundo que a questão ambiental precisa ser colocada no centro do debate político internacional e que é possível deter o aquecimento da Terra se governos e sociedade se interessarem.
Lillian Witte Fibe: Para entrevistar o presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, Rajendra Pachauri, nós convidamos: Cláudia Tavares, que é repórter do programa Repórter ECO, da TV Cultura; Claudio Angelo, editor de ciência do jornal Folha de S.Paulo; Herton Escobar, repórter de ciência e meio ambiente do jornal o Estado de S. Paulo; Alexandre Mansur, editor de ciência e tecnologia da revista Época. [Também] está aqui com a gente Carmem Amorim, repórter da TV Cultura que vai fazer as perguntas enviadas por telespectadores e por internautas, por vocês. A gente tem também a participação do cartunista Paulo Caruso, que registra em seus desenhos os melhores momentos e os flagrantes do programas. O Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV para todo o Brasil. E por se tratar de um programa gravado, as perguntas hoje dos telespectadores que a gente apresenta aqui, foram enviadas antes pela internet. Você também pode consultar o nosso site: www.tvcultura.com.br/rodaviva e se informar sobre os próximos programas e ainda enviar por e mail, perguntas, críticas e sugestões. Boa tarde, boa noite aliás, senhor Rajendra, muito obrigada pela sua presença.
Rajendra Pachauri: Boa noite
Lillian Witte Fibe: De acordo com o relatório do IPCC divulgado no ano passado, um futuro de catástrofe ambientais nos espera, se nada for feito para conter o aquecimento global. Eu pergunto: o que, de fato, é realidade e o que é ainda é especulação nesse cenário do IPCC? Há um pouco de alarmismo no relatório?
Rajendra Pachauri: Não, não há. Estamos bastante seguros quanto a nossas conclusões. E não há nenhuma especulação, pois o processo seguido pelo IPCC baseia-se em um estudo bastante cuidadoso da literatura. Trata-se de material que foi produzido e analisado pelos melhores cientistas do mundo. O resultado é algo bastante confiável, que podemos apresentar com muita convicção. E, portanto, sem dúvida, o que apresentamos é algo que o mundo precisa receber de forma bastante séria.
Claudio Angelo: Doutor Pachauri, apesar da gravidade da situação e apesar do alerta dado pelo quarto relatório de avaliação do IPCC nas negociações internacionais de clima, a ciência que o IPCC produziu foi relegada a uma nota de rodapé no chamado Mapa do caminho de Bali, que é o plano de ação [organizado] por um acordo que deve substituir, a partir do ano que vem se tudo correr bem, o Protocolo de Quioto. E negociadores de grandes países em desenvolvimento, como Brasil, Índia e China, dizem que o IPCC representa uma ciência anglo-saxã e, portanto, os cenários de estabilização não devem ser levados tão a sério na hora de negociar metas internacionais. O senhor certamente já deve ter ouvido essa crítica. Eu queria saber como o senhor responde a ela?
Rajendra Pachauri: Primeiro, deixe lhe dizer que todas as negociações de Bali foram conduzidas pela ciência do quarto relatório de avaliação do IPCC. Nós, na verdade, pedimos um adiamento da conferência de cerca de quatro semanas, com o que o secretário executivo e o secretário concordaram e, portanto, o quarto relatório de avaliação, o relatório síntese, surgiu poucos dias antes da conferência de Bali. Esse foi, sem dúvida, o documento mais importante. E as conclusões do documento foram os elementos mais importantes aos quais as pessoas se referiram durante as discussões. Então, o fato de haver uma nota de rodapé ao final da declaração – que a propósito, é parte do todo – não significa que o relatório do IPCC tenha sido ignorado. Na verdade, eles foram constantemente consultados durante toda a discussão. Eu chegaria até mesmo a afirmar que as resoluções das medidas a serem tomadas tiveram como base as conclusões do IPCC. Quanto à questão [sobre] a ciência ser anglo-saxônica, chinesa ou indiana, não creio que haja esse tipo de rótulo em ciência. A questão é que é ciência internacional. Uma ciência que tem sido aceita por todos os governos do mundo. Ciência que tem, sem dúvida, sido fundamentada por todos os cientistas em todo o mundo, inclusive desse país, o Brasil. Houve vários cientistas que trabalharam no relatório a partir daqui. Portanto, não se pode rotular a ciência como se ela fosse de uma determinada parte do mundo. Esse é certamente o exercício mais completo e abrangente no campo de qualquer conquista científica. Por isso eu discordaria, não creio que haja tal preocupação da ciência representar apenas uma parte da opinião científica do mundo. Ela é verdadeiramente convincente, é global, é algo que tem sua própria credibilidade.
Alexandre Mansur: Doutor Rajendra, apesar de toda a base científica do IPCC, a gente ouve cientistas com espaço na mídia ainda questionando [a existência] do aquecimento ou que esse aquecimento seja provocado pelo homem. Como o senhor encara, como o senhor vê esse tipo de opinião?
Rajendra Pachauri: Se olharmos para a história do conhecimento em qualquer área, desde o tempo de Newton [(1642-1727) físico que postulou na obra Philosophiae naturalis principia mathematica, os princípios da física mecânica] e da teoria da gravidade, havia pessoas que questionavam tal descoberta. E isso vai haver sempre. Vivemos em uma sociedade livre e as pessoas têm direito às suas próprias opiniões. E sempre haverá quem questione o que quer que seja. O que ocorre é que isso não é algo que se veja, concretamente. Mas baseia-se em conhecimento fornecido, basicamente, por milhares de publicações, cuidadosamente abalizadas pelo IPCC. Portanto, sempre haverá quem questione tais fatos. Até chegar a um ponto em que as provas serão irrefutáveis. E receio que, quando chegarmos a esse estágio, o tipo de desastre que iremos enfrentar será realmente algo que não conseguiremos controlar. E mesmo se considerarmos as decisões tomadas nos negócios, na indústria... Quando se toma uma decisão de investimento, você está, sem dúvida, assumindo um risco. A verdade é que não temos dados completos sobre o que quer que seja. Eu diria que algumas das conclusões do relatório do IPCC são totalmente incontroversas. E eu poderia dizer, por exemplo, que o aquecimento do sistema climático é incontroverso e inequívoco, o que significa que não há espaço para dúvidas. É também bastante claro que a maior parte do aquecimento que tem ocorrido nas últimas cinco ou seis décadas foi resultado de ações humanas. E hoje sabemos que há provas suficientes e observáveis de que a mudança climática consiste de mudanças de padrões de precipitação, enchentes e secas mais freqüentes e intensas, elevação do nível do mar que têm sido mensuradas. Sabemos que está ocorrendo... Em decorrência do gelo no mundo todo. Sabemos que está acontecendo. Por isso não vejo espaço para dúvidas. Mas sei que, mesmo daqui a cem anos, quando ninguém mais tiver dúvidas quanto às mudanças climáticas, haverá quem partilhe das mesmas opiniões de seus avós, talvez. Há, hoje, por exemplo, a chamada Sociedade da Terra Plana. Eles têm até um website. Há, portanto, quem continue dizendo e acreditando que a Terra seja plana. Então, acho que precisamos nos dar conta do fato de que hoje o mundo todo está aceitando as conclusões do IPCC, inclusive os governos do mundo. Se houver quem queira questionar isso, acho que isso continuará por muito tempo. Não creio que devamos nos preocupar com isso. Estamos abertos a críticas.
Cláudia Tavares: Professor, agora, essas informações todas vão fazer com que os governos tomem uma atitude, no sentido de conseguir um acordo internacional? Porque a gente ainda está falando de Protocolo de Quioto, de 1997, de reduzir níveis de emissões em cima de 1990 que são insuficientes para essas questões. Como a gente vai encaminhar isso tudo para que essas informações virem um acordo real que reduza as emissões?
Rajendra Pachauri: Bem, vejo sinais de um desejo claro de uma tomada de ação consistente. Se você verificar, por exemplo, o que os Estados Unidos disseram, eles falam na redução das emissões em 20%, garantindo que 20% de sua energia vêm de fontes renováveis. E no caso de um acordo consistente – que inclua todos os países desenvolvidos – então, a redução chega a 30%. Portanto, acredito que há hoje a percepção de que, depois desse primeiro período de comprometimento do Protocolo de Quioto, que termina em 2012, temos de fazer muito mais. E você acabou de ouvir seu colega falando sobre a nota de rodapé no IPCC, na declaração final – que, certamente, está ligada às altas emissões tóxicas, com base na avaliação do IPCC. Se o mundo quiser uma estabilização do aumento da temperatura em dois graus Celsius, certamente esse será o nível de prática exigido, digamos, até 2020. E essa é a força motriz para qualquer acordo. E então, sem dúvida, haverá muito mais coisas a serem feitas depois de 2020, além do que já vimos no Protocolo de Quioto. Concordo plenamente com você. O Protocolo de Quioto foi muito pequeno, um passo insuficiente. Mas temos de ir muito mais além.
Herton Escobar: Professor, se o mundo quisesse hoje acabar com o problema do aquecimento global, impedir de vez essas mudanças climáticas, o que seria necessário fazer? Que grau de ação seria necessário? E isso é viável de alguma maneira? Tanto política, científica e tecnologicamente?
Rajendra Pachauri: Nós deixamos claro que para a consecução de medidas de mitigação adequadas, não temos de fazer nada mais do que usar as tecnologias já disponíveis. E há tecnologias que ainda não foram usadas pela sociedade de hoje, mas que estão disponíveis. E algumas devem ser comercializadas em breve. Por isso podemos partir para a efetiva mitigação, adotando aquelas tecnologias e aqueles métodos disponíveis. E, certamente, não precisaríamos de políticas como preço sobre o carbono e, talvez, vários outros incentivos fiscais e restrições, através das quais novas tecnologias serão desenvolvidas no mundo todo. Portanto, realmente, precisamos de uma combinação de vontade pública por parte do consumidor comum, mas também de políticas através das quais surgirão as tecnologias corretas e as ações corretas. Enfatizamos também a importância da mudança de estilo de vida. E acho que os seres humanos têm levado isso bastante a sério. Creio que realmente precisamos mudar nosso estilo de vida, mas não necessariamente abrindo mão dos benefícios das telecomunicações, assistência médica e todas as outras coisas que vieram com a modernidade e o progresso da economia no mundo todo. Acho que isso pode ser feito. Deixamos isso bastante claro na quarta avaliação, e o custo disso é muito baixo. Por exemplo, para algumas opções de mitigação que analisamos, no custo global do PIB em 2030, esta será menor do que 3% do PIB. Mas há também outros benefícios. Têm-se menores níveis de poluição em âmbitos locais. E assim, há benefícios em termos de saúde. Há níveis mais altos de segurança de energia com essas ações. E também podemos criar empregos nas áreas rurais, se houver uma descentralização das formas de produção de energia em algumas áreas rurais do mundo. Portanto...
Lillian Witte Fibe: Vamos... Eu preciso dar voz para os telespectadores, Carmem, diga.
Carmem Amorim: Então, o Gilvan Gomes, de Belo Horizonte, Minas Gerais, diz o seguinte: de que adianta essa conscientização por parte de alguns, sendo que os grandes poluidores, como os Estados Unidos, não aceitam fazer nenhum tipo de acordo para diminuir os poluentes?
Rajendra Pachauri: Sou bastante otimista quanto aos Estados Unidos terem um papel importante no próximo acordo que fizermos. Eu diria também que, embora o governo federal nos Estados Unidos não tenha ratificado o Protocolo de Quioto, há ações em nível estadual, em cidades e até mesmo em setores industriais que estão tomando medidas nesse sentido. O que, certamente, é motivo para otimismo. Por isso não creio que possamos pensar nos EUA fora disso. Creio que muitas coisas estão ocorrendo no nível local, e acho que o aumento do preço do petróleo levará às ações nessa direção. Por isso não estou nada pessimista em relação aos EUA. Creio que no próximo acordo, eles terão certamente um papel importante.
Lillian Witte Fibe: Diga, Alexandre.
Alexandre Mansur: Professor, a indústria nuclear está se vendendo como uma das possíveis soluções para a crise energética global. Qual é o papel da energia nuclear nesse novo mundo para evitar mudanças climáticas?
Rajendra Pachauri: Acredito que a energia nuclear tem de ser considerada com muita seriedade. Pela primeira vez fizemos uma análise da energia nuclear no quarto relatório de avaliação, os relatórios anteriores não tratavam disso. Não se tratou da questão nuclear devido às incertezas e dúvidas, às controvérsias a ela associadas. Mas uma avaliação da questão nuclear será levada a cabo e não se pode ignorá-la. Ela fornece 16 a 17% da eletricidade gerada hoje e deve crescer no futuro. Mas isso é coisa que os países terão de decidir, individualmente. Alguns países têm acesso à tecnologia e todas as proteções através das quais podem adotar a energia nuclear como possível opção de mitigação. Mas outros países, talvez, não disponham dessa infra-estrutura. Então, eu diria que, de modo geral, sim, a energia nuclear deve crescer. Esse é meu ponto de vista. E creio que seja uma importante fonte de ações de mitigação, pois envolve muito pouca ou nenhuma emissão de poluentes.
Alexandre Mansur: Mas, como a gente combina uma indústria como essa em países politicamente instáveis?
Cláudia Tavares: Ou que não sabem o que fazer com os seus dejetos depois, um lixo altamente tóxico que é gerado e vai ser uma conta paga por gerações futuras aí...
Rajendra Pachauri: Bem, a energia nuclear traz alguns desses problemas, como o perigo da proliferação de armas nucleares, a questão do lixo a ser descartado. E creio que temos de encontrar métodos seguros através dos quais possamos fazer isso. Não estou falando que a energia nuclear não tenha problemas. Os problemas foram claramente identificados e analisados por nós. Mas, se olharmos para todas as demais opções, a nuclear é uma opção que precisa ser considerada com muita seriedade. Eu diria que há países que estão tomando decisões com base no que sua população quer, com base em sua capacidade de lidar com alguns desses problemas. E realmente não há soluções perfeitas, eu concordo com você. Entretanto, creio que a energia tem certos méritos que não podem ser ignorados.
Lillian Witte Fibe: Nós vamos fazer um intervalo e voltamos num instante com o Roda Viva que hoje é acompanhado, na platéia, por: Isabelle Roscheau, assessora do doutor Rajendra; Regina Gindel, empresária; Hélio Campos Melo, editor da revista Brasileiros; e, Leila Gasparin, diretora da Trama Comunicação. Até já.
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Lillian Witte Fibe: Estamos de volta com o Roda Viva que hoje entrevista o presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, Rajendra Pachauri. Ele ganhou o Nobel da Paz em 2007 junto com o ex-vice presidente americano Al Gore. A premiação deu destaque ao trabalho preservacionista de Rajendra e ao conceito que ele divulga de que a paz no mundo também está ameaçada pela degradação do meio ambiente. Professor, o senhor falou, agora há pouco, de energia nuclear. Nós entrevistamos aqui, no começo de junho o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que disse ser totalmente contra a energia nuclear. Lembrando disso, eu queria também perguntar para o senhor: o Brasil está aí na onda das discussões e do furacão, o desmatamento aqui infelizmente está aumentando; como o instituto vê a posição do país que abriga a floresta que é o "pulmão do planeta"?
Rajendra Pachauri: Bem, uma importante ação de mitigação é evitar o desmatamento. E percebemos que esse é um problema em diferentes partes do mundo. Principalmente as florestas tropicais estão sendo destruídas. Portanto, sem dúvida, isso está caminhando para o problema da emissão de gases de outras fontes. Creio que devemos achar meios de deter o desmatamento. Na verdade, em algumas partes do mundo, temos de fazer diferente. Temos de fazer um grande reflorestamento em lugares onde isso é necessário. Isso, certamente, é algo com que os países e as sociedades terão de lidar por si só. O regime global pode auxiliar e facilitar essas medidas. Por exemplo, no caso do Brasil, cabe ao governo e ao povo brasileiro fazer o que for possível para evitar o desflorestamento. O regime global pode certamente ajudar e facilitar isso. Vamos ver o que acontece.
Lillian Witte Fibe: E, nessa sua passagem pelo Brasil, o senhor esteve em Brasília esses dias. O senhor sentiu que o Brasil está motivado a fazer realmente alguma coisa, que está realmente "arregaçando as mangas" para interromper, pelo menos, esse desmatamento e as queimadas na Amazônia?
Rajendra Pachauri: Para ser franco, não tenho conhecimento suficiente sobre o que está acontecendo aqui. Mas, sim, é um grande desafio. E eu realmente sei que em várias partes do mundo, e não apenas no Brasil, há uma enorme pressão para derrubar as florestas, pois pode-se convertê-las em terra para a agricultura, em áreas para pastos, há benefícios econômicos. Assim, haverá sem dúvida interesse em derrubar as florestas. Mas isso é o que acontece em toda sociedade democrática. É preciso achar um equilíbrio. Ver o que é do interesse da sociedade e talvez tomar algumas decisões difíceis. Mas tenho certeza que o Brasil está fazendo isso e conseguirá fazer isso. Principalmente com uma conscientização crescente do problema no próprio Brasil e talvez no mundo todo.
Herton Escobar: Professor, nós já conversamos sobre a energia nuclear, gostaria que o senhor falasse um pouquinho sobre a questão dos biocombustíveis que foram, a princípio, apresentados como uma grande solução. Uma tecnologia para substituir os combustíveis fósseis e reduzir as emissões de carbono. E que agora estão sendo atacados até, de certa forma, como um dos culpados aí pela alta do preço dos alimentos e também como um incentivo do desmatamento. Como o senhor vê essa questão? Que papel os biocombustíveis vão ter no futuro, dentro das mudanças climáticas?
Claudio Angelo: Só completar a pergunta do Herton, o IPCC não chegou a recomendar biocombustíveis no sumário executivo do grupo três que trata de mitigação. Por quê?
Rajendra Pachauri: Bom, nós não recomendamos coisa alguma. Nós apenas trazemos os resultados e apresentamos um conjunto de iniciativas que podem ser tomadas. Não dizemos: “produzam biocombustíveis, produzam energia de fontes nucleares”. Mas fizemos uma análise detalhada de biocombustíveis. Fizemos uma análise muito mais detalhada porque o IPCC está produzindo hoje um relatório especial sobre energia renovável e os biocombustíveis serão parte importante disso. Mas, deixe-me responder à pergunta sobre a preocupação, vista no mundo hoje, acerca dos problemas do biocombustível. Creio que a produção de biocombustíveis às custas da produção de alimentos não é uma boa política. E estamos vendo isso, pelo menos até certo ponto, com o preço dos alimentos no mundo todo. Não estou dizendo que seja a única razão. Há vários outros motivos que levam à alta de preços. E isso, certamente, afeta mais as regiões pobres do mundo. Creio que temos de realizar testes bastante confiáveis, antes de embarcarmos em políticas de biocombustíveis. E isso deve garantir, em primeiro lugar, que as implicações para o meio ambiente de todo o ciclo do biocombustível sejam aceitáveis e não levem, digamos, às emissões de poluentes e aos impactos ambientais que possam agravar a situação. Temos que garantir que não haja conflito entre a produção de biocombustíveis e a produção de alimentos. E receio que algumas das medidas que têm sido tomadas, não levam tal questão em conta. Por exemplo, a mudança de milho para etanol é certamente danosa para a produção de alimentos. Porque deixa-se a produção de algo com alto valor alimentar para produzir combustíveis. Acho que estamos nos desviando do verdadeiro problema. O verdadeiro problema é que o mundo tem consumido cada vez mais produtos derivados do petróleo. Portanto, acho que devemos olhar para a raiz do problema. Devemos buscar meios através dos quais a demanda por derivados de petróleo possa ser reduzida, devemos criar segurança em energia e também tratar da redução de emissões, principalmente se buscarmos um uso mais eficaz de energia. Creio que deva haver um grande debate. Na verdade, o debate está se desenvolvendo. Como resultado disso, talvez tenhamos mais clareza sobre os biocombustíveis.
Herton Escobar: O modelo brasileiro de etanol a partir de cana-de-açúcar, como o senhor compara com o modelo do milho, por exemplo? Ele também pode ter um potencial negativo ou o senhor vê esse modelo como um modelo sustentável?
Rajendra Pachauri: Acho que o Brasil tem uma grande quantidade de terra, disponibilidade de solo e água, o que torna possível o cultivo da cana-de-açúcar e sua conversão em etanol. Esse programa tem sido desenvolvido [pelos pesquisadores] Forsythe e Richard e, pelo que vejo, não há conflito entre a produção desse tipo de combustível e a produção de alimentos. Mas a grande questão é se isso está levando a alguma destruição de florestas. Eu não sei. Não tenho provas disso. Mas há outros impactos danosos quando há produção desse tipo de etanol. Mas, até onde eu sei, creio que esse tem sido um programa bem sucedido. Mas se há limites, e se é possível aumentar a produção sem efeitos danosos para o meio ambiente, cabe aos brasileiros decidir. Creio que isso é algo a ser analisado cuidadosamente.
Cláudia Tavares: Professor, que papel temos nós, consumidores, cidadãos diante de toda essa equação e esse jogo de poder aí?
Rajendra Pachauri: Creio ser extremamente importante que os seres humanos e cidadãos de todo o mundo se conscientizem do problema e pensem no que podem fazer individualmente. E há muitas coisas que podemos fazer. Coisas simples, como a iluminação em nossas casas e outros edifícios. Devemos usar a melhor tecnologia: lâmpadas fluorescentes compactas e talvez, futuramente, lâmpadas led [light emitting diode; em português diodo emissor de luz, lâmpada fabricada com um material semicondutor que emite luz ao ser energizada, que consome menos energia e tem uma durabilidade maior] . Em relação aos transportes, carros mais econômicos. E isso também se aplica aos eletrodomésticos. Ao usar ar condicionado, aquecimento, devemos manter a temperatura em um nível no qual não usemos energia em excesso para que seja confortável. Talvez nossas roupas tenham de se adequar a essa realidade. Devemos usar muito mais transportes públicos, o que significa que os governos...
Cláudia Tavares: [interrompendo] Quando existe, quando os governos apostam nisso. Porque, às vezes, a gente não tem muita opção.
Rajendra Pachauri: Certamente. Era o que eu iria dizer. Suponho que os governos façam investimentos suficientes em transportes públicos. Mas eles farão, se houver pressão pública suficiente. E precisamos fazer isso. Porque os governos locais são os que devem nos dar opções de transporte público. E receio que isso não esteja ocorrendo no mundo. Por isso precisamos levantar a questão para a direção certa.
Lillian Witte Fibe: Vamos para as perguntas dos telespectadores de novo.
Carmem Amorim: Sim, então, o José Carlos Barbosa, de Dourados, Mato Grosso, pergunta o seguinte: "como seria possível conciliar os interesses econômicos da região amazônica com o desenvolvimento sustentável? Ou o tal binômio: homem versus natureza são inconciliáveis?" E tem uma pergunta também que complementa essa, que é do Rodrigo Dania, de São Paulo: "o senhor acha que o Brasil tem políticas públicas relacionadas às mudanças climáticas?"
Rajendra Pachauri: Bem, deixe-me responder a segunda pergunta primeiro. Creio que o Brasil tem estado na vanguarda das discussões sobre mudanças climáticas. Tem havido várias evidências científicas. E eu sei que já em 1992, o Brasil tinha uma posição importante nessas discussões. Por isso, creio que essa seja uma questão de grande interesse do governo brasileiro e, portanto, ele tenha uma política de mudanças climáticas. Se ela é adequada ou suficientemente avançada, eu não sei. Cabe ao povo brasileiro decidir. De qualquer forma, qualquer política desse tipo precisa ser dinâmica. O que era aceitável dez anos atrás, provavelmente não seria hoje. Portanto, creio que isso é algo a ser constantemente revisto. E, se necessário, reexaminado. Quanto à primeira pergunta, eu não vejo conflitos entre os interesses humanos e a proteção da natureza. Como a sociedade humana pode insistir que a própria base e sustentação da vida humana seja avariada? Vemos hoje o ecossistema destruído em várias partes do mundo. Chegamos a um ponto em que os impactos danosos da mudança climática ameaçam a todos nós. Não vamos escapar dos impactos da mudança climática. E em alguns casos em que temos sociedades pobres e vulneráveis, as implicações serão muito mais sérias. Mas vivemos todos no mesmo planeta. O que quer que aconteça em qualquer parte do mundo irá nos afetar. Portanto, precisamos compreender que temos de voltar às nossas raízes. Todas as religiões, todas as culturas do mundo respeitam a natureza. Apenas nas últimas décadas perdemos o respeito pela natureza. Precisamos resgatar isso. Precisamos voltar a encontrar isso. E começar a acreditar nisso. Se não o fizermos, todos nós seremos prejudicados. E todas as formas de vida serão afetadas. E isso irá afetar a civilização humana. Então, o que estamos tentando fazer? Estamos, na verdade, prejudicando a nós mesmos. Prejudicando o futuro de nossos filhos e de nossos netos. E não podemos deixar que isso aconteça. Precisamos viver em harmonia com a natureza.
Lillian Witte Fibe: O que o senhor achou da demissão da ministra do Meio Ambiente no Brasil, que é uma ambientalista renomada internacionalmente, a ministra Marina Silva?
Rajendra Pachauri: Bem, eu realmente não conheço as circunstâncias políticas. Sim, ela foi uma ambientalista bastante conhecida, fez um trabalho importante. Mas, na política pública, você sempre tem opções, sempre há escolhas. E não significa que, se uma pessoa deixa o governo, não se possa achar outra que a substitua de forma adequada. Isso acontece no mundo todo. O Reino Unido tinha um excelente ministro do Meio Ambiente que hoje é ministro do Exterior... Outra pessoa assumiu o seu cargo. Em uma democracia não se é o dono de um cargo. Você não pode permanecer líder em qualquer atividade, em qualquer função diretiva. A democracia pôs de lado uma lista enorme de líderes. E eu espero que quem a suceda, faça um excelente trabalho. E imagino que, com a experiência que ela tem, ela continuará fazendo um trabalho importante onde ela estiver. Eu não acredito que seja essencial estar no governo para fazer um bom trabalho. Precisamos também de pessoas fora do governo. Que sejam exemplos do que precisa ser feito. Somos muito dependentes do governo. Acho que chegou o momento em que precisamos da sociedade civil, precisamos do setor empresarial, precisamos que o povo em geral passe a agir. E acho que alguém como ela, com sua dedicação, pode fazer a diferença nessas áreas também. E eu lhe desejo sorte.
Claudio Angelo: Doutor Pachauri, quão tarde está hoje para agir no clima? Pouco tempo depois do relatório do IPCC ter sido publicado, a passagem Noroeste no Ártico foi aberta por conta do degelo do gelo marinho. Algo que ninguém imaginava que fosse acontecer num prazo de várias décadas. Quer dizer, o quinto relatório de avaliação do IPCC vai dizer que, na verdade, a situação era muito pior do que a gente imaginava?
Rajendra Pachauri: A situação é particularmente sombria. É séria. Você deu o exemplo do derretimento no Ártico. Eu estive lá. E pode-se ver o que está acontecendo com a região do Ártico. Ainda mais perigoso seria o colapso do lençol de gelo do Ártico ou do lençol de gelo da Inglaterra. E dissemos muito claramente, no relatório síntese do IPCC que, se desmoronasse e o derretimento está acontecendo muito rapidamente, teríamos uma elevação do nível do mar de vários metros, o que levaria a um desastre global. Algo inimaginável. Não podemos nem imaginar quais seriam as conseqüências disso. Sim, a situação é muito séria e temos muito pouco tempo para agir. Se quisermos limitar o aumento da temperatura a, digamos, dois graus Celsius, então, como mencionamos em nosso relatório, temos de começar a reduzir as emissões globais até 2015. Não podemos permitir que suba mais que isso. Elas terão de começar a baixar acentuadamente. Precisamos agir com urgência. Quanto ao quinto relatório de avaliação, é difícil dizer o que irá trazer. Com certeza teremos muito mais conhecimento. E sinto que seremos capazes de ser ainda mais precisos. Embora tivéssemos sido precisos no trabalho apresentado. E pode ser, como você disse, que as coisas estejam muito piores. Mas espero que também já tenhamos um acordo, que tenhamos começado a tomar medidas para a redução de gases poluentes, garantindo que globalmente isso tenha diminuído. Assim, quando o quinto relatório de avaliação vir à tona, nós teremos muitas medidas em prática dando-nos motivos de esperança.
Claudio Angelo: Qual o seu sentimento pessoal, o seu palpite sobre qual vai ser o nível de dióxido de carbono na atmosfera antes dele começar a cair? Recentemente Cherwood Crowl [pesquisador do Department of Chemistry da Universidade da California, nos Estados Unidos. Recebeu o prêmio Nobel de química em 1995 pelos estudos sobre formação e decomposição de ozônio], o Nobel de química disse que a aposta dele era mil partes por milhão. Hoje nós estamos um pouco acima de 380.
Rajendra Pachauri: Bem, eu acredito que o ser humano é inteligente o bastante para começar a tomar providências. Não devemos deixar que os níveis de emissão de CO2 cheguem àqueles que julgamos perigosos para o meio ambiente. Agora, a definição de “perigoso” envolve julgamento de valores. Mas acho que a maior preocupação no mundo todo é o perigo que será enfrentado por pequenas "ilha-nações", por várias comunidades litorâneas, por aqueles que vão sofrer as conseqüências da escassez de água. Acredito que vamos agir rapidamente e esperamos poder resolver essa questão antes de cruzarmos o que pode ser chamado de uma fronteira perigosa. Mas já submetemos o mundo a tamanha mudança climática, que teremos de nos adaptar a alguns dos impactos. Não é possível nos livrarmos deles. Durante décadas teremos de começar a estabilizar a concentração de gases. Durante várias décadas vamos sofrer os impactos das mudanças climáticas e teremos que nos adaptar. Por isso, precisamos adotar uma política de adaptação a tal impacto, mas ao mesmo tempo, diminuir as emissões bastante rapidamente e com uma certa ambição.
Lillian Witte Fibe: Professor, a gente vai fazer mais um intervalo e a gente volta num instante com o Roda Viva, que hoje é acompanhado na platéia pelo: José Glaucio Garone, assessor da diretoria de projetos especiais do Ipen, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares; por Márcia Nashpitz, que é jornalista; e, por Guto Spery, diretor de cinema. Até já.
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Lillian Witte Fibe: Nós estamos entrevistando no Roda Viva o professor Rajendra Pachauri, prêmio Nobel da paz de 2007 e presidente do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática das Nações Unidas. Professor, será que essas mudanças climáticas vão mudar o mapa da distribuição da riqueza e da pobreza no mundo? As relações entre países pobres e países ricos? Será que a concentração da riqueza vai ser revista?
Rajendra Pachauri: Há o perigo de que isso aconteça. Estamos bastante cientes disso, e não é algo que desejemos que ocorra. O mundo já tem enormes disparidades de riqueza e renda, que têm aumentado cada vez mais. Os impactos das mudanças climáticas, sejam eles resultantes de desastres naturais ou sobre os recursos hídricos ou na agricultura, serão realmente injustos em suas implicações para os mais pobres. Você está absolutamente certa. Os ricos talvez consigam lidar com isso, pois podem investir em tecnologia e infra-estrutura, o que talvez os ajude a lidar com os impactos climáticos de uma maneira mais satisfatória. Mas em relação aos pobres, o que eles farão? Não apenas os pobres em países pobres, mas também os pobres em países desenvolvidos. Veja o que aconteceu à cidade de Nova Orleans quando atingida pelo furacão Katrina [referência à catastrófica passagem do furacão Katrina, em 29 de agosto de 2005, pela costa sudeste dos EUA, que devastou a cidade de New Orleans], os mais pobres é que foram afetados. E ainda hoje não se recuperaram, a vida deles foi totalmente destruída. Então, há o perigo de que as pessoas mais pobres fiquem mais pobres ainda. Algumas até sem onde morar. Sem acesso nem mesmo ao pouco que têm hoje. A agricultura dependente da chuva é muito comum em várias partes do mundo, e os mais pobres são os que mais dependem da chuva para a agricultura. [Assim] com mudanças relativas ao padrão de quantidade de chuva que estão ocorrendo hoje, e com pessoas sem infra-estrutura para buscar outro tipo de trabalho, a vida delas será, sem dúvida, afetada negativamente. Precisamos estar muito cientes dos impactos das mudanças climáticas a fim de garantir que a sociedade não seja dilacerada. Porque, se isso acontecer, será perigoso para todos. E não podemos nos isolar do que está acontecendo em alguns dos lugares mais afetados do mundo.
Cláudia Tavares: Professor, o senhor acredita que vá aumentar a categoria dos novos refugiados: dos refugiados ambientais? E que o mundo está preparado para lidar com isso? Porque na Europa hoje a gente tem uma série de conflito por conta das migrações. O que fazer em relação a isso?
Rajendra Pachauri: O IPCC e Al Gore, ganhador do prêmio Nobel no ano passado, mostram claramente que as mudanças climáticas podem ameaçar a paz. Como podem ameaçar a paz? Bem, em primeiro lugar, como você mencionou, em lugares onde as pessoas não têm como sobreviver, elas se mudam para outros lugares. E ao fazerem isso, em grande número, existe a possibilidade de conflitos básicos. Pode haver conflitos também em lugares onde as pessoas estão disputando recursos básicos, como água, ou um solo de boa qualidade... Obviamente, haveria motivo para conflitos ali também. Por isso, precisamos ter muito cuidado, pois as coisas já estão ruins o bastante. Vocês viram o que ocorreu recentemente com o aumento dos preços de alimentos? Tivemos motins, tivemos mortes. O que ocorre na África do Sul que, a propósito, tem muitas pessoas de países vizinhos, pois a África do Sul está em uma situação econômica melhor... Se isso ocorrer em vários lugares do mundo, será claramente uma grande ameaça à paz. Não podemos deixar que isso aconteça. Temos de garantir que as mudanças climáticas não atinjam o suprimento de alimentos a tal ponto que conflitos dessa natureza ocorram. Precisamos ter consciência disso.
Herton Escobar: Professor, pelas regras atuais do Protocolo de Quioto só os países desenvolvidos têm obrigação de reduzir suas emissões em aproximadamente 5%. Os países em desenvolvimento, como o Brasil, China, Índia, se comprometem a reduzir também, mas não possuem metas compulsórias. E dentro dessas negociações para o próximo protocolo que vai passar, a valer a partir de 2012, o grande debate é qual deverá ser o papel e a obrigações dos países em desenvolvimento. Sendo que a China já ultrapassou, está prestes a ultrapassar os Estados Unidos como o maior emissor. Como o senhor vê essa questão? Quais devem ser as responsabilidades dos países em desenvolvimento nesse próximo regime?
Rajendra Pachauri: Você mencionou a China, e a China tem mais de quatro vezes a população dos Estados Unidos. E proporcionalmente, seu consumo de energia e emissão de gases poluentes é significativamente mais baixo. Nesse contexto, todo ser humano nesse planeta tem algum direito de progresso econômico que você não lhe pode negar. Acho que, até certo ponto, você teria de garantir que os países em desenvolvimento tenham espaço para crescer. Se você olhar para o meu país, a Índia, temos quatrocentos milhões de pessoas sem acesso à eletricidade ou outra forma de energia. Você vai dizer para todas aquelas pessoas que elas nunca terão uma lâmpada em sua casa? É preciso lhes permitir acesso ao mais básico, em termos de tecnologia e desenvolvimento. E, portanto, acho que por uma boa razão, na estrutura que mencionei sobre mudança climática, surgiu a frase “responsabilidade comum, mas diferenciada”. O que significa que os países em desenvolvimento dão o primeiro passo. E a pergunta que se fez foi? E eles deram o primeiro passo? Não. Eles nem ao menos atingiram a meta fixada no Protocolo de Quioto. E alguns países nem mesmo são signatários do Protocolo de Quioto. Acredito que seja preciso restaurar um nível de credibilidade e confiança. E um sentido de participação. A fim de que aqueles países que deveriam atingir o primeiro conjunto de regras de fato o atinja. Se isso não ocorrer, não creio que qualquer país tenha o direito de dizer ao mundo em desenvolvimento: “nós não vamos fazer nada, vocês vão. Vocês vão fazer todo o trabalho”. Acho que esse é um problema que não pode ser ignorado. Creio que os países em desenvolvimento vão tomar medidas para garantir que os países desenvolvidos cumpram suas obrigações. Porque não se trata apenas de China, Índia, Brasil seguirem o caminho de desenvolvimento que se tem no mundo desenvolvido. Isso seria, na minha opinião, um grande erro, buscar o desenvolvimento da mesma maneira que os países ricos o fizeram no passado. Temos de tomar um caminho bastante diferente.
Alexandre Mansur: Professor, a gente recentemente entrevistou James Hansen, da Nasa [diretor do Goddard Institute for Space Studies (GISS), um dos principais laboratórios de ciências climáticas da Nasa. Ficou conhecido internacionalmente em 1988 quando afirmou publicamente no Congresso estadunidense que o clima terrestre tinha entrado num período de aquecimento provocado pelas atividades humanas], ele deu um depoimento comovente, ele falou que estava guardando algumas coisas para o neto dele. Que estava guardando pedaços de madeira da Amazônia, fotografias de uma fazenda da família que ele acha que não vai sobreviver às mudanças climáticas; estava guardando vinho francês, ele acha que não vai ter mais vinho francês para os netos. O senhor, quando pensa no futuro, o senhor pensa em algum pedaço, alguma coisa nesse mundo que o senhor teme perder que o senhor gostaria de guardar para as próximas gerações?
Rajendra Pachauri: Bem, eu espero que não cheguemos a isso. Eu respeito muitíssimo James Hansen. Ele tem feito um trabalho notável em relação às mudanças climáticas não apenas pesquisando, mas destacando os problemas que o mundo poderá vir a enfrentar no futuro. Mas espero que não cheguemos a isso. Mas pode ser que cheguemos a guardar coisas, que não existirão amanha. E eu espero que o ser humano seja sábio o bastante para agir logo, para não chegarmos a essa situação. Mas, se continuarmos no caminho em que estamos hoje, muitas dessas coisas desaparecerão. Já identificamos com clareza no relatório de avaliação que, se as temperaturas subirem além de 1,5 a 2,5 graus Celsius, então, de 20% a 30% das espécies que temos hoje estarão ameaçadas de extinção. Além do vinho francês, haverá também inúmeras espécies que teriam de ser protegidas de alguma forma. Ou poderiam ser extintas. Então, sem dúvida, temos de evitar que algo assim aconteça no futuro.
Alexandre Mansur: O que já é irreversível?
Rajendra Pachauri: O que é irreversível? Bem, irreversível é a extinção de uma espécie. Uma vez que seja extinta desse planeta, é improvável que a tenhamos aqui novamente. Como os dinossauros. Só vemos desenhos deles. Mas temos de nos certificar de que isso não aconteça.
Claudio Angelo: Quanto o senhor apostaria, se fosse apostar num Pólo Norte sem gelo dentro dos próximos cinco anos, ou, como se começa a prever, começou a se prever esse ano, nesse verão setentrional. Se o senhor fosse colocar dinheiro nisso, quanto o senhor apostaria no degelo do Pólo Norte?
Rajendra Pachauri: Primeiramente, eu não sou de apostar. Mas, eu diria que isso certamente não acontecerá nos próximos cinco anos. Eu espero que não. A não ser que haja algum tipo de desastre inesperado. Mas, se continuarmos como estamos, isso poderia acontecer em trinta, cinquenta anos. E eu acho que seria uma perda terrível. Além do fato de que uma forma de vida que exista no Ártico se perderá para sempre, todo aquele gelo se juntaria ao oceano, elevando o nível do mar. O derretimento do gelo deixará descoberta uma superfície de cor escura que irá absorver muito mais calor, levando ao aquecimento. Então, há esse tipo de efeito de retroalimentação. Será muito pior do que se o gelo ficasse ali, de alguma forma. Eu diria que, se não tomarmos medidas eficazes, talvez nas próximas duas ou três décadas as coisas possam se tornar irreversíveis no Ártico. E espero que isso não aconteça.
Lillian Witte Fibe: Professor, o senhor disse agora há pouco sobre a extinção das espécies. Eu estou batendo o olho aqui numa notícia no computador que acho que lhe dá razão cabal. Duas cientistas da Universidade de Porto Rico coletaram amostras de dois tipos diferentes de sapo em nove localizações e constataram que os sapos que vivem em regiões de menos folhagens são menores. Diz que a destruição humana ao habitat não somente diminui as populações como também parece ter diminuído literalmente o tamanho de algumas espécies de sapos. É assim que vai extinguindo as espécies? Eles vão se... Literalmente reduzindo porque comem menos, é isso?
Rajendra Pachauri: Sim, eu diria que as atividades humanas afetam as espécies levando, às vezes, à extinção, muito além da mudança climática. Se destruirmos seu habitat natural, isso é um perigo para muitas espécies. Se mudarmos as condições nas quais elas vinham vivendo durante milhares de anos, isso também as afeta. Se pensarmos no urso polar, há uma pesquisa que mostra que o tamanho do urso polar vem diminuindo, pois ele não consegue encontrar focas das quais ele realmente se sustenta. É uma comida normal, mas simplesmente não está disponível nas áreas em que ele vive. Por seu alimento ter diminuído, seu peso é reduzido, e creio que esse seja o primeiro passo rumo à extinção. E como eu disse, segundo nossa análise, devido às mudanças climáticas, 20 a 30% das espécies que analisamos poderiam estar correndo risco de extinção. Se permitirmos uma elevação da temperatura acima de 1,5 a 2,5 graus Celsius. É uma questão séria.
Alexandre Mansur: Professor, alguns países como a Rússia não estão preocupados com o aquecimento global. A Rússia vai ganhar mares navegáveis, vai ganhar terras cultiváveis, e ela pode explorar melhor o petróleo que ela tem. Como o senhor convenceria esses países a participar de um esforço global?
Rajendra Pachauri: Cerca de cinco anos atrás eu estive em Moscou, em uma conferência aberta pelo presidente Putin [presidente da Rússia desde 2000, permaneceu no comando do país até 2008, quando foi nomeado primeiro-ministro, mantendo enorme influência sobre o novo presidente a quem apoiou] e, como parte de seu discurso, ele deu uma declaração que foi bastante desestimulante, se me é permitido dizer isso. E, então, outras duas pessoas e eu falamos. Falei sobre os impactos no mundo em desenvolvimento. E então o presidente Putin disse que falaria novamente, e dessa vez ele falou de improviso, e ele disse que as pessoas lhe dizem que a mudança climática será boa para a Rússia, porque eles não terão de gastar tanto dinheiro com casacos, será boa para a agricultura, etc. Mas ele disse que também se preocupava com enchentes e secas. Veja, a mudança climática não é uma mudança tranqüila e linear. As mudanças são acompanhadas de todo tipo de acontecimentos de proporções descomunais, acontecimentos de precipitações extremas. O que significa que em áreas mais próximas do Pólo Norte, na Sibéria, por exemplo, você tem muito mais precipitação. Então, ainda que haja um aquecimento, você tem muito mais neve. E tudo isso pode levar a temperaturas mais baixas e há todo tipo de outros fatores com os quais temos de nos preocupar. Talvez, a curto prazo, você poderia ter a ilusão de alguns benefícios. Mas depois que ela progride, além de uma determinada faixa, não haverá vencedores, mas apenas perdedores. E mesmo a Rússia certamente terá de se preocupar com isso. Precisamos realmente divulgar tais informações e nos certificar de que a comunidade científica na Rússia, em especial, esteja trabalhando para que os políticos saibam disso. Eu espero que isso aconteça.
Herton Escobar: Professor, outro tema central é a questão das florestas. Os mecanismos hoje da proteção do protocolo valorizam só o reflorestamento como a forma de você retirar carbono da atmosfera. O Brasil defende que, ao reduzir o desmatamento, deveremos poder abater, vamos dizer assim, algumas emissões do país, no sentido que você estaria evitando o desmatamento impedindo que essas... Que esse carbono fosse lançado na atmosfera. Como o senhor vê essa questão? A simples conservação da floresta deveria ser considerada dentro do próximo protocolo?
Rajendra Pachauri: Sim, eu creio que sim. Há discussões bastante relevantes a esse respeito. Se os países terão crédito por evitar o desmatamento, isso é uma coisa que pode ser monitorada, medida. E isso não é fácil. É uma questão bastante complicada. As discussões que estão sendo travadas hoje em dia se concentram nessas complexidades. Além disso, espero que haja algum acordo, através do qual possamos incentivar os países onde há desmatamento, para que possam reduzir ou acabar com o desmatamento por completo. E tenho certeza que o Brasil estará nessa categoria.
Lillian Witte Fibe: Eu não queria encerrar o bloco sem fazer pelo menos uma pergunta do telespectador. Diga, Carmem.
Carmem Amorim: Olha só, tem uma pergunta aqui do Eusébio Trecenti, de Barbacena, Minas Gerais. Ele pergunta o seguinte: "a melhor maneira de combater o aquecimento global não seria reduzir o crescimento da população mundial?"
Rajendra Pachauri: Sim, mas é preciso lembrar que o crescimento populacional é apenas uma parte do problema, a outra parte é o consumo. Se você considerar o fato de que uma pessoa em Bangladesh consome um quarto do que uma pessoa na América do Norte, então, para cada pessoas que você acrescente à população dos EUA, os efeitos em Bangladesh seriam equivalentes ao acréscimo de quarenta pessoas. Então, creio que, ao considerarmos a população, devemos levar em conta também o consumo. São os dois fatores juntos que levam a um aumento de emissão. E, realmente, acho que devemos fazer algo a respeito das duas coisas. Entretanto, no caso da população, não vivemos em uma sociedade em que se possa aprovar uma lei segundo a qual você não terá filhos. Você tem de criar condições para que as pessoas desejem ter menos filhos. Para poder educar seu filho, dar-lhe educação, saúde. Há todo um conjunto de medidas que precisam ser tomadas. Não creio que uma lei que estabeleça “as pessoas não podem ter filhos” vai funcionar. Pode funcionar em comunidades autoritárias, talvez em um país comunista, mas não em democracias.
Lillian Witte Fibe: A gente vai fazer mais um intervalo e volta já, já.
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Lillian Witte Fibe: A gente está entrevistando no Roda Viva Rajendra Pachauri, presidente do IPCC, uma sigla em inglês que significa Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que é um braço das Nações Unidas. Professor, de todos esses países sobre os quais a gente falou agora, existe algum que esteja adotando uma política modelar, uma política ideal ou, pelo menos, mais próxima do ideal com toda a sua experiência mundial? Quem está dando o exemplo para a humanidade, ou o melhor exemplo? Ou será que ninguém?
Rajendra Pachauri: Há muitas coisas sendo feitas por diferentes sociedades. Se você considerar a eficiência de energia, por exemplo, Japão tem se saído muito bem. Seja nos transportes, indústria, eletrodomésticos, seu consumo de energia tem níveis bastante elevados de eficiência. Se pensarmos em energia nuclear, eu diria que a Alemanha tem se concentrado bastante nisso. E em diferentes partes do mundo. Mesmo quando se trata de evitar o desmatamento, alguns países têm se saído melhor do que outros. Eu sou responsável por uma iniciativa...
Lillian Witte Fibe: Quem faz o melhor trabalho em desmatamento? Em não-desmatamento?
Rajendra Pachauri: Eu daria o exemplo da Índia. Na Índia tínhamos muito desmatamento até dez anos atrás. Mas agora o caminho é o contrário, e há um aumento no reflorestamento. Claro que precisaríamos fazer muito mais. O que estamos fazendo não é o suficiente. Mas o desmatamento sem dúvida desapareceu, completamente. Por isso acho que há outras partes do mundo também. Podemos olhar para alguns países desenvolvidos que estão se saindo muitíssimo bem. Em alguns países nórdicos, em especial, o reflorestamento aumentou.
Lillian Witte Fibe: Ou seja, no caso do Brasil, onde a gente luta quase que prioritariamente em defesa da Floresta Amazônica e, às vezes, a gente se sente quase uma voz inútil, o exemplo da Índia poderia e deveria ser seguido?
Rajendra Pachauri: Acho que cada país precisa decidir por si só o que é melhor para ele. Sim, devemos aprender com os exemplos uns dos outros. Nós aprendemos com o Brasil. Meu próprio Instituto esteve envolvido em propagação de clones de árvores que crescem mais depressa, ficam maiores, e usamos parte de sua tecnologia, principalmente para as fábricas de papel, que agora estão fornecendo o material a ser plantado para os fazendeiros. E os fazendeiros estão plantando árvores e as fornecendo às fábricas de papel, pois há vários anos o governo da Índia decidiu que você não pode mais cortar árvores em uma floresta para a produção de papel. Ou você importa o material de que precisa ou deixa que os fazendeiros os produzam. E parte dessa tecnologia é do Brasil e está funcionando muito bem. Portanto, há diferentes países se saindo bem em diversas áreas.
Claudio Angelo: Eu queria perguntar sobre o país que é o contra exemplo... O atual presidente dos Estados Unidos [refere-se a George W. Bush, presidente do Estados Unidos entre 2001-2009, que se recusou a assinar o Protocolo de Quioto] passou os primeiros anos de seu mandato simplesmente negando o problema da mudança climática. E ,ao longo dos últimos dois anos ,ele tem negado não mais o problema, mas a solução para a mudança climática. Queria saber: na sua opinião, quantos anos o mundo perdeu por conta da resistência americana? E quais são as suas expectativas para o próximo governo dos Estados Unidos?
Rajendra Pachauri: Eu não culpo nenhuma sociedade ou país. O que ocorre é que a maior intervenção relativa à mudança climática ocorreu em 1992. E o que fizemos coletivamente nesse período? Nada. Veja o Protocolo de Quioto, elaborado em 1997. Levamos quase nove anos para ratificá-lo, e isso é deplorável. A maneira como as pessoas lidaram com esse problema. Eu sou otimista em relação aos Estados Unidos, principalmente com o novo governo que irá assumir.
Lillian Witte Fibe: O senhor acha que os democratas vão ganhar e vão fazer mais do que os republicanos?
Rajendra Pachauri: Acho que os dois candidatos que temos hoje serão positivos quanto às mudanças climáticas. O senador [John] McCain, especificamente, tem sido muito ativo nessa área. Ele e o senador Lieberman apresentaram um projeto de lei, vários anos atrás, acerca de limite e comércio de emissões [refere-se ao projeto de Lei Lieberman-Warner Climate Security Act (lei de segurança climática dos EUA), que prevê a redução nas emissões de carbono nos EUA em 19% para 2020 e de 63% em 2050 em relação a 2005. Além disso, prevê a implementação de leilões de créditos de carbono]. E ele fez declarações indicando claramente que tomaria medidas a respeito, se fosse eleito. E digo o mesmo do senador [Barack] Obama. Ainda temos de ver quem será o vencedor, mas considerando o fato de que o povo americano quer ações e vários dos governadores dos estados estão agindo, haverá muita pressão sobre o novo presidente para que tome medidas na direção certa.
Cláudia Tavares: Professor, eu queria voltar na linha de raciocínio da Lillian para pedir bons exemplos mundiais. Quem está conseguindo juntar nessa situação, meio ambiente e economia. Porque quando isso anda separado, a coisa realmente não funciona. Qual é o país que dá bons exemplos de taxar empresas ou negociar melhor essas coisas? Valorizar essa biodiversidade?
Rajendra Pachauri: Há muitos que estão se saindo muito bem nessa área. Mas eu gostaria de lhe dar exemplos de coisas que poderíamos fazer. Há 1,6 bilhão de pessoas nesse mundo que não têm acesso a eletricidade ou a outra forma de energia. Eu lancei um projeto em meu instituto chamado: “Acendendo 1 bilhão de vidas”. Estamos desenvolvendo lanternas solares, que são muito melhores em termos econômicos do que a eletricidade usual da rede, principalmente para os pobres. Tudo que você precisa é de uma fonte de luz na sala, que permitirá que as crianças façam sua lição de casa à noite, ou que as pessoas interajam socialmente. Se isso fosse feito no mundo todo para um bilhão de pessoas, e estamos falando de um bilhão de vidas, gastaríamos apenas vinte bilhões de dólares. E isso, sem dúvida, não está além da riqueza da sociedade global. Principalmente porque gastamos 15 bilhões de dólares por mês com a guerra no Iraque. Então, há coisas boas que se pode fazer para o meio ambiente e, ao mesmo tempo, economicamente viáveis. Precisamos começar a pensar com originalidade. Temos seguido um caminho traçado por outros e seguimos aqueles exemplos cegamente, sem pensar nas implicações. Começamos a ser um pouco mais originais e a olhar para as possibilidades tecnológicas e usar a força humana para promover mudanças. E podemos ver que nós crescemos, nós desenvolvemos e também protegemos o meio ambiente. Por isso há várias coisas que podemos fazer. E eu gostaria de dizer ao povo no Brasil: “por favor, juntem-se a nós para iluminarmos um bilhão de vidas”. A campanha que lançamos...
Cláudia Tavares: Alguma empresa se interessou por produzir esse equipamento, professor? Alguma empresa na Índia?
Rajendra Pachauri: Tenho certeza que pode ser produzido no Brasil. É muito simples. Tudo que é preciso é um painel solar no telhado de uma casa em um vilarejo – e aquele painel carrega todas as lanternas durante o dia e as aluga para serem usadas durante a noite. É o que estamos fazendo. E aquela mulher naquela casa tem uma renda. Não há consumo de combustível fóssil, não há emissão de gases poluentes, é uma fonte sustentável e limpa de luz. E pode fazer uma diferença enorme na vida das pessoas. Portanto, temos de trabalhar juntos em algumas dessas idéias.
Herton Escobar: Se os indícios do aquecimento global são tão claros e comprovados; se as conseqüências são obviamente tão negativas para o planeta e o custo de solucionar o problema é muito menor do que o prejuízo que ele vai causar, por que é tão difícil conseguir uma ação global contra esse problema? Vai precisar acontecer uma catástrofe para as pessoas realmente acordarem e começarem a agir?
Rajendra Pachauri: O fato é que hoje há muita infra-estrutura que depende de combustíveis fósseis. E não se pode substituir isso da noite para o dia. Seja uma casa, indústria de automóveis, etc, todos usam combustíveis fósseis. Você não pode jogar isso fora. Você não pode acabar com isso. E há muitos interesses. Há pessoas contando todo tipo de coisa para lhe convencer de que o que você está ouvindo do IPCC ou da comunidade científica não está certo. Pois eles servem a seus próprios interesses. Eles não querem abrir mão das vantagens que têm hoje fazendo que fazem. A natureza humana, a inércia em nossos pensamentos e nossas ações são tão tamanhas que não fazemos mudanças ainda que sejam racionais, mesmo que sejam lógicas. Mas a vantagem de uma democracia é que, se muitas pessoas estão convencidas disso, então, elas vão tomar atitude. E acredito que seja isso que está acontecendo gradualmente. No último ano, desde que o relatório do IPCC começou a ser divulgado nos diversos meios houve grandes mudanças na percepção das pessoas. E creio que isso será traduzido em ações políticas. É certamente o que está ocorrendo no caso da Austrália. Houve uma mudança de governo e as mudanças climáticas foram uma questão política crucial. E o governo mudou isso. Então, acho que logo veremos movimentos na direção certa.
Claudio Angelo: Por que, então, o carvão mineral tem essa ressurgência toda como fonte de energia no último ano, na Itália, na Índia necessito China?
Cláudia Tavares: Inclusive no Brasil, na Amazônia.
Claudio Angelo: Inclusive no Brasil.
Rajendra Pachauri: Você deixou de mencionar os Estados Unidos. Na verdade, os Estados Unidos usam quase duas vezes a quantidade de carvão que a Índia usa. Claro que é muito menos do que a China usa. O fato é que com o preço elevado do petróleo, está sendo muito difícil, em várias partes do mundo, usar outra coisa se não carvão. O que precisamos realmente fazer é dar um preço ao carvão. E claro que aí as pessoas irão achar substitutos. Acredito que os países desenvolvidos devem gastar mais em pesquisa e desenvolvimento. Porque grande parte da infra-estrutura necessária para a criação de novas tecnologias está nos países desenvolvidos. O Brasil é um exemplo muito diferente. O Brasil tem ciência e tecnologia a partir das quais é possível encontrar soluções, como fizeram no caso do etanol. Mas não são muitos os países em desenvolvimento com esse tipo de infra-estrutura.
Lillian Witte Fibe: Professor, a indústria química de fertilizantes e defensivos agrícolas, pesquisadora de sementes ou até mesmo de drogas coopera ou é uma das vilãs dos nossos problemas ambientais?
Rajendra Pachauri: Eu diria que, historicamente, se você olhar para a indústria química, principalmente nos Estados Unidos, ela era vilã. E foi preciso uma mulher de coragem, que escreveu o livro Primavera silenciosa (1962), Rachel Carlson, para trazer grandes mudanças na percepção do público, promovendo a limpeza de algumas dessas fontes poluidoras. E devo dizer que, a crédito de países como os Estados Unidos e de vários países da Europa, o meio ambiente local foi limpo completamente. Os rios eram terrivelmente poluídos, havia sérios problemas de desmatamento, o ar era muito poluído. Todos eles foram limpos. Então, esse é um bom exemplo de que quando há vontade pública é realmente possível promover grandes mudanças no meio ambiente. E certamente isso também pode ser feito em relação às mudanças climáticas.
Alexandre Mansur: Professor, algumas empresas começam a colocar no rótulo dos seus produtos quanto carbono aquele produto emitiu para ser produzido. O senhor acredita que isso pode ser um diferencial no futuro e os consumidores podem pressionar por mais eficiência na produção comparando nos rótulos?
Rajendra Pachauri: Certamente. Acho uma iniciativa muito boa. Talvez governos também possam ajudar. Se as informações fornecidas são verdadeiras e podem ser verificadas, então, talvez, o governo possa até mesmo começar a cobrar impostos daqueles produtos e daqueles processos que têm maior emissão de dióxido de carbono e daqueles que não têm. É uma iniciativa muito boa que está na direção certa. E mostra que os consumidores querem produtos com baixos níveis de carbono. Caso contrário, por que eles estariam sendo produzidos? Isso traz à tona meu ponto de vista de que o público hoje está muito mais preocupado e muito mais informado.
Lillian Witte Fibe: Professor Rajendra Pachauri, muito obrigada pela sua presença. A gente agradece também aos nossos colegas jornalistas que estiveram aqui contribuindo para o brilho da entrevista. Agradecemos a sua colaboração, telespectador. Lembrando que as perguntas que, infelizmente não puderam ser apresentadas durante o programa, vão ser encaminhadas ao nosso convidado. O Roda Viva volta na semana que vem, na segunda feira às 10: 40 da noite. Uma ótima semana para todo mundo! E obrigada!