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Memória Roda Viva

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Paulo Hartung

28/4/2003

O governador do Espírito Santo, eleito num momento que o estado é considerado um dos mais violentos do país, explica a busca de ajuda do governo federal para restaurar a segurança

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[Programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. Governantes que recebem uma herança pesada, muitas dívidas e o caixa vazio não são novidade, mas no caso do nosso convidado de hoje, mais do que um estado falido, ele recebeu também um estado fora da lei. Além de reorganizar as finanças estaduais, terá pela frente a dura tarefa de desmontar o crime organizado que se infiltrou na máquina pública e envolveu autoridades em ações criminosas. No centro do Roda Viva desta noite, Paulo Hartung, governador do Espírito Santo, primeiro estado brasileiro a aderir ao Sistema Único de Segurança Pública, criado pelo governo federal.

[Comentarista Valéria Grillo]: Paulo Hartung é economista, tem 46 anos de idade e vinte de política. Foi duas vezes deputado estadual pelo PMDB do Espírito Santo, depois no PSDB, foi deputado federal, diretor do BNDES, senador e prefeito de Vitória antes de ser eleito governador do Espírito Santo em 2002 pelo PSB, o Partido Socialista Brasileiro. Assumiu o governo em meio a uma mega operação da justiça contra o crime organizado no Espírito Santo. O estado quase sofreu intervenção federal no governo anterior, tamanha a gravidade do esquema de corrupção, extorsão e assassinatos envolvendo policiais e autoridades. No final dos anos 1990, após várias denúncias e investigações, relatórios da Polícia Federal e da CPI do Narcotráfico reconheceram que a criminalidade no Espírito Santo tinha atingido proporções inéditas. A CPI indiciou vários políticos, autoridades do judiciário e integrantes da polícia. Uma ação coordenada pelas polícias federal, rodoviária federal, Ministério Público, Receita Federal e Alfândega, começou a desarmar o esquema e a prender envolvidos. Um deles, o ex-presidente da Assembléia Legislativa capixaba, José Carlos Gratz [PFL], e ex-banqueiro do jogo do bicho, foi acusado de ser um dos possíveis líderes do crime organizado e de pagar propinas a deputados para ser reeleito presidente da Assembléia. Pelo menos cinco deputados que teriam recebido dinheiro já foram afastados. Foram presos também o empresário Carlos Guilherme Lima, tido como o braço econômico do grupo de Gratz e o coronel da PM, Walter Gomes Ferreira, braço armado do esquema, acusado de crimes de pistolagem. A reação criminosa, que já contabilizava o assassinato de um advogado e duas possíveis testemunhas, cumpriu também a ameaça de morte ao juiz Alexandre Martins de Castro Filho em março último. O juiz trabalhava no grupo de repressão ao crime organizado. Na semana passada, durante a viagem do presidente Lula a Vitória, Paulo Hartung foi o primeiro governador a aderir ao Programa Nacional de Segurança Pública do Governo Federal, e não por acaso. O Espírito Santo já vinha trabalhando com o apoio da ação conjunta de forças federais no combate à criminalidade e à corrupção. Agora, ao mesmo tempo em que amplia as ações integradas e de inteligência contra o crime organizado, o governador também busca ajuda financeira federal para reorganizar a administração capixaba, e assim recuperar a máquina pública e recolocar o Estado no papel de provedor de serviços à população.

Paulo Markun: Para entrevistar o governador Paulo Hartung, nós convidamos Dora Kramer, colunista de política do jornal O Estado de S. Paulo e do Jornal do Brasil; Marcelo Beraba, diretor da sucursal do Rio de Janeiro do jornal Folha de S.Paulo; Eduardo Caliman, editor de política do jornal A Gazeta de Vitória, Espírito Santo; Luis Nassif, diretor do programa econômico da TV Cultura e colunista da Folha de S.Paulo; Rui Nogueira, diretor da sucursal de Brasília do site e da revista Primeira Leitura; Josemar Gimenez Resende, diretor de redação dos jornais Estado de Minas e Correio Brasiliense, e Ascânio Seleme, diretor-executivo do jornal O Globo. Boa noite, governador.

Paulo Hartung:  Boa noite, Markun. 

Paulo Markun:  Jornalista normalmente começa a entrevista querendo a manchete, a notícia de quando vai acabar o crime organizado, o que o senhor vai fazer, qual vai ser a próxima de decisão, quando é que vai acabar a dívida do Espírito Santo etc e tal. Eu queria começar ao contrário. Para quem não vive de perto uma situação como a do Espírito Santo a impressão que se tem é que o crime organizado é algo distante da nossa realidade. Aquilo que a gente assiste nos filmes de Hollywood e no máximo lê nas manchetes de jornal. Como é que um estado chega à situação do Espírito Santo? Como é que começa essa história da ocupação do poder em todas as suas instâncias por gente ligada ao crime, a ponto de chegar à situação em que o Espírito Santo está?

Paulo Hartung: Olha, o caso do Espírito Santo eu acho que é um caso clássico, porque o que deu errado no Espírito Santo nesses últimos 12 anos foi o setor público, e nós só vimos aí a apresentação do que se passou no setor público do Espírito Santo. Se abrirmos a janela para olhar o que estava acontecendo simultaneamente na área privada, na área da cultura, na área das ciências, no nosso estado, a gente leva um susto. A gente se depara com um verdadeiro paradoxo. O estado do Espírito Santo vem crescendo nos últimos anos a taxas superiores ao crescimento do país. No último ano, eu queria só registrar esse dado, o crescimento industrial do Espírito Santo passou de 12%. Foi o estado com maior crescimento industrial no nosso país. Nos primeiros dois meses deste ano passou de 20%. Repete o maior crescimento industrial. Quer dizer, na verdade, nós tivemos um desacerto na vida pública, na vida política do estado. Foram três governos, que se sucederam e...

Paulo Markun:  Mas foram eleitos pelo voto, né?

Paulo Hartung: ... e foram abrindo espaço – eleitos pelo voto – para que a corrupção penetrasse e junto com ela toda a forma de ações criminosas e que passaram a envolver, na proteção e na ação, volto a dizer, na proteção e na ação, autoridades públicas, ou seja, pessoas investidas em cargos públicos. Não só policiais, mas gente também de outros poderes como do legislativo, do judiciário, do Ministério Público, e assim por diante.

Paulo Markun:  Mas a sociedade não enxergou isso, governador?

Paulo Hartung: Enxergou, se indignou, procurou caminho. No meio dessa trajetória, nós elegemos um governo petista no estado do Espírito Santo, de forma reativa a tudo isso que vem acontecendo. Evidentemente que este governo não conseguiu dar conta da sua tarefa, a história é muito conhecida.

Dora Kramer: Governador, quem são os três governadores que o senhor apontou como coniventes com a corrupção, quer dizer, pessoas que abriram o estado, deram início a essa escalada do crime?

Paulo Hartung: Albuíno [Cunha de] Azeredo [PDT, 1991 a 1995], Vítor Buaiz [PT, 1995 a 1999] e José Ignácio Ferreira [PSDB, 1999 a 2002].

Dora Kramer: Era do seu partido, seu ex-partido, era seu companheiro de partido.

Paulo Hartung: São três governos que não tiveram capacidade de enfrentar essa situação e de recolocar o Espírito Santo no caminho da legalidade.

Josemar Gimenez Resende: Governador, o senhor acha que. neste governo, o senhor consegue resolver essa questão depois de 12 anos... [situação] que o senhor está dizendo aí, dessa conivência completa com o crime organizado?

Paulo Hartung: Olha, Josemar, é a luta que nós estamos travando. Evidentemente que você tem um acumulado de problemas significativo. Nós temos uma máquina pública destroçada, não é sucateada, é destroçada, nós estamos reconstruindo a máquina pública do estado. As finanças completamente desequilibradas. Eu recebi um estado com restos a pagar de mais de um bilhão de reais. Só com os funcionários, coisa de aproximadamente trezentos milhões, dívida do governo que me antecedeu, e dívida do governo Victor Buaiz, ainda, com o funcionalismo público. É um histórico complicado, um estado com dívida de um bilhão, sem nada em caixa, arrecadando 160, 165 milhões de reais por mês...

Ascânio Seleme:  O senhor diria que a máquina pública foi destroçada?

Paulo Hartung:  ...e pagando 170, 175 [milhões].

Josemar Gimenez Resende: Com todo esse crescimento econômico de 12%, o estado também não conseguiu acompanhar isso, ou é a corrupção?

Paulo Hartung:  Não, eu acho que a máquina se desestruturou como um todo.

Ascânio Seleme: Mas foi deliberado isso?

Paulo Hartung: Deliberado sim, mas você pergunta: A receita está crescendo agora. No primeiro trimestre, nós tivemos um crescimento de receita de 25% que é muito significativo para quem acompanha as contas públicas pelo Brasil afora no momento em que o Brasil não está crescendo. Então, eu só queria concluir a resposta ao Josemar. É uma tarefa dificílima, nós esperamos dar conta dela sim, não como um ato de bravata, de bravura, de valentia, mas fazendo um trabalho que é o que nós estamos fazendo. Unindo as forças do nosso estado, procurando apoio de todo mundo, não fazendo dos problemas de segurança, de crime organizado, luta política e nem palanque político. Nós estamos procurando apoio com humildade, procuramos o governo federal no primeiro momento, antes de eu tomar posse. Essa missão especial que vem cumprindo um trabalho notável no Espírito Santo, no primeiro momento que eu me elegi, ao invés de reivindicar autonomia no nosso estado, não, eu procurei o presidente, ainda presidente Fernando Henrique. E depois o presidente eleito Lula, e pedi a continuidade da missão especial. O que fiz ao tomar posse não foi dispensar a missão especial, foi unir as forças estaduais às forças federais, porque...

Ascânio Seleme: O senhor entregou o comando ao governo federal?

Paulo Hartung: O comando foi entregue. Nós entregamos o comando a um membro do Ministério Público Federal muito experiente que é o doutor [José Roberto Figueiredo] Santoro.

Ascânio Seleme: O senhor não se sente esvaziado do seu poder ao entregar a condição da segurança pública ao governo federal?

Paulo Hartung:  Olha, só esvazia...

Rui Nogueira:  Deixa eu fazer uma pergunta, engatada nessa aqui. O Rio de Janeiro é totalmente diferente. O senhor acha que lá foi feito política, no Rio de Janeiro?

Marcelo Beraba: É um governador do mesmo partido seu. Quer dizer, é um contraste de posicionamento entre dois governadores do PSB.

[...]:  Governadora, governadora.

Marcelo Beraba: É, governadora...

[...]: Vamos por etapas. [risos]

Paulo Hartung: Só esvazia politicamente quem não dá contas das tarefas que tem compromisso e responsabilidade de honrar por elas. Eu acho que quando você procura forças, se associa, busca parcerias e consegue resultados – e nós estamos conseguindo resultados, como o documentário inicial desse programa mostrou – eu acho que aí não. Acho que a gente hidrata o poder; hidrata e legitima o poder, o exercício do poder. Então eu vejo aí um outro caminho. A pergunta sobre a questão do Rio de Janeiro. Eu acho que o Rio de Janeiro errou. Se tivesse acertado, não tinha que mudar, hoje mudou. Só muda de rumo quem estava no caminho errado..

Dora Kramer:  Onde o Rio perdeu o passo?

Paulo Hartung:  Eu acho que perdeu o passo quando fez luta política na questão da segurança pública.

Dora Kramer: Em que momentos o senhor localiza isso?

Paulo Hartung: Eu acho que no início do governo. Eu acho que a segurança pública...

Dora Kramer: Neste governo? No governo atual, agora, de Rosângela Mateus [Conhecida como Rosinha Garotinho, governou o estado do Rio de Janeiro de 2003 a 2007, sucedendo ao marido Anthony Garotinho]? Ou no primeiro, de Anthony Garotinho?

Paulo Hartung: Não, já tinha problema, tem problema que antecede, eu não tenho conhecimento suficiente do Rio de Janeiro, mas eu tenho um acompanhamento agora. Eu acho que se fez luta política em cima de uma área que é muito delicada. A segurança pública é um baita problema que nós temos no país...

[...]: O senhor não acha que ainda continua havendo luta política com a nomeação do Garotinho [Em 28 de abril de 2003, ele assume a Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, nomeado por sua esposa, a então governadora do estado]?

Dora Kramer: Calma rapazes, deixa ele responder.

Paulo Hartung: Eu acho que nós todos chegamos atrasados a esse tema. Eu digo que minha geração, aliás, tinha dificuldade de lidar com esse tema de segurança pública, porque foi uma geração que lutou pela democracia, pelas liberalidades democráticas. Pegou a bandeira dos direitos humanos, então trabalhou pouco. A própria academia trabalhou pouco esse tema, vamos ser sinceros. Não adianta puxar muito para trás, eu acho que tem que chegar agora e ver o que precisa fazer. A gente precisa organizar o setor público. Quando eu falo organizar o setor público, não é só os governos estaduais, são os governos,  o executivo, o legislativo, o judiciário, o Ministério Público e as forças federais. Nós temos que fazer uma parceria do setor público que permita termos gás, força para enfrentar esse outro lado que é muito organizado, que tem bala na agulha para enfrentar a gente, para nos desorganizar, sabe Dora, é isso que eu acho. Por que que eu acredito que possa ter dado uma virada no Rio agora? Porque foi guindada ao posto de secretário uma pessoa que tem peso político, ou seja, responsabilidade política e, ao mesmo tempo, a primeira palavra do secretário foi de aderir ao Susp [Sistema Único de Segurança Pública]. E eu acho que o caminho nosso agora, dos estados, é justamente na direção de aderir aos Susp, é unir as forças.

Ascânio Seleme: O senhor não acha que exacerba a questão política? Ela não fica exacerbada com a nomeação de um ex-candidato a presidente da República, do ex-governador do Rio de Janeiro, que prefere ser chamado de governador e não de secretário, neste momento? [Ascânio refere-se a Anthony Garotinho]

Paulo Hartung: Vou voltar a dizer: se exacerbar a questão política, vai ser um equívoco. Eu acho que o que nós precisamos neste momento é fazer um esforço de unir. Por exemplo, a Polícia Militar não conversa com a Polícia Civil. Esse não é um problema do Rio, não é um problema do Espírito Santo, não é um problema do Acre, isso é um problema do Brasil. Nós precisamos colocar essas duas polícias para conversarem, e mais do que isso. Ao invés de ficar nesta discussão estética de se nós vamos unir, unificar essas duas polícias ou não, e não vamos sair disso nunca, precisamos criar um sistema que faça com que essas duas polícias tenham uma operação única, que tenham um sistema operacional único, como alguns estados já avançaram.

Luis Nassif: Em relação a esse sistema, como vocês  estão trabalhando lá? O que existe hoje da questão da estatística para poder definir a inteligência contra o crime organizado? Como está sendo montado esse sistema de informações estatísticas, de informações de inteligência?

Paulo Hartung:  Nós temos um sistema de estatísticas muito bem feito, já antecede ao meu período de governo, feito pela polícia militar. Agora o nosso trabalho é unificar todo esse sistema – polícia civil, polícia militar. Esse é o trabalho que nós estamos fazendo. Nós já temos, lá no estado do Espírito Santo, onde ocorre, como ocorreu, em que circunstância, a localização e assim por diante, que é fundamental para o planejamento...

Luis Nassif: O governo tem uma metodologia para ser aplicada uniformemente em todos os estados para uniformizar modos de coleta de pesquisa e de ação contra o crime organizado?

Paulo Hartung: O governo federal está propondo o Sistema Único de Segurança Pública. E nós pretendemos implantar agora, já que aderimos, inclusive, na semana passada, ao Susp.

Marcelo Beraba: O senhor me permite, em relação a essa questão que o Nassif colocou...

Paulo Hartung: A área que o Nassif colocou é também de informação, que é importante. Nós já estamos investindo no Espírito Santo para melhorar a área de informação. Nós, por exemplo, contratamos um equipamento importante. No futuro nós vamos ter que discutir como é que a gente controla isso também, porque informação é poder, mas neste momento a questão é emergencial. Nós já estamos fazendo um trabalho, por exemplo, de gravar quadrilhas, coisa que a gente não fazia no passado. Nós temos agora um instrumento, que é o Guardião, um equipamento desenvolvido no Brasil, com tecnologia brasileira, a partir de um debate entre quem desenvolve tecnologia com a Polícia Federal. É um equipamento que já está prestando um serviço muito importante em desbaratar quadrilhas dentro do setor público e fora.

Marcelo Beraba: Em relação a isso, quando o senhor fala sobre a questão do problema de segurança no Espírito Santo, e de um tempo para cá, a gente está completamente concentrado na questão do crime organizado. Mas o Espírito Santo tem uma tradição de violência na periferia, de índices altíssimos de homicídio. Provavelmente deve ser uma cidade que tem o maior índice por cem mil, não sei. Estava conversando com o Caliman, que me dizia isso, me confirmava isso. Então a gente tem duas realidades distintas de alguma maneira. Uma coisa é o crime organizado que se infiltra, penetra; a outra é a criminalidade, com violência, provocada pelas questões sociais, são duas coisas distintas. Essa segunda parte parece meio obscurecida na questão do Espírito Santo e é importantíssima, não é? Não continua sendo importantíssima?

Paulo Hartung: Continua sendo importante e está sendo tratada com o mesmo zelo e com o mesmo sentido de prioridade no enfrentamento ao crime organizado.

Marcelo Beraba: E vem aumentando da mesma forma, né?

Paulo Hartung: Evidentemente está sendo tratada neste período curto em que nós estamos exercitando o poder no estado do Espírito Santo. E para conseguir enfrentar esse problema, nós temos que quebrar o ciclo, que é um ciclo permanente de impunidade que você tem no estado do Espírito Santo. Ao contrário do que você disse, Beraba, e eu tenho que discordar, e não é numa defesa corporativa do meu estado, porque as coisas erradas a gente não vai jogar para debaixo do tapete. O Espírito Santo, nesse período que eu tenho a responsabilidade de liderar o estado, mas o estado não tem esta tradição violenta que você coloca.

Marcelo Beraba: Tem uma tradição de Esquadrão [da Morte], governador, tem uma tradição de Esquadrão...

Paulo Hartung: Essa é uma história... Tem tradição de Esquadrão, que foi combatido....

Marcelo Beraba: Não, é de escuderia, é bem anterior. [Refere-se à Scuderie Le Cocq].

Paulo Hartung: Não, é do meu tempo de estudante. Tem... e que foi combatido, enfrentado e desmontado. Quer dizer, essa violência é recente. Transformar Vitória... – quem conhece a cidade de Vitória, uma das cidades mais belas, passou na frente de Curitiba agora em qualidade de vida, nós estamos orgulhosos com isso – transformar Vitória na cidade mais violenta do país, isso é fruto de descaso, de desmonte. Só para te dar um dado, Beraba, eu encontrei a Secretaria de Segurança como um traço no organograma do estado.

Marcelo Beraba: Mas é real que seja, não é isso. Ela é realmente uma das mais violentas, não é isso?

Paulo Hartung: Isso. Mas nós vamos enfrentando esse problema, não vamos jogar o problema para debaixo do tapete, como eu disse anteriormente, vamos enfrentar e vamos resolver. Como é que resolve? Resolve quebrando o círculo vicioso da impunidade. Tem que punir, tem que encontrar quem comete o crime, tem que parar de esconder inquérito que tem rebatimento em figurão de sociedade, em empresário famoso, em gente poderosa, e é isso que estamos fazendo no estado.

Eduardo Caliman: Governador, sobre essa questão da impunidade, várias pessoas foram presas no governo José Ignácio, inclusive o cunhado do governador, por envolvimento nas denúncias de corrupção. E essas pessoas hoje estão soltas. O senhor acha que numa possível saída do Gratz, do Carlos Guilherme [Lima, empresário acusado de desviar recursos oriundos de empréstimo de natureza pública, junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), e de colaborar financeiramente na campanha eleitoral de José Carlos Gratz, que teria recebido da Carlos Lima Construtora S/A, um cheque de 25 mil reais], isso possa criar no estado um clima negativo novamente? O senhor acredita que eles vão permanecer na cadeia?

Paulo Hartung: Não sei se vão permanecer, isso não depende da ação do executivo. O que nós estamos fazendo é cuidando do executivo, de reestruturar a máquina do executivo, e tentando contagiar os outros poderes. É um trabalho qu nós estamos fazendo, no sentido de que os outros poderes sejam parceiros, sócios desse enfrentamento. Até agora fomos bem-sucedidos? Fomos bem-sucedidos. Eu acho que a vitória que nós tivemos na Assembléia Legislativa foi emblemática. Limpar a Assembléia Legislativa era um ponto chave da política do Espírito Santo, e nós limpamos. E aí não adianta falar que foi o governador que limpou, não foi. Se eu não tivesse o apoio da força-tarefa, se eu não tivesse o apoio do Ministério Público Estadual e do Poder Judiciário Estadual, nós não teríamos feito aquele movimento. Então, quer dizer, no sentido geral, nós estamos avançando. O que vai acontecer amanhã, depois de amanhã, em relação à decisão deste ou daquele poder, eu não sei. Eu tenho tentado conquistar os poderes para este trabalho de limpeza, de moralização, de uma virada de página que nós precisamos dar no Espírito Santo. Eu diria assim... olha, não virou a página, mas está virando. E a sociedade está apoiando muito.

Eduardo Caliman: Os sete deputados que foram afastados foram reintegrados. O candidato do senhor à presidência disputou com Geovani [Silva, eleito deputado estadual do Espírito Santo (2006), famoso por ter jogado pelo Vasco], ex-jogador de futebol, e ele, na primeira eleição, teve 11 votos contra 19 do Geovani.

Paulo Hartung: Isso.

Eduardo Caliman: Hoje com sete deputados reintegrados, qual a base do senhor na Assembléia? O senhor acredita ter quantos deputados confiáveis ali?

Paulo Hartung: Não sei.

Eduardo Caliman: Na Assembléia de trinta?

Paulo Hartung: Temos que testá-la. Ela não foi testada ainda.

Rui Nogueira: O senhor só tem 11 de trinta, né?

Paulo Hartung:  Eu testei a base anterior, né? Quando votei a limpeza na legislação tributária. Para quem não sabe, eu encontrei o Espírito Santo com duzentos tipos de regimes especiais de ICMS, privilégio de tudo quanto é tipo na legislação de ICMS do estado. Nós conseguimos limpar, mandamos para a Assembléia o projeto e ele foi aprovado. Com esta nova composição da Assembléia, nós ainda não testamos, será testada nos próximos dias. Evidentemente a gente conta com um elemento muito importante ao nosso lado, que é a opinião pública, que é o cidadão, que é a mobilização do cidadão, em torno desse projeto de reconstrução do nosso estado.

Rui Nogueira: O senhor tem feito das tripas coração no estado e mostrado crença absoluta num apoio do Governo Federal. O senhor já disse que a inflação estava para o governo Fernando Henrique como a segurança pública vai estar para o governo agora. Consta em Brasília que o Jorge Viana, governador do Acre, chegou a ir ao presidente Lula e disse: “Trate o Hartung como o Fernando Henrique me tratou porque é importante”. Só um exemplo. Muito bem. O Lula foi no seu estado, o presidente Lula, o senhor se integrou ao Sistema Único de Segurança Pública, vai ter direito a cinquenta milhões de um fundo para algo que supostamente é importantíssimo, que tem seiscentos milhões. Diz a mídia que liberou quinze, não liberou, eu entrei hoje no Ciaf [Controle Integrado Administrativo e Financeiro], o senhor não recebeu nada, na verdade. Porque do total de seiscentos milhões, foram executados 3,06 milhões. O senhor acredita que o Governo Federal vai ajudar? Onde o senhor baseia sua crença? Porque eu estou vendo novamente o retrato do Fernando Henrique. E eu olho para o [Antonio] Palocci [ministro da Fazenda durante a primeira gestão do governo Lula (2003-2006)], e vejo que ele é pior que o [Pedro] Malan [ministro da Fazenda durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003)]. Total do orçamento executado: 0,40 até dia 11 de abril. Onde o senhor fundamenta sua crença de que vai ser ajudado no estado?

Paulo Hartung: Olha, o fundamento da minha crença é no Brasil, nos brasileiros, e na capacidade que o presidente Lula está tendo de conduzir o governo da República. Eu acho que o presidente está surpreendendo a muitos! E positivamente. Se o presidente enveredasse neste momento em uma política populista, irresponsável, eu tenho certeza de que ele queimaria completamente a nossa possibilidade de futuro. E não é isso que o presidente está fazendo. O presidente e seu governo estão trabalhando numa política monetária responsável, uma política fiscal responsável. Na hora de decidir o salário mínimo, tiveram tranqüilidade para decidir, e na hora de decidir o aumento dos servidores públicos tiveram tranqüilidade para decidir. Eu tenho minhas convicções, eu acredito no nosso país, eu acho que nós temos oportunidades enormes, janelas de oportunidades, com tudo isso que está passando no mundo, e nós devemos estar atentos a essas janelas. Eu acho que apoiar o governo do presidente Lula, apoiar nas duas reformas que nós vamos esta semana apresentar ao Congresso, vamos apresentar. Porque essas não são propostas do presidente, são propostas do país. Melhorar o sistema tributário do país, acertar a legislação de ICMS. Isso não é uma bandeira de um presidente da República, é a bandeira de um país! Quer dizer, diminuir a incidência na cadeia produtiva de tributos e contribuições que são nocivas à competitividade de produtos brasileiros, isso é um ponto positivo para todos nós. Reformar a previdência, desatar o nó, a propaganda é essa. E é desatar o nó da questão fiscal que hoje afeta o preço do dinheiro no país, que hoje afeta as questões fundamentais da vida do nosso povo, até a falta de dinheiro. Então, tenho crença. Agora, não apoio o governo porque o governo vai liberar isso ou aquilo. Acho que o governo vai liberar os recursos na área de segurança pública, que você me pergunta. Acho até que vou fechar a negociação dos royalties [do petróleo] e ainda vou dobrar o ministro Palocci que está jogando muito duro, realmente, com o governo do Espírito Santo. 

[Sobreposição de vozes]

Paulo Hartung: Mas não é isso que vai condicionar – só para te dizer – não é isso que vai condicionar meu apoio ao caminho certo que o presidente está traçando para o nosso país.

Paulo Markun: Governador, eu só queria que o senhor explicasse para o nosso telespectador, que negociação é essa, porque tem muita gente que certamente ignora o fato de que são 318 milhões, é isso?

Paulo Hartung: Eram, quando nós estávamos negociando quatro anos. A negociação evoluiu para uma hipótese de vinte anos e voltou para uma hipótese de dez [anos], ainda não fechamos.

Paulo Markun:  Mas a idéia é comprar os royalties antecipadamente?

Paulo Hartung: Exato. Antigamente, no governo passado, a legislação brasileira permitia antecipação de royalties. Você antecipava, o risco era pequeno da operação, porque se a exploração aumentasse, a diferença era paga ao governo do estado posteriormente. A Lei de Responsabilidade Fiscal, no entendimento do Ministério da Fazenda, da área jurídica do Ministério da Fazenda, proibiu uma antecipação de royalties. O que eles estão propondo ao governo do Espírito Santo é uma compra definitiva dos royalties do estado nos próximos dez ou vinte anos, ou oito anos. São hipóteses que nós estamos trabalhando. Numa compra definitiva, o risco é maior. Eu acho inclusive que o risco é maior para o Espírito Santo, porque a evolução da produção de petróleo no Espírito Santo é espetacular nos últimos dois, três anos.

Paulo Markun: Só para entender: se produzir mais petróleo, o lucro é do Governo Federal?

Paulo Hartung: O lucro do governo federal. Então nós precisamos calcular bem o valor dessa operação.

Rui Nogueira: Qual é a base desse cálculo que o senhor comunicou? Quatro anos, trezentos milhões? Não era isso, trezentos milhões, 319?

Paulo Hartung:  Trezentos milhões a preço bruto, né? Tinha que trazer, tinha... 

Rui Nogueira: Sim. E se for dez anos?

Paulo Hartung:  Tinha que trazer ao valor do dia em que a operação fosse fechada. Teria um desconto nesse...

Rui Nogueira:  Mais ou menos, até para o telespectador ter uma noção, até pelas contas do estado...

Paulo Hartung:  A ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis] nos deu um número de vinte anos.

Rui Nogueira: Quanto?

Paulo Hartung: Incluindo participações especiais, seriam quatro milhões brutos.

Luis Nassif: Governador, só uma conta financeira, não cai nessa não, viu! [risos] Porque depois de dez anos, com a taxa de desconto, o que vem depois de dez anos é zero. Não entra nesta da ANP, não. Pega uma calculadora financeira, que eles estão enrolando o senhor. [risos]

Paulo Hartung:  Estamos calculando... Eu fui economista, você sabe disso. Antes de ser político, me formei economista. [risos]

Luis Nassif:  Depois dos dez anos é [...]. [risos]

Ascânio Seleme:  Só uma questão do bloco, aqui. Ao contrário do Markun, que mora em Florianópolis e, portanto, não conhece a violência, Beraba e eu moramos no Rio de Janeiro e a vemos quase todo o dia na porta da nossa casa. O senhor tem medo? Lá no Rio de Janeiro, a coisa é assustadora. O senhor se sente desprotegido como governador do estado no Espírito Santo?

Paulo Hartung:  Olha, qualquer ser humano que tem uma reflexão sobre a vida, tem receios, tem medos, não é só da violência do dia-a-dia, do cotidiano. Isso é próprio do ser humano que não consegue se olhar para dentro e ver as suas apreensões...

Dora Kramer: Não, governador, é medo da violência, não é esse medo filosófico, não. O senhor está muito filosófico.

Paulo Hartung:  Eu chego lá.

Dora Kramer:  É da violência, do bandido, de ser morto.

Ascânio Seleme:  O senhor tem escolta? O senhor tem segurança pessoal?

Paulo Hartung:  Tem segurança e...

[...]:  Sua família toda tem?

Paulo Hartung:  E cuido da segurança, acho que é uma obrigação do cargo que eu estou exercendo. Agora, evidentemente, meu objetivo, o objetivo da equipe que está comigo, eu levei uma equipe de fora do Estado; o secretário de segurança, eu trouxe de fora do estado, para o Espírito Santo. É um policial federal com vasta experiência na polícia civil de Brasília, doutor Rodney Rocha Miranda, policial conhecido. Ele levou junto com ele uma equipe de trabalho. Nós estamos montando esta área bem, nós estamos montando uma área boa de inteligência na polícia. E eu tenho certeza que rapidamente, no tempo que é possível, com todas essas dificuldades administrativas e financeiras que eu herdei, nós vamos dar tranqüilidade para nosso estado. Nós vamos colocar a área pública, a área da segurança, dos serviços públicos, no mesmo patamar desse Espírito Santo que dá certo, desse Espírito Santo da CST [Companhia Siderúrgica de Tubarão (Espírito Santo)], que na semana passada, ao receber o presidente da República, anunciou mais um bilhão de dólares de investimento na sua planta industrial. Espírito Santo que produz hoje uma série de produtos que contribuem... Os portos do Espírito Santo que são os portos mais eficientes do Brasil, e pouca gente conhece, sozinhos, eles operam 10% do que o Brasil exporta em valor, em dinheiro, e 32% em toneladas. Então, o nosso desafio é enorme, eu chamaria de um desafio gigantesco, mas possível. E eu tenho certeza de que nós teremos capacidade de reordenar o setor público do estado do Espírito Santo.

Paulo Markun: Governador, nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos daqui a instantes com a continuidade do Roda Viva. Até já.

[Intervalo]

Paulo Markun:  Estamos de volta com o Roda Viva que entrevista esta noite Paulo Hartung, governador do Espírito Santo. Governandor, perguntas de telespectadores. Fátima Gonçalves, da cidade de Oriente, interior de São Paulo, desempregada, pergunta se o senhor acha que havendo uma redução do número de pessoas no Senado, a corrupção poderia permanecer ou ser menor? Eu vou fazer as três perguntas juntas. Oscar Simião de Sumaré, São Paulo, diz o seguinte: “O crime organizado existe e permanece no Brasil por causa da corrupção nos três poderes, a sociedade não está organizada e sofre com isso”. E finalmente, Ricardo Lugon Arantes, que manda sua pergunta pela internet, não identifica sua cidade, diz o seguinte: “No combate ao crime organizado...” – além dele cumprimentar o saneamento do legislativo e executivo – ele pergunta: “E o judiciário, o que o senhor vê de [...]?” [Paulo Hartung sorri] “Porque no fundo” – só para emendar – “o governo, o estadual, quando muda, troca secretário, secretário-executivo, os cargos de confiança. Na Assembléia Legislativa, de alguma maneira, já houve uma modificação, mas no judiciário, isso não acontece, não há quem faça isso.

Paulo Hartung: Olha, a primeira pergunta, é sobre o Senado. Eu fui senador antes de ser governador do estado. Senado é uma instituição importante para o país, para os estados federados. O Senado é a casa que equilibra a representação e dá a mesma representação a todos os estados federados. Então um estado, por exemplo, pequeno como o Espírito Santo, que tem uma população pequena, tem a mesma representação do estado de São Paulo. Eu acho que não é positivo mexer nessa representação. Você pode discutir, por exemplo, a questão dos suplentes, que é uma questão que vem à tona e é discutida de tempo em tempo, e outras questões em relação ao funcionamento do Senado que pode melhorar muito. Mas eu acho que o Senado é uma instituição importante. Eu, particularmente, o considero, inclusive, uma instituição que tem crescido no debate nacional, que tem prestado serviços importantes no debate nacional. Um desses serviços foi a CPI do Judiciário, onde foram discutidas questões importantes do judiciário. Eu, pessoalmente, sou a favor do controle externo do judiciário. E acho que o presidente colocou um tema positivo para ser discutido pela sociedade. Nenhum poder pode exercer a sua função sem controle. O legislativo tem um certo controle da sociedade, de quatro em quatro anos, bem ou mal, e digo bem ou mal, olhando para os partidos, que escolhem os candidatos, mas olhando para a sociedade também, que muitas vezes não debate a escolha do legislativo na proporção da importância desse poder no contexto do espaço democrático do nosso país. O legislativo tem uma renovação, tem uma cobrança, tem um sistema de controle, o executivo também. E o judiciário precisa ter uma estrutura de controle, ela pode ser discutida, não é para – e aí eu vou repetir a expressão do presidente – não é para uma ingerência na sentença que o juiz vai protocolar, sabe...

Ascânio Seleme:  [interrompendo Hartung] Eles poderiam ter mandatos?

Paulo Hartung:  Como?

Ascânio Seleme:  Mandatos por tempo determinado, eleição e mandatos dos juízes dos tribunais, dos ministros?

Paulo Hartung:  Não é nossa tradição, eu não vejo assim. Eu acho que é estrutura de controle mesmo a ser montada no debate...

Rui Nogueira:  [interrompendo Hartung] O que é o controle externo para o senhor?

Paulo Hartung: ... da reforma do judiciário que está no Senado e que deve evoluir, espero eu, depois que a gente consiga evoluir estas duas reformas que estão em debate, que é a reforma da Previdência e a reforma tributária.

[Sobreposição de vozes]

Josemar Gimenez Resende: Governador, o senhor não acha que [o controle externo] não promove ingerência no poder, que um controle interno bem estruturado seria melhor?

Paulo Hartung: Não, controle interno bem estruturado nós já temos em algumas estruturas do poder judiciário, justiça seja feita, funcionando até muito bem. Eu acredito que seja importante ter um controle que vá além deste controle interno, que é um controle externo com a participação maior, e isso é mais do que desejado. Quando os juízes, quando os magistrados refletirem e, de certa forma, conseguirem dar um passo à frente, numa visão muito corporativa que existe dentro da estrutura do judiciário, eu tenho certeza de que isso é um bem, é um ponto positivo para estrutura do judiciário.

Dora Kramer:  Por que o senhor acha que eles reagem negativamente?

Luis Nassif: Teve caso lá do Espírito Santo de juiz que foi morto também. Como foi o seu trabalho, como tem sido o trabalho aqui para poder ganhar o judiciário e como ele tem se comportado nas diversas instâncias? O pessoal de primeira instância e o pessoal dos tribunais? De que forma é feito esse trabalho político para ganhar adesão do judiciário?

Paulo Hartung:  Olha, o trabalho não é só meu, eu não posso resumir como um trabalho do governador. Eu acho que a pressão da sociedade hoje no Espírito Santo é muito forte no sentido da mudança, no sentido da reconstrução das instituições públicas. E isso de certa forma tem nos ajudado a contagiar as instituições, seja no primeiro grau, no segundo grau, eu sinto que essa evolução é muito positiva.

Luis Nassif: Pegando essa questão da informação, vocês têm levantamento estatístico, por exemplo, sobre sentenças de juízes, juiz que sistematicamente favorece um contraventor ou, pelo contrário, aqueles heróis que estão na linha de frente também, correndo risco. Quando se fala em controle, é muito importante também você ter informação disponível para saber quem é quem. Esses levantamentos não existem, né?

Paulo Hartung: Não existem e com controle externo existirão. Nós poderemos também saber por que um determinado processo que foi investigado com zelo, que tem as provas, que tem todo um levantamento feito, em determinado momento, paralisou na gaveta de um juiz, e nunca mais deu um passo. Então, esse controle é necessário.

Dora Kramer: Governador, por que o senhor acha que o judiciário reage tão negativamente, não só à crítica, mas a qualquer senão que se ponha à atuação desse poder?

Paulo Hartung:  Eu acho que é há um viés corporativo mesmo, muito forte, que não quer abrir o poder judiciário ao debate público. E nós precisamos quebrar esse viés com argumentos consistentes. Não precisa ir para o confronto, pois o confronto não é o melhor caminho. Mas precisa de bons argumentos para que esse poder, como os outros poderes que precisam evoluir, como os outros poderes que têm os seus problemas possam evoluir também junto com a sociedade.

Dora Kramer:  O discurso do presidente foi lido, em alguns setores, como um discurso de confronto, um discurso até de desrespeito. Algumas pessoas concordam com isso e outras discordam. Qual é a sua posição a respeito?

Paulo Hartung: Discordo completamente, até porque eu estava ao lado e assisti. Eu acho que o presidente trouxe um tema para ser debatido pela sociedade.

Dora Kramer:  Numa abordagem correta?

Paulo Hartung:  Numa abordagem correta, e acho que é papel das lideranças políticas...

Paulo Markun:  [interrompendo Hartung] E de caso pensado?

Paulo Hartung:  Aí só o presidente pode dizer. [risos]

Paulo Hartung:  [retomando] ...acho que é papel das lideranças políticas, inclusive das lideranças do executivo organizarem a agenda de debate do país. Eu acho que aí o presidente cumpre esse papel, e tanto que o debate está posto, aqui e na rua.

Eduardo Caliman: O senhor não acha que é preciso haver também mudança na formação do Tribunal de Contas? Porque hoje a indicação dos conselheiros é política. O senhor acha que essa é a melhor forma?

Paulo Hartung: Eu acho. Eu trabalhei esse tema quando eu adaptei a Constituição Federal, eu era deputado estadual. Eu trabalhei esse debate nessa adaptação. Eu acho que o Tribunal de Contas, talvez até com outra estrutura, talvez até com outro nome mais adequado, ele deveria ser composto de membros concursados. Isso deveria ser uma carreira de profissionais com capacidade de auditar as contas, de acompanhar as contas do poder executivo, dos demais poderes, das prefeituras municipais, como é o caso do nosso estado, que tem um tribunal funcionando para todo o estado. Eu acho que essa é uma área que vai uma hora evoluir também no nosso país.

Rui Nogueira: O senhor quando assumiu, ao contrário da sua colega, Rosinha Garotinho, no Rio, o senhor não atacou, pelo contrário, defendeu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Apertadíssimo com as contas, o cofre completamente estuprado, mas o senhor disse que não era a hora de ficar rasgando a Lei de Responsabilidade Fiscal, [mas] que haveria uma hora, sim. Quando é que vai ser essa hora de renegociar os termos da Lei de Responsabilidade Fiscal? O senhor se queixou do comprometimento da receita líquida que é muito alto, mas quando o senhor acha que pode acontecer isso?

Paulo Hartung: Eu acho que aí você está misturando duas estações. Uma é Lei de Responsabilidade Fiscal, que eu votei como senador. Lutei muito pela aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que eu acho que é um diploma importantíssimo para o país, para disciplina fiscal do país. Ela tem imperfeições, essa é minha observação. Não acho que seja a hora de corrigir essas imperfeições. A outra coisa que eu tratei foi dos contratos, por exemplo, o contrato da dívida. Eu disse que não era hora de romper, nem de modificar, nem de alterar esses contratos de endividamento. Seria um péssimo sinal, foi minha expressão. Um péssimo sinal para os agentes econômicos internos e para os agentes econômicos externos, e nós governadores não deveríamos dar. Vai ter uma hora em que vamos ter que nos debruçar sobre esses contratos? Talvez sim, se nós não encontrarmos outro caminho que tire as máquinas públicas estaduais do canto do ringue fiscal que elas se encontram no momento. Com a baixíssima capacidade de investimento, com a baixíssima capacidade de dar resposta aos anseios da população.

Marcelo Beraba:  Governador, se o senhor me permite pegar uma questão mais política, o senhor falou em vários momentos aqui, de uma maneira crítica, por exemplo, com relação ao governo do Rio, e que é do seu partido. O senhor se sente bem no PSB? O senhor está confortável? Como é esta questão político-partidária para o senhor? A impressão que a gente tem é que há algum desconforto no PSB.

Ascânio Seleme:  O senhor está próximo a sair do partido, essa é a impressão.

Paulo Hartung:  Não, me sinto bem, não estou próximo a sair do partido. Todo partido tem problema. Eu, na verdade, até confesso, já mudei de partido demais, então a autocrítica que tenho da minha militância política, na vida da gente. A gente tem pontos fortes e pontos fracos, eu considero esse um ponto fraco da minha carreira política, fruto de dificuldades locais. Eu saí do PSDB, um partido com o qual eu tinha muita identidade, com muita gente que militava dentro dele, por um problema local, um problema de uma disputa com o ex-governador do estado do Espírito Santo, no momento em que ele usou o banco do estado para pagar conta de campanha. E eu não poderia aceitar essa atitude do ex-governador calado. Ali teve uma ruptura, quer dizer, deixei o PPS, partido em que tenho grandes aliados e tenho uma parte da minha história e da minha formação política. O PPS é um pouco a minha escola política. [Deixei] Por problema de tempo de televisão, e pela organização da campanha no meu estado. Então não tenho vontade nenhuma de mudar de partido, o PSB tem divergências, o PT tem divergências. Quem assistiu televisão hoje sabe, por exemplo, o PT está no poder, tem divergências, tem problemas, terá que resolver, arbitrar esses problemas...

Marcelo Beraba: Diante de uma reforma política hoje, portanto, o senhor seria a favor da fidelidade partidária, da dificuldade de deixar o partido? Como é que seria?

Paulo Hartung:  Sim, desde que você crie estruturas partidárias compatíveis com a vida democrática, coisa que nós não temos na história política recente do nosso país.

Josemar Gimenez Resende: Governador, estendendo um pouquinho na pergunta do Beraba, por exemplo, nessa questão do desconforto do partido. Por exemplo, um ministro do seu partido, Roberto Amaral [Foi ministo da Ciência e Tecnologia], disse, por exemplo, que essas diferenças do PSB com o governo atual do Lula existem e cada vez mais ela ficam mais acentuadas. O senhor concorda com ele ou não?

Paulo Hartung:  Não, ele pode ter as divergências, outras facções do partido...

Josemar Gimenez Resende: Mas ele fala como um homem partidário ali, que as diferenças existem e cada vez mais elas ficam acentuadas.

Paulo Hartung: Da minha parte, eu tenho muita identidade com o que o presidente e sua equipe está fazendo. Eu já declarei isso aqui hoje, muita identidade.

Marcelo Beraba:  O problema é saber se o senhor tem identidade com o partido.

Paulo Hartung:  Vamos ter que discutir no partido e aí é natural. Mas eu tenho e não vou esconder... Se o partido, em determinado momento, colocar essa questão da política, da política econômica, da política monetária, da política fiscal, disso, daquilo, nós vamos colocar nossa posição. E acho isso positivo, porque nós vamos evoluir politicamente e partidariamente, debatendo.

Luis Nassif:  Voltando para a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma grande arma que ela tinha no começo era esta: a possibilidade de quem não cumprisse a lei ser punido. Então, nós temos esse caso do governador de Minas, Itamar Franco, que não cumpriu a lei. No caso do seu estado, como fica a posição, perante a lei, do seu antecessor José Inácio?

Rui Nogueira: Que também não cumpriu. Quando o senhor chegou no governo, descobriu...

Luis Nassif:  ... que tinha um bilhão aí... Como fica do ponto de vista penal?

Paulo Markun: Nassif, essa é a pergunta de Francisco Vinheli, aqui de São Paulo, que vai mais fundo. Ele diz o seguinte: “O senhor, como um dos criadores da Lei de Responsabilidade Fiscal, não acha que um ex-governador que a infringe deveria ser preso”?

Paulo Hartung:  Acho, claro, não tenha dúvidas. E a lei prevê punição para aqueles que venham a descumpri-la.

Luis Nassif:  Mas, na prática, o que está acontecendo?

Paulo Hartung:  O que está acontecendo o telespectador precisa entender, e quem tiver dúvidas. Nós estamos no prazo de prestação de contas. A prestação de contas do último ano, dos governadores que deixaram o mandato, é agora neste período. Ela é enviada para a Assembléia Legislativa, que distribui para o Tribunal de Contas, que dá um parecer prévio; depois volta para a Assembléia emitir um parecer final sobre as contas. Nesse processo, o Ministério Público pode se pronunciar, pode, inclusive, levar uma denúncia contra o ex-governador. Então...

Luis Nassif:  Mas o Ministério Público pode atuar, mesmo que a Assembléia, por razões políticas...

Paulo Hartung:  Pode atuar. O Ministério Público tem assento nos Tribunais de Contas, é importante dizer, tem a sua representação e pode atuar. No caso do Espírito Santo, já está atuando, só para falar do Espírito Santo porque os sindicatos dos funcionários públicos fizeram a denúncia. E o doutor [Geraldo] Brindeiro, inclusive, já distribuiu para um procurador-geral da República, o sub-procurador, que é o doutor Santoro, para que ele analise as contas do último ano do governo, do ex-governador José Inácio.

Ascânio Seleme:  E ele vem se defendendo, governador? Como é que o ex-governador José Inácio se comporta nesse processo todo?

Paulo Hartung:  Não, esse ainda não começou. Agora é que vai se ter a documentação que irá permitir ao Ministério Público agir ou não. E acho que vai agir em relação às contas do ex-governador.

Ascânio Seleme:  Mas ele está em Vitória, está acessível?

Paulo Hartung:   Não sei, não tenho...

Ascânio Seleme:  O senhor não tem notícia dele.

[...]: Serviço de inteligência aí.

Dora Kramer: Vamos falar de reforma um pouco, vamos falar de reforma, governador? Amanhã, não, terça, quarta, né?

Paulo Hartung:  Quarta-feira. Estaremos lá.

Dora Kramer: Quarta-feira, vocês, 27 governadores, vão à Brasília com o presidente entregar um projeto, ante-projeto das reformas, ao Congresso. Por enquanto na questão dos inativos, por exemplo, onde só os governadores têm unanimidade, só governadores concordam, é uma questão que interessa muito mais aos governadores, até mais que ao governo federal, que me parece estar cumprindo um compromisso com governadores quando defende firmemente essa proposta. O senhor acha que os governadores têm força junto às bancadas para conseguir que prevaleça, que seja aprovada essa cobrança da taxação dos inativos?

Eduardo Caliman: Só emendando a pergunta dela, o deputado Nilton Baiano, deputado federal do Espírito Santo, já declarou que é contra a taxação dos inativos.

Dora Kramer:  Sim. Ele e a torcida do Vasco, do Flamengo, só governadores estão a favor.

Eduardo Caliman:  Sim. Já existe reação na bancada do Espírito Santo quanto a essa reforma. Como vai ser esse convencimento, como vai ser esse trabalho do senhor para tentar convencer?

Paulo Hartung: Olha, eu acho que nós estamos vivendo um momento inicial desse debate. O convencimento dos governadores é importante? É importante.

Dora Kramer:  Perguntei se o governador tem força junto às bancadas?

Paulo Hartung:  Sozinhos, não.

Dora Kramer: Tem que ter mais quem? Porque estão sozinhos, na unanimidade estão sozinhos.

Paulo Hartung:  Acho que não estão sozinhos. Amanhã estarão reunidos em Brasília os prefeitos das maiores cidades.

Dora Kramer: Também interessa a eles.

Paulo Hartung: Eles são parceiros nesta luta. Acho que vão caminhar na mesma direção dos governadores, até porque na reforma tributária, o governo federal, o presidente, o ministro Palocci e os governadores aceitaram a reivindicação dos governadores de manter o ISS [Imposto Sobre Serviços] como cobrança; ISS é um imposto importante como cobrança municipal. É importante porque o setor econômico que mais cresce no mundo e no Brasil é o setor de serviços. Não é a taxação do velho ICMS ou de um futuro IVA [Imposto Sobre Valor Agregado] que é a mais importante. Os governadores têm interesse, e a gente tem que colocar isso com todas as letras. Nós temos um problema fiscal brutal, e também os prefeitos têm interesse, o país tem interesse.

Paulo Markun: Mas o senhor acha que a opinião pública está acompanhando esse debate, está envolvido nesse debate?

Paulo Hartung:  Não, claro que não. Eu acho que o governo começou uma campanha publicitária bem feita. É a primeira vez que se faz uma campanha publicitária sobre os temas das reformas com uma boa abordagem, na minha visão, mas muito aquém de um convencimento geral que precisa ser feito.

[...]: Mas não fala de tema, não.

[...]: Não fala dos temas.

[...]: Fala da reforma em geral, né?

Paulo Hartung: Acho que a abordagem inicial é boa. Vamos ver evolução da campanha, Beraba.

Dora Kramer:  Campanha está contestada na justiça pelo próprio PT, diga-se.

[...]: Disse que vai contestar.

Josemar Gimenez Resende: O senhor não acha que esse convencimento dos governadores em cima das bancadas fica muito mais difícil com essa divisão na bancada do PT? Porque na verdade tem esse levantamento, acho que foi até a própria Folha que fez, de 50%, 42%, não é? Não fica muito mais difícil o convencimento dos governadores em cima das suas bancadas enquanto o próprio PT está super dividido?

Paulo Hartung: Meu raciocínio é um pouco diferente do seu. Eu acho que nós já aprovamos a contribuição de inativos no Congresso Nacional.

Dora Kramer: Quanto, governador?

Paulo Hartung:  Nós já aprovamos e foi derrubada.

Dora Kramer:  Aprovou pelo Supremo.

Paulo Hartung: Derrubada pelo Supremo.

Dora Kramer: E aprovou na CCJ  [Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania] da última vez e por lá ficou.

Paulo Hartung:  Aprovou no plenário, por lei.

Dora Kramer: Não, uma delas aprovou no plenário; o PT apresentou uma ação direta de inconstitucionalidade, e o Supremo derrubou.

Paulo Hartung: Exato.

Ascânio Seleme: O deputado Paulo Hartung, o senador Paulo Hartung já se deparou com esse tema antes. Como é que o senhor se comportou?

Paulo Hartung:  Eu sempre fui a favor da contribuição, inclusive nós implantamos na prefeitura de Vitória, funciona até hoje com muito sucesso. Então, eu acho que uma parte importante da militância política do país tem convencimento favorável e sabe da importância de desatar esse nó que é um nó que tem um rebatimento extremamente negativo nas contas públicas do nosso país. A outra parte, que historicamente fez oposição à cobrança, é a parte que o presidente tem a melhor facilidade de interlocução. Eu acho que nós estamos começando o debate, volto a dizer, e a minha esperança é positiva em relação ao tema, em relação à aprovação da reforma da Previdência, da contribuição de inativos e também da reforma tributária que tem um papel importante nesse processo de retomada do desenvolvimento econômico. Como é que isso chega na população? Chega na população pelo objetivo que nós temos, que é fazer o país crescer. E o país não vai crescer a taxas razoáveis, com o nível de desorganização das contas públicas que nós temos no país na atualidade.

Marcelo Beraba:  O PSB vai fechar a questão?

Paulo Hartung:  Se depender de mim, sim.

Marcelo Beraba: Mas ele tem condições de fechar a questão sobre isso?

Paulo Hartung: Eu vou, como militante, debater as minhas idéias, a minha visão, dentro do PSB.

Dora Kramer: A governadora do Rio já disse que é contra a taxação dos inativos, não disse? Apesar de o marido dela, quando governador, ter cobrado e depois ter reclamado quando o Supremo derrubou essa cobrança.

Paulo Hartung:  O Rio cobrou.

Dora Kramer:  Cobrou, mas ela já disse agora que é contra.

Paulo Hartung:  Agora, na reunião dos governadores, no momento final da reunião, nós fechamos os 27 governadores em torno daquele documento.

Rui Nogueira: Até por experiência, o senhor foi senador e já deixou claro aí que nenhum governador manda na bancada federal, pode ter apoio e tal, mas não manda a ponto de dizer assim “quero todos votando”. Ninguém é dono das bancadas. Dá para os governadores fecharem questão, como vocês estão fechados, dizendo: “Queremos a contribuição dos inativos”? Quando o líder do partido do governo, Nelson Pellegrino, faz uma votação como, por exemplo, na PEC 53 [Proposta de Emenda à Constituição. A PEC 53, proposta pelo Senado Federal, abre o caminho para uma reforma do sistema financeiro por meio da revogação do Art. 192 da Constituição, que dispõe sobre a estrutura e critérios de funcionamento do Sistema Financeiro Nacional (SFN)], vota a favor, mas vai lá e faz um voto de protesto contra a medida, contra a PEC do sistema financeiro, que abre chance para criar autonomia do Banco Central. Foi lá, votou a favor porque é líder do governo, mas deixou claro, deixou registrado. O líder do partido do governo, Nelson Pellegrino, deputado do PT da Bahia, deixou registrado que ele é contra a medida, que não quer autonomia do Banco Central e tal. E já disse que é contra a cobrança da contribuição de inativos. Dá para aturar esse tipo de coisa?

Paulo Hartung:  Veja bem. Primeiro, é uma cobrança de inativos acima de um valor, de  1058,00 mil reais.

Rui Nogueira: Não, isso eu entendo governador, mas, assim, dá para aturar esse comportamento da bancada do PT desse jeito?

Paulo Hartung: Quer dizer, você não vai atingir os aposentados que têm uma aposentaria menor, mas vai dar um tratamento diferenciado. Isso é uma coisa muito importante para mostrar a forma como está se cuidando dessa questão na atualidade. Problemas dentro de partido todos nós temos. Se a gente mergulhar assim um pouquinho para trás, sete anos trás, e olhar as dificuldades na bancada do PSDB, no início do governo Fernando Henrique Cardoso, nós vamos encontrar também dificuldades, rachas. O tempo, as coisas, os conceitos vão sendo consolidados. E é isso que nós precisamos, é de tempo, é de diálogo, é de conversa. Agora, evidentemente, a minha visão é que nós precisamos acelerar um pouquinho essa conversa porque temos este ano, quando chegar o ano que vem, nós temos eleições municipais, aí fica muito difícil tramitar com matérias complexas dentro do Congresso Nacional.

Ascânio Seleme:  O senhor me desculpe, mas acho que o que ele queria perguntar, não sei se estou me intrometendo, é: o senhor expulsaria do seu partido parlamentares que votassem contra o senhor, contra projetos do seu governo?

Paulo Hartung: Olha, depende do projeto, depende da discussão, depende de forma que for amadurecida a questão dentro do partido. Cada partido tem a sua estrutura. Eu acho que eu não tenho que dizer para o PT o que ele tem que fazer. Eu tenho que debater no meu partido, a posição do meu partido em relação às reformas, e é o que eu vou fazer. Eu só respeito a posição do PT, porque outros partidos já viveram no governo problemas semelhantes. O ato de governar é um ato de alta complexidade, principalmente num país como o nosso, que tem a limitação de meios que nós temos. Muitas vezes, na oposição, o olhar é um olhar...

Paulo Markun:  [interropendo] De bravata.

Paulo Hartung:  Incompleto. Como?

Paulo Markun:  Um olhar de bravata, como diria o presidente Lula.

Paulo Hartung: É um olhar incompleto. No governo você tem que lidar com essas limitações, com essas dificuldades. Você tem que fazer o recurso aparecer, tem que criar um sentido de prioridade nas coisas. E eu acho que é isso que a experiência do governo do presidente Lula está demonstrando. Acho que essa questão, Rui, vai amadurecer nas bancadas, e eu tenho muita fé de que esses dois projetos da reforma vão ser aprovados. Eu acho que isso conclui uma etapa de transição. Nós estamos aí com o risco Brasil [o mesmo que risco-país, indicador que tenta determinar o grau de instabilidade econômica de cada país, calculado por agências de classificação de risco e bancos de investimentos] desabando, uma coisa importante. O dólar desabando, já há até alguns economistas assustados se isso não vai provocar uma dificuldade na balança comercial. Eu acho que os indicadores começam a dar bons sinais. Se nós fizermos a nossa parte, fizermos a nossa parte na área fiscal que o país precisa fazer, eu tenho certeza de que nós vamos entrar num ciclo de desenvolvimento sustentável, e é isso que nós precisamos. Com taxas que permitam ao país incorporar estes milhões de brasileiros que querem trabalhar. E só vão trabalhar se o país crescer, e crescendo resolve muitos problemas, inclusive problemas da arrecadação.

Paulo Markun:  Governador, nós vamos fazer um rápido intervalo, a gente volta daqui a instantes.

[Intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com Roda Viva que, como você pode ver, continua aqui animado nos intervalos. O nosso entrevistado de hoje é o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung. Fábio Flores de Vitória, Espírito Santo, pergunta: “Governador, como o senhor imagina que a educação possa desarmar o crime organizado”? Na mesma linha, Adenilson da Silva, também, da cidade de Serra, Espírito Santo, produtor cultural, pergunta se o senhor não acha que o dinheiro gasto com a repressão ao crime deveria ser gasto com investimento na educação dos jovens. E finalmente, Antônio Henrique, diz o seguinte: “Os índices de violência não seriam apenas sintomas de uma realidade social ainda mais cruel como a situação da educação no Espírito Santo”? E pergunta como o senhor recebeu o resultado divulgado pelo MEC/INEP na semana passada que mostrou o Espírito Santo como o pior da região Sudeste, um dos piores do Brasil na avaliação do ensino fundamental e médio. E ainda dá uma chamada colher de chá, perguntando quais são os planos do senhor para mudar essa realidade?

Paulo Hartung: [risos] Os números são tristes, e nós vamos ter que trabalhar muito essa questão da educação fundamental e da educação média. A educação fundamental numa parceria já com os municípios, em função do Fundef [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério], o ensino médio está focando mais na responsabilidade dos governos estaduais. O investimento em educação cresceu muito no Espírito Santo e no Brasil, principalmente no ensino fundamental. Evidente que nós precisamos avaliar em profundidade o uso desse recurso. O Fundef, indiscutivelmente, foi uma alavanca importante para dotar o setor de recursos. Precisamos avaliar todo o uso desse dinheiro e redirecioná-lo para projetos prioritários no setor educacional. Por isso é que nós estamos replanejando a área. A dificuldade que nós temos no Brasil ainda é o ensino médio, para o qual não temos uma fonte de financiamento segura, e a pré-escola, que também não tem uma fonte de financiamento segura como temos no ensino fundamental. Esses são os desafios.

Paulo Markun: Mas o senhor acredita nessa ligação – que um dos telespectadores fez – entre: “Ah, se gastar mais dinheiro na educação, não precisa gastar em repressão ao crime organizado”?

Paulo Hartung:  Não, esse é um discurso da corporação. Todo o viés corporativo é muito presente quando você cuida do setor público, e eu tenho respeito pelo viés corporativo, mas eu não posso submeter a ação e a formulação de políticas públicas a esse viés. Nós temos que cuidar da educação, mas temos que cuidar da segurança pública, que é um grande desafio, temos que cuidar da saúde, temos que equipar os hospitais, temos que...

Paulo Markun:  Mas governar é tirar de um lugar para botar no outro.

Paulo Hartung: Temos que fazer saúde preventiva e voltar a fazer saneamento neste país.

Paulo Markun:  Tem que arrecadar mais, gastar menos...

Paulo Hartung: Os desafios são múltiplos. Tem uma vantagem na educação porque você tem recursos seguros. Você não pode tirar dinheiro do Fundef...

Paulo Markun:  Sim, está carimbado.

Paulo Hartung: ... para colocar em hospitais. Por exemplo, eu pude pagar os professores, o salário de dezembro, a única categoria que recebeu foi a dos professores, por causa do Fundef, que tem um recurso contitucionalmente vinculado para o setor.

Luis Nassif: Governandor, há muita crítica aí. Em geral se considera que o problema do Brasil é a saúva e a vinculação orçamentária. Se não fosse a vinculação orçamentária, como estaria a área social no seu estado hoje? Os recursos que hoje vão para educação e tudo, na sua opinião, para onde iriam sem a vinculação?

Paulo Hartung: Não, os recursos, o dinheiro público do nosso estado foi muito desviado, Nassif, nos últimos anos.

Luis Nassif:  Não estou falando de furto!

Paulo Hartung: Com vinculação e sem vinculação.

Luis Nassif: Furto é uma coisa! Mas estou dizendo o seguinte. O senhor disse que o ensino básico está assegurado pelo Fundef. Falta uma fonte de financiamento no ensino médio. A saúde tem recurso assegurado por conta de vinculação. Na sua opinião, a vinculação é um bem ou é um mal para esse país?

Paulo Hartung: É um bem transitório, porque é muito mineiro... [risos]

[Sobreposição de vozes]

[...]: É muito tucano!

[...]:  PSDB demais!

[...]:  Muito tucano!

Paulo Hartung: Como técnica de execução orçamentária é um equívoco, você sabe disso, você entende disso.

Luis Nassif: Para o país que tem técnica, né?

Paulo Hartung: Porque as prioridades têm uma evolução permanente na sociedade humana. A vinculação, como um conceito permanente, é um equívoco. Lançou-se mão desse mecanismo pelo descaso histórico com setores essenciais, como foi o caso da saúde, da educação. Até um capixaba, senador que iniciou essa luta, o saudoso senador João Calmon [(1916-1998), definia a si mesmo como “batalhador da educação”], que virou senador da educação, fez esse trabalho, com essa percepção. O ministro [da Educação (1995-2002] Paulo Renato com muita habilidade aproveitou esse recurso e organizou através do Fundef o uso desse recurso, um fato que foi positivo. Agora, pensar em vincular, engessar o orçamento, em perder a flexibilidade, eu particularmente acho que é um equívoco no médio e longo prazo. No curto prazo nós podemos usar, por isso aí a colocação de que parece mineira, mas é...

Luis Nassif: Mas é mineira.

Paulo Hartung:  É tecnicamente mineira. [risos]

Josemar Gimenez Resende: Governador, voltando um pouco à discussão para as reformas, o acerto dos 27 governadores com o presidente em cima da reforma tributária no caso. O senhor não acha que é muito superficial essa reforma? E que o governo está perdendo oportunidade, o país está perdendo oportunidade de aprofundar mais? A proposta não mexe na questão da informalidade; para o ICMS, por exemplo, não fica definida a questão de destino ou lugar de produção. Quer dizer, não daria para aprofundar um pouco mais isso? O senhor acha que a reforma...

Paulo Hartung:  Primeiro eu acho que isso não é aprofundar, o que você está dizendo, desculpe a franqueza.

Josemar Gimenez Resende:  Pois é, mas é tentar...

Paulo Hartung:  Eu vou ser um pouco duro para não ser tão mineiro. Não é aprofundar. Por exemplo, a questão da origem e destino, isso nunca foi uma questão central na discussão do ICMS. A questão central do ICMS é a balbúrdia que se tem na legislação do ICMS. Tem 27 legislações, é uma confusão danada, é uma guerra fiscal que não tem fim. Se conseguirmos organizar uma lei federal de ICMS, isso é um avanço, simplifica procedimentos. Eu acho que inclusive vai aumentar a arrecadação, porque a briga no judiciário vai diminuir. Eu acredito ser um avanço imenso. Quanto à origem e destino, é uma questão que para mexer tem que refazer o pacto federativo.

Paulo Markun:  É que na verdade eles queriam fazer o IVA, né.

Paulo Hartung: Você tem que refazer o pacto federativo.

Luis Nassif:  Em termos de fiscalização, o destino o que significa?

Paulo Hartung:  Se facilita?

Luis Nassif: É.

Paulo Hartung:  Facilita, claro.

Luis Nassif: Fiscalizar no destino?

Paulo Hartung:  No destino facilita, claro.

Luis Nassif:  Se sai de um estado e vai para outro, e tem tanto lugar para você...

[...]:  Na produção não é mais fácil?

Paulo Hartung: A substituição tributária foi um instrumento usado e facilitou muito. Por exemplo, automóvel...

Luis Nassif: Mas aí é na origem, né?

Paulo Hartung:  É na origem que você cobra. Por isso que eu estou voltando. Ter uma legislação única é um avanço enorme. Queria voltar a esse raciocínio da origem destino porque é uma discussão que o Brasil trava permanentemente. Parece que é um grande avanço, uma grande modificação, e eu não vejo assim. Você tem um sistema misto que é um pouco origem, é um pouco destino e ainda tem substituição tributária. É esse o sistema que temos hoje no Brasil. Quer dizer, modificar isso, ou seja, tirar o ICMS que São Paulo recebe hoje para levar para os estados importadores é na verdade quebrar o pacto federativo que foi feito em 1988. Ou seja, ou refaz um pacto como um todo, porque São Paulo pode perguntar a nós, Brasil, também onde está o dinheiro do imposto de renda e do IPI [Imposto Sobre Produtos Industrializados]. E nós podemos perguntar também onde, por que esvaziou o IPI, porque aí é outro problema. Depois de 1988 houve um esvaziamento do IPI. Criaram-se contribuições novas, ampliou-se a cobrança de contribuições, como foi o caso do Cofins, e assim por diante. Ou você senta numa mesa e refaz o pacto federativo equilibradamente ou mexe numa peça dessa como origem-destino, que parece que é uma coisa simples, uma grande modernização, mas que na verdade rompe os laços federativos do país, porque não sustenta uma reforma que tira seis bilhões de São Paulo. Não sustenta! Aqui entre nós, São Paulo não vai fazer parte desse pacto. Eu acho que é um grande avanço a reforma tributária, por quê? Porque dentro desta estrutura tributária que temos hoje no país, estamos buscando modernizá-la, liberando, simplificando e desatando uma série de nós da produção. Por exemplo, tirar a incidência de Cofins na cadeia produtiva, já fizemos com o PIS, é mais um passo. Então eu acredito ser um grande avanço esta reforma tributária. “Ah, não é a reforma dos sonhos”. O que nós precisamos é ter uma permanente disposição em reformar. Uma reforma da Previdência, por exemplo, pode ser feita durante dez anos; deve ter um movimento reformista permanente. Eu acho que é isso que nós precisamos fazer. Agora há duas propostas extremamente razoáveis e que terão enorme influência naquilo que nós queremos: fazer o país crescer e gerar emprego. Esse tem que ser o nosso desafio.

Marcelo Beraba: Governador, eu imagino que pelo menos uma questão nessa área da questão tributária, o senhor deva concordar com a governadora do Rio, que é a questão da cobrança do petróleo. Ou não?

Paulo Hartung:  Eu concordo, desde que se sente na mesa e mude tudo. Mudar só isso...

Marcelo Beraba:  O senhor concorda que é uma injustiça a maneira como é feita hoje?

Paulo Hartung: A questão do petróleo ser cobrado no destino, isso fez parte de uma mesa do pacto de 1988, ou você senta de novo e faz um outro pacto... Porque, para mexer no petróleo, tem que mexer na energia, porque aí o [Roberto] Requião [eleito em 2002 e reeleito em 2006 como governador do Paraná]  vai faz falar assim: “Não, porque eu estou aqui gerando energia e o ICMS está indo para São Paulo, para o Espírito Santo, não sei para onde”. Ou mexe em tudo, ou elenca as questões mais importantes e evolui o sistema tributário, é essa a proposta que está na mesa, uma evolução do sistema tributário. A questão previdenciária é a mesma coisa, é uma baita evolução no sentido de se oxigenar o país do ponto de vista fiscal. Ou a gente oxigena ou não tem como fazer demagogia que vai baixar juros, não vai. Vamos ficar sempre nesse nó.

Luis Nassif: Governador, duas perguntas em relação à questão previdenciária. Por exemplo, essa questão de contribuição sobre inativos com aquele piso que está  sendo discutido. Qual o peso em cima do orçamento geral do estado do Espírito Santo?

Paulo Hartung: Inativos? Nós estamos pagando inativos direto na folha [de pagamento]. Estamos gastando 32% da folha com inativos, nós estamos gastando cinquenta e poucos milhões com inativos, mês.

Luis Nassif: Se colocasse a contribuição em cima, mantido esse piso, quanto vai arrecadar?

[...]:  1,058 milhão.

[...]: Qual é a arrecadação do estado com isso?

Paulo Hartung:  Eu não tenho esse número.

Paulo Markun: Cento e sessenta, né?

Paulo Hartung: Não, arrecadação do estado é 170 milhões, hoje. Aproximadamente, médio.

Luis Nassif: Deixa só eu fazer uma pergunta aqui. Quando a gente pega os estudos, quando a gente fala em Previdência, estamos falando...

Paulo Hartung:  É significativo, é só fazer as contas. Nós estamos gastando 52 milhões com inativos.

Luis Nassif: Quando a gente fala em Previdência, estamos falando sempre de décadas, né? A Previdência é sempre questão de décadas. Nós estamos resolvendo hoje coisas que vão rebater daqui vinte, trinta anos. Ao pegarmos todas as previsões de expectativa de vida dessa classe média, quase globalizada em termos de expectativa de vida, vemos estudos dizendo que daqui a vinte anos, a expectativa de vida pode subir para mais de cem anos, 75 anos. Não se está criando uma fantasia muito grande sobre essa solução do problema previdenciário, simplesmente trabalhando em cima de idade de aposentaria, esticando um pouco o prazo de aposentaria? Será que nossa geração está trabalhando de uma maneira conseqüente para resolver um problema que tende a se agravar cada vez mais, até por conta do aumento de expectativa de vida?

Paulo Hartung: Olha, é uma solução parcial, se vista pelo seu ângulo. Por isso é que eu falo que reformar a Previdência não é tarefa para um governo, para dois governos. É uma tarefa permanente. Outros países que já fizeram reformas importantes na estrutura previdenciária estão estudando novas propostas.

Luis Nassif:  E é esse o ponto, nós não estamos.

Paulo Hartung:  Por quê? Porque você tem um fato extremamente positivo na vida moderna que é ampliar a expectativa de vida do ser humano, que aí, volto a dizer, é coisa para ser comemorada. Mas evidentemente que comemorada com a mão, e com a outra, tem que se fazer cálculo atuarial.

Paulo Markun: Vamos ficar mais tempo com os aposentados com aposentaria miserável e o governo com problema para se resolver, gigantesco.

Paulo Hartung:  Um problema de caixa brutal.

Rui Nogueira: Governador, só pelo jeito como o senhor falou respondendo ao Josemar sobre a reforma tributária, com todos os governadores com quem eu falei, contas, cálculos, todos vão ganhar com essa reforma tributária que o senhor disse que é possível, que vai para o Congresso. Todos eles calculam que vão ter ganho realmente de arrecadação, até porque na hora de definir as cinco alíquotas de ICMS, vai se dar uma paulada ali em alguns assuntos, supérfluos, todo mundo vai aproveitar para enfiar a bota ali no ICMS e em algumas coisas. Tudo bem, a cesta básica vai vir com uma alíquota menor, mas vai vir. O senhor já fez um cálculo e com certeza o senhor vai ganhar. Quanto é que o senhor acha que vai ganhar com essa reforma tributária. Vai ganhar?

Paulo Hartung:  Não sei.

Rui Nogueira:  Como não sabe?

Paulo Hartung:  Nós vamos ter cinco alíquotas e vamos ter que fazer um movimento para encaixar nessas cinco alíquotas os produtos e serviços, alguns serviços que você cobra ICMS, como é o caso da telefonia. Sabemos que a alíquota menor é a cesta básica. Mas nós não temos conta, não temos nenhum tipo de levantamento que nos permita saber qual é o ganho. Eu acho que a gente ganha em simplificação. Ganha também ao cobrar na origem, na produção. E isso está provado, não é estudo de avaliação. Tudo o que se cobrou na produção, a arrecadação ampliou. Diminuiu o campo da sonegação.

Luis Nassif: Do ponto de vista de logística, pode beneficiar o porto de Vitória, que é eficiente?

Paulo Hartung: Pode, pode.

Luis Nassif: Mas não tem nenhum estudo mostrando a área que ele pode abarcar com a simplificação da legislação não, né?

Paulo Hartung:  Não, não tem estudo, o porto de Vitória trabalha...

Dora Kramer: [fala ao mesmo tempo que Paulo Hartung] Governador, do ponto de vista do cidadão, qual é a perda e qual é o ganho, hein?

Paulo Hartung: Eu chego lá.

Dora Kramer:  Tá.

Paulo Hartung:  O porto de Vitória trabalha basicamente com o interior, Minas Gerais, Brasil central, Rio e São Paulo. Movimento maior do porto.

Luis Nassif:  Ferrovia já tem peso grande lá ou não?

Paulo Hartung:  A ferrovia Vitória-Minas tem um peso significativo, levando muitos produtos e trazendo também. Do ponto de vista do cidadão...

[...]:  Do bolso do cidadão.

Paulo Hartung:  Eu acho que o cidadão ganha. Se você tem um ICMS hoje que está no custo de produção e não está sendo recolhido e passa a ser recolhido, o poder público, o governo estadual, as prefeituras municipais passam a ter recursos para investir em serviços públicos essenciais: educação, saúde, segurança pública, e assim por diante. Eu acho que esse é o ganho. Seria uma demagogia, Dora, se eu falasse que vai melhorar a vida do contribuinte, não. Não está se alterando a carga tributária do país, não é disso que trata essa reforma.

Dora Kramer: Então não melhora nem piora? Nesse aspecto, assim, das pessoas...

Paulo Hartung:  Não, não vou usar a expressão “neutra”, porque está tão desgastada essa expressão de que reforma tributária é neutra. [risos]

Josemar Gimenez Resende: Governador, quanto à essa unificação de alíquotas, só vão unificar as alíquotas maiores, porque o estado não vai querer perder. O senhor não acha que isso pode aumentar a carga não? Isso aumenta a carga tributária, porque o estado que tem alíquota maior não vai querer diminuir a alíquota dele.

Luis Nassif: Mas o [...] não vai querer beneficiar o cidadão. [risos]

Josemar Gimenez Resende: O senhor não acha que isso aí vão onerar a carga tributária, que o cidadão vai pagar a conta?

Paulo Hartung:  Eu acho que não, eu acho que....

Dora Kramer: Quem é que paga a conta sempre?

[Sobreposição de vozes]

Paulo Hartung: Eu acho que com cinco alíquotas, você vai diminuir muito a guerra fiscal, você não vai acabar [com ela]. O objetivo dessas cinco alíquotas é outro, bem diferente, é reduzir – a unificação da legislação também – a guerra fiscal que chegou pertinho, se não passou um pouco da irracionalidade, no nosso país. Faz sentido a guerra fiscal num país que não tem política de desenvolvimento regional, que é nosso caso. Mas o que nós precisamos hoje é diminuir a guerra fiscal porque ela passou do limite, e colocar no lugar políticas que pensem as regiões, pense o Norte do país, por exemplo. Para onde nós vamos levar economicamente o Norte do país? Pense o Nordeste, pense o Centro-Oeste; enfim, pense todas as regiões do país, inclusive as sub-regiões, porque tem  sub-regiões no país que precisam ser pensadas também. Eu acho que é esse o objetivo maior dessas cinco alíquotas que estão sendo adotadas com essa proposta.

Rui Nogueira: Agora, está se fazendo reforma tributária, e o senhor sabe o que vai acontecer. O sabe, que eu digo, é: sabe qual é a proposta do ICMS, sabe qual a proposta de unificação da legislação, o senhor sabe tudo isso. Mas, por exemplo, a política regional que o senhor está dizendo que é para... E sabe que tem uma proposta embutida para acabar com a guerra fiscal. Agora, a política regional não existe, o senhor não sabe qual é.

Paulo Hartung: Não existe, terá que ser construída, evidentemente, foi um compromisso que o presidente assumiu....

Rui Nogueira: [interrompendo] O compromisso está lá... Na última hora que o ministro Palocci...

Paulo Hartung:  ... na reunião, principalmente com as regiões mais deprimidas do país – com Nordeste, com Norte, com regiões do Centro-Oeste. Tem uma parte do Centro-Oeste que hoje tem um nível de desenvolvimento magnífico. Está aí a nossa produção agrícola, o agronegócio voando, surpreendendo a todos, mas ficou o compromisso.

Marcelo Beraba: Governador, por favor. Tem uma parte do complexo penitenciário que  está sendo reformada pelo governo federal, não é isso? De Viana, não é isso? Tem um...

Paulo Hartung: As obras estão paralisadas desde o final do governo de José Inácio e vão ser retomadas agora.

Marcelo Beraba:  Agora? E uma parte vai ficar presídio federal?

Paulo Hartung: Nós colocamos à disposição do governo de transformar uma unidade inteira ou parte de uma unidade numa instituição federada.

Marcelo Beraba:  O senhor receberia lá o Fernandinho Beira-Mar.

Paulo Hartung:  Mas o governo federal não deu resposta.

Marcelo Beraba:  Ah, não?

Dora Kramer:  O ministro [Márcio] Thomaz Bastos [ministro da Justiça no primeiro mandato do presidente Lula] está dizendo que o destino definitivo dele é o Espírito Santo, é verdade?

Paulo Hartung: Olha, não vi o ministro dizendo isso.

Dora Kramer:  Não, eu estou lhe dizendo, ele me disse.

Paulo Hartung:  Sim. O ministro tem conversado muito comigo sobre diversos assuntos na área de segurança. Quando nós estivemos com o presidente da República, ele tocou nesse assunto do Fernandinho Beira-Mar, nos dando a informação do deslocamento que este contraventor...

Marcelo Beraba: Contraventor! O senhor está sendo...

[Sobreposição de vozes]

Paulo Hartung:  Narcotraficante, este narcotraficante ia... Como?

Dora Kramer:   O senhor está sendo tucano, tão tucano que chamou...

Paulo Hartung:  Não, o presidente me disse para onde o narcotraficante ia ser levado.

Dora Kramer:  Mas ele vai ou não vai, governador? O ministro está dizendo que...

Paulo Hartung: E não é no Espírito Santo, não houve esse pedido por parte do presidente, nem do ministro. Quando eu desci para a sala de coletiva, eu fui perguntado por um jornalista se o governo tivesse pedido ao Espírito Santo, eu disse que o Espírito Santo, criadas as condições, estaria à disposição, porque acho que neste momento, nós precisamos somar esforços para enfrentar o narcotráfico, o crime organizado.

Dora Kramer:  Se precisar vai, é isso?

Josemar Gimenez Resende: Mas hoje o senhor acha que tem condições de receber esse hóspede tão indesejado.

Paulo Hartung: Não, não temos, infelizmente. Nossa estrutura do sistema penitenciário deixa muito a desejar.

Luis Nassif: Depois que tiver todo o trabalho de limpeza feito, vai ter espaço para o Fernandinho Beira-Mar lá?

Ascânio Seleme: Governador, o senhor também tem um bandidão que é o coronel ligado à Scuderie Le Cocq [refere-se a Walter Ferreira, coronel da reserva da Polícia Militar do ES].

[...]:  Mas está lá no Acre, né?

Ascânio Seleme:  Que está fora. Isso traz algum conforto para administração do senhor? Quer dizer, ter esse homem longe! Parece que lá do Acre ele mandou matar o juiz Alexandre [Em março de 2003, aos 32 anos, o juiz Alexandre Martins de Castro Filho foi assassinado com três tiros, ao chegar na academia de ginástica que frequentava, num bairro de classe média alta da cidade de Vila Velha (ES)], não foi?

Paulo Hartung: Está sendo investigado. É um dos caminhos que estão sendo investigados na questão do mando do crime.

Rui Nogueira:  Quais são os outros caminhos, o que mais que tem?

Paulo Hartung: Nós já conseguimos, as nossas polícias conseguiram prender os executores, os primeiros rapidamente, o executor mais importante foi preso.

Paulo Markun: O chamado “Lombrigão”.

Paulo Hartung: Exatamente, está fazendo agora trinta dias do bárbaro crime... Mas a questão do mando está sendo investigada.

[...]:  Além dessa hipótese, tem outra, governador?

Dora Kramer:  Além do coronel?

Paulo Hartung:  Tem várias hipóteses sendo investigadas, e essa é uma das hipóteses que a polícia estadual está seguindo.

Rui Nogueira:  Agora, ele tinha dado um primeiro depoimento dando a entender a idéia de crime...

Paulo Hartung:  De mando.

Rui Nogueira:  De mando, depois voltou atrás...

Paulo Hartung:  Depois falou em latrocínio.

Rui Nogueira:  Latrocínio, que dizer, aquela  coisa de roubou a caminhonete e tudo mais. A polícia já saiu desse impasse ou não?

Paulo Hartung: Não saiu desse impasse. Evidentemente que na visão das autoridades estaduais, dos investigadores, essa hipótese de latrocínio não existe, né? A visão é crime de mando, e é isso que está sendo investigado pela polícia...

Dora Kramer:  O senhor lembra de uma entrevista sua...

Paulo Hartung:  O juiz, doutor Alexandre, era um juiz corajoso, preparado; ele foi o juiz que se dispôs a atuar junto com a missão especial – é bom dizer isso. Ele participou do trabalho da missão especial e esteve à frente de muitas das investigações e dos processos no sentido do desmonte da ação do crime organizado no estado.

Paulo Markun:  O senhor acha que – para finalizar nossa última pergunta – nesse caso, como chegou a ser reclamado por alguns parentes do juiz assassinado, houve algum tipo de omissão da parte do governo do estado, algum tipo de desleixo na questão da segurança?

Paulo Hartung: O próprio pai esteve comigo, reconhece o trabalho que nós fizemos e estamos fazendo. O doutor Alexandre, ele é advogado; eu acho que da parte da família há um entendimento que o governo, com todas as dificuldades que nós estamos, com todas as limitações de meios, o governo está no rumo certo nessa área de segurança pública, de combate à corrupção, de combate ao crime organizado. E eu tenho certeza inclusive que ele pessoalmente é um apoiador do nosso trabalho.

Paulo Markun: Governador, muito obrigado pela sua entrevista, desejo boa sorte na sua empreitada aí, que sei que não é exclusivamente sua, é de todo o povo do Espírito Santo. E diria mais, de muitas outras comunidades do nosso país, onde realmente essa questão do crime organizado parece a cada dia mais preocupar a sociedade e ser uma coisa grave que a gente tem que enfrentar. Obrigado aos nossos entrevistadores, a você que está em casa.

 

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