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Memória Roda Viva

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Ricardo Brentani

7/4/2008

O cientista especialista em câncer fala das tecnologias para diagnosticar e prevenir a doença e afirma que a melhor defesa é a prevenção

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[Programa ao vivo]

[Comentarista]: O Roda Viva entrevista hoje o médico e cientista Ricardo Brentani presidente da Fundação Antônio Prudente do Hospital do Câncer de São Paulo. O avanço das pesquisas, as novas terapias que hoje curam dois em cada três doentes de câncer; e, por outro lado, a falta de acesso da maioria da população aos novos tratamentos são temas da entrevista que começa num instante.

[intervalo]

[Comentarista]: O cientista Ricardo Brentani está envolvido há anos na pesquisa sobre o câncer  e acompanha de perto a luta contra a doença, que apesar das novas terapias é uma luta contra o tempo. Os prazos são curtos, esperar pelo diagnóstico ou pelo tratamento para muitos doentes representa a morte. Pelos cálculos do Ministério da Saúde, ao menos 54 mil pessoas com diagnóstico de câncer estão hoje na fila da radioterapia, tratamento fundamental no enfrentamento da doença. Faltam equipamentos e profissionais na rede pública, além de dinheiro para remédios que a maioria dos doentes não pode pagar. Novas drogas mais potentes e com melhores resultados podem custar alguns milhões de dólares num tratamento de poucos meses. A perspectiva piora com as previsões de crescimento da doença. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer verificou um salto de 56% nos casos entre 2001 e 2005, e uma estabilização em torno de 470 mil novos casos por ano. Especialistas contestam e acham que esse número é maior por conta da subnotificação e de erro nos registros hospitalares. Atualmente, são conhecidos 804 tipos de tumores. Os cinco que mais atingem os brasileiros são: em primeiro lugar, o câncer de pele com 125 mil novos casos por ano; o de mama atinge cinqüenta mil mulheres por ano; próstata, cinqüenta mil homens; pulmão cerca de 28 mil casos anuais; e intestino 27 mil. Dez porcento de todos os casos tem a ver com a herança genética. Os demais estão associados a fatores de risco, que podem ser controlados com hábitos saudáveis, exame de rotina e diagnóstico precoce. Essa é a palavra chave: diagnóstico precoce, idéia que marca a história do Hospital do Câncer de São Paulo, criado em 1953 pelo médico Antônio Prudente e sua mulher, Carmem Prudente, como o primeiro hospital do país especializado no combate à doença. Hoje, 55 anos depois, ele é o maior centro de ensino, pesquisa e assistência ao câncer da América Latina. Tem uma equipe de 350 médicos especialistas, a maioria deles com doutorado em oncologia, e pesquisadores graduados. Faz pesquisa de ponta e possui os mais sofisticados equipamentos para tratamento de câncer no país. Com um dos maiores bancos de tumores do mundo, que é sua base de dados para pesquisa, a [fundação] AC Camargo foi o principal contribuinte do projeto mundial do genoma do câncer. Nele também funciona a primeira escola de cancerologia do Brasil e a primeira escola de pós graduação para formar mestres e doutores, que vão para as universidades ensinar os futuros médicos. No comando dessa estrutura, que na última década passou por ampla reforma física e administrativa, Ricardo Brentani segue uma carreira que já completa 42 anos de trabalho ligado ao ensino e à pesquisa médica. Graduado em medicina e doutorado em bioquímica, foi professor do Instituto de Química e depois professor de oncologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo por 27 anos. Também criou o primeiro laboratório e o primeiro curso de pós-graduação em oncologia na USP. É presidente da Fundação Antônio Prudente Sobre o Câncer desde 1990 e, pela segunda vez, ocupa o cargo de presidente do Conselho de Administração da Fapesp, a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo. A entrevista do Ricardo Brentani tem a mediação do Carlos Eduardo Lins da Silva.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Boa noite e bem vindo ao Roda Viva. Para entrevistar hoje o doutor Ricardo Brentani nós convidamos: Cristiane Segatto, repórter especial da Época; Cláudia Collucci, repórter de saúde do jornal Folha de S.Paulo e mestre em história da ciência pela PUC de São Paulo; Herton Escobar repórter de ciência Estado de S. Paulo; Adib Jatene, médico, ex-ministro da Saúde [Em 1992, foi ministro da Saúde no governo Collor (1990-1992) e no governo Fernando Henrique (1994-2002) entre 1995 e 1996], professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e diretor geral do Hospital do Coração; Mônica Teixeira, diretora de redação do [boletim] Inovação Unicamp e coordenadora geral do programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo na TV Cultura; Lúcia Helena de Oliveira, diretora de redação da revista Saúde; e, Carmem Amorim, repórter do núcleo de jornalismo da TV Cultura que traz para a entrevista as perguntas enviadas por telespectadores e internautas. Temos também a participação do cartunista Paulo Caruso registrando em seus desenhos o momentos e flagrantes do programa. Boa noite.

Ricardo Brentani: Boa noite.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Você concorda com o colega e parceiro John Mendelsohn, presidente do MD Anderson Cancer Center, quando diz que provavelmente não haverá uma cura para o câncer, mas que é possível diminuir, sensivelmente, o número de mortes [Em 2007, o Hospital do Câncer e o M.D. Anderson Cancer Center, representado pelo pesquisador John Mendelsohn formalizaram uma parceria para a cooperação e intercâmbio em pesquisa para tratamento do câncer]?

Ricardo Brentani: Eu concordo inteiramente. Eu acho que o câncer é uma doença mais facilmente "previnível" do que remediável. Aliás, como eu já disse em outras ocasiões, prevenir é até mais barato que remediar. Eu acho que a ênfase tem que ser a prevenção. O que não puder se evitado tem que ser diagnosticado o mais cedo possível, porque nos estágios iniciais a doença é curável.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Quer dizer, remédio contra o câncer, aquele velho sonho humano, a gente provavelmente não terá?

Ricardo Brentani: Também não é assim, Carlos Eduardo. A medicina tem progredido muito. [Continuamente], nós estamos vendo a aplicação de novos princípios, novas filosofias de tratamento que funcionam, o que permite curar uma fração significativa das pessoas que já tem a doença avançada. Mas, eu insisto, prevenir é melhor.

Cristiane Segatto: Hoje, no Brasil, nós vemos duas realidades bem distintas: a pessoa com um bom nível socioeconômico educacional, que consegue o diagnóstico precoce do câncer e consegue tratamentos de primeiro mundo; e o paciente, muitas vezes menos favorecido, que está nas filas a espera de tratamento. Nós vimos exemplo disso na introdução do programa, mostrando 54 mil pessoas na fila por radioterapia. O que o país deve fazer para conseguir aproximar um pouco mais as duas realidades?

Ricardo Brentani: Precisa investir mais em saúde. O ilustre convidado introduziu a CPMF [refere-se ao Adib Jatene, responsável pela primeira versão do imposto em 1994] com o objetivo de financiar, aumentar o financiamento em saúde. Infelizmente, essa arrecadação foi desvirtuada, foi distorcida e perdeu o sentido. O então senador José Serra batalhou para que a emenda constitucional número 29 fixasse um percentual da arrecadação tributária da saúde [Emenda normativa transitória aprovada em 2000, sendo válida até 2004, que estabeleceu os percentuais de investimentos na saúde para a federação, estados e municípios]. Isso continuamente está sendo questionado, precisa ser enfatizado. Primeiro, falta dinheiro. Segundo, falta gestão. Existem... A situação brasileira das [entidades]  filantrópicas de câncer, que eu presidi há vários anos, congrega apenas trinta hospitais privados filantrópicos pelo Brasil todo. Eles estão situados em quase os 23 estados da União. Todos eles estão financeiramente sadios, todos eles atendem SUS [Sistema Único de Saúde], vários... A maioria deles atendem só SUS, e atendem bem, são pólos de referência nos seus estados. Então, o problema das filas, o problema dos hospitais que funcionam bem não é só um problema de financiamento, mas é um problema de gestão administrativa. Então, tudo isso tem que ser feito. Tem uma circunstância adicional, que a gente tem que lembrar, já que tem sido uma preocupação de vários de nós, é a proliferação indiscriminada de escolas médicas de baixa qualidade. Então, muito da fila é feito porque a trincheira, o primeiro nível de atendimento é praticado por médicos que não sabem medicina direito. Tudo isso faz parte.

Cláudia Collucci: Há três anos, mais ou menos, o Ministério da Saúde lançou uma política nacional de apoio ao câncer, alguma coisa nessa linha, isso saiu do papel?

Ricardo Brentani: Não sei. Você é que sabe?

Cláudia Collucci: Mas o senhor está à frente do principal hospital do país que trata de câncer.

Ricardo Brentani: Eu faço a minha parte. Eu, desde menino, eu disse que a revolução que dá para fazer é aquela que a gente consegue fazer sozinho. O Hospital AC Camargo atende... No ano passado nós atendemos 418 mil pacientes do SUS, é um número impressionante, é um número grande. Essas pessoas foram muito bem atendidas, isso eu posso garantir a você.

Herton Escobar: Professor. O que faz a diferença no Hospital do Câncer? Como o senhor consegue esses números tão impressionantes de cura? Só para aprofundar um pouco mais a pergunta da Cláudia, e fazer um contraste com o que está acontecendo no Rio hoje, nós estamos vivendo uma epidemia de dengue. Temos aqui em São Paulo um hospital com índice de Primeiro Mundo na cura do câncer e, ao mesmo tempo, muito próximo daqui, hospitais nos lugares de epidemia de dengue, a pessoa vai ao hospital e não consegue diagnóstico básico. O que está fazendo a diferença?

Ricardo Brentani: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, não é? Dengue é uma doença que estava extinta há cinqüenta anos. O grande problema dos governos foi não combater o mosquito, está certo? Um problema bem mais geral do que tratar da doença ou diagnosticar a doença. O seu jornal publicou na semana passada que quase 50% dos municípios do país não têm esgoto nem água encanada. Então, o problema da saúde não é um problema restrito ao ministro ou ao Ministério da Saúde. O problema da saúde é um problema de governo. Eu já mencionei rapidamente, você tem um problema de educação, não é só de médico é de enfermeira ou de outros profissionais da área da saúde. Você tem um problema de gestão. E, agora, eu estou falando de um outro problema que é de outro Ministério. Então, por que tem fila? Porque essas coisas não foram bem administradas e as pessoas ficam doentes, doenças que não era mais para ter.

Herton Escobar: Chegam ao hospital e não conseguem um diagnóstico correto.

Ricardo Brentani: Isso para tratar da dengue. Por que o Hospital [do Câncer] deu certo? Que é o que você está falando. Eu acho que a primeira razão é que tem uma equipe extremamente dedicada e competente. Eu estou dirigindo o hospital há quase vinte anos. E o que eu fiz foi trazer um bando de garotos - na época todos tinham trinta, 35 [anos], no máximo - e disse a eles que eles tinham que fazer ciência, que eles tinham que publicar artigos, que eles tinham que buscar uma qualificação acadêmica. Aproveitei a circunstância de ser titular de oncologia, de ter criado pós graduação em oncologia na medicina e [os] forcei a fazerem doutorado e publicarem suas teses. Isso deu à equipe do hospital uma visão diferente da medicina, não é? Porque quando você acrescenta conhecimento... Primeiro que para você acrescentar conhecimento, você tem que atender às pessoas de uma maneira sistematizada, organizada. Porque, se não, você não vai conseguir analisar os dados que você produziu. Em seguida, você vai publicar esses resultados, você vai tentar publicar os resultados numa revista de grande impacto de circulação internacional. Porque eu já disse isso em algum lugar - eu não lembro onde - que “a repetição sistemática de um erro não traz experiência, o que traz experiência é a comparação dos seus resultados com resultados de outros”. E quanto maior o nível da revista onde você consegue publicar o seu resultado vai ser comparado [mais vezes] com outros resultados de outros pesquisadores, está certo? Então, isso criou um espírito que o hospital tem e que não é comum. Nos anos de 1990, quando o Paulo Renato era ministro da Educação [Foi ministro durante o governo Fernando Henrique entre 1995 e 2000], nós conseguimos credenciar a pós-graduação do hospital na Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. E, como você sabe, faz três avaliações da Capes, que avalia o Brasil a cada três anos, nós temos a nota máxima. Na primeira dessas, nós tivemos seis, mas ninguém tirou sete, e nas últimas duas nós tiramos sete. Então, essa pós-graduação foi uma das primeiras no país a ser multiprofissional. Quer dizer, os alunos da nossa pós-graduação não são só médicos, são médicos, enfermeiros, psicólogos, enfim. Isso trouxe um enriquecimento de toda a equipe, não só da equipe médica. E, na minha opinião, isso é uma das forças que garantem o resultado do hospital.

Cristiane Segatto: Doutor, como o hospital e o Brasil [poderão] assimilar, lidar com o custo das novas drogas? Porque a gente está vivendo uma onda de novas drogas, a cada congresso os laboratórios dizem que é importante você combinar várias delas. Quer dizer, e o custo vai ficar absurdo. O custo do tratamento do câncer vai se tornar completamente insustentável?

Ricardo Brentani: Provavelmente.

Cristiane Segatto: Qual a saída?

Ricardo Brentani: A gente precisa pensar - por isso que eu disse ao Carlos Eduardo que o câncer é uma doença mais "previnível" do que curável - que muitos dos tumores que a gente vê hoje podiam ter sido evitados. Eu gosto sempre de lembrar: 35% dos tumores humanos são causados pelo cigarro, está certo? Então, se a humanidade parasse de fumar e beber, porque 15% são causados por álcool, metade dos tumores já não apareceriam mais. Agora, você tem vacinas que funcionam contra papiloma vírus [É nome de um grupo de vírus DNA da família Papilomaviridae capaz de provocar lesões de pele ou na mucosa. Existem mais de 200 tipos diferentes de HPV e a grande maioria não causa sintoma, desaparecendo sem tratamento. Porém, alguns HPV afetam a área genital, provocando mudanças nas células do revestimento do colo do útero. Caso não sejam devidamente tratadas, essas células podem causar câncer], câncer de colo de útero, câncer de pênis. Isso representa mais de 7% dos tumores, então, só de você evitar o que seria possível evitar você já reduziria praticamente em 60% a incidência dos tumores, está certo?

Cristiane Segatto: Mas nos casos....

Ricardo Brentani: Calma, não me afobe [risos] Primeiro isso. Segundo lugar, nem sempre os remédios caros são os melhores. Então, é preciso... Agora, vamos fazer um exemplo que todo mundo aqui reconhece. Se você tiver uma dor de cabeça muito forte, durante três dias, e for no médico e ele medir sua pressão, conversar dez minutos com você e disser que você não tem nada, você vai achar que ele é uma "besta", nem pediu uma ressonância, está certo? Então, para você aceitar que você não precisa fazer a ressonância você tem que ter confiança nesse médico. Isso é um elo que desapareceu. As pessoas não cultivam mais isso. Quando eu aprendi medicina, a gente foi ensinado a conversar com o doente. Primeiro conversa com ele, não pede exame. Então, se você tem confiança no médico, você agüenta que ele diga: "Não, não precisa tomar esse remédio, esse aqui é bom." No hospital, por exemplo, nós fizemos há muitos anos uma revolução - está aí um dos diretores do hospital que foi um dos artífices dessa revolução - quem prescreve antibiótico no hospital é a Comissão de Infecção Hospitalar, não é o médico, o dono, por assim dizer do paciente. Por quê? Porque o infectologista é o especialista e nem sempre você precisa usar o antibiótico mais caro, penicilina funciona muito bem. Dói "para burro" a injeção, mas funciona muito bem e é barato. Então, precisa patrulhar um pouco esse uso indiscriminado de coisas só porque são caras e chiques. O que não quer dizer, Cristiane, antes que você me entenda mal, que quando os médicos do hospital - e eu tenho confiança neles - dizem que precisam do remédio caro para o paciente do SUS, a gente não dê. A gente dá. Porque eu também tenho confiança no meu médico. Se ele diz: “Esse doente precisa desse remédio” eu dou. Não me interessa se o SUS paga ou não paga.

Carmem Amorim: Doutor Brentani, eu tenho uma pergunta do Anderson Andrade Alex, de Pelotas, Rio Grande do Sul. Ele diz o seguinte: "No caso de câncer de mama, o exame preventivo não deveria ser a ressonância, já que a mamografia muitas vezes não detecta um câncer recente?"

Ricardo Brentani: Não, a mamografia funciona muito bem. Na maioria dos casos você não pode formular uma política de saúde pública baseado nas exceções. Infelizmente, a mamografia não vai detectar todos os tumores, mas do ponto de vista de saúde pública você precisa equilibrar o custo do procedimento com a sua eficácia. E tem um número enorme de estudos mostrando que a mamografia é um exame perfeitamente adequado para fazer esse diagnóstico.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Nós vamos fazer um intervalo agora, doutor Brentani, voltamos daqui a um instante com o programa Roda Viva, que hoje tem na platéia: o doutor Nassimi Salomão Mansur, superintendente da Associação Paulista para Desenvolvimento da Medicina da Unifesp, Universidade Federal de São Paulo; Adriana Gimenes, enfermeira mestranda em saúde coletiva; o doutor Lauro Aventurato, médico psiquiatra; Adriana de Moraes, empresária e presidente da rede voluntária Carmem Prudente; e, Hugo Brentani, diretor do Fundo Argos de Investimento. Acompanhe de segunda a sábado, sempre às dez da noite, o Jornal da Cultura, sempre além da notícia. Até já.

[intervalo]

Carlos Eduardo Lins da Silva: O Roda Viva entrevista hoje o professor, médico e cientista Ricardo Brentani, presidente da Fundação Antônio Prudente do Hospital do Câncer de São Paulo. Doutor Brentani, a gente estava falando de prevenção, o senhor dizia: "Se as pessoas não fumassem, não bebessem e fizessem exame preventivos muitos casos de câncer seria evitados". O que mais é possível para prevenir o câncer? É verdade que depressão causa câncer?

Ricardo Brentani: Não há prova cientificamente aceitável disso. O que a gente encontra são estudos feitos em sala de espera de consultório médico, em ambulatório, enfim, onde a pessoa que procura o serviço já sabe que tem câncer. É muito fácil dizer que a depressão causou, porque na hora em que ela foi ao consultório, [em que] ela foi procurar um médico, já muitas vezes estavam deprimidas. O que teria que ser feito para poder dizer isso, seria seguir, sei lá... Umas cem mil pessoas, avaliar o seu estado de depressão, que é perfeitamente mensurável, eu não sou psiquiatra, mas sei que os psiquiatras são capazes de fazer isso... E seguir essas pessoas por trintas anos para ver se há incidência no câncer no deprimido é maior do que a incidência de câncer no não deprimido, obviamente imaginando que o estado mental dessas pessoas não vai mudar nessas três décadas.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Então, além de não fumar, beber, comer bem, o que mais pode-se fazer?

Ricardo Brentani: Comer bem? Que quer dizer o quê? Eu adoro levar meus netos na churrascaria, porque eles detestam gordura da picanha, mas eu sei que não é bom para a saúde. Agora, comer fibra certamente é uma coisa boa, comer aquelas coisas que eu detesto, beterraba, cenoura, essas coisas também ajudam, não é? O hábito intestinal regular é uma coisa que se pode educar no intestino. Exercício ajuda, eu também não sou um grande tutor de exercício. Enfim, agora eu volto a insistir: 35% é cigarro, 15% é álcool, 7% é papiloma vírus e 10% hereditários. É bastante fácil a gente olhar a nossa família e ver que parentes que têm, que tumores, se existe ou não uma freqüência que pode preocupar. Existe no hospital, por exemplo, nós temos um Departamento de Oncogenética exatamente para verificar o risco que as pessoas que procuram o hospital têm de ter um tumor hereditário. Se você tem esse risco não quer dizer que você vai ter tal ou qual tumor. Simplesmente quer dizer que você tem um risco maior do que eu, por exemplo, que já sou muito velho e ainda não tive câncer, deveria ter câncer. Quando as pessoas têm um risco maior, elas têm que fazer exames mais freqüentemente, é só isso. Porque eu volto a insistir: tumores precoces são curáveis.

Adib Jatene: Você era professor titular de oncologia na faculdade e você foi para o Instituto Ludwig que trabalhava com o AC Camargo. Agora, o governo do estado está pretendendo criar um grande Instituto de Oncologia no Hospital das Clínicas.

Ricardo Brentani: Sim.

Adib Jatene: Você acha que é uma atitude adequada para o hospital universitário, e isso permitiria, eventualmente, fixar o pessoal que você conseguiu, fixar no AC Camargo?

Ricardo Brentani: Eu acho uma coisa boa. Circunstancialmente, eu conheço todos eles. Então, já tivemos discussões preliminares e existe um grande interesse em fazer convênios, tanto com o Instituto Ludwig quanto com o AC Camargo, para que a gente possa fazer uma ação integrada, entrosada. Eu acho que é uma coisa boa, eu acho que essa nossa instituição, pelo seu porte e tamanho, vai satisfazer a preocupação da Cláudia, ou pelo menos vai diminuir bastante a fila. E eu acho que é uma coisa boa. O que eu puder fazer para ajudar, eu vou fazer.

Adib Jatene: Mas você acha que a fixação do pessoal e dedicação exclusiva na instituição é um diferencial? Foi um diferencial no AC Camargo?

Ricardo Brentani: Sem dúvida, a nossa escola foi pioneira há muitos anos em criar residência, depois foi pioneira em criar o tempo integral. Agora, para as especialidades, vamos dizer assim, mais aplicadas, mais clínicas ou cirúrgicas, a Fundação Faculdade de Medicina trouxe um aporte adicional que permite justamente fixar as pessoas e torná-las mais envolvidas na investigação. O que eu acredito piamente é que se você acrescenta conhecimento à sua especialidade você é um clínico melhor, você é um médico melhor, você sabe disso melhor do que eu.

Lúcia Helena de Oliveira: Agora, doutor Brentani, boa noite. Eu sempre tive uma curiosidade em relação a AC Camargo. Apesar de ser um hospital de excelência inegável, unir pesquisa, atendimento clínico, ensino, sempre teve uma dificuldade muito grande de atrair o paciente particular. Eu sempre li sobre questões de hotelaria, mas uma questão me intriga: "na boca do povo" o hospital AC Camargo é o Hospital do Câncer. Então, ligando um pouco com a questão da prevenção, eu queria saber, discutir um pouco com o senhor o estigma dessa palavra, câncer. Tem gente que não faz exame para prevenir o câncer com medo de descobri-lo. O que mudou? Essa palavra continua afastando mais do que ajudando as pessoas? Não dá para mudar a palavra, mas eu queria saber um pouquinho do senhor.

Ricardo Brentani: Eu acho que o que mudou em geral - não estou falando só do hospital - é a percepção de que câncer não é mais uma sentença de morte, mas é uma doença como várias outras. Mais complicada, mais difícil, porém, em boa parte curável. Isso foi difundido para a população de várias maneiras, em vários veículos de mídia. Isso, eu acho, ajudou bastante a mudar um pouco o temor. Quando eu assumi a direção do hospital, ele chamava hospital AC Camargo. Você pegava um táxi e dizia: “me leva no AC Camargo” e ele te levava na Casa Verde [bairro paulistano]. E ele dizia: “Por que você não falou que queria ir no Hospital do Câncer?”. Então, como eu estava começando uma coisa nova, eu queria, digamos assim, marcar uma gestão diferente, eu resolvi vestir a carapuça e falei: “não é mais AC Camargo, é Hospital do Câncer mesmo”. E eu achei e eu acho que estava certo, que através da produção científica e da qualificação do ensino nós íamos conseguir mudar a percepção das pessoas sobre o hospital. Além disso, você falou uma palavra mágica que se chama hotelaria. Evidentemente, todo mundo gosta de hotelaria, não é só o paciente particular que gosta de hotelaria. Então, com o crescimento do hospital foi possível investir primeiro, é claro, na equipe, segundo, no parque de máquinas. E, finalmente, na planta física, na hotelaria. Isso, associado à imagem que o hospital havia ganho por causa do seu desenvolvimento científico e da sua atividade de ensino, mudou a percepção da população com relação ao hospital. Eu, particularmente, acho... Vou fazer uma pergunta para você: vamos supor que alguém queira operar varizes e precisa de um cirurgião vascular, esquece o câncer. Que profissional você escolheria: um que faz uma cirurgia dessas uma vez por semana ou um que faz uma cirurgia por dia?

Lúcia Helena de Oliveira: Dez por dia.

Ricardo Brentani: Você tem que procurar um profissional que trabalhe num hospital que atende SUS. Então, ao contrário do que as pessoas pensam, ninguém tem mais experiência que um médico que trabalha no hospital que atende SUS direto. Essa [é a] mensagem que a gente tem tentado difundir. E, para voltar à pergunta do Adib, se o médico estiver envolvido na análise científica da sua rotina diária ele vai melhorar a qualidade da rotina, ele vai poder comparar o seu resultado com o resultado do resto do mundo.

Mônica Teixeira: Doutor Brentani, eu estava pensando aqui. Acho que o senhor tem uns 48 anos de formado. O senhor se formou em 1960...

Ricardo Brentani: Nossa que pergunta indiscreta... [risos] Eu me formei em janeiro de 1963, a gente fez tanta bagunça que a gente teve suspensões.

Mônica Teixeira: Quarenta e três anos de formado, então. O senhor, basicamente, foi um pesquisador, é isso?

Ricardo Brentani: Não, eu fui interno do Armindo Guedes...

Mônica Teixeira: Mas a minha pergunta é a seguinte: ao longo dos 46 anos, 45 anos, como mudaram as pesquisas sobre o câncer? Como mudou, não apenas a pesquisa, mas também a concepção da doença? Ou das doenças, não é?

Ricardo Brentani: Bom, primeiro, vamos pensar. O tempo que eu estudei medicina foi um tempo anterior à instrumentalização da medicina. No meu curso de propedêutica, de diagnóstico, a gente fazia diagnóstico com raio X simples, estetoscópio e miolo. Tinha um no Hospital das Clínicas que sabia fazer eletrocardiograma. Então, primeiro houve esse brutal desenvolvimento de máquinas. Então, a gente teve que aprender a interpretar e usar essas máquinas todas. Depois, no começo da década de 1970, as ferramentas básicas para o desenvolvimento da biologia molecular foram estabelecidas. Então, ficou claro que a biologia molecular era uma área que podia trazer enormes ganhos de conhecimento sobre a causa e o manejo das doenças.

Mônica Teixeira: Por quê? O que é biologia molecular, professor? Eu acho que esse foi um impacto importante, não é?

Ricardo Brentani: Então, deixa eu exemplificar ao invés de procurar uma definição abstrata. Nós somos fruto de um arquivo que tem mais ou menos trinta mil genes. Cada gene, suspeita-se, codifica pelo menos uma proteína. Proteínas são substâncias feitas de elementos menores, que são 22 e podem ser enfileirados em seqüência ou com repetição, enfim. O arranjo dessas 22 coisas para fazer a molécula simples, pequeninha que nem hemoglobina que tem 140 e poucos aminoácidos, é tão complicado que precisa de uma senha, de um código para dizer: "A hemoglobina de gente é assim". Isso está no nosso DNA. Todo mundo já sabe o que é DNA. Então, você tem livro de instruções de como fazer um ser humano que tem trinta e tantos mil genes. No começo dos anos 1970 o dogma vigente é que era impossível saber como funcionava o gene porque era tecnicamente impossível isolar um de uma mistura de trinta mil. Então, isso é a biologia molecular. Como eu faço para isolar um gene dentro de uma mistura de trinta mil genes? E não só isso, como eu faço para pegar esse gene que eu isolei e fazer quilos dele? Como eu faço para introduzir esse gene em outros organismos? Como eu faço para saber, portanto, o que ele faz? Porque se eu injeto isso no organismo que não tinha aquele gene eu posso medir o que aconteceu com aquele organismo.

Mônica Teixeira: O que câncer tem a ver com gene?

Ricardo Brentani: O nosso organismo é um condomínio de bilhões de células. Cada célula tem um arquivo: como fazer um ser humano. O meu fígado, graças a Deus, não faz hemoglobina [Também conhecida como células vermelhas do sangue, a hemoglobina é uma  proteína presente nas hemácias. É responsável por transportar o oxigênio para o sistema circulatório] ele faz albumina [Proteína produzida pelo fígado e normalmente liberada no sangue. Uma das suas funções é reter líquido no interior dos vasos sangüíneos], as minhas células de sangue fazem hemoglobina e não fazem albumina. Quando esse controle é perdido... Além disso, não é bom que o meu fígado cresça forever [para sempre], [pois] não vai caber no meu corpo, apesar do tamanho da minha barriga. [risos] Então, eu tenho que ter mecanismos para controlar a multiplicação das células. Ao mesmo tempo, o meu netinho precisa crescer. Então, o fígado dele precisa que as células se multipliquem. Quando ele fica adulto, tem que parar de crescer. Esses controles de aumentar a divisão e diminuir a divisão são perdidos em células cancerosas. Então, o câncer, no fundo, é um desarranjo dos mecanismos de controle celular, de biologia celular.

Carmem Amorim: Doutor Brentani, tem duas telespectadoras que enviaram a mesma pergunta: Regina, de São Paulo; e a Mônica, de Goiás: a utilização da células-tronco pode ajudar na cura do câncer?

Ricardo Brentani: Com certeza. Eu não tenho entendido dessa "discussão bizantina" [discussao estéril e interminável, sem finalidade prática, como as que realizavam os teólogos bizantinos], tem que aprovar uso das células-tronco embrionárias. Aliás a Lei da Biossegurança [audiência STF] tem um artigo que foi escrito pelo Miguel Reale Júnior muito bem feito, muito interessante. A Lei de Biossegurança de 1995 começa dizendo que os embriões congelados só podem ser usados para fertilização até três anos do congelamento. Então, depois você faz o quê com eles? Jogar fora pode, não pode? Se não pode, quem vai pagar a manutenção do congelamento? Porque eu posso jogar fora e não posso usar para a pesquisa? O que também tem que ficar muito claro é que a sociedade brasileira, as leis que regulam a engenharia genética, o uso da engenharia genética no território nacional, o uso dessas pesquisas, tudo isso é regulado muito bem pela lei, está muito claro o que é crime o que não é crime. Está muito claro o que você pode fazer e o que você não pode fazer. Então, se alguém fizer uso indevido é um caso de polícia, é diferente. Está certo?

Adib Jatene: Você pode ter um marcador genético do indivíduo que tem mais possibilidade ou menos possibilidade de ter câncer? E ter o marcador genético familiar da herança?

Ricardo Brentani: Em alguns tumores como mama, tireóide, cólon e intestino grosso, nós já sabemos que existem alguns poucos genes que podem ter mutações que predispõem a esses tumores. Essas mutações são herdadas. Então, as pessoas de uma família onde esses tumores são freqüentes têm um risco maior do que as pessoas de outras famílias de vir a ter. Isso é aquilo que eu disse há pouco, no sentido de a necessidade de um segmento mais freqüente dessas pessoas porque o seu risco é maior. O que a gente ainda não sabe é porque, afinal de contas, você e eu somos parecidos mas não somos idênticos. Nós não temos ainda noção da definição da individualidade. E nós não temos isso porque existe um número muito grande de pequenas alterações no nosso genoma que definem, afinal, essa individualidade. Então, a gente... para dar um exemplo simples: se a gente, em casa, quando tem alguém gripado alguns dos nossos parentes vão pegar gripe e outros não, por quê? Porque a suscetibilidade individual é diferente. O que define a suscetibilidade? Nós não sabemos. São diferenças tão pequenas no genoma das pessoas que hoje nós não temos condição de medir. Agora, há  dois anos apareceram no mercado seqüenciadores de DNA que seqüenciam um genoma de bactéria em três horas. Então, isso significa que dá para fazer um genoma humano em um mês por um custo de 13 mil dólares. Isso ainda não é suficiente. Quando a gente puder seqüenciar um genoma humano em meia hora por cem dólares, então nós vamos poder seqüenciar cem mil pessoas inteiras, e vamos poder saber qual é a diferença em nível de um nucleotídio só, de três bilhões que a gente tem, aproximadamente. Aí nós vamos poder dizer: “você tem suscetibilidade para isso, você tem suscetibilidade para aquilo”. Aí sim nós vamos poder definir o risco. E aí nós podemos pensar em termos de saúde pública. Porque, agora, eu tenho um método simples, rápido e suficientemente barato para fazer uma política de saúde pública em cima e poder, efetivamente, fazer a prevenção. Porque o grande problema das campanhas de prevenção são que a gente procura prevenir todo mundo, está certo? E a gente não sabe quem, daquele contingente enorme, de fato tem risco de vir a ter tal ou qual doença. Se a gente pudesse saber isso poderia fazer uma prevenção mais dirigida e, portanto, mais barata e eficiente.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Brentani, vamos para mais um intervalo. Voltamos já, já com o Roda Viva, que tem hoje na platéia o Doutor Ulysses Ribaldo Nicolau, médico oncologista clínico do hospital AC Camargo; a médica Maria da Glória Matosinho de Castro Ferraz, patologista da Escola Paulista de Medicina da Unifesp; o doutor Carlos Lotfe, médico infectologista e superintendente de operações do hospital AC Camargo; e a médica Miriam Jatobá, do Centro de Referência DST/aids do Estado de São Paulo. Até já.

[intervalo]

Carlos Eduardo Lins da Silva: Roda Viva entrevista hoje o professor Ricardo Brentani, presidente da Fundação Antônio Prudente do Hospital do Câncer de São Paulo, que também é um hospital-escola voltado à formação de especialistas.

[Comentarista]: Um dos maiores centros de tratamento pesquisa e ensino na área de oncologia no Brasil, Ricardo Brentani também comanda três cursos pioneiros nessa área no país: a primeira escola de oncologia, a primeira escola de enfermagem e a primeira escola de pós-graduação em oncologia. O Hospital do Câncer de São Paulo formou a metade dos oncologistas que atuam hoje no país, outros ainda seguem o curso de pós-graduação de mestres e doutores que vão levar ensino de alto nível em oncologia para os estudantes de medicina em todo o Brasil. Esses cursos valeram ao Hospital do Câncer duas notas máximas da Capes, órgão do Ministério da Educação que controla a qualidade do ensino de pós-graduação no país.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Doutor Brentani, o senhor já mencionou aqui que um dos problemas que a gente enfrenta no Brasil na área de saúde é a má qualidade na formação de muitos médicos. O que é possível fazer de prático? O que a Capes pode fazer, é preferível fechar escolas, é preferível fazer com que elas melhorem, o que é possível fazer para que o ensino de medicina não forme maus médicos?

Ricardo Brentani: Bom, em primeiro lugar, números. Têm mais de 170 escolas de medicina no país, metade não tem hospital universitário, não vejo como se consegue ensinar medicina sem colocar o estudante em contato com o doente. Dois terços, perdão, três quartos não tem residência médica, que é um complemento à formação que leva à especialização. Então, isso resulta em médicos mal formados, médicos que não são capazes de fazer o diagnóstico e não são capazes de tratar adequadamente os seus pacientes.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Mas o que se deve fazer? Fechar escolas?

Ricardo Brentani: Fechar escolas, sem sombra de dúvida. Na minha cabeça a primeira prioridade é o paciente, e antes que a Cláudia fique brava comigo, eu não acho que o problema das filas, que de fato existe, é um problema de falta de médico. Em parte é um problema de falta de médico capaz de fazer o diagnóstico.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Mas a gente vê no Rio precisando pediatra, não tem pediatra, está sobrando médico no Brasil?

Ricardo Brentani: Está mal distribuído. Primeiro lugar, tem que pensar o seguinte: com aquele "salariozinho" vai ser difícil atrair bons médicos.

Mônica Teixeira: Mas tem médico em Rondônia que ganhava, quando eu fui lá a última vez, vai fazer cinco anos, oito mil reais, nove mil reais.

Ricardo Brentani: Quanto se paga no Rio [pelo] pediatra, oito mil? Eu duvido.

Mônica Teixeira: Porque tem muito médico no Rio e pouco médico em Rondônia, não é isso?

Ricardo Brentani: Não.

Mônica Teixeira: Eu entendo que de Rondônia, o exemplo que eu estou dizendo...

Ricardo Brentani: Sim, aí não tinha falta de médico com saláriozinho que paga. Está certo?

Herton Escobar: Não é melhor ter um médico ruim do que nenhum médico, dada a necessidade da população?

Ricardo Brentani: Não.

Herton Escobar: Como dá para equilibrar essas coisas?

Mônica Teixeira: O senhor disse: "O fato das pessoas, dos médicos serem ruins é ruim para o tratamento do câncer". Como um mau médico, além de não perceber... Tem outras maneiras pela qual o médico agrava?

Ricardo Brentani: Não é capaz de fazer diagnóstico, não é capaz de pedir exames complementários necessários, não é capaz de fazer o tratamento, ele não é capaz de usar a medicação.

Mônica Teixeira: E se intervém, intervém certo ou errado?

Ricardo Brentani: O que você acha? Se falta médico, e eu não vi números dizendo que falta, é melhor permitir que apenas boas escolas formem mais médicos do que você proliferar escolas ruins.

[...]: O que seria boas escolas...

Carlos Eduardo Lins da Silva: O que impedem as boas escolas de formarem mais médicos?

Ricardo Brentani: Dinheiro. Você tem que investir mais naquelas escolas. O ensino de medicina é um ensino eminentemente prático, então é um ensino caro. Você tem que ter microscópio para dar aula de parasitologia, de microbiologia. Tem que ter sala de concepção, laboratório para ensinar bioquímica, farmacologia, é um ensino caro. Você precisa de muito docente, não adianta nada amontoar sessenta crianças numa sala para dar aula com um professor só. Então, dinheiro, tem que ser uma política de educação.

Cláudia Collucci: O senhor é favorável ao exame de ordem na medicina?

Ricardo Brentani: Com certeza, alguns estados da União fazem isso oficiosamente e com excelente resultado. Toda a certeza. Só de você pensar na Ordem dos Advogados do Brasil como era o número? 83%, 93% não passam. E nós estamos aqui discutindo por causa da minha formação profissional, nós estamos discutindo medicina, mas uma escola ruim de engenharia faz uma engenheiro que faz uma ponte que cai; uma escola ruim de advocacia faz um advogado que perde prazo, que não sabe defender o cliente dele, enfim...

Lúcia Helena de Oliveira: Na medicina, doutor Brentani, especialmente na área da oncologia, qual seria sua aposta? Quantos não passariam?

Ricardo Brentani: Eu não preciso apostar. o CRM [Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo] fez um exame voluntário no mês retrasado ou sei lá. E, acho, 49%, 39% dos voluntários que se apresentaram para exame não passaram. Eu disse para um colega, na ocasião, que o número real deveria ser muito maior, porque os voluntários eram os alunos que achavam que sabiam. Os que sabiam que não sabiam, não foram. Eu não preciso chutar.

[risos]

Adib Jatene: Doutor Brentani, eu queria fazer duas perguntinhas para você, você falou de  trinta e poucos hospitais filantrópicos que tratam câncer, mas são hospitais que estão mais no tratamento e no diagnóstico. Agora, pesquisa em câncer você tem poucos lugares. E, comparado com exterior, então, o nosso nível de pesquisa é pequeno. E a segunda pergunta é: a atividade física, o exercício, que em cardiologia é fundamental, tem influência na prevenção e na recuperação do canceroso?

Ricardo Brentani: Existem muitos estudos sérios mostrando que sim. Tanto na prevenção quanto na recuperação. Quanto à recuperação, o Carlos Eduardo tinha feito uma pergunta sobre a depressão, não dá para afirmar que depressão causa câncer. Mas dá para afirmar que o paciente deprimido responde pior ao tratamento. Aquele paciente que chega e fala: “Eu vou derrotar isso”.... [Ele] tem uma perspectiva maior de cura. Então, a atividade física eu acho muito importante. Não só para esse caso, não só para a cardiologia, mas eu acho que como vida. Não parece, mas eu faço.

[risos]

Lúcia Helena de Oliveira: Agora, Doutor Brentani, eu já li trabalhos associando a obesidade a certos tumores, especialmente tumor de mama. Queria saber um pouco sobre isso, qual a sua opinião a respeito, até porque também tem a ver com a atividade física, indiretamente.

Ricardo Brentani: Então, certamente, os tumores de mama, ou uma fração deles pelo menos, é hormônio dependente. Vamos lembram que o estrógeno é o hormônio que faz a mama crescer. A menina na puberdade começa a ter uma mama saliente porque os seus ovários começam a fazer estrógeno, [que] é um derivado de gordura. Então, se você come Sonho de Valsa [bombom], você faz mais gordura e você, então, pode fazer essa associação. Está claro já, muitos estudos mostraram uma correlação direta por país entre consumo de carne - porque a fonte principal de gordura da dieta não é um Sonho de Valsa, que eu amo de paixão, mas é a carne vermelha. Então, uma correlação direta entre o consumo de carne per capita no país e a incidência de câncer de mama ou cólon, intestino grosso...

Mônica Teixeira: A gente deve ser vegetariano, essa que é a conclusão?

Ricardo Brentani: Vamos lembrar que quando Deus fez o homem era para sair nas campinas caçando e catando frutinha, não era para ficar parando numa escrivaninha.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Por falar em ser vegetariano tem uma pergunta.

Carmem Amorim: Tem uma pergunta do telespectador sobre o uso de pesticidas, é o Fábio Yamamoto, de Itapetininga, São Paulo. Ele diz o seguinte: "Existe comprovado cientificamente uma relação entre um aumento do uso de pesticidas na produção de alimentos e a ocorrência do câncer?"

Ricardo Brentani: Não. O Fábio está fazendo uma confusão. O pesticida não vai acabar no alimento que é produzido. O que causa câncer é a ingestão direta do pesticida. Por exemplo, as pessoas que trabalham no campo aplicando pesticida, se não tomarem os devidos cuidados elas podem vir a ter mais tumores. A idéia de que o pesticida cria um feijão que causa câncer não é correta. Não tem essa relação.

Carlos Eduardo Lins da Silva: E a poluição, doutor Brentani?

Ricardo Brentani: A poluição sem dúvida causa um monte de doença, entre as quais câncer.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Uma boa prevenção é não morar em São Paulo?

[risos]

Ricardo Brentani: O problema é que essa cidade vicia. Uma boa solução é você... O carro ser movido a álcool e não a gasolina ou diesel, não é? Isso um colega da Faculdade de Medicina chamado Paulo Hilário Saldiva [Refere-se a uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina e coordenada pelo professor Paulo Hilário Saldiva, que avalia a relação entre meio-ambiente e saúde] demonstrou cabalmente. Então, a poluição atmosférica, sem dúvida, contém uma quantidade enorme e muito variada de substâncias cancerígenas, isso não há dúvida nenhuma. Então, o controle da poluição é uma necessidade para a saúde. E, de novo, fazendo um gancho de coisas que eu já disse: o controle da poluição não é da responsabilidade dos ministérios ou secretarias de Saúde, é de outras esferas de governo. Portanto, a prevenção das doenças não é um atribuição específica dos responsáveis pela saúde pública, mas é do governo como um todo.

Cláudia Collucci: Dr. Brentani, até tempos atrás a pessoa ter câncer com metástase era sinônimos de morte. Hoje a gente observa sinônimos de cura.

Ricardo Brentani: Depende do câncer.

Cláudia Collucci: Quais os cânceres hoje em metástase a gente consegue cura?

Ricardo Brentani: Muito difícil a gente ser assim objetivo, não é, Cláudia? Alguns tipos de tumores pouco freqüentes, por exemplo câncer de testículo, eles são - está aí o doutor Ademar que me ensinou isso - eles são 100% curáveis, desde que você procure um médico bom. Os tumores em câncer de colo de intestino, por exemplo, mesmo em casos avançados, você ainda consegue um resultado de cinco anos, vamos dizer, em 79% dos casos. Em câncer de mama, enquanto as metástases continuarem a sendo hormônio dependente, como teria sido o tumor primário. Porque precisa saber quando faz o diagnósticos se aquele tumor ainda depende de estrógeno para crescer ou não precisa mais. A primeira leva de metástases é o espectro do tumor primário, ela continua no caso do tumor positivo, continua respondendo a estrógeno, portanto essas metástases podem ser administradas com uma terapia anti-estrógeno, mas não dá para definir isso em todos os tipos de câncer.

Herton Escobar: Doutor Brentani, um número foi citado no início do programa. Segundo as estatísticas, houve aumento de 55% do câncer de 2001 a 2005. Então, o que está por trás desse aumento? Estamos simplesmente diagnosticando mais ou as pessoas estão tendo mais câncer? Já falamos de obesidade e poluição. O que pode estar por trás desse aumento aí?

Ricardo Brentani: Eu acho que a fração de pessoas a mais que tem câncer é pequena. O que está acontecendo é que as doenças infecciosas que eram a principal causa de morte no nosso país deixaram de ser. Então, as pessoas... São doenças que acometem as pessoas numa idade mais jovem. O fato de que você não morre mais dessas doenças dá o tempo de você vir a ter câncer, está certo? Então essa é uma das razões pelo aumento. A segunda razão pelo aumento é que a gente aprendeu a diagnosticar melhor. E a maquinaria que a gente usa é mais sofisticada, mais eficiente, a gente está diagnosticando mais. Além, como eu disse... no pequeno aumento de incidência, além disso, a população também cresce, não é só a expectativa de envelhecimento.

Herton Escobar: Além do aumento da expectativa, o envelhecimento da população somado às novas tecnologias, é provável que isso continue a crescer?

Ricardo Brentani: Alguém disse - não lembro quem – que se a gente viver [até] os 120 anos nós todos teremos câncer.

Cláudia Collucci: Por outro lado, a gente observa determinados tipos de câncer aparecendo em [pacientes de] idade mais jovem, como o câncer de mama. O que está levando a mulheres....

Ricardo Brentani: A resposta honesta, eu não sei. Acho que ninguém sabe. Nós estamos fazendo um estudo no hospital, junto com a disciplina de oncologia da Faculdade de Medicina, com o IBCC [Instituto Brasileiro de Controle de Câncer], com o [Hospital Albert] Einstein e com [o Hospital do Câncer] de Barretos para recrutar e obter amostras de um número suficientes com mulheres de menos de 35 anos que tenham câncer de mama, para pesquisar se existe ou não um fator genético. A idéia é tentar entender o que está acontecendo. A resposta honesta: eu não sei o que está acontecendo, mas de fato está acontecendo.

Lúcia Helena de Oliveira: Dr. Brentani, quando a Cláudia faz a pergunta sobre metástase, a gente está falando sobre prevenção e cura. Sem dúvida, o tratamento do câncer permite uma sobrevida maior, muito maior do que antes, mesmo que não haja cura. Qual o impacto disso? Tanto no tratamento...A busca pela qualidade de vida, e nos custos...

Ricardo Brentani: A pergunta do Herton foi específica à detecção de mais casos de câncer. Isso é uma coisa. Outra coisa que você está falando também é verdadeira. Quer dizer, como o manejo da doença aumentou, ganhou eficiência, as pessoas convivem com seu tumor muito mais tempo. Como em geral o câncer é uma doença de velho, quer dizer, [para] você para ter câncer de próstata você tem que ter pelo menos 55 anos de idade. Então, você consegue viver o suficiente para ser atropelado, assaltado, ter infarto, enfim. Por isso eu disse no começo que eu acho mais "previnível" do que curável, você consegue fazer muitas das pessoas que você diagnosticou viverem mais tempo, muito tempo.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Na seqüência dessa questão, doutor Brentani, o senhor é a favor da eutanásia ou da ortonásia [quando equipamentos que mantém artificialmente a vida de um paciente são desligados e este falece por morte natural]; é bom a pessoa ficar vivendo mal durante muito tempo só porque é possível viver, ou é melhor apressar o fim da vida dela ou deixar que ela morra de forma natural?

Ricardo Brentani: Eu não acho bom.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Nenhuma das duas?

Ricardo Brentani: É muito difícil você definir a partir de que momento a vida da pessoa não vale mais a pena, não é?

Carlos Eduardo Lins da Silva: E se a pessoa definir?

Ricardo Brentani: Se a pessoa definir, eu acho que você tem que respeitar a vontade dela.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Pela ortanásia e pela eutanásia?

Mônica Teixeira: Qual é a diferença?

Ricardo Brentani: Tanto faz, eu acho. Mas eu preciso lembrar ao telespectador que eu não clinico, eu não exerço medicina, ninguém precisa ficar assustado com a minha posição.

[risos]

Mônica Teixeira: De vez em quando o senhor exerce a medicina, o senhor tratou do Mário Covas.

Ricardo Brentani: Se você está querendo dizer, não fui eu.

Mônica Teixeira: Eu sei. Nem eu quis ser indiscreta. É uma coisa que se sabia.

Ricardo Brentani: Deixa eu aproveitar para esclarecer uma coisa aqui.

Mônica Teixeira: A minha pergunta, porque o senhor não é um clínico?

Ricardo Brentani: Então, eu era até dezembro do ano passado o professor titular de oncologia e o governador Mário Covas decidiu se tratar no HC, na Faculdade de Medicina. Então, os meus colegas disseram: “Olha, você vai ter que cuidar da quimioterapia”. Eu tinha registro, até hoje há um serviço de quimioterapia dentro da fisioterapia que é composto de médicos extremamente competentes. Então, eu disse: “nós vamos tratar o governador”. Se você se lembra, eu nunca apareci naquelas coletivas nem de avental branco nem de estetoscópio no bolso. Eu estava sempre à paisana, com o meu assistente devidamente paramentado do lado. Para deixar claro que não era eu pessoa física que estava tratando dele. A responsabilidade era minha. Se a família quisesse processar era eu. Mas eu nunca exerci medicina.

Mônica Teixeira: Como foi para o senhor a morte do governador Mário Covas?

Ricardo Brentani: Uma decepção muito grande, eu queria ter votado nele para presidente.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Dr. Brentani, nós temos que ir para mais um intervalo voltamos já com a entrevista de hoje do Roda Viva, que também é acompanhado na platéia pelo doutor Túlio Torres Vargas, médico estagiário do Instituto do Coração; pela doutora Isabela Maria Matuqui, médica do programa saúde da família da Prefeitura de São Paulo; pelo doutor José da Silva Guedes, professor de medicina social da Santa Casa, ex-secretário da Saúde do estado de São Paulo; e por Ademar Lopes, professor livre docente da Faculdade de Medicina e também doutor da USP e vice-presidente da Associação das Instituições Filantrópicas de Combate ao Câncer. Acompanhe de segunda a sábado, às dez da noite, o Jornal da Cultura, sempre além da notícia. Até já.

[Intervalo]

Carlos Eduardo Lins da Silva: Você acompanha hoje no Roda Viva a entrevista com o professor Ricardo Brentani, presidente da Fundação Antônio Prudente. Professor, o senhor já falou bastante aqui sobre prevenção, mas quem não fuma, não bebe, come fibras, come legumes e mesmo assim, de repente, aparece com um câncer? Ele tem alguma coisa que possa fazer para se prevenir, ou existem alguns tipos de câncer que não são detectáveis, simplesmente você está vivendo muito bem e, de repente, cai esse raio sobre a sua cabeça? Existe esse tipo de câncer também?

Ricardo Brentani: Existe.

Mônica Teixeira: Eles são a maioria, não são?

Ricardo Brentani: Não. Alguns tumores, por exemplo, ovário ou pâncreas, você só tem clínicas, você tem sintomatologia quando eles estão avançados.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Nesses casos não havia nada para fazer, quem tem esse tipo de câncer não poderia ter feito nada?

Ricardo Brentani: Não temos no nosso arsenal diagnóstico um exame que permita detectar essas doenças precocemente. Então, felizmente são tumores raros, e que tem uma evolução ruim, paciência. Nós temos que estudar mais para ver se a gente consegue...

Adib Jatene: Todo mundo fala que quanto mais cedo o diagnóstico e o tratamento, melhor. Mas nós estamos diante de uma realidade em que o indivíduo tem uma suspeita de câncer e os exames solicitados, que podiam ser feitos mais ou menos rapidamente, demoram. E, quando se faz o diagnóstico, ele já está com câncer avançado. Como, na sua opinião, se poderia enfrentar um problema desse tipo, que é freqüente?

Ricardo Brentani: Sim. De novo, Adib, falta dinheiro, falta financiamento, faltam médicos mais competentes. Nós fizemos há muitos anos um estudo e descobrimos que a rede pública leva sete meses e meio para fazer um diagnóstico. No nosso hospital isso leva 15 dias, um mês. Por que leva tanto tempo? Porque a trincheira é composta de pessoas que não estão adequadamente preparadas. Primeiro, atendimento é composto por médicos que não tem o treinamento necessário. Então, eles nem pensam. Para dar um exemplo antigo, não quero melindrar ninguém,  trinta anos atrás a percepção dos pediatras brasileiros de que tumor de rim, que é relativamente comum em crianças... Deixa eu fazer um parênteses, graças a Deus tem pouco câncer pediátrico no Brasil, menos que outros países no mundo. Então, isso é uma coisa boa. Mas dentro desses tumores pediátricos tumor de rim é um tumor relativamente freqüente, e ele começa como uma massa na barriga. E nós percebemos - eu não tenho mérito nenhum nisso, essa campanha aconteceu antes de eu assumir a direção do hospital - nós percebemos que o que estava havendo era uma falta de esclarecimento da comunidade pediátrica para fazer o diagnóstico mais cedo. Então, foi feito uma campanha que adotou como slogan: “Massa na barriga nem sempre é lombriga”. Isso levou a um aumento muito significativo do diagnóstico que vimos. Num primeiro momento, as pessoas diagnosticavam e não sabiam como tratar. Mas como tinha um problema que não tinha antes, tem que aprender a tratar. Então, se aprendeu a tratar. E aí eu já estava na direção do hospital. O hospital liderou um protocolo multicêntrico que envolveu uns quarenta hospitais do Brasil para ver se nós podíamos tratar esse tumor com uma dose só de quimioterápico, em vez das cinco doses que os americanos preconizavam. O que é uma pergunta cientificamente importante, porque interessa à maior parte do mundo, que não tem tanto dinheiro para dar cinco vezes a medicação se uma vez só funciona. E o protocolo mostrou que uma dose única funciona. Então, hoje, o mundo inteiro trata esse tumor com uma dose única, conforme esse estudo demonstrou. E, evidentemente, os Estados Unidos foram o último país a reconhecer que uma dose única é melhor do que o que eles tinham padronizado. Então, o que eu estou querendo ilustrar com o exemplo prático é que primeiro, você tem que despertar a consciência da possibilidade da doença, você tem que fazer o diagnóstico. Depois que você conseguiu fazer o diagnóstico, você precisa conseguir tratar a doença que você diagnosticou. Isso leva tempo, não tem outra solução. Mas é assim que faz.

Adib Jatene: Só para complementar a pergunta. Sobre o atraso no diagnóstico e sobre o preparo dos médicos, você não acha que o excesso de exames que se solicita e que são... na grande maioria, normalmente, bloqueiam você fazer o exame nos que efetivamente precisam?

Ricardo Brentani: Claro, em um serviço geral competente, eu estou citando a experiência do HC, onde nós dois trabalhamos, 70% dos exames são normais e eles devem ser normais mesmo. Então, precisa começar a ensinar que exame que você pede, para que você pede. Eu tive aula de clínica médica com o Ulhôa Cintra que pedia só hemo-sedimentação, nunca vi pedir hemograma completo. O Magal, que me ensinou nefrologia, ele pedia densidade de urina, nunca pedia o exame de urina. Isso que você está falando é completamente verdadeiro. Você só precisa pedir os exames que você precisa, e você tem que saber quais são.

Cláudia Collucci: O que a gente observa hoje é uma enxurrada também de ações judiciais na área oncológica. A gente vê aí os orçamentos de governos estaduais, municipais, já comprometidos com essas ações. Até que ponto vale a pena um médico receitar um remédio novo, uma droga nova muitas vezes sem registro no país, em benefício do paciente?

Ricardo Brentani: Só se ele souber exatamente que aquela droga é a única que vai beneficiar aquele paciente. O que não é comum. O que os juízes fazem, e eu não posso questionar a propriedade da decisão, é que a liminar é concedida com base numa receita médica, não é proveniência do juiz se aquele médico sabe ou não sabe medicina. É isso que o juiz fala, e ele está certo. Então, nós temos e a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo está muito envolvida nisso... Nós temos que fazer uma sistematização desses processos junto ao judiciário, para que o judiciário fique aliado da boa prática médica. Está certo?

Cláudia Collucci: Sim.

Herton Escobar: Existe algum tratamento não disponível no Brasil? Alguma situação que o senhor recomendaria algum paciente se tratar no exterior? Ou entra no AC Camargo e tem qualquer tratamento?

Ricardo Brentani: Se eu dissesse não estaria sendo honesto. Existem tratamentos que não estão disponíveis no Brasil.

Herton Escobar: Por uma questão de custo?

Ricardo Brentani: Não, por uma questão de tempo. A pesquisa farmacêutica é feita em grande parte nos Estados Unidos ou na Europa Ocidental. É natural, portanto, que os primeiros ensaios clínicos sejam feitos nesses mesmos países. Portanto, as instituições de ponta nesses países têm acesso a drogas experimentais antes que a gente tenha. Essa é uma das razões do meu interesse nessa parceria que o Carlos Eduardo mencionou logo na abertura do programa, [com o] MD Anderson Cancer Center, que é a primeira instituição de câncer no mundo. Porque eu quero, justamente, poder ter através deles acesso a essas drogas que estão em fase experimental.

Mônica Teixeira: E o que que o Brasil tem a oferecer para um pesquisador como esse?

Ricardo Brentani: Por que esses laboratórios....

Mônica Teixeira: Então, o senhor está dizendo: "Os ensaios clínicos são feitos nos países desenvolvidos". Mas para o Brasil receber ensaios clínicos...Como é que...

Ricardo Brentani: Como procuraríamos?

Mônica Teixeira: É.

Ricardo Brentani: Isso, por uma razão muito simples, já está acontecendo... Vários hospitais do Brasil - não estou fazendo marketing - vários hospitais do Brasil têm uma qualidade médica superior à média da qualidade média dos países de Primeiro Mundo, primeiro. Segundo, porque tem profissionais no Brasil, profissionais médicos no Brasil que tem uma mentalidade científica e que, portanto, são capazes de executar todas as tarefas que são necessárias para que se possa analisar o resultado do ensaio clínico. Então, o AC Camargo, ou outros hospitais no Brasil, são já intensamente procurados por laboratórios farmacêuticos do mundo todo para participar de ensaios clínicos. Só para dar um exemplo muito prático, que eu gosto de ilustrar as coisas, a vacina de HPV que funciona e que está no mercado, ela foi validada por ensaios clínicos feitos em alguns países do mundo: Estados Unidos, Suécia, Costa Rica e Brasil. Eu me lembro que os pacientes brasileiros foram os mais numerosos e os que tinham segmento mais completo.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Cristiane.

Cristiane Segatto: Doutor, o público costuma se sensibilizar muito com a história de pessoas famosas que têm câncer. A gente viu recentemente com o jogador de basquete [do time Denver Nuggets, da NBA] Nenê, com a atriz Patrícia Pillar, como tantos outros. O senhor acha que é importante que pessoas públicas assumam que tem a doença, de que forma pode contribuir para o reconhecimento da população?

Ricardo Brentani: Eu acho importante e eu respeito muito essas pessoas, sou muito agradecido a elas. Porque isso ajuda a percepção pela população de que câncer não é uma sentença de morte.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Tem mais uma pergunta aqui do telespectador.

Ricardo Brentani: Às vezes morrem, Mônica, mas todos nós vamos morrer; às vezes a gente morre atropelado, leva tiro.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Uma pergunta do telespectador.

Carmem Amorim: Uma pergunta da Cristiane Slater, de Pirassununga, São Paulo, ela tem a dúvida: "Quais as causas prováveis do câncer no intestino no Brasil, quais os hábitos de prevenção?"

Ricardo Brentani: Nós já discutimos isso, você tem que ter uma dieta saudável, aquelas coisas horríveis, fibra por exemplo... Eu descobri que fibra com gorgonzola em cima fica melhor.

[risos]

Carlos Eduardo Lins da Silva: Aí o senhor morre do coração.

Ricardo Brentani: Paciência. O IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] disse que a expectativa do homem brasileira é 69, eu tenho 71, tudo bem para mim [risos]. Uma dieta saudável, certo, menos ingestão de gordura. Não fume. Faça exercício.

Carmem Amorim: Tem uma outra pergunta de um telespectador, Rogério Ligue, de Curitiba, do Paraná, ele fala o seguinte: os alimentos transgênicos podem causar mais casos de câncer, o senhor é favor desses alimentos?

Ricardo Brentani: Lógico que eu sou favor desses alimentos, o que estava no jornal outro dia, 59% da soja plantada no Brasil hoje é transgênica, o que a ministra Marina Silva [Ambientalista e política brasileira, então filiada ao PT. Foi nomeada ministra do Meio Ambiente pelo presidente Lula em 2003, mas renunciou em maio de 2008] está esperando? Por que ela não se preocupa com o desmatamento da Amazônia, que é um problema sério e deixa...A soja transgênica, que é um grande vilão aparente, está sendo plantada, acho, nos Estados Unidos, e eles estão colhendo a oitava safra. A única coisa que está acontecendo nos Estados Unidos é que tem mais gente gorda, e isso não tem nada a ver com a soja que comeram, tem a ver com a batata frita. Nenhuma evidência cientificamente séria prova que alimentos transgênicos causam qualquer doença, ainda mais câncer. Isso é uma tolice, porque o alimento transgênico representa uma economia significativa. Se você consegue... Você usa uma dose de herbicida uma vez e você produz mais soja. Quer dizer, nós todos estamos lendo todo dia que tem não sei quantos milhões de cidadãos no mundo inteiro com fome. Por que eu vou deixar de usar uma ferramenta que me permite gerar mais comida? Por que alguma alma penada acha que isso pode ser, sei lá eu...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Doutor Brentani uma última pergunta para o senhor, nós estamos quase no fim: o paciente hoje está mais bem informado do que jamais [esteve], com essa coisa de internet, divulgação científica. Isso ajuda ou atrapalha o trabalho do médico no caso do câncer?

Ricardo Brentani: Isso ajuda muito. No ano passado, eu não me lembro que mês, a revista Época publicou a matéria de capa que chamava "Dr. Google" [Google é a mais popular ferramenta de busca da internet] onde o articulista, os autores daquele artigo demonstravam como é que faz para escolher o médico pela internet, que critério você usa. Você tem que saber se o médico existe, o que o Google fala dele, porque os médicos que são condenados por erro médicos também estão no Google. Então, você precisa saber como ele aparece; se aparecer na primeira página do jornal é uma coisa, se aparecer na página policial é outra coisa, os dois apareceram no jornal. Além disso, essa matéria ensinava a olhar o médio para ver se o médico que você escolheu publica artigos, se ele produz, se ele agrega conhecimento. Enfim, eu acho que a internet é uma coisa excelente. Eu acho que 25 milhões de lares brasileiros já tem computador, 45 milhões de brasileiros navegam na internet, eu acho que isso veio para ficar e é uma coisa extremamente favorável.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Obrigado doutor Brentani, Roda Viva vai chegando ao final. Agradecemos muito à sua presença aqui esta noite. Queremos agradecer também à presença dos entrevistadores, dos componentes da platéia e principalmente a você, telespectador: muito obrigado pela sua participação. As perguntas que não foram feitas serão encaminhadas ao doutor Brentani, se ele quiser terá a gentileza de responder. E nós voltamos na próxima segunda-feira às 10:40 com mais um Roda Viva. Uma ótima semana a todos. Até lá.

 

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