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Memória Roda Viva

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Telê Santana

30/5/1994

Às vésperas da Copa do Mundo de 1994, Telê Santana avalia as chances da Seleção Brasileira dirigida por Parreira e conversa sobre os desafios enfrentados pelo futebol brasileiro

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[Programa ao vivo]

Heródoto Barbeiro: Boa noite. Mais uma vez, às vésperas do campeonato mundial de futebol, a imprensa especializada diz que o mundo aposta no Brasil. Hoje pela manhã a Seleção Brasileira fez o primeiro coletivo em Santa Clara, nos Estados Unidos, e os titulares venceram os reservas por 6 a 2. Todos se saíram bem, até o [jogador] Raí se saiu bem. O [técnico da Seleção, Carlos Alberto] Parreira classificou o treino com uma palavra inglesa: the best. E a Seleção que treinou hoje deve ser a que estréia contra a Rússia no campeonato mundial de futebol. O Roda Viva de hoje, da Rede Cultura, traz uma opinião especializada: o técnico Telê Santana, que vai falar dessa expectativa internacional e de um acontecimento que vai parar o Brasil [a Copa do Mundo de futebol]. Com a vida dedicada ao futebol-arte, Telê Santana já reuniu um grande número de títulos. Falta um só: o de campeão mundial, que Telê não conquistou quando dirigiu a Seleção Brasileira entre 1982 e 1986. Três anos na Arábia Saudita e há quase quatro no São Paulo Futebol Clube, a torcida o considera como um dos melhores técnicos do futebol brasileiro. E para entrevistar o Telê Santana, nós convidamos hoje: José Trajano, que é comentarista do programa Cartão Verde, da Rede Cultura; o Josemar Gimenez, que é chefe de redação da sucursal paulista do jornal O Globo; o Mauricio Cardoso, que é subdiretor de esporte da revista Veja; o Ubiratan Brasil, que é repórter esportivo da Folha de S.Paulo; o Sérgio Martins, redator chefe da revista Placar; e o Cássio de Andrade, que é coordenador de esportes do Jornal da Tarde. Quero lembrar que o Roda Viva é retransmitido para todo o Brasil por outras vinte e três emissoras de televisão do sul, do centro e do norte. Você que está em casa também pode participar pelo telefone 252-6525. A Shizuka, a Cristina e a Ana estão anotando as perguntas. Se você preferir o fax, você anote aí: 874-3454. Telê, minha primeira pergunta está diretamente relacionada com os acontecimentos de hoje da Seleção Brasileira de Futebol, especialmente desse coletivo, dessa vitória expressiva dos titulares sobre os reservas. Qual é o comentário que você tem a fazer sobre isso? É um comentário otimista, é um início bom dos brasileiros lá nos Estados Unidos?

Telê Santana: Claro que é bom, sempre é bom começar bem, e me parece [que] o treino foi bom, agradou ao Parreira, naturalmente, porque treinaram bem os titulares. É verdade que o time reserva teve algum enxerto americano [jogadores estadunidenses foram utilizados para compor o time reserva], mas não deixa de ser uma alegria para o técnico quando vê o seu time jogando como ele gostaria de ver.

Heródoto Barbeiro: Agora, Telê, essa saída, esse primeiro coletivo, é um bom início para a Seleção Brasileira de futebol, ainda que seja o primeiro passo? Quer dizer, é mesmo nessa direção que o Parreira deve caminhar se o Brasil quiser conquistar esse tetracampeonato?

Telê Santana: É um treinamento bom, dá mais confiança aos jogadores, naturalmente. Eles, fazendo tudo para acertar, vêm de treinamentos físicos onde as dores musculares sempre aparecem, e para os jogadores, se apresentando bem, dá realmente essa confiança tão necessária para iniciar um trabalho de Copa do Mundo.

Heródoto Barbeiro: [Passo a palavra a] José Trajano.

José Trajano: Bom, Telê, boa noite.

Telê Santana: Boa noite.

José Trajano: Bom, se houvesse uma eleição para técnico da Seleção, eleições diretas, você ganharia. Várias pesquisas mostram que o torcedor brasileiro queria o Telê como treinador da Seleção. Agora não tem mais jeito, o Parreira já está lá; você inclusive vai acompanhar a Copa como comentarista numa emissora de televisão. Então eu acho que você já descartou esta hipótese, mas você fala muito em abandonar o futebol. Volta e meia você diz que quer abandonar o futebol, chateado com várias coisas, entre elas a corrupção no futebol brasileiro. Você até diz que parece chato, porque dizem que você quer aparecer, e toda vez que você ameaça largar o futebol... até tem uma frase sua que diz que você é muito decente para esse meio. O que você quer dizer com "esse meio do futebol", é um meio corrupto, é um meio indecente, Telê?

Telê Santana: Eu, infelizmente, não tenho provas, mas aí estão os fatos que aconteceram no Rio de Janeiro, aqui mesmo em São Paulo, e vêm provar que alguma coisa de errado existe. Só que eu não posso dizer "o fulano roubou, o sicrano é ladrão", eu não posso dizer isso. Quem dera que eu tivesse provas para apresentá-las num momento desses, porque eu acho que futebol não é lugar para ladrão, não é lugar para aproveitadores, é lugar para se trabalhar. Aqueles que trabalham recebem justamente o que merecem e aqueles que trabalham sem receberé porque gostam do futebol, ou deveriam gostar do futebol, por isso é que eu combato, eu acho que não tem lugar para pára-quedista no futebol. Ou trabalha como trabalha o pessoal da imprensa, ou [como] trabalham aqueles profissionais, jogadores, técnicos, preparadores e supervisores, sei lá mais o que, e [que] trabalham para receber, e aqueles...

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Telê, o que é um pára-quedista?

Telê Santana: O pára-quedista é aquele que entra sem ter nada com o futebol e quer viver dele. [São aqueles que] estão aproveitando dele para viver. Este é o pára-quedista. Agora, o profissional não é um pára-quedista, ele está trabalhando e, bem ou mal, ele está fazendo jus àquilo que recebe.

Heródoto Barbeiro: Bom, participa conosco também o Osmar de Oliveira, que é o comentarista de esportes do Sistema Brasileiro de Televisão. Passo a palavra para o Josemar Gimenez, Josemar.

Josemar Gimenez: Boa noite, Telê.

Telê Santana: Boa noite.

Josemar Gimenez: Você formou aquele bom time em 1982, e eu gostaria que você fizesse uma comparação, mesmo que por setores, com esse time que o Parreira está levando para a Copa, usando como base o time que treinou hoje na Califórnia. Como é que você vê isso?

Telê Santana: Bom, eu vejo hoje o Brasil com bons jogadores, mas ainda distante daqueles bons jogadores que tínhamos em 82. Acho que o nível técnico daquela equipe, daqueles jogadores, era superior aos de hoje. Foi uma safra muito boa que nós tivemos na oportunidade. A infelicidade nossa foi não ter ganho o campeonato mundial, mas a safra foi uma das melhores que tivemos no futebol brasileiro.

Heródoto Barbeiro: Osmar de Oliveira.

Osmar de Oliveira: Telê, boa noite.

Telê Santana: Boa noite.

Osmar de Oliveira: Se você tivesse que escolher o caminho para um ex-jogador de futebol que acabou agora, encerrou a carreira, um craque... Se você fosse presidente de um clube, você o contrataria para ser técnico do seu clube ou você o colocaria, primeiro, lá embaixo [para treinar] um [time] infantil ou no juvenil?

Telê Santana: Eu acho que em toda profissão [a gente] precisa de uma escola, e no futebol também. Eu acho que para você dirigir é preciso que você tenha uma certa experiência. Não basta ter sido um grande jogador, simplesmente um jogador para [estar em condições de] ser técnico. Ele precisa primeiro aprender a comandar. É muito diferente você jogar e você passar a comandar, então eu acho que qualquer ex-jogador que quisesse seguir a profissão e tivesse qualidade para isso, liderança, conhecimento, com uma certa experiência dentro do futebol, ele deveria começar nas equipes de base, no juvenil, passar para o júnior, [fazer] uma escala, e depois então atingir a equipe principal de qualquer uma equipe profissional. Eu fiz isso e acho que é o caminho certo. Eu não fiz porque eu quis, talvez eu pudesse até ter sido queimado sendo colocado já dirigindo uma equipe principal, mas a minha escola foi muito boa: eu comecei no juvenil do Fluminense, passei no ano seguinte ao júnior e, no terceiro ano, eu já dirigia a equipe principal do Fluminense. Eu acho que essa escala é de muita importância para que um técnico vença.

Osmar de Oliveira: Então, se o [Paulo Roberto] Falcão [que encerrou sua carreira de jogador em 1985 e teve uma rápida passagem como treinador da Seleção Brasileira entre 1990-1991] tivesse começado assim talvez hoje ele fosse o técnico da Seleção Brasileira?

Telê Santana: Eu acho que ele precisava disso. Ele não poderia ser levado diretamente à Seleção Brasileira como foi. Falta alguma coisa que ele vai adquirindo à medida que ele vai trabalhando nas equipes de base. Agora [há pouco] aconteceu [esse problema] com o próprio [Leovegildo Lins da Gama] Júnior [lateral-esquerdo, notabilizou-se jogando pelo Flamengo e na Seleção dirigida por Telê em 82], que saiu de jogador [em 1993] e foi direto dirigir a equipe do Flamengo [de 1993 a 1994]. Eu não vai dizer que não, que não pode acontecer isso; pode, mas o melhor seria que tivesse feito uma escala.

Heródoto Barbeiro: Pergunta agora do jornalista Ubiratan Brasil.

Ubiratan Brasil: Telê, boa noite.

Telê Santana: Boa noite.

Ubiratan Brasil: O Romário foi notícia nessas últimas semanas por atos mais de indisciplina, digamos assim, do que mostrando alguma coisa de futebol. Você, que prega muito esse rigor na disciplina, com você como técnico o Romário teria uma outra punição, teria tido alguma punição, teria alguma conduta diferente, você acredita?

Telê Santana: Depende da indisciplina que é cometida. Tem indisciplinas como essas que aconteceram agora que não deveriam nem chegar ao conhecimento da imprensa. Eu acho que ali houve até um teste [para] a própria direção da CBF [Confederação Brasileira de Futebol] ou [para] a comissão técnica. Por exemplo, esse problema de lugar no avião; isso não existe, porque o avião é tão grande, e bastava uma conversa. [O jogador deveria] chegar ao Américo [Faria, integrante da comissão técnica da Seleção] ou ao próprio Parreira ou ao Zagalo e dizer: "olha, eu gosto de viajar ali no canto, vê se me arruma [um lugar ali]"; não haveria problema. Agora, ele chega direto à impressa [e diz]: "Olha, eu só viajo no canto, não sei o que, eu só viajo na...". Isso não tem razão. A mesma coisa eu penso [sobre] o problema da família. [O jogador] quer levar a família, não precisa chegar e [dizer] "eu vou levar porque tenho dinheiro, porque vou pagar". Ele não precisa fazer isso; ele chega lá para o diretor ou para o presidente da CBF e fala: "Olha, eu quero levar a minha família, eu me sinto bem ao lado dela, vai ser melhor para mim". Então conversa, vai conseguir sem ser preciso brigar, sem ser preciso fazer escândalo na imprensa. Então essas indisciplinas são indisciplinas pequenas, que eu acho até que não foram indisciplinas, foram um teste que eles estavam fazendo com a direção.

Ubiratan Brasil: Você acha que o técnico nessa hora tem que tomar uma atitude, ou é...?

Telê Santana: [adiantando-se] Ele tem que tomar, inclusive conversar com o jogador. Não é motivo para você desligar um jogador por causa disso, não é motivo, mas você pode chegar nele e falar: "olha, não está dando certo, isso aí não é desse jeito que você vai conseguir as coisas", você pode conseguir muito mais até se você conversar. Nós já temos o dom da palavra e a cabeça para pensar para exatamente acertar os problemas que a gente tem, então basta uma boa conversa, que se chega a uma conclusão. Eu acredito que não seja proibido até de levar a família para lá, mas há uma regra, há um regulamento que deve ter sido dado a eles e que eles têm que cumprir. Se não querem, não vão;é problema de dinheiro, é problema disso e daquilo, então não vai, então vai com a família passear, vai fazer o que quer com a família, mas tem um regulamento que tem que ser cumprido.

Heródoto Barbeiro: Telê, já que você está falando do Romário, a Daniela Franco, de São Paulo, pergunta a você o seguinte: "Qual é o melhor jogador do Brasil no momento, é o Romário?"

Telê Santana: Não, eu acho que o Brasil hoje possui grandes jogadores, muitos deles convocados, e que a gente não poderia distinguir assim um jogador mais do que o outro. Acho que tem grandes jogadores em forma como Bebeto, como Romário; eu acredito que o Raí vai readquirir a sua forma; Jorginho, Ricardo Rocha, todos são bons jogadores. Então é o mesmo nível, não há assim uma diferença muito grande como já existiu, como Pelé, Garrincha e os demais jogadores; não, não há isso, há bons jogadores, e o Bebeto e o Romário são bons jogadores que estão na Seleção.

Heródoto Barbeiro: Telê, a pergunta agora é do Maurício Cardoso.

Maurício Cardoso: Boa noite, Telê.

Telê Santana: Boa noite.

Maurício Cardoso: Telê, no seu tempo [de treinador da Seleção Brasileira em 1982] teve o "bota ponta, Telê!" [frase popularizada pelo personagem Zé da Galera, criado e interpretado pelo humorista Jô Soares]. Agora o grande tema de discussão são dois, são três no ataque. Você faria uma Seleção com três [jogadores] no ataque hoje?

Telê Santana: Deixe-me explicar. Primeiro, o problema "bota ponta, Telê". Eu estava adiantado, na frente desses que combatiam, que não queriam pôr dois [atacantes]. Ninguém mais joga com ponta fixo, o ponta pode ser um lateral, pode ser um jogador de meio-de-campo, pode ser um atacante que se desloca para ponta, mas não existe mais esse problema de fixo como na minha época existia, quando eu comecei a jogar com um estilo diferente. O problema de ataque, por exemplo, não quer dizer que quanto mais homens você põe mais ofensivo você seja. É preciso entender que, quando se ataca, não se ataca somente com aqueles dois que estão na frente; eles levam dois laterais, podem levar dois laterais, podem levar dois homens de meio-de-campo, além dos dois que estão na frente. Então você ataca com seis, às vezes até com sete jogadores, sem ser necessário que você tenha três ou quatro homens lá na frente fixos. Não pode ser, não precisa ser isso.

Maurício Cardoso: Agora, tendo um jogador, por exemplo, como o Ronaldo [Luís Nazário de Lima, que tinha 17 anos na Copa do Mundo de 1994], que pinta aí como grande jogador, você arrumaria um lugar para ele no time?

Telê Santana: Tem um problema, [que é] o esquema que é determinado pelo técnico. Então eu vou dar esse exemplo [de] que faltou um ponta na Seleção. Nós tínhamos quatro grandes jogadores, todos em meio-de-campo, e eu tive que encontrar um lugar para os quatro jogarem juntos, porque não podia deixar um jogador desses de fora, Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico [jogadores da Seleção Brasileira de 1982]. Nós tínhamos que colocar e procurar colocar todos esses jogadores dentro do campo, e conseguimos fazer com que os quatro jogassem juntos, sem que usássemos um ponta fixo. E ali cada um revezava pelo setor direito, caía e deslocava pelo setor, e nós nos demos bem, pelo menos jogamos bem. Então, hoje não é preciso fixar um jogador na frente, tem o seu esquema, um jogador pode voltar um pouco mais, seja o Ronaldo, seja o Bebeto -não diria até o Romário, porque não tem muito essa característica -mas poderia até um deles voltar e jogar com esses três atacantes. Não tem problema nenhum, desde que se adaptasse ao sistema de jogo.

Heródoto Barbeiro: Sérgio Martins.

Sérgio Martins: Telê, você está falando que você estava adiantado no tempo por não utilizar ponta. Você também estaria adiantado no tempo quando montou o Palmeiras, principalmente em 78, 79, com dois volantes, e hoje você não teria uma dorzinha na consciência de a gente ter numa Seleção dois volantes como o Dunga e o Mauro Silva, que são redundantes?

Telê Santana: Não, eu acho que desde o momento em que esse esquema esteja dando certo, não importa que seja até o WM [esquema de jogo que surgiu nos anos 30 e foi muito utilizado por cerca de duas décadas; consistia em 3 jogadores na defesa, 4 no meio-de-campo e 3 no ataque], que foi [usado] nos tempos que iniciamos no futebol. Você pode fazer até um esquema WM, desde que esteja dando certo. Não importa que tenha dois volantes. Eu, por exemplo, quando coloco dois volantes no time, eu libero outros jogadores, então não importa que sejam dois volantes e que façam a cobertura daqueles homens que avançam. Então você põe dois [volantes]... e eu fui muito combatido aqui quando eu coloquei o Ronaldo [Rodrigues de Jesus, mais conhecido como Ronaldão, jogava no São Paulo, sob o comando de Telê, quando o time foi campeão intercontinental em 1992], que foi o quarto-zagueiro nosso, e eu botei ele no meio-de-campo no campeonato [Brasileiro de 1991] para jogar. [E diziam:] "então, como é que pode o Ronaldo jogar no meio-de-campo?". Ninguém entendia que eu soltava o Leonardo [Nascimento de Araújo, lateral-esquerdo], que passava a ser um atacante, e prendia o Ronaldo para fazer a cobertura desse jogador. Então eu não estava tirando nada da parte ofensiva, estava colocando mais um jogador lá e colocando um para fazer a cobertura aqui. Então muita gente não entendia isso, e já jogamos com o Adilson [José Pinto, jogou pelo São Paulo entre 1986 e 1992], que era beque central, no meio-de-campo também. Então é para liberar outro jogador que tem qualidades boas para atacar, e eu usava esse sistema sim. Então, não importa que você tenha dois elementos que sejam mais cabeças-de-área, como se chama. Agora [escalar] Dunga e o Mauro Silva, [só é vantajoso] se você libera outros jogadores. O que não pode é você ter dois cabeças-de-área e prender os outros também. Prende o lateral e, quando for um, não vai o outro; então, aí não adianta nada, porque você precisa ter dois cabeças-de-área e ter mais um jogador que é defensivo naquele momento que você precisa atacar.

Sérgio Martins: Mas não seria um pouco incoerente de sua parte, porque você critica, por exemplo..., já ouvi você criticar jogadores como o Romário, que pouco participam do jogo. O Romário pega na bola três vezes, faz dois gols e acabou. Um volante, cabeça-de-área, ele também não é um jogador que tem uma função muito especifica e também não participa? Ele marca, é apenas um jogador de marcação que não arma jogada, que não ajuda na criação da jogada. Não seria um pouco de incoerência sua cobrar que um jogador do ataque participe do jogo, assim de participar da jogada, da criação da jogada, e que um volante que possa só marcar e pronto?

Telê Santana: Não, não, mas eu não prendo nenhum jogador. Ao contrário, se ele tem qualidades, e aí é que entra o problema da qualidade... Você não pode pegar o seu cozinheiro e fazer dele um garçom. O garçom é garçom e cozinheiro é cozinheiro; se ele sabe fazer as duas funções, então você pode aproveitá-lo na cozinha e depois vai servir. Ele pode fazer isso, mas quando ele não tem essa qualidade para servir, ele não pode ser garçom. A mesma coisa é um jogador: se ele é um bom jogador e ele sabe atacar, eu não prendo não, ao contrário, eu tenho feito muitas vezes isso: um jogador fica, [daí] sai o Válber [zagueiro, campeão intercontinental com o São Paulo treinado por Telê em 1993], que é mais atrás ainda, que joga mais atrás, e vai atacar. Eu deixo que ele ataque, eu não fico [dizendo] "olha, fica, não vai", não, eu, ao contrário... nós temos a posse de bola e ele pode atacar, não tem problema nenhum, pode atacar. Então, aquele que você tem num clube, por exemplo, que é um jogador limitado e que faz muito bem essa função de defender, então ele vai defender, mas se ele tiver qualidades para atacar, ele vai atacar. Eu quero que ele se solte também, não tenho esse problema de prender o jogador.

Heródoto Barbeiro: Telê, antes de passar a palavra ao Castilho de Andrade queria que você respondesse ao nosso telespectador, senhor Alfredo Torres, de São Paulo, que diz o seguinte: "Você falou agora sobre pára-quedista do futebol...". Ele manda perguntar a você, se você considera o [presidente da CBF desde 1989] Ricardo Teixeira um pára-quedista.

Telê Santana: Considero. Acho que é porque eu nunca o vi no futebol e em coisa nenhuma, só o vi na sala da CBF, só apareceu na CBF, ele caiu dentro da CBF. Eu não sei mais nada dele. Eu sou de Minas, ele é mineiro, e nunca tinha ouvido falar o nome dele lá no Cruzeiro, no Atlético, no América, que são as três equipes de Belo Horizonte. Nunca ouvi falar o nome dele, então é um homem que caiu ali dentro.

Heródoto Barbeiro: Castilho.

Castilho de Andrade: Eu queria aproveitar esse assunto e perguntar para o Telê como é que ele interpretou esse episódio lamentável do João Havelange com o Pelé em função exatamente da briga do Pelé com Ricardo Teixeira [em uma entrevista em 1993, Pelé acusou de corrupção a gestão de Teixeira na CBF; o jogador foi processado pelo dirigente, que teve o apoio do presidente da Federação Internacional de Futebol Associação (Fifa) João Havelange, sogro de Teixeira] e se ele tomou conhecimento, por acaso, da reportagem da revista Playboy - esse último número envolvendo o João Havelange com o tráfico de arma, fraude fiscal, jogo do bicho, uma denúncia pesada.

Telê Santana: Eu não li a revista com relação a isso. Eu não acredito que o João Havelange esteja metido nisso, eu não acredito. Quanto à briga do Pelé, é uma briga de bobos, de bobos não, porque eu diria até que quem fez o mal, o pior aí foi o João Havelange, porque ele chegar inclusive a dizer: "Ah, eu estou até ajudando o Pelé, porque ele está esquecido"... Pelé nunca vai ser esquecido. João Havelange talvez não seja nem lembrado e talvez ele passe em qualquer lugar da rua e ninguém o conheça, mas Pelé, não tem lugar que ele passe que não o conheçam, no mundo, não é só no Brasil não, é no mundo. Então o Pelé não precisa da ajuda de João Havelange. O Pelé é um homem que é conhecido em toda parte, onde passar. Ele sempre elevou o nome do país, então não se pode diminuir tanto a imagem de um ídolo nosso, de um homem que fez tanta coisa pelo nosso futebol, por ele achar que ele, [por ser] presidente da Fifa, pode fazer tudo. Ele [Havelange] defendeu o seu genro [Ricardo Teixeira], tudo bem, quer defender... Mas não pode fazer isso com o Pelé, que é ainda hoje o jogador mais conhecido no mundo, de todos os tempos... foi Pelé.

Castilho de Andrade: Completando... O deputado Januário Mantelli Neto, aqui de São Paulo, tentou fazer uma CPI do futebol, e ele mesmo disse que a base da denúncia dele teriam sido as suas constantes reclamações em relação à corrupção no futebol. Você chegou a ser ouvido sobre isso pelo deputado? E como é que você viu esse pedido de uma CPI aqui no futebol e, pouco tempo depois, aparece o nome do presidente da federação envolvido supostamente com um cheque do PC Farias [Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor, acusado de manipulação de verbas e um dos principais envolvidos no escândalo político que levou à ameaça de impeachment ao presidente Fernando Collor], e, por causa disso, ele foi prestar depoimento, inclusive, na Polícia Federal. Você acabou se envolvendo de uma maneira direta ou indiretamente com isso ou não?

Telê Santana: Não, eu não fui perguntado, honestamente já disse no início aqui, eu não tenho nenhuma prova, e se tivesse eu levaria ao conhecimento de todos. Deve existir alguma coisa, porque todo mundo foge de tudo; eu, por exemplo, se amanhã disserem que eu roubei da CBF, da Federação [Paulista de Futebol] ou do São Paulo, eu abro minhas contas, eu ponho tudo visível para que todo mundo veja. Eu tenho minha declaração do imposto de renda, eu relato tudo que eu tenho, comprei com meu suor, ganhando dentro do futebol, é verdade, mas lutando, trabalhando. E eu trabalho no futebol desde 1950, então eu posso justificar tudo que tenho, e aqueles que ficam fugindo da verdade... então alguma coisa deve ter, e eu acho que deviam ir a fundo para ver se tem ou se não tem alguma coisa.

Heródoto Barbeiro: Telê, tem uma porção de perguntas aqui dos telespectadores, inclusive começaram a chegar os faxes aqui com o distintivo do São Paulo Futebol Clube [mostra um desenho do símbolo do São Paulo, feito por um telespectador e enviado por fax], que é do senhor Roberto Tardina, de Valinhos, interior de São Paulo. O senhor Aguiar, aqui da capital; o senhor Peter Vanglaim, de Bauru; o senhor Marcio Ubiratan, de Sorocaba... em suma colocaram aqui uma porção de nomes de jogadores, mas a pergunta fundamental é essa daqui, Telê: "Qual é a Seleção ideal para você?"

Telê Santana: É, essa pergunta sempre foi feita a mim e eu sempre respondi que eu não tenho Seleção ideal.

Heródoto Barbeiro: Enquanto comentarista e enquanto apreciador de futebol [qual seria]?

Telê Santana: Não, eu não tenho a minha Seleção e, graças a Deus, eu não tenho que pensar nisso, porque já pensei muito e, se eu tenho alguns cabelos brancos, foi exatamente por ter pensado tanto como é que ia escalar, como que ia treinar para conseguir fazer o melhor para o futebol, mas eu não tenho a minha Seleção, e digo mais, é uma coisa que eu não gostava quando um técnico dizia: "Olha, eu tenho minha Seleção, é essa, ou os jogadores que eu convocaria seriam esses". Eu acho que o técnico tem o direito de escolher e eu não discuto a escolha, por exemplo, do Parreira na convocação. Eu acho que ele não merece nenhuma crítica, porque ele está levando aqueles que ele julga no momento em melhores condições para aproveitá-los; agora, depois, se não der certo, ele está sujeito a críticas ou elogios.

Heródoto Barbeiro: Josemar Gimenez.

Josemar Gimenez: Mas, Telê, eu gostaria de saber, por exemplo: na sua opinião, você acha que ficou algum jogador de fora para você, não para o Parreira. O Parreira levou os 22 melhores. Para você, ficou algum jogador que você acha que deveria ir aos Estados Unidos?

Telê Santana: Eu diria o seguinte: se nós fizermos aqui uma lista de 22 jogadores, todos nós aqui, não vai ter uma lista igual à outra. Nós vamos ter alguma divergência e todo mundo vai escolher um jogador.

Heródoto Barbeiro: Mas a sua opinião pesa mais.

Josemar Gimenez: Na sua opinião - o Trajano mesmo lembrou que o senhor é o técnico preferido dos brasileiros, então a sua opinião tem um peso significativo, a minha talvez não tenha. Agora, eu gostaria de saber se ficou algum jogador que você acha que deveria ir aos Estados Unidos.

Telê Santana: Não, eu não vou dizer nomes, mas para mim, por exemplo, se tivesse que escolher eu teria alguma mudança, faria alguma mudança, dois ou três ou quatro jogadores, que seriam muito pouco para... se fosse um desacerto dele [Parreira], [mas] não há isso, não há desacerto. Mas ele julga que, no momento, é melhor aquele que ele levou do que esse que eu penso que seria melhor.

Josemar Gimenez: Esses acertos que o senhor faria, quais seriam eles, esses quatro jogadores?

Telê Santana: Pois é, isso que eu não digo, eu não vou dizer nomes de jogadores, mas eu teria, vamos dizer, quatro ou cinco jogadores que eu poderia mudar de nomes lá, não levar esses, levar outros jogadores que ficaram aqui ou estão no exterior. Mas eu não diria, porque isso é preferência do próprio [técnico], aquele que escolhe, ele tem que escolher aquele que ele acha melhor, e se ele achou que é esse [time], vamos torcer para que esse dê certo, não adianta nada eu ficar daqui falando: "ah, eu levaria esse ou aquele."

Heródoto Barbeiro: Trajano.

José Trajano: Telê, você briga muito pela sua profissão. Você é um treinador de futebol e exige respeito a essa profissão. Agora, nesta semana, nós tivemos a demissão do [técnico] Carlos Alberto Silva pelo Corinthians, coisa meio complicada. Quer dizer, no final de contrato ele foi desrespeitado, ele falou isso publicamente e agora está ameaçando, vivendo a história do [técnico] Vanderlei Luxemburgo, que ameaça largar o cargo porque é incompreendido pela torcida, após ter dado tantos títulos ao time do Palmeiras. Como é que você vê isso? Um treinador de futebol ainda é muito desrespeitado pelos dirigentes? É considerado um cidadão de terceira classe pelo dirigente?

Telê Santana: É uma força que às vezes não tem como suportar. Uma torcida quando exige, às vezes, a saída de um técnico, ela vai continuar exigindo, então basta ter um mau resultado - e não se pode dizer que foi um mau resultado o jogo do Palmeiras com o Ceará, pode acontecer no futebol. [Isso] não quer dizer que o Palmeiras, porque é o campeão, é o bicampeão e tal, que não pode empatar com o Ceará. Pode acontecer isso no futebol. Então aconteceu e, por isso, foi desclassificado o Palmeiras da Copa do Brasil [O Palmeiras empatou em 0 a 0 e 1 a 1 com o Ceará e foi desclassificado por sofrer mais gols em casa].

José Trajano: E o Carlos Alberto Silva? Aquela história [de sua demissão], aí já é diferente, não foi a torcida, foi uma coisa de dirigente.

Telê Santana: Alguma coisa pode ter acontecido, a gente não sabe. Lá dentro, ouvimos um lado e não ouvimos o outro, então pode ter acontecido alguma coisa. Mas eu acho que, quando se contrata um técnico, é preciso saber as qualidades desse técnico, os defeitos que ele tem, suportar os defeitos e levantar suas qualidades. Então, quando se contratou um técnico... e não é a primeira vez que o Corinthians contrata o Carlos Alberto, já o conhecia bem, porque [ele] já trabalhou no Corinthians inclusive. Então, quando ele está lá, é para prestigiá-lo. Perder um campeonato, nós também perdemos, e nem por isso o São Paulo me mandou embora. O Corinthians perdeu e nós também perdemos, e nem por isso eu saí por causa da perda de um título.

José Trajano: E o São Paulo respeita todas as suas qualidades e defeitos?

Telê Santana: É, pelo menos...

José Trajano: [interrompendo] Você acha que também no São Paulo você é um pouco incompreendido?

Telê Santana: É, pelo menos, até agora foi assim, porque...

José Trajano: [interrompendo] Mas às vezes tem um arranca-rabo lá?

Telê Santana: Ah, mas tem, mas aí eu abro o bico; quando tem alguma coisa a reclamar eu reclamo, falo, mesmo porque eu defendo não é a mim, eu defendo é o São Paulo. Quando eu estou lá, eu não estou defendendo nome do técnico, o Telê, não, eu estou defendendo é o clube que estou defendendo. Agora, essas brigas todas que tive, é tudo para o bem do futebol; às vezes nem é o próprio São Paulo. Uma vez eu perguntei para  o [presidente da Federação Paulista de Futebol Eduardo José] Farah: "me dê uma razão para [um jogador] não fazer o exame antidoping, uma razão". Poxa, não pode ter uma razão para não fazer exame antidoping.

Heródoto Barbeiro: Telê, essa é uma cultura eminentemente brasileira, quer dizer, [se o time] perdeu, o técnico já está na berlinda e, na segunda [derrota], ele já está na rua?

Telê Santana: Infelizmente, aqui no Brasil é assim. É não ver o trabalho, e isso pode acontecer comigo amanhã, perder dois jogos e tal...

Heródoto Barbeiro: Você já perdeu mais de dois [jogos seguidos] sem ser mandado embora?

Telê Santana: Já, no São Paulo [já aconteceu de] ficarmos cinco jogos [seguidos] sem ganhar. Ficamos cinco jogos... [mas] felizmente ainda me agüentaram e nós pudemos até sair para ganhar esse próprio campeonato [em] que nós perdemos cinco jogos seguidos.

Heródoto Barbeiro: Ubiratan.

Ubiratan Brasil: Telê, você fala agora em abrir o bico. Você vai acompanhar a Copa como comentarista do SBT e vai escrever uma coluna para Folha [de S.Paulo]. Como vai ser sua atitude criticando a Seleção Brasileira e criticando o trabalho do Parreira? Você já falou várias vezes também que vai fazer críticas construtivas, mas se for o caso de uma necessidade de uma critica hasta, como você já fez com as arbitragens, você vai usar desse artifício ou não, vai abrir o bico também?

Telê Santana: Se houver a necessidade de uma critica forte, ela será feita. Agora, eu não vou para lá pensando em fazer uma crítica, e estou até dizendo aqui sobre o problema da convocação. Nós temos que esperar o resultado para depois então ou elogiarmos ou fazermos críticas. Se merecer a crítica, nós vamos fazer a crítica que se merecer; elogios, vamos fazer elogios, então lá, quem está na berlinda é o técnico, e isso já aconteceu tantas vezes e vai acontecer outras vezes de tantos técnicos que foram comentar. Outro dia eu vi até o Zagalo me censurando porque eu estava fazendo [críticas]... ele foi em 86; em 86 ele era o comentarista e eu estava dirigindo a Seleção. E ele falou o que ele quis, e ninguém pode prender a boca de ninguém. Ali, se merecer elogios vou fazer elogios; se merecer críticas, é crítica. Nós [técnicos] somos o alvo.

Heródoto Barbeiro: Ok, Telê, agora vamos ver a pergunta do Castilho de Andrade.

Castilho de Andrade: Falando em Seleção, Telê, o São Paulo tem uma estrutura que é realmente invejável. Todo mundo admite isso. O Moraci [Sant'Anna, preparador físico, trabalho com Telê] teve problemas com a CBF, [depois] voltou para a Seleção realmente em função do trabalho que ele desenvolve no São Paulo. E teve um episódio curioso agora que envolve uma pessoa do São Paulo, que é a Patrícia Bertolucci, que é a nutricionista, faz parte do esquema do preparador físico Moraci. Pelo que se pôde entender, os dois médicos da Seleção, tanto Lídio Toledo quanto o Mauro Pompeu, acharam que ela era cozinheira e tal, que ela ia lá temperar comida; aí ficaram espantadíssimos quando ela começou a falar em nutrição. Como é que você viu esse episódio da demissão dela e qual é a importância que ela tem no trabalho do São Paulo?

Telê Santana: Eu acho que eles não podem desconhecer uma nutricionista, dois médicos famosos como Mauro Pompeu e Lídio Toledo, eles não podem desconhecer uma nutricionista. É uma moça com quem eu nunca falei; raramente eu encontro com ela ou a cumprimento, mas nunca falei com ela. Acho que foi uma deslealdade de algumas pessoas da comissão que conheciam seu trabalho, inclusive o próprio Moraci, que devia partir em defesa dela. Esse seria o meu comportamento, desde que eu considere uma pessoa correta, certa para o trabalho que tem que exercer lá, eu partiria em defesa, como parti em defesa do que eu queria quando eu entrei na Seleção. Eu queria uma outra comissão, que não fosse aquela que eles queriam impor, e eu consegui fazer isso. Então, da mesma forma, tem que ser coerente: se acha que ela é boa, que vai trabalhar a favor da Seleção, que lute por isso. Não seria um médico, por exemplo, que iria falar "não, quem vai dizer aqui o que vai se comer sou eu"; não pode ser assim.

Heródoto Barbeiro: Telê, eu não sei se você disse essa frase - pelo menos anotei na pesquisa de hoje -, dizendo o seguinte: "Com jornalista a gente tem sempre que ficar com o pé atrás". Essa frase é atribuída a você.

Telê Santana: Um jornalista?

Heródoto Barbeiro: É, com jornalista em geral, que você teria dito essa frase.

Telê Santana: É, com jornalista...

Heródoto Barbeiro: É, porque eu tenho duas perguntas relativas a isso, uma delas é do jornalista Nelson Rubens, que diz o seguinte: "O que é que deixou você feliz, mais feliz nos últimos anos", e ele pergunta: "Foi enterrar a fama de pé-frio?" [porque Telê formou duas excelentes seleções, nas copas de 1982 e 1986, mas nenhuma delas foi campeã]. E o senhor Marcos Álvares pergunta: "O que você acha da imprensa especializada em futebol no Brasil?"

Telê Santana: Olha, o problema de pé-frio eu... no início eu me aborrecia muito, porque...

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Com a imprensa?

Telê Santana: Não, não, não me chamavam... quem inventou isso foi a imprensa, [foi ela] que inventou esse negócio de pé-frio; foi um repórter, eu já disse isso aqui e tal. Bom, mas eu me aborrecia porque quem conhece minha vida... eu fui tantas vezes campeão jogando futebol. Trajano acompanhou minha carreira durante algum tempo no Rio de Janeiro.

José Trajano: É, [...] meu América [O Fluminense dirigido por Telê Santana derrotou o América por 1 a 0 e sagrou-se campeão da Taça Guanabara de 1969], né?

Telê Santana: É, então, perdemos uma para o América também, mas ganhamos muitos títulos. E eu, jogando futebol, comecei no primeiro ano de profissional já campeão pelo Fluminense. Então, como técnico, comecei já campeão também nas equipes de base, depois no time principal do Fluminense; então não podiam desconhecer tantos títulos que eu já tinha ganho. Pé-frio é aquele que não ganha nada, por isso eu me aborrecia, e todas as vezes que falavam comigo [sobre isso], eu dizia: "eu já ganhei isso, mais isso, mais isso", e depois eu falei: ah, eu não vou ficar dando bola para essas coisas não; não adianta, então não vou mais falar. E veio com o trabalho, felizmente, veio com o trabalho o reconhecimento que não existia, porque isso foi inventado, e a torcida já pegava, todo mundo começava: "pé-frio, pé-frio", e isso aborrecia, mas desde o momento que passamos a ganhar, esqueceram disso e não houve mais nada, e o outro [questionamento] é que a imprensa...

Heródoto Barbeiro: O que você acha da imprensa especializada em esporte?

Telê Santana: A imprensa, como em qualquer atividade, em qualquer profissão, tem os bons e tem os maus; tem aqueles que você pode ouvir, pode ler, pode ver e tem aqueles que não merecem nenhum crédito, que você vai ver e não fala nada com nada. Então, o que acontece é que tem a crítica construtiva e tem aquela que não leva a nada; então eu separo o que é bom e o que é ruim, como eu separei, por exemplo, os técnicos que eu tive, aqueles que eram bons, as suas qualidades eu procurei seguir, e [procurei] deixar de lado aquilo que eu achava que não era bom.

Heródoto Barbeiro: Osmar de Oliveira.

Osmar de Oliveira: Telê, vou citar aqui três jogadores; você só tem direito de escolher um para o seu time. Vou colocar os três com 25 anos: [o italiano Franco] Baresi, [o holandês Marcel] Van Basten e [o brasileiro] Romário, escolha um.

Telê Santana: Com 25 anos?

Osmar de Oliveira: Os três com 25 anos, escolha um dos três.

Telê Santana: Van Basten.

Osmar de Oliveira: Van Basten?

Telê Santana: É!

Osmar de Oliveira: Então, nessa qualidade que você exaltou do Válber, aí agora há pouco, que é o homem que vem lá detrás, de surpresa e tal, você ainda deixaria ele para trás para ficar com um goleador?

Telê Santana: É, não, não, eu não estou dizendo que os dois não sejam bons.

Osmar de Oliveira: Não, claro, por isso eu lhe falei que você só pode escolher um.

Telê Santana: É, então eu escolhi o Van Basten, um jogador de frente, um jogador inteligente, que cabeceia muito bem, se coloca muito bem, bate bem na bola. Então esse seria o jogador com 25 anos, é a ele que eu daria preferência, mas se pudesse eu queria ter os três [risos].

Osmar de Oliveira: Sei, agora vamos supor que eu lhe dissesse: está bom, você escolheu o Van Basten. [Suponha agora o seguinte:] O Van Basten é bilionário, bilionário e o Romário é pobre. Você fica com qual?

Telê Santana: Romário [risos].

Osmar de Oliveira: Romário...

Telê Santana: [Risos] É cachorro magro, aquele que ainda quer porque precisa.

Osmar de Oliveira: É aquela sua história do cachorro de açougue?

Telê Santana: Cachorro de açougue, porque o cachorro de açougue é aquele que come filé todo dia, então ele deita num cantinho lá, se entrar ladrão, entrou, levou e [esse cachorro] não quer nada. Já o cachorro magro é aquele que passa fome, ele está sempre de orelha em pé querendo pegar alguém e está sempre atento.

Sérgio Martins: E essa coisa de fazer uma opção, [quem você escolheria entre estes] três nomes: Raí, Dunga e Mauro Silva?

Telê Santana: Eu preferia o Raí em forma, aos 25 anos.

Sérgio Martins: Vamos ver com qualquer idade, não precisa ser aos 25 anos, não.

Telê Santana: Não, eu preferia o Raí, estando em forma quando jogava no São Paulo, eu prefiro o Raí.

Sérgio Martins: O que falta para o Raí acontecer na Seleção, desabrochar na Seleção, ir bem como ele ia no São Paulo, que até hoje na Seleção ele não conseguiu ainda?

Telê Santana: Eu não sei o que está se passando com o Raí, não falei mais com o Raí, infelizmente, nem por telefone nem nada, mas para mim o problema do Raí não é físico, não é técnico, não é nada, é cabeça; para mim é cabeça, porque ele aqui era um jogador confiante, [ele] acreditava nele, acreditava em quem acreditava nele, que no caso [era] a comissão técnica. Era um homem amigo de todos os companheiros. Lá no [time francês] Paris Saint-Germain ele era [apenas] mais um, então ele deixou de ser aquela figura que era aqui, onde a própria torcida aceitava os seus erros, não o vaiava. Lá [na França] ele já pensa duas vezes, se ele errar vai ser vaiado, então tudo isso deve estar pesando, porque ninguém esquece de jogar futebol, e se ele estivesse mal fisicamente... vamos admitir que pelo menos quinze minutos ele tinha que jogar bem, ele tinha condição de jogar pelo menos quinze minutos. Então não é o preparo físico, não é a técnica, porque ninguém esquece. O problema, para mim, é cabeça, é ele confiar nele, acreditar nele e acreditar em quem dirige o Raí no momento.

Heródoto Barbeiro: Telê, você acabou de responder à pergunta do senhor Roberto Ramos, de Fortaleza, no Ceará, e do senhor José Marques, de Porto Alegre. Queria passar a pergunta agora para o Maurício.

Maurício Cardoso: Telê, o país vive este ano três grandes eventos, Copa do Mundo, plano econômico [Plano Real] e as eleições. Qual é a sua avaliação e expectativa diante de cada um desses eventos?

Telê Santana: Bom, na Copa do Mundo nós esperamos que o Brasil tenha uma boa participação e consiga ganhar o título, eu acho que...

Maurício Cardoso: [interrompendo] Ele tem chances para isso?

Telê Santana: Ele tem chance, eu acho que tem, pelos jogadores que nós temos, o trabalho sendo bem feito, nós temos grandes chances de ganhar. O elenco hoje é bom, um pouco mais maduro, tecnicamente não vejo uma equipe melhor do que a nossa, eu não vejo, então eu acho que tem tudo para ganhar. O problema político, nós vamos depender muito do plano que está se aproximando aí [refere-se ao Plano Real], para a gente saber como é que vai seguir esse país. Não tem ainda, é uma incógnita se nós vamos acabar mesmo com a inflação, e o problema da inflação até eu fico... tem hora que eu paro para pensar... olha, o Peru conseguiu, a Bolívia conseguiu, o Paraguai conseguiu, a Argentina conseguiu; por que o Brasil [não conseguiria]? Nós somos mais burros do que esse pessoal? Nós não temos inteligência, ou aqui é realmente um país de corruptos onde todo mundo quer roubar? Eu fico pensando, por que só nós não conseguimos? Eu fui à Bolívia outro dia, era uma inflação que existia lá de quatro mil e tanto [por cento] e [atualmente] não tem mais inflação, ou pelo menos tem uma inflação pequena, e por que a Bolívia consegue e nós não conseguimos? Nós somos um país rico, o Brasil é um país rico, então como é que pode estar numa situação dessa? Eu acho que é muita gente querendo aproveitar da situação e, por isso, nós não conseguimos.

Maurício Cardoso: Quer dizer, o que acontece no futebol acontece também na sociedade em geral?

Telê Santana: Também. É, vem de lá para cá, porque quando acontecem muitas coisas lá fora, é porque nós estamos vendo muitas coisas erradas acontecerem lá. Esse problema da corrupção na Câmara dos Deputados, de senadores e de presidente da República que saiu [referência ao impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992], então isso vem de cima para baixo, o povo vai fazer exatamente aquilo lá. Você vê um deputado batendo na cara de uma deputada lá dentro [do Congresso], vai sair a violência aqui também, tudo vai acontecer aqui fora, porque é um exemplo que vem de lá para cá. Nós sabemos tudo o que se passa lá, então quando acontecem roubos, como corrupção, como está acontecendo lá, e às vezes nem providências tomam, a gente fica estarrecido, mas é o país que vai seguindo isso.

Heródoto Barbeiro: Telê, pergunta do Trajano.

José Trajano: Bom, vamos mudar de pato para ganso agora um pouquinho, voltar àquela história que o Castilho levantou da moça nutricionista, que os médicos acham que lugar de mulher é na cozinha. Pensaram que ela era cozinheira e não podia opinar nada, então vou juntar duas coisas numa só: você acha que comer um paiozinho, uma carne-seca durante a Copa do Mundo, porque parece que o problema pegou por aí, faz mal para os jogadores? E o problema do sexo durante a Copa, que é tão falado, alguns treinadores de outras seleções concordam e outros não liberam. Como é que você vê esses dois assuntos?

Telê Santana: Bom, o problema da comida é um problema que eu também não discuto, eu como, se vier o paio eu como, a carne-seca eu como, porque gosto, mas isso é estudo que chega à conclusão de que isso faz mal para o atleta. Ali, quando você quiser comer um paio, ou você está lá na sua praia, no seu sítio, na sua fazenda, você faz lá sua feijoada e tal, mas nós estamos disputando uma Copa do Mundo.

José Trajano: Durante aquele mês ali.

Telê Santana: É, nós estamos disputando uma Copa do Mundo, e qualquer sacrifício, se for sacrifício, vale a pena fazer, então nesse momento vamos fazer o que é melhor. O melhor é não comer isso, não comer massa, então não vamos comer massa, porque é praticamente a vida deles que também está em jogo, daqueles jogadores que se preparam, que vão ganhar muito bem. Os próximos contratos [deles] serão ótimos. E o outro problema, do sexo, só pode falar em sexo quem já viveu, quem não viveu o problema não pode falar. Eu, por exemplo, como jogador, pois fui jogador, acho que o sexo antes do jogo, um dia antes, por exemplo, não faz bem. Eu acho que não faz; é um desgaste muito grande do jogador, e esse desgaste vai refletir lá dentro do campo. Então eu acho que a véspera do jogo não é dia de fazer sexo; às vezes há uma concentração. Mas, fora disso, não atrapalha nada o jogador levar a sua mulher e se encontrar com ela nos dias de folga, como hoje lá na Seleção foi dado um dia de folga, e quem estivesse lá com a mulher, como nós fizemos em 86, vai encontrar com sua mulher no hotel, vai estar, porque ela não ficava na concentração, ela ficava lá...

Heródoto Barbeiro: Telê, você condena então o sexo na véspera do jogo, é isso?

Telê Santana: É, na véspera do jogo que eu acho que é prejudicial, porque...

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Tem um médico aqui, né?

Telê Santana: ...porque há um desgaste...

Heródoto Barbeiro: O médico podia dizer isso.

Osmar de Oliveira: Bom, o entrevistado é o Telê, eu converso sempre essas coisas com o Telê, porque o Telê me dá o prazer de ser meu companheiro.

Heródoto Barbeiro: Concorda ou não?

Osmar de Oliveira: Concordo plenamente, e [fazer sexo] depois do jogo também [requer] uma certa moderação, a não ser que você tenha uma nutricionista para poder recuperar depois do jogo suas energias, para você fazer sexo, [visto] que uma hora de sexo para um rapaz de vinte anos são oitocentas calorias, é mais que um jogo de futebol.

Heródoto Barbeiro: Telê, uma pergunta aqui do senhor André Luiz, da Várzea Paulista, e essa pergunta está dita também aqui de forma variada por nossos telespectadores. A pergunta é o seguinte: se convidado a dirigir a Seleção Brasileira, você aceitaria ou não e por quê?

Telê Santana: Não. Eu já disse isso várias vezes, primeiro que eu não tinha e não tenho mais interesse em voltar mais à Seleção, eu já fui duas vezes; nós infelizmente não ganhamos, nós tivemos duas boas...

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Para você ter uma idéia, tem outra pergunta dizendo assim: "Por que você não está no lugar do Parreira?"

Telê Santana: [ri] Mas eu então não, não gostaria, e outra coisa: eu também não concordaria com muitas coisas que eles estão fazendo lá, essa mesmo agora que aconteceu, uma com Xiró [?], outra com Nielsen [?] e a outra com essa menina lá, a Patrícia, eu não aceitaria. Eu não aceitaria trabalhar dessa forma, e se eu acho que é uma pessoa da comissão que interessa, eu vou lutar por ela e, se tiver que sair, saímos abraçados todos, e eu não aceitaria isso...***

Castilho de Andrade: Telê, o [jogador] Edmundo está disponível. Você aconselharia o São Paulo a contratá-lo ou não?

Telê Santana: Olha, como jogador sim, eu não sei o que está acontecendo com o Edmundo e como ele é; eu nunca trabalhei com ele. Agora, como jogador eu acho que qualquer técnico gostaria de trabalhar com ele.

Castilho de Andrade: Isso aí é uma indireta para o São Paulo? Pode procurar?

Telê Santana: Não, eu não sei como ele se comportaria. Se tivesse o comportamento que teve com o Vanderlei ou no Palmeiras seria difícil até a convivência comigo também [No final de 1993, por exemplo, Vanderlei Luxemburgo afastou Edmundo do Palmeiras por problemas de indisciplina].

Castilho de Andrade: Mas como jogador teria lugar no São Paulo?

Telê Santana: Com o Luxemburgo também, com o Vanderlei também ele tinha lugar, como jogador ele tem lugar.

Heródoto Barbeiro: Telê, nessa primeira parte do nosso primeiro bloco você falou várias vezes a respeito de disciplina de jogador, de relacionamento entre técnico e jogador, entre outras coisas que você abordou aqui. Rapidamente, eu gostaria que você fizesse o seguinte comentário: essa saída do [jogador holandês Rudd] Gullit, que [se] diz que ele se desentendeu com o técnico lá da seleção da Holanda [Dick Advocaat]. Ele não concordou com a tática do técnico. E tem uma outra informação também, dizendo que quatro jogadores da seleção russa também desistiram porque brigaram com o técnico. Quer dizer, o que está havendo? Está havendo uma rebelião no quadro de jogadores? O pessoal já não aceita mais pacificamente, quer dizer, o técnico perde a sua autoridade, é isso que está ocorrendo?

Telê Santana: Ah, [o técnico] pode perder, dependendo do técnico, perde a sua autoridade. O problema da Rússia já é um problema mais antigo que eles tentaram contornar e, agora, se aconteceu isso é porque...

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Aconteceu hoje!

Telê Santana: Voltou então à estaca zero; eles já tinham resolvido, e o problema do Gullit a gente não sabe bem o que é. Ele não explicou bem na televisão, mas se é um problema que ele estava dizendo que ele joga sozinho na frente, que ele não tem companheiro, que é um sistema mais defensivo e tal, ele tem inteira razão, porque uma [seleção da] Holanda quando sai para disputar uma Copa do Mundo, ela tem que sair querendo ganhar a Copa do Mundo, e não simplesmente participar. E ainda mais agora com três pontos e nenhuma vitória.

Heródoto Barbeiro: Josemar.

Josemar Gimenez: Telê, eu gostaria que você fizesse uma avaliação, talvez sem nostalgia nenhuma, fazendo uma comparação com os cinco clubes favoritos hoje para conquistar a Copa: Itália, Alemanha, Argentina, Brasil, Holanda, com as ultimas três copas. Você acha que o nível dessa Copa nos Estados Unidos é inferior, igual ou superior às outras, inclusive as duas de que você participou?

Telê Santana: Eu acho que ela vai ser melhor do que a última que eu assisti. Em 1990 foi muito fraco o nível. Eu acho que [a de 1994] vai ser melhor do que a de 90. Acho que não vai ser melhor do que foi a de 82. Nós tínhamos grandes equipes jogando, e acho que a de 82 foi melhor tecnicamente do que vai ser esta. Mas hoje tem um prenúncio de uma boa Copa a ser disputada, sendo que as equipes que eu acho que têm condições... e se jogar com seriedade será uma participante também para chegar à final a Colômbia, que tem um bom futebol, mas tem que jogar com seriedade. Ainda ontem, eu assistindo ou fazendo um comentário desse jogo, eu senti muitas brincadeiras, como fazia o [goleiro colombiano José René] Higuita, não [me refiro ao atual] goleiro deles, mas outros jogadores. O [jogador Freddy Eusébio Gustavo] Rincón {jogou pelo Palmeiras e Corinthians, entre outros clubes brasileiros] teve um momento que driblou e tal, fechou na cara do gol e podia dar o passe para fazer o terceiro gol. [Mas] deu de calcanhar e a bola foi para fora. Então, se jogar assim, eles não chegarão nem na semifinal, mas se jogarem com seriedade, é uma equipe que tem qualidades técnicas para chegar a uma final. E tem a Alemanha, que sempre chega, e a Itália, se armasse... Eu, por exemplo, se fosse técnico da Itália, eu armava o time com a maior parte do [time do] Milan e enxertava com outros jogadores. No lugar dos estrangeiros [que jogam no Milan] eu colocaria alguns bons jogadores que há na Itália, e estaria feita a minha, a seleção italiana. Mas eles já não pensam assim. Modificam muito e, às vezes, não fazem uma grande equipe. Mas se fizessem isso, talvez tivesse um rendimento bem melhor na seleção da Itália.

Heródoto Barbeiro: Ubiratan Brasil.

Ubiratan Brasil: Telê, você já falou aí que não está e nem tem vontade de voltar para a Seleção Brasileira. Mas essa sua decisão está diretamente ligada a esses pára-quedistas como o [Ricardo] Teixeira, os médicos? Quer dizer, uma comissão técnica que você teria que receber, imposta pela CBF, ou realmente você não tem nenhuma disposição mesmo de voltar à Seleção?

Telê Santana: Não, essa seria uma razão além daquela que eu já disse, que eu não quero voltar. A gente sofre muito, é um desgaste muito grande, a família sofre, os amigos sofrem; eles cobram até dos amigos, [dizendo] "Está vendo o que seu amigo fez lá? Fez isso e tal." Então eles cobram até dos amigos dos técnicos. Então eu não tenho mais condições de dirigir uma seleção, principalmente disputando uma Copa do Mundo. E, além disso, esses outros problemas que eu já disse, eu não aceitaria imposições, eu acho que cada um tem o seu trabalho a ser feito dentro da CBF, e o meu é esse [que já foi feito]. Então, para trabalhar, eu quero trabalhar com quem eu quero e não com quem eles me impõem para trabalhar. E eles não aceitam isso, ali há uma panelinha, uma coisa que tem que ser com aqueles que eles querem, e eu não aceito.

Ubiratan Brasil: Você não trabalharia com essa comissão técnica?

Telê Santana: Não, não trabalharia!

Ubiratan Brasil: Nenhum membro dessa Seleção?

Telê Santana: Não, nenhum não, o Moraci trabalha comigo no São Paulo, Moraci talvez fosse...

Ubiratan Brasil: Seria o único?

Telê Santana: É, seria o único.

Josemar Gimenez: Mas você acha que essa comissão influencia muito o Parreira [para] convocar? Você acha que tem alguém ali que foi uma coisa meio que imposta?

Telê Santana: Não, não, eu não posso afirmar isso, eu só acho que ele está trabalhando com as pessoas em quem ele confia, ou que impuseram a ele para trabalhar. Eu não aceitaria imposições, como quiseram impor quando eu entrei na CBF; quiseram impor e eu não aceitei. Se é por imposição pode escolher outro técnico, que eu não vou aceitar.

Castilho de Andrade: Por falar em imposição, Telê, no seu período você sentiu pressão de empresários do futebol, empresários internacionais que gostam e querem usar a Seleção como vitrine, por exemplo, ou não?

Telê Santana: Isso sempre existiu, hoje muito mais do que antes, hoje muito mais.

Castilho de Andrade: Em que nível, em que nível eles agem, eles atuam?

Telê Santana: Não, o que mais aconteceu lá era problema de marcas de chuteira, por exemplo, e eles entravam, um oferecia tanto, outro oferecia mais, houve confusão; pagaram jogador, e outro veio e pagou mais e ele passou a usar outra chuteira. Então essas coisas aconteciam, hoje já acontecem coisas além das comerciais, ainda outras transferências de jogador. Enchiam a cabeça de jogador que vai para tal lugar, que vai para aqui, custa tanto, vai ganhar tanto, então isso tudo atrapalha um pouco o andamento do trabalho.

Castilho de Andrade: Falando em marketing, esse marketing excessivo, inclusive a gente recebe no jornal de vez em quando muita reclamação de torcedor... Chega, por exemplo, uma companhia de cerveja e obriga o jogador a fazer um determinado gesto dentro campo, cria uma confusão, a CBF vai lá, entra na Justiça, a companhia vai lá e consegue uma liminar para voltar a fazer a mesma publicidade [Na época, Romário foi contratado pela cervejaria Brahma para fazer o sinal de número um após aos gols, aludindo ao slogan da cervejaria, "A número um!"]. Ou seja, de repente a Seleção Brasileira vira assim... todo mundo garoto-propaganda. Você acha que isso tudo prejudica um pouco a cabeça do jogador? Você, como técnico, por exemplo, foi sempre muito disciplinador, como é que você veria um problema desse, que esse ano parece mais grave que os outros?

Telê Santana: É...

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] É, deixa só o Sérgio Martins completar...

Sérgio Martins: Eu vou pegar uma carona na pergunta dele. Em 82 o [jogador Edino Nazareth Filho, mais conhecido como] Edinho, depois da Copa, tocou nesse assunto, de que havia jogadores recebendo dinheiro ou promessas de dinheiro cada vez que marcasse o gol e corresse na direção de uma determinada placa. Você soube disso?

Telê Santana: Não, eu não soube, mas não duvido que tenha acontecido. É como eu disse, tem momentos, por exemplo, que chega uma firma e diz assim: eu dou tanto a cada gol que você faça. É prejudicial isso, porque às vezes um jogador não está em condições de chutar para o gol, [mas] vai querer chutar porque ele quer fazer o gol, e isso é prejudicial. Mas desde que não atrapalhe o trabalho seu lá dentro, e esse que eu estou dizendo agora atrapalha, desde que não seja isso, se eles vão ganhar não há problema nenhum. Esse que ele está dizendo, por exemplo, se o jogador marcar o gol, não importa se ele vai correr para fora do campo ou para dentro do campo. Eu quero que ele marque o gol, que a gente consiga ganhar, desde que não atrapalhe o nosso trabalho. Mas isso não implica nada; se ele marcar o gol e correr para um determinado lugar, não há problema nenhum.

Castilho de Andrade: O risco, por exemplo, é ele querer sempre marcar o gol...

Telê Santana: Esse sim.

Castilho de Andrade: ...e isso prejudicar o sistema coletivo para ele se beneficiar disso.

Telê Santana: Aí sim, aí eu estou dizendo que é prejuízo. Se você oferece a um jogador, por exemplo: cada gol que você marcar e fizer um gesto você ganha tanto, isso prejudica, porque ele vai ficar fominha, vai ficar egoísta, não vai passar a bola.

Heródoto Barbeiro: Agora, Telê, você acha que isso é uma questão de falta de ética, por exemplo, ele fazer um gesto qualquer de uma determinada empresa, quer dizer: ele está ganhando e seus companheiros não estão ganhando?

Telê Santana: Eu não sei, o que está aparecendo aí, pelo que estão dizendo...

Heródoto Barbeiro: No caso dessa marca de cerveja, por exemplo, que está todo mundo vendo na televisão.

Telê Santana: Mas todo mundo está ganhando. Todos eles estão ganhando. Vejo o Zinho, vejo o Bebeto, eu vejo o Raí, vejo o Müller, vejo o Cafu, vejo todo mundo, então ele está pagando a todo mundo. Se está pagando e eles recebem e aceitam, paciência, eu quero é que façam o gol.

Heródoto Barbeiro: Sei, mas eles não estão de certa forma usando aí a camisa da Seleção Brasileira para ganhar dinheiro?

Telê Santana: Aí sim, aí a CBF é que está entrando, parece até que já entrou aí em uma briga com esse negócio de camisa, e eles procuraram diferenciar um pouco a camisa [no anúncio], mas de qualquer maneira as cores são as cores da Seleção Brasileira.

José Trajano: Telê, o que faria você abandonar a profissão de treinador? Por exemplo, se a CBF, não digo a CBF do Ricardo Teixeira, vamos dizer uma CBF de outro jeito; se convidasse você para ser uma espécie assim, não como treinador, [mas] lhe desse um cargo na CBF para você correr esse país, correr o mundo e até com poder de escolher o técnico da Seleção Brasileira, olhar a qualidade dos gramados do futebol brasileiro, pudesse opinar sobre as arbitragens, pudesse fazer um trabalho de base... Você abandonaria a profissão de técnico e abraçaria isso?

Telê Santana: Não, eu não...

Heródoto Barbeiro: Tem uma pergunta nesse sentido, do senhor Jorge Versale, que diz assim: "Qual é a idade para um técnico se aposentar?"

Telê Santana: [risos] A idade... não tem idade.

José Trajano: É um cargo que não existe; vamos dizer que fosse criado esse cargo.

Telê Santana: Sim, eu acho que eu teria naturalmente muita coisa a oferecer, porque muita coisa que acontece eu não deixaria acontecer. Uma vez o Farah até disse: "Ah, vou convidar o Telê para ser diretor do departamento de árbitros". E eu falei: "pode me convidar, que se eu tiver condição de ir eu vou ser". Agora, vou cobrar como eu cobro dos jogadores, e eu vou cobrar do juiz. Não tem aquele negócio de dar tapinhas nas costas e está tudo bem. Não está bem não, apitou mal, vamos ver o tape lá. Se está errado... olha aqui o que você errou, e mostra lá. Eles não fazem isso, eles deviam fazer e cobrar dos árbitros. Você não vai apitar a próxima rodada porque apitou mal, porque errou nisso aqui, e mostra a ele por que ele errou.

Heródoto Barbeiro: Telê, você acha que a televisão e esses telões que o pessoal está usando atualmente na Alemanha, para dirimir essas dúvidas, seriam interessantes no futebol brasileiro?

Telê Santana: Se seria interessante?

Heródoto Barbeiro: Ou perderia um pouco essa...

José Trajano: Mas aí não foi o caso do telão. Quer dizer, o tape foi analisado e, como foi um escândalo mesmo porque a bola tinha entrado e o juiz não deu [o gol], o jogo foi anulado. O telão no futebol, ainda...

Telê Santana: É, o escândalo aí seria... no caso, esse escândalo... mas escândalo seria, no caso, anular uma partida como Palmeiras e São Paulo, onde todo mundo viu o pênalti e o juiz também viu e não quis apitar, seria o caso de anular uma partida dessa vendo na televisão?

José Trajano: Não, porque eu estou fazendo essa pergunta a você, de você abandonar a profissão de treinador, que é uma coisa a que você se dedica tanto e partir para uma outra... Por exemplo, eu soube que você foi uma vez convidado pela Lazio da Itália, um time de Roma, para analisar os campos de futebol, pois havia um projeto lá de criação de seis, sete campos. E você foi lá como convidado, não só para isso, mas para orientar, sugerir várias coisas em relação ao futebol da Lazio. E aqui no Brasil você fica como treinador, reclama à beça, quer dizer, sugere uma série de coisas e ninguém o procura... que nem o Farah disse que o procurou, mas o convite...

Telê Santana: Não, ele convidou por ironia.

José Trajano: Ironia?

Telê Santana: Por ironia, e assim: "Eu vou convidar o Telê para ser diretor de departamento de árbitros". Ah, eu queria que me convidasse, porque eu sei as regras, eu conheço as regras, e eu estaria cobrando desses árbitros como você sabe que eu cobro dos jogadores para jogar, e eles precisam ser cobrados.

Heródoto Barbeiro: Josemar.

Josemar Gimenez: Telê, você já viveu dois momentos como o Parreira está vivendo agora, em 82 e 86. Em um país onde tudo costuma dar errado, a responsabilidade de um técnico é muito grande. Como é que sente um técnico treinando uma Seleção Brasileira? Como é que é em um momento desse, ele tem pressões, ele não dorme, ele não come direito, como é que é a vida de um técnico neste momento, a um mês da Copa do Mundo?

Heródoto Barbeiro: Telê, antes de você responder, ainda nessa linha aí está o senhor José Mario César Masso, do Recife; senhor Carlos Roberto Polido, de Presidente Prudente; Edvaldo Pereira, de Piraju, no interior de São Paulo; senhor Luiz de França, do Recife, Pernambuco, todos relacionados com essa questão.

Telê Santana: A pressão existe, e realmente existe de torcida, quando saímos aqui do Brasil. Você deixa de ter essa pressão aumentada... lá [no país que sedia a Copa] tem menos torcedores, então a pressão diminui um pouco, mas a pressão da imprensa aumenta muito, porque todos que estão lá querem cobrir. Cada um quer uma entrevista isolada, cada um quer fazer o seu trabalho, e a gente não tem condições de fazer isso, e a gente fazia todo dia a coletiva e tal, então é uma pressão, eu diria que eu nunca deixei de dormir. Tem o momento certo para mim: eu fui para cama, vou dormir, poxa, eu quero dormir, vou descansar. Eu nunca deixei de dormir por causa de um jogo, e até lembro uma frase do [jogador francês Michel] Platini, ainda no México [na Copa de 1986], quando perguntaram a ele: "E se a França amanhã perder para o Brasil [nas quartas-de-final]?" E ele disse: "Eu só lhe diria que eu não dou um tiro na cabeça", ele falou assim.

Josemar Gimenez: Agora, por exemplo, no caso da derrota nas duas copas, você, como é que foi com você, você encarou voltar para o Brasil? Foi difícil para você?

Telê Santana: É, foi muito difícil, muito triste e [fiquei] até um pouco desiludido pela maneira como nós perdemos, com uma equipe muito boa. Porque se você é inferior a um adversário, você vai aceitar a derrota. Mas como nós tínhamos uma Seleção muito boa, teríamos condições de chegar a uma final e até ganhar a Copa do Mundo, pelos elementos que nós tínhamos na Seleção e o que [o time] vinha apresentando. Naturalmente isso dá um desespero na gente, e aquela noite, por exemplo, que eu saí do [estádio do] Sarriá [em Barcelona, quando a Seleção Brasileira, na Copa de 1982, foi desclassificada após perder por 3 X 2 da Itália], eu fui para o meu quarto, entrei no quarto e não saí. Fiquei sozinho dentro do meu quarto o tempo todo, então é realmente um momento desesperador para quem dirige. Tem o amor à profissão, ao futebol e tal, então aquilo é duro para agüentar.

Heródoto Barbeiro: Uma pergunta agora do Maurício Cardoso. Maurício.

Maurício Cardoso: Telê, em que você errou em 82 e 86?

Telê Santana: Ah, eu não sei o que eu errei, se você me pergunta. Eu acho que, analisando depois, friamente, vendo os jogos, eu diria que fiz o que pude, o que pude acertar. Os críticos diziam "errou nisso, errou naquilo", um chegou a dizer: "Por que não deixava o Serginho [Chulapa, centro-avante do São Paulo e do Santos] jogar como ele joga?". O Serginho não foi convocado e não jogou na Seleção pelos pontapés que ele deu nos adversários ou no bandeirinha ou no juiz. Ele foi [convocado] pelo futebol que ele praticava e pelos gols que ele fazia. Então é por isso que ele foi. Lá, ele não estava para dar pontapé em bandeirinha, não estava para dar pontapé em jogador, nem nada; era para jogar futebol e fazer gol, como ele foi artilheiro aqui do Campeonato Paulista. Então é isso que fazia. Não tinham o que inventar, e falavam: "Por que não deixou o Serginho fazer o que ele fazia aqui?" Mas ele não estava lá para isso. Então, eu não tenho nada que me arrepender do que eu fiz. Achei que o time foi bem, é um time que até não teve desespero dentro de campo, até o último minuto tentou empatar o jogo [a Seleção tinha a vantagem do empate no jogo contra a Itália]... nós seguiríamos classificados, com a bola que o Oscar cabeceou, que o [goleiro da Seleção italiana Dino] Zoff pegou em cima da linha. Então, até o último minuto foi isso: jogamos um bom futebol, [foi] uma apresentação excelente, e aconteceu o que aconteceu no futebol, [o time] perdeu o jogo.

Sérgio Martins: Mas hoje, você, daquele jogo especificamente com a Itália... a Itália só tinha uma arma, que era o contra-ataque; o Brasil deu o contra-ataque para a Itália quando não precisava dar o contra-ataque, porque o jogo estava empatado; duas vezes estava empatado. Hoje você daria ordens diferentes para dentro de campo?

Telê Santana: No terceiro gol o nosso time estava todo dentro da área, todo dentro da área. Foi um escanteio; todo o time estava dentro da área, então aconteceu o gol. A bola ia para fora, pegou o [jogador italiano] Paolo Rossi lá perdido ali, e a bola ia para fora. O jogador chutou, o [italiano] Tardeli chutou. A bola ia para fora e pegou ali; ele [Paolo Rossi] virou e fez o terceiro gol. O [brasileiro] Júnior estava dentro do gol, então foi isso que aconteceu, mas não foi...

Sérgio Martins: Mas eu não digo no terceiro gol, eu digo durante o jogo todo. O Brasil sempre deu o contra-ataque para a Itália durante aquela partida, ou não?

Telê Santana: Não, acho que não. Foi um jogo disputado, agora você não ia querer que eu pusesse o time do Brasil todo lá atrás, parado lá atrás. Não se pode jogar assim, e nem isso evita de sofrer um gol e nem de levar uma derrota de um a zero. Hoje vocês estariam me crucificando aqui. Bom, o Brasil, até naquela altura, tinha feito já doze gols no campeonato. Era um ataque bom, era um time bom, que jogava para frente e ganhava. Agora, não quer dizer que nós não pensávamos no empate. O empate seria bom para nós. Nós nos classificaríamos... mas não houve esse problema: nós atacávamos e defendíamos também, como foi no campeonato de 86, quando me diziam assim: "Ah, porque o Zico estava frio e não podia bater o pênalti". Agora, se eu mandasse um outro bater e perdesse, eu não poderia voltar mais para o Brasil. Todos vocês iam dizer: "Pô, mas quem tem um Zico, bate [o pênalti] apenas com uma perna só; ele é batedor de pênalti, ele não errava pênalti." Mas aquele ele errou, infelizmente ele errou [refere-se ao jogo contra a França que desclassificou o Brasil nas quartas-de-final, no qual o goleiro francês defendeu um pênalti batido por Zico, e o jogo terminou empatado em 1 X 1. Não houve gol na prorrogação de 30 minutos, e o Brasil perdeu nos pênaltis por 4 X 3].

Heródoto Barbeiro: Telê, tem aqui uma série de perguntas. Se você até pudesse responder rapidamente, porque a quantidade é muito grande, perguntando: Qual é o jogador que você colocaria, quem você colocaria em determinado lugar... O senhor Horácio Campos, de Taubaté, quer saber o seguinte: Se você manteria o Branco na lateral esquerda, e não o Roberto Carlos.

Telê Santana: O Branco foi um jogador que foi comigo, em 86, titular no time do Brasil, jogando bem. Se ele hoje não atravessa uma forma muito boa, ele ou qualquer outro jogador, ele não iria, iria um outro jogador; escolheria um bom jogador para ir no lugar dele. Agora, se o Parreira acredita nele, se o Parreira acredita que ele possa ainda chegar e entrar em forma para jogar, tudo bem. Ele não deixa de ser um bom jogador que não está atravessando uma fase muito boa.

Heródoto Barbeiro: O senhor Donateli pergunta a você o seguinte: "Onde é que você colocaria o Dunga?"

Telê Santana: [Risos] Eu não sou o técnico.

Heródoto Barbeiro: Essas pessoas querem ouvir a sua opinião enquanto especialista.

Telê Santana: [Risos]  Essas pessoas têm que fazer essas perguntas para o Parreira, é para o Parreira que têm que fazer, não para mim.

Heródoto Barbeiro: Então, nessa linha, Leonardo, Cafu e Viola têm que ser titular na Seleção? Diz aqui o senhor Jair Ferreira, do interior de São Paulo.

Telê Santana: Pois é, eles ficam perguntando a mim. Eu já não posso fazer nada, nem chegar e falar para o Parreira: Parreira, põe fulano. Eu não posso fazer nada, sou um torcedor como ele [o telespectador].

Heródoto Barbeiro: Então vamos fugir dessa linha. O senhor Marcos  Antônio...

José Trajano: [interrompendo] Heródoto, mas tem essa coisa que o Telê está falando...

Heródoto Barbeiro: Pois não.

José Trajano: Uma vez nós perguntamos ao Zagalo: "por que vocês não chamam o Telê para dar um palpite qualquer, dar uma opinião, já que é um treinador que o povo brasileiro quer?" Aí o Zagalo disse: "não, mas ele também não pediu opinião nenhuma para a gente em 82 e 86". Então eu senti que tem uma certa mágoa, uma certa bronca do Zagalo em relação ao Telê. Existe algum problema aí?

Castilho de Andrade: É, porque agora nos Estados Unidos o Zagalo já falou, para quem quis ouvir, que essa é a melhor Seleção desde 1970.

José Trajano: Pulou de 82...

Telê Santana: Não... ele não pode dizer... ele pode é provar agora jogando. Ele não pode dizer antes; eu nunca dizia, antes de 82, que a nossa Seleção é melhor do que qualquer uma outra. Eu disse depois que o Brasil se apresentou bem. Não ganhou a Copa do Mundo, mas se apresentou bem, mostrou [um bom futebol] ao mundo. Eu recebo ainda carta do mundo todo por causa daquela Seleção de 82, que o mundo todo viu o que é jogar futebol tecnicamente bem jogado, com grandes jogadores. Foi isso, então não podemos avaliar o que vai acontecer; [a Seleção] pode chegar lá e não jogar nada, pode ser uma Seleção de bons jogadores e chegar lá e não jogar nada. Mas não se pode adiantar que essa é a melhor Seleção... pode ser, ele vai provar isso jogando lá, isso sim.

Castilho de Andrade: Deixe-me fazer uma perguntinha para o Telê.

Heródoto Barbeiro: Pois não.

Castilho de Andrade: Telê, você se emocionou mais ou menos do que todo o Brasil com as mortes do [jogador] Dener [Augusto de Sousa (1971-1994), morto em um acidente automobilístico no Rio de Janeiro] e do [piloto Ayrton] Senna [(1960-1994) morto em um acidente durante o GP de San Marino, em Ímola, na Itália]?

Telê Santana: Ah, eu me emocionei tanto quanto o povo brasileiro. Porque o Senna, por exemplo, era um ídolo de todos. Não tinha uma casa que não ligava a televisão na hora da corrida de que o Senna ia participar no exterior ou aqui no Brasil. Todo mundo ia ligar, porque tinha esperança de sempre vê-lo ganhar. E o Dener não foi assim um ídolo tão grande para todos, mas o seu futebol, a maneira como ele jogava, uma maneira simples, bonita, de velocidade, sem apelar para a violência - porque ele também não podia apelar para a violência, [visto] que era fisicamente muito fraquinho... Então, esse é o futebol que todo mundo gosta de ver e que todo mundo sente, principalmente na idade que ele perdeu a vida, podendo aproveitar tanta coisa, e acabou morrendo. Nós todos sentimos muito.

Heródoto Barbeiro: Osmar.

Osmar de Oliveira: Heródoto, eu vou pedir para fazer um pingue-pongue rápido aqui. Telê, o que você entende por auxiliar do técnico?

Telê Santana: Auxiliar do técnico é aquele que o ajuda realmente.

Osmar de Oliveira: Mas dá palpite?

Telê Santana: Pode dar sim.

Osmar de Oliveira: Durante o jogo?

Telê Santana: Não, durante o jogo... às vezes num local privilegiado, ele pode até ajudá-lo muito.

Osmar de Oliveira: Sei, mas você, por exemplo, no banco, dirigindo uma Seleção, dirigindo o São Paulo, você não admitiria que um auxiliar seu falasse: "Telê, tira aquele ponta e bota aquele meio?".

Telê Santana: Não, tirar não. Ele pode dizer alguma coisa, [por exemplo] "Não está se colocando bem, não está jogando bem" e tal, mas ele [dizer]: "Tira esse e bota aquele", nem o presidente da CBF e nem ninguém, nem auxiliar, nem ninguém.

Osmar de Oliveira: Está certo, você não admite isso?

Telê Santana: Não.

Osmar de Oliveira: Está bem.

Heródoto Barbeiro: Você não estaria se referindo ao Zagalo?

Osmar de Oliveira: Não, eu nem pensei no Zagalo. Foi o contexto geral [risos].

Osmar de Oliveira: Telê, você é supersticioso?

Telê Santana: Não.

Osmar de Oliveira: De forma alguma? Portanto, especialista em horóscopo, biorritmo, macumbeiro, não chegue perto da sua porta?

Telê Santana: Não; eu não posso escalar um time porque o macumbeiro disse que hoje um fulano não vai jogar bem. Eu não posso fazer isso; eu não acredito nisso.

Osmar de Oliveira: Quer dizer... há muitos técnicos aí no Brasil inteiro que estão lhe assistindo agora. Isso aí também é uma das formas do seu sucesso. Você desaconselha isso totalmente?

Telê Santana: Eu não sei se eu aconselho ou desaconselho alguém a fazer alguma coisa, mas eu não faço isso que acontece aí, de ir bater tambor para ganhar o jogo. Isso eu não faço, nada disso.

Osmar de Oliveira: Mas você sabe de técnicos que perderam o emprego por causa de horóscopo...

Telê Santana: Sei.

Osmar de Oliveira: Por causa de macumba...

Telê Santana: Sei, é...

Osmar de Oliveira: E por causa de biorritmo.

Telê Santana: Sei; [o técnico] tem que ir para o campo e trabalhar. Ele tem que ir para o campo trabalhar, não ficar esperando que venha lá do tambor ou das pedras que jogam, ou qualquer coisa. Tem que trabalhar lá, se não trabalhar, não ganha não.

Osmar de Oliveira: Olha, existiu um indivíduo extremamente famoso, um japonês chamado Walter que trabalhou, recebendo muito dinheiro, no Atlético Mineiro, trabalhou no São Paulo e encerrou a carreira dele no Corinthians, quando o técnico do Corinthians era o Du, que hoje é nosso companheiro comentarista de uma rádio no Rio de Janeiro.

Heródoto Barbeiro: Ok. Vamos à pergunta agora do Ubiratan. Ubiratan Brasil.

Ubiratan Brasil: Falando nesse tema ainda, você...

José Trajano: Do bater tambor ou não? [risos].

Ubiratan Brasil: De um psicólogo, você aceitaria o trabalho de um psicólogo na Seleção? Um time do São Paulo, por exemplo, um trabalho de analisar os jogadores, ou não?

Telê Santana: Eu acho que tem condições de ajudar e determinados jogadores eu acho que poderiam melhorar com um psicólogo.

Ubiratan Brasil: Até onde você acha que pode ir o trabalho dele no seu trabalho?

Telê Santana: Depende até onde ele vai chegar, porque desde que não entrasse na minha área eu não entraria na área dele, mas ele não poderia entrar na minha área também. Desde que fizesse o trabalho ajudando, como eu falei da nutricionista... é a primeira vez que eu trabalho com uma nutricionista, mas se ela vem e ela ajuda, vamos trabalhar com ela.

Heródoto Barbeiro: Telê, todas essas perguntas aqui, eu estou até tentando selecionar, de tanta pergunta que pedem para você o time, a escalação, quem [você] põe, quem tira etc. Mas, então, [poderia fazer] uma rápida análise sobre os adversários do Brasil?

Telê Santana: Na primeira fase agora?

Heródoto Barbeiro: Na primeira fase.

Telê Santana: Aí eu acho que, dos três, o mais difícil talvez seja a Suécia, que tem bons jogadores. O futebol melhorou na Suécia, tem muitos jogadores atuando na França, na Espanha, na Itália, em Portugal. Tem muitos jogadores jogando, e eles estão levando todos esses jogadores para participar da Copa do Mundo. Então eu acho que a Suécia deve ser o adversário mais difícil para o Brasil. Não que chegue ao ponto até de nos tirar do primeiro lugar; eu acho que nós vamos conseguir o primeiro lugar. A Rússia está nesse problema; o Camarões é uma seleção que a gente poderia comparar, assim bem distante, um pouco mais como a Colômbia, que tem um bom futebol. Na África se joga um bom futebol, mas que também vai para a Copa do Mundo para se exibir. Cada um querendo arrumar um contrato num país qualquer, então não deve ser empecilho para o Brasil passar para a outra fase. Então, o pior adversário deve ser a Suécia, na minha opinião.

Heródoto Barbeiro: Sei; fora do Brasil, você falou de alguns times, [mas] não vi você falar da Alemanha.

Telê Santana: Eu falei da Alemanha...

Heródoto Barbeiro: Falou da Alemanha?

Telê Santana: É, falei da Alemanha, que também é uma seleção que sempre chega. Não é o futebol que me dá muito prazer de ver, [visto] que é um futebol muito padronizado, sem muita criatividade como tem o futebol brasileiro, que o cara dá uma bicicleta, dá uma jogada de...

José Trajano: [interrompendo] Mas, Telê, a Alemanha tem dois jogadores hoje, quer dizer, hoje não, o Lothar Matthäus [volante, jogou pela Juventus e foi campeão pela seleção alemã em 1990] é craque já faz tempo e foi escolhido o melhor jogador na Copa passada, e esse [...] [Possivelmente Jürgen Kohler, zagueiro pela Juventus entre 1991 e 1995], que joga lá na Juventus. São jogadores que poderiam jogar em qualquer time, aqui no Brasil ou em qualquer time; [eles] fogem desse padrão.

Telê Santana: Sim, mas eu diria a você que os que jogam no Brasil poderiam jogar em qualquer time na Europa também. Agora, o Matthäus hoje joga até em uma outra função, é um líbero hoje. Então, já mudou até de função, mas é um grande jogador realmente.

José Trajano: Você tem medo da Alemanha ou não, numa final contra o Brasil?

Telê Santana: Eu acho que ela tem personalidade, jogadores de personalidade, e que sempre é uma seleção perigosa.

Heródoto Barbeiro: Agora, Telê, nesse primeiro jogo do Brasil, você arriscaria um placar, depois das notícias que você soube hoje?

Telê Santana: Não, uma coisa que eu não faço é arriscar placar. Eu acho que não tenho esse direito de dizer "vai ser tanto". Eu nunca fiz isso, não vou fazer agora pela primeira vez, não o placar.

Heródoto Barbeiro: Você acha que vai ser difícil ou vão passar com facilidade?

Telê Santana: Talvez não seja com facilidade. O primeiro jogo às vezes é o mais importante da Copa do Mundo. É a hora que entram todos nervosos e tal. Até [o time] se acertar... nós jogamos também com a Rússia em 82, na primeira partida; levamos um gol [O goleiro Valdir Peres levou um gol por baixo das pernas. O Brasil venceu por 2 a 1], tivemos até dificuldade para fazer os dois gols para ganhar da Rússia. Então, o primeiro jogo talvez seja o mais difícil; da Copa talvez seja o primeiro jogo.

José Trajano: Eu tenho uma curiosidade, dá para fazer [perguntas] ainda?

Heródoto Barbeiro: Pois não.

José Trajano: Se você fosse técnico da Argentina, você levava o Maradona?

Telê Santana: Olha, isso vai depender de como é que ele está.

José Trajano: Vamos dizer que é desse jeito que você vem  acompanhando pelos jornais: [ele] não joga em time nenhum, só está na seleção.

Telê Santana: Mas se ele estiver bem preparado; ou que não esteja bem preparado, [mas] se ele agüentar jogar um tempo...

José Trajano: Você levaria?

Telê Santana: Eu levaria.

Heródoto Barbeiro: Josemar.

Josemar Gimenez: Telê, com a morte do Senna o Brasil ficou meio órfão com relação a ídolo no esporte. Existe hoje um sentimento na nação, até comparações de que o Ronaldo pode repetir o Pelé em 58. Você, com olho clínico, sempre revelando talento, você acha que isso é exagero ou você vê no Ronaldo realmente um grande craque que pode estourar na Copa do Mundo, como é que você vê?

Telê Santana: A comparação [com o Pelé] eu não gosto de fazer. O rei Pelé... é aquele ditado: quem viu, viu, quem não viu, não vai ver mais. Felizmente a gente ainda tem tapes, tem filmes para ver. Porque o que ele fez, eu acho que nenhum jogador vai conseguir fazer mais. O Pelé para mim foi o maior jogador e vai ser insuperável, e ninguém vai jogar mais do que o Pelé. Então, o Ronaldo é um bom jogador. Eu já vi algumas partidas [com ele]; acho que até demoraram para convocá-lo, porque ele já havia mostrado isso há mais tempo, e não [se deve] ter medo de colocar. Hoje no Brasil, 17 anos, 18 anos, o cara joga tranqüilamente, como foi o [José] Reinaldo [de Lima (1957-), que estreou no Atlético Mineiro aos 16 anos], como outros jogadores jogaram com essa idade. Então, esse é um jogador que tem qualidades para estourar, e vai ser um dos melhores atacantes que nós temos no Brasil.

Heródoto Barbeiro: Agora, Telê, você estava fazendo uma análise de que o Brasil tem realmente uma chance de chegar ao tetracampeonato.

Telê Santana: Eu acho que tem, pelos jogadores que tem; se o trabalho for bem feito lá, o esquema certo, eu acho que nós temos grandes possibilidades de ganhar a Copa do Mundo.

Heródoto Barbeiro: Quer dizer: não seria um exagero, não seria  excesso de otimismo?

Telê Santana: Não, não é otimismo exagerado; no futebol não pode existir o otimismo exagerado. Há o otimismo pelos jogadores que nós temos. Ali, vai depender principalmente do ambiente, se tivermos o ambiente que tivemos em 90 nós não vamos a lugar nenhum, pode ter a maior seleção do mundo, nós não vamos jogar em lugar nenhum. Mas se tiver um bom ambiente, trabalhar bem esses jogadores, as chances de ganhar são enormes. [Em 1990, a CBF foi criticada por permitir o trânsito de empresários no hotel da Seleção, assediando os jogadores com propostas de transferências]

Heródoto Barbeiro: E o maior adversário, qual seria o maior adversário do Brasil?

Telê Santana: Bem, eu acho que, tecnicamente, seria a Colômbia; e, pela tradição, a Alemanha continua sendo o nosso maior adversário.

Heródoto Barbeiro: Maurício Cardoso.

Maurício Cardoso: Telê, você viveu isso em sua própria experiência que ser o melhor, ter o melhor time, não basta para ganhar uma Copa. O que é preciso, além de ter um bom time? O que é preciso para ganhar a Copa, sabendo inclusive desse formato, dessa forma de disputa, que é uma disputa de torneio, que é diferente de um campeonato?

Telê Santana: Eu acho que, primeiro, é o ambiente que se vive dentro de uma Copa do Mundo, em que todo mundo tem que estar unido, todo mundo trabalhando a favor, na tentativa de fazer o melhor para conseguir ganhar a Copa do Mundo. É claro: os bons jogadores temos que ter, o esquema certo para se jogar; é cobrar, exigir dos jogadores aquilo que é necessário fazer para se chegar a uma final e ganhar. Então, são as coisas básicas para você atingir. Ali, o pensamento voltado só para a Seleção, que nem sempre a gente consegue fazer isso. É um mês e tanto de trabalho, juntos e tal; começa a ter alguns problemas, e esses problemas, se não aparecerem de imediato e você procurar contornar, você está arriscado de perder tudo o que você já fez. Então, esse é o ambiente que tem que ser bem vivido lá dentro entre todos os componentes, tanto da comissão como  dos jogares. [Deve-se] Abrir o jogo, ser leal, abrir o jogo mesmo: "olha, você não está jogando por isso, talvez, tal, tal". Explicar bem para que não tenha problemas de brigas. [Há jogadores que dizem] "Eu quero jogar, porque eu sou o melhor do que aquele"; isso não pode existir numa seleção.

Heródoto Barbeiro: Pois não, Ubiratan.

Ubiratan Brasil: Telê, você não acha que a conquista do tetracampeonato pode trazer malefícios como, por exemplo, privilegiar o trabalho de pára-quedistas, quer dizer: o nome de Ricardo Teixeira, essa comissão técnica e outros nomes mais não vão sair lucrando com uma conquista como essa?

Telê Santana: Bom, aí até é compensador, mesmo que venha a beneficiar quem não mereça, mesmo que venha, mas beneficiaria muito mais não só aqueles que vão trabalhar, como o próprio país entraria numa fase bem melhor. Com o futuro aí com os problemas que nós temos, com planos que temos pela frente, poderíamos nos ajeitar melhor. Sempre foi assim, sempre que se ganhou uma Copa o país melhorou, e o futebol melhorou. Então, o desgaste que vem é exatamente isso, de alguns se elevarem às vezes sem merecer.

Heródoto Barbeiro: Telê, nós estamos recebendo aqui faxes e também telefonemas de várias regiões do Brasil, e parece que você é um técnico "supratimes", porque tem aqui corintianos, flamenguistas, tem gente...

Telê Santana: Ainda bem [risos].

Heródoto Barbeiro: Todo mundo dizendo assim, que você é um bom técnico, o melhor técnico. Em Salvador, o senhor Elieser Luiz Silva; senhor Carlos Antoneti, de São Paulo, e outros. Telê, como é que você se sente sendo colocado desta forma?

Telê Santana: Eu... muito alegre, satisfeito e sentindo que há um reconhecimento de um trabalho que sempre foi feito com a maior seriedade e honestidade. Então, hoje o Brasil todo reverencia [esse trabalho], e eu que passeio, que vivo muito viajando, eu vejo o quanto o São Paulo ganhou de torcida, principalmente da garotada, quantos torcedores tem. Você encontra em todo lugar, todo mundo com a camisa do São Paulo. Então, eu fico orgulhoso disso, porque eu ajudei...

Heródoto Barbeiro: Quando você chegar lá nos Estados Unidos para comentar a Copa, você vai sentir uma dor no coração, dizer: "Poxa, eu podia estar ali", ou não?

Telê Santana: Não, eu estarei...

Heródoto Barbeiro: Orientando, para mostrar...

Telê Santana: Do outro lado, torcendo para que tudo dê certo e que a gente consiga... Para todos nós é importante [que a Seleção vença].

Heródoto Barbeiro: Mas, no fundo, como é que vai estar, Telê? Como é que vai estar lá no fundo do coração? Você vendo um time jogando lá embaixo e você...

Telê Santana: Não, eu fico satisfeito, se jogar bem eu fico satisfeito. Eu às vezes vou ver um jogo de futebol e vejo duas equipes que não têm nada a ver comigo, mas eu vejo. Se um está jogando futebol decente, procurando jogar bola, e vejo um outro catimbando, eu torço para aquela equipe que está jogando bem. Então, eu tenho satisfação de ver um bom time jogar, eu gosto de ver.

Heródoto Barbeiro: Castilho.

Castilho de Andrade: Telê, quatro anos no São Paulo, pelo menos nos últimos anos, em time brasileiro, é um recorde absoluto. O que tem de positivo e negativo numa permanência muito longa no clube?

Telê Santana: No meu caso, o que poderia ser negativo seria a manutenção, por exemplo, de um elenco que se cansaria de, todo dia, vendo a minha cara e treinando... mas como nós mudamos muito e do time que eu dirigia a primeira vez aqui, só restam dois jogadores hoje - o [goleiro] Zetti e o Cafu -, os demais jogadores foram todos mudados e comprados, vendidos. Então, nós tivemos uma mudança muito grande desde que eu cheguei aqui. Então, isso é que poderia ser um desgaste dentro do time. Felizmente, isso não aconteceu e eu posso continuar trabalhando. E é realmente quase um recorde. A vez que eu passei pelo Atlético, eu cinco anos lá, de 70 a 75. Então, não é a primeira vez que eu fico quatro anos num clube. Desde que me recebam bem, me dêem condições de trabalho, e que eu possa executar o trabalho como desejo, eu não tenho interesse em sair. Tive propostas para ir para a Espanha, Itália, Japão, e preferi ficar aqui. Eu acho que eu quero ficar no Brasil.

Heródoto Barbeiro: Telê, parece que recentemente você teve uma proposta da Itália, é isso?

Castilho de Andrade: Do Valência...

Telê Santana: É.

Heródoto Barbeiro: O Valência da Espanha...

Telê Santana: É, o Valência.

Heródoto Barbeiro: Você não aceitou.

Telê Santana: O Valência ainda está tentando me levar para lá.

Heródoto Barbeiro: Você vai ou não?

Telê Santana: Não, não vou; eu não estou querendo sair do Brasil.

Josemar Gimenez: Agora, tem outro time no Brasil que você dirigiria, pela estrutura? Porque, pela sua exigência...

Telê Santana: Não, a estrutura que tem o São Paulo, eu não diria que é a perfeita, mas nenhum clube hoje tem a estrutura que tem o São Paulo aqui no Brasil. Os clubes estão procurando se ajeitar, procurando melhorar, e seguindo às vezes o exemplo do São Paulo, com campos de treinamento, porque é importante que se dê ao técnico condições de trabalhar, e outras coisas importantes dentro do futebol que precisam ser feitas e que, infelizmente, nossos clubes não fazem.

Heródoto Barbeiro: Osmar.

Osmar de Oliveira: Telê, vamos voltar bastante no tempo, quando você estava ali no auge da sua carreira [como jogador]. Você não tinha a velocidade do Julinho [Julinho Botelho, jogou pela Portuguesa e participou da primeira Academia do Palmeiras nos anos 60], a velocidade do Maurinho [ponta que jogou pelo Fluminense e São Paulo nos anos 50], você não tinha o drible do Garrincha, mas você jogou muitos anos ao lado do Didi [Fez parte da Seleção em 58 e 62. Jogou pelo Fluminense]. Então, o que me parece é que você, já naquela época, talvez essa premonição sua, você já começou a ser um ponta diferente, totalmente diferente dos pontas tradicionais. Você jogava o jogo inteiro atento e você, até esse nome que lhe deram, esse apelido de "fio de esperança", por causa daquele filme [Um fio de esperança (1954), dirigido por William A. Wellman], mostrava que você era aquele jogador que corria o campo inteiro. Pegue esse Telê aí de 1948, 49, ponha hoje igualzinho no time do São Paulo ou no time do Palmeiras. Você iria ser convocado para a Seleção Brasileira?

Telê Santana: Não, talvez não, eu não me considerei um jogador de alto nível. Eu sempre me considerei um jogador muito útil para um time, eu realmente trabalhava o tempo todo. Eu não tirava o olho da bola, podia estar na mão do... Ainda esses dias, saiu uma crônica do falecido [jornalista] Mário Filho [1908-1966], ele dizendo isso, que eu não tirava o olho da bola nem quando ela estava na mão do gandula. Isso realmente acontecia, era um tiro de meta, eu estava de olho, sempre atento. Já tirei muitas bolas do adversário porque eles se descuidavam e eu estava sempre atento. Então, eu fui um jogador útil para o time, e lutava, mas lutava com a maior seriedade. Eu era incapaz de fazer uma firula [lance para demonstrar habilidade com a bola] para aparecer para a torcida, mas eu jogava para o time. Então, eu fui um jogador assim, e eu cobro muito dos jogadores isso, não me interessa aquele que passa a bola debaixo das pernas, que dá o chapéu no adversário; [o jogador que me interessa] é aquele que joga com a maior seriedade. Eu estava falando sobre o lance que o Rincón perdeu de calcanhar... eu não perderia nunca um gol assim, porque eu não faria isso.

Osmar de Oliveira: Então, Telê, aí você me deixa confuso: ou eu não entendo mais nada de futebol ou você é muito humilde. Se você não é convocado agora, significa que você jogava menos que o Dunga e o Paulo Sérgio [jogadores convocados para a Copa de 1994]?

Telê Santana: [risos] Não, eu confesso que, tecnicamente, eu era superior a eles.

Osmar de Oliveira: Então, você está escalado.

Telê Santana: Eu passava melhor a bola, eu dominava a bola melhor, eu tinha percepção de jogada, eu tinha a visão de jogo. Então, isso tudo eu tinha. Agora, eu não me considerei um craque, um jogador que pudesse assim chegar ao nível de Zico, dessas coisas não. Esse é o craque, é uma palavra usada muito indevidamente; o craque - chamam qualquer jogador de craque -, o craque para mim tem coisas que os outros jogadores não têm, não é qualquer um que eu chamo de craque.

Heródoto Barbeiro: Telê, tenho duas perguntas aqui que estão interligadas uma à outra, uma do senhor Jadson Silvério, de Salvador, e ele pergunta a você o seguinte: "Você se sentiu vingado dos italianos quando venceu o Milan, na Copa das Libertadores, com o mesmo placar em que foi derrotado em 82"? [Na verdade, trata-se da final do torneio intercontinental - disputado entre o campeão da Libertadores e o campeão europeu - tido como título campeonato mundial, disputado em Tóquio, em 12/12/1993, em que o São Paulo venceu o Milan por 3 X 2, sendo declarado campeão.]

Telê Santana: Ah, eu não sou vingativo, eu vibro com as nossas vitórias, seja contra a Itália, time italiano, time espanhol... Como nós ganhamos, para mim foi uma vitória igual, a do Milan e a do Barcelona [em 1992, por 2 X 1, na edição anterior da competição] foram duas vitórias iguais.

Heródoto Barbeiro: Pois é, ainda nessa linha, Luciano Duarte, de Itapeninga, interior de São Paulo, pergunta assim: "Quando é que você sofreu mais, foi na Copa de 82 ou foi na Copa de 86?"

Telê Santana: Em todas as duas. Eu confesso que na de 82 eu considerei uma seleção melhor, mas eu senti em todas as duas.

Heródoto Barbeiro: Sentiu fracasso maior em qual?

Telê Santana: Não, eu não senti fracasso não, eu senti uma desilusão por ter perdido as duas copas com duas boas equipes, e mostrar um espetáculo como nós mostramos. Nós não chegamos à semifinal naquela primeira Copa e já tínhamos feito 15 gols. Nós não chegamos à semifinal e tínhamos feito dez gols e não tínhamos sofrido nenhum, quando jogamos com a França. Então, isso às vezes entristece a gente, porque era um futebol bem jogado, uma boa equipe.

Heródoto Barbeiro: Josemar Gimenez.

Josemar Gimenez: Você é exigente quando se refere a craque. Na Seleção do Parreira, tem um craque?

Telê Santana: Tem alguns jogadores que se aproximam do craque.

Josemar Gimenez: Por exemplo...

Telê Santana: O Bebeto, o Raí; o Raí que eu conheci jogando aqui no São Paulo, o Raí foi considerado por mim, inclusive, durante dois anos ou dois anos e pouco como o melhor jogador brasileiro, e era na realidade o  melhor jogador brasileiro. Então esses jogadores...

Josemar Gimenez: Romário, não?

Telê Santana: O Romário também é bom, mas o Romário eu não diria assim um craque tipo o Zico. É um jogador que você, a qualquer momento, espera um gol dele e uma vitória, e o craque não é aquele que pega na bola [apenas] três vezes; e às vezes isso acontece com o Romário, ele pega na bola três vezes. Agora, é um jogador que decide. Então, eu não poderia dizer que é o craque, mas é um jogador que decide, que eu também gostaria que ele jogasse no meu time, porque ele é bom jogador.

Heródoto Barbeiro: Sérgio Martins.

Sérgio Martins: Você disse que você era um jogador objetivo, incapaz de dar um drible a mais se pudesse fazer o gol. Entre o drible a mais e o gol, você faria o gol. E você também é amante do futebol-arte. Quem você pagaria para ir ver jogar, você ou o Garrincha?

Telê Santana: O Garrincha! Garrincha era um espetáculo!

Sérgio Martins: Mas entre o gol e o drible...

Telê Santana: Mas ele sabia fazer tudo isso e fazia bem. E ele, se ele tivesse uma oportunidade, ele fazia o gol. Ele não brincava de chegar lá, driblar e voltar, ele não faria isso. Ele fazia o drible, porque era uma especialidade dele, e ele passava realmente. Todo mundo sabia o que ele ia fazer, e ele fazia e conseguia fazer. Então, ele usava aquilo que ele sabia fazer. Eu, se soubesse driblar daquele jeito, driblaria também, mas eu não sabia.

Heródoto Barbeiro: Trajano.

José Trajano: Comparação melhor seria você, Telê, ou Zagalo. O Zagalo jogou pela esquerda, voltando ali, e obteve sucesso, [foi] bicampeão do mundo. Mas, Telê, eu queria falar sobre a violência na Copa do Mundo. Essa Copa do Mundo tem nuances diferentes, quer dizer, tem esse negócio de carrinho, por exemplo. E nós temos alguns jogadores useiros e vezeiros aí em aplicar carrinhos por trás, e jogar muito deitado, que é o caso do Ricardo Rocha, do Dunga. Isso não é preocupante? Você ter alguns jogadores especialistas em jogar deitado, ou então em usar muito carrinho?

Telê Santana: É, o carrinho é um recurso que, às vezes, se usa corretamente, [mas] o carrinho por trás é desleal, é "desclassificante". Deve-se colocar para fora mesmo, qualquer toque por trás. Ainda ontem, nesse jogo entre Colômbia e o Milan, o [jogador croata Zvonimir] Boban [que jogava no Milan] deu uma entrada por trás e o juiz, com 15 minutos de jogo, expulsou o jogador.

José Trajano: Na Copa vai ser assim!

Telê Santana: Vai ser assim! [Mas] Aqui também devia ser!

José Trajano: Claro.

Telê Santana: Aqui também devia ser, mas não é, infelizmente não é. Fosse do meu time, fosse do time adversário, tem que ir para fora. Deu um carrinho por trás, pegou o jogador por trás, tem que ir para fora. Então, outro dia eu abandonei um jogo aí porque o juiz deixou correr bambo o negócio. Eu falei: "eu não vou ficar vendo isso, eu vou sair daqui e eu vou embora". Então, eu não posso ver essas coisas, e se for o nosso jogador também, que [o juiz o] ponha para fora, porque não é admissível que um jogador entre em campo já prevenido para dar pontapé no outro. Eles ali são adversários, eles não são inimigos, têm que jogar futebol, e quem joga futebol joga mais futebol e esquece a violência.

José Trajano: Porque tem muita gente que diz que você ataca... Telê, é o seguinte, você reclama muito quando é o time adversário que faz a falta, mas quando o seu time faz a falta, você...

Telê Santana: Mas não, o meu time, se fizer falta desleal eu quero que coloque para fora. E eu falo - isso que ninguém me entende -, eu falo para os meus jogadores para não fazerem isso. Eu não sei de nenhum técnico que faça isso, e a imprensa às vezes é que fala que eu sou chorão e tal, mas nenhum faz isso. Nenhum técnico dá essa instrução. Agora, eu não tenho jogador só que eu dirigi no São Paulo; você pode ir no Palmeiras, que tem jogadores que eu dirigi, no Corinthians tem jogador. Se algum dia eu falei com eles para fazer isso, [dizendo] "pára a jogada, mata a jogada", se algum dia eu disse isso... Agora, os outros fazem isso.

Heródoto Barbeiro: Telê, eu tenho aqui uma última pergunta, e ela é do telespectador senhor Vagner Chaga. [Eu] queria que você respondesse rapidamente. Ele quer saber o seguinte: "O favoritismo pode atrapalhar a Seleção Brasileira nesta Copa do Mundo?"

Telê Santana: Olha, se entenderem como favoritismo uma equipe que  está se preparando e já se julga vencedora, isso vai prejudicar. O otimismo é até desculpável e é necessário para que você faça um bom jogo e jogue com confiança, mas ele não pode ser exagerado ao ponto de achar: "bom, nós já ganhamos". Não é assim, o futebol não é assim.

Heródoto Barbeiro: Ok, Telê, isso aqui tudo [mostra um maço de papéis] são perguntas, faxes e telefonemas que vamos passar para você. Não conseguimos responder nem metade deles. Para encerrar, algum recado para o Parreira?

Telê Santana: Não... Eu estou indo para os Estados Unidos na tentativa de fazer elogios; eu não quero fazer críticas, quero fazer elogios; [espero] que a gente consiga ganhar o título importantíssimo para o Brasil, para nós profissionais principalmente e para a situação do Brasil.

Heródoto Barbeiro: Ok, Telê Santana. Obrigado pela sua participação aqui no Roda Viva, muito obrigado aos nossos colegas jornalistas pela participação. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira às dez e meia da noite. Tenham todos uma boa semana e até lá. Obrigado.

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