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Memória Roda Viva

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Sérgio Cabral

26/2/2007

O governador do Rio explica como pretende enfrentar os sérios problemas cariocas e discorre sobre o cenário político brasileiro, evitando críticas diretas e comentado as relações com vários políticos, em especial com o presidente Lula

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. Ele é o governador proporcionalmente mais votado na eleição de segundo turno em 2006, e também conseguiu uma coisa inédita: a quase unanimidade de apoios políticos em sua campanha e uma aliança que, há tempos, não se via entre o estado e o governo federal. Mas, em contrapartida a todos esses apoios, tem pela frente talvez a mais dramática situação criada pela violência urbana no país. A banalização e a brutalidade do crime mais uma vez levaram o carioca ,e todos os brasileiros, à comoção e à revolta, abrindo uma nova discussão sobre a legislação penal brasileira. Nosso convidado desta noite é Sérgio Cabral Filho, governador do Rio de Janeiro. Sérgio Cabral tem 16 anos de vida política, a maior parte no PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira]. Em 1999, ele se filiou ao PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] e sua eleição como governador do Rio de Janeiro foi considerada uma vitória importante para a ala governista do partido. A aliança com o presidente Lula significa a única parceria do governo federal com um estado do Sudeste.

[Comentarista]: Aos 43 anos, jornalista de formação, Sérgio de Oliveira Santos Filho, usa na vida política o mesmo nome do pai, Sérgio Cabral, também jornalista, além de escritor, produtor, crítico musical e três vezes vereador no Rio de Janeiro. Sérgio Cabral Filho, além do nome, herdou o lado político do pai. Aos 27 anos, em 1990, elegeu-se deputado estadual, sendo reeleito mais duas vezes até 2002, quando chegou ao Senado. Candidato ao governo do Rio pelo PMDB em 2006, foi surpreendido pela possibilidade de segundo turno quando as pesquisas davam sua vitória como certa em primeiro de outubro. Numa coligação com nove partidos, apoiando e recebendo apoio de Lula, Sérgio Cabral fez campanha procurando ficar longe de Anthony Garotinho, que se aliou a Geraldo Alckmin [candidato à Presidência da República nas eleições de 2006, pelo PSDB] - ver entrevista com Alckmin no Roda Viva] e rachou ainda mais o PMDB fluminense. No final da crise interna e da apuração do segundo turno, vitória para Sérgio Cabral com 68% dos votos, e vitória para Lula que, ajudado por Cabral, levou 69% dos votos fluminenses, consolidando a aliança com o Rio. No dia da posse, no entanto, nem tudo foi festa. Sérgio Cabral precisou incluir no discurso um recado ao crime organizado que, no final do ano, aterrorizou a população atacando ônibus, delegacias e postos policiais. Dezenove pessoas morreram e 34 ficaram feridas. A ação mais cruel foi no dia 28 de dezembro, quando um ônibus da Viação Itapemirim foi incendiado e oito passageiros morreram carbonizados. Uma prova ainda maior da brutalidade veio este mês [fevereiro de 2007]. Um roubo de carro na zona norte do Rio terminou com a morte bárbara do menino João Hélio Fernandes, de seis anos, que ao tentar sair do veículo, ficou preso pelo cinto de segurança e foi arrastado por sete quilômetros. No enterro do menino, comoção, revolta, cobranças e pedidos de penalidades mais duras para criminosos, mesmo menores de idade. Sérgio Cabral sugeriu um debate sobre a redução da maioridade penal. O assunto já é discutido no Congresso Nacional, onde a Câmara [dos Deputados] aprovou recentemente projetos de pena para condenados por crime hediondo, aumentando a punição para quem utilizar menores em crime e uso de celulares para presos. Sérgio Cabral ainda quer discutir a legalização de drogas. A idéia é que cada estado assuma a legislação penal, já que o crime tem tamanho e características diferentes em cada região do país. No Rio de Janeiro, a complexa rede do crime e corrupção revelou agora novos e peculiares personagens: os milicianos, grupos formados por policiais e ex-policiais que atuam contra bandidos e traficantes e que já dominam cerca de cem favelas da cidade. Cobrando taxa de segurança dos moradores, os paramilitares agem ilegalmente, exploram serviços clandestinos, como faziam os bandidos, e deixam claro que sua existência é resultado da ausência do Estado nas áreas em conflito.

Paulo Markun: E, para entrevistar o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, nós convidamos: Ancelmo Gois, colunista do jornal O Globo e comentarista da TVE do Rio de Janeiro; Carlos Marchi, repórter e analista de política do O Estado de S. Paulo; Renata Lo Prete, editora da Folha de S.Paulo; Ana Carvalho, editora-chefe adjunta do Jornal do Brasil; Denise Rothenburg, colunista de política do Correio Braziliense; Dácio Malta, colunista de jornal O Dia; Mário Simas Filho, editor-chefe da revista IstoÉ. Temos também a participação de Paulo Caruso, registrando, em seus desenhos, os momentos e flagrantes do programa. O Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV para todo o Brasil. Para participar, o telefone é (11)3677-1310. Você também pode usar a internet, acessando o site do programa, que é  www.tvcultura.com.br/rodavida. Boa noite, governador.

Sérgio Cabral: Boa noite, Paulo.

Paulo Markun: Queria começar pelo seguinte: qual é a arma que o senhor tem para enfrentar o que chamam de crime organizado?

Sérgio Cabral: Olha Paulo, não há uma arma, não há uma bala, há uma série de ações que têm que ser realizadas em parceria com os poderes federal e municipal. É o que estamos fazendo. Exemplos práticos: no campo federal, a atuação com a Polícia Federal, com a Polícia Rodoviária Federal e o Gabinete de Gestão Integrada [gabinete de segurança do governo do Rio de Janeiro, composta por representantes dos órgãos e entidades dos poderes executivos da União, estadual e municipal que atuam e contribuem na área da segurança pública e urbana] que nós implantamos no Rio, e que teve êxito no passado em Minas [Gerais] e também no Espírito Santo. Em São Paulo, após a crise de 2006, foi implementado com grandes resultados. Nós o implementamos há cerca de um mês e meio com a presença do [então ministro da Justiça] Márcio Thomaz Bastos. Esse gabinete se reúne semanalmente. Eu participei da primeira reunião com o ministro, mas há uma rotina, isso gera camaradagem, uma troca de informações. Aí estão a Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, as três Forças Armadas, a Abin [Agência Brasileira de Inteligência], a Justiça do estado, o Ministério Público, as forças de segurança do estado e do município do Rio de Janeiro. Esse gabinete já tem dado grandes resultados, troca de informações, planejamento, a coisa está funcionando muito bem. Por outro lado, no aspecto municipal, o trânsito da cidade do Rio de Janeiro era de responsabilidade da Polícia Militar, com dois mil homens alocados para essa responsabilidade. Na série de convênios que assinamos com o prefeito César Maia [foi prefeito do Rio por três mandatos, sendo o último entre 2005 e 2008 - ver entrevista com César Maia no Roda Viva], incluímos a municipalização da gestão do trânsito. Nós estamos repassando, região por região, a responsabilidade e vamos disponibilizar dois mil policiais que estavam no trânsito para o policiamento ostensivo. Outro aspecto importante é uma política junto com o governo federal na área de presídios. Precisamos aumentar o número de presídios do Rio de Janeiro, utilizar os presídios federais, nós já começamos a utilizá-los e vamos continuar. Outra questão muito importante é despolitizar a polícia, que estava muito politizada. Então, eu convidei para secretário de Segurança [Pública] um delegado da Polícia Federal que comandava uma operação suporte no Rio de Janeiro nos últimos dois anos, o José Mariano Beltrano. Dei a ele "carta branca" para escolher o comandante da Polícia Militar, o chefe da Polícia Civil e os seus subordinados. Não houve interferência nenhuma no processo de escolha dos comandantes dos batalhões e das delegacias de polícia. Isso também motiva a tropa e a corporação. Além disso, ações que têm interface com segurança são importantes. Eu assumi um compromisso na campanha eleitoral que não usaria um tostão sequer da publicidade do estado para exaltação do governo. Não haverá anúncio de obra inaugurada ou qualquer ação do governo, toda a verba publicitária será utilizada para campanhas comunitárias, campanhas de conscientização. Nós vamos estrear agora, na quarta-feira, uma campanha sobre gravidez precoce. Nós pegamos uma menina que é hoje um hit parade brasileira, chamada Perlla [cantora carioca]. Ela será garota-propaganda de uma campanha. Tem 18 anos, vai falar aos corações das meninas da sua idade, da sua geração. Ela tem uma música chamada "Tremendo vacilão" e, com ela, levará a importância de se combater gravidez precoce, conscientizando as meninas.

Carlos Marchi: Governador, há pouco tempo, o senhor deu uma corajosa declaração falando em planejamento familiar. É um assunto do qual os políticos brasileiros geralmente fogem. Isso deve ser por pressão da Igreja e de vários setores da esquerda que não entendem bem o que seria o planejamento familiar. O senhor, agora, trouxe um exemplo disso, mas claro que uma política dessas dependeria muito mais do governo federal. O que o senhor diria que é uma política de planejamento familiar? Que medidas seriam eficazes nesse aspecto?

Sérgio Cabral: Marchi, é um tema com enorme variáveis, mas vou te dar o exemplo ainda da gravidez precoce, número que me estarreceu: por ano, no Rio de Janeiro, 44 mil adolescentes ficam grávidas.

Carlos Marchi: É evidente que a grande maioria é da faixa pobre.

Sérgio Cabral: A grande maioria. Mas você tem taxas na zona sul da cidade, na Tijuca, em Madureira, nos centros urbanos...

Denise Rothenburg: O senhor acha que ainda dá para recuperar esses jovens na faixa de 15,16, 17 anos, uma geração que já está dedicada ao crime, vive do crime?

Sérgio Cabral: Olha, Denise, eu acredito que sim, há experiências muito positivas. Eu tenho mantido permanente relacionamento, e vão sair aí uma série de ações em parceria, como por exemplo, com o grupo Afro Reggae [organização não-governamental que atua nas favelas cariocas e em outras regiões do Brasil - ver entrevista com José Junior, fundador do Afro Reggae, no Roda Viva]. Em Belo Horizonte, o grupo teve uma experiência muito interessante, inclusive, na semana que vem eu vou a Belo Horizonte para conhecer a experiência do prefeito Fernando Pimentel na área urbanística e, também, com o governador Aécio Neves, [ver entrevista com Aécio Neves no Roda Viva] conhecerei a experiência do grupo Afro Reggae com a Polícia Militar mineira. Quer dizer, trabalhando com a sociedade civil organizada, como o Viva Rio [organização não-governamental, com sede no Rio de Janeiro, engajada no trabalho de campo, pesquisa e formulação de políticas públicas com o objetivo de promover a cultura de paz e o desenvolvimento social, combatendo a violência urbana], com Afro Reggae, com a Cufa [Central Única de Favelas] e com outras entidades voltadas para esses temas, usando instrumentos como cultura, educação, entretenimento, esporte e lazer, eu acredito que seja possível a gente ganhar essa guerra, que é uma guerra de coração e mentes, muito mais do que de bala.

[sobreposição de vozes]

[...]:  Uma política de segurança que vá além da polícia.

Mário Simas Filho: Educação e saúde não têm que estar juntos?

Sérgio Cabral:  Claro! É por isso que eu fiz questão de frisar que é uma ação não só policial, mas de inteligência. A integração é vital, Mário, é vital, é vital! Mas é também uma operação com entidades não-governamentais que trabalham em comunidades carentes, que têm credibilidade...

Ancelmo Gois: Eu  queria, governador, se me permite, discutir a questão da segurança e o papel do governo federal. Isso porque o Brasil vive uma questão de insegurança, e não é só o Rio. O ministro da Fazenda [Guido Mantega] do Brasil ficou três horas refém em São Paulo [o ministro ficou sob a mira de três ladrões por cerca de quatro horas]. O Carnaval da Bahia atingiu índices de violência muito grandes. E, ao meu ver, é uma interpretação muito comum  que a gente vê no Rio, já é uma tradição do governo federal a omissão a essa questão da segurança, se baseando no texto constitucional, que diz que o primeiro embate é o da esfera estadual. Mas, de qualquer forma, a questão de segurança atingiu um nível de calamidade tão grave e, como calamidade é um assunto constitucionalmente do governo federal, ele deveria se envolver mais. O senhor fala com grande entusiasmo da parceria com o [presidente] Lula nessa área, mas o que eu vi no Rio é muito pouco, é uma meia dúzia de homens, não é aquela força toda que o Lula falou que ia mandar para lá. Enfim, também não participou ativamente. Quer dizer, o senhor está convencido que o Lula vai realmente inovar colocando a mão e enfrentando essa questão da segurança, ajudando os estados, e não só o Rio, a enfrentarem com mais dureza, com mais precisão, a questão da violência urbana no Brasil?

Sérgio Cabral: Olha, estou convencido que sim. Primeiro, as primeiras ações do presidente Lula comigo, no Rio de Janeiro, foram de extrema parceria. No momento em que houve atentados antecedendo a minha posse, Lula se colocou à disposição, o secretário nacional de Segurança Pública e diretores de presídios federais estiveram comigo, mandamos os criminosos para Catanduvas [cidade do interior do Paraná que tem presídio de segurança máxima]. O presidente Lula, ao contrário dessa tradição, tem entrado na discussão. Tive a oportunidade de conversar com ele sobre isso. Ele me disse que está preparando um pacote para a área de segurança, e eu tive a oportunidade de sugerir ao presidente a criação de uma secretaria nacional de segurança pública. Quer dizer, hoje a responsabilidade da segurança pública está ligada ao Ministério da Justiça, e eu sugeri que criasse uma secretaria nacional com status de ministério, não vinculado ao ministério, mas com status de ministro, e levasse a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal para esse ministério, para essa secretaria. Eu acho que o Brasil está maduro para isso, o presidente está disposto a entrar nesse assunto com coragem.

Renata Lo Prete: Governador, queria fazer uma pergunta sobre a questão das milícias. Como fazer para remover as milícias das favelas sem que esse espaço seja total e imediatamente ocupado pelo tráfico?

Sérgio Cabral: É, essa é a grande questão...Mas não podemos ter como referência uma ilegalidade versus outra ilegalidade. Porque, num primeiro momento, as milícias se oferecem como uma grande solução para o trabalhador que está ali na favela, refém de uma situação trágica, em que há criminosos do tráfico determinando qual a menina que eles vão namorar, como as coisas funcionam na favela, e tocando o terror. Há troca de tiros entre grupos e facções adversárias e, se entra a milícia, gera uma calmaria. E a gente está vendo agora que não é nada disso, é um controle paralelo, ilegal, que estabelece também a sua norma, a sua ordem, suas regras. O Estado, ausente, permitiu tudo isso. Então, nós estamos jogando duro nisso, Renata. Você pode estar certa de que o setor de inteligência da polícia está chegando duro, teremos novidades nos próximos dias, estamos operando para valer, vamos combater tanto o tráfico de drogas quanto as milícias. E levando esse questionamento: por que a polícia não está lá?

Paulo Markun: [interrompendo] Mas a milícia não é a polícia?

Denise Rothenburg: É a questão da "banda podre", né?

Sérgio Cabral: É, por que a polícia não faz papel da milícia? Porque, evidentemente, a imagem dos milicianos...encapuzados, eles entram, é uma guerra, não tem nenhum tipo de controle do estado de direito democrático. E não é assim que nós queremos. Nós queremos enfrentar os criminosos, prendê-los. E, se numa troca de tiros, o bandido reagir, a polícia tem que atirar, mas é uma outra situação, uma outra situação. Quer dizer, a milícia tem uma outra conduta, que é a ilegalidade. Nós não podemos tolerar isso. Por isso é que a população, às vezes, questiona: "Por que a polícia não faz o que a milícia faz?". É porque são condutas absolutamente  diferentes. Agora, qual é a nossa proposta? Nós temos que fazer intervenções urbanas. A Colômbia tem dois exemplos bem-sucedidos e que estão gerando hoje uma crise política séria, quer dizer, é questão dos paramilitares ...

Denise Rothenburg: [interrompendo] Que teve milícia também.

Sérgio Cabral:  Teve milícia também. A principal revista da Colômbia, há cerca de duas semanas, estampou na primeira página uma crise política do governo em função de uma certa leniência [excessiva tolerância] com a operação paramilitar. E não é isso que nós queremos. Por outro lado, a Colômbia tem experiências muito interessantes em urbanização, de valorização do policial e de uma nova organização da polícia nas ruas de Bogotá. Então, eu acho que, no caso do Rio de Janeiro, não é uma ação só polícia, há de se ter uma ação de intervenção urbanística, levar creches, levar escolas, porque o poder público não está nessas comunidades.

[sobreposição de vozes]

Sérgio Cabral:  O conceito é acessibilidade, que é tudo o que a comunidade da [favela] Rocinha queria, me pediu durante a campanha, é a remoção interna de moradores, vamos remover dois mil moradores da Rocinha para a mesma Rocinha, mas reconfigurando o layout da comunidade. Hoje você passa em frente a uma favela e disse assim: “Ali tem uma comunidade que você não entra”, porque ali é um terreno que é outra cidade. Assim não dá!

Dácio Malta: O senhor falou no início que uma das suas metas era despolitizar a polícia. E quem é que resolve isso? O principal suspeito de ter matado um investigador agora é um vereador do Rio de Janeiro [refere-se ao ex-vereador Josinaldo Cruz, o "Naldinho do Rio das Pedras", morto em junho de 2009].

Sérgio Cabral: Acho que isso tudo tem que ser objeto de investigação e "doa a quem doer", quer dizer, não dá para tolerar político com mandato ou sem mandato envolvido com essa história. Eu acho que esse envolvimento, seja o candidato do tráfico ou o candidato da milícia, é muito ruim. O governo não deve tolerar isso. E é nessa linha que nós estamos atuando com o Ministério Público e com as forças federais. Posso te adiantar que temos trabalhado rigorosamente com a Polícia Federal nas investigações.

Carlos Marchi: Governador, eu queria que o senhor fizesse um diagnóstico de onde essa coisa começou. Tem gente, por exemplo, que diz que começou quando o Leonel Brizola proibiu a polícia de subir nos morros. Pode ter sido uma coisa importante, mas talvez não tenha mostrado tudo. Qual é o seu diagnóstico?

Sérgio Cabral: Olha, Marchi, seria muita injustiça com meus antecessores depositar neles essa responsabilidade, seria até uma fraqueza de caráter da minha parte. E, se nós olharmos São Paulo, tivemos para mim dois dos maiores homens públicos desse país: o Montoro - uma referência da minha vida, que me deu muito estímulo na minha carreira inicial - e Mário Covas. Estamos falando de dois grandes brasileiros, os melhores que este país já produziu. E, no entanto, o PCC está aí. Quer dizer, não foi o Mário Covas que foi responsável pelo PCC, não foi o Montoro, não foram essas pessoas. E nem foi o governador Geraldo Alckmin [ver entrevista com Geraldo Alckmin no Roda Viva], que é outro grande administrador público. É evidente que no Rio de Janeiro houve uma  permissividade da ocupação desordenada da cidade, foi um populismo barato. Eu já disse ao prefeito César Maia que a polícia está à disposição para qualquer ocupação ilegal na cidade. Quer dizer, essa coisa do político, vereador ou deputado invadir e garantir e ter um anteparo no executivo, que garanta essa ocupação, ajudou muito a desordem física e geográfica do Rio de Janeiro. Fora isso, há um grande problema nacional, sem entrar no sociologismo barato, mas o Brasil precisa crescer, distribuir renda. O modelo econômico precisa ser repensado. No Rio de Janeiro, é a questão do populismo e da permissividade na ocupação desordenada da cidade.

Paulo Markun: Antes de terminarmos esse bloco, eu queria exibir a pergunta de Luiz Werneck Vianna, que a TVE do Rio de Janeiro ouviu. Ele é professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro [Iuperj], e tem uma questão sobre a violência no estado. 

[VT com Luiz Werneck Vianna]: Há uma expectativa forte no Rio sobre seu governo. Eu compartilho dessa expectativa e a minha pergunta inevitável, como carioca que sou, é sobre violência. Fala-se muito no tema social. Claro que ele é relevante, mas leva tempo. Vivemos numa agenda de urgência, a sociedade reclama de uma intervenção. A primeira intervenção que está aberta diante de todos reside no aparelho policial.  Não é possível termos uma máquina corrupta, articulada com o crime organizado, exercendo controle sobre a vida da população, especialmente a mais carente da cidade. O que o governador está pensando em fazer para sanar, erradicar logo, imediatamente, essa situação que degrada a vida do estado, da população?

Paulo Markun: Governador, antes que o senhor responda - sei que parte disso o senhor já mencionou aqui - eu queria acrescentar: em que tempo que o senhor imagina que se colherão resultados? Porque o senhor apresentou uma série de medidas, boa parte delas de médio e longo prazo, mas eu tenho certeza que os cariocas e até os brasileiros que acompanham a situação no Rio, querem a coisa a curto prazo.

Sérgio Cabral: Claro, e temos que trabalhar com esse estado de tensão, eu tenho que ter a noção diária dessa demanda reprimida do povo do meu estado. É evidente que há ações de curto, médio e longo prazo. Luiz Werneck Vianna, com toda a importância intelectual que ele tem, sempre foi uma referência, fez um estudo profundo sobre a questão do judiciário, então ele conhece muito isso. E ele tem razão, problema da corrupção na polícia é muito grave. E havia um problema grave de contaminação política na escolha de delegados, de comandantes de um batalhão. Markun, você não faz idéia das pressões que eu recebi por ter dado "carta branca" ao secretário de Segurança Pública, ao comandante da PM [Polícia Militar] e ao chefe da Polícia Civil.  Aliás, eu os conheci no dia em que os anunciei.

[...]: O senhor recebeu pressão de quem? 

Sérgio Cabral:  De políticos, de lideranças, muitas até legitimadas por votos da região. Mas eu dizia: “olha aqui, como eu digo isso permanentemente, a tua responsabilidade é controlar, se ele for bem, se não for bem, você denuncie, me informe”. Agora, outro dia, um político reclamou da troca de comandante do Corpo de Bombeiros, e eu falei: “mas ele está agindo mal?". E ele: "Não, mas é que tinha um aqui que é nosso amigo”. Bom, eu não posso mandar no comandante geral do Corpo de Bombeiros, não posso interferir, que moral terei eu de interferir num processo desses? Então, acho que o combate à corrupção começa aí, com essa liberdade. Há bons quadros, a sociedade reagiu muito positivamente à escolha não só do secretário de Segurança como do comandante da Polícia Militar e do chefe da Polícia Civil, são pessoas respeitadas, queridas pela sociedade civil, pelos formadores de opinião e pelas duas polícias. Eles estão tendo liberdade, eu cobro deles, fica mais fácil para mim.

[intervalo]

[Comentarista]:  A maior proximidade de Sérgio Cabral com Brasília ocorre ao mesmo tempo em que o governador do Rio busca mais autonomia para o estado, especialmente na área legislativa. Já no discurso de posse, em primeiro de janeiro, Sérgio Cabral defendeu a idéia de novo pacto federativo, de modo que os estados possam ter mais independência e fazer suas próprias leis penais. O argumento é de que não faz sentido ter legislações nacionais para um assunto em que a realidade de um estado do Norte é totalmente diferente da de um estado do Sul. Sérgio Cabral chegou a apelar para o [então] presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, para que se empenhem na aprovação da autonomia, e cada estado possa ter sua própria lei de segurança pública, como acontece nos Estados Unidos. A idéia de descentralização legislativa exige que o Congresso Nacional abra mão do poder exclusivo de legislar e transfira às assembléias estaduais o direito de fazer leis que cada região julgar importante para melhor combater a violência urbana e o crime organizado. 

Paulo Markun:  Governador, eu queria entender qual é o espaço que sobra para a identidade política do senhor como integrante do PMDB. Na medida em que o senhor se relaciona bem com José Serra [economista, político e um dos fundadores do PSDB. Foi eleito governador de São Paulo em 2006], Aécio Neves, presidente Lula, César Maia. Não diria que o senhor está e"m cima do muro" porque já não é mais tucano, mas onde sobra alguma coisa para um projeto político de um partido ou de um político como o senhor? 

Sérgio Cabral: Não, eu me formei no PMDB, tive uma militância no "velho partidão" [Partido Comunista Brasileiro], fui presidente da Juventude do PMDB, no final dos anos 70, início dos 80, com Aécio Neves, que era presidente da Juventude do PMDB de Minas e eu do Rio de Janeiro.  Depois fomos para o PSDB e retornei em 1999 ao PMDB. A questão de civilidade e do bom relacionamento pessoal é fundamental, e isso eu aprendia na minha casa, a coisa do bom convívio...é uma marca até dos cariocas, que é de receber bem, conviver com as pessoas, de ter bom astral, a política já é muito árida. E acredito que o PMDB está num momento muito maduro para construir, no país, uma proposta. A gente não sabe a opinião do PMDB sobre reforma tributária, sobre planejamento familiar, sobre reforma política, sobre a autonomia dos estados, quer dizer...

Ancelmo Gois: Governador, o senhor esteve no Senado até um dia desses, cumpriu quatro anos no Senado. Lá o senhor não era tão lulista como é hoje, entendeu? 

[risos]

Renata Lo Prete: O que mudou: o senhor ou sua avaliação do governo Lula? O senhor hoje faz uma avaliação diferente do primeiro mandato do Lula, por exemplo? Porque o senhor teve uma atuação parlamentar claramente de oposição...

Sérgio Cabral:  Olha, Renata, na verdade, eu votei em muita coisa com o governo federal.

Ancelmo Gois: Mas não era tão lulista assim...

Sérgio Cabral: Não, e eu e o presidente sempre tivemos uma relação muito boa, muito pessoal.

[sobreposição de vozes]

Sérgio Cabral:  Agora, pelo fato de ser governador e precisar de recursos federais...Não é por esse pragmatismo não, eu diria que mudamos todos nós. O presidente, na campanha, no segundo turno, dizia: “Nós nos conhecemos muito mal, falavam de você, falavam de mim, mas agora nós estamos juntos”. Isso gerou uma empatia no segundo turno muito forte.  Houve uma pressão muito grande dos meus companheiros de partido para apoiar o [Geraldo] Alckmin, muito forte.  E eu tomei a decisão de apoiar o Lula e foi uma decisão que me deu alegria no processo eleitoral, gerou uma empatia entre mim e ele muito positiva, um desejo dele de estabelecer com o Rio um novo relacionamento. O presidente tem me surpreendido pela maturidade e entusiasmo no segundo mandato, coisa muito rara no mundo político. No segundo mandato, as pessoas sempre acham que há uma acomodação, e ele está muito disposto a fazer o Brasil crescer, na questão do Rio de Janeiro. E eu vou te dar um exemplo, antes da posse: “Presidente, eu gostaria de convidar o diretor do Instituto Nacional de Trauma e Ortopedia [Into] para ser meu secretário de Saúde. Eu o conheci na campanha, fiz uma imersão com várias especialistas e o Dr. Sérgio Côrtes me causou boa impressão".  Ele, sei lá, às dez da noite, pegou o telefone e ligou para Suíça, onde estava o ministro da Saúde, que já me ligou: “O presidente me ligou, vamos autorizar, parabéns pela escolha!”. Após a posse, no caso da tragédia grave das chuvas no Rio de Janeiro, ele estava de férias no Guarujá e eu, para não ser desagradável, liguei para o Palácio da Alvorada no domingo, depois que fui visitar as famílias da enchente e sabia que a telefonista poderia transferir para o Guarujá e ela transferiu. Ele atendeu e no dia seguinte estava o ministro lá, com a liberação dos recursos. Quer dizer, está acontecendo uma relação entre o governo federal e o governo do Rio de Janeiro, é relação de parceria. É a mesma relação que eu também estou tendo com prefeito César Maia, em outro nível.

Paulo Markun: Sem tanta empatia? 

Sérgio Cabral:  Não, porque com César já é uma relação muito mais antiga, de estarmos juntos e, em alguns momentos, estarmos separados. Há um nível de conhecimento recíproco maior, histórico e muito positivo. O prefeito César Maia, na campanha, anunciou um documento com a Denise Frossard [candidata ao governo do Rio pelo Partido Popular Socialista, em 2006], e eu liguei para ele e falei: “quero assinar também esse documento". E ele falou: “Vou te mandar por e-mail, se você concordar, eu te recebo”. Eu topei, assinamos. Acabou a eleição, liguei para ele, e três semanas depois, estávamos assinando a parceria.

Denise Rothenburg: Governador, com tanta empatia assim com vários políticos, o senhor se dá bem com Lula, Aécio Neves, César Maia, Nelson Jobim [ministro da Defesa do governo Lula], com quais deles o senhor pretende ter uma relação mais duradoura que possa seguir até 2010? 

Sérgio Cabral: Olha, Denise, eu tenho relação com esses políticos, independentemente do projeto do calendário eleitoral de 2010 que, aliás, te confesso que não estou pensando nele. Isso é um mal do Rio de Janeiro, ficar pensando no projeto.

Paulo Markun:  Do Rio não, em São Paulo é muito pior!

[risos]

Sérgio Cabral:  Eu acho isso um problema.

Denise Rothenburg: Melhor nem começar a falar em São Paulo.

Sérgio Cabral:  Acho isso um problema. Por exemplo, tem a questão do calendário municipal em 2008...

Denise Rothenburg: Quem vai ser seu candidato?

Sérgio Cabral: Não tenho candidato nenhum, tenho que cuidar do estado de Rio de Janeiro. Olha, isso é tão importante, eu preciso recuperar a estrutura do estado, valorizar nossos funcionários públicos, eu acordo e durmo pensando o seguinte: eu tenho 15 milhões de clientes fixos, seis milhões de clientes que visitam o Rio, 400 mil funcionários, 220 mil em atividade, os demais inativos e pensionistas.

Denise Rothenburg: De onde vem o dinheiro para tudo isso? 

Sérgio Cabral:  Esse é o problema, esse que é o problema! Eu tenho que pagar esses funcionários. Para você ter uma idéia, nós temos 35 bilhões [reais], números grandes de receita diretas e indireta. Aí você pega mais ou menos dez bilhões, que vão para repasses aos municípios, e mais o pagamento da dívida nacional e internacional. A dívida pública nacional está em torno de três bilhões ao ano.  E mais um bilhão é a dívida com organismos internacionais. Aí você coloca 13 bilhões de folha de pagamento. E o funcionário público do executivo não foi o vilão no crescimento. O grande vilão foi o crescimento do custeio, o custeio aumentou barbaramente nos últimos anos, passou de três bilhões em 2003 para sete. Então, você tem recursos muito amarrados. Agora, o que eu estou tentando convencer a minha equipe é o seguinte: o senhor tem menos de um bilhão para gastar em investimentos no ano. É pouco? É muito pouco, mas quando a gente viu o percentual estabelecido na Constituição para educação, saúde - que alguns governantes desejam tirar esse percentual, eu não quero tirar, ao contrário - na hora que você paga bem um policial, um médico, um professor, você está fazendo um investimento. Isso não é coluna, folha de pagamento ou custeio, é investimento.  Se nós conseguirmos recuperar o poder aquisitivo de quatro anos dos professores, eu prefiro abrir mão de uma ponte, de um asfalto em um bairro e pagar melhor o professor. Isso tem um ônus político, mas tem que se reverter isso.

[...]:  Não dá voto!

Sérgio Cabral: Porque não dá para um guarda da PM começar trabalhando por 850 reais. É um negócio humilhante, uma professora está ganhando salário inicial de quinhentos reais, isso é uma vergonha. Isso é vergonha!

Paulo Markun: Paula Vieira gostaria de saber se é mesmo verdade que o governo do Rio de Janeiro vai dar um aumento vergonhoso de 108 reais para os professores.

Sérgio Cabral: [risos] Por enquanto, Paula, não há nem o vergonhoso e nem o maravilhoso. Por enquanto, nós estamos chamando os professores concursados, terminando com uma vergonha que são os contratos temporários e passando a valorizar aqueles que fizeram concurso público, que é importantíssimo, e vamos gradativamente recuperando o poder aquisitivo. Por enquanto, não há nem... Se forem 108 reais para o primeiro momento, é maravilhoso, porque há doze anos que o magistério não tem reajuste no Rio de Janeiro. Nós temos que brigar por esse aumento no poder aquisitivo dos professores. Isso é uma política de médio e longo prazo, mas é meu compromisso com o magistério, eu sou filho de professor, sobrinho de professor, irmão de professora, e o que se fez no Brasil em relação à educação foi um grande crime. Se você for a uma comunidade, é tanto problema que é muito mais interessante passar o asfalto, botar paralelepípedo do que pagar o professor, porque isso realmente não dá votos diretos. Mas eu acho que nós temos que mudar esse processo. É um desafio que eu assumi com meu secretário da Fazenda, Joaquim Levy, e com meu secretário de Planejamento, Sérgio Ruiz: se em quatro anos, eu conseguir valorizar o setor de segurança, de saúde e de educação, eu me dou como governador satisfeito porque eu acho que esses são pontos fundamentais. Em termos de obras, o que eu estou colocando como prioridade? Primeiro, terminar obras que não foram encerradas - acho um crime para uma população - então, há duas ou três obras de maior porte. E os Jogos Pan-americanos [2007] é um desafio que eu peguei.

Paulo Markun: Aliás, vamos falar disso no outro bloco.

Renata Lo Prete: Só mais uma pergunta. A pedido do presidente Lula, o senhor aceitou ser o padrinho de uma indicação da preferência do presidente para o Ministério da Saúde, que é a indicação do médico José Gomes Temporão. Tudo indica que o presidente  não gostaria de colocar um deputado do PMDB no Ministério da Saúde. Pois bem, os deputados do seu partido foram ao presidente reclamar disso, e ele disse: “Olha, vão lá se entender com o governador Sérgio Cabral”. O senhor acredita que ficou com um "abacaxi" nessa história do Ministério da Saúde? 

Sérgio Cabral: Olha, Renata, primeiro eu quero dizer que não tenho participado e nem vou participar de indicação política para lugar nenhum. O caso do Temporão é muito específico, porque é um caso técnico, que o presidente deseja e que eu desejo, porque o Temporão é um guarda da saúde pública, sanitarista respeitado por todos no Brasil, do Acre ao Rio Grande do Sul, é alguém capaz de dar ao Ministério da Saúde uma gestão técnica, que é fundamental.  O que eu disse ao presidente é que na área de Educação, na área de Saúde, na área da Segurança, como ele faz na área da Fazenda, Planejamento e Casa Civil, a influência partidária não deve ocorrer.

Ancelmo Gois: Mas o senhor tem que dizer isso ao PMDB.

[sobreposição de vozes]

Sérgio Cabral:  Olha, eu tenho uma relação muito positiva com os deputados e digo a eles que o critério não deve ser...se é parlamentar, é uma honra muito grande, mas não deve ser esse o critério. O critério deve ser o da escolha técnica. E é uma área em que o Brasil anda tão debilitado, a questão da saúde pública é tão grave...E para você ter uma idéia, Renata, nas pesquisas que fiz durante a campanha eleitoral, saúde era o ponto mais importante junto com segurança. Saúde é um negócio muito grave hoje no Brasil. Vocês são jornalistas, vocês sabem, nós somos homens públicos, mas tem muita gente que não tem essa noção. A grande maioria da população que está na rede pública precisa que o posto de saúde funcione 24 horas, que é o que vamos implementar no Rio de Janeiro. Outra área que nós também despolitizamos foi a dos hospitais do Rio de Janeiro, que estavam infestados de indicação política. Não estou questionando a capacidade técnica dos deputados federais, mas...

Ancelmo Gois: Governador, mas pelo Temporão, vale a pena brigar com toda bancada?

Sérgio Cabral: Não diria que é toda bancada.

Ancelmo Gois:  Do Rio, é.

Sérgio Cabral:  Eu conversei muito com a bancada do Rio, expliquei minha posição, respeitam minha posição, e acho que o Ministério da Saúde deve ser entregue a um gestor da área da saúde pública. Ele é um nome que reúne capacidade técnica e experiência para ser o ministro da Saúde.

Paulo Markun:  Governador, nós vamos para um intervalo. Voltamos já com Roda Viva, que também é acompanhado aqui na platéia por Cássio Caetano Gusso, coordenador da secretaria de Comunicação da prefeitura de Várzea Paulista e colaborador do site Observatório da Imprensa; Chico Oliveira, psicólogo e ator; Alencar Costa, sócio-consultor da Focus; Flávio Angelim, consultor financeiro.

[intervalo]

Paulo Markun: Sérgio Cabral tem uma preocupação extra, este ano, na área de segurança: a realização dos Jogos Pan-americanos 2007, no Rio de Janeiro. A cidade vai receber, entre 13 e 29 de julho, cerca de cinco mil e quinhentos atletas de 42 países, que disputam 28 esportes.

[Comentarista]: O Rio de Janeiro conta com a beleza natural da cidade para cativar atletas e turistas, mas a falta de infra-estrutura para uma competição desse porte obrigou investimentos altos para tornar possível sua realização. O Ministério do Esporte chegou a afirmar que problemas na parceria entre o governo federal e autoridades do Rio comprometeram a organização e o financiamento do Pan. Com as obras atrasadas, o custo dos jogos ultrapassará dez vezes o valor inicial previsto. Só o governo federal investiu mais de um bilhão e meio de reais. O transporte público, que teria avanço com o Pan, não terá os benefícios previstos. As duas linhas do metrô que constavam no projeto, no caderno de encargos da candidatura, a implantação de corredores de ônibus, e uma linha de barca marítima entre a Barra da Tijuca e o centro da cidade não saíram do papel. O comitê organizador dos jogos é dirigido pelo Comitê Olímpico Brasileiro [COB], com a participação da prefeitura da cidade, dos governos estadual e federal.

Paulo Markun:  Governador, o Pan vai ser um sucesso? 

Sérgio Cabral: Um grande sucesso, eu não tenho a menor dúvida. E, mais uma vez, o presidente Lula demonstrou enorme atenção com o Rio de Janeiro. De fato, como foi colocado na matéria, o orçamento é muito superior ao que se previa.

Paulo Markun: As obras estão atrasadas?

Sérgio Cabral: As obras estão atrasadas, mas ficarão prontas com menos tensão do que na Grécia, nas Olimpíadas de 2004. Nós teremos um estádio do Maracanã praticamente pronto. Agora estamos com mil e oitocentos homens trabalhando em três turnos. E o Rio vai ganhar duas arenas fantásticas para eventos esportivos e musicais: uma na Barra da Tijuca e outra o Maracanãzinho. Serão dois estádios com ar condicionado central, com uma média de dez, doze mil pessoas em cada um deles, serão dois patrimônios. Além disso, ao lado dessa arena, um outro ginásio aquático importante feito pela prefeitura e pelo governo federal. O governo federal é responsável exclusivo por atividades de hipismo, de tiro e outras modalidades. O Estádio Olímpico João Havelange [também é conhecido por "Engenhão"] é importante e vai ficar pronto. É um estádio moderno numa região deprimida da cidade, na zona norte. Acho que o Rio vai se beneficiar de muitos investimentos.

Ana Carvalho: Mas não corre riscos desses estádios, se não tiverem um projeto bem estruturado, ficarem ociosos?

Sérgio Cabral: Com certeza. Eu creio que a idéia do prefeito César Maia, inclusive, é passar a gestão para terceiros, para o setor privado.

Ana Carvalho: O carioca esperava ganhar alguma coisa em troca, como as linhas, corredores, barca, enfim, alguma coisa que realmente mexesse no cotidiano da cidade. E isso não vai acontecer. E até como competição esportiva, ela não é nem uma competição tão assim...

Sérgio Cabral: Vamos por partes. Quanto à primeira parte da sua observação, é evidente que o Rio poderia ganhar mais benefícios permanentes, eu concordo com você. Eu peguei esse bonde andando e tenho que cumprir minimamente as minhas tarefas, e vou cumprir. Agora, efetivamente, a cidade vai ganhar. Além de cinco mil atletas, imprensa, dirigentes, há uma infra-estrutura muito grande por trás.

Paulo Markun: Mas o Alex Vila Nova, que manda sua pergunta por e-mail, toca no ponto central e diz o seguinte: “Será que no Pan-americano teremos paz no Rio de Janeiro? Posso visitar sua cidade com tranqüilidade? A avenida Brasil estará segura?”

Sérgio Cabral:  Olha, Alex, eu diria que você pode visitar o Rio de Janeiro sempre, é uma cidade acolhedora, bonita, agradável. Há problemas de segurança como em outras grandes cidades, sobretudo dos países em desenvolvimento, temos muito o que fazer.

Paulo Markun: Mas acha que o Pan pode ser um momento crítico?

Sérgio Cabral:  Acho que pode ser um grande momento. O Rio recebeu, em 1992, mais de cem chefes de Estado, com muita competência. Nós teremos não só os 39 mil homens da PM, os 11 mil da Polícia Civil, como também os sete mil homens da Força Nacional de Segurança Pública [FNSP, programa de cooperação do Ministério da Justiça, criado em 2004], Forças Armadas. Acho que a tranqüilidade está garantida. E eu espero, inclusive, que o carioca fale: “Mas quero que o sistema de segurança continue, permanentemente”.

Ana Carvalho: Isso que eu ia falar, por que só nesses momentos, nesses eventos?

Sérgio Cabral:  No Carnaval, nós contamos exclusivamente com nossos homens e deu certo. Estamos fazendo agora é um esforço muito grande de logística, de gestão dos nossos homens. Veja bem, são 39 mil homens na PM, 15 milhões de habitantes mais os seis milhões que nos visitam, quer dizer, tem os turnos, não estão 39 mil homens na ruas, então é um número pequeno. Então, é uma questão de logística, de colocação dos homens na rua. É no que estamos trabalhando neste momento, além de eu abrir concurso para mais de três mil homens na Polícia Militar, vamos contratar na Polícia Civil quem já que fez concurso e tem que ser chamado.  Agora, para o Rio, a segunda parte da sua pergunta, há um outro benefício muito importante, para o Brasil e para o Rio, que é a conquista da Copa do Mundo de 2014, que é praticamente do Brasil. E o Rio de Janeiro é um grande cartão postal desse evento...

Ana Carvalho: Sem Maracanã, né?

Sérgio Cabral:  Com Maracanã!

Ana Carvalho: 300 milhões de reais [refere-se aos investimentos], só no Pan...

Sérgio Cabral:  Não, é basicamente estacionamento, que é questão fora do Maracanã. Imagine você convencer jogador alemão a vir a uma Copa do Mundo e não jogar no Maracanã. Tem graça?

Ana Carvalho: Não, mas tem que ter dinheiro!

Dácio Malta: Governador, me diz uma coisa, o senhor tem hoje quinhentos homens da FNSP ajudando a polícia do Rio de Janeiro, até julho, quando tiver o Pan. Dia 13 de agosto, vão embora, com o final dos Jogos. Nessa altura, o senhor estará há sete meses de governo, e é nesse momento que começam as cobranças. O que o senhor vai fazer? 

Sérgio Cabral:  Dácio, as cobranças começaram no primeiro dia...

Ancelmo Gois: [interrompendo] Governador, desculpa interromper, mas o senhor é, talvez, o primeiro governador do Rio, em trinta anos, que assumiu com um grau de confiança que, no Rio, não é comum. Os últimos 30 anos foram marcados por governos populistas, que dividiam o estado e a cidade do Rio de Janeiro. Então, o senhor chega com muita esperança, quer dizer, o senhor tem que entregar alguma coisa, porque é muita esperança. Há uma vontade muito forte e muito consolidada, tanto no interior como na capital, de “chega de dar errado, chega de populismo, chega de brigar com Brasília, vamos levantar o Rio”. Como o Dácio falou, em algum momento, o senhor vai ser cobrado.

Sérgio Cabral:  Claro, e eu estou pronto para ser cobrado, essa é minha responsabilidade, fui eleito para isso. Acho que o segredo, Ancelmo, é "10% de inspiração e 90% de transpiração" [referência à frase famosa de Albert Einstein], trabalhar, trabalhar, ter planejamento, ter rotina, reuniões periódicas para organizar o orçamento e organizar a aplicação de recursos. E tenho procurado verificar o que é conjuntural, o que é de médio prazo e o que é de longo prazo. Na área de segurança,  estou muito confiante na minha equipe, nos resultados que ela vai fornecer à população.  E por isso eu acredito que em seis, sete, oito meses, evidentemente, ainda ocorrerão problemas, mas nós teremos um outro ambiente no Rio de Janeiro.  Eu estou aqui para ser cobrado.

Paulo Markun:  Vamos fazer mais um intervalo, e voltamos logo com a entrevista desta noite, que é acompanhada por Henrique de Freitas, professor de educação física; Felipe Mantovan, diretor de criação e artista plástico; Ivan Salomão, estudante de administração. 

[intervalo]

Paulo Markun: Governador, a pergunta é de Terezinha Vicente Ferreira, de São Paulo: qual é sua opinião sobre a legalização das drogas? O senhor mudaria alguma coisa se houvesse uma legislação estadual?

Sérgio Cabral: No Senado, tive muito prazer, muita satisfação profissional como legislador, de ser o relator da lei federal da descriminalização do usuário de drogas [Lei 11.343/06, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, define medidas para prevenir o uso indevido e reinserir socialmente os usuários. Também normatiza a repressão ao tráfico]. Ela foi construída inicialmente no Senado lá atrás, muito capenga e, na Câmara dos Deputados, foi aperfeiçoada pelo deputado Paulo Pimenta, retornou para o Senado e eu pude construir um processo muito interessante de relatoria, envolvendo o deputado federal Fernando Gabeira [ver entrevista com Gabeira no Roda Viva], o então deputado estadual Carlos Minc [então secretário de Meio Ambiente do governo de Sérgio Cabral], o general Paulo Roberto Uchôa, secretário nacional Antidrogas, general Jorge Felix, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.  Basicamente, esses quatro personagens trabalharam junto comigo na elaboração de uma lei que tira o usuário da vara do traficante e o leva para o juizado especial, que proíbe a prisão em flagrante do usuário. Isso era um objeto de extorsão, de uma demanda de policiais para algo de menor relevância do que combater criminoso. Quer dizer, pela lei, o policial faz o registro e manda para o juizado especial.

Paulo Markun: Mas, entre isso e a legalização, há um salto grande, parte da sociedade não aceita.

Sérgio Cabral:  Eu vou chegar lá. Então, essa lei não é uma idéia minha, é uma lei que o presidente Lula sancionou e que é extremamente importante no avanço do país em relação às drogas, sobretudo aos usuários. Por outro lado, a lei também endureceu com o tráfico. Eu, recentemente, dava um entrevista ao [jornal norte-americano] The New York Times e disse o seguinte: “este é um tema que os Estados Unidos não tiveram coragem de entrar, mas que é fundamental para os países de Primeiro Mundo discutirem com especialistas, com a Organização Mundial de Saúde, com a Organização das Nações Unidas, para verem a relação custo-benefício da proibição das drogas, sobretudo para os países em desenvolvimento". Isso porque a droga é vendida em Nova Iorque, em Paris, aliás, com percentual de consumo muito maior que no Brasil, mas não há essa matança que acontece nos países em desenvolvimento. Agora, eu não sou especialista, eu levaria esse tema para discussão, tem que ver o que é pior.

Mário Simas Filho: Legalizar, nessas condições, não seria admitir uma derrota, ao tráfico? 

Sérgio Cabral: Não, o tráfico é uma atividade econômica paralela encontrada por esses meninos, de maneira semi ou mal organizada, para vender um produto proibido, mas desejado por parte da sociedade. 

Mário Simas Filho: Mas é ilegal porque é proibido. Na hora em que ficar legal, essa atividade passa a ser lícita?

Sérgio Cabral:  É evidente, mas não estou te dizendo para legalizar maconha, cocaína, crack, etc, mas estou dizendo que precisamos discutir o assunto. Há drogas leves e pesadas, quer dizer, eu acho que a área de saúde, por exemplo, tem que estar próxima a essas discussões. Vamos ouvir especialistas em drogas, as repercussões negativas que causam nas pessoas, como  controlar isso, fazer campanhas educativas, o que tem, hoje, de jovens morrendo direta e indiretamente pelo tráfico...Então, vamos mensurar esse prejuízo em vidas e verificar o que é isso. A Europa está com muito mais coragem nesse debate do que os americanos.

Renata Lo Prete: Governador, queria aproveitar para fazer uma pergunta sobre política, que eu acho que faltou. O senhor é muito habilidoso, mede muito as palavras para falar de aliados, adversários, aliás, a gente tem a impressão que o senhor nem tem adversários neste momento. No entanto, ao longo da entrevista, o senhor disse coisas como: "a polícia estava muito politizada", "os hospitais estavam muito politizados", "os gastos de custeio explodiram". Eu queria perguntar, objetivamente, que governo o senhor recebeu na governadora Rosinha Garotinho, que governo o senhor herdou no Rio de Janeiro? 

Sérgio Cabral:  Olha, eu disse na campanha que faria um governo absolutamente de independência, quer dizer, eu não disputei uma eleição sem ter conhecimento da estrutura. Mas, quando cheguei ao governo e verifiquei...

Paulo Markun: [interrompendo] Era pior? 

Sérgio Cabral:  Era pior. Agora há programas que  eu não vou abrir mão de manter, que são bons, como a Delegacia Legal, que é um programa de informatização das delegacias, onde o cidadão presta a informação e a audiência já é marcada.  Quer dizer, isso é um avanço fantástico, é modelo. A Farmácia Popular do Brasil [programa criado em 2003, para permitir o acesso aos principais medicamentos, por baixo custo] é um programa para atender idosos, muito interessante. Agora, como eu vou manter o Cheque Cidadão [programa estadual de transferência de renda criado em 1999. É uma das principais marcas dos governos de Anthony e Rosinha Garotinho, especialmente junto à população mais pobre] se tem um programa chamado Bolsa Família, que é muito mais racional? Fui verificar que cheques eram entregues nas mãos de pessoas sem cadastro ou controle.

Denise Rothenburg: Se o senhor acabar com o Cheque Cidadão, o senhor não mata o Anthony Garotinho politicamente?

Sérgio Cabral: Imagina se eu estou pensando nisso!  Renata e Denise, no dia primeiro de janeiro, o retrovisor foi jogado fora, imagina se eu vou pensar em matar politicamente uma marca ou não!

Renata Lo Prete: Houve auditoria no Cheque Cidadão. Encontrou muita fraude lá? 

Sérgio Cabral: A secretária [de Assistência Social e Direitos Humanos do estado do Rio de Janeiro] Benedita da Silva me entregou o relatório inicial. Nós estamos fazendo a migração [para o Bolsa Família], já assinamos o convênio com a Caixa Econômica Federal. Essa migração deve ser finalizada em três meses.

Paulo Markun: Última pergunta, nós temos um minuto.

[...]: Redução da maioridade penal.

Sérgio Cabral: Sobre a maioridade penal, estou indo indo a Brasília, com os governadores José Serra, Aécio Neves e Paulo Hartung [governador do Espírito Santo], cada um vai levar sua proposta. O artigo 22 da Constituição Federal, que fala das atribuições exclusivas da União, prevê leis complementares que possam passar aos estados responsabilidades nas questões que são exclusivas da União, dentre elas, a matéria penal. Minha proposta é que se faça uma lei complementar para que os estados possam legislar sobre temas...

[...]: Vai fugir da cláusula pétrea, é isso? 

Sérgio Cabral: Não, não é clausula pétrea. O artigo 22 permite que os estados possam legislar sobre matérias penais, desde que aprovadas no Congresso Nacional. Aí vamos tratar de aumento da pena, do menor infrator. E eu defendo que a redução da maioridade penal possa ser aprovada de acordo com o crime cometido pelo menor, por interpretação do Ministério Público e decisão do juiz.

Paulo Markun: Governador, o senhor não acha que esse tipo de posição contraria, num certo sentido, a opinião social?

Sérgio Cabral: Qual posição?

Paulo Markun: Sobre a maioridade penal.

Sérgio Cabral: Markun, se um menor de 15, 16, 17 anos entra em sua casa e mata sua família, o promotor tem que ter o direito de pedir ao juiz que o menor tenha a sua maioridade penal aprovada.

Paulo Markun: Reduzida? 

Sérgio Cabral: Não, que ele seja emancipado e tido como maior de idade, como é no caso civil, em que os pais podem até pedir antecipação de maioridade.

Paulo Markun: Mas o senhor não defende a idéia de que é para todo mundo?

Sérgio Cabral: Não! Minha proposta é que, de acordo com o crime cometido pelo menor, o Ministério Público tenha condições legais de solicitar ao juiz a antecipação da maioridade penal. E defendo, fundamentalmente, que os estados possam legislar, pois São Paulo e Rio de Janeiro não têm a mesma realidade do Acre. Nos Estados Unidos, o caso do menino João Hélio, um caso bárbaro, teria cinqüenta interpretações diferentes, de acordo com os estados americanos. Os estados brasileiros precisam ter mais autonomia legislativa. A severidade é maior, a pressão da sociedade é maior, a eficiência legislativa é melhor.

Paulo Markun: Governador, obrigado pela sua entrevista. Nós voltamos na próxima segunda-feira, às dez e quarenta da noite, com a entrevista da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius. Até lá.

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