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Jorge Escosteguy: Boa noite! Vamos falar de política no Roda Viva que está começando, agora, pela TV Cultura de São Paulo. No centro da roda está o senador pelo Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB, Mário Covas. Lembramos que o Roda Viva também é transmitido pela TV Minas Cultural e Educativa, TVE do Ceará, TVE do Piauí, TVE da Bahia, TVE de Porto Alegre e TVE o Mato Grosso do Sul. O senador Mário Covas completa 62 anos, agora, no próximo dia 21 de abril. Começou como deputado federal eleito pelo PST, foi caçado pelo AI 5 em 1969, foi um dos fundadores do antigo MDB [Movimento Democrático Brasileiro], exerceu o cargo de prefeito nomeado em São Paulo, durante o governo Montoro, senador eleito pelo PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] em 86, com quase 8 milhões de votos. Fundador do PSDB, disputou a candidatura à Presidência da República em 89 e o governo do estado, em 90, perdendo as eleições. Para entrevistar o senador Mário Covas esta noite no Roda Viva, nós convidamos Almir Gajardoni diretor de redação da revista Super Interessante, da Editora Abril; Antônio Carlos Ferreira repórter, da TV Globo; Jean Rocha, correspondente do jornal The Guardian; Marcelo Bauer, repórter de política do jornal O Estado de S. Paulo; Ottoni Fernandes, jornalista da Gazeta Mercantil; Milton Abrúcio, editor assistente da Editoria Brasil, da revista Veja; Marcelo Parada, editor de política da revista Isto É/ Senhor; e Andrew Greenlees, editor de política do jornal Folha de S.Paulo. Na platéia, assistem ao programa, convidados da produção. Você que está em casa e quiser fazer perguntas por telefone, pode chamar 252-6525, 252-6525. A Shizuka, a Cristina e a Ana estarão anotando as perguntas. Boa noite, senador!
Mário Covas: Boa noite!
Jorge Escosteguy: O senhor já tem candidato a prefeito de São Paulo?
Mário Covas: Tenho, aquele que for o candidato do meu partido.
Jorge Escosteguy: E o que o senhor acha do senador Mário Covas?
Mário Covas: É! Seria um bom candidato, eventualmente. Pelo que eu ouço falar por aí, seria um bom candidato! Já foi um bom prefeito, diga-se de passagem – comparativamente considerando –, até um bom prefeito, mas não é candidato. Certamente, o partido terá um candidato, e é esse o meu candidato.
Jorge Escosteguy: Não é candidato por que não está candidato, ou não é candidato por que não quer ser candidato?
Mário Covas: Não, eu acho que não é apenas porque não quer. Eu acho que eu fui candidato a duas eleições consecutivas, fui candidato à Presidência da República, candidato a governador do estado, em duas eleições sucessivas, algumas delas até com extrema dificuldade. E cumprindo algo que além de ser aspiração de natureza pessoal, era tarefa partidária. Eu fui candidato a presidente um ano depois do partido ter nascido, isso não é fácil. Eu cheguei em estados no país, onde o partido não existia, nos quais, descendo-se do avião, não tinha ninguém para esperar o candidato. E ainda assim, acho que honramos o processo de tal maneira que, no final, o partido tem quase 12% dos votos, ficamos em quarto lugar. Acho que foi uma excelente oportunidade para o partido ampliar os seus quadros, as suas bases. Já no ano seguinte, até em função disso, eu não queria ser candidato a governador do estado. Achava que outra figura dentro do partido – que as têm em quantidade – deveria ser candidato. Todavia, houve uma insistência grande, no sentido de que eu deveria ser candidato, fui. Acho que o partido tem outros nomes, ninguém nos nega isso. Podem nos negar uma série de coisas, mas ninguém nega que o PSDB possui uma quantidade enorme de quadros, da melhor qualificação. E acho que até para o partido não é conveniente que ele apareça em cada candidatura com a mesma cara, com a mesma figura. Acho, por outro lado, que tenho o direito, neste instante, de não concorrer a essa eleição. Concorri a duas eleições sucessivas, e isso é um desgaste de natureza física e de natureza política extremamente grande. Olha, uma pergunta vai vir mesmo e eu já vou me antecipar: não tem nada a ver com ganhar ou perder, se essa fosse a pergunta, a que você não fez.
Jorge Escosteguy: Qual seria a pergunta?
Mário Covas: Se eu estou com medo de perder; está implícita na sua fisionomia [risos].
Jorge Escosteguy: Até porque eu ia lhe perguntar. O senhor dizia que o PRN [Partido da Reconstrução Nacional] era um partido tão novo e desconhecido, por exemplo.
Mário Covas: Eu não diria do PRN coisa nenhuma, eu diria o que você está me perguntando, e ao que você está me perguntando eu vou responder da seguinte maneira: eu acho que numa campanha – aliás, deveria fazer parte do currículo da cidadania: a cada cidadão deveria ser obrigatória a participação no processo eleitoral. Porque é um instante tão rico, tão profundo, tão significativo, é um instante de entidade popular tão enriquecedor, que o cidadão deveria ser obrigado, uma vez na vida, a ser candidato. De forma que não se perde eleição: sempre se ganha. Pode não se ser vitorioso, pode não se ser o que teve mais votos, mas sempre, o processo é de uma tal riqueza, que você sempre vai sair ganhando.
Jorge Escosteguy: Nada de campeão moral?
Mário Covas: Não, nada de campeão moral.
Antônio Fernandes: Mas ganhar eleição não é bom?
Mário Covas: Se ganhar eleição não fosse bom eu não o tentaria fazer em duas oportunidades.
Antônio Fernandes: Você já tem oito milhões de votos como senador. O senhor é o nome mais forte no PSDB, numa eleição em que está, mais ou menos, indefinida a candidatura do PMDB. Agora, o senhor aceitará a prévia partidária?
Mário Covas: Vou analisar os três argumentos. “O senhor teve oito milhões de votos”: eu os terei tido em todas as eleições que ocorrerem daqui pra frente, então, com esse argumento, eu serei candidato sempre, porque, afinal, eu tive oito milhões de votos. Isso é um fato já acontecido, portanto, ele será sempre lembrado em qualquer circunstância. O meu partido... olha, na última eleição para governo do estado, o candidato que ganhou a eleição começou a eleição com uma votação insignificante, numa pesquisa, uma votação insignificante! O processo oferece oportunidade de ganho. Eu raciocino dessa forma, tenho essa pretensão, acho que é assim, acho que para o próprio partido, a conveniência não seria a reiteração, a repetição de uma candidatura, mas sim a colocação de um nome – eu volto a insistir –, o que não falta ao PSDB.
Andrew Greenlees: Senador, o PSDB tem duas bases, digamos assim: Ceará e São Paulo. São Paulo, principalmente, pelos nomes que o compõem etc. Se sair em São Paulo com um nome pouco competitivo, já não é o primeiro passo para acabar com o partido? Quer dizer, qual é o futuro do partido que perde em um dos seus principais centros?
Mário Covas: Mas é! Vamos raciocinar pelo lado contrário: se o partido só tem um nome para concorrer em todas as eleições, ele está fatalmente acabando de morrer. O partido tem vários nomes com credenciais eleitorais, testados em vários casos. Ninguém vai negar a qualificação, particularmente em São Paulo, dos quadros do PSDB. Isso ninguém nos nega, essa que é a verdade! É possível que no instante inicial, no instante inicial de uma campanha, as medições feitas, sequer refletem preferências. Elas refletem, na maioria das vezes, conhecimento. Eu vi outro dia uma pesquisa no jornal – eu não gosto de pesquisa –, mas eu vi uma pesquisa no jornal, e a pesquisa dizia o seguinte: ela dava um quadro da situação atual, mas imediatamente ela pesquisava outra coisa, isto é, qual era o grau de conhecimento de cada um de nós. Parece-me, se não estou errado, que o grau de conhecimento era refletido da seguinte maneira: para mim e para o Paulo Maluf o grau de desconhecimento era de zero, aqui na cidade de São Paulo, por várias razões: ambos já fomos prefeitos aqui, ambos participamos das duas últimas eleições de prefeito, de presidente e de governador. O Suplicy, que vinha em seguida, e que já participou de uma eleição de prefeito, já participou de uma eleição de governador, foi candidato a senador recentemente, tinha 4% de desconhecimento. Qualquer outro nome entre os considerados tinha mais de 25% de desconhecimento. É evidente que, se apenas 75% das pessoas conhecem – de um conjunto –, conhecem o candidato, ele, desde logo, não pode ter 25% das preferências, a não ser que a pessoa vote em loteria! Senão, nessa fase inicial, a projeção é feita em torno de preferências implícitas, ela é feita em torno de grau de conhecimento. Lógico que a pesquisa, ao longo do tempo, acaba refletindo uma tendência. Pesquisa só vale assim e é um fato dinâmico. Cada uma que você faz é uma fotografia, um instantâneo daquele momento. Ela só tem significado e se transforma num filme na hora em que se coloca uma série de imagens sucessivas, porque aí ela mostra movimento, ela mostra tendência. Aí, ela mostra como é que está se comportando o eleitorado.
Marcelo Parada: Senador, o senhor deveria convencer os seus colegas da Câmara Municipal de São Paulo, que estão um pouco assustados com a possibilidade do senhor não ser candidato. Ficaram um pouco assustados com a possibilidade de um outro candidato assumir esse lugar, porque daí, a situação deles também estaria um pouco ameaçada.
Mário Covas: Não creio que eles estejam assustados com isso. Eles estão preocupados com a definição do problema. Que, aliás, também não é nenhum fato extremamente urgente, não. Eu vi um partido que tem o governo do estado [referência ao PMDB, partido do então governador Luiz Antônio Fleury Filho] fazer uma convenção, outro dia, que não apontou o candidato; eles têm uma responsabilidade de apontar candidato muito maior do que a nossa! Eu vejo o candidato que aparece em primeiro lugar nas pesquisas sem ter dito agora se é candidato ou não é candidato. Sabe por quê? Porque, no fim, está todo mundo esperando o que é que o PSDB vai fazer. Até mesmo o candidato que já é candidato saiu antes, exatamente por isso. Pelo menos eu li uma entrevista, em que uma pessoa muito chegada a ele dizia o seguinte: “Ele vai sair já, que é para amanhã o PSDB não dizer que foi prejudicado por ele”.
Antônio Fernandes: Agora, senador, a hipótese do PSDB não lançar um candidato próprio não favorece uma coalizão?
Mário Covas: Não creio. Não creio. O partido é um partido forte. Aqui em São Paulo tem uma série de figuras e, portanto, o partido tem como objetivo lançar candidatura própria e disputar em igualdade de condições, a candidatura feita. Eu não tenho a menor dúvida a esse respeito. Portanto, ele deve ter candidatura própria. Eu acho que o processo de dois turnos é quase um processo que conduz a isso. É um processo em que, no primeiro turno, os partidos oferecem as suas opções pessoais para, num segundo turno, então, em função do resultado ocorrido, haver as alianças, e isso tradicionalmente ocorre num segundo plano, num segundo estágio, que é essa eleição do presidente da República. Com certeza, candidatos que, afinal acabaram – pelo menos grande parte deles, alguns que por sinal não são chamados de indecisos –, não dizendo nada a respeito do que fariam no segundo turno. Eu me lembro de ter visto aqui neste programa, nesta "roda viva", o governador de São Paulo, com a responsabilidade de governador, quando perguntaram em quem ele tinha votado no segundo turno da eleição de presidente, ele disse pura e simplesmente “Bem, o voto é secreto, o meu vai continuar secreto”, e não dizer à população de São Paulo, que o havia eleito governador em quem ele iria votar no segundo turno! O PSDB não tem essa posição. O PSDB simplesmente se reuniu, discutiu democraticamente o assunto e apoiou uma das duas candidaturas. É engraçado porque a nós se debita uma indecisão e a quem ficou na posição do anonimato, se esconder e não se definir, todo mundo recebe isso com uma certa graça. Porque essa esperteza que domina na política e que reveste algumas figuras, as quais se aceitam porque, já se sabe que é assim...
Jorge Escosteguy: Não são, rigorosamente, apenas os adversários do PSDB que o chamam de indeciso, não.
Mário Covas: A mim?
Jorge Escosteguy: Não, ao PSDB. Eu estou aqui com um panfleto – não sei como posso chamar isso –, uma folha de apoio ao deputado Getúlio Hanashiro [deputado estadual pelo PMDB (1986) e PSDB (1990), foi secretário municipal dos Transportes nas administrações de Paulo Maluf e Celso Pitta], por exemplo, que diz é preciso acabar com esse clima de indecisão, que só gera angústia e até derrotismo. Inclusive, que foi procurado [possivelmente, uma referência ao autor do panfleto] por várias pessoas adeptas à candidatura do deputado Getúlio Hanashiro, que dizem que a indecisão do PSDB está justamente na sua indecisão de ser ou não candidato, e que hoje haveria, inclusive, uma reunião do diretório municipal, que estava sendo esvaziada à espera da sua decisão.
Mário Covas: A minha decisão?
Jorge Escosteguy: A sua decisão.
Mário Covas: A minha decisão foi tomada um ano atrás, gente! Ou eu só tomo decisão na hora que eu disser “sim”? É engraçado! Enquanto eu não digo “sim”, eu não tomei a decisão! Eu disse um ano atrás, imediatamente após a eleição do governador, que eu não seria candidato a prefeito. De lá para cá, em nenhum instante eu deixei entender, ou fiz alguma declaração, ou tive alguma atitude que pudesse levar a crer diferentemente. Pelo contrário, eu tenho até sido peremptório! De repente, eu comecei a ser convidado para programa de televisão e rádio, onde me perguntam exatamente isso. Mas este ano eu até fiquei no esquecimento. Mas agora, repentinamente, eu passei a ser muito convidado. E a pergunta sempre me é colocada. Eu não estou falando diferente hoje do que falei um ano atrás, em nenhum instante.
Jorge Escosteguy: Senador, o senhor teria respondido, já, por exemplo, ao telespectador, Luiz Alves Filho de Jaraguá, aparentemente um eleitor do PSDB, que pergunta: “Quando o senador vai sair de cima do muro e tomar uma decisão política, antes que o partido afunde?”.
Mário Covas: Olha, para descer do muro precisa subir primeiro. A minha vida política não é uma vida em cima do muro. Eu não fui eleito para combater o regime militar e [depois] fiz acordo com o regime militar. Eu não fui eleito senador com determinado objetivo e adotei, por medo, por covardia, uma posição diferente depois que estava no cargo. Eu me decidi com clareza em todas as oportunidades da minha vida política e particular. Quando o partido disse para mim “você tem que ser candidato à Presidência da República” era uma tarefa que não me agradava. Eu não saí do partido, que ajudara a construir, para ser candidato em outro, até porque se eu fosse candidato, era mais fácil sê-lo em cima de uma base mais forte, que era a base do partido em que eu estava. Eu não saí do partido para esse objetivo. No entanto, colocado o problema, achei que era meu dever naquele instante fazer isso, porque o partido iria se alimentar daquela atividade, iria se alimentar daquela eleição. Isso de fato ocorreu: nós acabamos tendo, no Rio de Janeiro 14%, dos votos, estado onde o Brizola é forte, o PT [Partido dos Trabalhadores] é forte, onde o próprio PMDB tinha uma posição forte. Nós tivemos em Brasília a segunda votação, em percentual, do estado. Nós tivemos nesse estado uma votação excepcional, de forma que eu acho que o partido cresceu naquele instante, a partir daquele fato. Dava para ver que, finalmente, previamente, que era muito difícil o sucesso naquela eleição. Normalmente, nós fazemos isso na eleição de governador. Eu não tenho na minha história de vida nem um instante de não afirmação. Sabe, quando eu era prefeito, eu vinha neste programa e me diziam: “o senhor é centralizador, o senhor quer saber de tudo, o senhor segura tudo nas suas mãos, o senhor não deixa ninguém dar palpite, só o senhor quer falar”. Essa é a figura do indeciso? Eu quero que você me traga a figura política para comparar aqui. Essa história de indeciso nasceu num programa do Jô Soares, nasceu quando o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia foi a esse programa e contou essa história, que vou me dar o luxo de repetir aqui, porque estou repetindo aqui o que ele falou, ele disse: “Olha, o PSDB é tão indeciso que se o candidato estivesse em cima de uma parede com dois banheiros em baixo, ele não sabia em qual ele fazia xixi”. E eu fui claro em Araçatuba e fui realmente questionado a esse respeito: “Ontem o governador disse isso lá no programa do Jô Soares, o que o senhor tem a dizer?” Eu disse: “Olha, eu não tenho nenhuma dúvida. Se essa circunstância, essa situação se apresentasse, eu olharia para baixo e veria onde estivesse o governador Orestes Quércia, localizado o esgoto e saberia onde faria [o xixi]. Eu não teria nenhuma dúvida a esse respeito”. Isso foi reproduzido, depois, por uma série de pessoas, uma série de partidos, inclusive. Agora, eu gostaria de saber, que alguém me apresentasse ao longo da minha história política, se não é rica! É tão comum quanto dos outros. Até quando a ditadura se apresentou, que muita gente calava a boca, eu estava em cima da tribuna, ou eu estava na W3 [uma das principais avenidas de Brasília, palco de manifestações públicas, sobretudo políticas], na frente da passeata dos estudantes, ou eu estava na Praça da Sé [em São Paulo], ali onde o movimento sindical ainda encontrava forças para resistir. Eu quero saber onde é que estavam os que acusam a gente de indeciso? Eu quero saber quem é que me conta uma atitude na minha vida que tenha mostrado, do ponto de vista político, indecisão. Isso não tem a ver, a respeito, se eu gosto de uma pessoa ou não gosto de uma pessoa. Eu tenho propensão a gostar de todo mundo; eu passo a não gostar quando acabo por conhecer o caráter da pessoa. Aí, sim, me criam processos decisórios que mantêm uma certa indecisão. Do ponto de vista político eu sempre fui homem de absoluta... olha, eu larguei a liderança da Constituinte, do maior partido na Constituinte – era a segunda figura da Assembléia Constituinte –, para fazer ou conviver com grupos de pessoas que se voltaram para a aventura de criar um novo partido político, simplesmente porque deixei de acreditar no anterior. Não é porque eu tivesse algum problema dentro dele, não! É porque deixei de acreditar naquilo que ele fazia, na não-manutenção dos compromissos assumidos. É possível até que eu esteja errado, não sei. Mas essa foi a minha decisão.
Antônio Carlos Ferreira: A fama que o PSDB tem de indeciso tem várias origens, mas o senhor não acha que uma delas pode ter sido originada no senhor mesmo, quando em outras eleições, na eleição para governo e na eleição para a Presidência, o senhor também negou, peremptoriamente, usando o seu termo, e na última hora acabou decidindo?
Mário Covas: A pessoa que me anunciou que eu deveria ser candidato a presidente está aqui presente nesta sala hoje: foi o Andrew [referindo-se ao entrevistador Andrew Greenlees]. Ele estava, naquele tempo, representando a Folha [jornal Folha de S.Paulo] em Washington. E foi ele que, me encontrando lá – eu estava fazendo uma palestra na John Robson University –, chegou para mim e disse: “Olha, o Montoro foi hoje à direção do partido em Brasília” – eu estou correto ou não? – “e acaba de declarar à direção nacional que não é candidato, e já há um movimento grande no sentido de você ser candidato”. E eu, quando cheguei aqui, acabei aceitando essa responsabilidade. Na eleição de governador, eu realmente não queria ser. Eu só fui porque o partido entendeu que eu deveria ser e eu cedi àquilo que não era a minha vontade.
Antônio Fernandes: Mas isso pode ter contribuído à fama de...
Mário Covas: Não sei por que isso representa uma indecisão. Que eu não queria ser, ficou patente. Que eu cedi àquilo que foi a argumentação de alguns companheiros, isso é fato, também. Isso representa uma indecisão? Não, isso representa a consciência de que você, membro de uma coletividade, você tem uma vontade pessoal, e ali, onde sua vontade pessoal não pode se sobrepor à vontade do conjunto, aí você cede. O que tem isso de indecisão? Em quantas candidaturas seu Paulo Maluf disse que não era candidato e o foi? E alguém o chama de indeciso? Não, isso parece esperteza! Eu vi o Orestes Quércia dizer outro dia que não é candidato a presidente da República, e todo mundo que estava em volta deu risada. Mas se aceitou; ninguém chamou de indeciso por causa disso. Eu não faço isso de indústria. O jornal dele fez uma pesquisa ontem, uma pesquisa para prefeito, e põe o resultado do Serra [José Serra], o resultado do Maluf, o resultado do Silvio Santos e o resultado do Eduardo Suplicy. Desses que aí estão, o único que não disse que não era candidato foi o Suplicy, que disse que era. Bem, mas há algum lance nisso? Alguém está fazendo algum jogo escondido? Não, eu só posso dizer o que eu penso, o que eu acho. E eu digo isso transparentemente, às claras. Fora disso, eu discuto com os meus companheiros, eu sou assim porque ...
Milton Abrúlio: O deputado Serra também disse que não é candidato.
Mário Covas: Tudo bem. Na medida em que eu reservo para mim o direito de tomar uma decisão dessas, eu não posso trair a dos outros. Eu até espero que ele leve em consideração a possibilidade de ser.
Marcelo Bauer: Em 1990 o senhor acabou assumindo a candidatura só às vésperas da eleição. Só na véspera. Quer dizer: esse ano os tucanos [partidários do PSDB] podem ter essa esperança de que na véspera o senhor ceda aos desejos deles?
Mário Covas: Mas se eu disser para você que sim, eu estou destruindo tudo o que eu estou dizendo aqui. Eu tenho uma firme posição tomada. Agora, eu pretendo ficar vivo mais 150 anos. Se eu morrer antes disso, significa que eu não quero isso? Não, eu não pretendo ser candidato, não! O meu desejo é não ser candidato, eu não quero ser candidato e, no que depender de mim, eu não vou ser candidato. E ainda adoro esta cidade, está bom? Acho que tive na minha vida várias experiências políticas significativas. Nenhuma delas teve a dimensão de ser prefeito desta cidade: nenhuma! Ao contrário do que todo mundo diz, esta é uma cidade profundamente humana. Todo mundo cansa de dizer que “aquela cidade é desumana”. É conversa! Essa humanidade, esse sentimento de solidariedade, essa coisa cresce, inclusive, do centro para a periferia. E quem for prefeito, que deseja sair para a rua e fazer uma administração, lá, onde está o povo, vai sentir isso com total procedência. Eu tenho um exemplo de vivência, durante o período em que fui prefeito, extraordinário. Significa que eu não amo esta cidade? Que eu não quero? E que eu não desejo que o meu partido assuma isso? Não! Eu simplesmente acho que não sou, neste instante, a figura indicada para cumprir essa tarefa. Acho que o partido tem quadros da melhor qualificação – e ninguém nos nega isso, volto a insistir –, capazes de responder a essa empresa, hoje.
Jorge Escosteguy: Senador, o Almir Gajardoni tem uma pergunta. Antonio e Marcelo, por ordem.
Almir Gajardoni: Eu queria mudar de assunto. [risos]
Mário Covas: Se não esgotou a ele, esgotou a mim.
Jorge Escosteguy: Ele respirou aliviado. [risos]
Almir Gajardoni: Quando nós nos encontramos aqui, antes de começar o programa, eu e o Antônio perguntamos pelo seu regime.
Mário Covas: Pelo meu regime?
Almir Gajardoni: Pelo seu regime.
Mário Covas: E eu respondi que era o parlamentarismo.
Almir Gajardoni: Eu estava pensando nas suas “gordurinhas”, mas o senhor prontamente me respondeu que o seu regime é o parlamentarismo.
Mário Covas: É verdade. Embora o médico preferisse que eu fizesse outro. [risos]
Almir Gajardoni: Eu acho muito simpático o parlamentarismo, também. Agora, o parlamentarismo depende da existência de partidos que funcionem, partidos fortes, partidos engrenados e tal. E é uma coisa que eu até hoje não entendi muito bem. Eu gostaria de ouvir uma explicação sua. A saída de vocês, os tucanos, do PMDB, quando se estava começando a estruturar o regime democrático, depois do fim do regime militar. Quer dizer, não foi uma coisa muito apressada, não? Se o PMDB, hoje, tivesse o tempero dos tucanos lá dentro, quer dizer, ele não seria um partido muito melhor, talvez um partido capaz de levar essa construção democrática para a frente?
Mário Covas: Grande parte dos quadros do PDT [Partido Democrático Trabalhista] de hoje, dos que já atuavam anteriormente e que eram do PMDB, grande parte dos quadros do PT, pelo menos aqueles que já faziam política convencional, já vieram do PMDB. Você vem de uma época em que se tinha uma dicotomia, você tinha dois lados da briga. Você tinha um grupo “regime” e um grupo “contra o regime” [Arena e MDB]. De forma que tudo que se formou a partir daí, no instante em que você abriu a janela para a liberdade da organização partidária, fez sua origem nesse agrupamento inicial. É difícil você dizer se acertamos ou erramos, isso é uma coisa que a história vai dizer. O que nos pareceu a todos nós é que o PMDB parecia pouco propenso a cumprir os compromissos. Eu senti isso mais do que ninguém como líder da Constituinte, eu senti isso quando se discutiu o problema da reforma agrária, eu senti isso em uma série de oportunidades. Nem importa discutir qual é a melhor tese, importa discutir qual era a tese que o PMDB abraçava. E esse distanciamento acabou criando em cada um de nós a tendência à vontade para se articular, tentando explicitar uma nova proposição, uma nova proposta e, sobretudo, uma nova conduta, sobretudo, uma nova maneira de tentar viabilizar a política. Aquilo que você diz a respeito da existência de partidos fortes como exigência ao parlamentarismo, então, nós nunca vamos ter parlamentarismo. Porque uma coisa já é provada: o presidencialismo [sistema no qual um presidente, eleito por voto direto ou indireto, exerce o poder executivo, estabelecido no Brasil pela Constituição republicana de 1891] não nos dá partidos fortes. Nós temos 100 anos de presidencialismo e não temos partidos fortes, portanto, não vamos ter nunca.
Almir Gajardoni: Mas por que não temos partidos fortes? Não é porque é uma tendência do político brasileiro? Até dos bons políticos brasileiros?
Mário Covas: Não, eu acho que não. Nós não temos partidos fortes nos Estados Unidos! Nos Estados Unidos existem dois partidos fazedores de eleição [Partido Democrata e Partido Republicano]. Você tem dois partidos que fazem convenções extraordinárias, cheias de bolas de gás, mas os partidos desaparecem no dia seguinte à eleição. Porque no regime presidencialista o partido tem um significado muito menor. Ele tem um significado concreto no governo de partido, que é o governo parlamentarista. Aí é que passa a ter uma significação. A rigor, no meu modo de entender você, se o parlamentarismo prosperar, ele tem que prosperar acompanhado de pelo menos duas teses: ele tem de trazer no seu bojo uma reforma de natureza eleitoral, ele tem de caminhar para o voto distrital. Se você passar para esta grande metrópole que tem 5 milhões de eleitores, você vai verificar que a maioria sequer lembra em quem votou para deputado federal. O voto distrital é uma necessidade. No interior, o voto distrital já é um costume, você já tem votação distrital no interior de São Paulo. Aqui você não tem, e a distância entre o eleito e o eleitor é absolutamente, absolutamente, ciclópica [os ciclopes, segundo a mitologia grega, além de possuírem um único olho no meio da testa, eram seres gigantes extremamente fortes] é enorme, ele nunca mais tem contato com aquele que o elegeu. Pior: há candidatos que mudam o lugar onde vão buscar os votos a cada eleição que passa. A presença do poder econômico e da máquina na eleição dita proporcional [forma de votação para vereador e deputado, em que o partido tem direito, de acordo com a quantidade de votos que ele e seus candidatos receberam, a um certo número de vagas a serem preenchidas pelos candidatos que obtiverem as maiores votações] é absolutamente suspeita, por outro lado, a votação distrital dá um vínculo maior, dá uma cobrança permanente entre eleitor e eleito. Mais que isso: eu acho que uma reforma de natureza partidária se impõe, também. Por quê? Como, por exemplo, o negócio da fidelidade partidária, uma coisa que era combatível no tempo da ditadura, onde a fidelidade partidária era uma exigência para que o processo depositasse na mão do regime, em cada instante, a maioria. Hoje, com a liberdade da organização partidária, onde você pode escolher para onde ir, a realidade da fidelidade partidária se impõe. Não tem sentido a pessoa se eleger e deixar o partido depois por uma outra legenda.
Ottoni Fernandes: Senador Mário Covas, o jornal O Globo publicou hoje uma proposta de modelo parlamentarista do presidente Fernando Collor, não sei se o senhor viu mas, em linhas gerais, ele propõe eleição. A eleição a presidente continua sendo em dois turnos com mandato de seis anos, o presidente eleito indica um primeiro-ministro, que deve apresentar um programa de governo ao Congresso. Se esse programa for aprovado por maioria absoluta, ele indica um ministério, que podem ser tanto parlamentares como civis. Se não for aceito pelo Congresso, apresenta mais outro nome, enfim. O senhor deve ter visto. O que o senhor acha dessa proposta?
Mário Covas: Eu não vi a proposta na sua íntegra mas, a rigor, um dos problemas que se colocava ou se coloca em face do plebiscito, seja eminente, seja no próximo ano, é o fato de que não dá para o eleitor votar simplesmente na tese parlamentarismo ou presidencialismo. Ele precisa votar conhecendo que parlamentarismo é esse e que presidencialismo é esse. Até porque as mudanças... pode haver mudanças no presidencialismo, também. Como o que há hoje na emenda que foi aprovada na comissão da Câmara é a duplicidade dos objetivos. Em primeiro lugar, se antecipa o plebiscito; em segundo lugar, mantém-se a data inicial e fixa-se a data final para revisão constitucional, e se coloca um dispositivo que o próprio plebiscito poderá ter... regulamentar uma lei. Do ponto de vista formal, o que existe é um acordo de cavalheiros entre parlamentaristas e presidencialistas no sentido de que cada um formule a sua própria proposta, e essas propostas, depois, se incorporarem como propostas, a serem objeto da decisão. A decisão vai repousar em cima de fato concreto e não em cima de duas palavras, apenas, ou de duas abstrações. Não digo abstrações, mas em torno de duas coisas que apresentam gradações das mais variadas possíveis. Eu acho que um pouco – mais ou menos a minha visão específica –, é que nós devemos ter um presidente da República eleito o chefe de Estado, nós devemos ter um chefe de governo. Acho que não precisa, necessariamente, ocupar um cargo no gabinete sendo congressista. Isso é perfeitamente possível de recrutar figuras das mais respeitáveis fora do Congresso, na Assembléia Legislativa, nas câmaras de vereadores, na sociedade civil, enfim. Acho essa uma restrição muito dolorosa, uma restrição inconveniente. Acho que, necessariamente, você tem de ter peso e contrapeso, ou seja, se é possível o Congresso ou, eventualmente, a Câmara de Deputados dissolver o gabinete, inversamente, a Câmara pode ser dissolvida, também. É o sistema de peso e contrapeso que permite a sanção a quem tem o direito e, portanto, a cada momento que você dissolver uma maioria, você convoca o povo para definir, através de um processo eleitoral, uma nova maioria.
Jean Rocha: Senador, já que estamos falando do parlamento, no parlamento inglês, semana passada, foi criado um grupo suprapartidário para lutar contra a matança de crianças em vários países, mais especificamente, ou especialmente, no Brasil e na Guatemala. No Congresso brasileiro foi aprovado, agora, o relatório da CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] que investigava o extermínio de crianças no Brasil, inclusive na Câmara dos Deputados, deu-se uma lista de 103 nomes de pessoas que seriam matadores ou envolvidos. Mas eu não vi nenhuma reação de nenhum partido político, muito menos de partidos que, afinal, têm a defesa dos direitos humanos entre a sua ideologia, como os tucanos, de apoiar o relatório, de exigir mais medidas, enfim, de falar sobre esse assunto. Será porque também é um assunto que, em termos de eleições, é muito sensível, porque afinal têm umas..., bastante segmentos da opinião pública, que até apóiam matança de crianças. Por que os partidos políticos brasileiros não se manifestam sobre isso?
Mário Covas: Eu acho que, ao contrário, se nós temos, ainda, figuras dentro do Brasil que são capazes de, por uma razão de segurança pessoal, vesga e absurda, serem capazes de pensar na hipótese de que você pode caminhar na linha de eliminar crianças – e a gente sabe que é tão reacionário, que caminha, vai à noite para casa, num sinal luminoso, chega uma criança que vem pedir esmola, imediatamente, levanta o vidro, porque se fere com a própria visão daquilo que acontece, não é menos verdade que você tenha a contrapartida: que você tem um fato de que uma criança de doze anos de idade assassina um pai de família. Mas em qualquer circunstância, a condenação a esse fato, no que se refere ao PSDB é absoluta, esse não é um problema de saber se isso traz ou não vantagens eleitorais. Olha, não é [só] uma matança de crianças: a gente assistir à fotografia de uma criança de treze anos de idade com uma placa de “vende-se” nas costas?! E o problema se ramifica. Todavia, eu acho que algumas coisas cabem-se ressaltar neste instante, é que o processo democrático, com a transparência a que se obriga, já está oferecendo algumas oportunidades. Outro dia, eu discutia com um parlamentar e ele dizia: “mas afinal, isso vai acabar dando em nada, esse negócio dos ministros, da safadeza que ocorreu, não vai acabar dando em nada. Quem apura isso é o próprio governo, e ele não tem interesse de ver isso, não”. Hoje já não é assim, hoje a transparência leva a uma presença tão maciça da mídia, há uma presença tão intensa da opinião pública, que essas coisas tendem a desaguar em alguma forma de solução.
Jean Rocha: Mas qual é a solução do partido do senhor para acabar com a matança de crianças, para lidar com esse problema de menores abandonados, crianças de rua?
Mário Covas: Você tem, certamente – e eu dizia que a democracia contribui para isso –, certamente há outros países onde a transparência, hoje, seja menor, em que o fenômeno ocorre, e eles não apareçam na previsão do Congresso inglês, como especialidade, tal qual o Brasil e a Guatemala. De qualquer maneira, eu vejo um jornalista como o Gilberto [o jornalista e escritor brasileiro Gilberto Dimenstein integra a Comissão Executiva do Pacto da Criança, coordenado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância. Ver entrevista com Dimenstein no Roda Viva] fazer desse tema um tema constante da sua análise, com absoluta transparência, a permitir que a nação inteira tome consciência desse fato. Ora, você não vai resolver isso, é... eu me pergunto, às vezes, se nós não temos alguma deformação atávica, que nos diferencia dos ingleses, dos alemães ou de qualquer outra nação. Se nós temos um problema de natureza racial, fico com muito medo, porque se eu achar que nós temos um problema racial, que nos torna inferiores, eu reproduzo teses que são sustentadas pelo Hitler [Adolf Hilter (1889-1945) líder do partido nacionalista alemão ou Nazi, dirigente político da Alemanha entre 1936-1945, desencadeou a Segunda Guerra Mundial, sendo responsabilizado pelo extermínio de 6 milhões de judeus, além de militantes comunistas, homossexuais, ciganos e outros grupos minoritários]! Portanto, não é por aí. Então, o que é que faz com que essas coisas aconteçam no Brasil? O que é que faz com que se matem crianças se exterminem crianças, que deformação é essa? Que atavismo é esse de que padece a nossa sociedade que acaba desaguando em absurdos dessa contundência? Evidentemente, que eles não estão por aí, porque nós temos uma deformação de natureza étnica racial, eu acho que existem problemas. Eu vejo definir isso com muita clareza, numas das mais belas páginas que eu vi na minha vida, que é uma página de uma escritora ensaísta chamada Marina Colasanti [escritora ítalo-brasileira radicada no Brasil em 1948. Jornalista, artista plástica, tradutora, sua obra reúne crônicas, contos e fábulas, nas quais aborda, com singular sensibilidade, temas do universo feminino, o amor, a arte e problemas sociais]. Uma vez, eu vi um artigo dela de excepcional qualidade que me tocou muito, o nome do artigo era Menino de rua. E ela dizia exatamente isto: “o que são meninos de rua? Menino de rua é o resultado do cruzamento do asfalto com o meio fio? Da sarjeta com a chuva? Se você é menino da rua, seu pai e sua mãe supostamente estão ali”. Então, nós não temos meninos de rua, nós temos meninos na rua. Ou mudamos e criamos condições para que esses meninos não estejam na rua ou, então, as conseqüências de termos meninos na rua acabarão por ocorrer, por maior que sejam os cuidados que você tome. Não dá para debitar tudo à miséria e à situação econômica, não dá! Você dizer que “não pode fazer nada enquanto tudo não for feito” é conversa. Pode! E há como fazer, não há como o governo deixar de olhar esse fato, não há como ele deixar de priorizar a condenação a isso, não há como ele deixar de jogar todos os seus esforços na linha de mudar essa situação. Mas, se a gente não for às causas, não vai resolver os efeitos, se nós não dermos solução para as causas, não vai mudar seus efeitos. Por mais democráticos que sejamos, por mais civilizados que possamos parecer, por mais que importemos usos e costumes de países mais velhos ...
Jean Rocha: Sobre as discussões dessas causas, a gente vê, como o senhor disse, reportagens excelentes de Gilberto Dimenstein, de outras pessoas de imprensa. Mas a gente não vê os partidos políticos discutindo, seriamente, a questão de meninos de rua, as causas, a longo prazo, a curto prazo...
Mário Covas: Olha, eu não sei se não há discussão. Acho que há e há bastante. Quem sabe se eu vivo num foro onde me permite ver isso com mais freqüência. Lá, onde estou, eu vejo muito discutido o problema. Enfaticamente, discutido o problema. Eu não sei muito é se ele é um problema que merece a repercussão...
Andrew Greenlees: Senador, eu posso voltar à prefeitura [de São Paulo]?
Mário Covas: Pode.
Andrew Greenlees: O senhor falou, aqui, que o partido tem encontro anual etc. O senhor disse que o partido tem vários nomes etc. Mas, dentro daquela tese de que se o partido em São Paulo não tiver um nome competitivo, o partido vai mal e muito mal, quem, dentro do partido, hoje, é competitivo? Não vale “aquele” nome para fazer média. Quem é competitivo, hoje, no partido?
Mário Covas: Olha, se eu não quisesse responder à pergunta para você eu perguntaria a você “quem não é competitivo”. Nomes competitivos, eu tenho vários nomes. Meu Deus! Esse partido tem, em São Paulo – não são os únicos competitivos, eu reconheço que eles são, mas não são os únicos competitivos –, esse partido, você acabou de dizer, foi formado recrutando, quase fundamentalmente, aqui em São Paulo. Aqui em São Paulo tem um ex-governador do estado, aqui em São Paulo tem dois senadores, aqui em São Paulo tem nove deputados federais, aqui em São Paulo tem nove deputados estaduais, aqui em São Paulo tem seis vereadores na capital, aqui em São Paulo você tem um lote de quadros, alguns deles sequer com um mandato com representação, com absoluta capacidade de concorrer. Agora, dirá você: “bem, mas esses não estão testados numa pesquisa que hoje os aponte credenciados”. Meu Deus, ou eu aposto em partido ou eu aposto na figura! Se eu aposto na figura, então eu realmente fico muito limitado e, a partir daí, eu escolho sempre aquele que no primeiro instante está melhor nas pesquisas. Mas se fosse isso, a rigor, nós teríamos permanentemente, em todos os partidos, para todas as eleições, um único candidato! Evidente que não é assim! Agora, que você me diga que não há potencial em outras figuras do partido... mas é evidente que tem, é evidente que tem!
Andrew Greenlees: O senhor acha que em uma convenção em que, eventualmente, houvesse a disputa, o deputado Getúlio Hanashiro. Mas não disse que vai até o final, é isso?
Mário Covas: Que é absolutamente legítimo que ele o faça. Ele é membro do partido. Todo partido tem como regra geral fazer primárias da eleição. Como eu não vejo que se possa tirar o direito a ele ou a qualquer outro filiado do partido de participar dessa primária. Isso foi uma regra que nós todos nos impusemos, uma regra democrática que, aliás, eu já defendia quando estava no PMDB. Eu sustentava que a maneira mais lógica de você fixar quem é o candidato do partido é você consultar a todos os filiados do partido. A vida partidária, hoje, no que se refere à militância, ela se limita muito à assinatura de uma ficha e à eventualidade de um dia, em que você vai eleger o diretório no seu bairro, no seu distrito. Daí a presença de cada militante, cada filiado no partido na escolha do candidato ser alguma coisa que nós propusemos com uma necessidade inadiável. E é um acordo de cavalheiros do partido, e só não entrou no estatuto porque, naquele instante, a lei prescrevia de forma diferente, mas foi um acordo de cavalheiros e tem sido mantido. Eu, quando fui candidato a presidente, passei por uma primária; quando fui candidato a governador, passei por uma primária. E a primária é feita para que cada participante do partido tenha a prerrogativa inconteste de, querendo ser candidato, de poder se apresentar na primária. Eu não vejo porque ele não deva ser.
Jorge Escosteguy: Senador, no acordo de indecisos, foram colocados dois nomes. [Qual] a sua opinião sobre os dois como candidatos, José Serra e Getúlio Hanashiro? Inclusive, sobre Getúlio Hanashiro, mandou uma pergunta o Valter Sattas, membro do diretório municipal do PSDB.
Mário Covas: Mandou uma pergunta do quê?
Jorge Escosteguy: O que o senhor acha da candidatura do deputado Getúlio Hanashiro?
Mário Covas: Acho uma candidatura muito boa. Se ele quer ser candidato, acho uma candidatura muito boa, como acho a candidatura do Serra muito boa. Como não excluo a possibilidade e a potencialidade de outros nomes do partido.
Marcelo Bauer: Por exemplo?
Mário Covas: Por exemplo: você diria que o Fernando não é bom candidato?
Marcelo Bauer: Mas também não quer ser candidato.
Mário Covas: Ah, bom! E por que é que você aceita isso tranqüilamente e me inquire pelo fato de eu dizer que não sou candidato? [risos]
Marcelo Bauer: Não sou eu, são os militantes do partido que pedem. A gente ouve e traz aqui.
Mário Covas: Bom, então eu pergunto aos militantes do partido. Por que essa regra só serve para mim?
Jorge Escosteguy: De repente, é porque o senhor está no centro da "roda". [risos]
Mário Covas: Bom, também está certo: esse negócio, aqui, que a gente fica feito cristão aí no meio da... [risos]
Marcelo Parada: Senador, pra ajudar a entender um pouco esse processo, não sei, contaram uma história – aliás, pessoas do seu partido – de que no final do ano passado, o senhor emitia sinais dentro do partido de que seria candidato.
Mário Covas: Emitia sinais? [risos] S.O.S. [sinal, pedindo socorro, em código Morse]?
Marcelo Parada: Ao chegar de uma viagem, se deparou com os outdoors com o rosto do deputado José Serra estampado com grande destaque. E aí, o senhor não teria gostado muito daquela história e, aí, resolvido tirar o time de campo, definitivamente.
Mário Covas: A história não é verdadeira. Quando o jornalista em Brasília me perguntou, na minha volta da viagem, algo que ele já tinha me perguntado dez vezes e, eu, recebido idêntica pergunta. Se “o senhor seria candidato?”. Eu disse: “Não sou candidato”. Ele disse: “Mas se você não é, quem vai ser?”. Eu disse: “O partido tem uma série de nomes, alguns deles até já colocados como candidatos”. Foi esse o sentido da minha colocação. Eu não posso nem, em hipótese nenhuma, condenar alguém de outro partido e muito menos do meu partido, porque alguns outdoors transferem mensagens positivas a respeito dele. O deputado José Serra tem todo o direito, e acho até que lhe é conveniente ter isso feito. Diga-se de passagem, até que quem aparecia como patrocinador da coisa era uma revista, uma revista que tinha feito uma entrevista com ele. E ninguém diga que não é verdade, porque na campanha, isso apareceu em relação ao Fleury [Luiz Antonio Fleury Filho, governador de São Paulo entre 1991 e 1995, ver entrevista no Roda Viva]. Ninguém reclamou naquele instante, não vejo porque reclamarem neste instante, agora. Mas não vejo nenhum inconveniente, apenas o que me pareceu também um sinal, desses que se emitem de forma muito pouco visível, um sinal também de que ele pudesse ser candidato a prefeito. E ele já foi uma vez: quatro anos atrás, ele foi candidato com o meu apoio, com a minha luta. Como o será, se for candidato, agora. Ele ou qualquer outro que seja o candidato do meu partido.
Marcelo Parada: Os sinais teriam sido que o senhor teria procurado uma agência de propaganda aqui de São Paulo, se não me engano, a DPZ [agência de publicidade paulistana, cujo nome é a sigla de seus três sócios-proprietários – Roberto Duailibi, Francesc Petit e José Zaragoza].
Mário Covas: Eu procurei uma agência de propaganda? Não, não procurei uma agência de propaganda. Eu procurei um homem de propaganda. Sabe por quê? Eu vou dizer de forma pouco humilde, eu vou dizer de forma até um pouco presunçosa: eu procurei porque eu acho que estou trabalhando muito, e está dando pouca repercussão. Procurei para saber como é que eu faço. Porque eu trabalho. Afinal eu tenho o dever de realizar, enquanto senador depois de ter 8 milhões de votos, poder ter a repercussão que eu acho que devia ter em função do que eu faço.
Jorge Escosteguy: Aliás, senador, Lilita, de Americana, telefonou perguntando isso: “Gostaria de saber por que o senhor está tão apagado, tão sumido?”.
Mário Covas: Seguramente, eu não consigo chegar nela. O que é que eu vou fazer? É por isso que quando eu cheguei aqui procurei um homem de comunicação. Procurei porque eu entendi que devia ter algum defeito em mim, e certamente tem. Por isso procurei, para saber como é que podia me apropriar de um processo que me permitisse... hein?
Antônio Carlos Ferreira: Quais foram as conclusões que você teve com ele?
Mário Covas: Ah bom, isso é segredo profissional que eu não posso transmitir. Eu, por mim, não teria dúvida. Mas afinal, me foi dito, é um segredo.
Antônio Carlos Ferreira: O senhor já está corrigindo alguns dos defeitos?
Mário Covas: Estou tentando, né? Se bem que neste programa, aqui, eu estou deslizando [risos]. A gente tenta. [risos]
Jorge Escosteguy: Nós voltaremos em seguida a esse e outros assuntos. O Roda Viva faz um rápido intervalo e volta daqui a pouco entrevistando, hoje, o senador Mário Covas do PSDB, até já.
[intervalo]
Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o senador Mário Covas do PSDB. Você que está em casa e quiser fazer perguntas por telefone pode chamar 252-6525. Senador, vou fazer aqui uma pequena “salada”: várias perguntas de telespectadores mais ou menos ligadas à questão de coligação. Sempre se fala do PSDB, de repente, fazer coligações com outros partidos etc. Então, o Ricardo Brasão de Mendonça, de São Caetano do Sul, diz: “Embora malufista, eu respeito as idéias do senhor. O senhor já pensou em se associar a políticos de outros partidos para fazer melhorias no país e em São Paulo?”. Carlos Roberto Estorilo, aqui de São Paulo: “O senhor não se arrepende de subir no palanque e dar as mãos para o Lula [Luiz Inácio Lula da Silva], no segundo turno? Não entende que com isso perdeu muitos eleitores, inclusive eu?”. O Rui Montana, de Santo André: “O PT vota no PT. A partir do momento em que o senhor subiu no palanque para apoiar Lula, me senti muito traído. O senhor governava assim, mais acima do Lula, mas era para poder olhar para todos os lados. Quando desceu do muro e subiu no palanque, me chocou. Minha família e eu fomos traídos e não o perdoamos por isso”. Carlos Alberto Quintino, de São Paulo: “Se o senhor acha viável uma coligação...”
Mário Covas: É engraçado! Essas duas últimas perguntas nos culpam, não é por ter sido indecisos, é por termos tomado uma decisão.
Jorge Escosteguy: Inclusive, ele diz que o senhor não é indeciso, disse que o senhor, quando estava indeciso, olhava para todos os lados, para ver todos os lados. Carlos Alberto Quintino, de São Paulo: “O senhor acha viável uma coligação de seu partido com o PT para as eleições à prefeitura?”. O engenheiro Celso Santos – aí, a outra parte –, presidente do diretório municipal do PSDB em Cotia: “Sou candidato a prefeito de Cotia em coligação com o PT e o PV; o senador não acha que uma aproximação do PSDB da capital com partidos como o PMDB e o PDS, como já se falou, vai prejudicar as coligações que se fazem em outras cidades?”. E aí, ligando à questão do PT, já que o senhor subiu no palanque do PT, Benedito Costa, de Osasco, João Carlos Melão, de São Paulo, Eduardo Santos, também de São Paulo: “Qual a sua avaliação da administração do PT em São Paulo?”.
Mário Covas: Esse negócio de ter subido no palanque do PT é muito engraçado, porque quando eu ganhei a eleição, se eu fosse um espertalhão, eu teria dito no instante seguinte do primeiro turno, que eu apoiaria o PT. Porque eu teria as desvantagens, mas teria [também] as vantagens. Não. O que nós fizemos com o partido? Coerentemente, fomos discutir uma semana em Brasília: ouvimos direção estadual, ouvimos direção nacional, ouvimos os diretórios de todos os estados, e o partido decidiu que apoiaria o Lula. Apoiamos o Lula a partir daí. É evidente que muita gente que votou conosco não queria essa solução. Eu, às vezes, até pergunto para as pessoas: “Você queria o quê? Que a gente apoiasse o Collor?”. Na verdade, com o passar do tempo, mais gente diz “não”, não é? Não queria. Então, o que ele queria? Queria que a gente não apoiasse ninguém? O inverso disso é que é ficar indeciso! A escolha entre dois não é uma decisão? Isso é ser indeciso? Bem, seguramente, não passava despercebido para nós que, provavelmente, produziria o menor prejuízo político se nós não escolhêssemos nenhum dos dois ou que não teria nenhum prejuízo escolhendo o Lula. Bem, mas eu acho que política envolve um pouco mais do que isso. Aproveitando a pergunta que a jornalista me fez: a gente nem sempre pesa apenas o ganho de natureza eleitoral, a gente pesa aquele que imagina que é a coerência política, aquilo que é a história política. Dentro da própria militância do PSDB, teve muita gente que discordou disso. E o partido tem feito, na Câmara Municipal, a mais digna e competente oposição ao governo do PT na área municipal. Mas entre aquelas duas alternativas, o partido entendeu que o seu caminho era apoiar a candidatura do PT! É evidente que muita gente não gostou disso. Acho que o governo do PT, em São Paulo, tem deixado muito a desejar. É um governo que tem contado com recursos como não ocorriam desde o instante em que esta cidade passou pela melhor situação econômica. Não houve período de melhor situação econômica em São Paulo, do que aquele em que governou o senhor Olavo Setúbal [banqueiro, industrial e político paulistano (1923-2008). Após fundar a Deca, indústria de louças e metais, em 1953, tornou-se, nos anos 70, o segundo maior banqueiro do país, quando fundou a Itaúsa, holding que abrangeu o banco Itaú, a Duratex, Itautec e Ellekeiroz. No regime militar, foi prefeito de São Paulo entre 1975 e 1979 e, nos anos 80, ministro das Relações Exteriores]. Em 1978, a receita corrente da prefeitura, isto é, a soma de impostos e taxas, era 50% real menor do que a do PT deste ano. Ou do que foi a do PT no primeiro ano. No primeiro ano de governo, 1989, a receita real da prefeitura já foi maior do que a receita real do governo do Setúbal. Por quê? Porque o governo se beneficiou de mudanças de natureza constitucional, e deram 5% de acréscimo ao ICMS [Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação], criaram o IVV [Imposto sobre Venda a Varejo] criaram o ITB [Imposto de Transmissão de Bens e Imóveis]...
Jean Rocha: Herdou grandes dívidas da administração Jânio Quadros?
Mário Covas: Não. Eram diferentes, as dívidas. Talvez não tenham apanhado dívidas de mim. Mas não foram diferentes das dívidas que eu apanhei do anterior. Como não foi diferente do que aconteceu em matéria de transporte coletivo. Eu, quando assumi, tinha tarifa reprimida. Mas durante o meu período de governo, a tarifa de ônibus subiu pouco menos do que a inflação, um pouquinho menos. Na campanha eleitoral, eu ouvi o PT apregoar que a tarifa estava o dobro do que deveria estar, portanto, qualquer cálculo futuro devia levar em conta que havia uma margem de outro tempo. No entanto, ela aumentou bem mais, quase o dobro, do que a inflação aumentou, o que significa aumentar o quadro. É um governo que só tem defeitos? Não, tem virtudes. Um governo que, na média, apresenta uma seriedade grande dentro de seus cargos. Se no meu governo, 100 toneladas de merenda escolar tivessem ido parar num fazedor de farinha eu não sei o que aconteceria.
Jorge Escosteguy: Sobre as coligações, os telespectadores...
Mário Covas: Olha, eu acho que o partido não tem coligação com um objetivo básico. O objetivo básico do partido – aliás, a posição da direção nacional, tirada, inclusive, na semana retrasada – é que ele deve ter candidato ali onde ele puder ter candidato. Onde se apresentar condição favorável para ter candidato, ele deve ter candidato. O objetivo de um partido é chegar ao poder, e o instante eleitoral é o instante para se tentar conseguir isso. Onde tiver possibilidade, ele deve fazê-lo. Agora, por outro lado, ele não exclui a existência de coligações.
Jorge Escosteguy: Essas coligações, na sua opinião – o senhor vê: de um malufista a um coligado com o PT telefonaram perguntando a sua opinião –, ou seja, qual seria o espectro dessas coligações?
Mário Covas: Olha, eu acho que nós poderíamos mostrar algo entre PMDB e PT. Essa seria a nossa faixa de coligações razoáveis. Não se pode excluir num país como o Brasil, e particularmente na pequena cidade onde o partido tem muito pouca expressão e muito pouco significado, onde funciona muito mais a relação dualista entre lideranças locais, que isso possa eventualmente acontecer de forma diferente daquilo ali. Mas se você falar em coligação como ação política, você tem de procurar a sua afinidade a sua identidade. E a nossa identidade está nesse terreno: no terreno de centro-esquerda.
Jorge Escosteguy: Senador, antes de passar – só um minutinho, por favor, Antônio –, dizer aos telespectadores Flávio Contreras, de São Paulo, e ao Jorge Bechara, também, que o senador, já respondeu sobre a questão de indecisão. Milton, por favor!
Milton Abruccio: Senador, o PSDB tem uma bancada na Assembléia Legislativa que age de maneira amigável, às vezes até se confunde com a bancada do PMDB na Assembléia. O ex-governador Montoro emitiu sinais de que gostaria de uma aproximação com o PMDB, os vereadores também disseram, emitem sinais de que se o senhor não for candidato, podem voltar para o PMDB. Eu queria saber do senhor: os tucanos vão voltar para o ninho?
Mário Covas: Estou chegando à convicção de que nós não somos partido, nós somos uma estação telegráfica. [risos] Nós só vivemos emitindo sinais! O Montoro emite sinais, eu emito sinais, os outros emitem sinais, a bancada emite sinais. Não se emite nada! Na política se conversa, e se conversa em democracia com todas as facções! A característica da democracia é a tolerância, é você discordar e ainda assim você reconhecer a qualidade do cara que pensa imediatamente diferente de você. Há pouco me perguntavam: “Você conhece o Bornhausen [Jorge Borhausen, presidente do PFL, ver entrevista no Roda Viva]?”. Conheço e respeito. Respeito como um homem que sabe fazer política, um homem que tem caráter etc. E é um homem completamente diferente do que eu sou. Mas não é razão pela qual você não deva respeitar alguém que exercita política e o faz dentro das balizas, dentro dos parâmetros que ele elegeu para a sua própria conduta, desde que o faça com dignidade. Eu não acho que o PSDB volte ao PMDB, até porque não foi formado, todo ele, com gente que veio do PMDB. Nós temos outras contribuições, nós temos contribuições que vieram do PDT, temos contribuições que vieram do PT, temos contribuições de várias origens. Agora, eu nem diria que o PMDB é, obrigatoriamente, a origem do PSDB. Mas eu não vejo porque voltar para lá, se as razões que levaram um grupo a sair de dentro do PMDB para tentar formar um partido político, para tentar exprimir uma conduta e uma certa posição de natureza política ideológica, continua existindo como existiu naquele tempo. De forma que eu não vejo razão para que isso ocorra, por maior que possam parecer as notas existentes para o ar, que andam trafegando por aí.
Almyr Gajardoni: Há alguém no PSDB que gostaria de voltar, que defende a idéia de voltar ao PMDB?
Mário Covas: A mim, nunca ninguém defendeu. Para mim, nunca ninguém defendeu. Eu sou muito "indeciso".
Ottoni Fernandes: Senador, por falar em contribuição, isso é uma palavra que está na moda em Brasília – especialmente a cidade onde o senhor passa a maior parte do tempo –, lá tem uma cidade onde existe milagre da multiplicação dos pães. Funcionários públicos que enriquecem, que têm um padrão de vida muito acima do que eles recebem. Eu passei lá três anos e eu achava muito estranho um funcionário público – eu sabia quanto ele ganhava –, morava numa casa no Lago Sul, de 600 metros quadrados, ostensivamente, com três carros novos na garagem. Então, a corrupção é, mais ou menos, um fato consumado e diário. O que pode ser feito? O que o Congresso pode fazer? O que o seu partido acha que deve ser feito para coibir a corrupção no poder federal?
Mário Covas: O Congresso atua de duas maneiras: ou ele elabora legislativamente ou ele faz aquilo que é a sua grande tarefa, que não é elaboração legislativa, a maior tarefa do Congresso é ser um grande palco de ressonância das aspirações e das angústias de natureza nacional. Eu tenho muito medo dessa conversa de corrupção. Eu temo muito em ver o cara ser candidato, botar a mão no alto e dizer: “Eu presidente, acabo com a corrupção”. Sabe por quê? Porque ninguém faz isso sozinho. Acabar com isso é tarefa da sociedade. Ou nós todos fazemos disso uma cruzada, ou não acaba. Eu não me canso de repetir aquilo a que vou voltar agora: na campanha eleitoral, eu fui fazer uma reunião, apareceu um colega de escola meu, pelas tantas, ele resolveu fazer uma pergunta para mim: “Escuta, se você for eleito presidente, não vai acontecer o que me aconteceu hoje?”. “O que te aconteceu hoje?”. “Aconteceu que um fiscal foi lá na minha indústria, chegou para mim e disse: “olha, fiz um levantamento, e o senhor deve 300 mil cruzeiros. O senhor me dá 150 e fica com 150”. “Olha, eu não garanto para você que não vai acontecer, não. O que eu quero saber é, se acontecer, quando eu for presidente, se você me conta. Se você me contar, e eu puder, eu ponho o cara na cadeia, eu te garanto. Mas isso não é o principal, o principal é isso: eu quero saber de você como é que terminou a conversa. ‘Tu deu o dinheiro ou não deu o dinheiro? Se ‘tu deu o dinheiro, ‘tu não é melhor que o fiscal!”. Corrupção tem duas pontas: de um lado tem quem corrompe, do outro lado tem quem se corrompe. Ou você acaba com as duas pontas, ou você não acaba com ela. Isso é tarefa nacional. Diz você: “tem gente que, se corrompendo, pesa muito mais pela sua transparência, por tudo”. O político, por exemplo, que ocupa um cargo, quando faz uma coisa dessas, o exemplo negativo é de tal ordem, quando o ministro, que ocupou um cargo de ministro, é acusado de determinadas coisas, é evidente que isso tem uma repercussão muito maior. Mas, ou nós fazemos disso uma cruzada nacional, ou nós acabamos com esse papo! Eu saio de automóvel, meu nego, eu chego num sinal luminoso, eu paro em cima da faixa, o guarda atravessa a rua, você começa a meter a mão no bolso! Ou você acaba com esse tipo de cultura e faz isso generalizadamente, unanimemente, ou então você não vai vencer isso nunca! Não é porque alguém é sério, que você resolve esse problema deste país. É preciso que seja sério para ajudar a resolver, mas não é só esse fato. É necessário, mas não é suficiente.
Ottoni Fernandes: O fato de ter dois ex-ministros sendo agora processados criminalmente por causa de prevaricação e corrupção passiva. Isso seria um avanço?
Mário Covas: É o avanço no seguinte sentido, não passa pela minha cabeça...
Jorge Escosteguy: Senador, a resposta do Ottoni, só por curiosidade, o senhor não terminou a história: ele deu ou não deu os 150 mil?
Mário Covas: Ele não me respondeu. Essa você pensa em casa. [risos] O que a gente estava falando?
Ottoni Fernandes: Eu perguntei se o fato de dois ex-ministros, por estarem sendo processados criminalmente, isso é um avanço?
Mário Covas: Eu volto a insistir. Esse caso se assemelha muito àquele...
Ottoni Fernandes: É uma outra miséria nacional...
Mário Covas: Sem dúvida nenhuma! Não passa pela minha cabeça, que durante o regime militar, você não tivesse ministros que prevaricaram. Evidente que teve. Só que naquele tempo, você não tinha um instrumental de liberdade para que esse fato chegasse a público e para que a sociedade, com a liberdade que conquistou, fosse capaz de atuar no sentido de ir até as conseqüências.
Antônio Carlos Ferreira: Como o senhor avalia a posição do presidente frente a esses atos, a essas denúncias?
Mário Covas: Olha a atitude dele...
Antônio Carlos Ferreira: A atitude dele. Como o senhor avalia a atitude dele frente a todos esses atos de corrupção?
Mário Covas: Você está me perguntando se ele tinha conhecimento do negócio?
Antônio Carlos Ferreira: Não. Sobre a atitude dele frente aos atos, se ele está agindo corretamente.
Mário Covas: Bem, acho, no que se refere às atitudes específicas dos dois, até não dependeria muito das atitudes dele. Porque o procurador geral entrou na parada, a Polícia Federal acabou sendo convocada para isso, mas eu não acho que ele tomou qualquer posição nesses dois episódios que impedissem a continuidade dos processos. Mas não é esse o fato que vai ser fundamental. O fato fundamental é que hoje, você tem uma vontade nacional na linha de que alguém seja punido nessa história, se comprovadas as safadezas. E isso é um dado positivo. Isso é um fato novo no qual nós temos que montar. Essa é a coisa que, na realidade, representa alguma coisa nova neste país.
Ottoni Fernandes: Quando um funcionário não tem um plano de carreira, não tem um funcionalismo com uma prática profissional, quando muda um ministro, mudam 200 cargos, isso daí, será que isso daí também não é um incentivo à corrupção?
Mário Covas: Eu acho que sim, eu acho que sim. Eu não posso dizer que o funcionalismo todo ganhe mal, não é isso, não. Eu vi um estudo, agora, apresentando lá pelo presidente da Comissão de Previdência da Câmara dos Deputados, que demonstrou que na área de aposentados do serviço público federal a média de ganho é de 1 milhão de cruzeiros. De forma que, muito distante daquilo que acontece no INSS, eu não tenho os valores exatos aqui, mas não diria que todos ganham mal. Naturalmente, ganham mal. Mas em contrapartida, você tem na área do funcionalismo algumas coisas que, na área aqui fora, não se têm. De forma que tudo isso é equilibrado. Agora, eu acho que isso é um fato que contribui, mas que não justifica. Eu volto a insistir: o nosso funcionário é atavicamente deformado? Não é. É lógico que você tem fatores que contribuem para isso, mas não vejo razão para essa coisa generalizada. Ou a gente resgata isso do ponto de vista coletivo ou não vai mudar, não.
Jean Rocha: Mas senador, esses três novos ministros escolhidos pelo presidente Collor, de Ação Social e Previdência, são políticos do PFL [Partido da Frente Liberal]. O senhor não fica preocupado de que vai ter uso político, agora, de verbas públicas?
Mário Covas: Fico muito preocupado, mas veja bem: outro dia, se discutiu exatamente isso, o fato do PFL estar fazendo, agora, alguns ministros etc. Mas aí, fui procurar as origens e descobri que o ministro anterior era sustentado e indicado pelo PC [Partido Cristão]. Quer dizer, há muita diferença de uma coisa e outra? Não, na realidade qualquer que seja a influência, ela é condenável. Atividade ministerial é uma atividade que, necessariamente, tem que ser voltada para o interesse público. Lógico que as mudanças feitas agora, do ponto de vista relativo, foram para melhor, não posso... aliás, parece que o governo foi levado e conduzido inevitavelmente a mudar de estilo, do roxo [referência à célebre declaração de Fernando Collor de Mello, quando presidente – “eu tenho aquilo roxo!” –, referindo-se à própria genitália como símbolo de coragem], que já não é tão roxo, e passou para um soft. Isso é tão verdade, que o colega de vocês [menção ao jornalista Cláudio Humberto Rosa e Silva, porta-voz de Fernando Collor], que comandava o setor de comunicação do Palácio [do Planalto] foi trocado, agora, por um homem nascido no Itamaraty. É...
Jorge Escosteguy: Um diplomata?
Mário Covas: Aqui é “bateu, levou” [com ironia]!
Jorge Escosteguy: Aproveitando a sua resposta, o Wagner Bortoleto, de São Caetano, ele telefonou perguntando exatamente: “Como o senhor vê o governo Collor, atualmente?” Sua opinião sobre o governo Collor.
Mário Covas: Eu não estou nem vendo. [risos] O Fernando Collor... eu não gosto de dizer isso. Eu tenho sempre comigo, carrego o ônus de imaginar o que as pessoas estão imaginando ou que eu próprio possa ceder a uma tentação nascida do fato de que eu concorri com ele e perdi uma eleição. Mas eu tento olhar para dentro de mim, buscando se não há alguma injustiça na minha avaliação. Mas eu confesso que, para mim, o governo Collor está sendo exatamente o que eu esperei que fosse. Governo de índole autoritária, um governo que acredita que o processo democrático é um processo que se esgota no ato eleitoral e que você é eleito, não para ser presidente do país, mas sim, para ser o comandante, o ditador de tudo. É um homem que raciocina que entendimento, pacto, essas coisas nascem do fato de que, como ele foi eleito, a delegação já está dada. Portanto, o que fazer, é ele que tem que resolver. Os demais têm a obrigação de se incorporarem a esse processo, porque devem isso à nação. De forma que o governo acabou, necessariamente, se desdobrando em todas essas coisas em que está se desdobrando. Aparentemente, o governo tende a mudar de estilo, agora, as mudanças do ministério refletem um pouco isso. Eu acho que o governo perdeu aquela capacidade de centralizar todos os poderes na sua mão e – não é que ele crê, ele não tem menor dúvida –, na medida em que as coisas se ajeitam um pouco, a arrogância volta, que é a característica básica desse governo. Assim como para mim, democracia tem de significar, tem de existir.
Jorge Escosteguy: O senhor acha que não é uma mudança séria, uma mudança conjuntural?
Mário Covas: Não, eu acho que é uma mudança séria. Não é nesse aspecto. Acho que mudança, a escolha, individualmente, é para melhor. São mais qualificados os homens que foram escolhidos, agora, para o exercício dessa atividade. A tendência é que você tenha menos ressonância da atividade por faltar o escândalo. Acho que isso é verdadeiro. Mas, por outro lado, eu acho que o governo, no instante em que pegar pé, ele readquire aquela posição arrogante...
Almyr Gajardoni: Quando o presidente é – mais ou menos –, foi forçado a se decidir por essas mudanças, ele sinalizou para o PSDB, ou não sinalizou?
Mário Covas: Bem, eu não sei. Eu não sei se nós somos uma estação transmissora ou captadora, eu tenho a impressão de que nós transmitimos mais do que captamos [com ironia]. Agora, esse negócio do PSDB e o governo Collor é muito engraçado, porque isso é um amor unilateral.
Jorge Escosteguy: Nunca houve namoro?
Mário Covas: É engraçado, eu queria ver qual é o partido que, tendo recebido tantas sinalizações, como se diz que o PSDB recebia, teria resistido a se pendurar no governo. E também ninguém vai negar isso.
Ottoni Fernandes: Mas recebeu ou não recebeu? O senhor diria: é um namoro ou um caso?
Mário Covas: Eu leio pelos jornais, porque para mim, nunca foi feito, mas eu leio por intermédio de vocês. São vocês que me informam, permanentemente, que o Collor queria convidar o Fernando Henrique [Fernando Henrique Cardoso] para ser ministro das relações exteriores, o Serra para ser ministro da Economia, não sei mais quem para isso, para aquele outro, mas que, sobretudo, ele gostaria de ter o PSDB no governo. Olha, eu acho que, numa democracia, a seriedade exige que você leve essas coisas com seriedade. Mas eu acho que a nossa visão da ação política é completamente diversa daquela que deu o presidente Collor, aquele dia em que ele assumiu, e fui cumprimentá-lo e desejar toda a sorte do mundo. E desejei de boa fé.
Jorge Escosteguy: O senhor era o candidato dele à Presidência da República?
Mário Covas: Pois é, ele parece que sabe escolher bem os candidatos [risos]. Essa é uma qualidade que eu reconheço nele.
Jorge Escosteguy: A que o senhor atribui esse namoro unilateral com o PSDB?
Mário Covas: Eu não sei, de repente nós somos...
Jorge Escosteguy: Platônico?
Mário Covas: Eu espero que não passe disso. [risos]
Marcelo Parada: Senador, o senhor falou do porta-voz Cláudio Humberto, e numa entrevista ele disse o seguinte, que o presidente Collor, na época ainda quando pensava em ser candidato etc, o procurou, e o senhor teria dito que não estava preparado para ser presidente da República. Daí, ele saiu daquele encontro achando que o senhor era indeciso. Houve, de fato, esse encontro e, de fato, o senhor disse que não se julgava preparado para ser presidente da República?
Mário Covas: Não sei se disse para ele, mas disse a tantas pessoas que é possível que tenha dito para ele. Era um sentimento. Quando falei isso, não falei por engenho ou por arte, falei porque achava isso mesmo. Eu achava que a proposta que se propunha, a atividade que se propunha ou o objetivo que se propunha era alguma coisa além das minhas possibilidades. Bom, mas se falei a ele – não lembro exatamente se falei ou não –, mas como tenho certeza de que falei para muita gente, não vejo nenhum mal nisso.
Jorge Escosteguy: Se o senhor se sentia despreparado por que foi candidato? Sempre havia o risco de ganhar.
Mário Covas: Boa pergunta! É que talvez eu tenha visto muita gente despreparada ser candidato. Eu achei que estavam todos no mesmo nível.
Milton Abruccio: Senador, eu queria – o senhor, que foi prefeito de São Paulo – colocar para o senhor a questão da votação do PTB em São Paulo. Há algumas semanas, o ex-ministro Bresser [executivo e professor das áreas de administração e economia, Luiz Carlos Bresser Pereira ocupou a posição de ministro da Fazenda do governo José Sarney] que faz parte do PSDB, fez uma defesa enfática do reajuste do IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano] dizendo que os ricos brasileiros, a elite brasileira, não gosta de pagar imposto, que os prejudicados eram somente eles. Por isso defendeu o reajuste e apontou demagogia nas críticas. Como é que o senhor, que foi prefeito, vê esse problema do IPTU em São Paulo?
Mário Covas: Em primeiro lugar, o imposto do IPTU, tal qual foi feito neste ano, ele é regressivo, não é progressivo, portanto, quem está sendo mais atingido é o pobre, não é o rico. Há um artigo escrito no sábado agora pelo... que saiu publicado no O Estado, que reflete números fornecidos pela Federação do Comércio onde se mostra essa regressividade do imposto, este é o primeiro ano. No segundo ano – se isto é luta de classes, nesse caso –, o PT ficou do lado do rico, não ficou do lado do pobre, não! Em segundo lugar, o IPTU em São Paulo é representado, 63% pelo imposto sobre o comércio que, necessariamente, repassam para todo mundo. Apenas 17% incidem sobre a área da habitação. Em terceiro lugar, aumentou-se neste ano o imposto IPTU, e isso é que é o danado da história. Porque está longe de mim a idéia de ser contra o progressivo. O progressivo é absolutamente pertinente, mas ele sequer foi idéia deste governo. O progressivo nasceu da Constituição de 88 e foi adotado pelo Jânio, em primeiro lugar, em São Paulo, em 88. Em 89, ele foi adotado pelo PT, e o drama de hoje é que o PT, com a voracidade fiscal com que fez esse aumento este ano, é possível que ele prejudique a tese. Nessa hipótese, a cidade vai ser tremendamente prejudicada. Em terceiro lugar, usam o aumento real das taxas de quase 100%. Para o pobre, para o morador de periferia, ele recebe um papel igualzinho ao que eu recebo, só que onde está o “imposto predial”, está isento. Mas nas três taxas que são cobradas, tem cobrança. Para ele, aquilo é IPTU. E para você ver a deformação, um dado que eu li no jornal, outro dia, mostrava que o morador de periferia só está pagando taxas na qual houve uma incidência de 90% real do ano passado para este [ano]. Ele pagava 63 mil cruzeiros de imposto numa rua não pavimentada, é quanto paga a Erundina pelo seu apartamento.
Marcelo Parada: Quanto o senhor pagou?
Mário Covas: Eu paguei duzentos cruzeiros. Quer dizer, eu paguei a primeira parcela, mas o meu imposto até, relativamente, é razoável. Meu imposto é 230 mil cruzeiros.
Marcelo Parada: Mas pela decisão do tribunal ou pelo valor?
Mário Covas: Não, não, pelo valor que foi mandado. Às vezes, eu vejo gente do PT dizer que a reclamação vem de uma determinada área...
Marcelo Parada: Está barato esse imposto, hein?
Mário Covas: Fala baixo, não precisa ficar anunciando que está barato... [risos]
Marcelo Parada: Quanto o senhor paga de condomínio, quanto?
Mário Covas: Eu acho que você pode fazer outra comparação. Você pode fazer comparação com o IPVA, que é muito alto, no qual uma parte da receita, diga-se de passagem, vai para a prefeitura. Eu faço um programa de televisão na sexta-feira e, quando saiu o IPVA, eu disse isso: “O IPVA é absurdamente caro”. O que é barato neste país é o Imposto Territorial Rural. Vocês têm idéia de quanto se paga de Imposto Territorial Rural neste país? Doze milhões de dólares. Sabe quanto é a cobrança prevista de IPTU, aqui em São Paulo? Quinhentos milhões de dólares. No Brasil inteiro, com essa fronteira agrícola brutal que a gente tem, se paga 12 milhões de dólares de imposto rural.
Milton Abruccio: Senador, no entanto, o Congresso não votou a revisão dos valores.
Mário Covas: Sim, isso é culpa do Congresso. Em duas oportunidades ele teve a possibilidade de mudar isso e não o fez. Porque o setor é extremamente forte na sua representação.
Marcelo Parada: A própria base do governo votou contra o governo.
Mário Covas: Quem votou naquilo foi a oposição, sem sucesso, em duas oportunidades.
Milton Abruccio: Esqueceu o imposto sobre heranças, também?
Mário Covas: Vamos continuar com o IPTU mais um pouco. Vocês querem tanto que eu seja candidato, ‘pô... [risos]
Jorge Escosteguy: Está pagando pouco. Acho que a Erundina descobriu onde o senhor mora e, para evitar problemas de segundo turno, resolveu lhe cobrar só aqueles “duzentinhos”... [risos]
Mário Covas: Não, é que dividiram entre os senadores de São Paulo, como o Suplicy paga 9 milhões, eu posso pagar 230 mil. É proporcional às casas dos dois.[risos]
Ottoni Fernandes: Duzentos e trinta por mês?
Mário Covas: Não senhor, 230 é o total! É mais do que um décimo disso, porque tem a correção, né? Na realidade, emitiram o cartão do imposto de renda e me entregaram, no dia 31 de janeiro, para pagar a primeira parcela em fevereiro, mas é corrigido a partir de janeiro. Portanto, no dia seguinte, eu já tive que pagar a correção da primeira parcela. Eu não acho o meu extraordinariamente caro. É por isso que eu digo, quem está sendo atingido por isso é exatamente a região mais pobre da cidade. Essa que foi atingida em excesso. Veja: no ano passado, houve um aumento real do IPTU de 125%, 125% de aumento real. Quer dizer, põe a inflação e aí põe 125% em cima disso. Neste ano, o projeto que foi encaminhado para a Câmara previa 90%, 80%. Oitenta em cima de 125%, dá 225, mas 80 sobre 125 dá mais 90: dá 300% de aumento em dois anos. Real, em dólar. Muito bem! Não passou os 80%. Eu li o discurso do líder do PT na Câmara e ele disse: “O ano passado teve um aumento de 125% real, e ninguém reclamou. Por que não pode ter 32% esse ano?”. Como se a capacidade de responder à demanda tributária fosse elástica dentro da cidade. Vai aumentando, que o pessoal responde. Não acontece isso.
Milton Abruccio: Resumindo, o senhor é a favor da progressividade ao contrário da decisão da Justiça?
Mário Covas: Eu sou absolutamente a favor da progressividade. Acho que o grande drama deste momento, que a administração acaba de nos criar, o perigo é que ela destrua a tese que é boa.
Andrew Greenlees: Agora, como é que vai funcionar no segundo turno, então, para ficar no IPTU? No segundo turno em São Paulo, provavelmente, o PT e o PSDB teriam ficado do mesmo lado. Agora, como é que vai ser: um a um vem apoiar o outro, como é que vai se explicar? Quer dizer, o IPTU é um dos temas centrais dessa eleição. Como é que vai ser o PSDB apoiando? Caso isso aconteça, ou vice- versa.
Mário Covas: Bem, em primeiro lugar, é preciso ver quem vai para o segundo turno. Em segundo lugar, se essa razão predominar sobre as razões que levariam, eventualmente, à escolha do PT, ao invés do segundo candidato que foi para o segundo turno – se esse for o caso –, você toma uma posição diferente. Mas sem dúvida nenhuma, nessa questão, a posição do PSDB é clara. Ninguém é contra a tese de que o imposto vai ser progressivo, só que ele não foi progressivo. A tese da progressividade se transformou, nesse instante, pela variação do valor real da planta genérica, num imposto regressivo, ou seja, os pobres pagarão mais do que os ricos. Não é à toa que a grita sai muito mais nas áreas periféricas. Outro dia, eu vi uma professora, eu fui fazer um programa, e a professora me falou: “Não, de jeito nenhum! Eu mandei os meus alunos perguntarem em casa, e eles voltaram – e lá ninguém paga o IPTU –, e voltaram aqui dizendo que o pessoal na casa deles estava danado com o aumento. E eles nem pagam IPTU porque estão isentos”. Eles estão danados, porque as taxas aumentaram em 100% real. Acresça-se o seguinte fato: o secretário dizia, no começo do ano passado, que pela primeira vez no ano passado o valor da taxa pagava o serviço. Portanto, você não pode imaginar que vai-se aumentar 90% real o valor do serviço oferecido, de tal maneira que você deva aumentar a taxa em 90%. Olha, do primeiro ano de governo para cá, houve um aumento de 271% real. É um aumento alto! É maior hoje do que era no tempo do Setúbal. Sendo que a prefeitura tem, hoje, outras fontes de receita que não existiam naquele instante. Portanto, nem essa necessidade havia.
Jorge Escosteguy: O senhor está bem informado, hein?
Mário Covas: Mas muito bem.
Jorge Escosteguy: O senhor está preparado para a campanha de prefeito?
Mário Covas: Mas preparadíssimo. Só falta ser candidato. [risos]
Marcelo Parada: O senhor não perdoa a prefeita Luiza Erundina pela oposição veemente que ela lhe fez na Câmara Municipal, quando o senhor era prefeito.
Mário Covas: Mas, de jeito nenhum! Tenho as melhores relações com ela. Tinha e tenho um profundo respeito pessoal por ela. Foi alguém... eu li outro dia, lá, um discurso que ela fez quando eu corrigi “monetariamente o IPTU”. Não aumentei real. Porque ela dizia que era “um absurdo” aquilo. Eu não fiz nem um aumento real, só corrigi a inflação. Mas tudo bem! Eu acho que isso é do jogo político. Ela fez o papel que tinha que fazer como líder do PT, está fazendo o papel como tinha que fazer como prefeita. Tinha com ela, como ainda tenho, hoje, as melhores relações pessoais. Isso não quer dizer que nós pensamos de forma absolutamente igual, muito pelo contrário. Tenho muito respeito pessoal por ela. Acho que ela conquistou o cargo legitimamente num debate democrático, mas o meu partido, pela Câmara de Vereadores, como um todo, faz oposição à administração.
Ottoni Fernandes: Senador, voltando à corrupção na área federal. Tem muita gente que acha que a corrupção pode ser inibida quando há um processo de desregulação da economia, menos regulamento, menos regra. Inclusive, porque o governo colocou naquele projeto dele, a desregulação da economia deveria estar na pauta do Congresso para esse primeiro semestre. Eu lhe pergunto duas coisas: essa questão da desregulação, o senhor acha necessária para coibir a corrupção? E a segunda questão: o senhor acha que é o caso de se pensar na privatização da Previdência?
Mário Covas: Acho que são várias perguntas e vou tentar sintetizá-las na resposta. Em primeiro lugar, a desregulamentação é sempre conveniente e, por outro lado, é sempre inconveniente quando se têm dificuldades, porque é a maneira mais fácil de você vender facilidades. Nem todas as medidas que estão propostas, não sei se você se refere a algumas delas em especial, seja ela o ajuste fiscal ou tentativa de ajuste fiscal ou “emendão” [conjunto de 33 propostas de emendas à Constituição, que terminou por não ser submetido ao Congresso. Continha como pontos principais a abertura ao capital estrangeiro, o fim do monopólio estatal do petróleo, da estabilidade para os funcionários públicos, do princípio da irredutibilidade dos salários, da aposentadoria integral por tempo de serviço, assim como a suspensão da gratuidade das universidades públicas e a queda do limite constitucional de 12%, à época, da taxa de juros reais ao ano]. Na realidade, o emendão faz uma série de misturas. O emendão coloca ao tráfico de sangue – ou a necessidade ou a culpa –, a penalidade, independentemente de culpa de desastres de natureza nuclear [por exemplo], em igualdade de condições com a dívida do Estado e municípios. Portanto, há coisa aí que tem a ver com a economia, há coisa aí que não tem nada a ver com a economia. Há coisas que, feitas agora, não têm nenhuma repercussão imediata. Nem imediata, nem a longo prazo. Eu acho algumas coisas pertinentes. Às vezes, as pessoas pensam que a gente faz determinadas coisas... olha, eu fui um dos 27 constituintes que votei contra a estabilidade dos funcionários com cinco anos. Vinte e sete pessoas votaram. Só o líder do partido votou contra aquilo, e achei que não tinha nenhum sentido você dar ao funcionário aquilo que o seu trabalhador não tinha, não tinha nenhuma lógica fazer isso. Acho que há defeitos nessa estrutura brutal, acho que o Estado é um Estado paquidérmico, acho que ele tem profundos defeitos, acho que isso leva a exacerbar processos de corrupção. Mas nem tudo que está ali caminha contra essa direção. Por outro lado, você não pode ir ao limite oposto. É possível dar 500 exemplos. Se você for à área de telecomunicações, por exemplo, e verificar o que hoje se fez em matéria de avanços: eu fui visitar o CPQD [Centro de Desenvolvimento e Pesquisa] da Telebrás [Telecomunicações Brasileiras S.A], em Campinas. Você vai ver um ganho de ciência e tecnologia e desenvolvimento tecnológico, lá, que é absolutamente inimaginável e que permitiu que a indústria brasileira privada, se valendo de certos desenvolvimentos, lá, produzisse algo como, por exemplo, terminais de telefone para os quais – e isso não é informática – havia reserva para empresa estrangeira no Brasil. Aqui em São Paulo, por exemplo, a Telesp só podia comprar telefone da Ericson [fabricante mundial de equipamentos de telecomunicações]. Ela podia negociar com a Ericson, mas só podia comprar da Ericson, uma reserva de mercado escrita em contrato. A mesma coisa aconteceu no Rio, a mesma coisa aconteceu em Curitiba com outras empresas como a Siemens [empresa de equipamentos e sistemas de alta tecnologia, também no setor de telecomunicações] com a... bem, o simples fato de você desenvolver um terminal com as características necessárias no Brasil acabou por permitir que o preço das próximas concorrências caísse de mil dólares para 500 dólares. Isso baixou em todos, inclusive naqueles que eram feitos com tecnologia estrangeira. Hoje, no mundo inteiro, você compra terminal da empresa local. Na Alemanha, o terminal telefônico custa cinco vezes mais do que custa nos EUA, mas eles compram é da Siemens. Porque é isso que permite à Siemens faturar 25 milhões de dólares por ano, permite a ela ser competitiva no mundo. Não dá para você sair de um extremo e caminhar para um outro extremo. Não dá para você sair de uma sociedade que era protecionista e cair para um outro ponto no instante em que o mundo oferece profundas transformações. Foi publicado, recentemente no jornal, a respeito do futuro imediato ou as perspectivas de futuro imediato para a Europa, extremamente consternador... você vai ter...
Jorge Escosteguy: Desculpe interromper! Só pegar uma carona, aqui, que o senhor falou em protecionista, antes de fazer a pergunta, o Aldinei Lopes, ele ligou de Bálsamo, São Paulo. O senador já respondeu à pergunta sobre os casos de corrupção. José Carlos, de São Paulo, também pergunta sobre corrupção e Irene Nogueira de Castilho, de São Paulo, sobre a questão de ter subido no palanque do Lula. Aqui, não são duas perguntas, mas são duas opiniões: uma no cravo e outra na ferradura. Antônio de Souza Santana Filho, de Registro, diz que o senhor não é uma pessoa indecisa e sim, muito coerente; já o Alberto Meireles, aqui de São Paulo, diz que o senhor não é indeciso, o senhor é o maior sofista [entro os gregos dos séculos V e VI, o sofista era um mestre da retórica, que ensinava conhecimentos gerais, gramática e a arte da eloqüência. Atualmente, tem a acepção de quem utiliza a habilidade retórica para defender argumentos enganosos ou inconsistentes] desse país. O Carlos Nobre Camargo, aqui de São Paulo, telefonou...
Mário Covas: Se eu estou na escola dos sofistas até que eu não estou tão mal – ainda, mal que eu saiba quais foram os sofistas –, de forma que essa linha de pensamento filosófica é até bastante grata para quem é acusado de pertencer a ela. Não me aborreço que ele diga isso, não.
Jorge Escosteguy: O Carlos Nobre Camargo, aqui de São Paulo, telefonou e disse que: “em 79, quando a Veja publicou que o senhor não tinha fechado contra a liberação da rede de informática, eu fiquei decepcionado com o senhor como eleitor do PSDB”. Até que ponto essa sua decisão reflete a do partido diante do desenvolvimento do país? O senhor falava em proteção, protecionismo?
Mário Covas: Quem falou isso?
Jorge Escosteguy: Carlos Nobre de Camargo.
Mário Covas: Não, mas disse que quem falou isso?
Jorge Escosteguy: A revista Veja.
Mário Covas: É verdade. A revista Veja publicou – aliás, publicou erroneamente, e eu dei ciência disso ao dono da revista –, que eu tinha apresentado uma emenda prorrogando até o ano 2000 a reserva de mercado [lei nº. 7.232 de 1984, em vigor até 1992, pela qual só era permitida a importação, no setor de informática, de produtos para uso técnico-científico e não comercial. O objetivo era a proteção da produção interna, subsidiando produtos e oferecendo vantagens aos fabricantes] e eu não apresentei nenhuma emenda nessa direção. Tive a oportunidade de telefonar para o dono da Veja e disse: “Olha a sua revista publicou isso. Faz até uma afirmação de que eu fiz isso monitorado pela Bicomp, que é a empresa que trata desses assuntos...
Jorge Escosteguy: Só para esclarecer ao Carlos Nobre, a sua posição sobre a reserva do mercado de informática, qual é?
Mário Covas: Acho que a reserva de mercado prestou o seu papel. Eu acho que, ao contrário do que se diz, nesse período de cinco anos anteriores, o único setor da economia nacional no qual houve ingresso de capital foi a informática. E nesse período, você pulou de uma mão-de-obra total de cinco mil pessoas para cerca de 50 mil pessoas, com quase 10 mil funcionários com nível superior. Não houve paralelo disso em nenhum ramo industrial. Acho que apresentou defeitos, nós caminhamos muito para o hardware, muito pouco para o software, acho que isso é um defeito da lei de reserva de mercado, mas ela exercitou o seu papel. E quando você compara o que aconteceu na Argentina, ou o que aconteceu no México, você vai ver que o país, o Brasil foi, no período de 80 a 90, o país com maior índice de crescimento no setor de informática, de forma que ela prestou o seu papel, ela cumpriu a sua tarefa. É evidente que você precisa reformulá-la e retomá-la, daí por que a minha surpresa, ao verificar na revista, a notícia de que eu tinha promulgado uma emenda prorrogando até o ano 2000. Telefonei ao dono da revista e disse: ”Olha, isso é uma informação não verdadeira”. “Bem, mas o que é que o senhor quer que eu faça?”. “Eu não quero que o senhor faça nada, eu estou achando que o senhor falou uma coisa na revista que não é verdade, porque o senhor tem interesse em saber disso. O que o senhor vai fazer com a informação é seu problema, não é meu problema, eu simplesmente lhe digo isso”.
Ottoni Fernandes: Senador, uma questão: privatizar o serviço da Previdência, por exemplo, isso aí é uma solução para a corrupção e melhorar o sistema?
Mário Covas: A solução maior para a Previdência, no sentido da corrupção, é você entregar a gerência a quem é beneficiário e contribuinte dela. Eu tenho um projeto apresentado, aprovado agora na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, pelo qual todos os conselhos da Previdência, devem ser um conselho tripartite, no qual estejam representados, em igualdade de condições, o governo, o empresário e o trabalhador e, fundamentalmente – ou, pelo menos, com participação – o aposentado. Esse me parece, de todos, o maior objetivo. Não é você privatizar parte da Previdência ou até toda a Previdência. O serviço de saúde, hoje, está todo privatizado e é em cima dele que eu ouço a cada instante a afirmativa de que é um maná [do hebraico, significa “o que é isto?”, a pergunta que os hebreus faziam, ao serem retirados do Egito por Moisés, ao comerem um tipo de alimento desconhecido, que surgia sobre a terra. Simboliza um alimento inesgotável, que não se deteriora com o tempo]. De forma que não é só por isso, nós precisamos afastar essa idéia de que o que é privado é sempre bom e de que o que é público nunca presta, não é verdadeira essa afirmativa. Ela não vale nem para a chamada privatização. Esse país tem que privatizar em termos de empresa, porque o Estado perdeu a capacidade de investir. É por isso. Só que é por isso, sendo por isso, por obrigação, eles teriam que fazer a privatização, obrigando quem compra a assumir compromissos de investimento no futuro, como se fez na Alemanha, como se fez na Inglaterra, como se fez numa série de lugares. Aqui não, não há compromisso. Além de eu comprar com moeda podre, eu não tenho compromisso quanto a investimento futuro. Têm três posições em relação a isso. Há quem diga o seguinte: “Olha aqui, precisa privatizar porque tudo que o Estado faz não presta!”. Isso é conversa. Basta olhar a Vale do Rio Doce [siderúrgica do chamado vale do aço, em Minas Gerais, privatizada em 1997, que ganhou notoriedade por se tratar de uma empresa, embora estatal, lucrativa e de proporções gigantescas], e a gente vê. A Vale do Rio Doce é uma empresa que, num mercado extremamente competitivo, como é o de minério de ferro, produz e exporta 25% do consumo mundial de minério de ferro. A Petrobras tem índice de natureza internacional altamente qualificado. Se você for à Bacia de Campos [a maior reserva petrolífera do Brasil, com cerca de 100 mil quilômetros quadrados, do litoral do Espírito Santo até o Rio de Janeiro], você vai ver plataforma de exploração em águas profundas a 500 metros de profundidade, com tecnologia desenvolvida aqui. Agora, isso não significa que tudo que é do Estado é ruim, até porque muita coisa caiu na mão do Estado porque padeceu na mão da iniciativa privada. Então, não é por aí a resposta. Por outro lado, há quem diga o seguinte: “Olha, o Estado precisa largar de gastar dinheiro nessa área porque ele não está fazendo a obrigação que lhe cabe. Ele não está dando habitação, não está dando saneamento, não está dando escola, não está dando saúde, ele não está fazendo aquilo que é a sua obrigação precípua, que são atividades de natureza social”. É um raciocínio válido. Principalmente, porque aquilo que não existia no início do processo de desenvolvimento nacional, que era a capacidade de acumulação que só existia na mão do Estado e que permitiu a alavancagem do processo econômico Brasileiro, hoje mudou. Hoje não é o Estado que não tem dinheiro; quem não tem é a iniciativa privada. Eu dou um exemplo disso, clássico. Eu vi, como estudante de engenharia, criarem uma empresa em São Paulo que se chamava Cosipa [Companhia Siderúrgica Paulista]. Eu a vi ser criada lá no Instituto de Engenharia [Instituto de Engenharia de São Paulo, onde Covas graduou-se] e fui acompanhar porque vi que o layout era em Cubatão [município da baixada santista] e precisava ir para o mercado de trabalho. Vi Plínio Queiroz [engenheiro que levantou, pessoalmente, assinaturas de particulares, firmas, escritórios de engenharia e do próprio governador de São Paulo, à época, Lucas Nogueira Carcez, obtendo recursos e apoio para a construção da Cosipa], e [...] Branco se reunirem e fundar essa empresa. Essa empresa, quando inaugurou o primeiro alto-forno, eu já era deputado, eu fiz um discurso na inauguração do primeiro alto-forno, em 65, e 97% do capital era do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Ela não foi estatal por opção, ela foi estatal porque não havia na iniciativa privada competência financeira para fazê-lo. Bem, as deformações, principalmente no regime militar – nunca se estatizou tanto quanto no regime militar –, acabaram por levar o Estado a ser “gerente de hotel”.
Ottoni Fernandes: Do “hospital do BNDS” [alcunha devida a concessões de financiamentos a juros baixos, a empresas com dificuldades financeiras].
Mário Covas: Fazer uma série de coisas. Hoje a razão básica pela qual você tem que privatizar é porque, primeiro, a iniciativa privada já tem essa competência; segundo, ela tem capacidade de reinvestimento futuro. Se tem, você tem que exigir isso no processo.
Jorge Escosteguy: Senador, desculpe interrompê-lo! O nosso tempo já está se esgotando. A última pergunta desse mesmo assunto, se o senhor puder ser breve, por favor! Surgiu de novo a discussão sobre o fim do monopólio estatal do petróleo. A sua posição, do PSDB, em relação a isso qual é?
Mário Covas: Isso tem um sentido simbólico, que não tem o menor significado. Você poderia ter contrato de risco, porque a Petrobras já ganhou uma dimensão de natureza nacional que lhe permite até gerenciar essas coisas. Agora, acho que duas áreas eu não privatizaria nunca: eu não privatizaria a área de telecomunicações e não privatizaria a área do petróleo.
Jorge Escosteguy: Muito bem. Nós agradecemos, então, a presença nesta noite, no Roda Viva, do senador Mário Covas do PSDB. Agradecemos também aos jornalistas que nos acompanharam na entrevista e aos telespectadores, lembrando que as perguntas que não puderam ser feitas ao vivo serão entregues, depois, ao senador. O Roda Viva fica por aqui e volta na próxima segunda-feira, às nove horas da noite. Até lá e uma boa noite a todos!