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Memória Roda Viva

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Marie-Pierre Poirier

29/11/2004

Representante do Unicef no Brasil, após ter passado por vários países, Marie-Pierre Poirier discute as causas do aumento da incidência da aids entre crianças, adolescentes e jovens e propõe medidas efetivas para reverter o quadro atual

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[Programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Mônica Teixeira: Boa noite. Dia 1º de dezembro, quarta-feira, o mundo comemora, mais uma vez, o Dia Mundial de Combate à Aids. Mais uma vez, a atenção de todos se voltará para essa doença já descrita como a pior epidemia da humanidade e que está contaminando cada vez mais crianças e adolescentes em todo mundo. A aids, especialmente entre as crianças e os adolescentes, é o tema da discussão de hoje no Roda Viva, que também abordará outras questões ligadas aos direitos das crianças e dos adolescentes. Isso porque nossa entrevistada desta noite é Marie-Pierre Poirier, a nova representante do Unicef no Brasil, o Fundo das Nações Unidas para a criança. Ela trabalha há vinte anos na entidade, passou por vários países, ultimamente esteve em Moçambique, país de língua portuguesa, e assumiu seu posto no Brasil em outubro. E já está comandando aqui no Brasil, junto com governo brasileiro, um novo plano de combate à aids. O alvo, desta vez, serão os menores de idade, especialmente as meninas cada vez mais vitimadas pela doença, a ponto de o problema ter se tornado o principal foco de ação do Unicef.

[Comentarista]: Unicef.org.br é a página brasileira do Fundo das Nações Unidas para a criança na internet. O Unicef foi criado em 1946 na Primeira Assembléia Geral das Nações Unidas com um objetivo: promover o bem-estar da criança e do adolescente sem discriminação de raça, credo, nacionalidade, condição social ou opinião política. No começo, dedicou-se à assistência emergencial a milhões de crianças no período pós-guerra na Europa, no Oriente Médio e na China. Com a reconstrução da Europa, alguns integrantes da ONU entenderam que estava cumprida a missão do Unicef, mas os países pobres argumentaram que as Nações Unidas não podiam ignorar as crianças ameaçadas pela fome e pela doença em outras regiões do mundo e também por guerras, que colocaram armas em mãos de adolescentes e criaram os mais duros símbolos das crises humanitárias do século XX. Foi para levar proteção às crianças e adolescentes, alvos de todo tipo de ameaça no mundo, que o Unicef foi mantido e teve seu trabalho expandido cada vez mais para outros países. Chegou ao Brasil em 1950 com um acordo de proteção à saúde de gestantes e crianças no Nordeste. Nesses mais de 50 anos, o Fundo ampliou seu trabalho no país através de parcerias com o governo federal, estados e municípios e com o setor privado, com a mesma missão de origem: defender e promover os direitos das crianças e adolescentes brasileiros. Direito à saúde, à educação, à segurança. Paralelamente às mobilizações em torno desses direitos, o Unicef passou a monitorar a situação das crianças e adolescentes em todo o país. E o Brasil, apesar de ter uma das mais avançadas legislações, como é considerado o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA], ainda tem sérios desafios pela frente. Precisa colocar na escola um enorme contingente de crianças sem acesso à educação, precisa tirar do trabalho infantil outra multidão de menores; precisa criar proteção para milhares de crianças e adolescentes que sofrem violência doméstica ou são vítimas da violência nas ruas e precisa barrar a ameaça que a aids hoje representa para os jovens. Desde o surgimento da epidemia de aids na década de 80, mais de dez mil crianças de até doze anos de idade foram contaminadas, no Brasil, e mais de 36 mil jovens de treze a 24 anos contraíram o vírus HIV. A doença está crescendo entre as mulheres e cada vez mais entre as meninas.

Mônica Teixeira: Para entrevistar a representante do Unicef no Brasil, Marie-Pierre Poirier, nós convidamos Roseli Tardelli, editora executiva da Agência de Notícias de Aids; Gilberto Nascimento, editor de cidadania da revista Isto É; Márcia Bongiovanni, editora de infância e adolescência do Jornal da Cultura; José Maria Mayrink, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo; Geraldinho Vieira, jornalista e representante da Fundação Avina no Brasil; Flávia Oliveira, repórter especial da editoria de economia do jornal O Globo. Acompanham a entrevista em nossa platéia os seguintes convidados, Vilma Amaro, assessora de imprensa da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança; Ana Maira Perez Silva, do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto; Marcelo Sodelli, psicólogo especializado em prevenção à aids; Maria Luiza Eluf, do Centro Vergueiro de Atenção à Mulher; Regina Figueiredo, socióloga e pesquisadora da Secretaria Estadual da Saúde; Edmundo Martinho, da Cooperativa de Promoção da Cidadania; Roberto Tardelli, do Centro de Referência da Criança e do Adolescente da OAB São Paulo; Liana Muller Borges, fundadora da ONG Criança do Brasil; Fernanda Guilardi Sodelli, da Associação de Prevenção e Tratamento da Aids; Enza Mattar, da Associação Nacional dos Centros de Defesa e Direitos de Crianças e Adolescentes; Raquel Mello, oficial de comunicações do Unicef e Tatiana de Jesus Pardo, do Projeto Reviver, associação de apoio à criança HIV positivo. O Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV para todos os estados brasileiros e mais o Distrito Federal. Marie-Pierre, boa noite, muito obrigada por ter vindo. A minha primeira pergunta é: o que houve que a aids é hoje uma grande ameaça às crianças e aos adolescentes? Ela é uma ameaça por que as crianças e os adolescentes estão sendo mais contaminados ou numa proporção maior, ou ela é uma ameaça por que essas crianças, esses adolescentes, podem ter crescido e estão crescendo sem os seus pais?

Marie-Pierre Poirier: Bom, na verdade são as duas coisas. A evolução geral no mundo da epidemia é que saiu dos grupos primários de vulnerabilidade que eram os grupos de homossexuais, trabalhadores do sexo, grupos muito específicos em todos os países. E, ao longo do tempo, a epidemia atingiu a população em geral. E, como foi explicado muito bem durante a pequena filmagem que acabamos de ver, as mulheres, que antigamente eram menos vulneráveis, agora chegam a representar quase metade da população afetada pelo HIV. Então, isso tem uma incidência em crianças e adolescentes, porque hoje podemos dizer que temos mais ou menos quatorze mil novas infecções por dia; destas, dois mil são de crianças pequenas que pegam o vírus através da transmissão vertical da mãe para o bebê, no momento do nascimento, e o outro grupo mais vulnerável são os adolescentes, os jovens. Se a gente analisa a prevalência por grupo de idade, de cinco a cinco anos, os bebês têm uma vulnerabilidade, depois há uma diminuição da epidemia, um grupo que tem vulnerabilidade menor, depois cresce muito de 15 a 19, 19 a 24, e depois continua a crescer bem menos. Então os adolescentes, os jovens e os bebês são muitos vulneráveis. A outra dimensão da problemática é a que você falou. Em países de alta prevalência – sabemos que a África Austral [parte sul de África, banhada pelo Oceano Índico na sua costa oriental e pelo Atlântico na costa ocidental. É formada pelos seguintes países: Angola, África do Sul, Botsuana, Lesoto, Malaui, Mauritânia, Moçambique, Namíbia, ilhas Maurícias, Zâmbia, Zimbabue] é onde temos os índices de prevalência maiores – o número de crianças órfãs está crescendo de maneira exponencial. Já falamos de treze milhões de órfãos, por causa da aids no mundo inteiro, e na África Austral, os números estão crescendo realmente de maneira muito preocupante. A problemática dos órfãos é só uma parte, porque há muitas crianças que acompanham o fato de os pais e as mães ficarem doentes, depois eles continuam a crescer dentro do ambiente... Se perde a mãe, normalmente perde o pai, porque a doença se transmite dentro do casal. E então o número de crianças que vive gradualmente sem o acompanhamento da família cresce muito. A nossa preocupação é dizer que para os dois pontos da problemática há resposta. Em relação aos bebês, já o conhecimento técnico é muito claro, é possível baixar a transmissão, fazendo isso no último momento da gravidez da mãe, no momento do parto, e acompanhar o bebê depois do nascimento. E isso por um custo muito razoável, realmente reduz a transmissão de maneira incrível. Aqui no Brasil, onde temos um programa de resposta nacional muito dinâmico, a cifra que eu li é que baixou até 7% dos bebês que nascem de mães soropositivas, que é muito menos que nos outros países.

Mônica Teixeira: Quer dizer, só 7% dos bebês, filhos de mães soropositivas...

Marie-Pierre Poirier: Sim, sim, exatamente. Uma mãe soropositiva tem só um terço de chance, digamos, ou de risco de ter um bebê soropositivo também. Se entrarmos com um programa de prevenção da transmissão vertical, essa transmissão pode se reduzir pela metade, então fica para mais ou menos 15%. No Brasil, onde a gestante é acompanhada não só no momento do parto, mas durante o período da gestação, e o bebê depois do nascimento, caiu para 7%. Isso para dizer que se há vontade e se há acompanhamento de todas as mães grávidas – porque esse é o problema – realmente poderemos chegar a um ponto de reduzir a transmissão vertical quase para zero. No caso dos adolescentes, é um pouco diferente. Lá a transmissão é devido, em geral, à atividade sexual não protegida. É a importância da prevenção, porque normalmente quando os jovens sabem não só do fato da transmissão mecânica da doença, mas como se proteger e como negociar relações de respeito mútuo entre eles e seus parceiros, a experiência de muitos países do mundo mostra que se pode reduzir a transmissão também.

Mônica Teixeira: A senhor falou...

Márcia Bongiovanni: [interrompendo] Desculpe. Então o que o Unicef sugere para conversar com esses jovens? Porque aqui no Brasil, a gente tem duas situações: do jovem que tem a informação da transmissão e não usa camisinha, tem acesso à camisinha, tem informação e não usa. E tem o jovem que tem o desconhecimento, tem a ignorância. Quer dizer, qual é a sugestão do Unicef para conversar com esses jovens? São quatro milhões de jovens brasileiros que estão iniciando atividade sexual todos os anos. Como a gente conversa com eles e os envolve nessa questão?

Marie-Pierre Poirier: Bom, a primeira sugestão seria conversar com eles, não informá-los só. Tem que ser um diálogo. Se a informação chega sem uma possibilidade de resposta, uma possibilidade de fazer perguntas, nunca funciona. Quando a gente pergunta aos jovens de onde ele precisa receber a informação para se sentir parte da solução, eles falam só dos amigos, porque entre amigos há um diálogo. Se no Brasil a maioria dos jovens tem informação sobre como se proteger, já vou ficar muito satisfeita de saber isso...

Márcia Bongiovanni: [interrompendo] Eu não sei se é a maioria, mas muitos sabem se proteger. Nos grandes centros, pelo menos.

Marie-Pierre Poirier: Bom, como você sabe, estou há poucas semanas aqui, eu só posso opinar um pouco desse período. O que significa ter informação? Informação que capacita, que é útil ter. A informação de que a aids não é um mosquito é interessante, mas depois o quê? Nada. As pesquisas feitas na África mostram que 50% das mulheres não são capazes de citar duas maneiras de se proteger. Então todo mundo ouve falar da aids, todo mundo sabe que é uma doença, mais ou menos todo mundo sabe que tem alguma coisa a ver com o sexo, e depois o quê? Informação é muito mais do que informações estatísticas. Tem que incluir uma parte que cria uma possibilidade aos jovens de escolher um tipo de vida positiva. Então o diálogo com os jovens é muito importante. Por exemplo, durante os primeiros anos de trabalho, de luta contra a doença, o conteúdo dos programas de discussão com os jovens era muito a propósito da mecânica da transmissão – como o vírus se transmite, a necessidade de fazer sexo protegido, tudo isso. E os jovens  – eu trabalhei na Namíbia antes de Moçambique, um período de mais ou menos oito anos. Quando começamos a dialogar com eles, toda essa parte mecânica não interessava a ninguém, todo mundo sabia disso durante os primeiros dez minutos. O interessante era a negociação de uma relação igual, de uma relação de respeito; toda a problemática de como os jovens se relacionam, o modelo de alguém entre eles que tinha muitas namoradas ou não. Eles gostavam de falar disso. Então quando entramos em um pouco de sofisticação de todo o ambiente das relações entre eles, já melhorou muito. A outra dimensão que eles achavam muito importante era o ambiente social, porque muitas vezes se fala do problema de programas que dão informação apenas focalizando a pessoa, eu ou você vai receber informação. Se não fazemos parte do ambiente social, que permite que eu escolha fazer as coisas certas, comprar camisinha é só uma parte. Comprar onde? Comprar como? Se a gente precisa ir ao centro de saúde, onde a enfermeira lá depois telefona para a mãe dizendo: “Olha, você sabe o que ... [não conclui]”. Ou se precisa entrar, por exemplo, numa farmácia e, dependendo da idade, a pessoa não tem acesso, porque a loja não vende. Então todo o ambiente social tem que ser construído para permitir.

Márcia Bongiovanni: Mas quem deve estabelecer esse diálogo com o adolescente? A família, a escola, o poder público, a comunidade? Quem é que tem que conversar com o jovem? De quem é a responsabilidade por esse diálogo? De todos nós? Da imprensa, inclusive?

Marie-Pierre Poirier: Se entramos na perspectiva de direitos humanos, quem tem a obrigação de fazer isso, em primeiro lugar, é o Estado. O Estado em todas as suas dimensões. O Estado, poder público, e a própria família. Na verdade o professor tem uma responsabilidade. E os programas de resposta à epidemia da aids atualmente começam a sair do controle, do domínio do setor da saúde. O setor da educação tem uma responsabilidade muito alta, os outros setores também. Na verdade o que funcionou bem até agora foram os programas que responsabilizam, que protagonizam os próprios jovens. Então se fala em educação de pares, que é quando alguns jovens realmente têm informação que capacita, informação que dá possibilidade de escolher um tipo de vida positivo. Depois a segunda perna são os serviços prestados, como o tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, compra de camisinhas, tudo isso. E a terceira perna é o ambiente favorável que permite a escolha pessoal de uma vida positiva. Com essa parceria – das três pernas e o papel muito ativo do jovem –  podemos chegar a resultados muito impressionantes. Por exemplo, na Namíbia, que é um dos países da África Austral com prevalência muito importante –  talvez 25% da população –  em três anos foi possível a Unicef, com os nossos parceiros do governo, ter um programa desse tipo e fazer cair a transmissão da epidemia para tornar-se horizontal. Então não diminuiu até agora, mas pelo menos temos uma situação de estabilidade.

Roseli Tardelli: A senhora citou Namíbia, a senhora citou Moçambique que foram países onde a senhora já esteve, a senhora está agora no Brasil. Na sua avaliação, que papel tem o poder público? E na sua avaliação, o poder público tem exercido esse papel? Ou seja, a responsabilidade de propor políticas públicas conseqüentes, ações conseqüentes de prevenção em todo mundo. A gente está vendo a aids estourar na África, a gente está vendo a aids estourar também na Ásia. Na minha avaliação, infelizmente, o mundo está perdendo a guerra para a aids. A gente já está nessa história há 23 anos, não é?

Marie-Pierre Poirier: Bom, a sua pergunta não é sobre o Brasil apenas. Na verdade, uma coisa certa sobre o Brasil é que o poder público entrou na luta muito cedo e entrou com uma abordagem, que àquela altura, era um tanto diferente da dos outros, com o tratamento para todos. E tratamento para todos é uma abordagem que pode ser muito ligada à prevenção, porque se a gente tem certeza de que conhecer o estado dá direito a tratamento, motiva a população a se aproximar do serviço de saúde e conhecer o estado pessoal, se a pessoa tem ou não o vírus da aids. No mundo inteiro, você tem razão. Eu acho que demorou muito o fato de se dar conta de que essa epidemia não era... Nos primeiros anos era uma coisa de alguns grupos muito específicos, então o resto da população se sentia totalmente protegido, [dizendo] “Eu não faço parte desse grupo, não há problema”. Depois tornou-se um problema da África, porque lá a passagem, que acabamos de discutir, de sair dos grupos específicos e entrar na população em geral começou com uma velocidade maior. Na verdade nos países da Ásia, da América Latina, todo mundo pensava: “Não é o meu problema”. E hoje o relatório da Unaids, que é um programa conjunto das Nações Unidas e de todos nós lutando juntos contra a doença, mostra o quê? As áreas do mundo onde o crescimento da doença tem mais velocidade é onde? Onde não aconteceu nada até agora. No leste da Ásia cresceu em 50%; leste da Europa e Ásia central, 40%. O que podemos ver é que quando a doença sai dos grupos específicos e entra na população em geral, o crescimento é exponencial. Não sei se com certeza a resposta não foi a tempo, mas por outro lado estou vendo algumas coisas positivas. A primeira coisa, muito importante, eu acho, talvez há quase dois anos atrás, o tema da aids foi colocado dentro do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Antigamente se falava e todo mundo sabia, que não era uma doença só, que precisa de uma resposta multi-setorial, a educação tem uma responsabilidade muito importante, se falava de uma doença que precisava de uma resposta. Quando entra como tema no Conselho de Segurança, já muda a problemática. É uma coisa de sobrevivência de países, é uma coisa de equilíbrio mundial. Quando sabemos que alguns países como Botsuana, Lesoto, Namíbia, têm 25, 30, 35% de prevalência, quer dizer que, como nesses países o acesso a tratamento não é generalizado, até que é muito baixo, apesar dos esforços do governo, o impacto na pirâmide demográfica desses países vai ser enorme. Eu costumo falar do caso da Suazilândia, que é um país bem pequenino, quando a gente [compara com o povo] é brasileiro, é um país muito pequenino, com gente que são seres humanos.

Mônica Teixeira: Marie, você disse no começo do programa – Marie-Pierre, desculpe – que quatorze mil pessoas por dia contraem aids no momento e que destas, duas mil são crianças. Desse número, quatorze mil por dia em geral na população e duas mil crianças, qual é a participação da África? Qual é a participação da Ásia? E qual é a participação da Europa Central?

Marie-Pierre Poirier: O epicentro da epidemia é na África Austral. Por exemplo, se atentamos aos números maiores, são quase quarenta milhões de pessoas que vivem com o HIV hoje. Destes quarenta milhões... Dezessete milhões são mulheres, então agora o peso das mulheres cresceu exponencialmente; destes quarenta milhões, 25 milhões mais ou menos são na África Austral. América Latina...

Mônica Teixeira: [interrompendo] E na África austral, a proporção de mulheres e homens há muito tempo é...

Marie-Pierre Poirier: É quase 60%.

Mônica Teixeira: [interrompendo] De mulheres?

Marie-Pierre Poirier: Sim, as mulheres já passaram os homens na África Austral. Na América Latina é só um, só, entre aspas, 1,7 milhões, deles, mais ou menos, 36% de mulheres. Mas o que é importante é que a aceleração da transmissão entre as mulheres é muito maior. Por exemplo, no próprio Brasil, em 1985, 24 homens para uma mulher positiva.

Mônica Teixeira: [interrompendo] Hoje?

Marie-Pierre Poirier: Hoje quase dois por um. No Paraguai, em todos os países do mundo. Na África as mulheres já passaram [os homens]. Outro fator importante é a super-representação dos jovens e adolescentes. Hoje a epidemia continua a crescer, no ano passado aumentou em 12%. Então você tem razão, apesar de falar mais, continua a crescer, e aumentou mais nas regiões de baixa prevalência. Há mais mulheres e mulheres adolescentes. Hoje no mundo a doença tem cara de adolescente mulher. Isso é uma dinâmica muito diferente que antigamente. Por isso a importância da prevenção, a importância de tirar a aids do armário, que é um problema dos outros. Temos que colocar na mesa falando que os países como o Brasil e América Latina em geral, onde a prevalência agora já é baixa, podemos dizer, é hoje que tem que ser organizada a resposta e não pode ser uma resposta de grupos específicos só, tem que incluir isso, porque claro que temos... Temos que organizar um processo em que todo mundo ache necessário saber “qual é o meu estado? Eu tenho ou não? Se eu não tenho, como vou ficar negativo? Se eu tenho o vírus, onde eu vou ter acesso ao tratamento”?

Flávia Oliveira: A minha pergunta tem a ver com essa questão das mulheres, sobretudo das meninas. É um fenômeno das estatísticas brasileiras recentes, sobre famílias, um aumento da taxa de fecundidade entre as adolescentes de quinze a dezenove anos e especialmente em comunidades de baixa renda, chega a ser cinco vezes maior do que nos bairros de classe média, de classe média-alta. Existem pensamentos, teorias de que a maternidade é uma decisão e não um acidente. Tem a ver com o papel social dessas meninas, dessas mulheres nas comunidades, nas famílias. E em sendo e tornando-se mães, existe um risco grande de contrair doenças sexualmente transmissíveis, não só elas próprias, mas também as crianças. Eu queria saber se vocês têm ações específicas pensadas para as meninas. Quer dizer, fazer aí uma segmentação de gênero. Como lidar com essas moças, essas meninas que têm essa decisão precoce de ser mãe?

Marie-Pierre Poirier: A primeira estratégia é de ter certeza que seja uma decisão. Porque na verdade, os dados do mundo mostram que, no caso da gravidez precoce e no caso das meninas que são soropositivas, a incidência do sexo forçado é muito maior do que se achava no passado. Por exemplo, só [...]  porque, com certeza, os dados estatísticos não são muito desenvolvidos. Na zona rural do Peru, 24% das mulheres que ficaram dentro do programa, reconhecidas como soropositivas, falaram de ter vivido um caso de sexo forçado. No Zimbabue, uma em seis das meninas adolescentes já tiveram também a mesma experiência. E em muitos outros países temos... Na Jamaica as mulheres de vinte anos ou menos, com vida sexualmente ativa, falam a mesma coisa de ter tido essa experiência. Primeira coisa, nós temos que ter certeza absoluta de que seja uma decisão. Se é uma decisão por causas culturais ou não sei o quê, o acompanhamento no pré-natal é muito importante, porque lá se pode acompanhar o problema das doenças sexualmente transmissíveis. Até no caso de a mãe adolescente ser soropositiva, ter o vírus do HIV, podem organizar a vida dela, dando acesso a tratamento aqui no Brasil e prevenindo a transmissão vertical. Então é verdade que a gravidez precoce não é boa do ponto de vista da sobrevivência das crianças. Sabemos que uma das cinco causas da mortalidade infantil é por causa da mãe ser muito jovem. Mas se é uma decisão da menina e com o acompanhamento médico e, oxalá, com presença forte do parceiro para acompanhar essa decisão...

Gilberto Nascimento: Marie, a experiência no Brasil no combate à aids costuma ser bastante elogiada. Pelo menos a mídia sempre está citando isso, o próprio Unicef já chegou até a solicitar ou a manifestar a posição de que a experiência do Brasil poderia estar sendo repetida em outros países como a África. Você que vivenciou a realidade aí em muitos países, é real aqui?  Como a Roseli estava observando agora há pouco, nós temos vários Brasis. Nos grandes centros, a coisa de repente está melhor, mas há regiões do país onde a situação ainda é um pouco complicada. Qual é a sua avaliação a respeito da situação de maneira geral aqui no Brasil, nessa área?

Marie-Pierre Poirier: Do programa nacional de resposta?

Gilberto Nascimento: Sim.

Marie-Pierre Poirier: Muito bom, com alguns desafios. Muito bom, porque entrou no compromisso do Estado de providenciar tratamento a todos. E começou um programa de verdade de treinamento dentro da rede do sistema de saúde. Só que de fato, até agora, não chega a todos os postos de saúde. E o desafio maior é que a população brasileira em geral talvez não saiba disso. Talvez se poderia desenvolver mais uma mobilização social e um ambiente social onde todo mundo decida conhecer o seu estado sorológico, se tem o vírus ou não, para formar uma demanda. Acho que a oferta está lá, mas não chega a todos os lugares, incluindo as zonas mais desfavorecidas. E quando o programa nasceu houve uma participação muito forte da sociedade civil, porque o acesso a tratamento é uma demanda social. Mas depois continuou um tempo na rotina e como funcionou muito bem, talvez se perdeu um pouco dessa mobilização geral de todo mundo, da população em geral de ter acesso ao conhecimento, o direito de saber qual é o seu estado sorológico ou para ter informação para ficar negativo ou ter acesso a tratamento.

Mônica Teixeira: A senhora diria que o fato de o Brasil distribuir remédio gratuitamente dentro do programa DST-aids, há tantos anos, faz diferença no perfil da epidemia? O que acontece com a epidemia num país como o Brasil que tem um programa em que se distribui remédio amplamente, com defeitos e tal, mas amplamente, e um país como Moçambique onde não só o tratamento, o coquetel não está disponível para a maioria da população, como também me parece que o próprio sistema de saúde não suportaria as tarefas relativas à distribuição e acompanhamento dos doentes com aids. Que diferença faz?

Marie-Pierre Poirier: Primeira coisa, aqui temos um programa de prevenção da transmissão vertical. E dentro do funcionamento normal do sistema de saúde, as gestantes quando entram em contato... A força aqui é que muitas gestantes entram em contato, não todas, mas muitas. O teste é uma solução, e a informação que eu tenho é que hoje 50% das gestantes escolhem fazer o teste e depois podem ter acesso a tratamento. Isso é enorme, porque em nível mundial, é menos de 1% das gestantes que precisam, que têm acesso a tratamento. Sem falar na porcentagem das mulheres que sabem o estado de soropositivo delas...

Mônica Teixeira: Então é muito particular, o Brasil vai muito bem aí?

Marie-Pierre Poirier: E outra coisa. Esse programa da prevenção da transmissão vertical, não sei exatamente, mas creio que dois anos atrás, chegava a 40% das gestantes, hoje 50, o plano estratégico prevê 75 e 100% em 2006. Então a visão e o compromisso do Ministério da Saúde são muito claros: todas as gestantes têm acesso à testagem. Se forem positivas, têm acesso a tratamento e à prevenção da transmissão vertical. Isso com os avanços de protocolo e tudo isso, podemos chegar no Brasil, oxalá, falamos 2007, se for possível ao fim de 2006, a uma situação em que não haja mais bebês que nasçam com o vírus. Na África não é possível isso, porque você oferece a testagem e estão sendo multiplicados; fala-se de HTV, lugares onde temos acesso a aconselhamento e testagem. Imagine uma situação em que você oferece esse tipo de serviço e depois, caso seja soropositivo, não há tratamento. Não é como aqui onde há 0.3, 0.6 de pessoas que são soropositivos. Lá em Moçambique a prevalência em nível nacional é 15%, mas províncias do centro, onde temos os corredores econômicos chega a 25, 26%. E depois o quê? Serve, porque a gente tem informação de como viver de maneira mais saudável, de não transmitir a outras pessoas e, gradualmente, de ter acesso à transmissão vertical. A dinâmica é totalmente diferente.

José Maria Mayrink: A senhora falou um pouco antes sobre a necessidade, além da informação, de as pessoas conversarem e depois da decisão da família ou das pessoas que estão interessadas e estão sujeitas a esse problema, estejam infectadas ou não, ainda. Aqui no Brasil, o governo tem dado informação, mas toda a vez que se trata, por exemplo, de prevenção e de uso de preservativos, ele enfrenta dificuldades de forças poderosas, por exemplo, da Igreja, da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]. A Unicef é parceiro da CNBB e tem conversado, e tem trabalhado junto com a CNBB, especificamente no caso da Pastoral da Criança, aliás, foi o Unicef que inspirou a criação da Pastoral da Criança. Eu sei que Moçambique também, o jornal O Estado de S. Paulo mostrou isso ontem numa reportagem, que em Moçambique também há objeções desse tipo – religiosas, morais – ao uso de preservativos. A senhora está aqui há poucas semanas. A senhora já sentiu essa pressão? Já sentiu que vai ter esse problema? E como é que a senhora vai tratar isso?

Mônica Teixeira: Essa pergunta também é do telespectador José Lázaro Solitroni, que é advogado e mora em São Paulo.

Marie-Pierre Poirier: O papel das igrejas é fundamental, e a igreja não é uma realidade muito homogênea. Realmente a parceria das igrejas e das organizações religiosas de todo tipo, entrando na parceira de luta contra a aids, está crescendo muito. Aqui no Brasil, a Pastoral da Criança, em todo o tempo da nossa parceria, ajudou na luta de manter e de fazer baixar a taxa de mortalidade infantil. E eles acompanharam os problemas, tratando de gravidez precoce, de disponibilização de informação, de opções das mulheres, as adolescentes jovens, como parceiro. A posição da igreja é de proteger a vida em geral e de fazer crescer a criança com carinho, dentro do quadro da família. Então pode ser que por aí, por aqui, a igreja tenha alguma hesitação. Em geral não foi a minha experiência. Até na própria Namíbia, o arcebispo da igreja católica organizou uma missa com participação de toda a população, falando de que... no âmbito da aids, se fala de vez em quando do ABC: abstinência, um parceiro só e camisinhas. E ele colocou o “D”: “Se vocês não fazem isso – “D” porque é palavra em inglês que é morte [death]. Depois ele colocou: “A minha preferência é o ‘A’, mas é importante vocês conhecerem as opções”. Então a Igreja tem direito de se colocar dentro dos valores deles e de participar dentro do diálogo para propor uma solução. Eu acho que o tempo de...

Roseli Tardelli: [interrompendo] Mas tem o direito também de exercer pressão política, por exemplo, para que as pessoas transem sem camisinha ou façam apenas a abstinência como opção? É legal? É justo isso num mundo que está morrendo com aids?

Márcia Bongiovanni: [interrompendo] E até que ponto isso não reflete nos números da aids? Porque aqui no Brasil a Igreja  [Católica] condena o uso de camisinha...

Roseli Tardelli: [interrompendo] No mundo, não é?

Márcia Bongiovanni: Aqui no Brasil, em especial, a Igreja [Católica] condena o uso de camisinha. Então como é que você pode controlar uma epidemia com isso? Quer dizer, a senhora está esperando ter apoio da Igreja aqui no Brasil?

Marie-Pierre Poirier: Com certeza. Eles têm o direito de colocar a opinião e exprimir uma preferência. Em geral a parceira das igrejas... Na África temos uma parceira das igrejas, das organizações religiosas muito forte, muito forte, só que a ênfase dentro dos programas de educação entre pares é mais dentro de uma perspectiva. Eles agora se sentem... Sabe que na Tanzânia há uma fila para entrar no cemitério; a gente tem que fazer fila por causa da quantidade de gente que morre de aids agora. As famílias pobres lá não têm dinheiro para comprar – não sei como se chama – a caixinha de madeira onde... [referindo-se ao caixão] Quando começa a entrar nessa dinâmica, os impactos que começamos a falar sobre os órfãos, na Suazilândia, por exemplo, como é um país pequenino em que a prevalência lá é de quase 40%, não há mais adulto; é um país que vai começar a ser um país de crianças. É a primeira vez dentro da história da humanidade que ocorre este fenômeno, que tem muitas conseqüências, porque todo um conhecimento de como cultivar a terra, de como se relacionar com as meninas, quais são os momentos da vida de mulher, quando a gente... Ninguém estará lá para ensinar as crianças. O impacto sobre a sociedade é tal que as igrejas religiosas entram na luta.

Geraldinho Vieira: Marie-Pierre, se me permite, eu queria voltar à questão de gênero que foi colocada, só que invertendo talvez um pouco. A gente fala muito nas meninas, no Brasil se fala muito nas meninas, as políticas públicas falam nas meninas e nas mulheres. E quando falam nos homens, não no aspecto específico da aids, normalmente se referem aos homens a quem não se deve dar o dinheiro da bolsa-família [Programa Bolsa Família], porque possivelmente tomarão cachaça. No caso dos adolescentes, você mesma, ao falar da adolescência na gravidez, falou: “Bom, de preferência que seu parceiro ou pai da criança esteja acompanhando o processo”. E você falava da negociação, do diálogo com os jovens. Há um diálogo que deva ser diferente com o jovem homem? Com a criança do gênero masculino?  Ou o gênero masculino é algo que é muito responsável por uma série de coisas, pelo abandono da menina grávida, no mundo adulto também, e políticas públicas e ONGs vão se esquecendo do homem ou desistindo da figura masculina de alguma maneira?

Marie-Pierre Poirier: Seria um erro. A história da humanidade mostra mais ou menos três mil anos de desigualdade em favor do homem. Então não é com certeza que já chegamos ao ponto de não continuar valorizando, focalizando na mulher...

Geraldinho Vieira: Sem dúvida.

Marie-Pierre Poirier: Depois disso, a resposta é a parceria com os homens. Porque já os dados... quando eu falei que as mulheres, em alguns países da África, não podiam citar duas maneiras de se proteger, os homens jovens tampouco [conseguem fazê-lo]. Porque a imagem de ser homem e de saber tudo, sobre o sexo pelo menos, na realidade, não corresponde. E não há espaço cultural, não há espaço para fazer perguntas, para se documentar. Então há uma vulnerabilidade própria dos adolescentes homens que tem que ser colocada nos programas. E na questão do gênero, não se deve só focalizar na mulher, mas buscar um equilíbrio com responsabilização e protagonismo dos próprios jovens homens. Na vida atual, quem constrói a dinâmica do dia-a-dia continua sendo os homens; então se eles entram e fazem parte da solução, se responsabilizam, é a única maneira de ter sucesso. Não só, como você falou, dentro do âmbito da aids. Em Moçambique tivemos uma outra experiência com Unicef dentro de um programa de suplementação alimentar, onde a idéia, num primeiro momento, era falar com as mulheres, aprender a cozinhar, a preparar, [noções de] higiene, tudo isso. Avançamos até um ponto. Quando os homens entraram e participaram das sessões de treinamento, acompanharam tudo isso, eles fizeram cinquenta mil perguntas, e se criou uma dinâmica muito positiva – dentro da província quando o programa começou – e o programa teve um sucesso muito maior do que falando só com as mulheres.

Mônica Teixeira: O Unicef, Marie-Pierre, não cuida só do assunto “aids entre as crianças”...

Marie-Pierre Poirier: Não.

Mônica Teixeira: A senhora chegou ao Brasil, assumiu a representação há um mês, um mês e meio. Com que idéia a senhora veio ao país para atacar que problemas, além dos problemas das crianças com aids?

Marie-Pierre Poirier: Eu cheguei com várias expectativas grandes, porque o Brasil é um país muito grande, com dinâmica social muito forte, parcerias múltiplas. O assunto da criança agora faz parte da agenda nacional, com certeza absoluta, dinâmica, dinamismo. Então como o Unicef pode acompanhar essa situação? Depois de pouco tempo, é difícil falar, mas talvez há três coisas. Do ponto de vista das metas quantitativas, como metas do milênio, o Brasil já está andando. 96% das crianças freqüentam a escola, a mortalidade infantil caiu, então os números... O problema talvez é a próxima geração de desafios. E acho que o Brasil tem o desafio de articular para não deixar a construção da agenda global para alguns países só. O Brasil tem que articular os desafios de amanhã, incluindo, por exemplo, com certeza absoluta, qualidade e igualdade dos serviços.

Gilberto Nascimento: Marie-Pierre, você falou, por exemplo, uma coisa realmente louvável, o Brasil conseguiu garantir a maioria das crianças na escola, o índice é 96, 97%. Agora não se conseguiu melhorar a qualidade do ensino. Por um acaso, essa semana mesmo, na [revista] Isto É, a gente mostrou a situação de alunos que freqüentam regularmente a escola pública e não aprendem a ler e escrever. Por um acaso, até casos que foram apontados, há quatro anos, de algumas crianças, essas próprias crianças visitadas quatro anos depois, freqüentando a escola regularmente, continuam sem aprender a ler e escrever. Como é que se resolve isso? Pelo menos essa história de que já se garantiu, e foi uma coisa elogiada e louvável, já foi dito há quatro anos e não mudou. E tem outros dados preocupantes aqui, são cerca de dezesseis milhões de jovens brasileiros fora da escola. A gente tem 60% de jovens que não freqüentam um cinema, um teatro, além da violência de milhares de jovens sendo mortos diariamente aqui, vítimas da miséria, da violência...

Geraldinho Vieira: [interrompendo] Só para completar...

Marie-Pierre Poirier: Sim.

Geraldinho Vieira: Nós ainda temos um quadro, que eu acho muito alarmante, que é o fato de termos, talvez, mais de mil municípios neste país onde não haja um livro. Ou seja, é um país que lê muito pouco. Nós estamos conseguindo colocar as crianças na escola, mas não conseguimos construir bibliotecas ou pelo menos colocar livros nas bibliotecas que são construídas. O país fala muito em educação, o Unicef também fala em educação. Mas o Unicef fala muito pouco sobre literatura para as crianças fora da questão da educação formal. Você vê que essa pode ser uma agenda para o Unicef ou é algo suave demais para um país com problemas tão dolorosos?

Marie-Pierre Poirier: Em geral o assunto da qualidade da educação e da educação que tem que capacitar, não só transmitir conhecimento formal, é o desafio. Também a problemática de que entra muita criança, 96% são as crianças que entram; depois os que saem [refere-se à evasão escolar] são muito numerosos. E quem sai não é exatamente um assunto neutro, porque as crianças que saem são as crianças afro-descendentes, crianças pobres, crianças indígenas e por quê? Porque talvez o conteúdo da educação e as metodologias de educação não respondem à necessidade de se capacitar para a vida fora da escola. Então os livros de que Geraldinho falou, é porque você está dentro da perspectiva onde a gente lê e depois torna-se capaz de extrair daí um conhecimento e de escolher opções de vida. Os dados que acompanhamos são muito preocupantes. Por exemplo, uma criança indígena tem sete vezes mais chances de ser analfabeta quando chegar à adolescência. Frequentar a escola ou não quase não faz nenhuma diferença. A problemática de melhorar a qualidade da educação e a equidade da participação é um grande desafio no Brasil. Algumas estratégias já estão andando, temos uma parceria muito forte, por exemplo, com o Banco Itaú e o Cenpec [Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária], em que se fala de ações complementares. Porque para realmente fortalecer a capacidade de aprender das crianças, a ligação entre o mundo da escola e o mundo fora da escola tem que ser maior. E então temos muitas iniciativas ricas dentro deste país de acompanhar as crianças fora das horas da escola, com conteúdo relacionado à cultura, à arte, à música, também com preparação adicional para conseguir sucesso nos exames [escolares, vestibulares]; e uma interligação muito forte entre a escola, os parceiros que organizam o que se chama de ação complementar e a própria comunidade – o museu, o cinema, que podem criar momentos de aprendizagem muito mais informais e que melhoram a relevância e a capacidade de utilizar o conhecimento na vida real.

Flávia Oliveira: A senhora falou em promoção da igualdade, promoção da equidade. Eu queria saber como a senhora e o Unicef se posicionam em relação à questão racial brasileira, que é um dos debates do momento, discutem-se ações afirmativas, políticas de cota. De que forma vocês se posicionam em relação a isso? São favoráveis às políticas de ações afirmativas?

Marie-Pierre Poirier: Bem, achamos que é um assunto muito chave neste momento no Brasil, porque atrás das estatísticas nacionais boas, se entrarmos numa análise, por critério de raça ou cor, a situação é muito preocupante. Então o primeiro apelo é que temos que ter dados sobre isso. Não dá para dizer que no Brasil 96% das crianças... Quais? Tem que ter dados, fatos, e depois temos que entrar na dinâmica de estratégias deliberadas para reduzir a desigualdade, com certeza absoluta. Fala-se muito da desigualdade na educação, mas desigualdades no acesso a centros de saúde, poderíamos entrar para ver qual é a situação. Sobre a representação de jovens, homens, negros, dentro das estatísticas de violência ou de morte por homicídio, por exemplo, é bem conhecida. Por que isso? Então temos que continuar a ter, realmente, estatísticas com cara humana, não só com números. E com certeza estamos com muita energia e ainda vai ser melhor apoiando a Secretaria Geral de Igualdade Racial e todos os esforços que tem que haver para reduzir a desigualdade racial, na parceria com representantes...

Márcia Bongiovanni: Falando na questão da violência, eu queria saber o que a senhora, como representante do Unicef aqui no Brasil, pode trazer de novo em termos de sugestão de política para enfrentar a questão dos adolescentes em conflito com a lei? A senhora já ficou sabendo das Febems?

Marie-Pierre Poirier: Sim.

Márcia Bongiovanni: A situação desses meninos, as denúncias de tortura, enfim, e falta de oportunidade. Medidas socioeducativas em meio aberto quase não existem mais. Qual é a proposta do Unicef para enfrentar esse problema?

Gilberto Nascimento: [interrompendo] Só um dado, a Febem aqui, por exemplo, em São Paulo, gasta 1800 reais, por criança, por jovem e não vem conseguindo resultados satisfatórios. Como é que se muda isso?

Márcia Bongiovanni: [interrompendo] Por mês, 1800 reais por mês.

Marie-Pierre Poirier: É um problema. Talvez vocês saibam que o Brasil acabou de apresentar o relatório sobre a implementação da Convenção dos Direitos da Criança, e uma preocupação que foi levantada pelo Comitê em Genebra que avalia a situação, é a violência contra jovens nas ruas, nas famílias, nas escolas e nas instituições penais. Então isso é uma preocupação grande. É verdade que todo o aparato de justiça juvenil é uma coisa que tem que ser construída, mas não de maneira separada, intelectual, separada da própria comunidade, porque senão não funciona. Temos que organizar um processo de diálogo, de reflexão sobre o porquê de os jovens se comportarem da maneira que eles se comportam e depois acompanhar o problema antes e depois, mas não depois só. Eu sei que de vez em quando é muito criticado, porque se os jovens são violentos, são eles que me atacam, eles têm que sair da sociedade porque são eles o problema. Só que responsabilidade é um conceito muito forte que vai com o direito. Para ter uma demanda de responsabilidade, os jovens, em primeiro lugar, têm direito a ter direitos. Então se um jovem nunca teve direito à educação, à saúde, à proteção, à escolha de vida, como podemos depois aparecer e exigir responsabilidade? Então é todo um processo de pensamento. Se acontece um problema, as instituições que cuidam dos jovens depois têm que entrar na problemática de novo, de diálogo, de oferecer opções de educação, e relacionar-se com a comunidade de maneira positiva. Muitas coisas têm que ser feitas para quebrar esse ciclo de violência...

Márcia Bongiovanni: E a senhora chega ao Brasil num momento de uma discussão muito polêmica, que é a redução da maioridade penal. A senhora deve ter essa informação. Há setores que defendem que o jovem tem que ser punido a partir dos dezesseis anos. Como é que a senhora vê essa questão de reduzir a responsabilidade penal do jovem? Resolve o problema?

Marie-Pierre Poirier: Não resolveu com os adultos. Em todos os países onde a resposta contra o crime ficou mais dura, os anos de cadeia não aumentaram, não teve nenhum resultado em qualquer país do mundo na situação de violência. Então fazer isso com o jovem não é a solução. A solução é uma reflexão em profundidade. Por que chegamos a essa situação? E qual é a responsabilidade do mundo onde esses jovens crescem? Quais são as opções? Quais são as possibilidades que eles tiveram? E começar a construir, oferecendo espaço para o jovem contribuir. Então esses assuntos de educação fora da escola, participação em projetos comunitários, dentro da aids, responsabilização; você tem que compartilhar informação, não só ser o problema, fazer parte da solução. É uma dinâmica social muito mais positiva que, com certeza, em minha opinião, vai ter mais resultado que uma atitude punitiva que só cria mais problemas.

José Maria Mayrink: Isso é o correto e é o ideal, mas a senhora não acha, já se constatou aqui no Brasil, mas também pode ser em outros países, que existe uma cultura contra essa posição. Uma cultura de que vamos tratar o jovem como criminoso, não só baixar a maioridade penal, mas já que ele cometeu tal infração, ele paga por isso. E parte-se assim da experiência pessoal: quando se tem uma pessoa que é vítima na família, de um jovem, cobra-se do jovem, cobra-se até da criança, para a criança, um tratamento como se fosse de um adulto. Essa cultura, a senhora constata que exista também em outros países? A senhora já viu essa experiência e como se enfrentou?

Marie-Pierre Poirier: É uma reação de medo que a sociedade tem quando os jovens se comportam de maneira violenta. Então quando a gente tem medo, a reação normal do ser humano é pôr o perigo fora e a pessoa ficar... Então é uma resposta epidérmica que trata o sintoma, não trata a causa. Acho que apesar de eu me sentir muito perto das pessoas que tiveram esse tipo de problema, não podemos parar com essa resposta, temos que ter uma compreensão melhor de como chegamos a essa situação. Em muitos países, além da África, trabalhei na Ásia durante algum tempo e em Genebra. Com certeza, quando os chamados “programas de justiça juvenil” entram de uma maneira sensível, e depende com certeza do que aconteceu com esse jovem. Mas dentro de uma responsabilidade, dentro de um projeto pessoal, onde o jovem vê que ele tem uma utilidade, um projeto de contribuição para a comunidade, os resultados realmente são impressionantes. O que os jovens precisam é ter um futuro, ter um papel a desempenhar na sociedade. Eles querem isso, mas não têm dinheiro, não têm emprego, não têm educação, não têm nada. Então como a gente se motiva para fazer coisas positivas? Temos que recriar situações onde eles possam compartilhar o dinamismo, a criatividade dentro das comunidades deles e isso já melhoraria muito a situação.

Flávia Oliveira: A senhora vê o Brasil avançando nisso como vê na questão da aids? No tratamento da juventude e de suas crianças?

Roseli Tardelli: Se a senhora tivesse que dar uma nota para o Brasil nesse setor, que nota a senhora daria? Está chegando agora, mas... Vamos espremer ela um pouquinho, não é?

[...]: Já dá, é claro.

Marie-Pierre Poirier: Eu, sabe... [risos] Uma coisa com certeza é que hoje não vou dar nota para o Brasil [risos], porque eu quero ficar aqui algum tempo. Acho que aqui há uma dinâmica positiva. De vez em quando, a gente fala de ter um pouquinho de medo, aparecem artigos na imprensa: “Olha, estes jovens!”. Jovens de quem? Jovens da sociedade brasileira. “Estes jovens que estão fazendo tudo isso! Vamos...”.

José Maria Mayrink: [interrompendo] Depende da vítima também, varia muito conforme a vítima.

Marie-Pierre Poirier: Sim. Mas seria bom analisar, entre todos os casos de violência, qual é o percentual causado pelos jovens, comparado ao peso demográfico do grupo, talvez. Não conheço a resposta a essa pergunta. Isso é normal, totalmente normal. Também estou vendo, em muitas áreas sociais, participação maior dos jovens na vida da...

Flávia Oliveira: [interrompendo] Governo, sociedade civil ou ambos?

Marie-Pierre Poirier: Bom, em geral, nos programas ligados a adolescentes e crianças, a participação dos jovens está começando a crescer, pode melhorar muito. Por exemplo, na própria mídia, eu acho que estamos vendo muitos programas começando a crescer de programas para... Bom, a propósito, primeiramente, de jovens e crianças, depois para jovens e crianças. Agora seria bom entrar de jovens e crianças, colocá-los um pouco mais no controle da situação, organizando os programas, fazendo... Tudo é um caminho que pode melhorar. Estou sentido uma dinâmica que vai numa boa direção.

Mônica Teixeira: Eu vou dar um espacinho para os telespectadores aqui. No final do bloco passado, você mencionou o papel da mídia em relação a jovens e crianças. Então eu vou aproveitar para fazer as perguntas de dois telespectadores, o Marcos Tavares do Rio de Janeiro, o Emilson Nunes Costa, que é professor em Volta Redonda, também no Rio de Janeiro. A pergunta do Emilson diz assim: “Quando a mídia badala a gravidez de uma apresentadora importante que se deu fora do casamento e que tem grande influência sobre os jovens, de algum modo, isso não dificulta o trabalho de prevenção à aids?”. E a outra pergunta do Marcos Tavares diz assim: “Qual é o papel da mídia no combate a aids?”.

Marie-Pierre Poirier: Bom, o papel da mídia é informar, criar espaço de diálogo, incluindo tópicos controversos. Porque não há resposta absoluta, há diálogo e posicionamento de um país acerca de assuntos. Gravidez fora do casamento ou não pode ser um bom tema de discussão. Esse senhor acha que não há espaço para isso; outros que sim, dialogamos, vamos discutir quais são as maneiras de prevenção, as opções de segurança pessoal e de proteção.

Mônica Teixeira: Mas a mídia, em algum país do mundo, é desse jeito que a senhora está dizendo?

Marie-Pierre Poirier: A mídia realmente entrou na luta contra a doença.

Mônica Teixeira: Mas ela coloca os vários pontos? Ela proporciona o debate ou ela diz o que as pessoas...

Marie-Pierre Poirier: Ela informa e, normalmente, não em todos os países, mas em muitos países ajuda a colocar assuntos, e assuntos polêmicos, incluindo, por exemplo, o assunto da exploração sexual. Você falou da responsabilização. É responsabilização até que ponto? Se a violência pessoal, a violência doméstica, até dentro do casamento. Sabemos que o casamento é uma situação de risco para muitas mulheres.

Roseli Tardelli: Tem sido. Marie-Pierre, em algum momento do programa, a senhora disse que o programa brasileiro foi um programa que deu certo, que está dando certo também em função de ter acontecido, a partir de 1996, a distribuição gratuita de antiretrovirais. O jornal Folha de S.Paulo trouxe hoje uma entrevista com o doutor Pedro Chequer, que é o coordenador nacional do Programa [Nacional] DST/aids, onde ele diz que vê o programa com risco de colapso em função dos preços dos medicamentos e de um maior número de pessoas que vivem com HIV e aids hoje no Brasil que poderão se utilizar desses remédios. Eu queria saber qual a posição do Unicef se o Brasil precisar efetivamente quebrar patentes? Como é que vai ficar a posição do Unicef e como é que os senhores vêem, a senhora vê essa questão do preço dos remédios, versus vida, versus quebra de patente, etc e tal?

Mônica Teixeira: Essa também é a pergunta de Betina Leme, telespectadora de Pinheiros, São Paulo.

Marie-Pierre Poirier: O assunto das patentes é um assunto que está sendo discutido e negociado entre os países do mundo. A posição do Unicef, pelo que li da mensagem do Pedro Chequer, era realmente um apelo, para dizer que, apesar dos progressos, durante esses últimos anos – porque de verdade o preço dos medicamentos baixou. Apesar disso, o custo é tal que até para um país com os recursos enormes como o Brasil, com um compromisso enorme, porque já temos uma decisão política de providenciar [os medicamentos retrovirais] a todo mundo. Apesar disso, ao fazer as contas, o custo é muito alto no Brasil. Então eu li o apelo à solidariedade social das empresas farmacêuticas, para elas se responsabilizarem e começarem a tratar, de maneira mais séria, o assunto dos preços. Se Pedro Chequer está preocupado, imagine o ministro da Saúde moçambicano. Ele tem oito dólares por ano, por moçambicano, para tudo na saúde. É uma desigualdade incrível! É verdade que o custo do tratamento com antiretroviral [conjunto de medicamentos, também conhecido como coquetel anti-aids, que atacam o vírus HIV, diminuindo ou inibindo sua reprodução nas células] baixou muito. Mas não é possível hoje para os países de alta prevalência providenciar isso à população. Então eu acho que o apelo é muito importante. A maneira como se resolve isso, na nossa opinião, é a responsabilidade social das empresas farmacêuticas.

Mônica Teixeira: Só um minutinho. Com essa resposta, a senhora respondeu também a pergunta de Roberto Bueno Mendes, do Ipiranga, São Paulo, que é estudante. Eu só queria – desculpe, Geraldo, mais uma vez – esclarecer que no final do dia, o governo brasileiro soltou uma nota oficial da assessoria de imprensa do Programa Nacional DST/aids, cujo título explica a nota, o governo brasileiro garante o acesso universal a medicamentos antiretrovirais para a aids. A primeira linha diz: “O Ministério da Saúde assegura a continuidade da distribuição gratuita de medicamentos para pessoas com aids.”

Marie-Pierre Poirier: E não só isso, eu posso adicionar uma coisa?  Não só para todos os brasileiros, mas para seis países de baixa prevalência. Três na África: Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé; Timor Leste na Ásia; Bolívia e Paraguai. É muito importante, porque isso mostra que o Brasil, apesar de ter desafios próprios e não ter resolvido todos, já entra na dinâmica da solidariedade horizontal. Acho que isso realmente mostra um país que está, pelo menos, tentando assumir a responsabilidade global, porque não é um desafio pequeno. Claro que esses países vão precisar muito mais do que das drogas antiretrovirais; vão precisar de treinamento, de acompanhamento técnico, de desenvolvimento da própria rede de saúde. É com isso que o Brasil se comprometeu. Por isso que o Unicef faz parte dessa parceria, para ter certeza de que esses países – e até quando falamos no Brasil – que todo mundo saiba disso. E que a gente passe da oferta de serviço à demanda de serviço. Porque se ninguém sabe, só nós aqui, é um primeiro passo só. Se a população desses países souber disso e começar a entrar na dinâmica de fazer uma exigência ao governo, isso vai agilizar a construção dos sistemas de saúde e a organização do tratamento.

Geraldinho Vieira: Marie-Pierre, além da questão da aids, já que falávamos de indústria farmacêutica versus vida. O Brasil é um país de enorme concentração de renda. Somos aí a décima, décima-primeira, décima-segunda economia do mundo, com rincões de pobreza terríveis. O Unicef capta recursos no país onde atua, certo? E o Brasil, ou parte do Brasil, é um país muito rico. Como é que você pretende manter relação com a iniciativa privada brasileira, que é também um setor que vem progredindo numa consciência social? Alguma estratégia especial? Que tipo de parceria o Unicef propõe ao empresariado brasileiro?

José Maria Mayrink: [interrompendo] Eu poderia complementar isso aí? Seria muito mais fácil, talvez não o caminho mais eficiente, certamente não é, se o Unicef se entendesse apenas com o governo. Há também hoje, além da iniciativa privada, uma infinidade, um número muito grande, por exemplo, de organizações não governamentais que trabalham com crianças, com programas ligados à criança e que certamente vão recorrer ao Unicef. Complementando então, como é que a senhora vai se entender, vai poder atender, se abrir, a essas entidades? O Unicef tem dinheiro, tem fundos? Até a palavra "fundo" está no nome da Unicef. Ou vai depender de cartões de natal, desses belos cartões de natal, que agora é época de a gente comprar cartão da Unicef?

Roseli Tardelli: Aliás, vende bem? [risos]

Marie-Pierre Poirier: Agora está começando, mas faz parte da imagem, porque... Bom, uma particularidade do Unicef é que, apesar de ser  agência do sistema das Nações Unidas, e então você tem razão de ter alguns fundos da.. O tamanho do programa depende do número de crianças, da taxa de mortalidade infantil e do PIB per capita. Você está vendo que, no Brasil, como o caixa abaixou e o PIB é muito grande, esse dinheiro central da organização não é muito grande. Um terço dos recursos da organização em nível mundial sai de pessoas. Porque os nossos mandatários não são os governos só, é a própria sociedade civil, a minha família, com certeza, oxalá a sua, contribuem com a Unicef comprando cartões ou fazendo doações. Então, é uma organização muito especial das Nações Unidas. No Brasil temos o microcosmo da terra – riqueza, pobreza – e então o papel da organização é de trazer alguns recursos, mas também de acompanhar o desenvolvimento da solidariedade da população brasileira. Não é por sair da África depois de dez anos, mas realmente os recursos, as possibilidades, a riqueza das parcerias que fazem parte do [...], do que o país tem: políticas públicas, criança no centro da agenda nacional. São riquezas enormes! Isso cria uma responsabilidade de solidariedade com os outros países. O José Maria falou como viemos a desenvolver parcerias. Vamos desenvolver mais. Ao longo dos anos 80 e 90, tivemos parcerias muito ricas com a sociedade civil, estamos desenvolvendo outro tipo de parceria com o mundo das empresas, do setor privado, do terceiro setor, como se fala. Porque o papel do Unicef é acompanhar a dinâmica nacional que tenta cuidar das crianças, não é fazer isso em nome da sociedade brasileira, mas acompanhar. Acho que neste momento, como as parcerias são muito fortes, temos representantes aqui na sala, o nosso papel seria mais de acompanhar o impacto de tudo isso. Porque há muito dinheiro que entra ou através do Estado ou através da sociedade civil na área social. Muitos modelos, uma riqueza, uma criatividade enorme que é muito bom. Isso gera um impacto sobre as crianças; como realmente melhora a vida, a qualidade da vida, a capacidade dos jovens, por exemplo, de escolher a vida deles. Ou eles vão continuar a ser objeto das circunstâncias de onde eles nascem, com uma iniqüidade por raça, por gênero, zona rural, zona urbana. Então talvez vamos entrar na perspectiva de apoiar as riquezas das parcerias, e também prestar contas sobre qual é o impacto sobre as crianças de toda essa dinâmica.

Gilberto Nascimento: O governo criou um grupo interministerial para elaborar um plano para a juventude. O Unicef conhece esse plano? Tem participado de alguma maneira?

Marie-Pierre Poirier: Você fala do Plano [Projeto] Presidente Amigo da Criança?

Gilberto Nascimento: É um grupo, eu não sei se tem exatamente essa denominação. É um grupo interministerial para criar propostas na área da juventude. Já existem 44 programas em dezenove ministérios, parece que a idéia é unificar.

Marie-Pierre Poirier: Talvez pode ser isso. O Brasil está com uma mobilização nacional atrás das metas do milênio. Só que essas metas têm que ser contextualizadas, porque algumas coisas, já que chegamos aqui, temos que articular a novas metas e outras continuam a ser desafios. Então como sabemos, todas as metas do milênio realmente, diretamente ou indiretamente, são relacionadas à criança. Se há um compromisso multiministerial, que tem que ter a participação da sociedade civil e do mundo empresarial, para criar a agenda nacional e depois organizar um pouco as parcerias e entrar no assunto do monitoramento de qual é o impacto de tudo isso. Estamos, com certeza, prontos para apoiar isso.

Mônica Teixeira: Marie-Pierre, nós estamos chegando ao final do programa. Eu queria fazer uma pergunta pessoal. Você passou recentemente quatro anos em Moçambique e poderá passar quatro anos no Brasil, ou mais ou menos, não sei. Quando você aceitou o cargo de representante do Unicef no Brasil, o que você imaginou que possa deixá-la satisfeita quando deixar esse posto em direção a outro desafio?

Marie-Pierre Poirier: O Brasil é um país que representa os desafios da Terra. O Unicef é a agência mundial da criança. Neste momento temos uma pequena diferença entre os países em desenvolvimento, onde a parte chave da nossa presença são programas de cooperação para melhorar a realização dos direitos da criança; e no mundo rico, digamos, Europa, América do Norte, comitês nacionais que estão mais na questão de arrecadação de recursos. O Brasil está no centro. E, no momento em que as Nações Unidas em geral estão pensando qual é o nosso papel apoiando os países, o Brasil é um país onde as repostas do futuro podem se construídas. Colocando o problema interno do Brasil de desenvolvimento mais igualitário e solidariedade horizontal com países que têm menos que aqui. Por isso eu achava que, além da imagem muito forte que o Brasil tem, de um país com muita alegria, com cultura forte, de parcerias, de uma importância no relacionamento humano muito forte, não só com o compromisso pessoal das pessoas, não só compromisso institucional, que são pontos muito positivos, trabalhar aqui no Brasil poderia ajudar a construir a agenda pelas crianças do mundo de amanhã.

Mônica Teixeira: Marie-Pierre, muito obrigada pela entrevista. O Roda Viva vai chegando ao final. Queremos agradecer a sua presença aqui. Queremos também lembrar aos telespectadores que, como sempre, o segundo domingo de dezembro, neste ano, dia 12 de dezembro, acontece o Dia Internacional da Criança no Rádio e na Televisão e que a TV Cultura, junto com o Unicef, dedicará a programação de todo o domingo, como tem feito sempre, à criança. Queremos também agradecer a atenção e a colaboração dos telespectadores, dizendo que muitas das perguntas, infelizmente, não puderam ser respondidas, mas serão encaminhadas ao Unicef e à Marie-Pierre para que os telespectadores, de alguma maneira, obtenham suas respostas.

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