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Memória Roda Viva

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Paulo Skaf

20/12/2004

Não se pode insistir numa política de juros elevados se o que se quer é uma indústria forte internamente e competitiva no mercado internacional, diz o presidente da Fiesp, nesta entrevista

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[Programa ao vivo, permitindo a participação de telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. Ele diz que o que é bom para a indústria é bom para o Brasil, e que o Brasil precisa de um projeto em que o trabalho seja recompensado, o investimento seja incentivado, e o emprego e a produção sejam alcançados. No comando da mais forte federação empresarial do país, começa a preparar a nova agenda da indústria paulista, quer maior participação do setor na formulação das políticas de desenvolvimento econômico. O Roda Viva entrevista, esta noite, Paulo Skaf, o novo presidente da Fiesp, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Ele também acaba de ser eleito o novo presidente do Sebrae São Paulo, o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, e tomou posse hoje como integrante do conselho administrativo do BNDES.

[Comentarista Valéria Grillo]: Paulo Antônio Skaf, 49 anos de idade, fez carreira no setor têxtil. Trabalhou 25 anos na Skaf Têxtil, empresa fundada pelo pai, até ser eleito presidente da Abit, Associação Brasileira da Indústria Têxtil, onde atuou nos últimos seis anos. Em agosto passado, Paulo Skaf concorreu e ganhou, pela chapa de oposição, uma das mais disputadas eleições para a presidência da Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Considerada a maior entidade empresarial do país, a Fiesp reúne mais de cem mil indústrias e representa cerca de 42% do produto interno bruto industrial brasileiro. A vitória chegou a ser atribuída ao desempenho dele à frente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, quando o setor, um dos mais atingidos pelo sucateamento da indústria, deu um salto em seus resultados de comércio exterior. Passou de um déficit comercial de cerca de um bilhão de dólares para um superávit também em torno de um bilhão de dólares. À frente do Sebrae, ele começa a defender a criação de uma legislação tributária diferenciada para micro e pequenas empresas e, assim ajudar o microempresário a crescer. À frente da Fiesp, busca restaurar o prestígio da indústria paulista com mais participação do empresariado nos projetos de desenvolvimento nacional. Seu apoio ao governo Lula é reconhecido, mas também tem feito críticas à política de juros altos e vem cobrando menos passividade nas relações do Brasil com o Mercosul.

Paulo Markun: Para entrevistar o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, nós convidamos Guilherme Barros, editor do Painel S.A. do jornal Folha de S.Paulo; Mônica Teixeira, editora especial de ciência e tecnologia da TV Cultura; José Paulo Kupfer, diretor editorial da revista Foco Economia e Negócios, comentarista do Jornal da Gazeta, da TV Gazeta e colunista do site NoMínimo; convidamos também Germano Oliveira, chefe da sucursal do jornal O Globo em São Paulo; Ivan Martins, editor executivo da revista Isto É Dinheiro; Pedro Cafardo, editor executivo do jornal Valor Econômico; e Marco Antônio Rocha, editorialista do jornal O Estado de S. Paulo. Na nossa platéia, aqui no estúdio, acompanham a entrevista os seguintes convidados: Sérgio Barbour, chefe de gabinete da presidência da Fiesp; Adriana Marques, engenheira e professora do Senai; Walter Belik, professor de economia da Unicamp e superintendente da ONG Apoio Fome Zero; Sílvio de Barros, diretor da central de serviços da Fiesp; Eduardo Bilha Carvalho, empresário; Aref Farkouh, diretor de comunicação e marketing da Fiesp; Adilson Franceschini, coordenador do curso de relações internacionais do Centro Universitário Ibero-Americano; Élvio Moisés, coordenador da ONG Apoio Fome Zero; Carlos Monteiro, diretor técnico do Sebrae em São Paulo; Fernando Greiber, diretor financeiro da Fiesp; Leandro Rocha de Araújo, pesquisador do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais, Ícone; e Guilherme Cunha, assessor de relações institucionais da Fiesp. Boa noite, presidente.

Paulo Skaf: Boa noite, Paulo.

Paulo Markun: O presidente Lula disse recentemente que nós vamos ter em 2005 um céu de brigadeiro e um mar de almirante. Com esses juros! O senhor acha possível?

Paulo Skaf: Não é muito fácil não. Na verdade, é que você pegou um ponto importante que é a questão dos juros. No Brasil, nós temos pago os juros mais altos no mundo já há muito tempo. A sociedade brasileira, as pessoas físicas, as pessoas jurídicas pagam 118 bilhões de reais por ano de juros, entre juros e o spread [diferença entre o ganho do banco e o custo da operação financeira, isto é, diz respeito ao lucro do banco] bancário, taxa básica mais spread que é o juro ao tomador, aquele juro que custa para as pessoas físicas e jurídicas. Isso é um absurdo! Só para termos um parâmetro do que significa isso, além do juro básico altíssimo, o nosso spread bancário no Brasil é o mais alto do mundo, mais longe do segundo. Enquanto nós estamos na média entre as pessoas físicas e jurídicas, acima de 40%, o segundo colocado está em torno de 10%. Nós fizemos um estudo, se o spread bancário no Brasil tivesse o custo, como o têm os nossos vizinhos, aqui da América Latina, ao invés de nós gastarmos esses 118 bilhões de dólares, 73 bilhões de spread bancário, gastaríamos só 16 bilhões de dólares. Com isso economizaríamos 57 bilhões de reais, que significam 13,5% do PIB [Produto Interno Bruto]. Então, todos os anos, a sociedade brasileira, as pessoas físicas, as pessoas jurídicas pagam os juros mais altos do mundo. Pagam o spread bancário mais alto do mundo. E só de spread são 3,5% que deixam de ir para consumo, deixam de ir para investimento para ir para o setor financeiro. Então isso tem maltratado muito, sem dúvida nenhuma, essa questão dos juros.

José Paulo Kupfer: Presidente, seus números são escandalosos, são acachapantes [esmagadores]. Por que será que isso ocorre aqui? As autoridades do outro governo já fizeram isso, deste também fazem. São idiotas, completos incompetentes, burros, cretinos que permitiram esse tipo de coisa tão acachapante, tão escandalosa?

Paulo Skaf: Na realidade, o que eles são eu não sei. Mas que essa é uma realidade, é. Isso é que custa anualmente, fora os juros pagos pelo Estado, pelo governo. Então, realmente, maltrata muito a sociedade. Você tem, na prática, um desestímulo à produção, ao trabalho, porque o rendimento que você tem, fruto da aplicação financeira, supera aquele rendimento do trabalho que tem seus riscos, dor de cabeça, e tudo isso. Essa questão dos juros é muito séria no Brasil, isso tem que mudar.

Guilherme Barros: Como é que o senhor caracteriza que mesmo assim o Brasil vai crescer este ano 5,5%? Como é isso?

Paulo Skaf: Por outro lado, Guilherme, há muitos anos que o Brasil não cresce. Nos últimos vinte anos, praticamente, o nosso crescimento foi abaixo da média mundial. Enquanto o mundo cresceu em torno de 3%, nós não chegamos nem a 2%; um crescimento ínfimo. E a política dessa última década, duas décadas, foi uma política dessa, maltratou bastante. O que aconteceu este ano? Houve realmente, nós esperávamos, se observar declarações minhas, no início do ano, nós prevíamos que este ano teríamos um crescimento de 5%, prevíamos que teríamos um bom resultado na balança comercial. A referência de 2004 foi 2003, e 2003 foi um ano bastante fraco. Quer dizer, o crescimento em relação a 2003 já era esperado, porque nós tivemos um ano muito difícil em 2003. Agora, sem dúvida, o cenário de 2004 foi muito positivo. É verdade, nós vamos fechar o ano com crescimento do PIB em torno de 5%, o crescimento industrial em torno de 6,2%, aumentamos as nossas exportações em mais de 30%. Vamos ter gerado, ou vamos gerar, até o final do ano, mais que 30 bilhões de dólares em superávit comercial. Geramos 1,8 milhão de novos empregos no Brasil, dos quais oitocentos mil em São Paulo. Tudo isso foi realmente um cenário bastante positivo neste ano. Agora, nossa preocupação não é o que já passou; nossa preocupação é com o futuro, com o próximo ano. O que nós temos que pensar é que com juros altos e câmbio baixo, é muito difícil ter um crescimento, repetir o desempenho deste ano no próximo ano.

Marco Antônio Rocha: No próximo ano, presidente, esses indicadores todos serão bem mais modestos, ao que tudo indica.

[...]: Salvos os juros.

Marco Antônio Rocha: Exportações, crescimento industrial, crescimento agrícola, importações. Teremos taxas menores nisso tudo, porém os juros continuarão no mesmo nível.

Paulo Skaf: Veja bem, Marco Antônio. Você sabe que eu tenho dúvidas se as importações serão mais baixas, pelo contrário, porque com o dólar abaixo – hoje ficou abaixo de 2,70 reais – o dólar em torno de 2,70 reais é um convite às importações, e um desestímulo às exportações. Se você deflacionar o dólar pelo índice de preços por atacado da indústria de transformação, nós estamos no mesmo nível que estávamos em 1997. Quero lembrar que em 1997 a nossa balança foi negativa em oito bilhões de dólares. Eu não estou dizendo que, no próximo ano, nós teremos déficit na nossa balança comercial, até porque a posição em que nós estamos no comércio exterior está bastante boa. Sem a menor dúvida, nós teremos um crescimento menor das exportações, teremos um crescimento maior das importações e teremos um superávit bem menor do que deste ano. Quanto aos juros, nós temos que lutar para que isso mude, porque não é possível continuarmos aceitando juros, spreads bancários mais altos do mundo. E isso está custando muito caro para a sociedade brasileira, isso tem que mudar.

Mônica Teixeira: E qual é a sua proposta de política econômica?

Paulo Skaf: A nossa proposta de política econômica é o seguinte. Se você tem a carga tributária já no seu limite, não pode mais pensar em [fazer] crescer a carga tributária. 38% do PIB é muito imposto já que se paga. E lembrando que no Brasil se paga educação, segurança, previdência e saúde à parte. Nossa carga tributária já é muito elevada. Você tem 2% de investimento, não dá mais para tirar do investimento. Se você não pode mais aumentar a carga tributária, e não pode mais diminuir o investimento, que é mínimo, tem que aumentar o investimento, só sobra a despesa, e isso tem que ser enfrentado. Nós temos que enfrentar a questão da despesa. Tem que ser feito um grande, um forte ajuste fiscal.

Mônica Teixeira: Mas nós não estamos em uma situação de ajuste fiscal?

Paulo Skaf: Em 1997, a nossa despesa era em torno de 15% do PIB, a despesa do governo federal, e a arrecadação do governo federal também era em torno de 15% do PIB, empatava em 1997. Hoje tem uma arrecadação em torno de quase 21%, estou me referindo à arrecadação do governo federal, e uma despesa de quase 19%. Então a despesa cresceu além do crescimento do PIB, ou seja, cresceu o percentual sobre o PIB. E praticamente, exceto no ano passado, todos os anos houve crescimento do PIB. Quer dizer, se nós tivéssemos mantido a nossa despesa, hoje nós teríamos um superávit, teríamos uma folga, que permitiria não só não precisar aumentar os juros, como também reduzir a carga tributária. O problema está aí. Nós temos que enfrentar isso com muita seriedade, sem sensacionalismo, buscando como fazer isso, que também não é fácil, mas aí é que está o foco do problema. Não adianta estar sempre aumentando os juros e desestimulando o trabalho, estimulando a especulação.

Germano Oliveira: Sempre que o governo aumenta os juros e tem sido constante, já há umas três reuniões da Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central], a Fiesp solta notas dizendo que é racional, que é... não é bom para o setor. O senhor é amigo do presidente Lula, foi eleito, até dizem, com o apoio do presidente Lula, com o apoio do [Aloizio] Mercadante [senador do PT por São Paulo desde 2003] ...

José Paulo Kupfer: Imagina se ele fosse inimigo...

Germano Oliveira: A Fiesp está sem voz, não tem sido ouvida, está enfraquecida...

Pedro Cafardo: Deixa eu acrescentar uma coisa. O senhor disse, em toda sua campanha, que a sua Fiesp seria pró-ativa. Quer dizer, não vai fazer crítica, não adianta só fazer crítica, tem que se antecipar aos fatos e sugerir antes. Nesse caso, dá para sugerir alguma coisa? Com as cabeças de planilha do Banco Central...

Paulo Skaf: Dentro desse espírito, veja, na verdade, nós não temos feito comentários exatamente porque... O que adianta, quando me perguntam, antes da reunião do Copom, "o que o senhor acha que vai acontecer na reunião do Copom?". Eu falo: "pergunta para quem compõe o Copom". Porque não adianta, nós não vamos ficar fazendo adivinhação. E também repercutir a decisão do Copom, nós não temos feito. Nós temos soltado notas dando alternativas. Nós falamos na despesa do Estado, nós demos alternativas, caminho alternativo para não aumentar o juro, porque senão nós vamos repetir aquele papel de comentarista de fatos ocorridos, o que não é a nossa intenção. Então, na verdade, o que eu posso dizer a você é que essas decisões do Copom... O Copom tem o Banco Central do Brasil diferente do modelo americano, é o modelo europeu, ele se preocupa com a moeda, não com a moeda e com o emprego. Nos EUA, o Banco Central se preocupa com a moeda e com o emprego; aqui é o modelo europeu: só com a moeda. Estão no papel deles. O que nós temos que criar é o que  chamamos de autoridade produtiva, que realmente não fiquem só – todas as decisões e o futuro do país – na mão da autoridade monetária. Quanto à questão que você falou, eu quero lhe dizer que nem o presidente Lula, nem o senador Aloizio Mercadante votam no colégio eleitoral da Fiesp. Agora, se você pergunta se nós temos um bom relacionamento com o presidente Lula, vou lhe dizer que tenho sim. Como tenho com o vice-presidente José Alencar, como tenho com o senador Aloizio Mercadante, como tenho com o senador Arthur Virgílio [do PSDB], que é o líder da oposição, como tenho com o governador [de São Paulo] Geraldo Alckmin [do PSDB]. Isso faz parte. Ao longo dos seis anos frente à Abit, nós sempre tivemos um trânsito e um relacionamento com todos os partidos políticos, embora nunca na minha vida, não sou e nunca tenha sido membro de nenhum partido político. Nunca fui partidário, nunca fui político partidário, nunca. Nunca tive meu nome registrado em nenhum partido político. Agora, relacionamento bom, eu sempre tive sim, tenho e sempre tive. Essa história que o presidente elegeu, tudo isso aí, é a oposição a mim que falava muitas coisas, entre elas isso, mas não se mostra. Inclusive a Fiesp tem tido uma posição de total independência, seja dessa questão da política econômica, seja na questão do ajuste fiscal, seja na questão da China. Eu não vi a manifestação na sexta-feira quando foi reconhecida a China como uma economia de mercado, na mesma noite, nós estávamos reagindo de uma forma bastante enérgica. E estamos até hoje, nós estamos convencidos disso...

Paulo Markun: Só para esclarecer para a gente, qual foi a posição da Fiesp?

Paulo Skaf: Nós não nos convencemos só pela reação, nós vamos acompanhar esse assunto, porque, ao nosso ver, isso é nocivo ao Brasil. Eu dizia também na campanha, Pedro, que [temos que] defender a indústria, defender o Brasil, e o papel da Fiesp é olhar os interesses do país. Então, quando a gente condena esse reconhecimento da China como economia de mercado é por entender que isso para o Brasil não é positivo.

Ivan Martins: O senhor aspirava, antes das eleições, antes de ser eleito, influenciar a política econômica e as políticas macroeconômicas de um modo geral. E eleito e empossado, o que o senhor tem feito, na verdade, é repetir um pouco esse papel, o papel do crítico, o papel de sugerir, o papel de debater a política econômica com o governo. Não há alternativas de se influenciar essa política econômica?

Paulo Skaf: Veja bem, nós estamos a dois meses frente à Fiesp, há dois meses como presidente da Fiesp, do Sesi, do Senai, do Instituto Roberto Simonsen [centro de estudos avançados mantido pela indústria, voltado para a análise dos temas relevantes para a indústria paulista e para o país]. Mais recentemente, por força do destino, assumimos a presidência do Sebrae de São Paulo, cujo mandato vai iniciar só no dia 3 de janeiro, nem iniciou [ainda]. Hoje também assumimos lá o conselho de administração do BNDES. Eu creio que nós estejamos numa fase inicial de trabalho. Mesmo assim, apesar de estarmos na fase inicial, nós compomos os conselhos superiores da Fiesp – hoje, da Fiesp e do Instituto Roberto Simonsen – oito conselhos superiores, só falta um, os demais estão compostos com pessoas nas diversas áreas da economia, infraestrutura, meio ambiente e tecnologia. Enfim, nas diversas áreas, com as principais lideranças, tanto na área empresarial como técnica das diversas áreas. Compusemos todos os dez departamentos também, com suas diretorias; comitês de cadeias produtivas, que nunca teve na Fiesp. Hoje, temos um comitê, por exemplo, do agronegócio, os principais atores do agronegócio fazem parte desse comitê; comitê da construção civil, assim por diante. Quer dizer, tivemos uma fase de organização e reorganização, mas mesmo assim, nós não deixamos de atuar em inúmeros casos recentes, acompanhando o caso das PPPs [Parcerias Público-Privadas que são uma espécie de contrato público de concessão, a longo prazo, em que o governo define o que deseja, em termos de serviços públicos, e o parceiro privado diz como e a que preço ele poderá atender o governo], acompanhando a questão desse reconhecimento da China, acompanhando a questão da Argentina. Teve uma quarta-feira em  que saímos à noite, fomos a Buenos Aires, jantamos lá, retornamos, entrei em casa um pouco antes das seis da manhã. Estava difícil explicar para a minha mulher que estava jantando em Buenos Aires com o chanceler argentino e empresários argentinos, mas espero que ela tenha acreditado. E, na verdade, nós temos iniciado, já de uma forma bastante pró-ativa, graças, inclusive, a uma série de companheiros que estão muito engajados, pessoas que, há muitos anos, não pisavam na Fiesp, e alguns que nunca estiveram lá, hoje fazem parte ativa da nossa equipe. Então creio que as coisas estão caminhando.

Paulo Markun: Presidente, vamos fazer um breve intervalo. O Roda Viva volta daqui a alguns instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o empresário Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e do Sebrae São Paulo. Duas perguntas aqui, presidente, relativas ao crédito para pequenas e microempresas. João Morós, de Curitiba, Paraná, diz que o senhor tem um projeto de crédito para as micro e pequenas empresas e pergunta se esse projeto não é o mesmo projeto do governador Roberto Requião, do Paraná. Vandir Panimi, de Bilá, em São Paulo, economista, diz o seguinte: “Hoje as empresas maiores são beneficiadas com a redução da taxa de ICMS de 18 para 12%” –  no ramo têxtil, é uma briga da Abit, associação que o senhor presidia – “e as empresas menores não têm esse benefício. Por quê? Existe algum projeto para mudar isso?”. 

Paulo Skaf: Veja bem! Não é que não tenha o benefício. A redução de 18 para 12% do ICMS no estado de São Paulo foi para toda a cadeia têxtil, para todas as empresas, para todas que integram a cadeia produtiva, exceto o comércio, o comércio não entrou nisso. E como a microempresa tem uma legislação toda diferente e é considerada como consumidor final, como ponta final, então o problema todo está no caso da microempresa, e que precisa mexer na legislação da microempresa. Então, o que acontece na prática, é que quando qualquer empresa da cadeia produtiva emite uma nota, deixa de emitir com 18 e emite com 12%. Quando é para microempresa, essa nota vai com 18% porque a microempresa não tem esse crédito e débito, ela tem uma situação totalmente extraordinária. Creio que o telespectador está se referindo ao caso das microempresas. Nós temos discutido muito na Secretaria da Fazenda de São Paulo para atender a uma mudança em relação às microempresas. No caso da microempresa, quando a mercadoria vem de outro estado... Tudo isso começou porque havia uma deslealdade de competição, uma indústria instalada no estado de São Paulo e outra instalada fora do estado. A mercadoria vinha de fora do estado com 12% e aqui era com 18%. Então muitas vezes havia preferência de se comprar fora do estado. Mas no caso da microempresa, quando vem de fora do estado, vem com 12%, mas é obrigado a recolher mais 6%. Então é uma situação toda extraordinária, toda diferente. E aí o que precisa realmente, e nós temos trabalhado junto à Secretaria da Fazenda para tentar corrigir, mas é bem complicado, porque entra na questão da microempresa, não é uma questão só do setor A ou B, é uma questão pontual, você teria que mudar a legislação da microempresa. E aí complica um pouco mais. Em relação ao crédito, eu não sei qual é o projeto do governador Requião, mas nós temos aqui realmente essas cooperativas de crédito, nós temos tentado de todas as formas abrir possibilidades de crédito à micro e pequena empresa. Hoje na reunião do conselho do BNDES, eu levantava essa questão. Nós temos uma faixa de crédito de capital de giro, pela primeira vez o BNDES abre uma faixa de capital de giro, abriu desde setembro. E a maior parte dos contratos concluídos não foram para micro e pequenas e médias empresas. Hoje, na reunião, comentamos sobre essa questão para estimular mais. Tanto é que para as micro, pequenas e médias empresas, o prazo que deveria acabar agora em dezembro, foi prorrogado até 30 de junho do ano que vem, para dar mais tempo, porque essas empresas tomam esse recurso através dos agentes. E aí que mora o problema. No caso dos repasses do BNDES, para pequena e média empresa, é porque entra o agente. Por exemplo, o Banco do Brasil, que é um banco do governo, que deveria liderar essa intermediação, principalmente para pequenas e médias empresas, é o que menos está operando. Precisa realmente haver uma reação forte em relação aos agentes.

Guilherme Barros: Por que é o que menos opera?

Paulo Skaf: Precisa perguntar para o Banco do Brasil. E é isso que nós vamos fazer, mas a realidade é essa. Os bancos, em geral, não gostam desse papel de agente, porque eles têm outras alternativas, muitas vezes mais rentáveis do que repassar recursos do BNDES. Mas na verdade, o Bradesco e uma série de outros bancos têm feito isso com certa eficiência, o Unibanco, enfim... O Banco do Brasil que já foi um bom agente do BNDES não tem se mostrado dessa forma. Nós tivemos um problema, coincidentemente, na cidade de Americana, em relação a esse capital de giro do BNDES. Já como presidente da Fiesp, nós divulgamos esse capital de giro, e o pessoal de Americana – eu digo coincidência porque Americana é uma cidade têxtil. Mas já estávamos na Fiesp e falando da indústria em geral, e me levantaram que a agência lá, inicialmente, dizia que a cidade não estava nem enquadrada, porque para esse financiamento foram selecionadas algumas cidades, o que era um erro de informação. Aí eu falei com o superintendente do Banco do Brasil, aqui de São Paulo, falei com o gerente de lá, enfim, ficou engessado esse processo. Então, o que a gente sente é que precisa realmente ter mais boa vontade por parte dos agentes – e esse problema não é novo no BNDES não – para atender a pequena e a média empresa.

Guilherme Barros: Você não tinha uma idéia de disseminar um pouco esses canais, ou seja, não só restringir aos bancos, mas utilizar, por exemplo, prefeituras, ou mesmo...

Paulo Skaf: Como agentes do BNDES?

Guilherme Barros: Como canais para a pequena e média empresa conseguirem atingir o BNDES?

Paulo Skaf: O problema todo fica no crédito, por quê? O BNDES é um banco por atacado, ele só está no Rio de Janeiro. Então, ele depende da rede de agentes que são, salvo engano, 17 mil no Brasil. Por isso que ele usa a rede de agentes. E no caso da pequena e média empresa, o agente é que libera o crédito; o BNDES faz o enquadramento e cabe ao agente liberar o crédito. É aí que mora o problema. A falta de agilidade e boa vontade de alguns agentes engessa muitos desses recursos do BNDES que poderiam chegar à pequena e média empresa. Esse capital de giro, por exemplo, tem 12 meses de carência, 12 meses para pagar, e os juros são os mais baratos que tem no mercado para o capital de giro, nos padrões brasileiros. Mas o problema é que não chega no volume que deveria chegar ao caixa das micro, pequenas e médias empresas por problemas mais dos agentes.

[...]: E o que vocês vão fazer com o Banco do Brasil?

Paulo Skaf: Eu ainda hoje reclamei sobre isso. E o que nós vamos fazer, o presidente [do BNDES] Guido Mantega ficou de fazer um contato com o Banco do Brasil para ver o que está acontecendo.

José Paulo Kupfer: Presidente, vamos trocar um pouquinho de assunto, vou tentar falar de emprego. Mas vou tentar falar de emprego a partir de uma perspectiva que já foi até anunciada, não sei se vai ser possível, de reforma trabalhista no ano que vem. O senhor acredita que o problema do emprego, ou pelo menos um nó, um dos grandes nós do problema do emprego no Brasil é realmente a nossa legislação? Ela é muito rígida, tem muitos benefícios trabalhistas? Enfim, o senhor acredita que flexibilizando – que é um eufemismo para tirar benefícios que os trabalhadores formais tenham – o senhor acredita que isso por si tem poder de melhorar de maneira minimamente expressiva o emprego no Brasil?

Paulo Skaf: Nossa CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]  é de 1943. Não tem dúvida de que ela engessa mesmo. Ela engessa e não dá lugar à negociação, é só legislado. Você tem que ter mais negociado e menos legislado. Você tem que dar abertura para as partes chegaram ao acordo. Assim como também é muito importante que as empresas não tenham, não considerem ter passivos ocultos. Quer dizer, toda a dívida você paga, quita entre as partes e liquida. A dívida trabalhista não. Você quita e não liquida. Então uma boa parte da reforma trabalhista seria: quitou, liquidou. Ou seja, acertou, quitou, todos estão de acordo, assinou dentro da lei, dentro dos direitos do trabalhador, encerrou aquele assunto.

José Paulo Kupfer: Não caberia recursos?

Paulo Skaf: Não caberia reclamações, muitas vezes infundadas; a justiça trabalhista fica com atraso tremendo e afugenta, sem dúvida. Seja um grupo estrangeiro que vem ao Brasil, ele observa isso; ou mesmo empresários brasileiros, é muito comum. As pessoas têm receio de terem empregados, por quê? Sabem que isso pode gerar reclamação, muitas vezes, sem razão nenhuma, não há jogo de cintura nenhum, é uma burocracia tremenda, é um custo enorme. Tem que ser modernizado. Então, a reforma trabalhista é necessária, não resta a menor dúvida. É necessária e vai estimular, porque quando a gente fala na negociação, não significa tirar direitos. Negociação é negociação. É dar a abertura que muitas vezes convém às partes, porque em qualquer negociação, se não tiver acordo das partes, se só um quiser, não tem negociação, não conclui a negociação.

Ivan Martins: O senhor disse que a legislação é rígida etc, mas o Brasil, salvo engano, é um dos países com maior rotatividade de trabalho. As pessoas são admitidas e demitidas com alguma facilidade, o que significa que as empresas não estão sofrendo, como sofrem na Europa, com a impossibilidade de demitir um funcionário?

Paulo Skaf: Olha, ainda hoje, na imprensa, saiu uma pesquisa que coloca a legislação trabalhista do Brasil como a mais emperrada, burocrata e mais complicada, se comparada com 85 países. Então, isso que eu estou falando, independente dessa pesquisa, quem trabalha, sente na pele, sabe disso. Sabe que é complicado, mas houve, por coincidência, uma pesquisa divulgada hoje num jornal de grande circulação, que demonstra, numa comparação entre 85 paísesn que demonstra claramente o quanto é emperrada nossa legislação trabalhista. En cá entre nós, de 1943 para cá, o Brasil mudou muito, já se passaram 62 anos. Em 62 anos, está na hora de repensar um pouco essa questão.

Mônica Teixeira: No dia 11 de abril, o senhor deu uma entrevista para o Jornal do Brasil, e um dos tópicos perguntados pelas jornalistas Sônia Araripe e Nice de Paula foi política industrial. En lá no final de sua resposta, o senhor disse: "A verdadeira política industrial é tirar as pedras do caminho de quem produz". O governo tem uma política industrial, tem uma proposta, pelo menos, de política industrial. A política industrial do governo está representada, ela é similar a isso que o senhor está dizendo?

Paulo Skaf: Não. Esse início de política industrial que o governo coloca são quatro setores horizontais, prioritários, que interferem em outros setores.

Mônica Teixeira: Uma política industrial, científica, tecnológica?

Paulo Skaf: Só que o quê a gente fala é o seguinte: quem está no dia-a-dia, quem trabalha no Brasil tem muita complicação, é muita burocracia, são muitos gargalos, são muitos impostos, são muitas fiscalizações, não há crédito, os juros são elevados. Então, só de facilitar a vida de quem trabalha, ter menos obstáculos, menos dificuldades já seria uma tremenda política industrial, estimularia muito. Isso é necessário ser feito, não é possível que se continue desestimulando quem investe, quem trabalha. O país vive de trabalho, não vive de especulação, não vive de aplicação financeira. E, realmente, trabalhar no Brasil não é fácil. E, quando falo trabalhar não é fácil, é dentro da lei, dentro da ética. E eu não estou me referindo a alguém que trabalhe de forma ilegal, dentro da lei não é fácil.

Mônica Teixeira: Mas a política industrial do governo está centrada na idéia de que é preciso agregar valor aos produtos produzidos no Brasil e, com isso, fazer inovação, aumentar o valor e fazer o desenvolvimento econômico. Inovar para crescer, inovar para atender o mercado de baixa renda etc. O senhor acha que nada disso tem a menor importância?

Paulo Skaf: Chame isso de uma política industrial macro e a outra de uma política industrial micro. Na vida do dia-a-dia é que precisa. Elas são complementares, uma não elimina a outra, as duas são necessárias. Você fala em tecnologia, é fundamental. O que aconteceu com a agricultura no Brasil, essa revolução da Embrapa? Isso tudo é tecnologia. Na nanotecnologia, nós entramos agora. A Fiesp já está organizada para, no próximo ano, junto com o Instituto Roberto Simonsen, com o IED [Investimento Estrangeiro Direto], vamos ter um grande evento de nanotecnologia, que é uma nova revolução como tivemos a era da eletrônica, teremos uma nova era para os próximos anos. Tudo isso é necessário, mas, na verdade, o que eu quis dizer aí é que muitas vezes, nós analisarmos, discutirmos conceitos macros, é necessário, mas tem que lembrar também de facilitar, ou parar de dificultar a vida de quem trabalha. É muita burocracia, é muita legislação, tudo é muito complicado. É um convite para a pessoa deixar de trabalhar, e isso é muito ruim. O país tem que estimular quem trabalha.

Mônica Teixeira: Mas o discurso da indústria paulista não era muito diferente na gestão anterior. E não houve, até hoje, nesse discurso, um lugar para a questão da inovação tecnológica, para a questão de novas tecnologias, de mudança técnica dentro da indústria. E isso é um assunto que me parece fundamental no mundo globalizado, não sei se o senhor concorda com isso ou não.

Paulo Skaf: Olha, eu quero lhe dizer o seguinte: eu repito que nós estamos iniciando um trabalho há dois meses, mas nesses dois meses, formamos um Conselho Superior de Competitividade e Tecnologia, convidei e ele aceitou, o professor Carlos [Henrique de Brito] Cruz, o reitor da Unicamp de Campinas, será o presidente desse conselho. Nós vamos nos aproximar das universidades, vamos criar parcerias com centros de tecnologia; estamos preocupados com a nanotecnologia como uma novidade de futuro. Então, nós vamos dar toda a atenção, sim. A tecnologia faz a diferença, é o que faz a diferença. Se nós queremos agregar valores, se nós queremos ser competitivos, nós não podemos dar as costas à tecnologia em momento nenhum, e não vamos dar, não.

Germano Oliveira: Presidente, o empresário brasileiro – o senhor já colocou uma série de dificuldades de burocracia, de juros – não chora muito? Não está na hora de o empresário brasileiro reduzir um pouco mais os seus lucros?

Paulo Markun: Aliás essa foi uma frase que o presidente Lula já usou.

Mônica Teixeira: Ser mais pró-ativo.

Germano Oliveira: O próprio presidente disse que os empresários brasileiros reclamam muito, o empresário estrangeiro confia mais no país do que o empresário nacional. Não está na hora de parar de chorar um pouco?

Paulo Skaf: Olha, essa história de chorar é muito... ninguém está chorando por nada, porque nós somos brasileiros e, acima de tudo, lutamos pelo interesse do nosso país. A indústria, nos últimos dez anos, enquanto ela teve um retorno sobre seu capital líquido médio de 3%, se você pegar os últimos três, quatro anos, o setor financeiro teve 30%. A indústria está exposta a essa complicada legislação trabalhista que nós comentamos. O crédito no Brasil que, há vinte anos, foi 80% do PIB, que no Chile é 60% do PIB, nos Estados Unidos, no Japão é acima de 100% do PIB, [atualmente] é 27% do PIB. Nós não temos crédito. A microempresa, então, e a pequena empresa pegam um pedacinho pequenino desse crédito, é quase nada. Depois da Turquia, os juros mais altos do mundo são os do Brasil. A Turquia porque está em uma situação extraordinária momentânea. Então pagamos os juros mais altos do mundo. A nossa carga tributária que era 20%, há vinte anos, hoje é 38%, uma altíssima carga tributária. Nós temos muita burocracia. Então isso não é choro. Se nós não comentarmos essas questões... A diferença é comentar e ficar no comentário e ir atrás para tentar ajudar. Quando estamos falando em ajuste fiscal, a Fiesp já está fazendo estudos para propor ao governo caminhos para que seja reduzida essa despesa que, na verdade, atrapalha as contas brasileiras. A Fiesp, quando fala em burocracia, está concentrada... Por exemplo, um dia desses, o setor de agronegócios levantou algumas questões ligadas ao porto de Santos. Imediatamente nós entramos em contato com a Receita Federal, fizemos uma reunião emergencial, se fosse necessário, eu iria pessoalmente ao porto de Santos observar lá e tentar enxergar os obstáculos, e isso não foi necessário. Foi levantada a questão das certidões negativas, imediatamente nós entramos em contato com a Receita e fizemos, em cima da hora, um seminário de esclarecimento, que lotou o teatro do Sesi na Avenida Paulista, e em uma semana, com a antecedência de uma semana, no mês de dezembro. Isso não é ficar no comentário não, isso é buscar solução, isso é buscar ajudar o país a tirar as amarras, a eliminar os problemas. A questão da PPP, quando estava o senador Tasso Jereissati levantando questões, o senador [...], que era o relator, tentando alinhavar as idéias, dentro do próprio governo, entre o Tesouro e o [Ministério do] Planejamento, havendo algumas divergências, nós nos interessamos e nos envolvemos em todas essas partes, na tentativa de um acordo que fosse o melhor possível para o país. Então, nós não estamos assistindo e reclamando, não. Apesar de fazer só dois meses, nós estamos buscando as soluções e os resultados a que nós nos comprometemos.

Paulo Markun: O senhor mencionou diversas vezes aqui a questão da micro e pequena empresa. Nós, como jornalistas, já há algumas décadas, estamos acostumados sempre a citar, sempre a colocar um adjetivo na frente da Fiesp, que é a "poderosa Fiesp", que sempre foi vista e tida como a sede das grandes empresas, enquanto as pequenas empresas ficavam de fora, a tal ponto que o sindicato das micro e pequenas empresas cresceu, acabou sendo incorporado, num processo eleitoral anterior em que havia também uma chapa de oposição pela situação, para, de alguma forma, aproximar a pequena empresa da Fiesp. Agora o senhor preside o Sebrae e a Fiesp. Isso não seria com "um olho vigiar o gato e com o outro fritar o peixe"? Não há um conflito de interesses aí?

Paulo Skaf: Uma das primeiras coisas que eu fiz na Fiesp foi criar o Departamento de Micro e Pequena Empresa. Havia um núcleo, um pequeno núcleo dentro do departamento da área de serviço. Nós criamos um departamento poderoso, forte, para dar atenção... Isso antes do Sebrae, eu nem sabia que seria presidente do Sebrae, e criamos o Departamento da Micro, Pequena e Média Empresa na Fiesp. E a nossa preocupação... a Fiesp não representa só a grande empresa, não. Aliás, muitas grandes empresas não estavam freqüentando a Fiesp e hoje estão. Então, nós temos a grande? Temos. Temos a empresa nacional de capital estrangeiro? Temos. Nós respeitamos as empresas nacionais de capital estrangeiro. Uma empresa que está há cem anos no Brasil, emprega, paga seus impostos; não importa que seja capital estrangeiro. Também a pequena e média empresa, essa que é genuína, brasileira, nós vamos dar, dentro da Fiesp, toda atenção. Agora, veio, por destino, a presidência do Sebrae. Tudo isso é complementar e cria sinergia. Quando você fala em Fiesp, é uma representação da indústria paulista, e tem como objetivo, através de seus conselhos, departamentos, comitês e cadeias produtivas, criar propostas, ter força política, ser um instrumento político da indústria para conseguir soluções e resultados para o país e para a indústria. Quando você fala do Sesi e do Senai, não podemos esquecer, o Sesi tem duzentos mil alunos que estudam gratuitamente por ano. Eu me honro muito, como presidente da Fiesp, de ser também presidente do Sesi e do Senai. São duzentos mil alunos que estudam gratuitamente na pré-escola, no ensino fundamental, gratuitamente, por ano, fora os outros quinhentos mil que passam pelos cursos técnicos do Senai e do Sesi. Fora atendimento de saúde: é meio milhão de atendimento por ano, quinhentos mil atendimentos, fora a parte de lazer. De visitação aos nossos centros de atividade, no ano passado, foram 14 milhões de visitações e de freqüência. Enfim, então, nós temos esses serviços do Senai dirigidos à formação profissional. No Sesi, [são dirigidos] à educação, à lazer, à saúde, à parte sociocultural. E o Sebrae tem o seu foco voltado para a microempresa, com objetivo e uma grande preocupação com a mortalidade das empresas pequenas. Há pesquisas que mostram que, no primeiro ano, 30% morrem, e no quinto ano, 60%. O objetivo do Sebrae é fazer com que essa mortalidade seja reduzida. Empresas oriundas das incubadoras feitas – inclusive a Fiesp é parceira do Sebrae em várias incubadoras do estado de São Paulo – empresas que participam das APLs, Arranjos Produtivos Locais. Todas essas empresas que tenham sua vida longa. Uma micro que se transforme em pequena, a pequena em média, a média em grande, e não que dure um ano ou dois e vá morrer em seguida.

José Paulo Kupfer: De princípio, nada contra o trabalho do Senai, do Sesi, do Senac e tudo mais. Agora, não é de graça. Nessa carga tributária que o senhor fala de 38%, realmente muito acima da média de 20%, por exemplo, dos países vizinhos aqui, e mesmo de países como a Coréia, estão incluídas nesses 38%, as contribuições para o "Sistema S" [conjunto de entidades corporativas empresariais voltadas para o treinamento profissional, educação, assistência e lazer para trabalhadores, que tem em comum o nome iniciado com a letra S - Sesi, Senai, Sesc] que forma todo esse arcabouço. Isso é gratuito, muito bem, como é a escola pública para quem está lá usufruindo, mas alguém está pagando isso, e está dentro da carga tributária de que o senhor está falando. Isso aí mostra certas coisas. Por exemplo, quando o senhor falou que criou na Fiesp o departamento de pequena empresa, isso pode ser visto também como uma discriminação contra a pequena empresa, porque eu me pergunto: o senhor criou também na Fiesp o departamento das grandes empresas? Por que as pequenas têm departamento e grandes não têm?

Paulo Skaf: Não tenha dúvida, nós criamos, inclusive, um fórum de empresas nacionais de capital estrangeiro que estavam discriminadas e deixaram de estar; criamos um fórum da micro, pequena e média empresa; [com] as grandes empresas nós temos um contato permanente, e elas estão envolvidas nos diversos departamentos. Nós temos hoje dez departamentos temáticos na casa.

José Paulo Kupfer: Por que as pequenas também não funcionam assim? Precisa de um departamento para elas? Quando cria um departamento para elas, é um sinal de que elas vão ficar no blá, bla´, blá e não vão ter nada?

Paulo Skaf: Precisa sim, porque 99% das empresas são pequena e microempresas, é um número muito maior. Ao se trabalhar com grandes, trabalha-se no atacado; trabalhar com pequenas, é o varejo. Precisa ter um fórum específico para isso. 99% das empresas são micro e pequenas empresas. O número das empresas que existem no Brasil é 99.

José Paulo Kupfer: Talvez devesse ter um fórum para as grandes então, e o resto cuidasse desses 98%...

Paulo Skaf: O fórum das grandes é a participação natural dos diversos departamentos da casa. Quanto à questão do compulsório, isso é polêmico, mas eu gosto de falar sobre isso. Porque tudo é custo-benefício. Quando eu lhe falo que nós temos ,no Sesi, duzentos mil alunos gratuitos, quando nós temos quarenta mil alunos gratuitos no Senai em curso técnico, se você avaliar, a dois mil reais por ano... e quem paga escola sabe que dois mil reais por ano não é nenhum exagero, para duzentos mil alunos são quatrocentos milhões. E quando você fala em quarenta mil no curso técnico, a dez mil reais por ano, não é nenhum exagero: são quatrocentos milhões, são oitocentos milhões que se gastariam para ter esse serviço. Fora a parte da saúde, fora a parte do lazer, fora a parte cultural, fora a parte social, fora todos os outros serviços. Então, o que vale é uma boa administração, o que vale é buscar resultados e avaliar o custo-benefício. Não tenha dúvida de que todo mundo, a princípio, é contra qualquer coisa compulsória, mas no Brasil eu acho que nós temos uma fila muito grande de desperdícios, de questões que podem ser reduzidas, até chegar a uma discussão dessa, porque custo-benefício, para quem conhece, vale a pena. Fora as olimpíadas... Um dia desses, eu estava em Indaiatuba [cidade do interior do estado de São Paulo], lançando as Olimpíadas do Atleta do Futuro, [havia] doze mil pessoas, quatro mil crianças. Então, mexer com essa juventude, dar essas oportunidades... E [sobre] colégio do Sesi no interior, é muito comum ouvir falar: “Melhor colégio que tem na cidade tal é o colégio do Sesi”. Qualidade, custo e retorno. Isso tem que ser levado em conta quando se fala em compulsório.

Paulo Markun: Presidente, nós vamos fazer mais um rápido intervalo, e a gente volta já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com Roda Viva, nesta noite entrevistando o empresário Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O senhor foi eleito numa situação singular, incomum, que é a eleição de um candidato de oposição na Fiesp, e mais incomum ainda, porque elegeu-se um candidato na Fiesp e outro no centro das indústrias, duas entidades que eram como irmãs siamesas até então. E, desde o início da campanha, o senhor disse que não era candidato de si mesmo, mas que teria sido procurado pelas bases empresariais, pelos empresários da indústria, e que esse apoio da base é que assegurava sua vitória. Como é que o senhor explica esse resultado, um ganhou na Fiesp outro na Ciesp [Centro das Indústrias do Estado de São Paulo]?

Paulo Skaf: Eleição é isso mesmo. Na verdade, a Fiesp tem um modelo da eleição como nos EUA, são delegados eleitores, é uma eleição indireta, mas esses delegados são todos eleitos diretamente pelos seus setores. Então, as 130 mil indústrias paulistas, através de suas categorias, de seus setores, elegem seus delegados. Eu, por exemplo, era presidente do Sindicato da Indústria Têxtil e delegado junto à Fiesp. Então o setor têxtil me elegeu, na época, para representar o setor junto à Fiesp, e eu era o delegado que votava.

Paulo Markun: Existe o sindicato de chapeleiro, sindicato dos guarda-pós e demais?

Paulo Skaf: Olha, dos chapeleiros, na verdade, não existe. Existem sindicatos maiores e setores maiores e sindicatos menores e setores menores. Eu respeito muito os setores menores, tanto quantos os maiores. Para mim, não faz diferença.

Paulo Markun: Cada um tem direito ao voto, não importa se ele é das maiores indústrias ou das menores.

Paulo Skaf: Nós não podemos considerar que o setor grande importa e o setor pequeno não importa. Para mim, o setor de jóias ou o setor automobilístico, o setor de borracha, de brinquedos, o têxtil. Um dos maiores sindicatos, uns dos maiores setores é o que eu presidia, o setor têxtil. Mas eu nunca desmereci, nem diminuí setores menores, e muito menos seus representantes legais, que foram eleitos pelo voto direto pelo seu setor, eu respeito a todos. Quanto ao caso do chapéu que você comentou, é até curioso, porque durante um tempo, quando a gente fala chapéu, dá uma impressão daquele clássico chapéu e tal. A gente não pode esquecer de que hoje, com a Festa do Peão de Boiadeiro, há centenas de indústrias do estado de São Paulo que fabricam chapéu. Em Barretos, que é a cidade da minha mulher, tem dezenas de indústrias que fabricam chapéu. Temos que respeitar até aquele setor do qual, aparentemente, se fala: “ah, um chapéu!” [imitando atitude de desdém]. Não, nós temos que respeitar. Esse assunto de guarda-chuva, bengalas, não existe mais esse setor, infelizmente. Quisera que ainda existisse uma indústria forte de guarda-chuvas, algumas que já desapareceram aí. Quando abriram-se as portas e entraram guarda-chuvas, vendidos pelas esquinas a um real, acabou com o pouco que restava da indústria do guarda-chuva. Então, a minha visão é essa. Depois de 25 anos, a oposição ganha uma eleição. E, há 25 anos, quando foi ganho pela oposição, foi ganho por um voto; nós tivemos quase 50% mais votos do que o nosso opositor. Ganhamos com franca maioria e ganhamos com representantes das cadeias produtivas que representam mais de cem mil indústrias. E o Ciesp é uma sociedade civil de empresas que representam seus associados, é como um clube. Se tem três mil associados, representa-se essas três mil empresas. E nós tivemos a maior votação que uma chapa de oposição teve na história, mesmo na eleição do Ciesp. O Ciesp tem suas diretorias regionais, que tem uma certa influência, tem dependência muitas vezes da central. É uma situação toda especial, e assim foi o resultado. Mas eu acho que o quê o destino traça deve-se aceitar muito bem, e o que não está faltando é trabalho. Porque como presidente da Fiesp, do Sesi e do Senai e do Instituto Roberto Simonsen e agora do Sebrae, meu trabalho... eu estou começando às sete da manhã e indo até dez, onze horas da noite...

Pedro Cafardo: Como é que está a convivência hoje, lá dentro? Porque o Cláudio Vaz é presidente do Ciesp, e o senhor, presidente da Fiesp, e os dois [estão] no mesmo prédio, teve até uma rusga. O senhor foi à Justiça para contestar o resultado...

Paulo Skaf: Eu nunca fui à Justiça.

Pedro Cafardo: O senhor não chegou ir à Justiça, nunca contestou em algum momento os resultados. Como é que está a convivência, o divórcio continua ou já fizeram as pazes?

Paulo Skaf: Veja bem, existe um problema de tempo físico. A última vez que eu cruzei com Cláudio faz dias. Na verdade, cada um tem a sua missão. A minha responsabilidade... Eu fui eleito presidente da Fiesp, do Sesi, do Senai, do Instituto Roberto Simonsen e tem muito trabalho. Então, é aí que eu me concentro. Praticamente não há essas rusgas; da minha parte, não há nenhuma, e o tempo é muito pequeno. Quando nos encontramos, coincidentemente, ou por algum assunto, é algo super normal. Quanto à questão da Justiça, eu nunca entrei na Justiça. Alguns companheiros entenderam, queriam esclarecer algumas questões em relação às eleições do Ciesp e entraram, com todo o direito, para pedir uma verificação de alguns documentos, que poderiam ter sido até mostrados, independentemente da exigência judicial. Mas então é isso. Na verdade, o resto é fumaça! Sabe aquela história “é muita fumaça e pouco fogo”. Na verdade, não há fogo, da minha parte, não há nenhum, não tenho nada contra ninguém. Mesmo porque, a minha preocupação, o meu compromisso, minha responsabilidade é com a indústria, então não tenho nem direito de ficar indo atrás de fofoca.

Ivan Martins: O senhor quer unificar as entidades na próxima eleição, reunificar as duas entidades?

Guilherme Barros: Só para complementar a pergunta dele, só para entender. Por que tem duas entidades aparentemente fortes, representando o mesmo segmento, que é a indústria de São Paulo. Antes se justificava, até porque nem se sabia direito, que tinha um Ciesp, nunca teve, é a primeira vez na história, que se tem dois presidentes, duas diretorias. Vai haver duas estruturas de custos, financiadas pelo mesmo...

Paulo Skaf: Na verdade não tem duas, existem...

Guilherme Barros: Está montando também , o Ciesp, departamentos...

Paulo Skaf: Existem dezenas de entidades que representam camadas e grupos empresariais, são sociedades civis. Se você for em Franca [cidade do interior de São Paulo] tem lá, Associação Industrial de Franca, tem quinhentas indústrias, lá de Franca, ligadas à Associação Industrial de Franca.

Mônica Teixeira: Mas é de Franca, não é do estado de São Paulo.

Paulo Skaf: Mas se você for em outra cidade... Então sociedade civil de empresa existem muitas. A representação da indústria paulista é única. É da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Agora, sociedades civis de empresas, que representam os seus associados, sejam mil, dois mil, três mil ou um universo de 130 mil, essas têm o Ciesp. Qual a diferencial do Ciesp em relação ao outro? Tinha sempre uma ligação estreita com a Fiesp. Por que nasceu o Ciesp lá atrás? Aí tem toda uma história que vem antes da Constituição de 1988...

Paulo Markun: [interrompendo Paulo Skaf]: O Ciesp é a mãe da Fiesp.

Paulo Skaf: ... é meio longa a história. Mas na verdade, é uma entidade, uma sociedade civil de empresas, respeitada, que devemos respeitar. Eu sou Ciesp, eu sou filiado ao Ciesp, faço parte do Ciesp. Quanto à questão de unificar, eu quero dizer o seguinte: eu aprendi na minha vida, que quando eu pego uma missão, devo me concentrar nela, não penso na próxima. Eu fui eleito junto com mais algumas dezenas de companheiros que fazem parte da nossa chapa, fomos eleitos com a responsabilidade de um mandato de três anos, como presidente, como diretores, meus companheiros da Fiesp, e temos a responsabilidade do Sesi e do Senai e do Instituto Roberto Simonsen, e nós vamos nos concentrar nisso. O que vai acontecer em 2007, daqui a três anos, como vão ser as próximas eleições, o que a indústria paulista vai decidir, é um outro capítulo. Não é hora, não vou nem pensar nisso, vou pensar em cumprir a minha missão. Quando eu era presidente da Abit, fiquei seis anos. Há três anos, quatro anos, eu nunca estava pensando numa eleição da Fiesp. Isso surgiu de dois anos para cá, praticamente quando companheiros começaram a nos provocar para isso, e o destino nos trouxe para esse caminho. Mas eu nunca, lá para trás, estava pensando em promover a moda do Brasil, em melhorar a balança comercial do setor, em promover o setor, em baixar os impostos do setor, tudo que nós fizemos com o apoio maciço do setor e com resultados concretos não foi pensando em eleição futura nenhuma. Até porque se você estiver envolvido numa missão pensando na outra, pode estar certo de que não vai chegar na outra, porque não vai fazer de forma competente a missão em que você está envolvido e que já assumiu.

José Paulo Kupfer: Do jeito que o senhor falou aí sobre o Ciesp?

Paulo Skaf: As senhoras deviam ter...

José Paulo Kupfer: Mas essa senhora [referindo-se à Mônica Teixeira] não é fácil, não? [risos]

Paulo Skaf: Você permite, José, deixa eu responder para ela. Obrigado. [risos]

Mônica Teixeira: Eu vou mudar de assunto. Eu queria perguntar, atendendo a uma instigação sua no intervalo, por que a China ter sido declarada uma economia de mercado pelo governo brasileiro prejudica os interesses da indústria paulista?

Paulo Skaf: Não, não prejudica os interesses da indústria paulista, prejudica os interesses do Brasil. Porque, em primeiro lugar, a China não é uma economia de mercado. Na economia de mercado, os preços são definidos pelo mercado. A China é uma economia estatizada, os preços são artificiais e muito baixos.

Paulo Markun: A indústria têxtil, então, tem erisipela quando ouve falar da China?

Paulo Skaf: Na verdade, muitas vezes eu fico com essa imagem de têxtil. Quando eu falo uma coisa dessas, até penso pouco na indústria têxtil, penso em geral. Para qualquer indústria, para qualquer comparação, na verdade, primeiro é uma afirmação. É ou não é uma economia de mercado? Não é uma economia de mercado.

Mônica Teixeira: Mas que conseqüência traz o fato de ter declarado como economia de mercado?

Paulo Skaf: O primeiro fato é este, de não ser. O segundo é o seguinte. Um dos instrumentos mais fortes que nós temos de defesa comercial é o antidumping, ou seja, quando o produto é vendido abaixo do preço, ele pode ser sobretaxado. Como é que é isso? Você pega um copo deste [segura o copo de água que tem perto de si] importado da China. Como era antes desse reconhecimento? Apesar de que esse reconhecimento, até o momento, foi assinado apenas o memorando, ainda não foi feito a circular, não foi aprovado na Camex [Câmara de Comércio Exterior], não foi enviado à OMC [Organização Mundial do Comércio]. Neste momento, nós ainda não temos, oficialmente, esse reconhecimento na OMC. Mas o que significa? Pegue esse copo. Ele  é importado da China a, por exemplo, meio dólar. Eu estou dando um exemplo, não significa que seja isso. Como é que você provava um dumping antes desse reconhecimento, caso ele venha a ser concluído? Você pegava esse mesmo produto, um produto similar a esse, de um outro país – porque a China não era reconhecida como economia de mercado – e pegava de outro país e comparava o preço de um copo deste. Se custasse no outro país três dólares, dois dólares, um dólar, você já caracterizaria o dumping, e já poderia sobretaxar este copo chinês. Ou seja, você usava esse instrumento de defesa comercial. Isso não é protecionismo, é defesa comercial.

Paulo Markun: Quem fazia isso era o governo brasileiro?

Paulo Skaf: Era o governo brasileiro. Agora, com o reconhecimento, caso ele se materialize, caso ele seja encaminhado à OMC, o que é que você tem que fazer? Você tem que comparar este copo de meio dólar, com o copo lá do mercado doméstico chinês, que não é um preço de mercado. Se lá custar meio dólar, ou menos que isso, está tudo bem, não há dumping. Ou seja, nós abrimos a guarda, nós nos expomos, nós perdemos um instrumento forte de defesa comercial. Muitas vezes, esses que defenderam esse reconhecimento dizem: “Mas tem a salvaguarda, tem o subsídio.” É lógico que existem outros caminhos de defesa, outros instrumentos, mas o dumping era o mais rápido, o mais eficiente e o mais eficaz. Enquanto o Brasil está reconhecendo ou estava falando em reconhecer a China como economia de mercado, os americanos estavam declarando que tão cedo não vão reconhecer; pelo contrário, entraram nos últimos tempos, nos últimos meses, com dezenas de processos de dumping contra o produto chinês. Os europeus também dizem: “Tão cedo também não vamos reconhecer a China.” O Japão também, tão cedo não vai reconhecer a China.

Paulo Markun: Qual foi a vantagem para o Brasil?

Paulo Skaf: Dos 150 países ligados à OMC, temos em torno de uns vinte que reconhecem, e desses vinte, se você for ver o perfil dos países, não são países com a característica de uma indústria, como a indústria brasileira, que tem o que perder, é um país que muitas vezes não tem nem indústria. Agora, as razões por que foi feito isso, tem que perguntar para quem fez, não fui eu que fiz; se dependesse de mim não teria isso. Vou dizer mais: eu acho que essa foi uma decisão tomada às portas fechadas, nós não fomos consultados, o Congresso Nacional não foi consultado, enfim, eu discordo também disso. Nós estamos em outro momento, momento em que uma decisão como essa, que pode afetar toda a indústria, o emprego, os interesses do país, não pode ser feito... Nós poderíamos ter colocado no memorando que foi assinado, que dizia assim, no item um: “O Brasil reconhece a China como economia de mercado.” Isso é uma afirmação. Os demais itens eram intenções: “Nós vamos envidar esforços para aumentar a troca de comércio, envidar esforços para uma série de questões aí.” Nós poderíamos também ter colocado que nós vamos envidar esforços para reconhecer e dar um pouco de tempo para a sociedade brasileira ser consultada.

Paulo Markun: E o senhor que era o candidato apoiado pelo presidente Lula?

Paulo Skaf: Eu sou o candidato.

Ivan Martins: O que se faz agora, a partir disso, o que é que o senhor propõe? O "leite derramou", e aí?

Paulo Skaf: Olha, o leite, por enquanto, houve esse memorando, que é composto por vários itens. O primeiro é o reconhecimento, os outros são intenções, mas intenções ou não, precisam ser cumpridas. Primeiro deveria se monitorar, se acompanhar esses outros itens, para ver se são intenções, se pelo menos, na prática, essas intenções estão aparecendo, porque caso não estejam, aí é um tudo ou nada. Na hora em que se assina o memorando, atende o item que convém ao outro país, e nós não precisamos ter os nossos interesses também atendidos. Esse assunto tem que ser acompanhado, eu recomendaria ao governo brasileiro que não tenha tanta pressa em caminhar a circular, fazer a circular ser aprovada na Camex, para que a gente possa acompanhar um pouco os demais itens desse memorando. Enfim, dar um certo tempo, e vamos ver como as coisas vão caminhar. Eu acho que precisa ser um pouco conversado no Congresso Nacional isso também, porque não foi. Nós temos na Câmara dos Deputados uma Comissão de Relações Internacionais, não foi consultada; nós temos no Senado Federal uma Comissão de Relações Internacionais que não foi consultada. Eu vejo que isso é um acordo de tanta importância que deveria ter sido mais conversado, a indústria também não foi consultada. Enfim...

Marco Antônio Rocha: Isso nos remete a uma questão que estávamos conversando no intervalo. A Fiesp está num processo, sob a sua gestão, de ampliar a sua influência nas decisões de macro política econômica, até de macro política internacional no Brasil. Que canais e que instrumentos o senhor vê como possibilidade de serem utilizados para que esse objetivo seja atingido? Ou seja, para que a Fiesp tenha maior influência em decisões como essa em relação à China?

Paulo Skaf: Todos os canais devem ser usados. O canal de entendimento, o bom diálogo com o governo federal, com o poder executivo é um canal. Mas temos que usar outros canais. O Congresso Nacional é um importantíssimo canal. Eu pretendo estar todas as semanas circulando no Congresso Nacional, no Senado, na Câmara. Porque esses são os nossos representantes. Esse assunto, por exemplo...

Marco Antônio Rocha: Esse assunto também não dependeu do Congresso Nacional.

Paulo Skaf: Não dependeu. Por ser um memorando, não precisou passar pelo Congresso, mas pela importância do tema, obviamente, cabe ao Congresso se interessar. Para isso que tem, inclusive, as comissões ligadas a relações internacionais.

Marco Antônio Rocha: Mas o senhor acha que o Congresso pode modificar esse entendimento do executivo?

Paulo Skaf: Acho que tem que ser discutido esse assunto. No mínimo, tem que ser discutido nesse estágio em que está. Se aquelas intenções sinalizadas pelos chineses estão acontecendo, se as promessas verbais que não estão no memorando, mas que foram feitas, em relação ao investimento, estão acontecendo. Se essas coisas não acontecerem, eu não vejo que nós estejamos comprometidos unilateralmente, então nós teríamos um caminho aí. E paralelo a tudo isso, temos que estar com o alerta vermelho ligado. Por que esse alerta vermelho? As importações da China estão crescendo de uma forma muito significativa. E quando se fala: “Ah, mas por que aqui não veio ainda essa invasão da China?”. Eu quero lembrar que em 2002 o dólar chegou a quase quatro. E isso era um impedimento, era um desestímulo às importações da China ou de qualquer lugar. Em 2003 nós tivemos o mercado doméstico muito ruim. Agora, em 2004, neste momento e daqui para frente, com o dólar a 2,70 reais e com o mercado doméstico em crescimento, cuide-se porque as importações virão, se nós não estivermos bem antenados. Tanto é que criamos o que não existia na Fiesp, como uma área de defesa comercial. Nós vamos criar, vamos criar não, criamos e estamos já com uma equipe, e a idéia é trabalharmos junto com os setores, dando total apoio. A Fiesp tem que fazer papel do porta-aviões. Eu costumo comparar – e na campanha eu falava muito disso – os setores são caças poderosos, com autonomia de vôo, mas precisam do porta-aviões. E ela fará o papel de porta-aviões e dará todo o apoio aos setores, porque nós não vamos expor nossos empregos, as nossas riquezas, as nossas empresas, para uma chuva de importações estourando a nossa balança comercial, vindas da China, com preços artificiais. E agora com o mecanismo enfraquecido de imposição de dumping porque nós temos que comparar os preços internos.

Marco Antônio Rocha: Quem está encarregado desse Departamento de Defesa Comercial?

Paulo Skaf: Está no âmbito do Departamento de Comércio Exterior do Departamento de Relações Internacionais, e faz parte dele, e nós temos uma pessoa responsável que se chama Rafael Benke, mas subordinado ao diretor do departamento, que é o Roberto Giannetti da Fonseca.

Paulo Markun: Presidente, nós vamos fazer mais um rápido intervalo, a gente volta já com o Roda Viva.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, entrevistando esta noite, Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Antes de passar para o José Paulo Kupfer, que já está na fila [risos], tenho uma perguntinha aqui: “Como é que o senhor encara dois processos: a Alca e o Mercosul?”

Paulo Skaf: Olha, nós temos que lutar para o fortalecimento do Mercosul. Quando nós discutimos, fomos contra as salvaguardas, contra protecionismos solicitados pelos argentinos, não é para o fim do Mercosul, é para o fortalecimento do Mercosul. Porque o Mercosul nasceu em 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção. O Tratado de Assunção são as regras do Mercosul, e dentro das regras do Mercosul, cotas, era até 1994, depois acabou entre os países-membros do Mercosul. Temos lutado contra essa postura que, às vezes, nós criticamos, de a Argentina querer sempre proteção e, principalmente, neste momento que não tem o mínimo cabimento. Se fizer uma análise dos últimos dez anos, de 1995 para cá, o único ano, nesses dez anos, em que a Argentina deu uma balança favorável ao Brasil, está sendo em 2004. Todos os outros anos foram negativos ao Brasil; a Argentina acumulou dez bilhões de dólares em superávit comercial com o Brasil. Então não tem cabimento. Em 2003, como a Argentina em 2002 passou por uma forte crise econômica e, mais ainda, uma forte crise política, nós entendemos até, de se fazer algum acordo setorial. Inclusive eu, como presidente da Abit, na época, fiz para o setor têxtil um acordo setorial, sabendo que aquilo estava ferindo os princípios do Mercosul. Mas era a vontade de todos, e havia uma situação muito especial devido à situação que a Argentina havia passado.

Paulo Markun: Mas o presidente [Nestor] Kirchner [governou a Argentina de 2003 a 2007] veio aqui e não chiou tanto...

Paulo Skaf: Só que tem o seguinte: hoje a Argentina está em plena capacidade, a indústria argentina está em plena capacidade. Enquanto o nosso câmbio está menos que 2,70 reais, o deles está 2,94; está favorável a eles. A Argentina está empregando. A realidade hoje da Argentina é completamente outra! Não há necessidade, não tem hoje o mínimo fundamento. Se a Argentina não fizesse parte do Mercosul, vamos imaginar que fosse um país fora do bloco, não conseguiria impor nenhuma restrição. Por quê? Como é que ela prova danos, se ela está com a sua produção industrial a pleno, vai crescer esse ano 8%, enquanto nós vamos crescer 5%, ela vai crescer 8%.  Enquanto nosso câmbio está a menos do que 2,70 reais, o deles está 2,94; enquanto em nossa indústria, alguns setores estão a pleno e outros ainda não, lá estão a pleno. Portanto, diante desse cenário, não tem um mínimo cabimento, nessa nova realidade, qualquer nova restrição. E essa restrição ou pedido de salvaguardas, alguma coisa assim, foge completamente das regras do Mercosul. E tem que se respeitar as regras do Mercosul, caso contrário, nós não vamos ter o Mercosul ou não vamos ter um Mercosul fragilizado. Convém o fortalecimento do Mercosul, convém nós lutarmos para fortalecer o bloco? Convém. Hoje o mundo está dividido em blocos comerciais e nós não devemos abrir mão do nosso.

Paulo Markun: Não é melhor negócio entrar na Alca de vez?

Paulo Skaf: Quanto à questão da Alca, é uma outra história. Eu sempre defendi a negociação da Alca e sempre lembrei que negociar não é ceder, e muito menos fazer o negócio. Negociar é negociar; se lhe convier você faz, se não convier, você não faz. Mas o Brasil, como co-presidente, não poderia ficar fora. Sempre defendi. Há três anos, quando se falava da Alca, muitos até, por desconhecimento total, se assustavam, só de falar em Alca, até por muito pouco conhecimento. Porque na realidade, a balança comercial, falando em troca de comércio entre o Brasil e EUA, entre o Brasil e os 33 países que comporiam a Alca, é totalmente superavitária ao Brasil. Só não foi até 1999 por causa do câmbio brasileiro. De 1999 a coisa empatou; de 2000 para cá, a relação Brasil e EUA é totalmente superavitária [quando o número de exportações é maior] ao Brasil. No entanto, EUA é protecionista, tem barreiras alfandegárias, tem cotas contra nós. Então uma negociação, desde que haja transparência e correção, franqueza, e que realmente se eliminem essas barreiras, abram o mercado para os produtos brasileiros; se discuta, por exemplo, a questão do dumping, porque ela [a Alca] não segue, nós seguimos as normas da OMC, os EUA não. É uma legislação abstrata, ela não é concreta. E o que acontece? Você faz um acordo de livre comércio, de repente impõe uma sobretaxa de dumping, algo que assim o valha. Isso tudo precisa ser bem negociado, por isso que é uma negociação que leva anos. Agora, que a gente precisa enfrentar, precisa negociar, precisa. Porque nós vamos passar a barreira dos cem bilhões no próximo ano, em exportação, temos que ter grandes mercados. Os EUA importam 1,2 trilhão de dólares por ano, é a importação americana, é o maior mercado do mundo. Nós não podemos abrir mão disso. Mas isso não significa também que vai se fazer uma negociação em que vá se aceitar qualquer condição. Não. Nós temos que ver o nosso interesse e negociar. Deu, deu ou não deu, tudo bem. Agora ficar com medo de negociar não tem jeito.

[Sobreposição de vozes]

Guilherme Barros: O governo brasileiro não está sendo dócil demais com a Argentina?

Paulo Skaf: Neste momento está. Porém, nos últimos dias e semanas, mudou um pouco, mas estava, vamos dizer, dócil demais. Porque quando se tem razão, e eu repito, naquele cenário de 2003, em que a Argentina saiu daquela dificuldade toda de 2002, houve sinal de boa vontade para o vizinho, parceiro. Mas neste momento, no cenário em que a Argentina se encontra, ficar falando de restrição, repito o que eu disse, nem se fosse um país fora do bloco.  Não existe Mercosul, não tem base nenhuma para impor restrição de coisa nenhuma, porque não há dano de mercado, o setor produtivo está em plena capacidade, o crescimento do país é de 8%. Não há nada que justifique qualquer restrição. Então é a hora, sim, de mostrar os dentes.

José Paulo Kupfer: Primeiro, louvando a sua habilidade de não responder a questões sobre o Ciesp; parabéns, o senhor foi muito hábil para não responder. A minha pergunta é sobre outro assunto. O senhor está dizendo que a Argentina está no momento pujante, é uma economia que vai crescer 8%, nós vamos crescer 5%, o câmbio está bom, enfim, a economia está em vários setores já à plena carga. Eu queria perguntar ao senhor o seguinte: em certas circunstâncias, portanto, calote é bom negócio, não é?

Paulo Skaf: O que você está falando em relação aos argentinos, nós temos que perguntar para eles. Eu não acho que calote é um bom negócio.

José Paulo Kupfer: Eles deram um calote numa circunstância lá toda especial e estão hoje numa situação muito melhor que a nossa, como o senhor falou, crescem 8%, pleno emprego, não sei o que lá!

Paulo Skaf: Eu não falei em pleno emprego...

José Paulo Kupfer: Em certas circunstâncias...

Paulo Skaf: Eu não falei em pleno emprego, o que eu falei é que a economia argentina este ano cresce 8% e vai crescer 8%. Que o câmbio do qual eles sempre reclamaram... hoje o nosso está menos que 2,70 reais e o deles está a 2,94. E eu falei que a indústria está à plena capacidade, tudo isso é realidade. Agora, quanto ao calote, eu nunca defendi nenhum tipo de calote, sou contra qualquer tipo de calote.

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Mas eles estariam como estão hoje se não tivessem dado calote?

Paulo Skaf: Na minha vida, eu nunca dei calote, não aceito calote...

José Paulo Kupfer: Eu também [risos].

Paulo Skaf: Tenho cinco filhos e o exemplo que eu procurei dar a eles nunca foi de dar calote em ninguém. Eu acho que calote nunca é bom. A análise que eu fiz em relação à situação da Argentina é para mostrar que qualquer pedido de restrição, de salvaguarda e de proteção é incabível, principalmente neste momento, dentro deste cenário em que se encontra.

Ivan Martins: Presidente, o que se diz é que o governo brasileiro quando é flexível, quando é leniente com a Argentina, faz isso em nome da indústria brasileira, que apesar de todas as queixas, tem lá na Argentina um dos seus melhores mercados. E vende lá e tem uma espécie de proteção natural da geografia e do próprio Mercosul. E nós seríamos capazes de competir, em pé de igualdade, na Argentina, com coreanos e chineses, se não fossem as benesses do próprio Mercosul?

Paulo Skaf: Veja bem, então você acaba de concordar, que o que nós precisamos é fortalecer o Mercosul. É o meu ponto de vista.  Nós estamos pensando igual.

Ivan Martins: Mas os empresários argentinos discordam disso. Eles insistem veementemente que a indústria deles está sendo prejudicada, que eles têm também uma vocação industrial como tem o Brasil, e que nós, no momento, estamos sufocando a vocação industrial deles. É legítima a queixa?

Paulo Skaf: Sempre numa queixa, você tem que ter base. O empresário, o setor que pode hoje estar reclamando, estando com a capacidade plena, com crescimento, com câmbio que é favorável a eles, contra nós e tudo, queixar sempre pode. É até um pouco da natureza talvez do argentino de reclamar um pouco. E eu até não tenho nada contra, são nossos vizinhos, são nossos parceiros de Mercosul, nós temos que torcer... Aquela situação em que estava a Argentina em 2002 nos aborreceu muito. Quando foi em 2003 que se deu aquele sinal para se fazer acordos bilaterais e setoriais, eu pessoalmente era contra, porque a regra do Mercosul não permitia aquilo, aquilo era uma tolerância. Mas eu entendi, devido a isso tudo que você está falando. Quer dizer: espera aí! São nossos vizinhos, passaram dificuldades, vamos lá e tal. Mas isso não significa que tenha que se eternizar, porque será o fim do Mercosul. Então, neste momento, para o bem do Mercosul, para o bem dessa relação, o que precisa é parar com essa questão de ferir as regras do Mercosul, as regras que estão escritas no Tratado de Assunção [acordo legal assinado em 26 de março de 1991, entre a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que estabeleceu as regras de formação, função e funcionamento do Mercosul]. E é muito fácil: é só o governo argentino parar de amparar reclamações infundadas. Quando chegar algum setor e falar: “Ah, nós precisamos de proteção e tudo!”. E o governo argentino rapidamente verificar que aquele setor está em plena capacidade, está bem, que as coisas vão bem, tem de pensar um pouco também no consumidor argentino. Porque da maneira que está, até acordo de preços foi feito com a Argentina, acordo para aumentar preço. Isso no Brasil dá cadeia. Com a Argentina foi feito acordo. Então, não é possível! O governo argentino tem que pensar um pouco no consumidor. Não adianta você defender três empresas e ir contra o interesse de milhares de consumidores da Argentina.

Guilherme Barros: O que o governo brasileiro pode fazer para mudar um pouco, para mostrar os dentes, como o senhor falou?

Paulo Skaf: Eu acho que é o que tem feito nos últimos dias, e talvez semanas. Realmente endurecer o caldo, pára por aí. Não há razão, quando houve, houve a tolerância. Agora, nós temos que respeitar o Mercosul. Eu creio que houve uma reação por parte do governo brasileiro, houve um endurecimento até nas declarações, e tudo isso. Eu penso que isso será bom para o Mercosul.

Guilherme Barros: Agora, quem mostra os dentes deve estar disposto a morder?

Paulo Skaf: Sem dúvida.

Ivan Martins: E o governo brasileiro, o empresariado brasileiro está disposto a levar essa briga adiante, se a coisa endurecer?

Paulo Skaf: Veja bem. Nesse momento não há briga. O que há é choradeira de setores da Argentina ,que continuam chorando. Só que a diferença de como eles estão hoje para como estavam há dois anos, é da água para o vinho, mudou muito. Hoje não têm mais amparo as reclamações. Na verdade o que acontece é que há reclamação, não há brigas, não há grandes... Eu diria até que o maior conflito [em 2004, por conta da grave crise financeira pela qual passava, a Argentina impôs restrições à entrada de eletrodomésticos brasileiros no país] no momento foi o da linha branca [eletrodomésticos como geladeira, freezer, máquina de lavar roupas etc], e outros casos estão relativamente tranqüilos. Se você der margem, se o governo argentino ficar com os ouvidos e as antenas ligadas ouvindo tudo o que o setor privado argentino leva para eles, a toda hora vem uma reclamação infundada, essa que é a realidade.

Pedro Cafardo: Vou colocar outro assunto para ver se a gente consegue... A questão do nacionalismo, queria ver a sua posição. Dos nove grandes empresários que fundaram a Fiesp em 1928, portanto há 76 anos, só três empresas sobreviveram: a Votorantim [uma das mais importantes empresas brasileiras, atua no ramo de cimento, mineração e metalurgia, siderurgia, celulose e papel, suco concentrado de laranja e especialidades químicas], a Klabin [é a maior empresa produtora, exportadora e recicladora de papéis do Brasil] e a terceira, eu não me lembro. As outras ou foram compradas por empresas estrangeiras, ou fecharam, desapareceram. Qual a sua posição, a posição dessa direção da Fiesp a respeito do apoio à empresa nacional? O senhor acha que ela tem que ter um carinho diferenciado, um apoio diferenciado? Ou o quê vale para a estrangeira vale para a nacional, tudo é a mesma coisa?

Paulo Skaf: O que eu penso é o seguinte: nós temos, sem dúvida nenhuma... Porque o que fortalece a indústria é o fortalecimento desse conjunto de coisas que nós comentamos aqui. Quando a gente fala que os juros têm que baixar, quando a gente fala de crédito, de menos encargo, de menos carga tributária, quando nós falamos de menos burocracia, de simplificar a vida de quem trabalha, sem dúvida nenhuma, as empresas nacionais de capital estrangeiro vivem isso, mas têm mais força. Porque uma empresa dessas, se aqui não deu resultado, ou se aborreceu demais, é capaz de fechar uma unidade do país. Não é o caso da empresa brasileira, que está aqui por cultura, por costume, por raízes, enfim. Apesar de que existem muitas empresas nacionais de capital estrangeiro que formaram raízes fortes; você tem empresas com cem anos de Brasil. Você não pode considerar essa empresa como uma empresa que não mereça todo bom tratamento dentro do país. No entanto nós temos que levar em conta este detalhe: a tecnologia. Você pega, por exemplo, a tecnologia desenvolvida numa empresa brasileira, ela fica aqui. A tecnologia, muitas vezes, de empresas multinacionais é desenvolvida em alguma outra filial ou na matriz, enfim. Há um diferencial sim, mas isso não significa que a empresa nacional de capital estrangeiro não mereça toda a consideração, todo respeito, todo carinho, porque são empresas instaladas no Brasil, empregam brasileiros e geram impostos no Brasil, exportam do Brasil, trazem riquezas para o Brasil. E isso não significa que não haja merecimento, até de um carinho especial, aquelas brasileiras que, até por opção e por raízes, é muito mais difícil de sair daqui, engolem mais todas as dificuldades. Eu creio que a Fiesp tem que ter uma posição de respeito à empresa em geral, respeito a quem emprega, a quem trabalha, a quem gera impostos, a quem produz, quem exporta, quem desenvolve regiões, quem capacita. E isso chama indústria. Por isso costumo dizer: “proteger a indústria é proteger o Brasil, defender a indústria é defender o Brasil”.

Paulo Markun: Nosso tempo está acabando. Uma última pergunta: em 1989 quando o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, disputou e perdeu para Fernando Collor de Mello, o presidente da Fiesp disse que se ele [Lula] ganhasse, oitocentos mil empresários iriam para fora do Brasil. Qual a avaliação que o senhor faz dos dois primeiros anos do governo do presidente Lula?

Paulo Skaf: Olha, o presidente Lula tem a melhor das boas intenções. Eu acho que como todo governo, ele teve acertos, teve erros. Essa questão, por exemplo, da política econômica, que nós debatemos, no início do seu mandato, foi tudo correto da forma que foi feito. Porém  isso é uma dinâmica, tem que haver um aprimoramento, uma mudança de direção; não se pode insistir em juros elevados. Tem essa questão da política internacional. Muitas vezes o presidente fala do receio, que o empresariado não tem que ter receio, tem que negociar. O empresariado está muito convencido disso. Aliás, o empresariado a vida inteira negociou. O que precisa realmente é nós termos isonomia no Brasil. O que acontece é uma corrida desleal. Aqui, quem produz, quem trabalha carrega muitos quilos nas costas, que os concorrentes lá fora não carregam. O que nós precisamos é isonomia em todos os aspectos. E não temos medo de concorrência, não temos medo de nada disso. E desejamos ao presidente Lula toda a boa sorte, até porque ele é o nosso presidente, está eleito pelo povo brasileiro, pela maioria do povo brasileiro, vai cumprir seu mandato. E quanto melhor ele estiver, é melhor para todos nós. Então, vamos torcer para que vá bem o governo federal, vá bem o presidente Lula, enfim, porque o nosso intuito é o interesse maior do país.

Paulo Markun: Obrigado ao presidente da Fiesp, Paulo Skaf, obrigado aos nossos colegas entrevistadores, e a você que está em casa.

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