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Memória Roda Viva

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Luiz Carlos Bresser-Pereira

17/5/1999

O ministro da Ciência e Tecnologia defende a produção e comercialização dos transgênicos no Brasil e sugere painéis setorias de C&T para aproximar cientistas e empresas

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Paulo Markun: Boa noite. Ele pretende integrar ciência e sociedade e com isso melhorar a situação da pesquisa científica no Brasil, que há décadas pede mais dinheiro e mais atenção. No centro do Roda Viva esta noite, o ministro da Ciência e Tecnologia, Luiz Carlos Bresser-Pereira.

[Inserção de vídeo] [Imagens de Luiz Carlos Bresser-Pereira; narração de Cláudia Tavares]

Narração de Cláudia Tavares: Quando assumiu o Ministério da Ciência e Tecnologia, em janeiro, Luiz Carlos Bresser-Pereira ampliou um pouco mais seu extenso currículo, marcado por uma rara conciliação entre vida política e intelectual. Bresser-Pereira, 64 anos, é formado em Direito e Ciências Econômicas na USP [Universidade de São Paulo], e mestre em Administração pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Ele é um dos fundadores do CEBRAP, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, foi professor titular e coordenador dos cursos de pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas e professor visitante da Universidade de Paris. Já publicou mais de uma dezena de livros sobre Administração e Economia, ficou conhecido na vida empresarial como diretor administrativo do Grupo Pão de Açúcar [maior empresa varejista brasileira], onde atuou por quase vinte anos. Entrou na vida pública em 1983, como diretor-presidente do Banespa, o Banco do Estado de São Paulo. Depois, foi ministro da Fazenda no governo Sarney [José Sarney] em 1987. Retornou à Esplanada dos Ministérios em 1995, como ministro da Administração de Fernando Henrique Cardoso, com a missão de encaminhar a reforma administrativa e modernizar a administração pública. Bresser-Pereira deixou a administração para Cláudia Costin [(1956-), administradora, foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado entre 1998 e 1999] no segundo governo Fernando Henrique e assumiu o Ministério da Ciência e Tecnologia, acumulando também o cargo de presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq. A área sob responsabilidade do ministro, historicamente, é uma das que mais reclamam da falta de verbas e de políticas de incentivo. Investe-se pouco em pesquisa científica no país, e só uma pequena parte dos resultados é repassada para a cadeia produtiva. O diagnóstico já é conhecido. O desafio colocado é o de fazer a aproximação entre a indústria e o conhecimento científico desenvolvido no país. Integrar ciência e sociedade, e deixar o Brasil em condições de dar respostas técnicas e éticas a questões que o avanço científico às vezes coloca no horizonte humano. O século XXI é tido como século da biotecnologia. Os alimentos transgênicos [OGMs], a manipulação genética, os riscos da dependência das multinacionais da biotecnologia trazem desafios também ao Brasil. O país tem a maior biodiversidade do planeta, mas tem pouco domínio tecnológico na área. Ciência e sociedade terão de decidir como controlar esses recursos e como utilizá-los da melhor forma.

[fim do vídeo]

Paulo Markun: Para entrevistar o ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira nós convidamos o professor de Farmacologia, Sérgio Henrique Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência [ou SBPC: sociedade sem fins lucrativos voltada para a defesa do avanço científico e tecnológico]; o professor de Filosofia José Arthur Gianotti, presidente do CEBRAP , o Centro Brasileiro de Análise e Pesquisa; o professor de Física da Universidade de São Paulo José Fernando Peres, diretor científico da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp; a jornalista Mônica Teixeira, apresentadora do programa Opinião Nacional da TV Cultura; o jornalista Ricardo Arnt, redator chefe da revista Superinteressante, da editora Abril; a jornalista Cláudia Tavares, repórter da TV Cultura, que vai apresentar aqui as perguntas dos telespectadores e o jornalista Ulisses Capozoli, repórter da área de ciência e tecnologia do jornal O Estado de S. Paulo. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília, e você pode fazer perguntas pelo telefone (011) 252-6525. Pode ainda utilizar o nosso fax, que é (011) 3874-3454 e ainda o endereço eletrônico do programa, que é rodaviva@tvcultural.com.br. Ministro, boa noite.

Luís Carlos Bresser-Pereira: Boa noite.

Paulo Markun: O Ministério da Agricultura autorizou hoje a comercialização de cinco variedades de soja transgênica no Brasil. O senhor já havia declarado aqui mesma no Opinião Nacional há tempos atrás, no dia 19 de março, que era favorável a essa atitude, mas a gente já verifica hoje nas notícias aqui das agências algumas críticas em relação a essa decisão, considerando que ela é uma decisão apressada. Como é que o senhor avalia essa situação?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu acho que é uma decisão muito bem tomada, não tem nada de apressada, está até um pouco atrasada, teve um problema de intervenção, de uma ação que segurou por algum tempo essa decisão. Veja, em primeiro lugar, do ponto de vista científico, quer dizer, ou do ponto de vista da segurança, da biossegurança: existe no Brasil uma lei,  a  política de biossegurança no Brasil foi definida pelo Congresso Nacional através de uma lei. Essa lei definiu os princípios gerais da biossegurança e criou uma comissão de biossegurança chamada CTNBio [Comissão Técnica Nacional de Biossegurança]. É uma comissão formada de trinta e seis pessoas, metade das quais cientistas indicados pelas sociedades científicas brasileiras, trinta e seis entre suplementes e efetivos. São dezoito [efetivos], dezoito [suplentes], que têm como dever e responsabilidade examinar cada caso, cada produto transgênico que é oferecido e verificar qual é o seu risco do ponto de vista de saúde e do ponto de vista de meio ambiente. A CTNBio examinou esses produtos, esses cinco produtos que você me conta agora, que o Ministério da Agricultura autorizou o plantio, fez todos os testes que achou necessário e autorizou-os. Eu não acho nada mais correto, mais preciso do que isto. Agora, o Ministério da Agricultura tinha um problema também econômico. O Brasil é um grande produtor de soja, quer dizer, todos os demais grandes produtores de soja - agora é a parte econômica, não é? - já adotaram a soja transgênica. Os Estados Unidos começaram a adotar a soja transgênica há três anos. Em três anos subiu de 0% para 54% da produção de soja [transgênica] dos Estados Unidos.

Paulo Markun: Agora, do outro ponto de vista, ministro, não existem países, como por exemplo o Japão e parte da União Européia, que são contrários à soja transgênica? Essa não seria uma área em que o Brasil poderia atuar, justamente por ser o único país que não tinha a soja transgênica, dos grandes produtores?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Veja, eu estive agora na Europa, eu estive especialmente na Inglaterra, e a Inglaterra é, entre os países europeus, o país que mais reage ao problema da soja transgênica, porque lá teve o problema da vaca louca [Doença neurodegenerativa que atinge os bovinos. Surgiu na Inglaterra na década de 1980 alcançando o status de epidêmica no início dos anos 90, período no qual se descobriu seu agente causador, uma proteína que podia ser encontrada na ração oferecida aos animais] que não tem nada a ver com o problema transgênico, mas criou toda uma... um problema na população. Então há uma opinião pública [que] resiste a isso. Eu não vi nenhuma medida de proibição de soja transgênica ou qualquer produto transgênico na Inglaterra. Está sendo usada a soja transgênica, produtos transgênicos, na Inglaterra. Os cientistas estão fazendo pesquisas para desenvolver produtos transgênicos na Inglaterra, a mesma coisa na França, na Alemanha etc. Quer dizer, o fato concreto, porém, é que esses não são grandes produtores de soja e, portanto, se dão ao luxo de ficarem falando, mas na prática eu duvido que eles estejam dispostos a pagar entre 20% e 25% mais caro por uma soja que seja... que seja, digamos, não transgênica. Se houver essa disposição, certamente será possível ao Brasil reservar um espaço para esse tipo de soja também.

Cláudia Tavares: Agora, ministro, internamente, como é que o senhor está vendo essa questão dos secretários de Agricultura não apoiarem essa decisão? Vinte e sete secretários pediram a suspensão da comercialização alegando que, além de não se ter respostas claras ainda para algumas questões de impacto ambiental e também de efeitos na saúde humana, que o senhor respondeu através da questão comissão aí, se teria um problema de ordem econômica também, uma vez que esses estados teriam que emitir certificados, fazer fiscalizações. Como é que o senhor vê esse aspecto econômico?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu não estou a par, eu estava a par do Rio Grande do Sul, que estava contra. Que 27 secretários estejam contra para mim é uma surpresa...

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Nós temos essas informações.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Quer dizer, é muito estranho, inclusive, porque veja, a informação que eu tenho é que, no Rio Grande do Sul, foi feita uma pesquisa entre os pequenos produtores de arroz do Rio Grande do Sul, sobre se eles queriam ou não ter o arroz transgênico, e uma maioria absoluta - não é? - foi favorável ao uso do arroz transgênico. De forma que não faz o menor sentido essa posição de 27 secretários. Se fossem 27 secretários do Meio Ambiente, aí justificaria porque...

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Agora, essa questão econômica, como é que o senhor vê?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: [Enfatizando] Deixa eu explicar o problema. Porque a grande preocupação não é com a saúde. A preocupação que existe é dos ambientalistas. Porque embora, quer dizer, os cientistas, todos que eu... - ou quase todos, não vamos pôr todos que é um exagero -, mas a grande maioria dos cientistas, a unanimidade dos cientistas que estavam na CTNBio, que tem o dever e a responsabilidade por esse assunto, foram unânimes em... quer dizer, eles sempre dizem: “Olha, não... que nós saibamos, na medida do que é possível se prever, não há perigo para o meio ambiente”, mas você nunca tem 100% de certeza, você nunca sabe o que vai acontecer daqui a vinte anos ou daqui a trinta anos com o uso de soja ou o uso de produtos transgênicos hoje. Então os ambientalistas reagem. É normal que isso aconteça, quer dizer, faz parte da regra do jogo. Agora, o secretário da Agricultura, isso não faz nenhum sentido.

[sobreposição de vozes]

Ricardo Arnt: Ministro, inclusive o ministro do Meio Ambiente [referência a Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente entre janeiro de 1999 e março de 2002] também?

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Então...

Ricardo Arnt: O ministro do Meio Ambiente também...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Houve uma reunião em que o governo tomou sua posição, e o único ministro que tinha uma posição diferente e que defendeu insistentemente uma posição diferente, foi o ministro Sarney. O que ele fez muito bem, porque se ele não fizer isso, como é que ele vai se entender com os ambientalistas que ele, não representa, mas com quem ele trata todos os dias?

Mônica Teixeira: Agora ministro, independente da posição dos secretários da Agricultura, do Ministério da Agricultura, do Ministério do Meio Ambiente etc etc etc...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Sim, isso.

Mônica Teixeira: ... existe nas pessoas, de maneira geral, uma espécie de recusa, um susto [enfatiza], parece, quando se fala em alimentos transgênicos. Como é que o senhor acha que isso... O senhor acha que deve se tentar superar isso, ou isso será superado com o tempo? Quer dizer...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu acho que isso será superado com o tempo. Eu acho que dentro em breve serão tantos os produtos transgênicos que estarão sendo produzidos - porque as vantagens que eles apresentam são tão grandes - que inclusive o problema da rotulagem, por exemplo, sobre o qual eu sou a favor, isso vai desaparecer dada a disseminação, a difusão da coisa. Por quê? Porque apresenta vantagens. Vantagens econômicas... assim, substanciais, tornam-se mais econômicos e tem o problema de também tornar o produto melhor, quer dizer, porque há dois tipos de mutação transgênica que fazem... Eu estou aprendendo tudo isso, eu não sou cientista, hein, eu sou economista.  Mas há dois tipos: um, em que você não muda a natureza do grão ou do produto, você muda a planta, mas não o grão, quer dizer, é o caso da soja. E outros que muda substancialmente o produto, você põe mais proteína ou põe mais vitamina. No caso da soja transgênica...

Mônica Teixeira: [Interrompendo] As empresas não têm feito isso ainda, não é? Isso é uma possibilidade, mas a...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não, já começam a fazer. Não está no mercado. Essa soja transgênica que nós temos aqui, por exemplo, ela não muda em nada a natureza do grão, de forma que se você esmagar e fizer óleo da soja transgênica e de uma soja comum, quer dizer, nenhum cientista é capaz, por mais que faça testes, de saber que é uma e qual é outra.

Mônica Teixeira: Então o senhor acha que a questão dentro da população será superada?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu acho que será superada por esse motivo, quer dizer, não... veja, nos Estados Unidos, por exemplo, está absolutamente utilizado. Em outros lugares se pode haver reações maiores quando você tem... A preocupação não é com saúde. A preocupação com a saúde é muito pequena, pelo que eu pude ver. Agora, com o ambiente há uma preocupação, que eles têm medo de que, por exemplo, a soja se transmita para outros produtos e isso crie um problema, quer dizer...

Paulo Markun: [Interrompendo] Ministro.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Agora, a gente sabe que a ciência é feita, não através de certezas, porque certezas não existem, [mas] através de probabilidades. E o que os cientistas dizem é que as probabilidades são de que não faça mal nem para saúde e nem para o meio ambiente...

Paulo Markun: [Interrompendo] A propósito...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... e foi isso que levou a CTNBio a tomar essa decisão.

Paulo Markun: ... desse assunto ainda, ministro, no último domingo, o programa Repórter Eco, aqui da TV Cultura, exibiu uma entrevista do escritor e cientista ambiental norte americano Jeremy Rifkin [economista americano (1945-), crítico ardoroso da energia nuclear e dos alimentos geneticamente modificados], que lançou aí uma série de preocupações sobre os riscos dessa soja transgênica. Eu gostaria de exibir esse depoimento dele, para que o senhor comentasse, por favor.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Tudo bem.

[inserção de vídeo] [Narração de Simone Queiroz]

Caminhar num parque é uma dessas coisas simples das quais o americano Jeremy Rifkin tem poucas oportunidades de usufruir. Ph.D em Economia e Sociologia, ele é o autor do best-seller O fim do emprego, que trata de um dos mais graves problemas mundiais. Rifkin recorre mais uma vez à literatura, agora para tocar num tema ainda pouco explorado no Brasil, mas que, segundo ele, vai revolucionar as relações humanas no século XXI, o século da biotecnologia [mostrando a capa de um livro escrito por Rifkin, cujo nome é O século da biotecnologia]. Este vai ser o século da exploração dos recursos genéticos, explica Rifkin. Deixamos a valorização dos combustíveis fósseis, metais e minerais, para entrar na era dos genes. Genes para tudo: para comida, construção, energia, fibra, medicina. A grande polêmica do próximo século é o poder da ciência, precisamente da genética, na geração de seres humanos. Jeremy Rifkin alerta para os riscos de o homem ser o arquiteto de sua própria evolução. Daqui a vinte anos, os avanços da ciência permitirão aos pais escolher geneticamente seus filhos. Com a nova tecnologia, teremos a perigosa oportunidade de brincar de ser Deus. A agricultura é outro terreno fértil para a utilização dos avanços genéticos. A grande polêmica são os alimentos transgênicos, que têm sementes modificadas geneticamente nos laboratórios. Rifkin é totalmente contra os transgênicos. Ele exemplifica as suas preocupações com a possível entrada no Brasil da multinacional americana Monsanto [com sede nos Estados Unidos, a empresa multinacional de agricultura e biotecnologia é líder mundial na produção de sementes geneticamente modificadas], fabricante de sementes transgênicas de soja. Rifkin explica: “As sementes não podem ser reaproveitadas e obrigarão os fazendeiros a uma dependência absoluta da Monsanto”. Ele aconselha o governo a manter longe daqui experimentos como as sementes transgênicas da Monsanto por questões ambientais e econômicas. Mas o norte-americano afirma ser indispensável a formação de uma nova geração de cientistas, com a missão de controlar todos os recursos disponíveis no país. E o escritor americano adverte: "A biotecnologia poderá gerar uma nova forma de contaminação ambiental, a poluição genética.". Ela é muito mais perigosa que a poluição química ou nuclear. Para explicar, cita mais uma vez as sementes de soja modificadas em laboratório. Elas têm um gene especial em seu código genético que tanto resiste aos insetos como aos herbicidas. Se através da polinização essa característica se espalhar entre ervas daninhas, em breve teremos áreas inteiras também tolerantes aos insetos e aos remédios. Quem vai pagar por isso?

[fim do vídeo]

Paulo Markun: Ministro, o senhor estava aí dizendo que ia comentar o assunto, vamos lá.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não, eu acho, para começar, quase absurdo que a Roda Viva traga o Jeremy Rifkin aqui. Porque o Jeremy Rifkin não é cientista como... como eu também não sou, nessa área. Ele é economista e sociólogo e escreveu um livro que eu li, chamado O fim do emprego, que é um péssimo livro. Um livro de um economista divulgador de baixa categoria, que faz previsões alarmistas sem nenhuma base na teoria econômica, mínima, que eu conheça, não é? Quer dizer, este homem agora vem falar como se fosse autoridade sobre biotecnologia? Quer dizer, realmente não é uma coisa séria. Eu não tenho nenhum respeito por ele nem pelas idéias que ele tem, especialmente nesta área. Eu também não mereço respeito enquanto cientista nesta área. Eu, quando falo sobre ciência nisso, eu apenas reproduzo as posições da comissão do governo que o Congresso criou para definir posições sobre isso.

Paulo Markun: O professor Sérgio tinha um comentário, não é isso?

Sérgio Henrique Ferreira: Bom, eu represento a SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência]. A SBPC teve uma posição extremamente calma e tranqüila frente ao problema. Ela nunca é contrária à introdução de novos avanços tecnológicos, seria um absurdo ser, mas por outro lado ela também tem uma visão de precaução. Se nós pegarmos, por exemplo, o que está acontecendo hoje com a carne americana, ela está banida do mercado europeu por causa da utilização de hormônios, [utilização] que nunca [enfatiza] foi contestada nos Estados Unidos. Os hormônios são feitos nos Estados Unidos. A soja transgênica também é feita nos Estados Unidos, é elaborada nos Estados Unidos, os royalties [valor cobrado pelo proprietário da patente de um produto, processo de produção ou marca para permitir seu uso ou sua comercialização] pertencem aos Estados Unidos, nunca foi contestada por eles. Há problemas, e quando se trabalha em saúde pública, quando se desenvolve um medicamento, a gente tem que ter uma absoluta convicção de que esse medicamento não terá problemas na população, e se faz estudos no corpo humano, em grupos etc, inclusive no próprio problema do ambiente. Bom, uma coisa que a gente tem na introdução - e isso o público tem que entender - [é que] quando algo é feito pela agricultura, pelo processo clássico, se leva dez, 15 anos para desenvolver uma nova, uma nova... um novo produto, uma nova planta, que vai entrar no mercado, ele já sofreu todo o processo de interação com o meio ambiente, com interação com a flora, com a fauna etc, e com isso ele já está "em compreendido", que ele está adaptado ao estresse ambiental. Todavia, quando se pega uma soja transgênica, onde o número de mosquitos, o número de, a qualidade do solo etc, e se passa a um ambiente como o nosso, dever-se-ia, por questão técnica, fazer uma análise de adequação. E quando nós pedimos uma oratória ao problema, exatamente como fez a Inglaterra, fez a França, não era só pela questão econômica do processo. Era que, na realidade, nenhum dos pedidos de liberação comercial dos produtos transgênicos está acompanhado do impacto ambiental. Isto é claro. Quando o senhor diz a CTNBio ter tido a sua opinião, eu posso lhe dizer que pelo menos, dos cinco que analisaram o processo - porque a CTNBio tem um monte de pessoas -, mas dos cinco que analisaram o processo, dois  foram... disseram que não havia... nada... que não estava certo fazer aquilo. Havia contradição dentro da análise da economia. O chefe, o Luiz Antônio, por questões políticas, declarou claramente que não havia problemas. Nós temos que entender que transgênicos têm essa característica... Uma primeira característica é análise científica, depois tem a análise econômica, que nós estamos vendo que a Europa não aceita etc, e depois nós temos que entender a outra, que é da política internacional. Quer dizer, o Brasil... [riso] eu gostaria inclusive de lembrar uma idéia de que... você lembra de Goethe? O Fausto vendeu a sua alma a Mephistófeles em busca da eternidade...

[Risos]

Sérgio Henrique Ferreira: ... o Marx [Karl Marx, filósofo alemão (1818-1883)] analisa no 18 Brumário [referência à obra O 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx, na qual são analisados os acontecimentos revolucionários ocorridos na França entre os anos de 1848 e 1851, que culminaram em um golpe de Estado] etc., que a primeira vez foi exatamente tragédia. É o primeiro mandato. A segunda vez era farsa. Nós estamos, agora, hoje, com o Fernando Henrique, que não sabe mais como sair do neoliberalismo, então tudo tem que seguir o padrão internacional. Nós não temos mais opinião nenhuma. O senhor sabe também que o senhor luta pela sua opinião, luta, nós lutamos pela nossa opinião, mas hoje nós estamos frente a esse processo. Eu quero dizer que, do ponto de vista científico, não há toda essa evidência que se quer dizer. Do ponto de vista político, existe essa impressão. Do ponto de vista econômico, é claro que nós vamos poder sofrer... Quando o senhor diz que 25% a mais, se for aceitável, isso está tudo errado [Bresser-Pereira sorri] .Quer dizer, porque na realidade, o que existe é a venda casada do produto, a semente é vendida casada com o inseticida e aí o investimento bancário é feito dentro desse casamento, e isso tem causado problemas enormes nos Estados Unidos. Tem causado... nós sabemos que hoje há brigas na Justiça americana contra a Monsanto por causa das vendas casadas. Será que o Banco do Brasil vai não fazer as vendas casadas etc, etc? Nós temos que ter um pouco de cuidado com a economia, quer dizer, a última palavra nunca coube ao cientista, [mas sim] ao político.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Vamos lá, Sérgio. São três coisas que você está colocando. Uma [é] o aspecto científico, outra, o aspecto econômico e outra, o aspecto político. No aspecto científico, você entende muito mais do que eu, não é? Mas eu continuo louvando a CTNBio. Quando surgiu... quando eu cheguei no Ministério, e me colocaram esse problema, me informaram também que, em relação à soja Roundup [Roundup Ready, nome dado a um tipo de soja geneticamente modificado. Roundup é o nome do herbicida para o qual a soja foi desenvolvida] especialmente, da Monsanto, que a CTNBio já havia decidido sobre esse assunto. Eu nem sabia o que era CTNBio naquele momento. Então eu fui me informar o que era CTNBio, o que era isso e tal. E o que é que eu fiz? Eu reuni a Comissão sem aviso de qual era a razão, estava toda a  reunião lá, toda a Comissão lá, sentada na mesa, eu cheguei e disse: "olha, eu vim aqui..." Aliás, era uma reunião normal deles, só que eu apareci de surpresa e disse: "eu vim aqui para saber se vocês estão perfeitamente tranqüilos com a soja transgênica". "Sim, estamos". Ninguém disse um "ai" diferente. Bom, então está aí, quer dizer, eu tinha a decisão formal e eu fui ainda conferir, para não ter dúvidas. Então eu não posso dizer mais nada além disso a respeito desse problema. Agora, no plano econômico, aí eu já entendo um pouco mais, e são dois aspectos aqui. Um é: "pode o Brasil deixar de produzir soja, quando os Estados Unidos, quando todos os nossos concorrentes, todos, ou seja, os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e a Argentina já estão produzindo soja transgênica à vontade?" [Sérgio Henrique Ferreira faz expressão de descontentamento e suspira]. Fica muito complicado. Aí tem o outro aspecto econômico, que é o problema do monopólio, a venda casada, quer dizer, não é bem venda casada. O monopólio que a Monsanto, por exemplo, tem, mas terão, mas não é bem monopólio, porque estão surgindo já vários concorrentes da Monsanto, felizmente...

Paulo Markun: [Interrompendo] É que aquela soja só funciona quando a...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... agora, por exemplo, foram cinco que foram aprovados, não foi só da Monsanto, foi de outros concorrentes também, quer dizer...

Paulo Markun: [Interrompendo] Não, hoje acho que só da Monsanto.

[...]: [Interrompendo] Só Monsanto. Cinco variedades da Monsanto.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... cinco da Monsanto, mas tem outros que estão chegando aí, quer dizer, isso aí é uma informação...

[...]: Milho...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... e a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] está fortemente envolvida, a própria Embrapa está fortemente envolvida em pesquisa, não só de soja, mas de vários outros produtos. Agora, quando a Monsanto vende um produto, depois o agricultor fica dependente da semente deles, porque a semente que sai não é boa, você tem que usar aquilo. Então, essa é uma vantagem que eles têm nesse negócio, quer dizer, que é... faz parte...

Sérgio Henrique Ferreira: [Interrompendo] Mas a nossa soja natural não tem esse problema.

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Pois é, ministro,...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu sei que não tem...

Sérgio Henrique Ferreira: Agora, tem uma coisa...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... é uma coisa que o agricultor pode escolher.

Sérgio Henrique Ferreira: ... a América [Estados Unidos da América] tem dois plantios por ano. Nós temos três.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Quer dizer, essa é uma coisa que o agricultor pode escolher...

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Ministro, a gente tem algumas...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... o fato concreto é que a gente não pode perder a concorrência nesse plano. Agora, a terceira coisa...

[...]: Eu acho que é o lado político.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... é o problema político. Só um minutinho. Quer dizer, do ponto de vista político - não é? - aí então nós vamos dizer: “bom, essa decisão é neoliberal”. Isso é uma loucura completa, quer dizer, eu sou profundamente contra o neoliberalismo, que quer dizer o Estado estar fora da economia, estar fora, quer dizer, deixar que o mercado resolva todos os problemas. Não se trata disso. Nós estamos controlando muito bem o problema, quer dizer, e... a SBPC declarou no Congresso, uma vice-presidente... como é que é o nome dela? Zancan?

[...]: Glaci [Glaci Zancan, bioquímica (1935-2007)]. Glaci Zancan.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Glaci. Ela disse que era fundamental que uma política dessas fosse feita pelo Congresso Nacional. Ora, foi isso que foi feito. Quer dizer, nós temos uma lei muito boa, muito bem feita, recente, e uma Comissão criada pelo Congresso.

Sérgio Henrique Ferreira: Mas nós temos dinheiro para investir, para investir exatamente no controle do que está acontecendo no ambiente, na população etc? Onde é que está esse dinheiro, que eu não sei?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Mas, veja, não se trata de ter todos os controles. Uma outra coisa, você que é cientista, eu não sou cientista de exatas [ciências exatas], mas eu ensino na GV [Fundação Getúlio Vargas], entre outras coisas, eu ensino metodologia científica para economistas. Tem um filósofo ali que pode falar sobre isso também. Bem mais, bem melhor do que eu ou que você, nessa área da metodologia científica, dos filósofos, que é toda uma questão filosófica. E nós sabemos que certeza absoluta, há muito tempo não existe. Desde o Popper, você tem no máximo a falseabilidade e desde o Kuhn [Thomas Khun, físico e filósofo (1922-1996), autor de  A estrutura das revoluções científicas, uma das principais obras em filosofia da ciência produzidas no século XX] você tem, o que você tem? Você tem o consenso da comunidade científica. Então, você querer que agora você tenha absoluta certeza que não faz mal ao meio ambiente, absoluta certeza, você nunca vai chegar a lugar nenhum.

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Agora, ministro, em relação a isso, eu queria colocar algumas preocupações de telespectadores. Nós recebemos vários fax, e-mails, da Maria, do André, do Valmor, de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. São várias preocupações e entre elas: "Como é que fica o direito do cidadão de escolher e saber o que está comendo?". E outra: "O governo, ao liberar as sementes da Monsanto, não está cedendo ao lobby da multinacional?".

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Então veja, a primeira coisa, quer dizer, a segunda coisa é uma tolice, obviamente não está, quer dizer, então está cedendo ao lobby da Monsanto e ao lobby da Embrapa. Está fortemente, a sua diretoria, os seus técnicos, comprometida com os alimentos transgênicos. Agora, quanto ao problema do consumidor, isso é o problema da rotulagem. Eu sou a favor da rotulagem. O problema da rotulagem de transgênicos, você tem três posições, basicamente, uma posição... ou quatro: tem a posição de nada rotular, ponto final; depois você tem a posição de informar que o produto é transgênico, quando tiver mudança substancial no produto. Então se você muda a natureza do grão, de soja, e o grão de soja passa a ter mais vitamina, ou mais proteína, ou mais sei lá o quê, então você deve rotular. Se não, não deve rotular. Essa é a posição americana. Terceiro, existe a posição da rotulagem simples. Você rotula dizendo: “Esse produto contém elementos trans... [hesita]

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Foi modificado geneticamente.

Luiz Carlos Bresser Pereira: ... produto modificado geneticamente"; e a quarta diz isso e ainda mais, diz quais são os genes que foram introduzidos, quer dizer... a posição européia é a terceira; a quarta, eu acho que só tem... faz pouco sentido. Quer dizer, eu sou a favor da terceira. O governo não tem uma posição definida ainda a respeito desse assunto, quer dizer, o ministro da... o responsável direto por isso é o ministro da Justiça [Renan Calheiros], porque é ele que tem o problema dos direitos do consumidor, e a posição dele é semelhante à minha...

Cláudia Tavares: [Interrompendo] E a sua posição, vou acrescentar, a sua posição já se afinou com a do ministro do Meio Ambiente? Porque parecia que havia divergências aí no governo.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu acho que o ministro do Meio Ambiente tem a mesma posição que a minha, eu tenho impressão. Quer dizer, já, por exemplo, técnico, eu não digo a Embrapa, mas técnicos da Embrapa me apresentaram dizendo que eles eram a favor da posição americana, [informar no rótulo] só quando há mudança substancial. E qual é o argumento que eles deram? É que é impossível você fiscalizar o produto quando não há mudança substancial. Você só pode... A fiscalização seria muito precária, só se poderia acontecer na fábrica, quando você vai lá e vê qual é a matéria-prima que você está usando, e se a planta que você está usando [é ou não transgênica], se não você não consegue - o que seria muito complicado. É um argumento, mas eu assim mesmo prefiro a posição européia nesse caso. Que acho que vai prevalecer no governo.

Paulo Markun: Ministro, perfeito. Nós vamos fazer um rápido intervalo e o Roda Viva volta daqui instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o ministro da Ciência e Tecnologia, Luiz Carlos Bresser-Pereira. Você também pode participar do programa fazendo perguntas. O nosso telefone é (011) 252-6525, nosso fax (011) 3874-3454 e o endereço do programa na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Ministro, eu vou começar passando a bola para a Cláudia Tavares que tem perguntas dos telespectadores.

Cláudia Tavares: A preocupação dos telespectadores agora é em cima do uso de energias renováveis. O Walter, de São Paulo, e o José Ângelo, de Araraquara, em São Paulo, afirmam que a gente se preocupa às vezes com modismos tecnológicos, e o que aconteceu, por exemplo, com o Pró-álcool, se não há uma preocupação de investimento nesse setor?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: O governo tem demonstrado muito interesse nessa área, quer dizer, o meu Ministério, inclusive, tem participado disso, porque existe, por exemplo, o problema da adição de 3% de álcool ao óleo diesel, para movimentar os caminhões, ônibus etc. E nós fizemos... foram feitos estudos no meu Ministério, quer dizer, na verdade foram... o Ministério encarregou o laboratório de fazer isto, e nós temos tido uma posição favorável a isso. Isso vai acontecer, por exemplo, a utilização do álcool, que tem uma outra vantagem que é [ser] extremamente favorável ao meio ambiente. A redução de poluição que o álcool causa é muito grande.

Paulo Markun: Mas se houvesse...

Cláudia Tavares: [Interrompendo] É no sentido de incrementação do uso do carro a álcool mesmo, como o Brasil já fez.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Veja, aí nós temos que... Você fez um pouco atrás uma pergunta sobre o consumidor. Eu acho que você tem que respeitar o consumidor. Os consumidores brasileiros não querem mais carro a álcool...

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Será? Tem perguntas aqui que dizem o contrário.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... apesar do subsídio que o carro a álcool tinha - não é? -, ainda tem, os consumidores simplesmente disseram que não querem. Então você não pode forçar ou então criar um monstruoso subsídio para forçar isso, eu acho que isso não é bom.

Mônica Teixeira: Agora, ministro...

José Arthur Gianotti: [Interrompendo] Entre quer e não quer; eu acho que nós precisaríamos talvez mudar um pouco de assunto, porque na pergunta do Sérgio, a meu ver, aparece uma coisa muito interessante, isto é: nós temos uma associação importante que lidera todas as ações científicas brasileiras e que tem uma enorme desconfiança da instituição que foi encarregada, pelo Congresso Nacional e pelo governo, de decidir a respeito do uso dessas plantas transgênicas, isto é, está havendo no Brasil, e eu acho muito interessante, que é uma desconfiança nas instituições que estão sendo criadas no respeito... no que diz respeito a tudo que acontece, em particular em ciências e tecnologia. Muito bem, você, Luiz Carlos, quando assumiu o Ministério, percebeu que havia uma coisa fundamental, que o seu Ministério não podia funcionar na tradicional oposição que ele tinha com o CNPq. Você vem, assume o Ministério e assume a presidência do CNPq. Ora, toda comunidade científica ficou altamente preocupada, houve um artigo da Eunice Durham [professora da USP, ex-secretária de Política Educacional do MEC], que você imediatamente respondeu, mas eu tenho impressão que todos nós ainda estamos sedentos de novas explicações, isto é: o governo tem uma política de ciência e tecnologia, para que ele possa operá-la, ele precisa de instituições confiáveis, em particular instituições confiáveis diante da comunidade científica. Nós vimos agora que o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência [SBPC] não confia na comissão que foi... que acabou de ser criada. Eu pergunto: a política de juntar instituições como o Ministério e o CNPq, que repete... parece que é um viés tucano [referência ao PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira)], de juntar Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, é uma agência brasileira de fomento à pesquisa] com o Ministério da Educação, que não tem respeitado uma série de instituições brasileiras nas suas tradições. Essa política, como é que você vê? E qual é a posição do CNPq, da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] e dos institutos de pesquisas que estão vinculados ao seu Ministério, diante da nova mexida institucional que você vem, com a velha tradição de ter sido já, ministro da Administração?

Paulo Markun: Ministro Bresser, só para que o telespectador entenda, é mais ou menos...

Luiz Carlos Bresser Pereira: [Interrompendo] Eu explico.

Paulo Markun: ... como se o ministro Pedro Malan [engenheiro e economista (1945-), foi ministro da Fazenda de 1995 a 2002], fosse também o presidente do Banco Central?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não, não. Nada disso.

[Risos]

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Veja, Gianotti, primeiro, vou dizer, você fazendo essa pergunta, aqui, agora, eu penso assim: “parece que vem uma pergunta do tempo da Idade da Pedra” e, no entanto faz quatro meses que eu assumi o ministério, não é? Mas eu assumi o ministério há quatro meses, propus e fiz essa integração, estou fazendo essa integração do CNPq, maior integração e não total, absolutamente - quer dizer, do CNPq com o Ministério da Ciência e Tecnologia -, porque havia um conflito permanente entre as duas instituições, com duplicação de esforços de todas as naturezas, com perda, com desperdício de recursos, de pessoas, de recursos mal... quer dizer, afinal, má gestão dos recursos aplicados, além dos conflitos desagradáveis que havia, quer dizer, eu fiz isso. Houve realmente uma reação, a Eunice [Durham] fez aquele artigo, você manifestou a sua preocupação de que eu estava esquecendo a diferença entre Estado e governo. Eu lembrei a você, Gianotti, você deve estar lembrado também, que em 1977, faz 22 anos atrás, eu escrevi um artigo na Folha de S.Paulo, na página 3, em plena ditadura, que chamava-se “Estado e democracia”, não, [o nome era] “Estado, governo e democracia”, e dizia o seguinte esse artigo: fazia um protesto contra a violenta intervenção do Estado e do governo contra a SBPC, aqui está o presidente dela [aponta para Sérgio Henrique Ferreira],  que dizer, que queria fazer uma reunião em Fortaleza, nós afinal fizemos a reunião, eu participei dela - não é? -, na PUC [Pontifícia Universidade Católica], e eles explicavam como é que o Estado pode financiar uma instituição que é contra o governo. Quer dizer, estavam misturando Estado com o governo, o que é típico dos regimes autoritários. Isso é uma violência, isso é inaceitável. Agora, daí então... Então eu sei bem disso, eu fazia essa crítica com todos esses e erres, há 22 anos atrás, para defender as ciências e os cientistas, por acaso [enfatizando]. Então eu tenho... Agora, daí para se dizer: "Não, o CNPq é o Estado e o Ministério é o governo.", isso não faz sentido. O CNPq também é, o seu presidente, indicado pelo presidente da República, portanto é um cargo também político. Quer dizer, eu fiz essa integração, porque me pareceu muito mais racional, eu acho que um administrador tem que integrar uma equipe para poder funcionar bem, fazendo dessa equipe a mais diversa, a mais variada possível, com personalidades diferentes etc, eu fiz isso. Mas garantir que os três vice-presidentes do CNPq sejam cientistas de reconhecida... reconhecidos na comunidade acadêmica... isso... na comunidade cientifica. Isso não existia em relação ao presidente do CNPq, o estatuto não dizia nada sobre isso. Geralmente era, felizmente, porque nós temos... o Estado brasileiro tem tradições. Então, e o que aconteceu foi o seguinte: depois de alguma discussão, esse assunto saiu da pauta. Eu vou a reuniões e reuniões de cientistas e não se discute mais esse assunto, eles estão preocupados com outros assuntos. Estão preocupados com o problema do orçamento, estão preocupados com o problema de como é que você vai aproximar a ciência e a tecnologia das empresas... Esses problemas que são os problemas que eles continuam firmemente. Esse, felizmente, saiu da pauta, porque realmente não é importante, não é? Não se revelou importante, como uma coisa que merecesse grande discussão.

José Arthur Gianotti: [Interrompendo] Desculpe, eu não... peraí, é minha opinião. Agora eu quero me defender.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Agora... bom... você pode responder, agora eu quero completar a coisa. Agora, você disse, por outro lado, uma coisa muito séria, que aí eu concordo. É que existe uma desconfiança no Estado. Eu acho que nesse caso, agora, da soja transgênica, a coisa é pior, [porque] não é uma desconfiança do Estado, é uma desconfiança dos cientistas. Eu fui... eu pensei um dia desses, porque... você que é filósofo e eu não sou...

José Arthur Gianotti: Mas você tem um item mais importante do que eu, então...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu sei, mas eu estava de repente pensando, por que é que há essa reação, assim, tão... quase irracional em certos momentos, contra produtos transgênicos em certos setores? E aí eu disse: “olha, isso aqui é possivelmente porque tem um elemento aí, metafísico ou ontológico", desculpe. Porque muda a natureza do ser, não é? Quer dizer, então aí começam idéias loucas sobre a mudança da natureza do ser. Aí eu cheguei e disse para um empresário que também é um grande ambientalista, disse isso: “olha, isso aqui é uma visão metafísica”, para fazer uma brincadeira, não é? Ele virou-se sério para mim e disse: “Não, é mais que uma questão metafísica, é uma questão religiosa.”. Quer dizer, quando você começa a discutir nessa base, acabou a ciência.

José Arthur Gianotti: Sim, acontece isso.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Acabou o Estado, quer dizer, o Estado e a democracia, acabou a ciência.

[Sobreposição de vozes]

José Arthur Gianotti: Não, a questão não é essa, desculpe. Bresser, a questão é mais complicada, a meu ver, e não é da Idade da Pedra, não. A questão é uma coisa muito importante a meu ver, que é o caráter das instituições com as quais nós estamos trabalhando e que fazem a mediação entre governo, Estado e sociedade civil. Portanto, a questão é altamente importante. Hoje, por exemplo, a questão se coloca de imediato, quando o governo assume uma posição de interpretar uma lei, a que foi votada no Congresso, do seu ponto de vista absolutamente do direito positivo e, portanto, entrando em conflito com uma instituição. Portanto nós temos aqui uma situação altamente delicada, que é o nível de institucionalização das nossas políticas. Portanto, não é da [Idade da] Pedra. Segundo lugar, - está certo? -,...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: [Interrompendo] A questão geral não é da Pedra, a questão especifica é que é da Pedra. [risos]

José Arthur Gianotti: A questão geral não, [a] específica, desculpe, não é ainda da Pedra, porque nós temos uma coisa fundamental, isto é, nós precisamos saber, no momento em que você deixar  a presidência... o Ministério da Ciência e Tecnologia, se esta situação de rotatividade dos três presidentes do CNPq, que de fato, como você tem toda razão, é um cargo de governo e não é do Estado, como é que fica a relação desses presidentes com o resto das representações científicas, que estão no CNPq, que estão na Finep e assim por diante? Isto é, enquanto nós confiarmos na sua clarividência e no seu bom senso, que é muito conhecido, nós estamos seguros. A minha questão é: como fica a relação do governo atual com as instituições que, em geral, precisam ser reformadas, e que, no entanto, precisam conservar o seu caráter institucional, como o CNPq, a Finep e os institutos? Por isso que a minha questão foi mais ampla, você tem, a meu ver... você fez muito bem em intervir. Você sabe muito bem. Mas a meu ver a questão é a seguinte: qual é a sua herança do ponto de vista institucional? É essa a pergunta que eu lhe faço novamente.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Pois então veja, eu fiz essa modificação e uma das coisas que, em função do debate que eu tive com a comunidade - porque eu convoquei uma comissão assessora, tivemos vários debates -, eu conversei com muita gente e, nesse processo, por exemplo, a minha idéia original era a de que o presidente, o ministro da Ciência de Tecnologia, seria automaticamente, por estatuto, presidente do CNPq. Aí cheguei à conclusão [de] que isso não era bom - não é? Isso não está sendo feito desta forma, de forma que, se for interessante, se o presidente Fernando Henrique decidir amanhã, comigo ou com outro ministro, voltar à situação anterior, ele pode voltar. Não integralmente, não integralmente por quê? Porque, por exemplo, nesse processo eu já passei para o CNPq toda a parte do Pronex [Programa de Apoio a Núcleos de Excelência, dotação especial voltada a grupos de reconhecido mérito], que não estava no CNPq - já está no CNPq inteirinha. A parte do PADCT [Programa de Apoio ao desenvolvimento Científico e Tecnológico], que era científica, a parte que financiava a ciência, universidades e institutos isolados, já está no CNPq também, quer dizer, enquanto que a outra parte ficou na Sete, na Secretaria Especial de Tecnologia e Empresa, que é a secretaria que vai tratar dos problemas tecnológicos das empresas. Quer dizer, então essas mudanças já foram feitas, e eu espero que não revertam, porque há uma unanimidade [de] que elas são boas.

José Arthur Gianotti: Como fica o conflito de avaliação?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Isso. Ah, sim.

Mônica Teixeira: [Interrompendo] Agora, o senhor...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: O conflito de avaliação continuará sendo um processo de avaliação por pares, como sempre foi. Nós, aliás, iniciamos logo no primeiro mês de governo, de Ministério, nós chamamos todas as comissões assessoras, as CAs, quer dizer, para dar as bolsas, e foi feito, como vai ser sempre feito, através de um  [...] de pares, com absoluto respeito da comunidade científica, o que é essencial.

Mônica Teixeira: Agora ministro, os senhores têm dito que a intenção é transformar o CNPq numa Fapesp. O senhor podia explicar? Isso foi dito várias vezes.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não, isso foi dito uma vez só. Está aqui o presidente da Fapesp. Isso foi dito uma vez só, quando...

[Risos]

Mônica Teixeira: Mas ouve-se isso.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, deixa explicar. Quando... Foi em uma entrevista que eu dei ao [jornal] O Estado de S. Paulo, assim, acho que na primeira semana, eu creio, do Ministério, segunda semana do Ministério, e foi para, quer dizer, porque a Fapesp é uma instituição excelente...

Paulo Markun: [Interrompendo] Dez de janeiro.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... e eu conheço bem a Fapesp, conhecia mais a Fapesp do que o CNPq, para ser preciso. Eu fui secretário da Ciência e Tecnologia também, por quarenta dias. Deixei de ser, porque fui chamado para o Ministério da Fazenda. E então eu queria com isso mostrar que era uma instituição que ia ter avaliação de pares e tudo. Agora, o CNPq já tem tudo isso. Quando eu fui verificar em seguida que aquela minha frase não era uma frase muito feliz, porque embora haja diferenças, a Fapesp tem relativamente mais dinheiro que o CNPq, relativamente às demandas - não é? - e é extremamente bem administrada, a Fapesp. Se você compara... Está aqui o vice... o... o diretor executivo da Fapesp, mas se você compara, por exemplo, o custo de "overhead" [termo que se refere às despesas gerais necessárias ao funcionamento de uma empresa], o custo administrativo da Fapesp com o do CNPq, eu creio que aí o CNPq perde. E a gente precisa ir melhorando essa parte.

Mônica Teixeira: Então é uma coisa administrativa, é isso?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: É.

[...]: Ministro.

Ulisses Capozoli: O senhor me permite desviar um pouquinho o assunto?

José Fernando Perez: [Interrompendo] Eu queria continuar nesse assunto...

[Risos]

José Fernando Perez: ... se você me permitisse, Ulisses, porque na realidade o senhor mexe a questão da Fapesp. Eu acho que tem uma coisa importante a se continuar aqui. O estado de São Paulo, através da Fapesp, investe 1% de sua receita tributária no financiamento da pesquisa, e esse investimento representa uma contrapartida importante ao investimento que o governo federal faz.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Isso.

José Fernando Perez: Praticamente para cada real que o governo investe em São Paulo, há um real do recurso do governo do estado investido, ...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: É verdade.

José Fernando Perez: ... o que tem viabilizado os projetos regulares e uma série de programas especiais. Se todos os estados que prevêem, inclusive em suas constituições, cumprissem, apenas cumprissem o processo constitucional e repassassem às suas fundações os recursos previstos em lei, nós teríamos uma situação muito diferente, quer dizer, inclusive essa crise conjuntural por que passam os órgãos federais, podia estar muito amenizada. A minha pergunta é a seguinte... Aliás, este estado não só financia como, pelas próprias palavras do governador, ele está contente em financiar, não só ele cumpre o preceito, mas ele declara e reconhece que foi a sabedoria do legislador que definiu que 1% fosse... A questão que se põe, então, é a seguinte: o que pode o governo federal fazer no sentido de estimular e pressionar os governos e estados que têm em suas constituições previstas essas informações, a que de fato faça esse repasse, porque nós teríamos uma situação completamente diferente no financiamento da pesquisa nesse país, se isso assim acontecesse.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Veja Perez, eu estava até conversando isso com o Sérgio Ferreira um pouco antes de começar o Roda Viva. Porque, quer dizer, é preciso que haja - não é? - da parte de vocês... a Fapesp tem uma espécie de contrapartida ao investimento do governo federal, enquanto que os outros estados não fazem quase nada, apesar das suas constituições mandarem que façam, muitas vezes. Por exemplo, e agora aconteceu uma coisa muito interessante, então nós pusemos assim, vamos, quer dizer, chamamos os secretários, os secretários não, os presidentes das "Fapesps" [Fundações de Amparo à Pesquisa - FAPs]  assim: nós precisamos fazer, forçar, quer dizer, trabalhar para que haja mais recursos vindos dos estados também. E nós estamos com um problema sério, porque houve uma quantidade de comprometimentos feitos em relação ao PADCT [Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico], em relação ao FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], muito superiores, não ao corte de orçamento, mas ao que era possível, mesmo se não fosse cortado o orçamento. De forma que talvez vocês pudessem, inclusive, participar disso com uma contrapartida e com isso pressionar, quer dizer, os seus governadores, as suas assembléias legislativas etc, a conseguir mais recursos.

[...]: Ministro, ...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: A idéia pareceu que estava bem encaminhada. De repente os secretários se reúnem, e o secretário do Rio Grande do Sul, que é o presidente do fórum, faz uma carta bravíssima dizendo que eu estava querendo fragmentar o sistema de ciência e tecnologia do Brasil. Eu não entendi nada, eu falei: "ah, que coisa, mas que coisa estranha essa forma de... a gente, em vez de ir lá conversar comigo etc, já sai.". Mas aí eu, conversando com um outro secretário que estava presente, ele me explicou qual era o motivo da coisa: é que, a partir dessa idéia que foi... que circulou, esses secretários e os presidentes das "Fapesps", começaram a ser pressionados pelos cientistas dos seus respectivos estados para que eles participassem com a contrapartida, e aí eles se sentiram pressionados e fizeram... quer dizer, era mais fácil dizer assim: “Retira e vamos mais devagar nesse processo e tal.”, que eu iria mais devagar, não precisava de carta - não é? -, era mais tranqüilo isso.

Cláudia Tavares: Ministro, nós temos uma série de e-mails aqui, de telespectadores de todo o país - São Paulo, Ceará, Sergipe, Rio Grande do Sul, Minas Gerais -, com uma série de questões práticas, assim: "Como é que o senhor pretende resolver a desigualdade de recursos, o fato de a gente ter maior investimento em pesquisa no Sudeste, os baixos valores das bolsas do CNPq e a descontinuidade na pesquisa?". Eles querem saber também se não seria possível se ter uma aproximação maior da iniciativa privada, para se ter um volume maior de recursos. E eu lembro que o senhor falou na possibilidade de se lançar painéis, logo que assumiu o ministério, para promover essa aproximação. Como é que estão esses painéis?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Tem muita coisa aí, espera aí.

Cláudia Tavares: Tem muita coisa. Vamos... quer retomar?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, o problema do desequilíbrio, por exemplo - não é? -, quer dizer, o sistema de ciência e tecnologia, o sistema do CNPq, como é o sistema da Fapesp, quer dizer, é um sistema de julgamento por pares, em que você busca a excelência. Então os pares, quer dizer, para cada área você tem um grupo de cinco, seis, sete, cientistas escolhidos pela comunidade e pelo conselho deliberativo do CNPq, nem é pela diretoria do CNPq, e essas pessoas então recebem as propostas de bolsa, de pesquisa, de bolsa de estudo, de doutorado, pós-doutorado, e em função da excelência, da qualidade, é que eles então... Isso faz com que eles concedam ou não. Isso faz com que os estados do sul, onde as universidades têm uma qualidade melhor, porque são mais ricas etc, acabem também tendo mais demanda. No caso de São Paulo, ainda por cima, tem a Fapesp que - não é? -, faz a contrapartida, como nós estávamos falando. Quer dizer, enquanto que nesses outros estados, além de eles não terem esse problema porque nós não... dado o princípio, nós temos ainda que os estados não cumprem a sua parte, porque se eles cumprissem a sua parte, já melhorava bem a situação do cientista. Agora a...

Cláudia Tavares: [Interrompendo] A questão de valores de bolsas.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Agora, então, vamos fazer uma política regional, por exemplo, o CNPq tem feito, e eu tenho, eu estou procurando estudar esses sistemas, para a gente poder fazer alguma coisa, por exemplo, na área de extensão. O governador Tasso Jereissati [empresário e político cearense (1948-), filiado ao PSDB, governador e senador por seu estado de origem] está fazendo um trabalho muito interessante de extensão científica no Ceará. Se nós pudermos conseguir algum recurso, nós vamos estender isso para os demais estados do Nordeste. Isso a gente pode fazer. Mas há uma parte que os próprios estados lá devem fazer.

Cláudia Tavares: E essa questão de aproximação com a indústria, o que é possível fazer?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Esse é um outro grande capítulo, quer dizer, isto é o seguinte, nós temos... Quando nós examinamos o problema da ciência e da tecnologia, no Brasil, nós podemos dizer o seguinte: que talvez o problema fundamental foi o assunto que nós discutimos mais amplamente no seminário que nós fizemos sexta-feira passada lá dentro do Ministério - nós fizemos um seminário de planejamento estratégico do Ministério, que havia umas quatro ou cinco pessoas convidadas, de fora -, o grande problema que nós discutimos é que a oferta de ciência e tecnologia que há no Brasil, ou seja, o que o governo oferece, o Estado oferece, em termos de universidades, grupos científicos, pesquisa científica, curso de pós-graduação, doutorados, tudo isto... E os laboratórios científicos que nós temos, isolados e nas universidades, tudo isso custa, faz com que o Estado seja responsável por cerca de dois terços, quase 70%, do gasto com ciência e tecnologia no Brasil. E as empresas, com os seus departamentos de pesquisa e desenvolvimento, [ficam] com apenas 30% [dos gastos]. Enquanto que nos países como os Estados Unidos ou a Inglaterra é exatamente o inverso. Então eu digo: “então, o que é que há?". Há um problema de falta de demanda. Aí você pergunta: “Por que é que há essa falta de demanda?". Eu acho que há quatro razões para essa falta de demanda: uma é que as empresas que gastam mais em ciência e tecnologia são as empresas grandes, que gastam mais, que têm departamentos especiais de pesquisa e desenvolvimento, e as empresas brasileiras hoje não são grandes, são pequenas empresas nacionais, e as multinacionais que estão aqui, que são grandes, essas multinacionais gastam pouco fora da matriz.

Paulo Markun: [Interrompendo] Gastam lá, não é?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Esse comportamento está mudando um pouco, recentemente, mas ainda o grosso do que eles gastam é na matriz. São essas as duas primeiras razões. A terceira razão, que é uma razão muito curiosa, é que o sistema de informática está fazendo com que as empresas comprem pacotes para controle da produção, para contabilidade, para finanças, para tudo - não é? -, controle de engenharia, de desenho industrial, tudo. Pacotes extremamente integrados e prontos, que vêm lá de fora, muitas vezes. Tem alguns que nós já fazemos, graças a Deus. Então, outra vez, a pesquisa e desenvolvimento no país diminuem. Agora, essas são as três razões. Além dessas três razões há uma quarta que é a idéia de que as empresas conhecem pouco o que os nossos cientistas e tecnólogos são capazes de fazer, e os cientistas e tecnólogos conhecem pouco o que as empresas são capazes de fazer.

Cláudia Tavares: Aí é que entra a questão dos papéis.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Aí então é que, a partir de algumas experiências que houveram dentro do CNPq, na diretoria de programas especiais, de algumas experiências que têm havido no Rio de Janeiro... Eu pensei na idéia, e estamos desenvolvendo essa idéia, de nós termos painéis setoriais... de ciência e tecnologia. O que serão esses painéis? Serão painéis em que você vai ter, para cada, uma reunião presencial e um site - uma homepage [página inicial de um site] na internet - vivo e atuante. Esses painéis setoriais terão quatro atores: terão os demandantes, que são as empresas do setor, [as] mais importantes; terão, de outro lado, os ofertantes, que são os laboratórios de pesquisas das universidades e institutos isolados, que estão especializados naquela área; depois teremos os facilitadores, que serão um banco como o BNDES, uma agência financeira como a Finep, quer dizer, teremos as associações de classes dos técnicos e das empresas, daquela área, e teremos também publicações científicas para quem se interesse por aquela área. E finalmente o MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia] e a Secretaria Especial de Tecnologia e Empresa [SETE] dentro do MCT, será o animador, o quarto ator.

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Para quando, ministro?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Hã?

Cláudia Tavares: Para quando?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: O mais depressa possível. Mas isso, nós estamos começando a programar isso. O secretário de Tecnologia e Empresa está há um mês no cargo, então a gente está... Mas antes do final do ano, nós já teremos alguns painéis.

Paulo Markun: Ministro, isso não cria uma, digamos assim, um vínculo excessivo e a preocupação na comunidade científica, em relação a várias iniciativas do governo, da ciência para, digamos, colocar a ciência a serviço da empresa, quer dizer, e desprezando, digamos, a ciência pura, a pesquisa pura e toda...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não. Olha, eu acho que esse pergunta é muito boa, Markun.

Ulisses Capozoli: [Interrompendo] Eu posso emendar uma questão em cima dessa sua, Markun?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Ele está louco para fazer uma pergunta. É justo, você está... Vamos lá.

[Sobreposição de vozes]

Ulisses Capozoli: Não, eu queria fazer para o senhor, e bem em cima do que o Markun falou, sobre ciência tecnologia e desemprego. Desde a inclusão, na Revolução Industrial, a ciência embutida nas máquinas cria desemprego. Um desemprego bem-vindo, porque permitiu que as pessoas deixassem de trabalhar dezoito, dezesseis horas por dia, trabalhando oito hoje. No Brasil, a gente tem esse problema hoje, criando o que os economistas chamam de desemprego estrutural, não é? Informática e tudo mais... O Ministério do Trabalho propôs recentemente uma reformulação dos contratos de trabalho, para que as pessoas trabalhem sem os benefícios formais - não? - da legislação. Eu pergunto ao senhor, o senhor é ministro da Ciência e Tecnologia hoje e é economista também: o que passa pela cabeça do senhor em termos de equacionar mais ou menos essa questão, não digo para a resolução, ela é muito complexa, evidentemente...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Claro.

Ulisses Capozoli: ... mas criar uma certa filosofia, um corredor, um caminho de raciocínio, porque na França, por exemplo, quando se discute a possibilidade de diminuir a jornada de trabalho, dirigido nessa direção, essa questão no Brasil parece que é vista de uma forma herética. Me parece que não tem muita sensibilidade da parte do empresariado para diminuir a carga horária, por exemplo, criando maior oferta de emprego. O senhor, como economista e como ministro da Ciência e Tecnologia neste momento, que cenário que o senhor imagina para que a gente comece a minimizar um pouco esses efeitos tão perversos do desemprego provocado pelo... por uma presença cada vez maior do conhecimento científico e tecnológico na economia e na produção?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Bom, eu vou responder a sua questão.

Sérgio Henrique Ferreira: [Interrompendo] Eu vou acrescentar para o senhor responder...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Vamos lá. Depois eu vou responder ali.

Paulo Markun: Espera, espera, espera. Nós vamos fazer um rápido intervalo e vamos voltar, porque senão o ministro não vai conseguir responder três perguntas nesse tempinho.

Sérgio Henrique Ferreira: Está muito fácil, está em cima da...

Paulo Markun: Não, o senhor vai fazer a sua pergunta.

[Risos]

Paulo Markun:Voltamos já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o Ministro da Ciência e Tecnologia, Luiz Carlos Bresser-Pereira. Você, como já é de praxe, pode fazer perguntas pelo (011) 252-6525, ou pelo fax (011) 3874-3454 e ainda pela internet, onde o nosso endereço eletrônico é rodaviva@tvcultura.com.br. Ministro, a gente foi atropelado aí pelo intervalo, e eu queria então recolocar a minha questão que é a seguinte: nessa aproximação entre empresa e cientistas, e comunidade científica, não há o risco de se subordinar uma coisa à outra? Ou seja, se subordinar a atividade científica ao interesse das empresas?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Olha, se a gente fosse subordinar totalmente essa idéia, sim. Mas primeiro, quer dizer, existe uma discussão, dentro da comunidade científica e dentro do país, se a pesquisa científica deve ser induzida ou espontânea. E tem muita gente que insiste muito que deve ser mais planejada, mais induzida, em que o governo define, ou o CNPq e o MCT definem quais são os assuntos prioritários etc. Eu acho que a gente pode fazer isso um pouco mais, mas bem devagar. Porque é fundamental a autonomia do cientista e ele sabe muito bem o que é que ele deve pesquisar. A gente pode induzir um pouco, mas nada de violências nessa área. Eu estive agora na Inglaterra e nos Estados Unidos, a posição deles também é muito forte nesse sentido, de que é preciso deixar a autonomia para os cientistas desenvolverem a sua criatividade. Por outro lado, o que eu observei, conversando com os cientistas, que eu tenho conversado bastante e ido a todas as reuniões que eu posso, com eles etc, é que os cientistas estão muito interessados, no Brasil, em fazer pesquisa relevante. Em fazer pesquisa... Tem alguns que querem fazer pesquisa pura e eu acho ótimo, mas tem muitos que querem fazer...

Paulo Markun: [Interrompendo] Relevante, o que o senhor diz é aplicada?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Relevante quero dizer, mais aplicada, mais...

Paulo Markun: Aplicada.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... e mais relevante para a economia do país, porque relevante é tudo. Então fica melhor aplicada. Tem muitos, quer dizer, há uma preocupação enorme em que a ciência se transforme em tecnologia e a tecnologia em inovação. Eles sabem que isso não é um canal direto, é muito mais complicado o processo, mas eu vejo permanentemente essa preocupação deles. Portanto, eu acho que não há, quer dizer, não há esse risco. Quer dizer, seja porque, de um lado, você tem que respeitar a autonomia do cientista, seja, por outro lado, porque eles estão interessados em serem mais práticos sempre que podem. Então a coisa está bem feita.

Paulo Markun: Em relação à pergunta do Ulisses que mencionou aí a...

Ulisses Capozoli: [Interrompendo] A questão entre ciência, tecnologia e desemprego.

Paulo Markun: ... o cenário desemprego e desenvolvimento científico.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Então, veja, eu a respeito desse assunto, eu até fiz um comentário àquele livro do [Jeremy] Rifkin, que eu acho um livro péssimo, porque de duas uma: nós tivemos nesses últimos vinte anos, 25 anos, um progresso tecnológico, científico e tecnológico extraordinário. A revolução da microeletrônica é uma coisa assim, de uma violência na transformação do mundo, realmente extraordinária. E nesse processo, nós tivemos duas conseqüências: uma foi o aumento do desemprego e a outra foi o aumento da concentração de renda. Tem muita gente que pensa que a concentração de renda derivou das políticas neoliberais. Elas até têm um papel nisso, mas é um papel secundário, quer dizer, o papel fundamental foi do progresso tecnológico. Por quê? Porque esse progresso tecnológico, que foi rapidíssimo, aumentou a demanda de trabalhadores e de técnicos qualificados e diminuiu a demanda de trabalhador não qualificado. Ora, a oferta de trabalho qualificado continuava crescendo, e o resultado, foi que, é claro, que os salários dos mais pobres baixaram, e os salários da classe média mais alta, quer dizer, qualificada, subiram. E você vai ver que a concentração de renda aconteceu entre salários, não foi de salário para lucro, foi entre os salários. Aliás, todas as pesquisas que nós temos de concentração de renda que o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] publica, que o Banco Mundial publica... é fundamentalmente de remuneração do trabalho. Então isso foi uma conseqüência. A única solução para isto é você aumentar o seu gasto em educação, educar mais para aumentar a oferta de pessoal qualificado, aí então os salários se equilibram [faz gesto de balanço com as mãos, sinalizando o processo de equilíbrio] mais, melhor. Mas aí vem essa outra coisa - não é? -, que foi o aumento do desemprego. E aí, primeiro, vem a teoria... de um lado a teoria alarmista do desemprego permanente: isso é uma tolice. Há um desemprego estrutural, eu estou de acordo com você. Estrutural, quer dizer, é um desemprego que não é apenas rapidinho, você... como você faz mudanças muito importantes da demanda por trabalho, tem uma porção de pessoas que não estão qualificadas para aquele trabalho, [que] ficam desempregadas, e para você requalificá-las é muito difícil. Alguns já não têm mais condições disso, então você tem problemas sociais graves com isso. Então o problema... Mas não é um problema permanente, porque a idéia de que você vai ter um desemprego permanente, isso só seria verdade... só será verdade na época em que nós chegarmos à abundância. E nós estamos longe da abundância, mesmo nos países como a Suíça ou coisa que valha. Porque aí então você pode começar a fazer a opção entre mais trabalho ou mais lazer. E tem gente já que faz isso, mas ainda é uma minoria dentro da população. Agora, esse é um lado, é a idéia então de que você vai ter desemprego permanente e essas coisas. A outra é a seguinte... não que “Então esse problema do desemprego nós vamos resolver através da flexibilização do trabalho, e toda causa do desemprego na Europa é excesso de regulamentação do trabalho”. Eu acho que em alguns casos isso é verdade, mas na maioria isso é uma estratégia - não é? - muito...  quer dizer, de outra... de agravar a concentração de renda, essa sim, de caráter neoliberal. Eu vou dizer, por exemplo, uma coisa que eu acho que seria importante ter... não é? Nos Estados Unidos o salário mínimo é substancialmente menor do que na Europa, e os Estados Unidos complementam o salário mínimo com a chamada Tax... o Imposto de Renda Negativo, Tax Credit Earned Income [Renda oriunda por crédito de impostos] é o nome em inglês, tal, desta história. Ou seja, se você ganha... o salário mínimo, mas menos que um certo nível, o Estado, com recursos fiscais, compensa, e tem toda uma tabelinha para fazer isto. O que é que acontece? O que é melhor: o sistema americano ou o sistema europeu? O valor mínimo que a pessoa recebe é o mesmo, vamos dizer, só que uma parte é o Estado que paga, através do [desse] imposto de renda negativo. É muito melhor o americano, porque você... o outro causa desemprego, esse aqui não causa desemprego, porque a demanda por trabalhador vai em função do nível de salário, então isso era uma mudança que deveria ser feita. Agora, quando se começa a tirar direitos do trabalhador, em função de... pra aumentar o desemprego, [corrigindo] para aumentar emprego, eu acho isso muito perigoso, eu tenho muita resistência a isso. Essa idéia de que o modelo americano é muito melhor do que o modelo europeu, eu não estou de acordo em absoluto com isso. Aí vem [alguém dizer:] "Bom, mas os últimos sete anos, os americanos cresceram mais que do os europeus". É verdade, mas nós últimos 11 - não é? - nós vimos em dados recentes, a Alemanha cresceu mais do que os Estados Unidos e o Japão cresceu igual aos Estados Unidos.

Ulisses Capozoli: O senhor está discutindo isso com o ministro do Trabalho, por exemplo?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não.

Ulisses Capozoli: Essas questões filosóficas.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu nem sei exatamente essa parte.

Ricardo Arnt: [Interrompendo] Eu queria lhe fazer uma pergunta sobre biodiversidade. Só mudando um pouco de assunto. O governo mandou o seu projeto de lei em novembro para a Câmara, integrando ao patrimônio da União o recurso aos bens genéticos...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Isso.

Ricardo Arnt: Só que esse projeto já está tramitando no Congresso há três anos. E no ano passado o governo anunciou a intenção de construir o centro de biotecnologia em Manaus [o CBA, ou Centro de Biotecnologia da Amazônia, começou a funcionar no ano de 2006, e tem como função gerar novas tecnologias que sustentem processos produtivos baseados na biodiversidade da região]. O senhor não tem impressão que está na hora de se estruturar uma estratégia nacional para biodiversidade, para valer? Uma coisa que mude um pouco... Não parece urgente que se amplie o debate sobre essa lei da biodiversidade? O senhor não acha que ou o Brasil valoriza a biodiversidade ou a gente vai ficar, em surtos, contabilizando prejuízos? Eu acho, eu tenho plena consciência, completamente fora de moda para mim, o caso do gene dando o potencial brasileiro, não é o caso de se falar de uma "Genebras" brasileira? O senhor não acha que se deveria levar isso mais a sério, mais a fundo?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Olha, eu acho isso extremamente importante e nós estamos dando uma atenção muito grande a isso. Na verdade, existe um projeto já antigo da senadora Marina Silva [ambientalista e pedagoga então filiada ao PT (1958-), foi ministra do Meio Ambiente de 2003 a 2008] a respeito disso, e o governo fez um projeto que pareceu mais prático, mas é bastante parecido com o da Marina Silva. Agora, ao mesmo tempo em que há esse projeto, foi verificado que era preciso fazer uma emenda constitucional [trata-se de uma modificação no texto da Constituição que deve ser aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado], uma pequena emenda constitucional que, na emenda, se declarava o patrimônio genético do país um patrimônio da União. Então essa é uma... E essa emenda constitucional está... precisa ser aprovada antes do projeto. Nós estamos dando absoluta prioridade à aprovação dessa emenda, eu acho que vamos aprová-la rapidamente porque eu creio que não vai haver discussão possível sobre essa coisa, e aí, então, nós em seguida caminharemos para o projeto da biodiversidade propriamente dito, e como é que você protege essa biodiversidade, como é que você protege os direitos, porque aí é um processo complicado de fazê-lo, porque você não pode, por exemplo, criar patentes sobre... para os índios, que não têm... que desenvolveram isso secularmente e que não sabem - não é? Mas você precisa, por outro lado, reconhecer os direitos que eles têm sobre isso. E os direitos que o país tem e que esses índios têm. Então esse é um processo complicado que a gente tem que encontrar uma solução.

Ricardo Arnt: Claro. Mas o governo vai investir mesmo nesse centro de biotecnologia de Manaus?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Isto eu não estou... quer dizer, veja: o centro de biotecnologia de Manaus é a primeira vez que eu ouço, para ser absolutamente honesto com você. Portanto...

Ricardo Arnt: Isso foi uma das grandes bandeiras do ministro Krause [Gustavo Krause, advogado e consultor de empresas pernambucano (1946-), ministro do do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente de 1995 a 1998], no ano passado. Houve um certo estardalhaço para isso.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não, mas eu não estou a par disso. Nós temos em Manaus um grande centro de pesquisa, que é o Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, implementado em 1954, realiza estudos científicos do meio físico e das condições de vida da região amazônica]...

Ricardo Arnt: [Falando ao mesmo tempo que Bresser-Pereira] Inpa. Claro.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... mas sobre esse centro eu não estou a par.

Mônica Teixeira: [Interrompendo] Ministro, eu queria.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu vou me informar a respeito [do referido centro].

Mônica Teixeira: Eu queria voltar à questão da pesquisa pura e pesquisa aplicada, a relação com a empresa etc. O senhor acha que a questão hoje... O senhor acaba de voltar de uma viagem, [em] que conversou com muitas pessoas ligadas à política científica, não é? Me parece... O senhor acha que a questão hoje, a dicotomia, é entre pesquisa pura e pesquisa aplicada? Quer dizer, é da pesquisa... é necessário que exista essa ciência chamada básica para que os saltos tecnológicos se dêem? Como é que o senhor vê... E eu estou perguntando isso, porque... Qual é a política, então, que o senhor pensa que possa ser a política para o Brasil, que é esse país que o senhor mesmo notou que é tão importante, na sua viagem?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Primeiro uma propaganda aí, quer dizer, eu fiz a viagem e dois dias depois que eu cheguei da viagem estava na página do MCT da internet o relatório completo da minha viagem...

Mônica Teixeira: Eu lerei. [risos]

[...]: Eu também.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Então... mct.gov.br [portal do Ministério da Ciência e Tecnologia] - não é? -, que é uma página que nós estamos, inclusive, querendo melhorar o mais possível, e a do CNPq também, para tornar o mais transparente possível tudo o que a gente faça lá no Ministério. Agora, em relação a esse problema, primeiro, eu acho que essa discussão entre pesquisa básica e aplicada, pelo que eu ouço dos cientistas, está ficando um pouco superada, porque cada vez fica menos... a diferença entre uma e outra diminui. Eles sabem melhor que eu isso aí. Pergunta para o Perez [José Fernando Perez] e para o Sérgio [Sérgio Henrique Ferreira], que são os cientistas daqui, quer dizer, mas... quer dizer... porque o prazo entre você desenvolver uma idéia nova e ela se transformar em uma possibilidade de inovação, quer dizer, diminuiu muito - não é? - através dos séculos e dos últimos cem anos, e dos últimos cinquenta anos, vai diminuindo cada vez mais. Agora, por outro lado... Mas sempre existe esse problema. Agora veja, é fundamental que nós tenhamos, por exemplo, físicos teóricos, ou astrônomos ou biólogos puramente teóricos, de alto nível.  Eu acho que é importante isso, inclusive para efeito da educação. Nós sabemos que em educação... Eu hoje de manhã, eu estive dando uma aula inaugural na Universidade Cândido Mendes [universidade privada, fundada em 1902 e sediada na cidade do Rio de Janeiro] e tinha lá uma ilustre senhora, uma grande educadora, dona Mirtes, eu esqueci o sobrenome dela. E ela sentou ao meu lado no almoço, em seguida; e ela me dizia assim: “Mas eu acho... O senhor não acha que é muito importante uma educação geral para...” [faz gesto com as mãos, afastando-as, para mostrar "amplitude"]  - não é? E eu falei: “claro que eu acho.”. Então a educação geral exige também que você tenha... que o Brasil tenha domínio de coisas muito básicas e fundamentais. Precisa saber filosofia, não é Gianotti? Precisa saber física...

Mônica Teixeira: [Interrompendo] Matemática.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... precisa saber biologia básica, precisa saber essas coisas. Se nós ficarmos só no “pratiquinho”, nós perdemos a batalha, perdemos a capacidade de pensar.

Sérgio Henrique Ferreira: [Interrompendo] Mas ministro, eu quero pegar uma carona na Mônica, é o seguinte: a posição do Gianotti e minha é que tudo no fim é problema de investimento. Em ciência básica, em todo o mundo, o investimento é estatal, basicamente estatal.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: [Interrompendo] Claro, sem dúvida.

Sérgio Henrique Ferreira: E investimento em [ciência] aplicada, existe uma parceria ou existe uma política, dependendo do determinado momento, que se o setor, quer dizer, tem os "eximbanks" da vida [referência a bancos que concedem crédito a baixos juros, como o Eximbank - Export and Import Bank of the United States, institução criada em 1934 pelo governo dos EUA para promover o comércio exterior nos anos seguintes à Depressão e que passou a financiar programas de governo e empresas do exterior na compra de equipamentos e serviços norte-americanos] etc, que você investe a juros baratos, para desenvolvimento etc, e, com isso, faz com que a indústria entre em determinadas áreas que chamam estratégicas ou necessárias para o desenvolvimento. Isso freqüentemente aconteceu. Um dos nossos maiores problemas é quando a gente olha e sabe que a indústria brasileira alberga menos de 1% dos pós-graduandos brasileiros, então a gente fala: “onde é que está a pesquisa de desenvolvimento tecnológico na indústria brasileira?”. Ela não existe. E é aí o ponto fundamental do como é que nós vamos instituir que a indústria média, pequena e média, passe a investir em ciência, já que a grande indústria faz pesquisa na matriz. Quer dizer, como é que nós vamos induzir? Nós sabemos que nos países desenvolvidos, o senhor acabou de falar, que incentivos fiscais não resolvem. Então, realmente os incentivos fiscais não resolvem tudo. Ele tem que ter uma parceria com investimento da própria indústria. A própria indústria, se a gente pegar de medicamentos, investe entre 3% a 15% do seu lucro ou capital em pesquisa. Então a indústria nacional não está acostumada a isso, quer dizer, ela não tem essa tradição e, principalmente, porque se ela for pegar os juros, é três a quatro vezes maior do que a [taxa de juros] internacional. Então ela está morta do ponto de vista de inovação. Se nós não tivermos um banco que seja capaz de investir ao mesmo nível internacional, em inovação, nós não vamos sair.

José Arthur Gianotti: [Interrompendo] Olha, eu fui citado, eu posso completar?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Pode.

José Arthur Gianotti: A questão ao meu ver não é só de investimento. É de investimento, mas de forma [enfatiza] de investimento. É isso que eu estou batendo, parece que minha mensagem hoje não está pegando. O que eu quero saber é o seguinte: que política nós vamos ter para decidir que tal montante vá para esta ou aquela pesquisa, este ou aquele investimento, da parte cultural? Porque uma coisa, está havendo uma enorme [enfatiza] mudança, tanto no caso das universidades e dos centros de pesquisas quanto às próprias indústrias. Eu acabo de receber, essa semana no Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento], algo que, em quase trinta anos, nós nunca tivemos: nós tivemos o auxílio de 248 mil reais da Volkswagen [grupo alemão do setor automobilístico] para o futuro projeto do Cebrap, pago hoje. Isto é, isso nunca houve, nunca houve. O que significa? É, extraordinário.

Luiz Carlos Bresser Pereira: [Interrompendo] Nunca houve, o que quer dizer nunca houve? Empresa?

José Arthur Gianotti: De uma indústria que viesse, de uma empresa que viesse financiar algo que não é tecnologicamente ligado a ela, nunca houve no Cebrap, e eu nunca soube disso na universidade. O que acontece é o seguinte: por que aconteceu isso? Porque houve uma simbiose, tal como você disse, naquele painel, no futuro painel, em que houve a... Foi-se possível chegar a uma conciliação de interesses. Ora, o que nós estamos vendo hoje é uma enorme dissociação entre a comunidade científica de um lado, nas suas instituições que precisam ser reformadas, e os órgãos governamentais que estão sendo reformados. Isto é, não se vai fazer a reforma que você está propondo, nos investimentos, sem uma reforma das universidades federais, sem a reforma dos institutos, e assim por diante, isto é, se nós não soubermos como é que essas instituições vão funcionar, nós não faremos esse salto, e isso é urgente, a meu ver.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Bom, aí são vários problemas, quer dizer...

José Fernando Perez: Ministro, eu me permitiria...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Mais um...

[Risos]

José Fernando Perez: ... tornar o problema complicado, um pouco mais complicado, porque eu acho que foram colocados dois pólos que de longe não esgotam a questão.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Dois pólos, agora você vai pôr o terceiro, agora.

[Risos]

José Fernando Perez: Eu acho o seguinte, a questão do investimento, o grande gargalo da pesquisa no Brasil, certamente é a falta de pesquisa em ambiente empresarial.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Isso.

José Fernando Perez: Não há dúvida quanto a isso. E o maior testemunho disso é que nós, embora sejamos 1% da produção mundial de papers indexados no Institute for Scientific Information [instituto que fornece reconhecida base internacional de dados bibliográficos], tanto quanto a Coréia, a Coréia é 1% das patentes nos Estados Unidos, e nós somos um trinta avos do número dado pela Coréia, quer dizer, nós temos uma produção quase nula de patentes. Para nós aumentarmos essa produção de patentes, que é o resultado típico de pesquisa tecnológica, é necessária uma política agressiva, que obviamente... E é de ação governamental, sim. As pequenas empresas nos Estados Unidos são financiadas a fundo perdido por programas que mobilizam mais de 1 bilhão de dólares por ano. Ou nós reconhecemos isso aí - certo? - como uma coisa imperiosa, como um ato imperioso para gerar esse movimento da pesquisa, do conhecimento e do pesquisador para o ambiente empresarial, ou a pesquisa vai se... fazer uma autofagia no ambiente acadêmico, porque já tem os seus problemas. E se nós não gerarmos um espaço para o pesquisador migrar para o ambiente empresarial, nós vamos ter os problemas que o senhor Gianotti mencionou, agravados.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Então, veja, eu estou de pleno acordo com você, quer dizer, estou de pleno acordo com os que fizeram as perguntas, mas você... Até um certo ponto respondeu uma parte da pergunta aí que o Sérgio fez. Eu inclusive hoje estive na Finep e dizia lá que nós precisávamos aumentar, quer dizer, o apoio a pequenas empresas com alto componente tecnológico, quer dizer, dando financiamento de um lado, bem separado do apoio, mas que esse apoio também precisava ser dado. Portanto estamos de acordo com isso. Em relação a incentivo fiscal, eu sou a favor [enfatiza] de incentivo fiscal, quer dizer, eu acho que incentivo fiscal na área tecnológica é muito necessário, porque...

Paulo Markun: [Interrompendo] Já houve na área da informática e deu resultado.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: E veja, eu estive agora nos Estados Unidos, fui pra lá, e a maior surpresa... porque lá nos Estados Unidos é o país dos neoliberais, não é? Pelo menos eles ficam nos ditando regras o tempo todo, o que nós devemos, que tudo deve ser mercado, mercado, mercado e mercado. Pois eu fui lá, e cheguei lá, fui visitar o Congresso, fui visitar a Comissão de Ciências e Tecnologia do Congresso americano. Fui recebido primeiro pelos assessores do presidente da comissão, que é um ilustre senador de Wisconsin [estado americano], republicano, que me disseram: "A lei mais importante que nós temos aqui, nesta comissão, é a lei de incentivo à tecnologia.". Como é essa lei? É basicamente o seguinte: para todo o investimento... todo o investimento em pesquisa e desenvolvimento as empresas podem jogar como despesa duas vezes. Falei: “interessante isso”. Aí fui falar com o senador, o senador não, o deputado, desculpe, o deputado Sensenbrenner, James Sensenbrenner [presidente do comitê norte-americano de Ciência e Tecnologia], e o deputado disse: “É, nós temos essa lei, mas eu não estou satisfeito com ela”. Eu falei: “ih diabo, vai ver que ele vai acabar com a lei”; ele falou assim: “Não, quer dizer, essa lei é votada todo ano nesta casa, isso dá estabilidade para os empresários. Eu quero torná-la permanente”. Muito bem, então eles fazem isso, mas depois ficam nos ditando [gesticula como se estivesse escrevendo], então esse negócio não é sério, quer dizer, a gente tem que tratar de defender os nossos interesses com os nossos critérios, não é? Agora, por exemplo, nós estamos profundamente... o Ministério [da Ciência e Tecnologia] e o Ministério do Desenvolvimento estamos profundamente comprometidos com a renovação da Lei de Informática [lei que concede incentivo fiscal às empresas fora da Zona Franca de Manaus que investem em pesquisa e desenvolvimento de produtos de informática, e isto mediante a desconto no recolhimento do IPI referente ao produto a ser fabricado no Brasil], que tem sido muito importante para o desenvolvimento da indústria de hardware, não tanto software, de hardware no Brasil. O Brasil é o único país da América do Sul que tem uma indústria de hardware. Então, quer dizer, isso está agora no Ministério da Fazenda, eu espero que seja rapidamente resolvido, o presidente da República tem mostrado o seu interesse por essa renovação, de forma que eu espero que isso aconteça. Em seguida vamos discutir outros temas, porque realmente é muito importante. Você tem toda razão, Sérgio, que é impossível ter desenvolvimento econômico com taxas de juros, para pequena, para média e para grande empresa. E tanto assim é que, nos últimos vinte anos, a taxa de crescimento do Brasil foi, em termos per capita, cerca de um quarto, um quarto do que foi nos quarenta anos anteriores, não é? Quer dizer, por quê? Porque nós perdemos a estabilidade macroeconômica. Quinze anos de alta inflação, quatro anos de câmbio sobrevalorizado. Agora essas duas coisas foram superadas, quer dizer, e como essas duas coisas foram superadas, tanto a inflação quanto o câmbio sobrevalorizado, eu vejo uma perspectiva de crescimento para o Brasil, nos próximos três, quatro anos, muito grande. A taxa de juros vai baixar, já está baixando, o Banco Central está agindo muito competentemente nessa área, quer dizer, e nós vamos ter um crescimento bastante grande durante três a quatro anos. Por quê? Porque nós temos capacidade ociosa. De mão de obra, de capital e até de tecnologia. Agora, se nós não investirmos firme em tecnologia, em seguida... já, não é em seguida, é já, quer dizer, para aproveitar, nós vamos ter... a restrição tecnológica vai ser fundamental para o Brasil, porque enquanto você estava crescendo a taxas ridículas que nós crescemos nesses últimos anos, a tecnologia não foi a grande restrição. Quando eu disse isso uma vez na Finep, na Finep não, no CNI [Conselho Nacional da Indústria], e as pessoas não entenderam, eu disse: “olha, a grande restrição dos últimos vinte anos, a constraint, como dizem os economistas, a restrição ao desenvolvimento do Brasil, foi macroeconômica, foi a instabilidade macroeconômica, foi a alta inflação, foram os altos juros, foi o câmbio valorizado”. Agora, mas já, já, a restrição tecnológica e a restrição poupança, poupança/investimento, vão ser fundamentais, inclusive porque... só para completar, houve uma discussão muito grande entre os economistas nesses últimos trinta anos, porque os economistas desde Marx, Schumpeter [Joseph Alois Schumpeter (1883-1950), economistas do século XX, com trabalhos sobre tecnologia e desenvolvimento], Keynes, os grandes economistas do desenvolvimento, afirmavam que o fundamental do desenvolvimento era o investimento, e que no investimento, já Marx e Schumpeter diziam com muita força, vinha incorporado o progresso técnico, tecnologia [mexe as mãos como uma roda girando] junto com... as duas coisas vinham uma junto com a outra. E você disse aí: “O fundamental é o investimento”. Parece que você concorda com eles. Aí veio toda uma idéia neoclássica do mainstream [corrente de pensamento prevalecente] etc, do mainstream econômico, neoclássico, quase neoliberal, que vem dizer o seguinte: "Não, quer dizer, o investimento não é tão importante, importante é a tecnologia”. Como uma coisa que exista no espaço etéreo. Mais recentemente descobriu-se que isso é uma grande tolice e as pesquisas reiteradas confirmaram as velhas idéias. Portanto, que é fundamental que haja investimento junto com incorporação de progresso técnico. Então isso é absolutamente fundamental.

Mônica Teixeira: Agora, ministro.

[Sobreposição de vozes]

Sérgio Henrique Ferreira: [Interrompendo] Eu quero pegar um arroz e feijão aqui, que não estamos pegando. Os cientistas brasileiros estão alarmados...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Agora...

Sérgio Henrique Ferreira: Um minutinho só...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... tá, então eu vou voltar com o Gianotti aí, porque...

Sérgio Henrique Ferreira: Então pega Gianotti.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Bom, Gianotti, eu tentei responder a parte com a empresa. Agora você colocou um outro problema, quer dizer, que é o problema - não é?... Primeiro você falou de uma dissociação entre os cientistas e o Ministério de Ciência e Tecnologia...

José Arthur Gianotti: [Interrompendo] O governo.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu não sinto isso, quer dizer. Entre o governo pode ser, mas o governo é uma coisa mais ampla. Mas entre os cientistas e o Ministério da Ciência e Tecnologia, eu não tenho sentido isso. Quer dizer, eu acho que os cientistas sentem, quer dizer, o ministério, o CNPq, a FINEP, quer dizer, como coisa deles. E é mesmo, quer dizer, e é fundamental que seja, quer dizer, coisa deles, porque... Eu tenho dito inclusive que a política de ciência e tecnologia no Brasil é uma coisa que começou, há cinquenta anos atrás, com a fundação do CNPq, em 1951, e ela tem continuidade... ela tem... ela vem... E tem continuidade por quê? Porque ela é muito bem cuidada pelos próprios cientistas, quer dizer, e os governos que mudam etc têm respeitado isso. Eu acho isso fundamental. Então, agora, você tratou de um outro assunto, que é o problema da universidade. Aí nós sabemos que existe um problema muito sério que o ministro Paulo Renato [economista gaúcho (1945-), um dos fundadores do PSDB e ministro da Educação no governo Fernando Henrique] está tentando resolver, que é o problema da autonomia da universidade. Enquanto a universidade brasileira não for autônoma e responsável nós não teremos realmente uma universidade eficiente e de boa qualidade. Eu estive agora na Inglaterra, por exemplo, houve uma reforma enorme na Inglaterra, que tornou as universidades muito mais autônomas e muito mais responsáveis, quer dizer, e elas são... A Universidade Cambridge é avaliada cada quatro anos, por exemplo, na sua pesquisa e publicações, como todas as demais universidades, e eles entram em uma competição terrível para ... porque... para mostrar a qualidade, porque se não eles perdem recursos para pesquisa, violentamente. Então isso é fundamental que aconteça no Brasil também, e não tem. Mas isso está sendo... Eu espero que os cientistas que pensam tão bem a ciência também pensem melhor a instituição da universidade, que eles têm fracassado nisso.

Paulo Markun: Para finalizar, ministro, nosso tempo está acabando, aliás, o nosso tempo já acabou. A pergunta é a seguinte: como é que se faz tudo isso com a retração do orçamento que está existindo...

Mônica Teixeira: [Interrompendo] São 718 milhões [de reais] o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia este ano, não é isso, ministro?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Setecentos e dezoito é o dinheiro para fomento. O orçamento como um todo é 1 bilhão e pouco...

Mônica Teixeira: [Interrompendo] É, mas desses, 400 mil estão contingenciados, quer dizer, sobram uns 300 mil, não é isso?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não, bom, veja...

[...]: [Com] 50% de desvalorização, 150.

[Sobreposição de vozes]

Luiz Carlos Bresser-Pereira: O que houve de corte no orçamento em relação, quer dizer, em relação ao que foi executado no ano passado, o que nós imaginamos que vai haver, porque você tem que ver o que vai ser executado este ano, é coisa de mais ou menos 10%. Não é mais que isso, quer dizer, o MCT foi um dos ministérios que menos sofreu corte, quer dizer, na parte de bolsas de estudos nós não tivemos corte nenhum. Isso foi fundamental para que o corte geral fosse relativamente pequeno. De qualquer forma, 10% pesa, viu...

Mônica Teixeira: [Interrompendo] Então, como é que vai fazer tudo?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: ... e como o dinheiro é pouco, é realmente importante que a gente consiga mais recursos, mas eu acho que nós só conseguiremos mais recursos quando nós formos retomar o desenvolvimento. E nós vamos retomar o desenvolvimento, Markun, a partir do ano que vem.

Sérgio Henrique Ferreira: [Interrompendo] Mas ministro, não é mais 4% o que era esperado de queda do PIB...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Graças a Deus.

Sérgio Henrique Ferreira: O senhor disse que era 5%, eles disseram que era 4%. Agora dá para refazer as contas...

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Eu espero que sim.

Sérgio Henrique Ferreira: Quer dizer, então dá para se refazer as contas.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Quem sabe, quem sabe. [risos] De qualquer forma...

Cláudia Tavares: [Interrompendo] Os pesquisadores podem esperar...

Luiz Carlos Bresser Pereira: ... os economistas, felizmente, estavam completamente equivocados quanto àquela famosa queda do PIB [Produto Interno Bruto].

Mônica Teixeira: [Interrompendo] Não é a primeira vez, não é?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não é a primeira vez não.

[Risos]

Cláudia Tavares: Os pesquisadores podem esperar algum tipo de reajuste nas bolsas? Que é uma pergunta freqüente aqui.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Não, neste momento não há nenhuma perspectiva de reajuste das bolsas.

Paulo Markun: Para fechar, ministro, o senhor espera então que a retomada do desenvolvimento já se dê agora, a partir do segundo semestre? Já está se dando?

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Há dois meses atrás eu escrevi um artigo, quer dizer, “Um novo rumo para a economia brasileira”, em que eu dizia que, dada a desvalorização do câmbio, que resolvia esse problema fundamental, o da inflação já tinha sido resolvido com o Plano Real, que nós agora íamos retomar o desenvolvimento em um novo rumo, usando mais os nossos próprios recursos ao invés de contar com a poupança alheia, o que é fundamental, e usando mais os nossos critérios em vez dos critérios do exterior, o que também é fundamental. E eu acho que é isso que está acontecendo no Brasil. E nós vamos retomar o desenvolvimento no ano que vem, mas eu acho fundamental, para que esse desenvolvimento se sustente, que nós invistamos muito em educação e em ciência e tecnologia.

Paulo Markun: Ministro, muito obrigado pela sua entrevista, obrigado aos nossos entrevistadores, a você que está em casa. E o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, sempre às 10h30 da noite. Uma boa noite, uma boa semana e até lá.

 

 

 

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