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[Programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]
Matinas Suzuki: Boa noite. Ele é o único homem que ganhou a Copa do Mundo quatro vezes [mundiais de 1968, 1962, 1970 e 1994]. Agora, prepara-se para um novo desafio: trazer para o Brasil a medalha de ouro do futebol nos Jogos Olímpicos de Atlanta [1996]. No meio de campo do Roda Viva está Mário Jorge Lobo Zagallo.
[Comentarista]: O 13, nunca foi mistério, é o número da sorte de Zagallo. Treinador supersticioso, raramente aparecia sem a camisa 13, mas de março desse ano para cá, tem sido lembrado pelo número 100. O atual técnico do Brasil completou cem jogos pela Seleção Brasileira. Comemorou em grande estilo, o Brasil ganhou de Gana por 8 a 2. Trocando em números, são 72 vitórias, 23 empates e cinco derrotas. Nesses quase cinquenta anos dedicados ao futebol, Zagallo se tornou uma lenda: é o único a ter participado e conquistado quatro campeonatos mundiais. Chegou à Seleção depois de se destacar no histórico tricampeonato do Flamengo na década de 50. Mais tarde, emprestou brilho à estrela solitária do Botafogo, foi bicampeão e provou ser um grande estrategista. Definiu-se como "ponta recuado", a invenção deu certo. O discreto Zagallo apareceu para o mundo junto com o primeiro título mundial para o Brasil, em 1958, na Suécia. Vestiu a faixa de campeão novamente em 1962 no Chile. Abandonou os gramados dois anos depois. Ao lado de uma Seleção que encantou o mundo, Zagallo vibrou com o tri em 1970, no México, mas foi outra Seleção inesquecível, a Holanda, que transformou o ano de 1974 num período amargo. Vinte anos mais tarde, aceitou o convite para ser coordenador técnico de Parreira [Carlos Alberto Parreira; técnico da Seleção em 1983, 1984, 1991 e de 2003 a 2006] no mundial dos Estados Unidos. Ninguém entendeu direito quais as tarefas de Zagallo, talvez o anjo da sorte. O "lobo" está no ataque, a Copa América escapou por um triz. Ergueu a taça do pré-olímpico. O desafio agora é colocar talento e sorte para trazer um título inédito para o Brasil: o de campeão olímpico.
Matinas Suzuki: Para entrevistar o técnico da Seleção Brasileira de Futebol, Zagallo, nós convidamos, esta noite, o repórter da Rede Cultura Helvídio Mattos; Roberto Muylaert, jornalista e empresário; o articulista da Folha de S.Paulo, Alberto Helena Junior; Eduarda Luizelli, a Duda, campeã sul-americana da Seleção Brasileira de Futebol Feminino e atual jogadora do Internacional de Porto Alegre; o editor da revista Placar, Milton Abrúcio Junior; Marco Aurélio Klein, editor de algumas revistas sobre futebol. Nós lembramos que o Roda Viva é transmitido em rede nacional com outras emissoras de 18 estados brasileiros. Você pode enviar suas perguntas para o Zagallo pelo telefone (11)252-6525. Se você preferir o fax, ligue para (11)874-3454. Boa noite, Zagallo.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Boa noite, é uma satisfação estar aqui com todos vocês.
Matinas Suzuki: Zagallo, nós dissemos no nosso vídeo que você teria completado cem jogos. Há uma dúvida sobre isso e na sua contabilidade, você ainda não completou. Como é essa história?
Mário Jorge Lobo Zagallo: É, está dependendo da confirmação da própria CBF [Confederação Brasileira de Futebol] se eu vou completar nesse próximo jogo cem ou 99, quer dizer, é mais um, menos um, os cem jogos serão completados.
Matinas Suzuki: Zagallo, neste momento da noite, os jornais já estão quase todos fechados, os noticiários também. Além do Bebeto [atacante, fez dupla de ataque com Romário na Seleção Brasileira em 1994. Pela Seleção, Bebeto marcou 52 gols em 88 partidas após fazer sua estréia em 1985], será que você podia contar para a gente quem vai convocar amanhã para a Seleção Brasileira que vai jogar na África do Sul?
Mário Jorge Lobo Zagallo: [risos] É, de fato, aqui eu sou retranqueiro.
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: Dentro de campo, não.
Matinas Suzuki: Mas tem alguém diferente? Deixa o brasileiro dormir já sabendo hoje, acordar amanhã já sabendo quem será.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Mas o importante é, justamente, você deixar a coisa rolar. E vai rolar até julho, porque eu nunca vou mencionar quais são os três. Eu sempre disse que seriam três, mas nunca disse os nomes, apesar das especulações.
Roberto Muylaert: Zagallo, por falar em três nomes, são aqueles com mais de 23 anos, certo?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Exatamente.
Roberto Muylaert: Uma coisa que me ocorreu outro dia, eu estava pensando até em te telefonar, foi bom a gente se encontrar aqui, é o seguinte: qual é a posição em que a pessoa tem que ser mais madura no futebol e aquela onde os atletas resistem mais anos jogando bem? É o goleiro. O goleiro, quanto mais velho, vai ficando mais experiente, não fica nervoso. Será que não seria, de repente, uma idéia de um desses jogadores ser o goleiro? Já que você pode pegar alguém com maturidade e estando na Seleção Olímpica, ele vai ali orientar os meninos e não vai ficar nervoso.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Mas o problema do goleiro é que você perde um jogador na frente. E nós temos o Dida, temos o Danrlei, o próprio goleiro do São Paulo, o Rogério Ceni. São três jovens que tem qualidades e nós não vamos perder uma posição. Então, a Seleção fica mais forte deixando os goleiros e fazendo uma outra convocação: jogador de defesa ou meio campo ou ataque.
Roberto Muylaert: Tem certeza de que não vamos decidir nos pênaltis também? Vai ser antes disso?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não tenha dúvida.
Matinas Suzuki: Se durante as Olimpíadas, acontecer algum problema com um dos goleiros, você pode desconvocar um jogador e substituir?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Nós temos o direito de fazer uma outra convocação para o goleiro.
Alberto Helena Júnior: A propósito disso, são 18 jogadores - eu considero isso um absurdo no futebol, isso não tem nada a ver com futebol. No futebol, são 22 jogadores para serem convocados - e por isso você vai ter que apelar para jogadores que tenham capacidade de cumprir múltiplas funções. Você está pensando nisso? Porque, nessas últimas vezes, você não fez a convocação com esse critério, embora você o tenha declarado publicamente. Não teve jogadores com múltiplas funções com exceção, talvez, do Flávio Conceição que pode jogar, eventualmente, como lateral direito ou médio volante. Você pensa nisso?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Mas, por exemplo, você falou no Flávio Conceição. Se ele cobre uma lateral, obviamente, o outro jogador que entra na sua posição, não está fazendo papel de coringa, o coringa está dentro de campo jogando, então você já está coberto na lateral direita...
Alberto Helena Júnior: Mas você só tem 18 para convocar.
Mário Jorge Lobo Zagallo: 18.
Alberto Helena Júnior: Da última vez, você tinha vinte. Agora só tem 18.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu sei disso, é verdade. A preocupação grande é justamente fazer uma distribuição de jogadores que possam jogar em várias posições.
Helvídio Mattos: Zagallo, você tem falado com uma certeza quase absoluta que o Brasil vai ganhar a Olimpíada. Isso tem alguma ligação com o pedido de dispensa que você fez nas Olimpíadas de Helsinque [Finlândia], em 1952? Você quer se redimir disso?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não. O problema de Helsinque foi que os cariocas tinham levantado o primeiro campeonato brasileiro de amadores, e eu era o titular da ponta-esquerda. Foi me dito, na época, que eu não assinasse o contrato, porque eu seria um jogador que participaria da Seleção de Helsinque, mas na dúvida de assinar ou não assinar, eu preferi assinar o contrato, então eu deixei de participar dessas Olimpíadas. Agora, tive a felicidade de ser convidado pelo Ricardo Teixeira [presidente da CBF desde 1989] como técnico da Seleção principal e do pré-olímpico. Tudo foi feito com bom senso, um caminho diversificado, mas ao mesmo tempo, pensando no futuro do futebol brasileiro. Senão, seriam duas cabeças pensando de maneiras diferentes e as dificuldades são grandes hoje para você colocar uma equipe a cada mês dentro de campo. Imaginem duas e com pensamentos diferentes! Então, as dificuldades seriam muito grandes. Essa mudança, que parece mínima, foi fundamental.
Marco Aurélio Klein: Zagallo, você abordou a questão de retranqueiro, fez essa brincadeira no início, e a minha curiosidade é que você formou um ataque que tinha Joel, Moacir, Henrique e Dida no Flamengo, depois no Botafogo com Garrincha, Didi, Quarentinha e Amarildo, na Seleção Brasileira com Vavá, Pelé, Garrincha e Didi, que foram ataques demolidores, ataques goleadores. A Seleção de 1970 tem uma média de mais de três gols por partida e foi protagonista das duas únicas goleadas em final de Copa do Mundo que a gente conhece que são 5 a 2 na Suécia e os 4 a 1 na Itália.
Mário Jorge Lobo Zagallo: E completando a sua idéia, eu desconvoquei o Zé Carlos e o Dirceu Lopes, que eram excelentes jogadores no meio de campo, para convocar o Dario e o Roberto Lopes Miranda. Quer dizer, eu troquei dois jogadores de meio-campo por dois pontas-de-lança.
Marco Aurélio Klein: Eu queria acrescentar o seguinte: na Seleção de 1970, havia os cinco melhores camisas 10 do Brasil: Jairzinho no Botafogo, Gérson no São Paulo, Tostão no Cruzeiro, Pelé no Santos e Rivelino no Corinthians. Você colocou os cinco homens de frente de mais talento no futebol daquele momento para jogar. Por que essa história de retranqueiro?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Você está dando até uma oportunidade porque a mentira ficou sendo a verdade. Há até livros em faculdades em que os professores falam sobre o problema, dando uma veracidade em uma inverdade. E você está me proporcionando, para um público novo e para aqueles mais antigos que, pelo Roda Viva, saibam que o problema de retranqueiro não existiu. O retranqueiro é aquele que fica atrás, pouco ataca e obviamente não vai vencer tanto. Então foi uma coisa que marcou na minha vida, interesses, não importa aqui dizer, mas inventaram muita coisa. Olha, eu sou apolítico. Eu olhei sempre o esporte, mas estive sempre dentro de um contexto, em situações difíceis da parte política do Brasil em que eu fui, talvez, condenado por ser um vitorioso nessas épocas, prejudicando algum partido...Não entendo de política e eu fiquei taxado de uma maneira diferente. Eu não gosto de entrar por esse ângulo, mas você puxou o assunto e é bom até a gente explicar.
Matinas Suzuki: Aproveitando essa oportunidade que você tem para esclarecer, como técnico da Seleção Brasileira, naquele período, nunca houve um tentativa de ingerência, você nunca ouviu falar de pressão? É importante que a gente tenha o seu depoimento sobre esse período.
Mário Jorge Lobo Zagallo: A única coisa que aconteceu foi que existiam 22 jogadores e eu falei até para o diretor de futebol naquela época: “Olha, eu aceito, mas desde que eu convoque mais cinco jogadores”. Ele disse assim: “Bom, então você vai ficar com 27 até o final da programação”. Aí nós ficamos com 27 jogadores. Depois é que foram desconvocados os cinco e passamos a ter então 22 jogadores. Fora isso, nunca houve problema.
Milton Abrúcio Júnior: E por que o João Saldanha [(1917-1999) jornalista e treinador de futebol, ajudou a Seleção de 1970 a conquistar o título de campeã da Copa do Mundo, sendo o responsável pela convocação dos melhores jogadores de clubes brasileiros para formar esse time campeão, o que se deu durante a ditadura, contrariando o presidente Médici nessa escalação, e dando origem aos rumores que foi excluído da Seleção por conta disso] saiu alegando essas pressões?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Era uma maneira de mudar um pensamento por ele ter saído, mas eu acho que não é por aí. Eu acho que ele fez um bom trabalho na fase classificatória, ele tem o seu mérito. Só que não podiam tirar o meu valor como treinador que fui em 1970, com as mudanças que foram feitas. Eu peguei uma equipe que jogava dentro de um 4-2-4 [refere-se ao esquema tático de jogo] e transformei essa equipe: o Piazza e o Gérson eram meio de campo, o Rivelino e o Clodoaldo eram banco; coloquei o Piazza como quarto zagueiro, o Clodoaldo e o Gérson no meio do campo, passei o Rivelino para a ponta-esquerda - ele era meia-esquerda - e o time jogou de uma maneira totalmente diferente. O Tostão passou a jogar de ponta-de-lança enfiado, ele jogava vindo de trás...
Alberto Helena Júnior: [interrompendo] Contra a sua vontade.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Contra a minha vontade, sim.
Alberto Helena Júnior: [interrompendo] Você achava que não ia dar certo por duas razões, primeiro por causa do estilo dele e segundo, por causa do problema no olho.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu agradeço sua intervenção, porque você veio me mostrar, me chamavam de teimoso...
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu agradeço, tinha me esquecido. Agradeço as suas palavras, essa lembrança. De fato, foi contra o meu ponto de vista, porque eu achava que o Tostão...
Alberto Helena Júnior: Por isso você convocou o Dario e o Roberto Miranda, que eram dois centroavantes, para jogarem ali.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Exatamente. Minha idéia era colocar um dos dois como ponta-de-lança e eu coloquei o Tostão com o problema da retina na frente, achando que não daria certo. E ele provou o contrário.
Helvídio Mattos: Zagallo, é verdade que era para ser você o técnico dessa Seleção que conquistou o tricampeonato, mesmo antes, em 1969, já na campanha das eliminatórias?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu não posso falar... Eu achava, no meu ponto de vista, pela campanha que havia ocorrido com o Botafogo ganhando tudo, que eu fosse o escolhido. Estava numa excursão no México quando eu soube a notícia: "Saldanha foi o técnico”. Eu disse:"Não acredito, ele pode ser o melhor comentarista, mas não é o treinador”. E talvez ele tenha sido até benéfico naquele momento, porque ele entrou com suas idéias e já escalou o time. Ele teve um mérito muito grande nessa fase em que o Brasil atravessava dificuldades. Depois da saída dele, me convidaram, e eu disse: “É agora, essa é minha grande chance!”. Aceitei de imediato. Fui chamado de maluco, por conta dos problemas da Seleção. E eu estou sempre em desafios, aceitando tudo. Acho que meu grande momento foi, justamente, ter aceito esse convite.
Matinas Suzuki: Zagallo, vamos passar a bola para a Duda, ela está pedindo.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Ela é ponta-de-lança?
[risos]
Eduarda Luizelli: Eu vou mudar um pouquinho de assunto, porque nessa época eu ainda não era nascida... A minha pergunta é a seguinte: com relação aos jogadores jovens que vão jogar no exterior, isso não é prejudicial para o jogador? Muitas vezes, eles não vão para um time que está em primeiro, em segundo lugar no campeonato, eles vão para um time como...Por exemplo, o Juninho [jogador de destaque em diversos clubes paulistas, em especial, o São Paulo. Em 1995, foi contratado pelo time inglês Middlesbrough], o Arílson [O jogador gaúcho iniciou carreira no Grêmio, mas passou por diversos clubes. Em 1995, foi contratado pelo time alemão Kaiserslautern]. Isso não é prejudicial para o jogador? Não muda o estilo dele? Depois, quando ele volta para o Brasil, é cobrado pela imprensa e pela CBF.
Mário Jorge Lobo Zagallo: O prejuízo pode ser em termos de ter uma situação melhor dentro do campeonato, mas ela é benéfica em termos financeiros, traz a independência do jogador. É claro que se ele vai par um clube que está em décimo terceiro lugar e se fosse para uma equipe que estivesse disputando o segundo seria muito melhor, mas...A gente sente falta desses jogadores aqui, mas para eles, eu acho que foi muito importante. É uma experiência boa, um outro tipo de futebol.
Eduarda Luizelli: E essa experiência de jogadores que retornam para uma Seleção Brasileira, como ela é vista pelos outros jogadores? Como os outros jogadores vêem aquele jogador que vem de fora?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Os jogadores vêem primeiro, se eles saíram, porque o potencial técnico deles é bom, se eles estão retornando para uma Seleção é que eles vêm reforçar o time, de modo que quem é que não gosta de ver a sua Seleção sempre reforçada? Claro que nem todos que estão fora retornam para uma Seleção. Mas, para mim, foi muito gratificante ver garotos como o Caio [jogador que se destacou no time São Paulo e que, em 1995, foi contratado pelo Internazionale, na Itália] e o Juninho serem convocados no exterior, jogadores de nível de seleção e que tiveram essa felicidade de ter um começo de vida bem lá por cima. Todos eles têm cabeça para prosseguir nessa campanha vitoriosa, tanto dentro de campo, como fora.
Roberto Muylaert: Qual é a sensação que você sentiu com aquele gol que apareceu aí [refere-se a um gol histórico de Zagallo, exibido no vídeo de abertura do programa], contra a Suécia, que foi um gol que você fez meio caído, parecia que não ia dar e deu? Até porque você não era um jogador com características de goleador, você era meio de campo e naquele jogo você fez, se não me engano, 4 a 1, não é?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Foi o quarto gol do jogo.
Roberto Muylaert: Quarto gol. Qual foi a sensação? Você se lembra como se fosse hoje, não é?
Matinas Suzuki: Zagallo, antes de você responder, a imagem do gol está no ponto. Vamos revê-lo.
[exibição do vídeo com imagens do gol do Zagallo]
Mário Jorge Lobo Zagallo: De fato, eu fico arrepiado. O verde e amarelo mexe muito comigo, mas esse quarto gol, para mim, foi importante porque foi o único gol feito na copa de 1958. Tive um lance que foi muito mais importante até do que esse gol: quando estávamos perdendo o jogo de 1 a 0, eu estava debaixo da trave, o ponta-esquerda da Suécia cruzou, o Gilmar escorregou e eu tirei de cabeça o que seria o segundo gol da Suécia. Mas dizem que eu tenho uma estrela muito grande. Acho que ela acabou brilhando e nós conquistamos esse título que, na época, foi inédito. E o quarto gol foi importante porque foi o meu gol da Copa do Mundo de 1958, como teve o outro gol de 1962.
Marco Aurélio Klein: O [escritor] Ruy Castro, no livro Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha, disse que você jogava com uma medalhinha dentro da meia. Que medalhinha é essa? Ela ainda está aí hoje?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não era dentro da meia. Eu tinha uma medalha de Santo Antônio, eu a perdi em um treino lá em Santiago, na copa de 1962. Até fiz uma promessa que se eu a achasse, nós iríamos ser campeões e eu a achei dentro do campo! Foi incrível...
Marco Aurélio Klein: Ela vai para Atlanta?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Se você me perguntar agora onde está essa medalha, eu não sei.
[...]: Opa!
Marco Aurélio Klein: É mesmo? Melhor procurar.
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não, não. Já aconteceu o tri, o tetra, então não tem problema. Aí a superstição foi para outro setor.
Marco Aurélio Klein: O que você usa hoje?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Nada.
Alberto Helena Júnior: Fala a verdade, Zagallo!
Mário Jorge Lobo Zagallo: O protetor. Não, o protetor é a fé em Deus e...
[...]: Nenhuma camisa, nada?
Mário Jorge Lobo Zagallo: A camisa todo mundo sabe que é 13, não é?
Matinas Suzuki: O nosso telespectador Eduardo Alves, aqui de Osasco, lembra que você disse, antes da copa de 1994, que no futuro, o esquema de jogo seria 4-6-0, sem atacantes e se você pode explicar porque dizia isso naquela época. Também pegando uma carona aqui com o Eduardo, eu gostaria de saber o que mudou no futebol da Seleção de 1994 para essa Seleção que você está preparando para Atlanta, que tem estilos de jogo e um desenho tático bastante diferente uma da outra.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Quanto ao 4-6-0, eu falei: “Lá vem crítica, lá vem o retranqueiro”, porque eu acho que o futebol evolui, e eu considero o futebol brasileiro tecnicamente excepcional. No dia em que nós tivermos dois pontas-de-lança que tenham condições de retornar, aí é que fica o 4-6-0, quando a gente está sem a posse da bola...Porque hoje como é que nós estamos jogando? Vai lateral direito, vai lateral esquerdo, vai meia direita, vai o meia esquerda, já tem os dois enfiados, nós jogamos com 7. Mas, no retorno, ficam sempre dois lá na frente, perfeito, então o retorno desses dois é o que eu falei, o nosso time tem que jogar no 4-6-0. Uma equipe tem que saber se defender, não é só atacar; então o equilíbrio tem que existir. Se dois jogadores defensivos, na hora em que nós estamos sendo atacados, vierem para dentro do nosso campo para fechar o setor do adversário, você pode ter certeza que essa Seleção Brasileira, dificilmente, vai perder jogos.
Milton Abrúcio Júnior: Seria como a Holanda de 1974, Zagallo?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, a movimentação da Holanda é diferente, é totalmente diferente, assim como hoje nós estamos jogando diferente de 1994. O nosso 4-4-2, quando perdíamos a bola, era rígido. Hoje nós sentimos uma distribuição melhor na parte ofensiva. O time, como eu gosto de dizer, está sempre cheirando a que vai fazer gol. Você sabe que a Seleção Brasileira, a qualquer momento, pode fazer gol, e isso vem acontecendo em todos os jogos. Agora eu quero que essa Seleção também seja distribuída quando a posse da bola estiver com o adversário, ou seja, sem a posse da bola. Se ela tivesse dois pontas-de-lança que não jogassem parados, que viessem fazer a função de um lateral, do meia direita...por que os dois pontas não podem fazer? Por que eles só têm obrigação de fazer gols? Por que o lateral, cuja raiz é defender, vai jogar como ponta direita e ponta esquerda? Eu acho que tem que haver uma evolução dentro do futebol brasileiro, no sentido de melhoria tática e melhor desenvolvimuento com e sem a posse da bola. O futebol brasileiro ganharia muito mais se encontrasse jogadores com essa característica.
Roberto Muylaert: Você teria dito - porque saiu na imprensa, você pode não ter dito - que daqui para frente, pensando na Olimpíada, tem que ser um futebol de resultado e não o futebol-arte [futebol bonito, movimentado, evidenciando talentos individuais e jogadas elaboradas na equipe] que, no meu entender, é o que sua Seleção tem feito. Aliás, nós estamos numa fase fantástica de goleada, de futebol-arte extremamente efetivo como resultado. Então eu pergunto: com tudo isso que está acontecendo no futebol brasileiro, é o caso de voltar o futebol de resultados como vimos em 1994?
Mário Jorge Lobo Zagallo: O problema é que você fala o português claro e ele é deturpado...
Roberto Muylaert: Certo.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Jogar por resultado não tem nada a ver com retranca. Não tem nada a ver. Se a Seleção, desde que assumi, evoluiu nesse aspecto fazendo uma mudança númerica com 4-3-1-2...Quando eu falo na mudança, você não vai ver essa equipe nunca dentro de um 4-3-1-2, mas é só para chamar a atenção que existe um número 1 que vai ter que chegar mais à frente, completando como se fosse um ponta-de-lança, para destacar dos outros. Ele tem que ter uma habilidade, inteligência, saber jogar no meio campo, tem que ter discernimento...
Roberto Muylaert: [interrompendo] Preparo físico...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Para abrir jogadas tanto para a direita, para a esquerda, saber driblar, enfim, é um jogador inteligente que tem que jogar ali, não pode ser um que chegue só dentro da área e depois volte caminhando. Tem que ser um jogador que conheça a posição. Então as dificuldades são grandes para ter um jogador desse tipo. O Juninho foi um que preencheu esse quesito. Eu procurei uma posição para o Giovanni, que joga no Santos na meia esquerda. Mas a meia esquerda da Seleção Brasileira é totalmente diferente da meia esquerda do Santos. Então eu passei a pensar no Giovanni, ele é um jogador de alto nível técnico, sabe jogar, tem um bom biotipo, mas para jogar na Seleção, na meia esquerda, não dá. Um exemplo de jogador de meia esquerda é o Rivaldo, que chega na área, retorna, fecha o setor, faz uma dupla função...
[...]: E faz gol, não é?
[...]: É um avanço com relação a 1994. O Zinho voltava mais do que volta o Rivaldo.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Exatamente. O Rivaldo é um jogador alto, ele chega com a presença dele dentro da área, já muda uma situação. E ele sabe fazer gols também, ele fecha bem o setor. Lamentamos que ele esteja acima dos 23 anos, mas é um tipo de jogador que, por exemplo, o Giovanni não pode fazer essa função porque não é a dele. Então o que é que eu passei a pensar: o Giovanni fazer o 1 dentro da Seleção, que é a posição do Juninho, e ele jogou contra o Uruguai nessa posição e jogou muito bem, não teve tempo de preparo. O treinador tem dificuldades como pegar os jogadores dos clubes e encaixá-los dentro daquilo que você tem taticamente para realizar.
Alberto Helena Júnior: Mas eu quero fazer uma crítica a você...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Pode fazer, estou aqui para isso.
Alberto Helena Júnior: Desde 1972 até hoje, você é treinador e não sai do Rio de Janeiro para visitar, conhecer, acompanhar o treinamento dos jogadores nos estados, aqueles que fornecem jogadores a você...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Você está fazendo críticas aos que já morreram...
Alberto Helena Júnior: Não, a você.
Mário Jorge Lobo Zagallo: ...porque nenhum treinador vai ver treino nos clubes, nenhum. Aponte um!
Alberto Helena Júnior: Como nenhum? Como nenhum?
Mário Jorge Lobo Zagallo: O treinador sair para ver treino?
Alberto Helena Júnior: O Cláudio Coutinho [(1939-1981) treinador da Seleção Brasileira na década de 70] ia. Vinha aqui, via o treinamento, conversava com o técnico dos clubes.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Ele era teórico, eu sou prático.
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu tenho conhecimento de causa, é diferente.
Alberto Helena Júnior: Como teórico e prático? O que é isso?
Mário Jorge Lobo Zagallo: É diferente, é diferente.
Alberto Helena Júnior: Ele era prático. Ele era técnico da Seleção, foi técnico do Flamengo.
Mário Jorge Lobo Zagallo: A visão é outra, a visão é outra. Eu não preciso ver treinamento de campo. Eu tenho que ver jogo. Eu tenho um mapa, conheço todos os jogadores brasileiros, não tenho necessidade nem de ir ao estádio mais, pelo o que eu já sei, pelo trabalho de equipe que nós fazemos. Ninguém vence nada sozinho...Entre 1991 e 1994, Parreira [Carlos Alberto Parreira; técnico da Seleção em 1983, 1984, 1991 e de 2003 a 2006] e eu fomos aos estádios. Nós temos um mapa de todos os jogadores, os planos táticos feitos. Eu sei quem é quem. Quando você precisa ver plano tático, observar alguma coisa taticamente, você tem que ir no campo, agora para ver o jogador que você conhece, não há uma necessidade maior, a não ser que você tenha alguma dúvida.
Milton Abrúcio Júnior: Você tem uma equipe que vai aos estádios assistir aos jogos para você?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Quando eu necessito, vai.
Milton Abrúcio Júnior: Quem foi? Quem é a sua equipe?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não importa. É um trabalho de equipe...
[...]: Mistério.
Mário Jorge Lobo Zagallo: É um trabalho de equipe. Não, não é mistério, no futebol não há mistério. Mas a realidade é essa, não há necessidade. Quando você quer saber o plano tático de um time, aí é bom você ver, porque cada um tem uma maneira de analisar a coisa.
Alberto Helena Júnior: Mas não é só isso, Zagallo. É você saber como é o jogador por dentro, como ele é na intimidade. É um jogador que você não conhece ainda, que ainda não convocou. Por exemplo, quando convocou o Giovanni, você o colocou lá na frente e declarou que ele estava jogando no Santos, lá na frente, quando, na verdade, a função dele não era essa, ele vinha mais atrás...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Pois é, mas eu fiz isso sem saber, porque eu sentia a característica dele, convoco jogadores para ficarem...Um treinamento não vai me dizer nada, não vai me dizer. O que vai me dizer é o jogo, o jogo. Então, a crítica boa eu aceito, não tenha dúvida. Mas, não aceito aquela crítica de quando uma pessoa bate uma foto com um canhão, você de repente fecha o olho, aí dizem assim: “Estou dormindo". Aí a coisa pega fogo, porque eu tenho personalidade para falar, esse é o grande problema. A crítica eu vou aceitar sempre, mas a safadeza, não. E há um trabalho de equipe dentro da CBF. Há um trabalho vindo de baixo, de observação, de conversa, nós nos reunimos. Você vê o cara jogando, sabe quem é, está por dentro de tudo. Você pode estar certo de que há um critério. Mas, podemos errar, somos seres humanos.
Eduarda Luizelli: Com relação ao teu relacionamento com o atleta, tu dá liberdade de expressão para ele? Tu convocou, por exemplo, o Giovanni como ponta-de-lança, para ele jogar e se adaptar ao esquema da Seleção. Se ele chegasse para ti e dissesse que ali ele não jogaria bem, que ele se adaptaria de uma outra forma, tu aceita esse tipo de explanação do jogador?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Quando você convoca, você já sabe o que quer.
Eduarda Luizelli: Claro.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Se ele dissesse que ia jogar na meia esquerda, ele não poderia jogar porque não tem fôlego para fazer a função que o Rivaldo faz, por exemplo, no Palmeiras. Aí eu não estaria sendo inteligente...
Eduarda Luizelli: Mas tu conversaria com ele?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Claro, claro, eu vou conversar, não tenha dúvida. Às vezes, isso acontece. O Arilson, por exemplo, que estava péssimo porque estava na Seleção...
Milton Abrúcio Júnior: Eu queria aproveitar o caso do Arilson para fazer um questionamento sobre isso. Algumas pessoas apontam um “Q” de injustiça no caso do Arilson, pelo fato dele ter sido convocado do exterior e não ter ido sequer para o banco, ter sido um reserva que não tinha nenhuma chance de ser aproveitado. No entanto, ele acabou saindo da Seleção estigmatizado como uma espécie de traidor da pátria. Você mesmo já citou aqui que não atendeu a uma convocação sua em Helsinque, porque julgou conveniente não...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não, não. Eu nem cheguei a ser convocado. É totalmente diferente! Antes de acontecer, eu já estava profissionalizado. Quando chegou a época, que foi um ano depois, eu não tinha mais condição de ser chamado. Agora, o caso do Arilson, ele jogou toda a Copa Ouro [torneio oficial da Conmebol, disputado entre 1993 e 1996, pelos campeões da Copa Conmebol, Master da Suercopa, Supercopa Sul-Americana e Libertadores], era reserva, teve a oportunidade de jogar na Seleção todos os jogos da Copa Ouro.
Milton Abrúcio Júnior: Jogou mal até.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Jogou...Ele foi para a Alemanha, retornou, achando que o lugar era dele. Não é ele que se determina, quem determina é o comando, sempre vem de cima para baixo. Isso aconteceu até com o Romário dentro da Seleção...Bom, esse assunto vem depois.
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: E o problema do Arilson era ele achando que tinha que jogar. O Américo Faria, que é o nosso supervisor, passou duas horas conversando com o Arilson e ele premeditou a saída, porque esperou o dia da folga, pediu o passaporte, deixou a mala e foi embora, simplesmente fugiu. Então você acha que eu posso perdoar uma pessoa assim?
Helvídio Mattos: Ele está queimado na Seleção?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Comigo no comando, está! Eu não tenho raiva dele não, gente. Eu tenho... É a atitude, é a atitude. Se ele vier aqui, eu vou conversar com ele com a maior educação.
Alberto Helena Júnior: Zagallo, a propósito dessa questão da liberdade do jogador e tudo mais, a liberação do passe, hoje o mundo inteiro está discutindo isso, a Europa está acabando com o passe [no Brasil, isso foi regulamentado com a Lei Pelé, 1998]. E você foi um exemplo pioneiro, quando você estava no América [time do Rio de Janeiro], quando você começou sua carreira nunca teve o passe preso a um clube. Como é essa história? Conta para a gente.
Helvídio Mattos: [interrompendo] Deixa eu só emendar, Helena?
Alberto Helena Júnior: Claro.
Helvídio Mattos: E aí você, dono do passe, quando vendeu o passe para o Flamengo ou Botafogo, você comprou uma casa...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Comprei um apartamento.
Helvídio Mattos: Hipotecou a casa, aplicou o dinheiro.
Alberto Helena Júnior: E comprou o passe de volta.
Helvídio Mattos: E comprou o passe de volta.
Mário Jorge Lobo Zagallo: É, eu tive o passe livre. Primeiro, houve um engano, porque disseram que eu tinha passe livre, e depois:“ah,não pode fazer”, eu digo: “É o primeiro contrato, eu quero ficar com o passe livre”. Ingenuamente, assinei o contrato. Quando terminou, disseram: “Você está preso”. E eu: “Então, obrigado. Vou embora para minha casa, esquece futebol”.
Milton Abrúcio Júnior: Isso no Flamengo?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Isso no Flamengo. Aí vieram em casa, o passe ficou estipulado em 30 mil [réis], mas como naquela época tinha um teto de sete mil réis, quer dizer, se o clube depositasse esse valor, eu não poderia ir para outro clube. Depois, essa lei terminou e eu fiz uma proposta ao Flamengo, passando para cem mil o meu passe e a diferença ficaria para o Flamengo. Foi isso que aconteceu. E, como dizem que eu tenho uma estrela, fui campeão do mundo dia 29 de junho e, no dia 30, estava com o passe livre. Quer dizer, depositei os cem mil réis. Eu não queria sair do Flamengo, mas acabei vendendo o meu passe porque eu tinha que olhar para a minha família, meus filhos. Tive que fazer a minha independência naquela época.
Marco Aurélio Klein: E hoje, como você vê a mudança?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Depende. Eu não sei com que limite de idade o jogador vai ficar com o passe livre. Isso porque os clubes têm cinquenta, sessenta jogadores estudando, almoçando, jantando no clube...E no final, desses jogadores todos, surge um jogador para pagar todas essas despesas. Então, qual é o limite de idade?
Milton Abrúcio Júnior: O Pelé propõe 24 anos no projeto.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu acho até que é cedo, por exemplo, eu fui ter isso aos 27, 28 anos. Naquela época, eu achava que o jogador já tinha dado muito de si e poderia ter uma liberdade...
Matinas Suzuki: Zagallo, nós vamos fazer um rápido intervalinho e voltamos daqui a pouco com o segundo tempo da entrevista. Até já.
[intervalo]
Matinas Suzuki: Bem, nós voltamos com o Roda Viva, que hoje entrevista o técnico da Seleção Brasileira, Zagallo, que está se preparando para as Olimpíadas de Atlanta. Zagallo você, nesses anos todos, técnico, jogador de clube, jogador de Seleção Brasileira...poucos jogadores no mundo poderiam ostentar uma estante de troféus tão grande quanto você tem. Daria para dizer qual foi o momento de maior alegria e de maior tristeza que você já teve no futebol?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Olha, de maior alegria, eu não poderia citar só um. É difícil, porque a primeira foi a primeira, a segunda foi a segunda, a terceira foi o tri e a quarta foi o tetra!
Matinas Suzuki: E a quinta será maravilhosa.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Quer dizer, cada vez foi uma satisfação maior, mas sempre foi aquilo...Até eu brinco, foi inédita a primeira, foi inédita a segunda, foi inédita a terceira, foi inédita a quarta. Tudo isso mexe com o meu ego, porque eu sou muito emotivo e para você chegar a ter essa alegria toda, houve sofrimento como jogador, você ficar dentro de um quarto e pega a notícia, lê os cortes, está lá fulano, beltrano, sicrano e Zagallo. Quer dizer, você precisa ter muita força interior para poder ultrapassar isso tudo, existiu muito sofrimento. Mas, graças a Deus, eu sou um iluminado, não há dúvida.
Matinas Suzuki: Agora, um momento mais triste no futebol para você.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Mais triste? Eu vou até sair do Brasil, foi quando eu classifiquei a Seleção dos Emirados Árabes [1990], que nunca tinha conquistado título algum. Para mim, essa classificação para uma Copa do Mundo era um grande título, porque nem no Golfo Pérsico ela conseguiu vencer nada. Eu tinha o prêmio para receber e não me pagaram. Eu classifiquei, não participei e não recebi, quer dizer, é uma coisa difícil de acontecer. Ah, nunca mais vão se classificar para uma Copa do Mundo, isso vai ficar marcado! Os Emirados Árabes foi uma grande decepção, não com o país, mas com uma pessoa que fez com que isso acontecesse. Eu lamento o ocorrido, mas foi uma mágoa profunda.
Alberto Helena Júnior: Praga de Zagallo!
Roberto Muylaert: Quando o Matinas falou em tristeza, reparei que você citou a imprensa duas vezes. Eu quero só saber o seguinte: a imprensa te influencia muito? As críticas te atingem muito?
Mário Jorge Lobo Zagallo: A crítica que vai me ajudar é excelente, as injustiças, não. A perseguição, não.
Roberto Muylaert: Qual é o percentual das críticas que ajudam?
Mário Jorge Lobo Zagallo: É aquela que fala de um trabalho.
Roberto Muylaert: Sim, mas é a maioria? Como você vê a cobertura da imprensa?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não. A perseguição, as injustiças são minoria, apesar de persistentes, porque até hoje eu sei quem é quem. Eu tenho personalidade forte, mas converso com as pessoas que fizeram isso comigo, não sou mal educado, eu converso com elas. Eu sinto profundamente porque não era realidade, não foram verdadeiras. E quando uma crítica não é justa, ela não está te trazendo nada, não é benéfica. Se você chegar amanhã: “Zagallo, a Seleção não está bem, está faltando isso ou aquilo”, você está fazendo uma crítica a um trabalho, dentro daquilo que você viu, tudo bem. Qual é o problema? É uma análise sua, vou ver, é uma crítica válida.
Roberto Muylaert: Durante a Copa ou durante um campeonato, você lê bastante jornal ou procura ler menos?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, porque dentro de Copa do Mundo, estamos fora do país. Mas a gente sempre tem notícias das coisas que estão acontecendo.
Milton Abrúcio Júnior: Zagallo, eu queria aproveitar para lembrar um momento da Copa de 1994. Recentemente, no programa Cartão Verde, aqui da TV Cultura, o jogador Müller [jogador da Seleção Brasileira. Disputou as Copas do Mundo de 1986, 1990 e 1994] revelou o conteúdo da famosa conversa dele, quando foram feitas diversas leituras labiais, completamente divergentes do que ele falou. Ele se referia àquele episódio quando ele discutiu com o Parreira e, segundo ele contou, estava repreendendo-o porque poucos instantes antes, o Branco [jogador da Seleção Brasileira] tinha explodido e dito que quem tinha que substituir o Leonardo [jogador da Seleção Brasileira] naquele jogo contra os Estados Unidos era ele e não o Cafu [jogador de futebol que disputou quatro Copas do Mundo, tendo sido campeão em duas: 1994 e 2000. Recordista de jogos pela Seleção Brasileira com 148 partidas, é o único jogador na história a ter entrado em campo em três finais de Copa].
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, aí é que está o erro, leu labialmente o que foi dito e não era verdadeiro. Quer dizer, estão botando um jogador contra o treinador, que proveito tem isso?
Milton Abrúcio Júnior: Mas o problema era com o Branco, não é?
Helvídio Mattos: O Müller esclareceu agora.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Pois é, isso que eu estou dizendo. Se é uma coisa para somar, tudo bem. Não tem nada demais. Agora, vocês não podem, por exemplo, entrar na vida particular de um atleta, não tem nada a ver o trabalho com a vida particular do atleta.
Alberto Helena Júnior: Mas você perseguiu o Ademir da Guia [ex-jogador de futebol, considerado um dos maiores ídolos da história do Palmeiras, onde foi titular absoluto por mais de dezesseis anos. Foi convocado para a Seleção 14 vezes, mas só jogou uma partida, em 1974, na disputa pelo terceiro lugar, contra a Polônia] a vida inteira.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Em absoluto.
Alberto Helena Júnior: Perseguiu.
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: Em absoluto, em absoluto. Eu não sou de perseguir...
Alberto Helena Júnior: Olha, você chegou ao extremo, Zagallo, no jogo contra a Polônia, em 1974...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Isso. Você tem a memória igualzinha a minha.
Alberto Helena Júnior: O Ademir não ficava nem no banco. Na hora em que ele terminou de comer a quarta pêra, você bateu nas costas dele e falou: “Hoje você vai jogar”.Jogou um primeiro tempo impecável e no intervalo, você tirou ele.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Preste atenção, aí é que está o negócio...
Alberto Helena Júnior: Fale a verdade!
Mário Jorge Lobo Zagallo: Vocês fazem um julgamento: “Saiu o Ademir, injustiçado pelo Zagallo, um jogador de alto nível técnico”, só que ele pediu para sair e vocês não estão sabendo.
Alberto Helena Júnior: Eu perguntei a ele e a vários jogadores que estavam lá e eles disseram que você falou assim: "Está cansado, Ademir?”, e ele: “É...”. E você falou: “Então, sai”.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não, não. Ele levantou o braço para sair, é diferente. Falhou a tua memória aí, hein!
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: Falhou a tua memória.
Alberto Helena Júnior: Essa é uma informação nova.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não, não. Ele estava dentro de campo e, no intervalo, eu perguntei quem estava cansado e o Ademir levantou o braço.
Helvídio Mattos: Nas escalações, próximas às Copas do Mundo, era só Zagallo, Zagallo, Zagallo. Em 1958, em 1962...o que é isso? É praga do Zagallo?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não. É a inteligência do treinador, porque taticamente ele achou que a minha função dentro de campo ia favorecer a Seleção Brasileira. Eu pouco aparecia para o espectador, mas aparecia para a equipe. Dava um equilíbrio fazendo um terceiro homem no esquema tático, o que é importante dentro do futebol. É por isso que o [Vicente] Feola [(1909-1975) foi jogador e técnico da Seleção nas Copas de 1958 e 1966] preferiu colocar um ponta, que era diferente do Pepe [artilheiro do Santos, depois de Pelé, ganhou duas Copas do Mundo pela Seleção, 1958 e 1962], que jogava ofensivamente. Eu fazia essa dupla função.
Helvídio Mattos: Quando você aprendeu a exercer essa dupla função? Antes disso você era um ponta driblador.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Exatamente, um ponta driblador, mas eu joguei na meia esquerda do time juvenil do América...
Helvídio Mattos: Driblador também.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Também era. E tinha a condição nata, orgânica, de fôlego, já fazia esse "vai e vem".
Helvídio Mattos: Aqui cabe uma história Zagallo. É verdade que nos seus tempos de jogador do Flamengo, o técnico Manuel Solich [(1901-1984) Conhecido como "El Brujo", o técnico paraguaio comandou diversos times sul-americanos, entre eles o Flamengo] costumava marcar faltas quando você, nos treinos, começava a driblar?
Mário Jorge Lobo Zagallo: O Solich quis proibir o drible. Toda vez que eu pegava a bola e driblava, ele apitava falta contra. O que eu fiz? Sair do time? Vou fazer o que o homem quer. Então comecei a jogar com a cabeça, comecei a largar a bola, só nos momentos certos para um drible. Fui em frente e estou aqui hoje.
[risos]
Matinas Suzuki: Zagallo, o nosso telespectador Luiz Carlos Pattione, de Araçatuba, pergunta o seguinte: a que o senhor atribui os muitos gols que estão sendo marcados nos campeonatos estaduais e na própria Seleção? São os zagueiros que estão em má fase ou os atacantes estão mais técnicos?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu acho que há uma evolução muito grande dos jogadores, as características dos jogadores, a composição, não só dentro da Seleção como nos próprios clubes. O problema dos três pontos [nos campeonatos brasileiros, cada vitória corresponde a três pontos na classificação] já faz grande diferença. Isso fez com que os treinadores mudassem a forma de pensar e, conseqüentemente, os gols estão fluindo normalmente. Mas também é uma geração boa que o futebol brasileiro tem no momento.
Marco Aurélio Klein: Zagallo, sua estante de títulos está nivelada por cima, quer dizer, é o topo absoluto, que são os quatro títulos mundiais e uma série no Rio de Janeiro. Você ainda tem como desafio dirigir clube, depois da Copa de 1998, como um Corinthians, Atlético Mineiro, Palmeiras?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Depois de ser penta, não tem problema.
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: É claro que o futebol está dentro de mim. Eu tendo saúde eu não vejo problema. Agora, se você já não está mais com discernimento, não tem disposição...
Marco Aurélio Klein: Mas você tem essa vontade de dirigir [um clube] em São Paulo, por exemplo?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu vivo, eu vivo.
Alberto Helena Júnior: Você não ia dirigir a Portuguesa, logo depois de 1994?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu ia dirigir a Portuguesa, pela primeira vez eu vinha para São Paulo...
Helvídio Mattos: Por que nunca deu certo, Zagallo?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu nunca sai do Rio de Janeiro, quando eu saí do Rio de Janeiro foi para a Ásia. Quando eu vinha para São Paulo, na Portuguesa, houve simultaneamente um convite da Seleção. E eu aceitei.
[risos]
Milton Abrúcio Júnior: Como você analisa o momento atual do futebol carioca e do paulista? Na sua última convocação, só havia dois jogadores com condições de serem aproveitados, que são do Rio, o Sávio e o Beto. Os demais eram do futebol paulista ou de outros estados. Você acha que há uma superioridade do futebol paulista?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu não analiso nesse aspecto da superioridade. Eu analiso o jogador. Não importa onde ele esteja. Se aqui tem a maioria dos jogadores, eu vou convocar do Corinthians, do Palmeiras...
Milton Abrúcio Júnior: Mas isso tem algum significado...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não tem um problema, tudo é Brasil. Não há problema nesse aspecto. Eu vou convocar aquele que eu acho melhor, que encaixa dentro do esquema. Se aqui estão os melhores, vão ser daqui, se estivessem no Rio Grande do Sul, seria do Rio Grande do Sul, não importa. O importante é você estar com a sua consciência tranqüila de estar fazendo o melhor.
Milton Abrúcio Júnior: Eu queria voltar um pouco para a Olimpíada. Você tem assistido aos jogos de outras equipes? Você sabe quem serão os principais adversários do Brasil?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu, por enquanto, só conheço a bolinha 13.
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: A bolinha vai rodar dia 5 de maio, que é o sorteio para a Copa do Mundo. Ainda estão disputando a fase classificatória. Várias já foram classificadas.
Milton Abrúcio Júnior: França, Espanha, Itália, Hungria, Portugal, Argentina.
Matinas Suzuki: [interrompendo] A Argentina dá muito medo Zagallo?
Mário Jorge Lobo Zagallo: A Argentina é uma grande seleção. Eu acho que tem um potencial idêntico ao futebol brasileiro.
Marco Aurélio Klein: Você nunca perdeu para a Argentina, não é?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Nós temos que respeitar o futebol argentino, não tenha dúvida, é de alto nível técnico. Ganhamos. Já ganhamos deles lá dentro de 1 a 0...
Marco Aurélio Klein: Você nunca perdeu para a Argentina, não é?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não tive essa infelicidade.
[risos]
Roberto Muylaert: O fato de o Brasil e a Argentina terem times muito bons tem a ver também com as contratações da Europa, porque cada vez mais eles contratam gente com menos idade. O resultado é que os jogadores novos são lançados na fogueira até antes do tempo e, quando chegam na Seleção Olímpica, eles já estão maduros. Você concorda com essa tese?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Se nós analisarmos, o futebol europeu é melhor que o futebol da América do Sul. Não se iluda. Se você fizer uma fase classificatória, as dificuldades são muito maiores do que aqui. Aqui quando vamos disputar uma eliminatória, você já sabe que o Brasil está classificado, lá não. Lá sobra Holanda, sobra Inglaterra. As dificuldades são muito maiores do que aqui. Aqui você aponta o quê? É a Argentina e o Brasil, de vez em quando dá uma zebra.
Alberto Helena Júnior: O Brasil antigamente mandava tudo quanto era atacante para o exterior, eles viviam comprando atacante e o nosso futebol começou a encolher no número de gols, não se fazia gols e tal. Nos últimos tempos, nós temos exportado muito zagueiros, mas não atacantes. Começamos a fazer gol e os seus zagueiros...Deus do céu! Aquele pessoal que foi lá para o pré-olímpico, meu Deus! Nós não temos mais zagueiros no Brasil! Explique isso.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Você puxou um ponto interessante, porque todo mundo achou que os zagueiros brasileiros eram fracos...
Milton Abrúcio Júnior: Você mesmo ficou decepcionado com eles, não ficou?
Mário Jorge Lobo Zagallo: E eu tenho escutado lá nas mesas que se o Zagallo quer ser campeão olímpico, eu tenho que convocar o Bebeto e o Romário para a frente e trazer um outro jogador, isso eu tenho escutado. Quer dizer, se você for olhar o que aconteceu, é o inverso. Você tem que reforçar a defesa e convocar menos atacantes, dentro de uma lógica. Mas eu não respondo nada, eu fico só assistindo porque não posso fazer essas disparidades. O treinador não pode...
Alberto Helena Júnior: Mas há o problema da ausência do zagueiro já mais veterano, que serve de mestre, de apoio, para os jovens que estão surgindo. Está havendo esse problema com o futebol brasileiro, quer dizer, o jovem zagueiro chega e não tem apoio e, portanto, não tem as mesmas condições que teria se tivesse um veterano orientando-o?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Mas o que acontece? No futebol, aquele que não souber arrumar uma equipe atrás, está perdido. O futebol brasileiro, do meio campo para frente, está excelente com essa juventude, mas os clubes não querem promover os jovens de 18 anos como titulares, eles querem jogadores mais experientes para não haver essa vulnerabilidade. Isso porque você errar lá na frente é uma coisa, você errar aqui atrás é outra. Então existe esse problema da dificuldade de você pegar um jogador novo e colocá-lo equipe principal, de imediato. Você pode ver que muito jogadores novos apareceram e sumiram, dentro desse limite de idade até 23 anos. Aqui em São Paulo, no Rio Grande do Sul, no Rio, isso aconteceu. Eles querem jogadores maduros na defesa para não terem problemas.
Eduarda Luizelli: Zagallo...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Vamos lá, minha ponta-de-lança.
Eduarda Luizelli: [risos] Com qual idade o jogador atinge o seu amadurecimento, tanto técnico como físico? Quando ele se torna importante para uma equipe?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu acho que o jogador brasileiro está amadurecendo mais rápido hoje.
Matinas Suzuki: Também, joga todo dia...
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: De fato, é isso aí. É tanta competição... O jogador com 18, 19 anos, já está na equipe principal, eu com 18 anos estava no juvenil. Eu não saia do juvenil, tinha que esperar, porque as equipes quase não se modificavam, por vários anos.
Roberto Muylaert: E porque também a Europa não contratava.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Daqui a pouco você não sabe qual é a equipe! Estamos rodando mapas para ver os times. Há variadas escalações para cada campeonato. A coisa fica difícil.
Roberto Muylaert: Zagallo, o Pelé teria saído do Brasil com 17 anos e meio, se houvesse a situação econômica que existe hoje...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Graças a Deus, não teve.
Roberto Muylaert: Graças a Deus, o Brasil tinha mais dinheiro, a Europa tinha menos. Como é que a gente vai explicar para os ingleses, que pagaram uma fortuna pelo Juninho, que ele não está jogando grande coisa lá e cada vez que ele vem para cá, os ingleses assistem ao vídeo e tem gol olímpico, gol de placa? O que a gente vai dizer para eles?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eles têm que contratar o resto da Seleção Brasileira, tenho certeza absoluta. O problema não é o Juninho. O problema é lá.
Marco Aurélio Klein: Os outros dez jogadores.
Milton Abrúcio Júnior: Você falou do excesso de jogos. Se você fosse dirigente da CBF, quais os torneios que você cortaria?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Olha, isso tudo aí gera... comercialização. É difícil você estar dentro de uma direção e capar asc competições.
Milton Abrúcio Júnior: Tem que dar uma para cada televisão.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Infelizmente, a situação é essa, é a realidade, é a realidade, não vai mudar. O futebol não deixa de ser um comércio e cada competição tem o seu valor.
Matinas Suzuki: Das regras, o que você acha que ainda tem para ser mudado, o que poderia ser melhorado no futebol?
Mário Jorge Lobo Zagallo: A interpretação é que tem que ser mudada, porque não existe um critério com a mesma penalidade, com a mesma falta que o jogador faz, dentro de uma mesma partida. O jogador faz um carrinho é expulso, o jogador faz um carrinho, leva um [cartão] amarelo, o jogador dá um carrinho, não leva. Eu acho que tem que ser mais incisiva a coisa. Deu carrinho, é [cartão] vermelho. Acaba, acaba.
Matinas Suzuki: Mas os jogadores brasileiros estariam perdidos.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não só o brasileiro.
Matinas Suzuki Jr: Na Copa do Mundo, nós damos mais carrinhos que os outros.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não. Passará a não dar, vai se mais eficiente para nós. Nós temos a técnica. Quanto mais abolir a violência, melhor para o futebol brasileiro. A arte está conosco. Você dá um passe e o jogador vai lá e mão, rua [expulsão]. Rua, não é cartão amarelo. Se querem melhorar, é para cortar de vez. Não pode colocar a mão, não pode dar carrinho. Chegará um momento em que, no início, vai dar rua, daqui a pouco o jogador já assimilou a coisa, então todo mundo vai ficar mais livre, vai ficar mais solto, com toda a velocidade, com todo o preparo físico, mas vão sair mais jogadas.
Matinas Suzuki: O Roberto Ferraz, de São Paulo, pergunta: se fosse possível realizar um torneio com as seleções de 1958, 1962, 1970 e 1994, qual seria a campeã, qual seria a vice-campeã, qual ficaria em terceiro lugar e qual seria a quarta colocada?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Tragam-me um analista e um psicólogo, por favor, porque essa não dá para eu resolver.
[risos]
Alberto Helena Júnior: Ganhava a de 1982!
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não tem como fazer comparações, a diferença de movimentação é muito grande. Agora, se você botar todo mundo com o mesmo preparo físico, te garanto que aquela com mais potencial técnico, fatalmente, vai ganhar, porque onde há cobra, há craque, o futebol fica melhor, mais vistoso e eficiente.
Matinas Suzuki: Mas qual tinha mais craques?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Olha, eu fiquei tão satisfeito com as quatro, rapaz...
[risos]
Helvídio Mattos: Zagallo, você falou em gols que estão sendo marcados, especialmente no campeonato paulista e na Seleção Brasileira. Eu queria saber o que você achou daquele gol do Túlio, de calcanhar [refere-se ao lendário gol de calcanhar contra o Universidad do Chile, na Copa Libertadores de 1996, pelo Botafogo, marcado pelo atacante Túlio Maravilha. O gol causou polêmica e foi considerado ofensivo]?
Mário Jorge Lobo Zagallo: O gol do Túlio, de calcanhar, não foi deboche. Eu acho que ele pensou em fazer uma coisa diferente, porque todo mundo que faz um gol, faz alguma coisa para a televisão mostrar. Não foi deboche do Túlio.
Helvídio Mattos: Você não enxerga humilhação?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, não. Eu não enxergo por aí. Agora é evidente que o clima criado é para chegar lá e pegar o Túlio, é evidente que o interesse é esse. Mas não vi maldade.
Helvídio Mattos: E o "olé", é humilhante?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, o "olé" não são os jogadores que fazem. A torcida grita "olé" e o jogador segura a bola. É uma tática de jogo. Aí é que eu digo aquele negócio do resultado. Quem que perguntou se eu ia jogar pelo resultado?. Não, você não vai jogar pelo resultado, por exemplo, a França foi desclassificada para essa Copa que nós passamos, em casa, ganhando o jogo de Israel. Estava faltando um minuto pro final, o ponta-direita foi ao ataque, não tinha nada que fazer um cruzamento, tinha que saber segurar a bola, estava em cima da hora, ele cruzou, a bola caiu errada, roubada de bola, contra-ataque, gol de Israel, França eliminada. Isso é o que eu chamo de saber segurar, jogar com o resultado. Está ganhando de 1 a 0, vai tentar fazer 2, toma o gol do empate e vai ficar a ver navios. É isso que eu chamo de saber jogar sobre resultado.
[...]: Com "olé" e tudo.
Mário Jorge Lobo Zagallo: O "olé" é saber segurar a bola, botar o time adversário nervoso para você adquirir mais espaço e penetrar, é diferente. Não é deboche, não é deboche. É seriedade.
Matinas Suzuki: O Wanderley Luxemburgo [ver entrevista com o técnico Wanderley Luxemburgo no Roda Viva] tem defendido uma tese de que se está 3 a 0, jogue para frente, não dá "olé", não pare o jogo. A maneira de respeitar o adversário é enfiar quantos gols forem possíveis. O que você acha dessa tese?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Olha, eu acho que tudo é válido, tudo é valido. Se o time dele está bem, está ganhando, tudo bem. Agora o saber segurar a bola, poupar energia para um campeonato difícil, é mais importante do que você imprimir correria, correria, correria, tentando mais, se um jogo já está decidido. Claro que se está ali, é para fazer, se as oportunidades estão sendo criadas, é para fazer, mas você segurar uma bola, intencionalmente, para fazer o gol, é importante.
Matinas Suzuki: E qual sua avaliação sobre esse time do Palmeiras [Luxemburgo, na ocasião, era técnico do Palmeiras]?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu acho que está atravessando um grande momento. O Palmeiras buscou uma grande equipe, vendeu vários jogadores, achou que era o momento de fazer uma renovação, foi feliz nas contratações, o que faltava ao Palmeiras era a vinda de um ponta-de-lança enfiado, porque o time não tinha penetração dentro da grande área. O Luizão [atacante brasileiro que atuou em diversos clubes, após estreiar no Guarani], que já estava meio esquecido no Guarani... porque o time do Guarani se desmontou, e o Palmeiras acabou refazendo uma grande equipe. Agora é manter essa equipe, porque ela está numa superioridade.
Alberto Helena Júnior: Por falar no time do Guarani, você fez referencias muito elogiosas, inclusive chegou a convocar o Amoroso [junto com Luizão, formava eficiente dupla de ataque no Guarani] para a Seleção Brasileira. O que você está achando dele agora lá no Flamengo?
Mário Jorge Lobo Zagallo: O Amoroso está numa fase de recuperação, porque no Guarani ele ia ficar escondido. Foi uma visão inteligente do presidente do Guarani, passando para o Flamengo, o Flamengo é massa.
Alberto Helena Júnior: Ele não tem 23 anos, não é?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não, ele não tem 23 anos, mas está disputando com os outros. Quer dizer, ele vem de uma contusão muito séria e aí a coisa sempre fica mais difícil. Mas é um jogador que está provando que não está sentindo nada. Agora, para entrar numa competição com os outros, que estão inteiros ainda, tem que jogar mais para a gente fazer uma análise. Como eu disse, vão ficar vários jogadores de qualidade fora dessa convocação.
Milton Abrúcio Júnior: E o Ronaldinho [Ronaldo Fenômeno], você está contando com ele?
Mário Jorge Lobo Zagallo: O Ronaldinho está aí tentando se recuperar, é outro que a gente não sabe o que vai ocorrer. É um ponto de interrogação, é um ponto de interrogação. Eu não posso afirmar nada. Ele é um bom jogador? É, mas não posso afirmar nada.
Roberto Muylaert: Zagallo, falando um pouquinho sobre treinadores, alguns dos maiores treinadores do Brasil foram armadores, é o seu caso, caso do Telê Santana, que jogava parecido com você, recuado e tal. Enquanto isso, os grandes atacantes impetuosos dificilmente são grandes técnicos. Você tem alguma explicação para isso?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não. Você procurou um tema até interessante, porque eu acho que é a cabeça de cada um, porque o importante no técnico é você ter liderança, saber transmitir, fazer um treinamento, mostrar toda a tua vivência, ter visão de jogo.
Roberto Muylaert: O armador tem mais, não é?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Dentro de uma lógica, sim. Mas independente da posição, a pessoa não pode ser introvertida, tem que saber falar, o cara tem que soltar e dar a entender o que quer para os jogadores. Não adianta você ser um excelente jogador, se não sabe passar ao jogador aquilo que você realizou dentro de campo. O importante é o que o cérebro transmite e você passa, com simplicidade e que os jogadores entendam aquilo que você quer. Você fala teoricamente, mostra teoricamente, vai para dentro de campo, faz o treino tático e as coisas vão se ajustando dentro daquilo.
Marco Aurélio Klein: Nesse tema, Zagallo, na hora da preleção, naquela reunião antes do jogo, o que você prioriza: a questão tática ou o lado emocional e psicológico daquela partida com os jogadores?
Mário Jorge Lobo Zagallo: É evidente que o problema tático é fundamental, pelo que vai ocorrer, mas você abrange tudo que vai acontecer dentro do campo. O importante é você dar idéia, o que você quer, o jogador pegar aquilo. Depois que tiver dentro de um ritmo, até não é uma necessidade, mas como dentro da Seleção, o espaço é muito grande, então você tem que ficar sempre falando. Você fazendo isso tudo e, às vezes, as coisas não saem como você quer.
Milton Abrúcio Júnior: Zagallo, dentro de campo, muita gente tem a tese de que o Brasil precisa de um líder, como foi o Dunga [capitão da Seleção tetracampeã], por exemplo, em 1994. O Brasil vai ter um Dunga nas Olimpíadas?
Matinas Suzuki: Zagallo, o Milton está atropelando aqui, então vamos entrar na hora da verdade.
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu não poderia aqui dar um furo de reportagem...
Matinas Suzuki: Por que não?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Porque os três jogadores só serão ditos em julho e saíram já vários nomes, como se eu tivesse falado. Eu nunca falei em nomes, eu falei em posições, que seria defesa, meio campo e ataque.
Alberto Helena Júnior: Só que agora você sabe que são dois de defesa e um no ataque ou meio campo.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não. Pode acontecer...
[...]: É o mais provável hoje, não é?
Alberto Helena Júnior: Fale a verdade. Você não está falando em nomes, mas você está falando o óbvio.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não tem nada definido, não tem nada definido. Foi convocado para este jogo, para o outro, pode haver mudança. Nós vamos para um campo de observação nesses quatro jogos para chegar...
Alberto Helena Júnior: Vamos correr um risco...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não vamos, não.
Matinas Suzuki: Muitas perguntas de telespectadores aqui: Romário vai ou não para as Olimpíadas?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Ou Romário, ou Bebeto, ou Túlio, ou Viola, tem vários jogadores, o Marcelinho... Ainda não tem a do Marcelinho Carioca aí?
Matinas Suzuki: Calma.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Ah, ainda vem. São vários jogadores que poderão disputar uma posição e que eu vou decidir em julho, ainda não tem nada decidido.
Matinas Suzuki: Agora, vamos raciocinar, o Romário, que não é bobo nem nada, voltou aí, joga na hora certa e quando precisa. A diferença, eu acho, do Romário com os outros é que ele tem um peso muito mais forte do que os outros. O fato de o Brasil estar com o Romário ou estar sem Romário é algo que influencia o comportamento dos outros técnicos, dos jogadores das seleções adversárias, essa coisa. Então estando bem o Romário, estando todos em igualdade de condições técnicas, físicas, etc. Esse fator não pesa a favor do Romário?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Estará disputando em igualdade de condições a posição daqueles que estão acima de 23 anos. Tem o mesmo peso do Bebeto e do Túlio, que também são artilheiros, já têm uma experiência com o verde e amarelo. O problema de decisão, nós vamos empurrar para julho.
Matinas Suzuki: Zagallo, recorde absoluto do Roda Viva, desde que eu estou aqui há um ano, nunca houve tanto fax sobre o mesmo assunto! Não vou nem contar, vou tentar... Desculpem se ficar alguém de fora, mas são: Juliano, aqui de São Paulo; o José Raurse, de São Paulo; o Fernando, de Brasília; o Edson Carvalho, da Freguesia do Ó; a Zuleika, de Pompéia; o Eduardo Carvalho, da Penha; o Genebaldo Conceição, da Bahia....
Mário Jorge Lobo Zagallo: [interrompendo] Todos corintianos?
Matinas Suzuki: O Fernando, de Osasco; o Daniel Cerqueira, do Paraíso; o Neto Bandeira, de Itapetininga; o Renato Andrade, de Perdizes; o Sergio Marino, que se diz são paulino; o Pedro Luis, de São Paulo; o Adriano Leite Machado, de Pirituba; o Edson Oliveira, de Pirituba; o Fernando Evangelista, da Vila Mariana...
Mário Jorge Lobo Zagallo: Vai acabar o programa!
[risos]
Matinas Suzuki: Jean Mariano, de Itapevi; o Marcos Bacellari, do Jardim Antártica; a Eloi Franchesqui, de Osasco; o Marcos Chaves Marques, de Sorocaba; Carlos Alberto de Paulo, de Jaú; o Alexandre Gomes, de Sorocaba; a Eliane, de Higienópolis; o João Alexandre, de Presidente Prudente; o Fabrício Augusto Oliveira, de Santo André, enfim, muitos perguntam, por que não se convoca o Marcelinho Carioca?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Puxa, ele respondeu essas cartas todas?
Matinas Suzuki: Não. Você pode responder essas de uma vez só.
[risos]
Mário Jorge Lobo Zagallo: Ninguém é contra o Marcelinho. O Marcelinho está nessa faixa etária dos jogadores acima de 23 anos. O pré-olímpico, ele não poderia disputar. É o mesmo caso de Bebeto, de Túlio, Romário, Viola, Donizete. Então é uma disputa ingrata.
Matinas Suzuki: Mas, Zagallo, não te passa pela cabeça em uma falta da intermediária, que é um recurso valiosíssimo para qualquer time, ter o Marcelinho no time? Faltas acontecem, ainda mais em um time com craques e que está sujeito a receber também mais faltas. O Marcelinho, de cada cinco, três faltas cobradas, uma é gol. Não ajuda muito?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Olha, o problema de chutar e fazer gols, vamos ter vários jogadores com esse potencial. Claro que eu não vou aqui diminuir em nada o Marcelinho, é um excelente jogador, mas ele vai cair nesse contexto dos jogadores que estão acima de 23 anos.
Alberto Helena Júnior: Por que você nunca convocou o Marcelinho Carioca para a Seleção principal, antes desse negócio todo aí de 23 anos, esse grande pretexto?
Mário Jorge Lobo Zagallo: Porque, primeiro, eu aproveitei os jogadores que estavam participando da Copa do Mundo, dentro da Copa América, e como eu estava visando o pré-olímpico, eu chamei a maioria dos jogadores até 23 anos. Os jogadores que estavam fora dessa idade, de fato, foram prejudicados pela maneira que nós pensamos e que nós estávamos olhando o futebol brasileiro. Nós não poderíamos favorecer três ou quatro jogadores, em função de um trabalho nas Olimpíadas. Então, por que eu botava quase a metade da convocação de jogadores abaixo de 23 anos? Para, justamente, dar o prestígio de uma convocação, o verde e amarelo, à convivência com os mais experientes. Então, o Marcelinho ficou prejudicado nesse aspecto. O problema é por aí, eu não tenho nada contra ele, é um excelente jogador, torço que ele continue e fique na expectativa.
Matinas Suzuki: [dirige-se ao telespectador] Galera, o Marcelinho está na fila. Zagallo, infelizmente nós já estamos nos minutos de desconto. Por último, você seria capaz de escalar a seleção dos melhores jogadores de todos os tempos? Eu te dou o direito da ponta-esquerda estar com você.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Não. Eu tenho um ponto de vista que é uma escalação que não é verdadeira. Eu vejo as escalações: pegam um jogador de 1938, pegam um de 1994, pegam um de 1962, pegam um de 1968, não tem sentido. Você não está escalando realmente, não é a realidade. Ou então fazem a melhor seleção dentro de um papel. A melhor seleção é aquela que foi para dentro de campo, que jogou junto, aí sim. Então há uma dificuldade muito grande para eu escalar. Vou deixar nomes de fora e escalar uma equipe que não é a verdadeira.
Marco Aurélio Klein: Ele pode escalar quatro.
Mário Jorge Lobo Zagallo: Eu sou contra uma escalação de várias épocas.
Matinas Suzuki: Zagallo, eu agradeço muito a sua presença, desejo uma boa sorte para a Seleção, uma boa campanha em Atlanta. Gostaria muito de agradecer a presença dos nossos entrevistadores. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite. Até lá, uma boa noite para todos e uma ótima semana.