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Memória Roda Viva

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Zubin Metha

26/9/2005

Um dos mais aclamados regentes de orquestra sinfônica relembra sua história, fala dos grandes nomes da música erudita e da sua relação com os músicos e com os críticos

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[Programa gravado, não permitindo a participação de telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. Ele é referência mundial na música sinfônica, costuma juntar ação política aos seus concertos e lota os auditórios por onde passa com sua orquestra. Apaixonado pela música vienense, mas com repertório muito vasto, que vai de Bach aos compositores eruditos do século XX, é um nome de peso na regência contemporânea. O Roda Viva entrevista, esta noite, o maestro indiano Zubin Mehta, regente da Filarmônica de Israel, uma das mais importantes orquestras do mundo.

[Comentarista]: Zubin Mehta trocou o bisturi pela batuta. Aos dezessete anos em Bombaim, sua terra natal, na Índia, pensava em ser médico e chegou a iniciar os estudos, mas era filho de um violonista e maestro, e a influência paterna foi inevitável. Nascido e criado num ambiente musical, tomou outro rumo na vida ao decidir estudar música na lendária Academia de Viena. Sete anos depois, começava a carreira de regente, que o levaria a conduzir as mais importantes orquestras do mundo, a começar pela de Viena. Nos anos 1960 e 1970, foi diretor musical da Sinfônica de Montreal, Filarmônica de Los Angeles, e, em 1978, chegou à Filarmônica de Nova Iorque onde atuou como maestro durante 13 anos. Nesse período, Zubin Mehta também ocupou o cargo de conselheiro musical da Orquestra Filarmônica de Israel, da qual tornou-se diretor musical em 1977, e diretor musical vitalício a partir de 1981. Considerado um dos melhores intérpretes da grande literatura sinfônica, ele ajudou a dar a marca de excelência e de flexibilidade de repertório hoje ostentada pela Filarmônica de Israel.

Paulo Markun: Para entrevistar o maestro Zubin Mehta, nós convidamos o maestro João Carlos Martins; Enio Squeff, crítico musical; Norma Couri, repórter do Jornal do Brasil e correspondente da revista Visão, de Portugal; Salomão Schvartzman, apresentador do programa Diário da Manhã e Sábado Perfeito, os dois na Rádio Cultura-FM; o maestro Walter Lourenção; Vicente Adorno, editor internacional da TV Cultura e o maestro Júlio Medaglia. Nós também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa. Boa noite, maestro. Queria começar com o seguinte: o senhor tem essa atividade há quarenta anos, não é isso? As pessoas em geral costumam achar que atividades como a de um maestro, ou de um pintor, ou de um grande músico não tem rotina, não tem a repetição constante das coisas. Eu queria saber se isso é verdade, se quarenta anos depois, é como o senhor estivesse começando, tal como a gente imagina aqui da planície ou, se no fundo, esse tempo todo de prática da regência constrói uma rotina?

Zubin Mehta: Graças a Deus, não sei o que significa a palavra rotina. Graças a Deus, tenho uma orquestra como a Filarmônica de Israel, que não me permite cair na rotina. Às vezes, apresentamos um programa, como em Israel, por exemplo, pela oitava ou nona vez, e percebo que fiquei relaxado ou me desconcentrei, então sinto que os músicos me chamam de volta, dizendo: “Ajude-nos. Não nos deixe à deriva, não nos decepcione”. É um movimento perpétuo de dar e receber. É claro que a música que rejo, eu amo do fundo do coração. Minha única opção é estar presente a cada momento em que estou no palco.

Paulo Markun: E o fato de as apresentações de orquestras do porte de uma filarmônica ou de uma sinfônica serem momentos especiais, sobrevive num mundo tão eletrônico quanto o que a gente vive hoje em dia, em que tudo é gravado e tudo transmitido simultaneamente de um lado para o outro do planeta, via internet ou via televisão. Existe ainda – é uma pergunta antiga obviamente – espaço para essa situação insólita que são pessoas ouvindo instrumentistas tocarem uma música que, às vezes, tem trezentos anos, sentados num espaço comum?

Zubin Mehta: Graças a Deus, ainda temos vida ativa para os concertos em todo lugar. Alguns lugares como a Inglaterra e os EUA estão em crise de público, mas onde eu vivo agora, em Munique, Florença e Tel Aviv, não existe crise de público. Temos platéia cheia toda noite. E a vantagem de fazer música, para quem está ali atrás de você, não pode comparar-se com fazer gravações. Claro que fazemos gravações também, às vezes vamos contra nossos propósitos, mas, para mim, não há nada igual a uma apresentação ao vivo.

Norma Couri: Maestro, eu queria lhe perguntar se é possível, regendo uma orquestra filarmônica em Israel, não misturar arte e política. Se é possível a música ficar acima do que se passa naquela região, e se há alguns compositores banidos.

Zubin Mehta: Temos uma situação muito específica em Israel. Não há um membro sequer na orquestra que não tenha sido afetado pelo que acontece no país. Ou o próprio músico faz parte de uma unidade militar, ou seus filhos fazem, um está em Gaza, outro está nas colinas de Golã. Todos são afetados por isso todos os dias. Às vezes fazemos um concerto... Graças a Deus, agora temos uma certa calma mas, no ano passado, num concerto, no principal auditório de Tel Aviv, ouvimos muitas sirenes de ambulâncias. Haviam explodido um café que ficava a cinco minutos dali. Quarenta pessoas morreram. Convivemos com essa situação. Acho que está melhorando agora. Com a nova postura do governo israelense em Gaza, talvez... Internamente, discute-se muito em Israel, mas entre judeus e árabes, Deus queira que exista um pouco mais de sossego. Não estou falando de paz. Primeiro precisamos de sossego.

Norma Couri: E há algum compositor banido? Por exemplo: eu sei que o senhor gosta muito de [Richard] Strauss e do [Richard] Wagner. O senhor toca normalmente esses compositores ou há algum problema?

Enio Squeff: Eu só queria juntar, Norma, o seguinte: eu conversei com o maestro há uns anos atrás e lhe perguntei exatamente isso. Há uns anos atrás nós conversamos, e a questão que eu lhe coloquei foi exatamente essa, de um interdito não escrito quanto à execução de Richard Wagner especialmente, e a ligação do Richard Wagner com a questão do anti-semitismo, e tudo isso. Se Wagner, enfim, está sendo tocado em Israel? Eu acho que é isso que a Norma queria perguntar, e quando se deu isso, se é que se deu?

Zubin Mehta: Entendo muito bem a pergunta da senhora Couri. Não tocamos Wagner hoje em dia. Tocamos Richard Strauss há dez anos sem problema. Até 1994, não tocávamos Richard Strauss também, por causa de seu contato pessoal com o Partido Nazista, embora ele não tenha sido nazista e sua obra fosse sempre interpretada. Richard Strauss nunca colaborou com algum libretista dos nazistas e não compôs, até a sua morte, nenhuma ópera germânica em seus últimos anos. Ainda não tocamos Wagner, porque ainda há muita gente com números nos braços em Israel. Essas pessoas são consideradas sagradas, são os últimos heróis verdadeiros e não queremos insultá-las. Tentei tocar Wagner uma vez, em 1981, porque achei que, sendo [Israel] a única democracia no Oriente Médio, deveríamos poder tocar. Teoricamente, eu tinha razão, mas não considerei os sentimentos dessas pessoas, para quem Wagner, que eles ouviam nos campos de concentração, as faria reviver aquilo. Dirigir um Mercedes-Benz não as faz reviver o fato tanto quanto a música. A música faz um transporte diferente a uma situação emocional. Precisamos ter paciência.

Walter Lourenção: Eu gostaria de perguntar ao maestro sobre aquele concerto da Filarmônica de Israel e a Filarmônica de Berlim juntas em um único concerto quando o senhor também regeu. Como foi aquele relacionamento entre os músicos, e dos músicos com relação à cidade e ao país?

Zubin Mehta: A relação foi maravilhosa. Para começar, tocamos na Alemanha desde 1971. Foi a primeira vez que fomos. Houve um certo trauma na época; deveríamos ir ou não? Dos 115 músicos, apenas dois preferiram ficar em casa. Com os outros, abrimos o Festival de Berlim em 1971. Nossos solistas foram: Daniel Barenboim [maestro argentino naturalizado israelense, é um dos maiores nomes da música erudita atual] e [Dietrich] Fischer-Dieskau [cantor (barítono) e maestro], um solista israelense e um alemão. No final do concerto, no qual tocamos a 1ª Sinfonia de [Gustav] Mahler, quando tocamos o Hatikva [hino nacional de Israel] no bis, todo o público se levantou e muitos estavam chorando. É aquilo que descrevi antes, o que a música faz com as pessoas. Desde então não houve problemas. Nos anos 90, a Filarmônica de Berlim foi a Israel, e fizemos um concerto simbólico juntos, no qual os músicos usavam roupas brancas e pretas, para que pudéssemos diferenciar quem era quem. Eles tocaram como se fossem irmãos. Os músicos são assim.

[...]: Temos a fita aqui.

Zubin Mehta: Tocamos a 5ª de Beethoven, e foi como se eles tivessem tocado juntos a vida toda. Claro que o fato de eu conhecer as duas orquestras ajudou. Se eu não conhecesse uma delas, talvez não ficasse tão à vontade.

Salomão Schvartzman: Maestro, eu queria, na seqüência da Norma, do Squeff, dizer que esta semana ocorreu em São Paulo um fenômeno musical mais raro que a passagem do cometa Halley [visível no céu a cada 76 anos, aproximadamente] . Zubin Mehta e Daniel Barenboim regendo um dia depois do outro. Eu sei da sua ligação com Barenboim, com a Jacqueline du Pré [violoncelista inglesa, foi casada com Barenboim], aliás, há um vídeo interessante onde o senhor aparece no quinteto A truta, de [Franz] Schubert, tocando contra-baixo, uma coisa extraordinária. Mas, de repente, tem a orquestra de árabes, de palestinos e judeus tocando anteontem na Sala São Paulo aqui. Do ponto de vista musical, do ponto de vista político, como o senhor analisa essa orquestra formada por judeus e palestinos?

Zubin Mehta: Como eu disse, se judeus e alemães podem tocar juntos, tendo uma história muito mais beligerante, judeus e palestinos também podem tocar juntos, ou judeus e árabes, não há problemas. Meu maior sonho é levar a Filarmônica de Israel ao Cairo, a Amã, a Damasco, talvez a Bagdá também um dia. Na verdade, recebi um convite de Bagdá para reger a orquestra de câmara e quero muito ir, mas minha mulher é totalmente contra [risos]. O que Daniel Barenboim está fazendo é maravilhoso, e embora eu saiba que, nos momentos de recesso, como os jovens moram juntos durante os ensaios, eles discutem muito e tudo mais, mas sentam juntos e tocam sob um único comando, claro, com autoridade, e com isso eles tocam música. Certamente o concerto foi maravilhoso.

Salomão Schvartzman: E o senhor sabe que com relação a Wagner, os judeus pensam isso também... toda vez que se ouve Wagner, se tem vontade de invadir a Polônia. [risos]

Zubin Mehta: Os alemães invadiram a Polônia. Acho que Israel não quer invadir a Polônia.

Salomão Schvartzman: Não, não, não. [risos]

Zubin Mehta: Não arrume mais problemas para os israelenses. Eles precisam ir para Gaza na semana que vem.

Vicente Adorno: Maestro, o senhor está fazendo um trabalho muito interessante com essa aproximação de músicos de Israel e músicos palestinos e de alemães também, e o senhor tem uma história muito longa com o Estado de Israel. Como é que foi que o senhor foi para lá e se decidiu a trabalhar lá? Parece uma história muito interessante.

Zubin Mehta: Foi mera coincidência. Eu estava em Viena, sem trabalho, estava com a minha família e tinha acabado de receber meu diploma. Tinha passado um ano em Liverpool como assistente e estava com poucos concertos. Recebi um telegrama que dizia “Gostaríamos de convidá-lo”, e estava assinado Pal Phil Orch. Eu nem sabia que orquestra era. Isso foi em 1961, eles ainda não tinham mudado o endereço telegráfico. O nome ainda era Palestine Philharmonic Orchestra. Perguntei o que era, soube que era a Filarmônica de Israel. Eu estava livre, claro, e o problema era que o famoso regente, Eugene Ormandy, estava doente, eles precisavam de alguém. Em Israel, sempre convidamos pessoas para fazer pelo menos 15 concertos. Achar alguém de última hora para fazer 15 concertos e os ensaios não era fácil, a menos que fosse alguém sem nada para fazer. Eu fui, e foi amor à primeira vista. Nós imediatamente nos entendemos musicalmente.

Vicente Adorno: Mas além dessa feliz coincidência, o que o senhor sentiu nos músicos israelenses que o fez tomar um amor tão evidente por esse trabalho?

Zubin Mehta: Para começar, eu tinha saído de Bombaim, onde nasci, sete anos antes disso. Eu só tinha ido a Viena e algumas vezes à Inglaterra para visitar meus pais. Assim que aterrissei em Tel Aviv e vi toda aquela confusão, que faz parte da personalidade das pessoas de lá, aquela confusão nas ruas, eu me senti em casa, senti que estava em Bombaim de novo. Mesmo antes do primeiro ensaio, eu me senti muito bem lá. Eu estava com os pais de Daniel Barenboim, fomos caminhar na rua Dizengoff [em Tel Aviv], e eu disse: “É como estar em casa”. Na manhã seguinte, aconteceu o ensaio. Logo depois do intervalo do ensaio, quando voltei, a orquestra estava aplaudindo. Foi uma surpresa para mim. Eles logo perceberam que estávamos falando a mesma língua. Eu regi meus 13 concertos, e eles me convidaram de novo.

Vicente Adorno: E esse amor à primeira vista está durando até hoje?

Zubin Mehta: Sim, foi isso. Eu lembro que depois do concerto houve uma festa e o primeiro violino, que era o chefe, porque era uma orquestra de cooperativa, disse: “O senhor Mehta e a orquestra têm a mesma idade”. Eu também nasci em 1936, e [Arturo] Toscanini [(1867-1957), maestro italiano, é considerado como o maior regente de orquestra por críticos e músicos. Sua carreira como maestro teria começado por acaso e no Brasil, quando aos 19 anos, em 1885, ele participava de uma turnê como violoncelista, e o dirigente abandonou a orquestra no Rio de Janeiro, à qual Toscanini então regeu] regeu o primeiro concerto deles em 1936. Como tínhamos a mesma idade, íamos comemorar 50 anos juntos. Eles já estavam me convidando para mais 25 anos. Foi o que aconteceu.

João Carlos Martins: Maestro, quando eu fiz a inauguração do Glenn Gould Memorial, em Toronto, acabei estabelecendo uma boa relação com Emil Gilels e com Yehudi Menuhin [(1916-1999), norte-americano, naturalizado suiço, é considerado o violinista mais famoso do mundo] e, um mês depois, em Londres, em um jantar com o Menuhin e com Gilels, este falou que talvez, pela sua qualidade como contra-baixista, e na opinião dele, ninguém acompanhava um solista como você, com a clareza para acompanhar um solista. E aí eles falaram que você é conhecido pelo grande repertório romântico, mas que no fundo, o seu fraseado é um dos mais elegantes para o repertório de Mozart e para o barroco com o qual muitas pessoas, em outros países, não são familiarizadas. Qual é a sua relação hoje com o barroco e com... Eu sei que você está regendo Mozart aqui, então eles falaram que era um dos fraseados mais elegantes era o seu, no classicismo. E no barroco? Como é que hoje está sua relação com o barroco? Bach?

Zubin Mehta: Vou dizer uma coisa. Eu cresci em Viena, que, na época, não era uma cidade especializada em Bach. O repertório em Viena ia de Haydn a Schönberg. Esse é o meu grande amor. Eu nunca mergulhei no universo de Bach como fiz com as missas de Haydn e Mozart e claro, as sinfonias e tudo mais. Gostaria que o senhor Gilels tivesse me dito ele mesmo todas essas coisas maravilhosas. Tivemos uma relação muito boa.

João Carlos Martins: Mais uma pergunta. Você acha que a música está ajudando Israel com a Palestina. Você acha que a música pode ter esse mesmo efeito na relação Índia Paquistão?

Zubin Mehta: [risos] A Índia e o Paquistão são muito próximos hoje, não por causa da música, mas do críquete. [risos] Na verdade, quando eles jogam críquete, eu não desgrudo da televisão. É a única vez em que torço para a Índia, claro, mas se o Paquistão joga contra a Inglaterra, torço para o Paquistão, porque somos um só povo. Acho que somos um só povo. Os ingleses não deveriam ter dividido nossos países. Falamos quase a mesma língua, comemos quase a mesma comida. Os paquistaneses são amigos, a meu ver. Há um ótimo contato musical também. Os ghazals [modalidade de música clássica indiana] ou as canções do norte são cantadas por ambos os povos. Os filmes indianos são muito populares no Paquistão. Na verdade, recentemente, uma atriz paquistanesa beijou um ator indiano, e foi um escândalo no Paquistão, porque alguns religiosos não querem mais vê-la. Também entre os israelenses e os palestinos, estamos nos esforçando para unir os dois com a música. Temos um grupo em nossa orquestra no qual músicos da Filarmônica de Israel e árabes israelenses, os que são [cidadãos] israelenses, tocam juntos, fazem turnês. Fizeram uma turnê nos EUA, tocaram no Carnegie Hall. Isso é saudável. Começou em escala pequena. Há duas semanas, em Israel, toquei a 9ª de Beethoven num kibutz onde havia três mil israelenses e quatrocentos árabes. Os quatrocentos árabes compraram ingressos para o concerto. Não foi grátis. Só foi grátis para as crianças árabes. Foram cem crianças árabes. Tínhamos quinhentos árabes israelenses lá, e eles queriam mais ingressos, mas estavam esgotados. Não achamos que tanta gente compraria ingressos. Vamos fazer isso de novo no ano que vem.

Walter Lourenção: Maestro, eu tive o prazer de ouvi-lo pela primeira vez num concerto em 1974, em Los Angeles, mas o tempo passou, acompanhei sua longa carreira, e lembro bem da diferença, da amizade que o maestro Eleazar de Carvalho dedicava à sua pessoa, pela sua competência, pelo seu repertório e pelo senhor como pessoa também, que ele admirava muito, com muito afeto. Mas eu quero lhe fazer uma pergunta que não é técnica. O senhor mencionou de passagem sua esposa, o Adorno mencionou o amor à primeira vista pela orquestra de Israel. Eu queria lhe perguntar em nome de nossas telespectadoras, se a mulher tem um papel importante na sua vida e na sua carreira, desde a sua mãe até sua esposa?

Zubin Mehta: Claro. Minha mulher é uma grande influência na minha vida para me fazer pôr os pés no chão, às vezes, quando fico, digamos, rodeado de borboletas após um concerto. Minha mulher é uma pessoa sólida, e minha mãe também era. Minha mãe apoiou meu pai em sua carreira. Meu pai morreu aos 94 anos e regeu seu último concerto aos 92. Minha mãe estava sempre com ele, na Índia, na Inglaterra, em Los Angeles. Meu pai regeu uma orquestra de jovens por 35 anos, e ela sabia exatamente o que acontecia em cada ensaio. Meu pai contava, ela lhe dava conselhos e cobrava dos alunos: “Por que você não foi ao ensaio? Meu marido está muito bravo, quer que você vá ao próximo”. Minha mulher não se envolve tanto na minha vida, porque é tudo mais profissional, não preciso desse tipo de ajuda em casa, mas ela me acompanha nas turnês e me dá muito apoio em todos os sentidos. E ela planeja as férias, o que é muito importante. Antes da minha mulher, eu não tinha férias. Minhas férias, de certa forma, são no palco também. Às vezes, minha mulher planeja férias que são tão cansativas que, ao voltar para o palco, finalmente me sinto numa praia.  [risos]

Paulo Markun: Maestro, nós temos uma pergunta de Oswaldinho da Cuíca, gravada em VT, vamos ver.

[VT de Oswaldinho da Cuíca, sambista]: Alô, maestro. Primeiro é uma honra muito grande ter esta oportunidade, e segundo dizer que hoje é um dia de festa para o meu coração. Quero fazer uma pergunta rápido, dois em um. Primeiro, pela sua grande experiência pela andança no universo da música, se vai ter chance e oportunidade de o senhor conhecer o ritmo regional do Brasil, que é um dos mais ricos do mundo. E segundo, agora quero prestar a minha homenagem para esse balet magnífico de Israel. [Começa a tocar uma música pitoresca de Israel na cuíca)

Paulo Markun: E o senhor teve oportunidade de conhecer a música brasileira?

Zubin Mehta: Sim, claro. A vida toda. Isso que ele tocou é usado às vezes na orquestra, com um som diferente. Chama-se rugido de leão. Edgard Varèse usa esse instrumento também.

[Comentarista]: A orquestra Filarmônica de Israel foi fundada em Tel Aviv em 1936 e, desde o seu início, reuniu grandes instrumentistas. A maioria vinha de orquestras alemãs e do leste europeu, de onde foram expulsos na fase de ascensão do nazismo, e migraram para a Palestina convidados por um violinista judeu-polonês que, assim, formou a chamada Orquestra Palestina. Com a independência de Israel em 1948, a Orquestra Palestina passou a ser denominada Orquestra Filarmônica de Israel e, rapidamente, transformou-se numa das melhores do mundo e numa das mais importantes instituições culturais israelenses.

Paulo Markun: Maestro, durante anos, o senhor fez uma atividade que eu não consigo imaginar como era possível: reger duas orquestras, uma em Nova Iorque e outra em Israel. Eu li em algum lugar que o senhor se dividia quatro meses por ano em cada uma, mas imagino que não eram quatro meses seguidos. Como é que era sua rotina nessa época?

Zubin Mehta: Eu costumo passar seis semanas com cada grupo. Hoje eu comando três.

Paulo Markun: Ah! Melhorou então? [risos]

Zubin Mehta: A Ópera de Munique, por cinco meses; a Filarmônica de Israel, por dois meses e meio; e um mês em turnê. Então são três meses e meio com a Filarmônica de Israel. Também em Florença [Itália], no [Teatro del] Maggio [Musicale] Fiorentino, por dois meses ao ano.

Paulo Markun: E nos intervalos o senhor deixa um assistente em cada uma dessas localidades?

Zubin Mehta: Não, quando não estou, temos regentes convidados, que são... Procuramos conseguir os melhores regentes para cada orquestra.

Paulo Markun: Eu não entendo de música obviamente, mas a sensação que eu tenho, que é algo parecido, que eu consigo entender, é como um cozinheiro de um grande restaurante – se é que não é grosseira a imagem – no sentido de que se utilizam muitos ingredientes diferentes, no caso de uma orquestra, pessoas, com todas as suas complicações, como é que alguém que passa seis semanas, ou oito semanas, e dá o seu tempero, consegue fazer com que isso volte a acontecer novamente dali a algum tempo?

Zubin Mehta: É uma pergunta muito boa. Se os regentes convidados não são de alto nível durante a minha ausência, quando eu volto encontro a orquestra, não em nível mais baixo, mas uma certa anarquia toma conta. As pessoas fazem o que querem, não têm disciplina musical, mas em alguns ensaios recuperamos isso. Se os convidados forem daqueles que eu respeito, volto e encontro a orquestra tocando muito bem. Isso acontece principalmente na Casa de Ópera de Munique, porque são muitos regentes. Em Munique, temos apresentações todas as noites. De 15 de setembro a 15 de junho, exceto no Natal, ou em um ou dois dias, todas as noites há apresentações. A orquestra precisa ter muita responsabilidade para manter o padrão alto.

Norma Couri: Maestro, o senhor está rodeado por especialistas e críticos de música erudita. Qual é a sua relação com os críticos e com a crítica?

Zubin Mehta: Basicamente, eu procuro não ter relação nenhuma com eles, para não haver influência da minha parte ou da parte deles. Às vezes, se eles quiserem ver um ensaio, são bem-vindos. Eu fico surpreso, ao reger uma música nova, se os críticos não quiserem ir ao ensaio. Às vezes, a música é tão complicada que, se eu ouvisse pela primeira vez, não saberia o que dizer. Não sei como eles podem ir a uma única apresentação e escrever uma análise detalhada da obra. Fico me perguntando. Caso contrário... Basicamente, é melhor não ter relações pessoais amigáveis com eles. Não é saudável.

Norma Couri: Mas o senhor gosta das críticas em geral?

Zubin Mehta: Eu as leio. Se eu aprender alguma coisa, quer estejam corretas ou erradas, eu respeito. Não tenho queixas neste momento da minha vida. Quando estava em Nova Iorque, tive dificuldades com eles. Eu não os conhecia pessoalmente também.

Norma Couri: Mas por quê, Mehta?

Zubin Mehta: Não sei ao certo, porque nunca falei com eles. [risos] Alguns me diziam... Nova Iorque tem apenas um jornal, basicamente, que é respeitado, sobretudo no sentido artístico. Eles têm quatro ou cinco senhores que escrevem, e um queria mostrar ao outro até que ponto podia falar mal de mim. [risos] “Você escreveu falando mal dele? Espere até a semana que vem. Vou mostrar a você.” Alguém me disse isso na minha própria organização. Eu não os influenciava e não tentava conhecê-los. Na Europa sou tratado com justiça. Se eles gostam ou não gostam, tudo bem. Em Israel é a mesma coisa.

Salomão Schvartzman: Maestro, não leve em conta os críticos, porque nenhum crítico ainda mereceu uma estátua, assim tão importante. Mas, eu tenho observando as suas mãos, desde que o programa começou, e me lembro que, há 15 dias atrás, Kurt Mazur regia a Filarmônica de São Paulo sem usar batuta, ele regeu com as mãos. Eu lhe pergunto se a batuta é um instrumento de domínio perfeitamente dispensável.

Zubin Mehta: Não consigo reger sem a batuta, porque é uma extensão da minha mão. Eu sou regente de Wagner, basicamente, costumo reger o ciclo [de óperas] de O Anel [do Nibelungo] e não me imagino regendo O crepúsculo dos deuses sem a batuta. Eu ficaria paralisado ao final da apresentação. O primeiro ato tem duas horas. [risos] Só isso. No mês que vem, vou fazer uma turnê no Japão, com a Bayerische Staatsoper, a Ópera da Baviera. Vamos fazer Tannhäuser numa noite e Os mestres cantores [de Nuremberg] na noite seguinte. A batuta trabalha bastante por mim. É o punho que trabalha muitas vezes. Muitas vezes usamos as duas mãos. Não há uma lei para isso, não há uma tática, mas muitas vezes a orquestra fica contente quando o regente fica quietinho e deixa que eles toquem. [Todas as obras citadas são de Richard Wagner]

Júlio Medaglia: A propósito de regência e de batuta, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a sua experiência em Viena com os professores com quem o senhor esteve lá, e já que os centro-europeus têm uma mente um pouco mais organizada, que construíram a técnica de regência... Qual foi a sua experiência de estudo lá, e se o senhor hoje está transferindo toda a sua experiência a uma nova geração, e se existe uma nova geração. O senhor gosta de dar aulas, por exemplo?

Zubin Mehta: Claro, existe uma nova geração de muito talento, e sempre haverá. Reger é uma profissão mística, é vista superficialmente como um trabalho fácil e, mesmo assim, são poucos os bons regentes. Não dá para responder essa pergunta. O tempo que passei em Viena foi indispensável para mim, e meu professor, Hans Swarowsky, me deu a disciplina que carrego comigo até hoje. Hoje vou reger a Sinfonia Júpiter, de Mozart, com a mesma disciplina que aprendi com ele. Após o intervalo, vamos fazer uma sinfonia de Mahler, que tem a mesma forma da Júpiter, mas é mais longa. Não há diferença real. Isso se aprende em Viena, como desenhar com nitidez o círculo. Então você pode variar, pode “dançar” ao redor disso, mas a técnica básica, a clareza básica... É o músico da orquestra que está fazendo a música, ele deve sentir uma tranqüilidade interna, e o regente dá essa tranqüilidade para que ele toque, interprete e possa confiar no homem diante dele, para conduzi-lo quando for necessário. Isso eu aprendi em Viena.

Júlio Medaglia: O senhor dá aulas?

Zubin Mehta: Não.

Júlio Medaglia: Não passa a sua experiência para outro?

Zubin Mehta: Se estudantes vão aos ensaios, para me fazer perguntas e tudo mais, tudo bem, mas não tenho tempo para isso.

Enio Squeff: Maestro, há alguns anos atrás eu perguntei ao maestro Eleazar de Carvalho sobre algumas músicas que o encantavam em um determinado momento. O senhor é intérprete, e há quarenta anos atrás, tinha alguns compositores preferidos. Houve alteração ao longo desses anos? E se houve, qual o compositor que o senhor, lá naquele período, gostava e que hoje gosta menos ou, o contrário, quem o senhor talvez não apreciasse tanto e que hoje lhe parece muito importante?

Zubin Mehta: Com certeza, minha paixão pela escola vienense de música não diminuiu. Com isso quero dizer, como já falei antes, de Haydn até Alban Berg e [Anton] Webern. Essas escolas compõem 80% do meu repertório. Adoro reger música francesa, faço um pouco de música russa, adoro [Igor] Stravinsky, mas não costumo reger [Dmitri] Shostakovich ou [Sergei] Prokofiev. Eu rejo, mas não muito. Rejo quase tudo que Stravinsky compôs, é a minha preferência. Mas, ao compor a temporada como diretor musical, incentivo os regentes convidados a reger mais Shostakovich, Prokofiev, Florent Schmitt ou compositores ingleses que não gosto de reger. Gosto muito de [Edward William] Elgar, mas não me agrada muito [Ralph] Vaughan Williams. É uma questão pessoal, não é uma crítica. Se alguém quiser reger a Sinfonia Antártica, de Vaughan Williams, eu direi: “fique à vontade”. A temporada e o público precisam de um cardápio balanceado ao longo do ano. Meu repertório, a minha paixão, e também aquilo de que meus regentes convidados gostam.

Enio Squeff: Eu perguntei ao maestro Eleazar de Carvalho em uma ocasião: “existe algum compositor a que o senhor tem que voltar constantemente para ter um equilíbrio, para voltar a ter um ânimo novo? E ele me disse: “Sim”. Eu disse: “quem?”. E ele me disse: “Beethoven.”. O senhor tem algum compositor que o reanima, digamos assim, com o qual o senhor retorna ao seu estado de plenitude como intérprete?

Zubin Mehta: Para começar, Eleazar foi um grande amigo meu, eu gostava muito dele. Foi meu professor por um semestre no [Festival de] Tanglewood, em 1958. Ele me ensinou a Sinfonia de Câmara de Schönberg, uma das obras-primas do século XX, e carrego isso comigo pela vida toda. Eu queria tocá-la aqui na última vez que viemos, em 2001, em homenagem a ele, mas o organizador não quis. Sinto falta dele. Sempre que eu vinha, nós jantávamos juntos. Era um homem maravilhoso. Quanto a revisitar um compositor, para mim é [Louis Hector] Berlioz. Não estudei Berlioz em Viena, e era como uma montanha no horizonte que eu precisava escalar. Há pouco tempo, fiz As troianas, e foi uma descoberta para mim. Ele é um mestre, um gigante que foi negligenciado. Como eu disse antes, na Itália sempre tivemos casa cheia, exceto quando tocamos Berlioz. Ninguém compareceu. Os italianos não acreditaram que teriam paciência para ouvir uma ópera de seis horas. Ensaiamos seis semanas, e tínhamos trezentas, quatrocentas pessoas na platéia. Para mim, foi um golpe.

Vicente Adorno: Maestro, por falar em Itália, eu acho que o senhor está ligado a um acontecimento que talvez tenha sido decisivo até para a indústria do disco no século XX. Eu me refiro ao concerto "Os três tenores", que foi apresentado nas Termas de Caralla, em Roma [em 7 de julho de 1990, por ocasião da Copa do Mundo de Futebol, de 1990]. E muita gente até se refere ao senhor como o “maestro dos três tenores”. E eu, recentemente, revi esse concerto e fiquei pensando como será que foi possível juntar três monstros sagrados da música lírica do século XX – [Luciano] Pavarotti, [Plácido] Domingo e [José] Carreras – e o senhor conseguiu controlar tudo isso. Como é lidar com o ego dos grandes cantores?

Zubin Mehta: Achei que este aqui seria um encontro em que não seriam citados os "três tenores". [risos]

Paulo Markun: Quase.

Zubin Mehta: Preciso dizer uma coisa. Para começar, eles podem ter seus egos quando estão separados. Juntos, eles não têm. Comportaram-se como melhores amigos. Tive a idéia de fazer o medley para eles cantarem juntos. Eu disse: “vocês vão entrar um após o outro”, e não existe ópera com trio para três tenores. Não há nada assim, então pedimos ao meu amigo Lalo Schifrin, grande compositor do cinema, para juntar as canções que eles escolheram para que cantassem juntos no palco. Foi um trabalho de amor. O primeiro concerto não pretendia ser comercial como acabou se tornando. Era para receber José Carreras, que tinha ficado dois anos doente, com leucemia. Era para dar as boas-vindas a ele. Era essa a nossa intenção ao fazer o concerto. Como os três estariam antes da final da Copa do Mundo, estaríamos todos ao mesmo tempo em Roma, decidimos fazer um concerto. Foi esse o único motivo, mas fez tanto sucesso que fizemos um concerto na noite anterior à final da Copa, em Los Angeles. Foi meu único trabalho com eles, fiz só dois concertos.

Vicente Adorno: Provavelmente, vocês tiveram, não sei se depois houve alguma coisa parecida, a maior audiência ao vivo em toda a história da televisão porque o concerto foi transmitido para o mundo todo. E alguém já escreveu que, se não tivesse tido um acontecimento como esse, a música clássica não teria sido tão revigorada, e também as vendas de discos voltaram a subir depois desse concerto. O senhor concorda com isso?

Zubin Mehta: Não era nossa intenção fazer esse trabalho missionário. [risos] Aconteceu isso. Devo dizer que no primeiro concerto, e com os vinte milhões de discos vendidos, os três tenores e eu não recebemos nem um centavo, porque concordamos em fazer tudo de graça. Somos uns idiotas, mas foi o que aconteceu. No segundo concerto, fomos muito bem pagos.

Paulo Markun: Maestro, eu queria mostrar uma pergunta de uma jovem musicista brasileira.

 [VT de Ângela Duarte, harpista]: Bom, meu nome é Ângela, tenho 16 anos, eu queria saber qual música o maestro mais gostou de reger, e qual orquestra?

Zubin Mehta: Essa é uma pergunta difícil. Trabalho com músicas que cobrem um período de quatrocentos anos. Não posso me dar ao luxo de ter predileções, senão o concerto de hoje seria de segunda linha ou seria depreciado. Graças a Deus, cheguei a uma situação que me permite reger a música que eu quero. Às vezes, encomendamos peças musicais a alguns compositores e, mesmo que não fiquem muito boas, precisamos tocar. Só nessas ocasiões eu não gosto do que estou regendo. Fora isso, em 90% das vezes, escolho música que amo e o que amo é o que vamos tocar hoje.

[Comentarista]: Zubin Mehta foi o primeiro regente efetivamente contratado da Filarmônica de Israel que já veio 11 vezes ao Brasil. Tocou nas principais salas de concerto do país e também se mostrou ao grande público, como nessa apresentação em agosto de 1997, no Parque do Ibirapuera em São Paulo. Além de turnês internacionais, a orquestra faz todo ano 150 concertos só em Israel e dedica-se também ao ensino e ao desenvolvimento de jovens talentos musicais. O orçamento da Filarmônica de Israel vem da venda de ingressos, de doações e subsídios do governo. Duas fundações trabalham exclusivamente para arrecadar os recursos e, com isso, assegurar a qualidade e o futuro da orquestra.

Paulo Markun: Maestro, o senhor estava falando, aqui no intervalo, que hoje pela manhã, no dia da gravação deste programa, teve uma experiência musical interessante em uma favela. Como a gente costuma relacionar favelas só a más notícias no Brasil, queria que o senhor contasse para nós. Foi em Heliópolis, aqui em São Paulo?

Zubin Mehta: Estive em Heliópolis, no Instituto Baccarelli. Eu não sabia o que esperar, imaginei que iria a uma favela para ouvir jovens tocando música, mas o que ouvi foi quase uma orquestra profissional. Eles tocaram uma overture de [Carlos] Gomes e o primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven. No meio do movimento, assumi a batuta e terminei. Foi uma grande experiência. Antes disso, as crianças vieram e cantaram, estavam muito bem ensaiadas. Imagine que quinhentas crianças da favela podem ter um futuro diferente se quiserem, porque agora depende de cada um. Se estudarem, eles vão avançar. É muito importante que os pais dêem a essas crianças todas as oportunidades. Havia um baixista, nem sei o nome dele, ele tocou sozinho para mim e é um verdadeiro virtuose. Esse menino pode tocar amanhã com a Filarmônica de Nova Iorque. Ele é muito bom. Tive uma experiência... Acho que todos devem ajudá-los. Eles vão fazer uma nova escola, e sei que setores privados estão participando, e os cumprimento por isso. Gostaria que algo assim acontecesse no meu país.

João Carlos Martins: Em 1970, eu participei de um programa com você, não muito ortodoxo. Um diretor da NBC depois me falou que você teve uma audiência incrível nesse programa, foi num sábado de noite pela televisão americana. [Zubin Mehta, sorrindo, faz sinal de não com a mão direita] Você não se lembra?

Zubin Mehta: [risos] Eu me lembro, claro, você tocou uma parte do Concerto para piano de [Alberto] Ginastera e foi a primeira vez, acho que a última também, na TV comercial americana, em que música clássica e popular se misturaram por uma hora e sem comercial. Não houve intervalo comercial, íamos de uma peça para outra e lembro que tocamos o Concerto de Brandenburgo, de Bach, A sagração da primavera, de Stravinsky...

João Carlos Martins: Jaqueline Dupré estava lá.

Zubin Mehta: Jaqueline não, Pinchas Zukerman [violinista, violista e maestro israelense]. Foi a primeira vez que Santana [refere-se, provavelmente, a Carlos Santana, guitarrista de origem mexicana que fez história como um dos músicos mais importantes do movimento hippie - apresentou-se no histórico show de Woodstock - continuando com carreira de sucesso no começo do século XXI] apareceu na TV. Veja onde ele está agora, e veja onde eu estou. [risos]

Walter Lourenção: Maestro, nós estamos aqui numa televisão pública, e gostaria de perguntar, naturalmente, é outra área, mas pelas suas andanças pelo mundo, talvez o senhor possa ser um ótimo conselheiro para nos dizer como é que uma televisão pública poderia ajudar, tanto a revelar novos talentos entre os jovens – o senhor acabou de falar dessa orquestra infantil – e, ao mesmo tempo também aumentar o público de televisão e de música entre os jovens. O que a televisão poderia fazer?

Zubin Mehta: A televisão pode fazer muito, mas é preciso que eles queiram fazê-lo. A televisão pública americana transmite programas clássicos de teatro e concertos com freqüência, a PBS [Public Broadcasting Service]. Não sei o que acontece no Brasil. A Europa tem o canal Arte, que faz um trabalho muito bom, mas não sei se há essa visão de atrair novos talentos. Isso somos nós que fazemos. Sempre que estou em Israel, faço uma sessão de duas ou três horas na qual cerca de vinte crianças de talento tocam para mim. Escolho três ou quatro, e elas tocam com a orquestra para o público jovem. Temos concertos para jovens, em que um mestre de cerimônias fala sobre música, mas nos meus concertos três ou quatro crianças tocam como solistas. A intenção não é explorá-las, é incentivar crianças na platéia a querer aprender também. As crianças que tocam comigo têm cerca de 15 anos e voltam para a escola, porque só quero encontrá-las de novo alguns anos depois, quando seu professor me disser: “Elas estão maduras, pode aproveitá-las nos concertos”. Midori [Zubin Mehta foi o responsável por sua estreia, quando a violinista tinha onze anos de idade, no concerto anual de Véspera de Ano Novo da Orquestra Filarmônica de Nova Iorque, em 1982] começou comigo assim, Sarah Chang, Gil Shaham, Schlomo Mintz, Yefim Bronfman. Todos começaram assim comigo, em concertos para jovens.

Norma Couri: Maestro, o senhor disse que reger é um ato místico, e eu sei que o senhor medita e que o senhor tem dois gurus: Zoroastro [(660-583  a. C) profeta e filósofo árabe de família nobre, nascido na região de Ragha, no Irã (antiga Pérsia), fundador do zoroastrismo, antigo sistema religioso-filosófico monoteísta cujo postulado básico é existência de dois princípios contrários – o bem e o mal – inerentes a todos os elementos do universo] e Gandhi.

Zubin Mehta: Zoroastro é meu profeta. Acho que sou de uma das menores minorias religiosas do mundo. Somos descendentes da antiga religião persa e, como não aceitamos conversões, como cristãos e muçulmanos, somos cada vez menos membros, somos apenas oitenta mil.

Norma Couri: Qual é essa religião?

Zubin Mehta: No mundo todo, somos oitenta mil. Gandhi foi, quando éramos crianças na Índia, a nossa inspiração, e deve continuar sendo. Muita gente na Índia acha que o país está esquecendo Gandhi, infelizmente. E os princípios que ele defendia. Espero que alguém na Índia retome os pensamentos desse homem, que pôde pedir que os ingleses se retirassem sem fazer uma revolução sangrenta, isso não existe. Desde então, sempre houve revoluções sangrentas.

Vicente Adorno: Maestro, seu trabalho é bastante variado, o seu trabalho é com concertos, com óperas etc. Mas eu tenho uma admiração muito grande por um trabalho que o senhor fez, há muito tempo, com a trilha sonora do filme Manhattan, de Woody Allen, em que se juntou a Filarmônica de Nova Iorque sob a sua batuta, com o Dick Hyman, pianista e arranjador, e acho que foi um resultado tão maravilhoso. Eu pergunto: por que não repetir isso? Eu gostaria de ver e ouvir mais vezes trabalhos como esse. Ou o senhor nunca mais teve chance de fazer?

Zubin Mehta: Por 16 anos, fui diretor musical da Filarmônica de Los Angeles. Imagine quantas vezes os estúdios me pediram para gravar músicas para filmes. Eu nunca fiz nada disso, porque não é a minha área. A Filarmônica de Los Angeles é uma grande orquestra sinfônica, não precisamos tocar no cinema para progredir. Alguns compositores de cinema são grandes amigos meus, como Lalo Schifrin, que eu citei. Uma única vez eu abri mão dessa filosofia, porque admirava muito Woody Allen, e ele me pediu. Ele disse que a música seria apenas de [George] Gershwin [suas composições, especialmente criadas para o cinema e o teatro, contribuiram para a elaboração de um estilo norte-americano original de música erudita], e eu concordei. Eu não iria atuar como compositor de cinema, com marcações na trilha... Essa não é a minha profissão. Gravei a música direto, sem ver o filme, e ele acrescentou a música depois. Às vezes, ele reclamava que a música era muito forte para a cena, e eu dizia: “não é problema meu”.

Vicente Adorno: Eu acho que, até hoje, a gravação que o senhor fez da Rhapsody in Blue [composição de George Gershwin], do filme Manhattan, é uma das melhores que eu conheço, com o pianista Gary Graffman. Eu tenho a sensação de que o senhor não seria o mesmo sem esse tipo de música. Talvez seja uma pena que ninguém mais tenha se lembrado de pedir para o senhor fazer isso, nem mesmo na Índia talvez, que ainda tem uma indústria de cinema tão poderosa quanto a dos Estados Unidos, quem sabe o senhor pudesse dar um “empurrãozinho” para esse tipo de coisa.

Zubin Mehta: Eu não tenho praticamente nenhuma ligação com o cinema indiano, porque não moro lá, mas agora eles estão fazendo muito sucesso, principalmente na Inglaterra, com a comunidade indiana, e nos EUA também. Se os filmes passassem aqui, as pessoas adorariam. É o máximo do kitsch. [risos]

Paulo Markun: Maestro, o senhor já se referiu várias vezes à função do maestro. Como é que o senhor começa a se aproximar de uma peça? Estabelecendo um paralelo com a arquitetura, o senhor vai para casa, examina a partitura, e como que constrói ou tenta entender como aquela música foi construída? E, o que eu queria compreender, como é possível fazer isso se na grande maioria das vezes o senhor certamente já tem uma referência sonora auditiva daquela música? Se fosse uma composição inédita, tudo bem, mas em muitos casos são composições que certamente o senhor já escutou ao longo da vida. O senhor desliga o ouvido, a memória auditiva?

Zubin Mehta: Tenho minha própria concepção de todas as peças. Primeiro analiso, e vou construindo a partir daí. Quando estou diante da orquestra para um ensaio, tenho o máximo conhecimento que posso da peça, e minha função, como regente, é convencer as cem pessoas diante de mim a interpretar o que eu acho que o compositor pretende. Para isso, preciso conhecer a linguagem do compositor. Estou falando principalmente de compositores clássicos, porque os compositores modernos são bem explícitos sobre o que querem.

Paulo Markun: Já dizem o que querem.

Zubin Mehta: São tantas indicações, que temos menos problemas com os modernos. Com [Franz] Schubert, que não anotava nada em suas obras, exceto piano, forte e diminuendo, precisamos conhecer toda a sua obra, seus quartetos, a música de câmara para obter referências cruzadas entre uma sinfonia e um quarteto. Precisamos conhecer suas canções, conhecer toda a sua linguagem, e assim podemos compreender o que ele quer em determinada sinfonia. Tenho uma enorme vantagem com a Filarmônica de Israel. Eles são um conglomerado de grupos de música de câmara. Na Filarmônica de Israel são pelo menos dez ou doze grupos de câmara profissionais que tocam profissionalmente. Isso significa que eles ensaiam sozinhos sem um regente, como por exemplo, um quarteto de Schubert. Decidem o tempo, a velocidade da música, a interpretação e, quando tocam uma sinfonia de Schubert, estão totalmente à vontade naquele estilo. É uma grande vantagem para mim. Não é tão problemático quanto você imagina.

Júlio Medaglia: Quais são os grandes maestros que o senhor admira, e por quê? Seja deste século ou do início do século XX. Os grandes maestros que foram modelo e os seus modelos de interpretação ou de regência, de artesanato de regência?

Zubin Mehta: Antes mesmo de você terminar a frase, eu já poderia dizer que meus dois modelos, a vida toda ,foram Toscanini e [Wilhelm] Furtwängler. Toscanini, porque foi ele quem pegou os clássicos nos anos 1920 que antes disso, sempre eram “espancados”, desfigurados por outros regentes, e ele disse: “Vou limpar esse quadro e deixar que vocês vejam a verdadeira pintura original”. Não temos como agradecer o bastante a esse homem por ter feito isso. Foi o primeiro que teve coragem de dizer: “Vou tocar esta sinfonia de Beethoven exatamente como ele a compôs”. Sem acrescentar címbalos [pratos] ou instrumentação diferente, como faziam antes dele, inclusive gente como [Gustav] Mahler. Temos partituras na biblioteca da Filarmônica de Nova Iorque com as correções do Mahler. Ele acrescentava muita instrumentação etc, o que já não é necessário, se você balancear bem a música. E Furtwängler foi quem respeitou essa limpeza dos clássicos, mas disse: “Precisamos ler entre as notas o que o compositor não anotou”. A combinação desses dois pensamentos foi o que nós herdamos. Sinto que, com esses dois espíritos que nos guiam, que eu não conheci pessoalmente... Eu tinha ingresso para um concerto de Furtwängler em Viena quando cheguei, em 1954, mas ele morreu. Não cheguei a vê-lo nenhuma vez. É importante ler o que Furtwängler escreveu e ouvir suas gravações, ao vivo, não as comerciais, essas gravações ao vivo mostram muito isso tudo. A 9ª Sinfonia de Beethoven, a 8ª de Bruckner, Tristão e Isolda [de Wagner], que é uma gravação comercial, são de uma concepção belíssima. Essas duas pessoas são os meus modelos. Como cresci em Viena, meu modelo imediato foi [Herbert von] Karajan, que era regente da Ópera de Viena quando eu estava lá. Ele também era um disciplinador severo em termos musicais. Indo aos ensaios dele, eu aprendi muito. Minha vantagem em Viena era ir aos ensaios de todo mundo. Havia Josef Krips, Karl Böhm, Rafael Kubelik. Meu professor era um grande teórico e disciplinador. Eu tiro vantagem até hoje da combinação disso tudo.

[VT de Pedro Magalhães Ribeiro]: Eu sou Pedro, tenho 12 anos, toco flauta doce e flauta transversal. Eu descobri que gostava de música erudita quando eu ganhei um cd de [George Philipp] Telemann [(1681-1767) compositor e músico alemão] e fiquei ouvindo até decorar as músicas, aí realmente me interessei pela música. Eu gostaria de saber quando foi que o senhor descobriu que gostava de música erudita e quando resolveu ser maestro?

Zubin Mehta: É uma boa pergunta, porque eu não lembro. Havia música em casa desde que eu nasci, e não lembro a primeira vez que ouvi. Nunca foi uma descoberta para mim. Meu pai tocava em casa, ele estudava, tinha um quarteto em casa e tocava discos. Foi uma lavagem cerebral.

Paulo Markun: Mas ele queria que o senhor fosse médico?

Zubin Mehta: Sim. Faz algum sentido? Não. [risos] Fui à universidade durante dois semestres e então eu disse: “isso não é para mim”.

Paulo Markun: E por quê? Ele tinha algum tipo de insatisfação com a sua atividade?

Zubin Mehta: Não. É uma questão social. Somos pessoas de classe média em Bombaim. Gente de classe média tem cinco profissões: médico, engenheiro, advogado, arquiteto e banqueiro. Meus pais escolheram a carreira de médico para mim e de contador para meu irmão. Meu irmão se tornou contador.

Enio Squeff: Que instrumento seu pai tocava e executava, maestro?

Zubin Mehta: Meu pai era violinista. Um violinista muito bom. Mais tarde se tornou regente em Los Angeles, na Sinfônica Jovem Americana. Foi o que eu disse aos meninos na favela hoje. Cem jovens da orquestra do meu pai em Los Angeles, hoje, tocam em grandes orquestras americanas. Depende deles. Se estudarem e evoluírem, todos podem ser profissionais em boas orquestras.

Salomão Schvartzman: Maestro, em seqüência à pergunta do Medaglia sobre maestros, há um livro chamado O mito do maestro, de Norman Lebrecht, o senhor falou em Toscanini, ele fala da ditadura de Toscanini e registra que Toscanini só aceitava ser tratado como maestro, nada de senhor, nada de vossa excelência, mas unicamente, simplesmente de maestro. Essa palavra tem realmente essa força suprema, maestro Zubin Mehta?

Zubin Mehta: Hoje em dia, qualquer encanador é maestro, qualquer carpinteiro. [risos] Essa ditadura benevolente é muito importante. Não podemos ser o tipo de ditador que Toscanini foi, porque ele não precisava lidar com os sindicatos naquela época. Era um pouco mais fácil. Hoje começamos a ensaiar às 10h e terminamos às 12h30. Se formos até 12h35, eles ganham meia hora a mais. Também é uma questão econômica. Isso faz com que os regentes sejam mais econômicos nos ensaios, sem falar muito, abordando rapidamente o problema. Assim que você começa um ensaio, há problemas. É preciso ir exatamente até o tumor e solucionar a questão. Se você não solucionar na hora, os músicos vão ter de ensaiar e voltar melhores no dia seguinte. Precisamos conhecer as questões práticas e econômicas além de ensaiar, digamos, a [sinfonia] Heróica, de Beethoven. Estamos diante da Mona Lisa, e precisamos fazer as correções. Aí precisamos ser meio ditadores, precisamos impor a disciplina. A disciplina musical é muito importante. Não podemos deixar que os músicos fiquem numa situação anárquica. É aí que o regente e seu despotismo ou sua autoridade são muito importantes. O regente não pode deixar essa autoridade escapar, senão, inconscientemente, os músicos assumem o controle, não no sentido negativo, mas cada um vai fazer o que considerar certo, e a combinação nunca é boa, a não ser que um único músico vá fazer o solo. Então tudo bem, tenho o dever e o prazer de acompanhá-lo, a menos que ele distorça tanto a música que eu possa dizer: “com todo respeito, discordo de você”. Mas gosto de dar aos meus músicos a liberdade de se expressar, porque são alguns dos melhores músicos do mundo sentados ali diante de mim, em Israel, em Viena, em Nova Iorque etc. Cada um, com seu instrumento, é um dos melhores do mundo. Ele já pensou no fraseado, na forma como quer fazer sua frase de quatro ou oito compassos e está convencido do que está fazendo. Às vezes, ele também me convence de que aquilo que eu queria talvez não seja a melhor forma, então eu digo: “faça do seu jeito”. Assim também sou muito democrático, mas em grupos de cordas, com dezesseis pessoas executando as mesmas notas, é preciso ser autocrata. É uma mistura.

Enio Squeff: Maestro, o senhor falou das suas férias, porque o senhor toma café da manhã [de] música, almoça música, janta música. Eu queria saber o que o senhor faz depois de tanta música. Qual é o seu outro prazer além da música? Pintura, leitura, esporte, o que é que o senhor gosta? Além do críquete evidentemente.

Zubin Mehta: Adoro brincar com os meus netos. Infelizmente não os vejo com tanta freqüência, porque um mora na Filadélfia, e dois moram em Montreal com minha filha. Não os vejo com freqüência, mas, depois desta turnê, tenho dez dias de folga, então vou ficar dois dias na Filadélfia e dois dias em Montreal para visitá-los.

Vicente Adorno: Quantos?

Zubin Mehta: Um na Filadélfia e dois em Montreal. Minha filha tem dois, meu filho tem um. Depois meu moto-contínuo recomeça. Vou para Viena etc. Mas é claro que gosto de ver jogos de críquete quando eu posso. No Brasil não são transmitidos. Há dois dias, houve um jogo emocionante entre Inglaterra e Austrália e eu não pude ver.

[risos]

Vicente Adorno: Se eu não me engano, o senhor é um dos recordistas de público aqui também no Brasil, com um concerto que o senhor fez com a Filarmônica de Nova Iorque, no Ibirapuera. Esse tipo de apresentação ao ar livre tem uma certa dificuldade técnica etc, mas me parece que é uma maneira extremamente prática de chamar novos fãs para a música erudita. E, aqui no Brasil, principalmente, o custo disso é muito caro; o ingresso para ir ao teatro é muito caro, acho que é uma iniciativa muito boa. O senhor tem feito mais disso?

Zubin Mehta: Faço isso constantemente, principalmente nos meses de verão. Nós lembramos do Ibirapuera com muito amor, porque lembro que, uma vez, fiz uns três concertos lá. Uma vez estava chovendo e o público foi de oitenta mil pessoas, com guarda-chuvas. Com a Filarmônica de Nova Iorque e a de Israel, fizemos um concerto na praia de Botafogo, no Rio. Tocamos na praia, metade do público estava na areia, metade estava na água. Foi maravilhoso. Recentemente fiz um concerto... O que é maravilhoso é que esses concertos são grátis. Precisamos construir não só nosso futuro público, como a nossa futura orquestra que vem da favela, e o futuro público precisa vir da praia também. É muito importante. No Central Park nós tocávamos todo ano, quando eu estava com a Filarmônica de Nova Iorque. Às vezes, quando havia fogos de artifício, o público era de trezentas mil pessoas. É bom usar fogos de artifício, se isso atrair o público. Tocamos a 1812, de Tchaikovsky, e eles adoraram. Fizemos um concerto gratuito em Viena, em frente ao Palácio Schönbrunn, um lindo palácio nas imediações de Viena, noventa mil pessoas compareceram. A Filarmônica de Viena também está começando a pensar assim e não apenas em fazer concertos no Musikverein [famosa sala de concertos, é sede da Orquestra Filarmônica de Viena]. Em Munique também fiz um concerto gratuito. Fazemos isso o tempo todo, e é muito saudável.

Paulo Markun: Maestro, a última pergunta, o nosso tempo está acabando. A sensação que eu tenho é que a música erudita, clássica teve um grande apogeu no passado. É um engano de quem acompanha pouco a música, ou isso é fato?

Zubin Mehta: Se você pensar nos EUA e na Inglaterra, tem razão. Há uma crise real de público. Não em Nova Iorque...

Paulo Markun: Mas eu digo de criação, de compositores.

Zubin Mehta: Compositores? Não. Há muitos compositores. Precisamos ver, o tempo dirá. Há pouco tempo regi uma peça de Luciano Berio, um grande compositor italiano, que escreveu uma composição chamada Sinfonia, no começo dos anos 1970. Hoje tocamos isso como uma peça clássica. Talvez as composições feitas hoje em dia tornem-se clássicas mais tarde, não sabemos. Há alguns jovens compositores muito talentosos. Precisamos filtrar a música, como o café, e ver o que vai sobrar. O tempo dirá.

Paulo Markun: Maestro, muito obrigado pela sua entrevista. Eu queria agradecer aos nossos participantes aqui, e a você que está em casa.

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