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Memória Roda Viva

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Oded Grajew

27/8/2001

O diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social fala das ações que pessoas e empresas podem realizar para criar um mundo melhor

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Paulo Markun: Boa noite. A idéia da responsabilidade social começa a chamar a atenção do empresariado brasileiro e despertar a noção de que as ações sociais precisam fazer parte da agenda das empresas. A experiência brasileira nesse rumo, apesar de pequena, já mostra resultados e coloca em xeque o papel das empresas que só pensam na produção de riqueza e tecnologia sem o envolvimento com a comunidade onde elas atuam. Para discutir as iniciativas sociais no empresariado brasileiro, o Roda Viva entrevista, esta noite, Oded Grajew, diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

[Inserção de vídeo] [Narração de Laila Dawa. Imagens de Oded Grajew, do site do Instituto Ethos, de salas de aula, de atendimento médico-odontológico, de casas de periferia etc.]

Israelense naturalizado brasileiro, engenheiro e administrador de empresas, Oded Grajew comanda um trabalho pioneiro no Brasil: difundir o conceito de comportamento socialmente responsável entre o empresariado brasileiro. Esse trabalho vem sendo realizado através do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, com página na internet, no endereço www.ethos.org.br. O instituto foi fundado em 1998 por um grupo de 15 empresários de São Paulo, organizado por Oded Grajew. Esses empresários manifestavam a visão de que o papel social da empresa vai além de desenvolver a economia, a tecnologia, gerar empregos, pagar impostos. Na visão do Ethos, uma empresa pode contribuir muito para a construção de uma sociedade mais justa e ambientalmente sustentável. Em três anos de existência, o instituto consolidou um conjunto amplo de idéias e meios de como as empresas podem implementar programas de voluntariado, por onde começar e como se associar à idéia da responsabilidade social. Até agora já são mais de 460 associados, cada um realizando uma forma de voluntariado corporativo. Empresas que passaram a investir na construção e na manutenção de creches e escolas, programas especiais de educação para crianças e adolescentes, atendimento médico e odontológico à comunidade, reaparelhamento de hospitais e laboratórios clínicos. Ações que além do significado social, também reforçam os laços entre a empresa e a comunidade, entre a empresa e o mercado, uma vez que o comportamento socialmente responsável já é um diferencial importante na disputa por consumidores no mundo todo.

[fim do vídeo]

Paulo Markun: Para entrevistar Oded Grajew nós convidamos a cientista política Simone Coelho, diretora do Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e de Ação Comunitária, o Indeca, autora do livro Terceiro setor; o jornalista Gilberto Nascimento, editor-assistente da editoria de Educação e Cidadania da revista IstoÉ; a repórter Marta Avancini, do jornal O Estado de S. Paulo, especializada na área de Educação; a socióloga Rebecca Raposo, diretora do Gife, Grupo de Institutos, Fundações e Empresas; o economista Sérgio Haddad, doutor em educação e presidente da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais, a Abong; Carlos Montaño, doutor em serviço social, professor-assistente da Universidade Federal do Rio de Janeiro; o empresário e administrador de empresas Guilherme Peirão Leal, presidente-executivo da Natura Cosméticos. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Se você quiser participar do programa, dar a sua opinião, fazer a sua pergunta, a sua sugestão, o nosso telefone é o 11, código aqui e São Paulo, 252-6525; o fax é o 3874-3454, também em São Paulo, e o endereço do programa na internet rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite, Oded.

Oded Grajew: Boa noite, boa noite a todos.

Paulo Markun: Eu queria começar com uma provocação. Não seria mais... eficiente, digamos assim, se as empresas cuidassem de fazer o seu negócio, ganhar seu dinheiro, se o governo arrecadasse os impostos direito, se os políticos não roubassem, se os eleitores elegessem corretamente os seus representantes e se a sociedade, de alguma forma, coibisse a ganância dos empresários, do que os empresários buscarem formas de... de fazer algum tipo de ação social para a comunidade? Não é, de alguma forma, tentar dourar a pílula essa... esse raciocínio de que as empresas têm uma responsabilidade social?

Oded Grajew: Bom, em primeiro lugar eu quero corrigir um pouco a apresentação que foi feita do Instituto Ethos. Quando a gente fala de responsabilidade social, nós falamos da atitude das empresas em relação a todos os públicos que são relacionados com a empresa. Nós não estamos apenas falando da relação da empresa com a comunidade, que é muito importante. Qualquer ação social, mais ainda no Brasil, que é um país com tanta desigualdade, com tanta carência, é fundamental que se tenha ações na comunidade. Mas nós estamos falando da forma de gestão empresarial socialmente responsável, que implica em posturas éticas em relação ao seu público interno, os funcionários, em relação ao meio ambiente, em relação aos consumidores, aos concorrentes, ao governo. Não adianta a empresa apenas fazer uma ação na comunidade e tratar mal os seus funcionários, usar mão-de-obra infantil, enganar o consumidor, jogar lixo no rio, se meter em corrupção, enfim, é uma atitude da empresa em suas diversas políticas e práticas. Dito isso, é claro que seria bom, ainda mais no Brasil onde há tanta corrupção, tanta desigualdade e tanta eleição mal feita, tanto pouco esclarecimento em relação ao papel do indivíduo na sociedade que cada um, no mínimo, fizesse o seu papel. Mas isso era a democracia como se entendia antigamente - não é? -, que era uma democracia de representação: o cidadão vota e espera que a pessoa que for eleita vá cumprir o seu papel. Hoje a democracia se entende como democracia participativa, onde cada um de nós, não só as empresas - não é? -, [mas também] os sindicatos, as organizações não-governamentais, os partidos políticos, têm um papel na sociedade que implica na multiplicidade das suas relações, no peso do que ele faz, o que isso implica em relação à sociedade, é uma noção muito mais abrangente do papel de cada um. No caso das empresas, é muito importante que elas apóiem a comunidade, mas que paguem os impostos. Por exemplo, na questão da eleição, que participem de uma forma honesta nas eleições, na questão de financiamento de campanhas, enfim, essa idéia de cada um no seu papel e não nas suas relações, eu acho que é uma idéia já superada.

Paulo Markun: Mas eu queria só cutucar mais um pouquinho essa provocação, que é a seguinte: em todos esses outros setores que você mencionou, faz sentido a diversidade. Quer dizer, você ter partidos políticos diferentes [e estes] disputarem o poder é a essência da democracia. Organizações não-governamentais, que cada uma cuida da sua área, tudo bem. Cidadãos que pensam de maneira diferente e que estabelecem uma regra para viver em comunidade, perfeitamente. Não é da essência do negócio, da empresa, querer crescer e ganhar do concorrente? E isso não é antiético?

Oded Grajew: O que é que não é antiético?

Paulo Markun: Querer a qualquer preço, crescer e ganhar da concorrente, ou seja, quer dizer: a competição, que é a base do sistema, não é antiética?

Oded Grajew: Não é antiética como se entende hoje porque faz parte da lógica das empresas a competição. No meu ponto de vista isso é uma grande ameaça para a humanidade - né? -, esse conceito de que o mundo é competitivo, que é necessário competir, que o mundo é um mercado. Eu acho inclusive que o papel das empresas, a influência das empresas, entrando na área política, na área cultural, na área das relações das pessoas, ela é um perigo para a humanidade. Porque ela vai contra o sentido da solidariedade. Mas, por isso, inclusive, que eu acho que é muito importante que se tenha a regulação da atividade econômica, para que a competição, ela tenha limites, que ela seja balizada por valores éticos. Mas é importante que se tenha não um mercado na sociedade, mas uma sociedade com mercado, e não uma sociedade de mercado.

Simone Coelho: Oded, eu queria te fazer uma pergunta que vai nesse sentido, que você estava colocando. Quer dizer, eu entendo que você está colocando - e você tem escrito isso com uma certa freqüência - que é importante a gente combater as causas - não é? - dos problemas sociais, e não ficarmos apenas no combate dos efeitos. Agora, eu entendo que as causas do que está posto, e da tremenda injustiça social, que hoje o Brasil é, talvez, um dos países com a pior distribuição do planeta, implica na construção de um modelo completamente diferente do que está posto, um modelo socioeconômico diferenciado, para que a gente possa superar isso. O senhor acha que o empresariado brasileiro está pronto para enfrentar e construir junto esse novo modelo?

Oded Grajew: Bom, eu acho que é interessante eu tentar mostrar para você, quer dizer, o meu ponto de vista sobre o contexto em que nós vivemos, não só no Brasil, como no mundo. Eu acho que nós estamos vivendo hoje, na nossa história, na história da humanidade, um momento absolutamente único, e um momento de importância vital. Porque, pela primeira vez na história, a humanidade está ameaçada de extinção. Isso com previsões não feitas por algum profeta - não é? - que veio e disse: “Olha, o mundo vai acabar tal dia.”, mas todos os institutos de pesquisa, a própria ONU [Organização das Nações Unidas], mostram que neste século, se nada mudar, nós temos a real e a concreta ameaça de extinção da espécie humana. Pelo efeito da degradação ambiental, o aquecimento do meio ambiente, as calotas polares que derretem e inundam países, florestas... o desaparecimento de florestas; cem espécies hoje, do ambiente, da diversidade, estão desaparecendo por dia. O aquecimento vai transformar florestas em desertos, a água vai ser uma fonte esgotável nos próximos tempos, nos próximos anos. A desigualdade social no mundo está crescendo, a diferença entre os 20% mais ricos e pobres, que no começo do século era de onze vezes, passou em 1960 para 30 vezes, e hoje está em 90 vezes. Sem contar as armas nucleares, os arsenais nucleares que estão aí pelo mundo. A injustiça, ela oferece a oportunidade dos conflitos. Todas as previsões mostram que armas nucleares vão cair nas mãos de organizações criminais nos próximos anos. Então, é um momento crucial para toda a humanidade, para todos nós. E é importante que a gente tenha a percepção disso, que a gente perceba o que está acontecendo para poder agir. Nesse sentido, a mudança que tem que vir, porque se tudo continuar como está, o destino vai ser trágico para a humanidade, para o país; se não houver essa mudança, essa mudança de mentalidade, pensar o novo, nós estamos realmente à beira de uma catástrofe. Isso implica mudança total de mentalidade em todos os setores da sociedade, inclusive das empresas. E a responsabilidade das empresas é muito grande, é enorme, porque é o setor mais poderoso da sociedade, é o setor que detém tecnologia, informação, recursos financeiros, recursos tecnológicos, poder político, todo mundo sabe o poder do dinheiro, o poder econômico nas campanhas eleitorais e no próprio processo político. Por isso que a responsabilidade das empresas é tão grande e de toda a sociedade. E é preciso mudar de mentalidade, mudar a forma de agir.

Gilberto Nascimento: E os empresários brasileiros, já mudaram? Já mudaram de mentalidade?

Oded Grajew: Gilberto, está mudando, tanto assim que no Instituto Ethos, como foi mostrado no começo do programa, temos hoje a participação de mais de 460 empresas, e que representam quase 27% do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro. Eu tenho uma história - não é? -... porque na criação da Fundação Abrinq, quando eu era presidente de uma entidade empresarial - acho que até você se lembra daqueles tempos - era muito difícil mobilizar empresários em qualquer questão social. Era "sangue, suor e lágrimas" para que os empresários pudessem investir em qualquer projeto social, entender que é necessário participar na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Hoje a Fundação Abrinq [Fundação da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos criada em 1990, que tem como objetivo fundamental promover a defesa dos direitos e o exercício da cidadania de crianças e adolescentes] tem a participação de mais de 2000 empresas em diversos projetos, o próprio Instituto Ethos, o Gife [Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, uma associação que reúne institutos e fundações de origem privada que praticam investimento social privado, ou seja, o repasse voluntário de recursos privados para fins públicos por meio de projetos sociais, culturais e ambientais], que é uma outra entidade que aglutina empresas e fundações que atuam na área social. Então, existe hoje uma mudança de mentalidade. A grande pergunta que se faz é se essa mudança de mentalidade é suficiente, está no ritmo suficiente e está na abrangência suficiente para mudar o país que é o país de pior distribuição de renda do mundo.

Marta Avangini: Mas Oded, eu queria fazer um... Aproveitando essa linha de raciocínio eu queria fazer uma pergunta para você. O que a gente realmente sente é que está tendo uma mudança no Brasil, uma mudança forte, não é? A idéia de responsabilidade social, ela já está bastante difundida, muitas empresas já estão aí publicando o seu balanço social, mas eu recebo no meu dia-a-dia balanços sociais luxuosíssimos - não é? -, [com] encadernações primorosas, papel de primeira qualidade, fotos maravilhosas, e a impressão que dá é que isso é muito mais... isso passa por um viés de marketing das empresas, do que de um compromisso verdadeiro. Como é que a gente diferencia isso? E até que ponto a gente pode ter a noção de que... para saber se as empresas realmente estão... se essa ação é uma ação efetiva, concreta, que tem um efeito na sociedade, ou se isso é apenas uma ação de marketing das empresas?

Oded Grajew: Nós temos...

Sérgio Haddad: [Interrompendo] Oded, deixa... Ainda dentro dessa questão, você tem o Instituto Ethos com três anos de funcionamento, 460 empresas, 27% do PIB, mais de 200 bilhões de faturamento... Não é um bom negócio ser responsável socialmente?

Marta Avancini: [Comentando junto com a fala de Sérgio Haddad] Pois é...

Sérgio Haddad: Quem quer ser irresponsável socialmente em um país de tamanha desigualdade como o nosso?

Marta Avangini: [Interrompendo] Pega bem, né?

Sérgio Haddad: Mesmo dentro disso, ainda, quer dizer, na linha do que a Marta estava dizendo, recente pesquisa do Gife mostra que as organizações com vínculo empresarial que doam recursos, ou que são grantmakers, elas têm custos administrativos da ordem de 23,4%, enquanto que organizações não empresariais têm custos administrativos de 8%. Doam recursos, as não empresariais, de 75%, [75%] dos seus recursos são doados. No caso específico daquelas com vínculo empresarial, as doações chegam apenas a 30%, elas fazem muito mais projeto. Então, nessa linha, é muito mais interessante fazer materiais de qualidade, divulgar o seu nome, ter uma presença pública muito mais forte em termos de marketing do que propriamente da ação social que ela traduz? Quer dizer, não corremos o risco de, em nome da responsabilidade social, misturar uma quantidade muito grande de ações que, no limite, apontam apenas para uma lógica que é, vamos dizer, descaracterizar essa tamanha desigualdade social que a gente vive?

Rebecca Raposo: Só para complementar a sua pergunta, que era a minha, parte da minha também, eu queria aproveitar. Se a gente não consegue encontrar o eixo de fazer essa diferenciação, e isso faz parte do processo de mobilização, quando você mobiliza você inclui um conjunto que ainda não está exatamente afinado dentro de um mesmo conceito, isso faz parte, mas não existiria o risco, seguindo a premissa do Sérgio Haddad e também da Marta, de concentrarmos mais a renda, de favorecermos mais ainda o modelo que aí já está, se esses investimentos vão no sentido só do valor agregado à marca? Quer dizer, esse risco existe, Oded?

Oded Grajew: Então, eu quero aproveitar e deixar claro algumas... alguns pontos de vista. A responsabilidade social está atraindo também muitas empresas porque passou a ser bom para as empresas. A natureza da empresa é competir, é lucrar. E hoje as empresas dependem muito do talento das pessoas, do engajamento das pessoas que trabalham na empresa, então se você trata bem as pessoas você tem a oportunidade de recrutar talentos, de manter talentos, de motivar as pessoas que estão trabalhando na empresa. Você tem o apoio da comunidade, você tem o respeito dos fornecedores, e várias pesquisas mostram que os consumidores cada vez mais estão levando em conta, na hora de comprar produtos e serviços, de quem estão comprando. Tanto assim que através da iniciativa do Instituto Ethos foi criado o Instituto Akatu, que é o instituto da comunidade do consumo consciente, e que pretende mobilizar as pessoas, todo mundo, todos nós que estamos aqui, para que, na hora de comprar qualquer produto e qualquer serviço, cada um pense de quem ele está comprando aquele produto, de quem ele está comprando aquele serviço, se informar sobre o que é que as empresas estão fazendo. Tem um site - não é? - que mostra o que é que as empresas estão fazendo. E nessa pesquisa do consumidor, o consumidor diz o seguinte: que uma das principais causas de rejeição do consumidor às empresas é perceber que a empresa está fazendo propaganda enganosa. Quando, por exemplo, uma empresa apenas pensa no marketing, e procura publicar as suas ações mercadológicas sem uma consistência interna, ou fazer um luxuoso balanço social e que começa a mascarar diversos tipos de problemas, para o consumidor, isso vai soar como propaganda enganosa. Você mesmo acabou dizendo: “Olha, isso é uma coisa que não pega mal... que não pega bem.”.

Marta Avancini: Mas como é que o consumidor vai saber? Porque a gente sabe que a educação no Brasil é, no mínimo, questionável, não é? Quer dizer, o nível educacional do brasileiro permite a ele ter esse grau de consciência e discernimento, de falar: “Não, esse produto me serve, esse produto não me serve.”?

Oded Grajew: Não, mas ele... Olha, hoje existem vários... várias entidades não-governamentais, defesa do consumidor, ambientalistas, o sindicato, a imprensa e os meios de comunicação, que dão essas informações. O Instituto Akatu, inclusive, se propõe a dar essas informações. Agora, na questão das entidades não-governamentais, da questão da concentração de renda, eu quero deixar bem claro que nós, do Instituto Ethos, eu, pessoalmente, não acredito que as mudanças sociais no Brasil virão, a não ser através de políticas públicas. Nem no Brasil isso vai acontecer, nem isso aconteceu nos EUA, na Europa, na Austrália, no Japão, em qualquer lugar do mundo, porque pela escala das políticas públicas, pela abrangência, pela universalidade, só através de políticas públicas. As empresas podem investir na educação o que for necessário, o que for possível, elas podem dar o exemplo, elas podem usar o seu poder para influenciar políticas públicas, elas podem oferecer modelos para a sociedade, para as políticas públicas, de como se pode fazer de uma forma eficiente determinadas políticas públicas, mas se isso não for feito através do poder público, nada vai acontecer. Eu vou dar um exemplo, na questão de desigualdade de renda no Brasil. Hoje, quando eu encontro empresários, em qualquer lugar, eu pergunto: “algum filho de vocês estuda em escola pública?”. Ninguém, ninguém levanta a mão. Se você perguntar, aqui no Brasil, determinada classe econômica para cima, se eles têm filhos em escola pública, não têm. Por quê? Por que gosta de pagar escola privada? Não, porque a escola privada hoje é vista como melhor. Então, se você não tiver uma escola pública de qualidade, significando que filhos de pobres terão chance de estar... de ter uma boa escola, a distância não vai diminuir, só está aumentando, porque quem tem menos está estudando em pior escola, vai ter menos na vida. A distância só tende a aumentar, como está aumentando. Então, é importante a gente realmente deixar bem claro que não é através da ação da empresa, só, que a sociedade vai se transformar. Isso tem que se espraiar pela sociedade.

Carlos Montaño: Eu queria depois retomar esta questão do ensino público. Agora, você falava que a responsabilidade social é de interesse da empresa, de interesse porque ganha apoio da comunidade, ganha respeito dos investidores. Agora, eu diria até mais do que isso. Ganha e também lucra, tem um rendimento em função disso. Não pode... a gente não pode deixar de considerar que esta nova modalidade, que essa nova mentalidade do empresariado na responsabilidade social, venha acompanhada no contexto atual de mudanças estruturais do sistema. Nós temos a chamada reengenharia, a reestruturação produtiva, com tudo que isso implica de mudanças no espaço da produção, da relação entre o trabalhador e o patrão, o esvaziamento - com todo um processo legal no âmbito do Estado e promovido também pela participação do empresariado -, o esvaziamento da legislação trabalhista, dos acordos coletivos e tudo isso vem aumentando [de forma] sem precedentes o desemprego no Brasil e precarizando também as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores. Nesse sentido, falar de responsabilidade social me daria a idéia de uma ação do empresariado com responsabilidade social lutando por reverter esses fenômenos, esses processos que precarizam a situação dos trabalhadores etc. Pode-se pensar que o empresariado brasileiro, ou que o empresariado com responsabilidade social, está nesse processo?

Oded Grajew: Está. Não muito consciente ainda, mas está. Por exemplo, essas políticas que você está... que você acaba de colocar, e eu acabei de falar de políticas públicas, são postas em prática por governos, né? E governos são eleitos pela população, pelas pessoas, e são eleitos, inclusive, com apoios empresariais ou, vamos dizer, com a influência empresarial. O apoio empresarial é importante porque cada vez mais as campanhas são caras, cada vez mais se busca recursos para as campanhas, que eu acho que o financiamento, inclusive, eu acho [que] o financiamento privado de campanhas é o câncer da democracia, porque, na medida em que na democracia supõe-se que todos têm chances iguais de serem eleitos, aquele que tem mais recursos tem mais chance de ser eleito. Eu acho que o resultado das eleições seria muito diferente se todos os candidatos tivessem os mesmos recursos. Financiamento de campanha está na origem de quase todos os casos de corrupção no Brasil, porque quem financia depois cobra, e quem está sendo eleito por aquele financiamento muitas vezes se preocupa muito mais em dar retorno daquele investimento, já prepara a próxima campanha pensando muito mais em buscar apoio financeiro do que no bem-estar coletivo. Então, é um grande problema - não é? -, que acho que nós temos, não só no Brasil, você vê que fora do Brasil os casos de corrupção, todos os problemas que tem havido, envolvem sempre financiamento privado de campanha. E, nesse sentido, os empresários também precisavam pensar onde estão colocando os seus recursos, que efeitos tem na sociedade. Outro dia estava em um encontro onde muita gente estava, naquela época da campanha aqui na prefeitura de São Paulo, dizendo: “Olha, parece que o Collor está voltando, imagine se ele for prefeito de São Paulo.”. E um deles falou: “Então eu vou para Miami.”.

[Risos]

Oded Grajew: E eu estava olhando na mesa, todos naquela mesa deram dinheiro para a campanha do Collor. Então, você percebe que a responsabilidade social é uma coisa bem mais abrangente nesse sentido. Então, essa reflexão, ela está avançando no Brasil, ainda num... Eu acho que não há um engajamento grande dos empresários nessa questão, tanto assim que se você reúne empresário, você pergunta: “você apóia algum partido?”. Muita gente fala o seguinte: “Olha, eu sou apolítico.”, como se o ser humano pudesse ser apolítico, não é? Aí você pergunta: “você participa de algum partido político?”. E ele fala: “Não, eu não participo, política é uma coisa que eu não quero mexer.”, como se isso não tivesse importância para a vida do país.

Carlos Montaño: Agora, por definição, o empresariado é beneficiado pelas necessidades novas do capital, pelos programas de demissão voluntária, pela própria... pelo próprio esvaziamento das leis trabalhistas que protegem o trabalhador etc. Quer dizer, o empresário está ganhando por esse lado, e ele está dando por outro lado. Será que ele não está dando com uma mão e tirando com a outra, com essa ação de responsabilidade social?

Oded Grajew: Olha, começa a haver uma percepção de que uma sociedade empobrecida, uma sociedade com a renda mal distribuída, uma sociedade violenta como a nossa, causas das injustiças sociais, não é um ambiente propício para os negócios. O Henry Ford, já no começo do século passado, quando ele dobrou o salário dos funcionários, ele dizia: “Olha, eu quero funcionários melhor remunerados e quero alguém que possa comprar os meus carros.”. Não sei se você sabe, mas ele foi expulso da associação dos empresários de Detroit [cidade norte-americana]. Causa: [foi taxado de] comunista, porque ele tinha essa visão. Então, essa idéia que... eu acho mesmo que os empresários estão começando a perceber, mas não suficientemente, de que uma sociedade deteriorada ameaça os próprios negócios e não adianta você demitir as pessoas, [pois] se todo mundo demite, cadê os consumidores, cadê os trabalhadores, cadê os recursos públicos, cadê uma sociedade mais justa? Essa percepção começa a acontecer. O que eu queria deixar um pouco claro para todos, a minha visão, é o seguinte: tanto o mundo, como eu coloquei aqui, está sob uma ameaça, séria, da extinção da espécie humana, quanto o Brasil está numa situação seriíssima, social e econômica. O Einstein já dizia: “Não dá para resolver os problemas com a mesma cabeça, com os mesmos processos mentais que criaram os problemas. Se a gente não mudar a nossa maneira de pensar, a nossa maneira de ver, mudar a perspectiva que a gente tem dessa situação, a situação só tende a piorar.”. Então, é necessário novo pensamento, nova cabeça, nova perspectiva para novos tempos.

Guilherme Peirão Leal: Oded, como teu companheiro de fundação do Instituto Ethos, eu às vezes eu tenho vontade de ajudar a responder mais do que perguntar. Mas... porque a gente sabe perfeitamente que a gente, quando pensou em disseminar essa cultura da responsabilidade social empresarial, nós jamais vimos isso como uma panacéia universal e sim como uma possibilidade de contribuir com a transformação da sociedade, da qual todos se beneficiariam, inclusive as empresas, eu queria que você colocasse... explorasse um pouco duas coisas que foram colocadas aqui, que eu não sei se estão muito claras e se eu concordo muito. A primeira é se competição é necessariamente uma coisa negativa. A gente tem a queda do ideal socialista não porque o ideal não seja válido, mas porque o sistema aplicado se mostrou ineficiente pela falta de competição, e onde a alocação de recursos se tornava menos eficiente, portanto, as empresas menos produtivas e a sociedade menos justa. Eu acho que uma competição solidária é o que nós estamos buscando criar. Uma competição que se percebe, que se constrói a capacidade competitiva através da solidariedade, através da solidariedade de um grupo de colaboradores, de funcionários que fazem parte da empresa. E que o lucro é absolutamente necessário e legítimo para gerar investimento. O lucro é uma poupança interna que aloca para o desenvolvimento da sociedade. Agora, é óbvio que nós sabemos que tem muitos empresários que ainda estão numa etapa inicial da responsabilidade social e que usam como, ou ainda, talvez, tentem usar mais como uma maneira de polir a sua imagem de marca. Como é que você diria, como é que você... o que você poderia falar para a gente a respeito dessa separação, como é que se mede a verdadeira evolução desse comportamento socialmente responsável O que é que são indicadores? O que é que são fatores de pressão da sociedade que poderiam levar as empresas a adotar esse comportamento? Como é que a gente pode medir? Retomando um pouco a colocação dos balanços sociais que ainda têm uma multiplicidade muito grande, alguns mais propagandísticos do que reportando efetivamente as suas ações, o que é que você me diria a respeito de... que avanços a sociedade poderia perseguir no sentido de cobrar mais da empresa atitudes efetivas e menos discurso?

Oded Grajew: Bom, Guilherme, eu... tanto você - não é? -, que é meu companheiro de tantos anos, tanto na Fundação Abrinq, como no Instituto Ethos, sabemos que realmente os empresários que têm uma visão mais abrangente, mais social, mais transformadora, embora em número crescente, ainda não é um número que contagia a grande maioria de empresários. E também sabemos que muitos empresários começaram esse movimento muito mais movidos por uma visão de mundo, uma sensibilidade, do que com a visão pragmática. Eu vou lucrar mais com isso, eu vou ter uma empresa melhor sucedida. Não. Eu quero um mundo melhor, eu quero ter uma sociedade melhor. Isso é um número ainda pequeno de empresários que pensam assim. Eu acho que os avanços da responsabilidade social - e aí eu quero render uma homenagem às entidades não-governamentais, aos sindicatos, aos movimentos sociais - foi muito mais por organização da sociedade, foi fruto do crescimento e da mobilização dos sindicatos, dos movimentos sociais, movimentos ambientalistas, movimentos de defesa do consumidor, a conscientização cada vez maior da sociedade, a partir da derrubada da ditadura e da oportunidade da gente ter uma imprensa livre, da tecnologia da informação, isso sim é que fez com que as pessoas começassem a ter mais conhecimentos, mais informações, e demandar das empresas outro tipo de atitude. Então, foi muito mais por pressão da sociedade que isso aconteceu do que por um movimento espontâneo - né? - da grande parte dos empresários, excetuando aqueles empresários preciosos, como você, por exemplo, que tinham e têm essa visão. Agora, a responsabilidade social que a gente está tentando fazer no Instituto Ethos não é uma palavra jogada ao vento, não é uma empresa legal, isso significa a empresa se calcando em vários indicadores que possam mostrar como é que ela se posiciona nas suas diversas relações. Não é apenas publicando o balanço social e dizendo: “Olha, eu fiz um projetinho legal aqui na comunidade.”. Você tem um código de ética? Esse código de ética é conhecido pela sociedade? Ele é avaliado, ele é observado? Ele abrange a alta direção da empresa, todos os funcionários ou apenas alguns funcionários? O dono da empresa não tem nada a ver com isso? Ele incorpora o código de defesa do consumidor? E na relação que você tem com o consumidor? Quais são os critérios de administração na área ambiental que você tem? Quais são os balizadores? Em relação aos funcionários, como é que você se comporta na valorização da diversidade, na promoção do voluntariado? Na saúde, na educação dos próprios funcionários? Não adianta você fazer um grande projeto na comunidade se você nem sabe como está a educação dos seus funcionários, dos filhos dos seus funcionários. Aliás, o que mostrou a pesquisa do consumidor, o consumidor está dizendo para a empresa: “Primeiro cuide do seu público interno, para depois fazer algum tipo de ação na comunidade.”. Então, isso hoje é perfeitamente mensurável por vários indicadores. Os indicadores Ethos são uns dos indicadores, aliás, que estão disponíveis no nosso site. Mas existem hoje indicadores que são estudados e estão [sendo] levados inclusive a nível global para serem parâmetros globais para as empresas.

Paulo Markun: Oded, perguntas de Ítalo Rios, de São Caetano, consultor - as três [perguntas] são na mesma linha: “O Instituto Ethos vai expulsar do seu quadro as empresas que maquiaram os produtos, que já se transformaram num caso rumoroso?”. [Simone Coelho ri] Marco Aurélio Farias, de Salvador, Bahia: “Assistimos a uma atitude no mínimo desatenciosa de muitas empresas que reduziram tamanho, peso e quantidade de vários produtos. Como acreditar no interesse social das empresas que sobrepõem tudo... é, [que] colocam o marketing acima de tudo? O capital empresarial influencia tanto o campo político, como não influenciar o governo para a adoção iniciativas e projetos sociais?”. E, finalmente, Reinaldo Ferreira, designer, aqui de Itatiba, São Paulo: “O que é que o senhor acha das empresas que fraudaram o tamanho ou o peso de determinados produtos? Se isso é antiético, como as Indústrias Klabin, de papel e celulose, empresa que fraudou o seu produto no mercado, faz ainda parte do Instituto Ethos?” – segundo o telespectador.

Gilberto Nascimento: Oded, só complementando, eu queria que você falasse também sobre o caso de construtoras, por exemplo, que participam de licitações fraudulentas e concorrências discutíveis e, no caso, também, como é que o Instituto Ethos já avaliou e já se posicionou no caso de empresas que produzem produtos polêmicos aí, como cigarro bebidas, por exemplo, como é que é? Se essas empresas são socialmente responsáveis, se é possível ser ou não ser?

Oded Grajew: Bom, a empresa que se associa ao Instituto Ethos ela não ganha por isso nenhum diploma, nenhuma medalha, nenhum certificado de socialmente responsável. A atitude de se filiar ao Instituto Ethos é da empresa que quer percorrer um processo, que quer percorrer um caminho, quer aprender e quer estar exposta a esse aprendizado. Muitas empresas, quando se associam, por exemplo, ao Instituto Ethos, ou quando começam a falar de responsabilidade social, eu acho que ainda não perceberam a importância e a profundidade desse conceito, e o cuidado que tem que ser tomado e, ainda, talvez, não levam muito em conta hoje que a sociedade está muito mais atenta, muito mais organizada. E eu acho que isso que aconteceu agora com a questão da fraude nos produtos, na desatenção nessa relação, eu acho também, numa atitude muitas vezes antiética, certamente servirá de aprendizado para todos, né? E para perceber que realmente a responsabilidade social é para ser levada a sério, que a sociedade está atenta, uma das coisas que nós realmente fazemos é tanto incentivar as empresas como incentivar que na sociedade se crie esse conceito, esses valores, que os meios de comunicação possam difundir o que é que é a responsabilidade social. Eu acho que vai ser, está sendo, um grande aprendizado. As empresas que não perceberam que isso é uma coisa seriíssima, que veio para valer, que a sociedade está atenta, vão realmente sofrer muitas dificuldades.

Gilberto Nascimento: Agora... só um complementozinho. Você é membro do PT. Eu queria que você falasse como é ser empresário e militante ou seguidor do PT, e uma coisa assim: dentro do partido muita gente vê com muita desconfiança, principalmente as pessoas ligadas aos chamados movimentos populares, vê com um certo ceticismo, assim, a atuação das empresas. Primeiro, como é a sua posição lá dentro? Como é que os petistas que acham isso te recebem? E o que você diz a eles aí, por exemplo, sobre essa...

Simone Coelho: [Interrompendo] Eu queria pegar um...

Gilberto Nascimento: ...esse receio ou essa desconfiança em relação à atuação das empresas?

Oded Grajew: Deixa eu responder [à pergunta do Gilberto].

Simone Coelho: Não, é que a minha pergunta vai na mesma linha do Gilberto, e eu só queria complementá-la.

Oded Grajew: Aí eu acabo esquecendo a sua.

[Risos]

Simone Coelho: Não, é na mesma linha, no seguinte sentido: eu entendo que você está... a responsabilidade social, e você disse agora há pouco, a importância de todo mundo estar fazendo a sua parte, estar atuando num certo sentido. Agora, tem uma crítica de esquerda, que vem pela esquerda, de que ao você construir um modelo cooperativo, na verdade você está desobrigando, em grande medida, o Estado de cumprir com o seu papel, com a sua função, não é? Então um pouco na linha do que o Gilberto [Nascimento] colocou e... Agora, por outro lado, o senhor é um político, um empresário vinculado ao PT, tem uma visão que, no meu entender, é um pouco diferente disso e propõe um modelo mais cooperativo. Então...

Oded Grajew: Eu quero contar um pouco a minha história junto ao PT. Em 1984, eu, como empresário, como eu desconfio muito das informações que eu recebo, mas eu tenho muita curiosidade de conhecer pessoas, eu telefonei para o Jair Meneguelli [sindicalista e político (1947-)], que era presidente da CUT [Central Única dos Trabalhadores] e disse: “olha, Jair, eu quero te conhecer.”. E fui lá no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e ele me falou: “Olha, você é o primeiro empresário que entra nesse sindicato.”. E nós começamos a conversar, eu me lembro que o Jair... você lembra, aquela figura bem fechada  não é, que assusta as pessoas, ele começou a contar que ele foi viajar, foi para Belém, e ele via a prostituição infantil, ele tem filhas, ele começou a me contar, a se envolver e ele começou a chorar, na minha frente. Aí eu pensei: “olha, eu acho que estou no lugar certo.”. E depois eu liguei ao Lula, e também fui conhecê-lo - foi em 1985, se não me engano -, e ele, não entendendo o que é que um empresário foi lá falar com ele, e eu querendo conhecê-lo, começamos a nos relacionar, a nos conhecer. Eu quero dizer que... eu recebi muitos presentes na vida, mas um dos presentes que eu recebi foi ter conhecido o Lula, e ter conhecido intimamente, e ser um amigo pessoal dele, da família dele, dos filhos dele - eu, junto com a minha mulher -, e conhecer a figura humana do Lula. Tirando a figura política, que é uma figura política extraordinária, é uma pessoa superdotada, mas um ser humano extraordinário. Eu acho que um dos grandes privilégios que eu tenho na vida é ter conhecido o Lula, e conviver com ele e ser amigo do Lula. Mas, na questão do PT, imagina, eu, como empresário, como, inclusive, dirigente de entidade empresarial, eu era presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos, a Abrinq, se posicionando politicamente, e apoiando o Lula em 89 [1989], me filiando ao PT, me expondo publicamente, você imagina que não é uma coisa fácil. De um lado, como você [dirigindo-se a Gilberto Nascimento] mesmo acabou de dizer, do lado do PT, uma desconfiança em relação aos empresários. Do outro lado, os empresários em relação a esse posicionamento político, mais ainda [por ser] o Partido dos Trabalhadores. Mas ao longo desse tempo todo eu realmente acho que exerci um papel grande que é estabelecer pontes entre essas desconfianças, tanto no Partido dos Trabalhadores quanto os empresários, entre aqueles que acham que o Brasil precisa melhorar, que precisamos de um outro país, mais digno, mais civilizado. Em todas as instituições que eu participei, no Instituto Ethos, na Fundação Abrinq, eu convivo com empresários de várias tendências políticas, de várias preferências, mas temos uma coisa em comum, que é a vontade de melhorar o país, e isso é uma coisa que inclusive nos une e nos dá a diversidade, me dá a diversidade de realmente fazer o trabalho. O que é interessante, o importante - né? - nesse exemplo de participação política é que eu acho que todos, inclusive os empresários, têm que participar muito mais da atividade política, da atividade partidária, não deixar a política para Jáder Barbalho, não deixar a política para o Maluf, porque essa idéia de que política não é uma coisa que a gente deve mexer é porque aqueles que estão mexendo não querem que outras pessoas de bem possam participar. Então, isso é muito importante que aconteça. De um lado, você falou da desconfiança empresarial, eu me lembro que no PNBE [Pensamento Nacional de Bases Empresariais, entidade não-governamental formada por empresários], [em] 1987, eu organizei uma viagem para Israel, onde eu nasci, juntando Jair Meneguelli, o Medeiros [Luiz Antônio de Medeiros (1948-), ex presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo], dois rivais sindicais, com dez empresários do PNBE, nós fomos lá em Israel, convivemos juntos, dividimos quartos, o Emerson Kapaz [empresário e um dos fundadores da Abrinq, já foi Secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo] ficou no mesmo quarto do Medeiros, eu fiquei no mesmo quarto do Jair, por razões que acabei de colocar, e vivemos juntos [durante] dez dias. Era uma coisa absolutamente inovadora no Brasil, empresários, líderes sindicais se conhecerem, trocarem idéias.

Marta Avancini: Mas aí é que está, né? Quer dizer, você está falando de uma experiência, eu acho que essa experiência, ela é concreta, ela está acontecendo, eu acho que o trabalho do Instituto Ethos é um trabalho importantíssimo no sentido de difundir essa nova mentalidade, mas ainda eu vou voltar lá no ponto [anterior], que ainda é uma coisa muito pequena. Ainda a gente está falando de um número... o Instituto Ethos tem o quê? [Tem] 470 associados, né? É um... se a gente for pegar pelo lado do PIB, o que isso movimenta... o que ele representa financeiramente é muito alto, mas ainda assim, ainda é muito pequeno. E tem uma outra coisa que eu queria falar e que eu pensei enquanto você estava respondendo a pergunta da Simone que é o seguinte, quer dizer: as empresas, não só as empresas, mas as organizações não-governamentais de uma maneira geral, elas tendem a ter uma ação localizada, o que é legítimo e que eu acho que tem que ser assim mesmo. Agora, não falta articulação? Porque o que eu fico imaginando é o seguinte: que a gente corre o risco de chegar num ponto em que você tem ações fragmentadas e você não tem um fio condutor que una essas coisas, ou seja, isso não vira política pública. E também não falta diálogo com o Estado, com o governo - né? -, para a gente unir esforços? Porque... que tem uma mobilização social, isso é verdadeiro. Não há que se questionar, mas não falta mais uma sinergia, quer dizer, juntar os esforços?

Oded Grajew: Falta. É, falta. Porque tem muita gente fazendo muita coisa, ...

Marta Avancini: Pois é!

Oded Grajew: ...por falta de meio de campo. Por isso que eu acho tão importante estabelecer essas pontes, estabelecer diálogos, conversas, conhecimentos, tirar preconceitos. Eu acho que esse meio de campo ele é fundamental. Agora, as políticas públicas são fundamentais e eu acho que a responsabilidade social que eu estou falando aqui, aqui a gente está falando de empresas, é o seguinte: a mudança não virá apenas através do trabalho das empresas.

Marta Avancini: Claro. Óbvio.

Oded Grajew: Isso é importante.

Simone Coelho: [Interrompendo] Seria uma redefinição do papel do Estado, sociedade e mercado, é isso?

Marta Avancini: Pois é, mas isso...

Oded Grajew: E outra perspectiva, outros processos, outra cabeça...

Simone Coelho: Construção de um outro modelo.

Oded Grajew: Outro... Eu vou te dar um exemplo de modelo, vou te dar um exemplo de modelo. O Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] publicou um estudo mostrando que nós temos no Brasil, estimativa, 30, 40 milhões, 50 milhões de pobres, 30 [milhões de] miseráveis. A distribuição de renda no Brasil é a pior do mundo. O estudo que foi feito é que se tivesse uma contribuição de 8% sobre a renda dos 10% mais ricos do Brasil, que detêm 50% da renda, isso acabaria com a pobreza no Brasil. E não é só você alocar recursos, eu vou te dar uma outra idéia. Hoje no Brasil, no mundo, nós temos uma série de carências sociais. De outro lado, nós temos uma série de recursos. De outro lado, nós temos uma série de pessoas que não fazem nada, que estão desempregadas. Se você alocar recursos para fazer pessoas trabalharem para o bem-estar da comunidade, é uma outra lógica. Tirar dinheiro, não apenas dar para as pessoas, mas treiná-las para melhorar a vida da comunidade. Você está num círculo virtuoso, porque você tem mais gente trabalhando para melhorar o bem-estar da coletividade, você tem menos desempregados e mais empregados, gente ganhando renda e sendo consumidor, impulsionando as atividades das empresas, você tem gente mais pagando impostos, mais recursos para o Estado cumprir seu papel, mais gente consumindo, as empresas crescendo, contratando gente, desenvolvimento econômico, geração de impostos, mais para o Estado. Esse é um círculo virtuoso. Hoje nós estamos em um círculo vicioso, porque você despede pessoas, você deixa desempregado, você deixa recursos alocados no mercado financeiro sem realmente ter uma destinação produtiva, aquilo que você falou, e menos consumidores, cada vez mais. Essa recessão mundial, recessão global, cada um despedindo um pouco, se despede muito e as empresas ficam sem consumidores. É uma outra cabeça. É uma outra mentalidade.

[...]: Agora esse círculo...

[Sobreposição de vozes]

[Risos]

Guilherme Peirão Leal: Eu queria virar um pouquinho, rumo a outro ponto que é o seguinte: nós estamos falando de uma mudança cultural. Nós estamos falando basicamente de uma ampliação de cidadania de pessoas físicas e jurídicas. Nós não estamos falando que as empresas vão salvar o mundo, nós estamos falando... o Robert Putnam [cientista político norte-americano (1941-)] já dizia que governo eficiente, Estado eficaz só existe em uma sociedade organizada, articulada e educada. Então, nós estamos falando de uma mudança cultural onde nós sabemos que a educação, que a gente já falou aqui, talvez tivéssemos que explorar um pouco mais, é absolutamente fundamental. E uma coisa positiva é que as empresas também só constroem hoje a sua capacidade competitiva em cima de uma sociedade mais educada, portanto existe uma convergência que pode levar a uma ampliação da cidadania. Nós sabemos que nesse processo de ampliação de cidadania a comunicação desempenha um papel absolutamente fundamental. Então, eu queria que você fizesse... tecesse algum comentário sobre dois aspectos: primeiro, como você analisa o papel e a evolução dos meios de comunicação de massa, principalmente, quer dizer, nesses anos que você está pregando essas idéias, essa mudança cultural, como é que os meios de comunicação estão se engajando? E também, como é que você vê o uso da comunicação das empresas na ampliação da cidadania? Num [programa] Roda Viva, uma vez, há muitos anos atrás, eu vi aquele fotógrafo responsável pelas propagandas da Benetton [empresa de moda italiana, com sede em Treviso, que se notabilizou por suas polêmicas campanhas publicitárias criadas pelo fotógrafo Oliviero Toscani] dizer que era muita falta de imaginação se usar o volume total de propaganda que se gastava no mundo, que era, se não me engano, alguma coisa perto de 40 bilhões de dólares, para vender só produtos. Quer dizer, pode-se vender muito mais: pode-se vender valores, pode-se vender o sonho de uma sociedade melhor, mais justa, mais solidária. Como é que você vê esse papel dos meios de comunicação e o uso das empresas, dos seus espaços de comunicação?

Oded Grajew: É fundamental o papel dos meios de comunicação, que hoje, inclusive, são, a sua quase totalidade, são empresas. Eu me lembro do dia, do primeiro dia que conheci o João R. Marinho [filho de Roberto Marinho], e eu falei para ele: “João, você tem idéia do poder que vocês têm? Você tem idéia que se vocês decidissem que todas as crianças brasileiras devem estar em escolas de boa qualidade, vocês têm um papel enorme nisso acontecer? Porque vocês moldam comportamentos, vocês fazem as pessoas se comportarem de uma forma ou de outra, vocês estabelecem prioridades, do que é mais importante e o que é menos importante.”. As empresas, quando anunciam - é não é à toa que gastam tanto dinheiro em propaganda - é pensando que elas vão fazer com que as pessoas se comportem de uma determinada maneira, ou valorizem determinadas coisas. Então, a responsabilidade na comunicação, ela... e na propaganda, ela é fundamental, porque tem conseqüências muito imediatas...

Guilherme Peirão Leal: [Interrompendo] Dá mais resultado para as empresas também, uma comunicação mais consciente? A pesquisa feita pelo Ethos mostrou, e você já citou agora há pouco, que o terceiro... que a propaganda enganosa é o primeiro fator que aparece como... cujo... que o consumidor repudia. Ele está disposto a penalizar a empresa, o primeiro item que ele está disposto a penalizar a empresa é a propaganda enganosa.  Por outro lado, você acredita que uma propaganda mais comprometida, mais engajada, mas que procura ser mais transparente e mostrar... e ajudar na criação de valores positivos, você acha que ajuda a construir imagem?

Oded Grajew: Eu acredito piamente, piamente nisso. E... Primeiro, eu acho que cada profissional, cada pessoa que trabalha nos meios de comunicação, cada empresário, deve pensar muito bem nas conseqüências de qualquer coisa que ele vai fazer. Se ele comunica determinadas coisas, que conseqüências isso vai ter? Se ele parar para pensar 5 minutos antes de tomar uma decisão sobre qualquer peça de comunicação, certamente, em muitos casos, ele vai refazer essa peça. Eu já falei, por exemplo, para os dirigentes da Embratel [Empresa Brasileira de Telecomunicações] e da Intelig [Intelig Telecom, empresa de telecomunicações sediada no Rio de Janeiro], que fazem aquela guerra tremenda de preços, que ninguém sabe mais, inclusive, qual é a ligação mais barata. E gastam milhões. Eu já falei para cada um deles o seguinte: se cada um de vocês usasse esse dinheiro para fazer uma propaganda - não é? - ou uma comunicação de conscientização sobre determinados assuntos, sobre o meio ambiente, sobre saúde, sobre responsabilidade social, certamente o efeito na sociedade vai ser muito importante, e para vocês, para cada um de vocês, e a pessoa vai telefonar, e vai escolher ou Embratel ou Intelig, não porque um tem 06, 07, porque as pessoas nem sabem exatamente como é que é, mas eu vou prestigiar aquela empresa porque ela usa o seu poder de comunicação para melhorar a sociedade, para comunicar valores. Eu tenho certeza que isso vai acontecer. Eu faço esse apelo para a Embratel e para a Intelig, e para todos os comunicadores.

Marta Avancini: Oded, duas coisas. Por que é que a Intelig e a Embratel não fazem isso, já que é óbvio que isso traz benefícios? Por que empresas desse porte não fazem isso?

Oded Grajew: Porque não mudaram a cabeça. Porque a cabeça não mudou.

Marta Avancini: Então, justamente. Não está muito lento esse processo de mudança? Quer dizer, o pessoal não precisava acordar, será?

Oded Grajew: Ele é lento, mas é necessário. Têm dois movimentos: tem o velho pensamento em andamento, tem o novo pensamento correndo ao lado. O que vai acontecer depende da velocidade de cada um desses movimentos. O que nós estamos tentando é acelerar o movimento novo, para que as mudanças ocorram antes dos desastres. Como geralmente os desastres acontecem para as pessoas mudarem [risos de Marta Avancini], a gente pretende que isso aconteça antes. Eu vou te dar uma idéia nova, por exemplo. Cabeça nova. Educação: como é que a gente melhora a educação no Brasil? Muita gente, o Sérgio [Sérgio Haddad, um dos entrevistadores] está aqui - né? - [Oded sorri], estuda... Eu tenho uma proposta: vamos ter um código de ética na administração pública para vereador, até o presidente, para que ele assuma o compromisso de que no fim de seu mandato seu filho, seu neto, estejam em escola pública. Porque ele é o responsável pela boa qualidade da administração pública. Todo mundo diz que faz o máximo. Eu duvido.

Marta Avancini: Eu também. [Marta ri]

Oded Grajew: Eu acho que falta vontade política. Então, se você tiver esse código de ética, porque é um absurdo o que acontece hoje, é como se... Eles não têm filhos na escola pública, não têm os familiares na escola pública, aliás, eles não usam os serviços públicos, que é um absurdo. É a mesma coisa que o responsável pelo serviço da TAM [Táxi Aéreo Marília, empresa de aviação comercial], ele só viaje pela Varig [Viação Aérea Rio Grandense S/A, companhia aérea brasileira fundada em 1927], por exemplo. Então, se isso tivesse esse código de ética, se eles se comprometessem realmente com o seu trabalho e usassem as conseqüências de seu trabalho, a qualidade dos serviços públicos seria completamente diferente.

[...]: Agora, Oded...

Paulo Markun: [Interrompendo] Só um segundinho. Pergunta de Marcelo Halen, de São Paulo: “Há alguma empresa de comunicação - rádio, TV ou jornal - participando dos projetos do Instituto Ethos?”.

Oded Grajew: Várias, várias empresas.

Paulo Markun: José Adriano Fenerick, de Jaboticabal, São Paulo, pergunta o seguinte: “Como fazer para que pequenos empresários, em pequenas cidades, como por exemplo Jaboticabal, no interior de São Paulo, possam ter alguma preocupação com a responsabilidade social, uma vez que tais empresários quase sempre dão a entender que vivem em Londres do final do século XIX, tamanha a sua truculência? O Instituto Ethos não poderia fazer parcerias com prefeituras locais para a realização de seminários, ou algo assim?”.

Oded Grajew: Nós fizemos uma parceria com o Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] para levar a responsabilidade social para um público maior de pequenas empresas, desmistificando que a responsabilidade social é coisa de empresa grande, de multinacional. É atitude, não é tamanho - não é? -, postura ética. Inclusive, muitas empresas que eram pequenas, hoje, por causa de uma postura socialmente responsável, se tornaram grandes.

Paulo Markun: E Maria Clara de Pierro, educadora de Perdizes, aqui na capital, em São Paulo, pergunta: “O senhor não acha que pagar imposto é a melhor forma de uma empresa cumprir com a sua responsabilidade social? Qual a sua opinião sobre a questão da sonegação de impostos?”.

Oded Grajew: Bom, sonegação de impostos é uma atitude socialmente irresponsável. Pagar impostos é um patamar mínimo. O que a gente fala da responsabilidade social é você ir além do patamar mínimo, além do patamar legal. O patamar legal é o começo de conversa. A postura ética vai muito acima disso, muito além disso, que é você ir além da parte legal e você ter uma atitude ética, responsável, com os diversos públicos.

Paulo Markun: José Eduardo Godoy... que... eu pediria, quem manda a pergunta pela internet, às vezes a gente não tem o endereço da pessoa, salvo o endereço eletrônico, ele diz o seguinte: “Sou um ex-empregado de uma empresa transnacional e sentia muita falta de políticas de responsabilidade social dentro dela, o que, de certa forma, gera um sentimento de passividade frente à situação social do país. Tenho duas perguntas para o senhor Oded Grajew: primeiro, estamos muito longe de um movimento de migração dos empregados, principalmente talentos, em busca de empresas socialmente responsáveis? E, segundo, será que terá de ser o Estado o principal impulsionador dessa mudança na postura das empresas ou o próprio empregado conseguirá fazer essa pressão?”. Lembrando que empresas, todas, são compostas por empregados. Ou por colaboradores, como gostam as empresas eticamente responsáveis.

Oded Grajew: É, a migração. Quando as empresas são mais conhecidas como socialmente responsáveis, há uma grande procura, demanda de pessoas que querem trabalhar nessas empresas, eu mesmo lá no Instituto Ethos recebo a visita de muita gente que quer mudar, quer mudar de vida, quer mudar de empresa, quer trabalhar num ambiente socialmente responsável. Esse é um dos fatores que impulsionam a responsabilidade social. Agora, de novo - né? -, o Estado... A pessoa fala o seguinte: “O Estado vai fazer”, como se o Estado fosse um ente separado da gente. Estado somos nós, somos todos nós. As pessoas que foram colocadas lá foram eleitas pelas pessoas que votaram. Hoje, se as pessoas tivessem a consciência das possibilidades de mudança que a sociedade organizada pode operar, acho que faria muito mais. Por exemplo, o impeachment do Collor não foi feito pelo Estado, foi feito pela sociedade. Uma coisa absolutamente inimaginável no Brasil, algum tempo atrás. Tudo que está acontecendo, a descoberta dos casos de corrupção, e foi feita aqui [uma pergunta] sobre a questão dos meios de comunicação: todos, que eu saiba, que eu me lembre, todos os casos [de corrupção] foram revelados pelos meios de comunicação, não foi nenhum órgão interno, de governo. Que eu me lembre, todos os casos foram revelados pelos meios de comunicação. E foram pela participação da sociedade, de cada um. Aliás, é importante cada um pensar no seu papel. Aquele pessoal que violou o painel do Senado, precisa pensar, e cada um precisa pensar, em nome de quê ele está fazendo o seu trabalho. Isso tem uma repercussão. Não adianta dizer: “Eu abri a porta da câmara de gás e não tenho nada a ver com isto.”, “Me mandaram fazer uma violação, mas eu sou um funcionário.”. Cada um, inclusive, tem a responsabilidade pessoal, social, no seu trabalho, no seu dia-a-dia, e pensar nas conseqüências do que é que ele está fazendo e a serviço de quê ele está trabalhando.

[...]: Agora, Oded, é...

Sérgio Haddad: Oded, eu queria fazer uma pergunta... que é a seguinte: ainda um pouco nessa linha sobre o papel do Estado, eu, alguns anos atrás, participei de uma reunião com um grupo de empresários que queriam conhecer um pouco o trabalho das organizações não-governamentais, e como apoiar... A primeira parte da reunião foi uma discussão sobre esses temas relativos à ação das ONGs etc. A segunda parte era... foi de que maneira a gente obtém isenções para poder apoiar, quais são os incentivos fiscais para isso. A gente, nos últimos anos, tem ouvido muito uma reclamação permanente com relação aos impostos, à diminuição dos impostos. A gente viu o caso do salário-educação [contribuição social destinada ao financiamento da educação básica pública, é calculada com base na alíquota de 2,5% sobre o valor total das remunerações pagas por qualquer empresa, pública ou privada]. Esse movimento de querer pagar menos imposto, menos impostos, ao mesmo tempo de ampliar a ação de responsabilidade social, não representa uma certa descrença no poder público, por parte do empresariado como motor de mudança social, por um lado? E eu emendo uma outra coisa que é a seguinte: a ação, vamos dizer, do empresariado, basicamente, ela atua sobre um campo específico do trabalho que a sociedade civil realiza. Basicamente num campo mais assistencial, filantrópico, de atendimento etc. É muito pouco o tipo de atuação que o empresariado faz em ações de mudança que possam, vamos dizer, atuar sobre mudanças estruturais mais gerais, apoiando processos de conscientização, por exemplo, ou de formação política, ou de lobby, enfim, tipo de ação como essa. A minha pergunta é a seguinte: será que essa responsabilidade social não está atuando sobre aquilo que, de fato, muda pouco? Ou seja, aquilo que muito mais atua sobre um certo verniz sobre o ponto de vista social, tanto em relação ao poder público, quanto em relação ao núcleo duro da sociedade que atua sobre questões mais diretas de mudança social?

Oded Grajew: É, existe esse risco. Existe esse risco. Primeiro, a empresa que está pensando muito mais nos benefícios fiscais, eu acho que ainda não percebeu a importância estratégica para ela da responsabilidade social. A importância da responsabilidade social para seu negócio, para seu crescimento, para sua imagem, e se pensar só nos incentivos fiscais, que são importantes, porque os incentivos fiscais, eles alavancam mais ações na comunidade, eles, inclusive, alavancam parcerias. Eu acho que a descrença no Estado é muito perigosa. Em vez de você abandonar o Estado, quer dizer, voltar à barbárie, é melhor você tentar construir um outro Estado, ter uma outra participação, para que o Estado faça o seu papel. Como eu acabei de falar, o Estado é fundamental para as transformações sociais. Existe o risco de as empresas, por exemplo, terem uma postura socialmente responsável e a sociedade toda se deteriorar. Por isso é tão importante ter um pensamento mais estratégico e mais estrutural e de maiores mudanças, o que é muito complicado. Porque uma coisa é você falar e agir sobre os efeitos da crise, outra coisa é você tentar agir sobre causas e fazer uma reflexão sobre causas. O Dom Hélder Câmara [arcebispo emérito de Olinda e Recife (1909-1999), grande defensor dos direitos humanos, foi indicado quatro vezes ao Prêmio Nobel da Paz] já falava né, que... ele dizia que quando ele falava sobre pobreza, todo mundo chamava ele de santo. Quando ele falava sobre as causas da pobreza, chamavam ele de comunista. E aí essa discussão sobre as causas, sobre as mudanças estruturais, são fundamentais. Por exemplo, no Brasil, hoje, que tem uma dívida interna dez vezes maior do que cinco anos atrás, que tem uma dívida externa que é o dobro do que tinha cinco anos atrás, onde 9% são pagos em juros, e o Brasil consegue gerar 3% de superávit, mas ainda faltam 6 [%]. Esses 6 [%] são cobertos com novas dívidas, e é onde você aumenta a dívida e cada vez mais os juros estão comendo o orçamento público, e onde está comendo o orçamento da educação, da saúde... Hoje a conta de juros é maior do que a saúde e a educação juntos. Então, pensar nesse modelo, pensar como você sai desse modelo, onde você tem um endividamento crescente, juros comendo teu orçamento, você precisa atender a população, você precisa aumentar o teu orçamento e dar... fazer ele ter mais eficiência na área da saúde e da educação. Pensar nessas questões todas, de inserção do Brasil no mercado internacional, a questão do endividamento do país, essa é uma discussão difícil, complicada. Muitos empresários têm uma dificuldade de enfrentar essa discussão, mas ela é fundamental, porque se as empresas avançassem na responsabilidade social, mas não pensarem no modelo, no orçamento público, aonde vão os recursos, nas possibilidades do Estado cumprir as suas funções, você pode ter empresas muito responsáveis e uma sociedade falida, e aí que vai acabar engolindo as próprias empresas.

Paulo Markun: Carlos.

Carlos Montaño: Oded, eu queria retomar uma questão que veio do bloco anterior, até porque eu não estou tão preocupado com a lentidão dessa nova... desse novo pensamento. Eu estou preocupado mais com se esse novo pensamento realmente significa alguma coisa de verdadeiramente novo. Quer dizer, se realmente é um pensamento novo que vai levar para uma nova sociedade ou uma sociedade diferente da nossa, no sentido da enorme desigualdade que existe. E tem a ver com a maquiagem. Empresas que sonegam impostos, empresas que fazem maquiagem dos seus produtos etc, na medida em que se filiam a entidades, como o Instituto Ethos, ou assumem uma imagem de empresa solidária, empresa cidadã, empresa com responsabilidade social, não está fazendo, na verdade, uma maquiagem da própria empresa, quer dizer, por um lado tem um comportamento que lida até com a legalidade e com a ética, mas por outro lado se mostra uma empresa solidária, com ação cidadã etc. Isso, na verdade, não está maquiando, e não está, portanto, contribuindo a uma maior aceitação desse tipo de empresa?

Oded Grajew: Ora, primeiro, eu, se fosse você, ficaria muito preocupado com a lentidão do processo. Eu recomendo você a olhar os relatórios sobre as questões ambientais e ter consciência de que o perigo é muito [enfatiza] grande. Eu acho que um dos problemas que nós temos pela frente é a pouca consciência dos enormes perigos que a espécie humana está enfrentando, resultados que vão acontecer a curto prazo, inclusive para você e seus filhos. Então eu acho importante a gente acelerar esse processo.

Carlos Montaño: Mas só uma questão aí... sobre isso: quando o governo norte-americano não assina o programa de Quioto [Protocolo de Quioto], não é pela má intenção do governo Bush. Aí há empresários que pressionam o governo para não assinar.

[...]: É lobby... é lobby...

Oded Grajew: No começo do programa eu falei sobre financiamento privado de campanhas e que faz com que o governante fique mais preocupado em atender os seus financiadores, pensando, inclusive, na próxima eleição, do que no bem-estar público. Só para você ter uma idéia do absurdo, agora, o grupo, o G7 [grupo que reúne os sete países mais industrializados e desenvolvidos economicamente do mundo, sendo eles: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e o Canadá] resolveu doar um bilhão de dólares para as doenças na África, todos os sete. Só o governo norte-americano vai aplicar trezentos bilhões de dólares no projeto balístico, de defesa balística, porque um dos grandes financiadores foi a indústria de armamentos. Mas o Instituto Ethos não tem a idéia, não tem a missão, e esse é um compromisso de todos os conselheiros, de maquiar e de enobrecer a imagem das empresas, e de uma forma irresponsável. Seria o fim de qualquer entidade não-governamental e o fim da entidade, o [Intsituto] Ethos. Aliás, o grande patrimônio de credibilidade de qualquer organização não-governamental, a Rebecca [Rebecca Raposo, entrevistadora] sabe disso, de qualquer fundação, é a sua credibilidade, a sua fidelidade à missão. O que nós estamos tentando é convencer as empresas de que é importante ser socialmente responsável, sensibilizá-las, oferecer ferramentas para que a responsabilidade social não fique na palavra, mas seja traduzida numa gestão, no dia-a-dia, em cada momento, em cada instante, em cada decisão e, junto à sociedade, promover o conceito da responsabilidade social para que a sociedade tenha essa percepção e possa agir. Eu acabei de falar do Instituto Akatu, que foi construído, imagina você se cada um de nós, se cada consumidor, na hora de comprar produtos e serviços, 100% de cada um de nós, pense, mesmo que seja intuitivamente: “Eu quero comprar só de empresa socialmente responsável.”. Isso tem uma enorme força transformadora. Várias empresas, são vários casos conhecidos, deixaram de usar mão-de-obra infantil porque os consumidores deixaram de comprar os produtos. Várias empresas hoje mudaram as suas políticas ambientais porque os consumidores deixaram de comprar os seus produtos, então, isso não depende das empresas, depende da consciência de cada um. O que nós fazemos é ajudar a levantar essa consciência nas empresas e na sociedade, e fazendo com que, inclusive, várias empresas que hoje adotam, e realmente são muito sérias, sejam conhecidas e mostram: “Olha, isso é possível, você não faz porque você não quer”. Mas que várias estão fazendo, estão fazendo. Então, isso é muito importante, isso depende de cada um de nós.

Gilberto Nascimento: Só um pouco em cima da...  

Rebecca Raposo: [Interrompendo] Oded, eu queria fazer uma pergunta rápida aqui. Não sei nem se é tão rápida, Gilberto. Mas, pegando um pouco essa questão da consciência que você vem falando, e do que a Marta [Marta Avancini, entrevistadora] já trouxe, acho que duas vezes aqui, dessa velocidade, que é lento, que isso precisava ir mais rápido, quer dizer, essa conscientização das empresas, que algumas se engajam por motivos que nós sabemos que não são ainda aqueles motivos que nós gostaríamos que fossem, e pensando nessa questão que você trouxe antes, resgatando um pouco a questão de mudança da lógica na relação entre os setores, entre os vários atores da sociedade, qual é, na sua experiência, a demanda, a pergunta mais freqüente que as empresas fazem quando elas se aproximam de você? Porque no Gife, por exemplo, a gente tem uma experiência muito específica mas, quando elas se aproximam do Ethos, o que elas pedem, que tipo de apoio elas pedem? E voltando um pouco no que você falou desse papel de ponte que você vem exercendo e se sente confortável, um pouco eu acho que é o teu dom fazer isso, o que você diria para as organizações não-governamentais que ainda estão um pouco atordoadas com essa chegada das empresas na área social e que pode haver financiamento, e que atrás disso pode ter dinheiro, mas que essa mudança de lógica ainda não se deu, então o diálogo entre esses dois atores, por vezes, é um pouco... um monólogo [risos]. O que você diria para as ONGs, e o que as empresas dizem quando vão até você?

Oded Grajew: Bom, primeiro as empresas... primeiro, hoje, conhecendo, inclusive a gente, os conselheiros, a nossa filosofia, elas não entram, assim, muito facilmente. Elas querem saber se elas vão estar à altura. Elas se perguntam muitas vezes: “Será que eu vou estar à altura? Será que... eu não sou socialmente responsável?”. E eu falo: “você não precisa ser, você precisa estar no processo.”. Elas querem ajuda porque falam: “Eu quero ser, mas o que eu faço?”. E aí nós temos uma série de publicações, de conferências, de encontros, como é que ela pode desenvolver a responsabilidade social nas suas diversas relações, como é que ela pode medir através de indicadores, como é que ela pode planejar, como é que ela pode avaliar, como é que ela pode programar. Então, essa é uma demanda muito grande. Para as entidades não-governamentais que se aproximam das empresas existe um enorme risco. Aliás, é um risco para todas as entidades não-governamentais, que é começar com muito boa intenção, muito idealismo, e quando a entidade, ela começa a crescer, quando ela começa a adquirir credibilidade, respeito da opinião pública, ela começa a ser menos combativa, ela começa a se conformar com o establishment [ordem social ou ideológica vigente], e ela começa a pensar muito mais nela do que na sua missão. Esse é um enorme perigo. No começo ela perguntava, por exemplo: “O que é bom para a minha missão?”. E depois ela começa a perguntar: “O que é bom para a minha organização?”. Isso é o começo da morte. Outra coisa, na relação com a empresa, ela precisa manter uma independência e saber que ela tem que impor condições. Não adianta a empresa chegar lá e dizer: “Olha, faça isso, faça aquilo!”, e usar o seu poder econômico. É importante que ela mantenha uma independência e não abra mão da sua missão, de seus princípios e que ela não absorva valores de mercado na sua organização, que é do terceiro setor. Eu acho que cada um tem o seu papel. Cada papel é muito importante: das empresas no setor lucrativo, no mercado, e das entidades não-governamentais em levar missões adiante e não absorver das empresas valores de mercado. De administração de competência, sim, mas não abrir mão de sua missão, quer dizer, ser realmente um contrapeso.

Gilberto Nascimento: Oded, a gente tem falado bastante, você tem falado bastante em responsabilidade social, mas outro termo muito em voga, ou em moda, também, é o marketing social. Eu queria saber, primeiro, o que você acha dessa expressão e se quem está realmente indo em busca disso não sai muito fora da tão almejada e sonhada responsabilidade social? Se daí não se começa, realmente, a se tomar ações que tenham o objetivo de... antes, assim, de mais nada, de fortalecer o nome de empresa, de...

Oded Grajew: Bom, olha, tem os dois lados. O marketing social é como o marketing de produto. Se é um marketing socialmente responsável, se ele tem consistência, se ele realmente transmite informações corretas, sérias, embasadas, ele é muito importante, porque ele cria valores. Quando, por exemplo, uma empresa socialmente responsável, ela transmite, ela comunica o que ela está fazendo, para muitos empresários isso é muito importante, porque muita gente diz: “Ah, isso é muito bom, muito legal, mas isso não é possível fazer, a empresa não tem nada que fazer isso.”. Quando começa alguém mostrar que está fazendo, primeiro a discussão passa a ser não o que não é possível, mas por que é que você não faz. E depois ele olha e fala: “Mas se ele está fazendo, por que é que eu não estou fazendo?”. E as empresas são muito competitivas, é importante transmitir, porque se alguém está fazendo, outro já vai querer também fazer. Isso também cria valores na sociedade. Agora, se isso for feito de uma forma irresponsável, transmitindo informação, atitudes, posturas que não têm uma coerência na postura da empresa, eu acho que é o caminho do fim. Como é a propaganda enganosa. Eu só queria aproveitar, até responder alguém... você [aponta para um dos entrevistadores] que falou sobre a velocidade. Eu queria dizer para as pessoas que acham que as coisas são feitas devagar, que não podem ser aceleradas, que, na hora que muda a cabeça, a coisa é muito rápida. O que demora é mudar a cabeça. Eu vou te dar um exemplo: no mundo, hoje, estudos da ONU [Organização das Nações Unidas] mostram que com 90 bilhões de dólares você acaba com a miséria no mundo e você faz com que todas as pessoas tenham acesso à educação, à saúde, água potável e planejamento familiar. Isso representa 0,6% do PIB mundial. Nada. Nada. Agora a cabeça não deixa que esse 0,6% - né? - vá para acabar com a pobreza no mundo. É só a cabeça, porque não é o recurso, nem nada. Eu vou te dar um exemplo: não é um absurdo ter pessoas que têm recursos - nós, inclusive, aqui - que estão no nosso bolso, que não fariam a menor diferença se a gente não tivesse, o nosso nível de vida não ia mudar. Vou te dar um exemplo, se cada um de nós desse dez reais aqui... E tem pessoas que morrem de fome porque não têm acesso a esse recurso. Não é um absurdo do ponto de vista humano? Por que isso não acontece? Porque a nossa cabeça não pensa dessa maneira. Se a gente perceber que no mundo, no Brasil mais ainda porque é um país de péssima distribuição de renda, mas os recursos todos para acabar com a pobreza, com a miséria, no mundo, no Brasil, estão aqui presentes. Não é Deus que vai nos mandar. Deus pode nos iluminar a mudar a cabeça, mas eles estão aí. Se a gente conseguir canalizar esses recursos para as carências de uma forma realmente que isso gere, aquilo que eu falei, trabalho, círculo virtuoso, o mundo muda. Mas o que é preciso é ter um outro olhar, uma outra perspectiva, uma outra maneira de pensar.

Carlos Montaño: Mas será que o problema não está em deixar que isso seja a partir da ação voluntária, quer dizer, da cabeça, que se eu quiser eu faço!? Agora, não há uma possibilidade de, por exemplo, uma intervenção do Estado, fazer, mesmo que compulsivamente, através dos impostos, obrigar-nos, nos obrigar, independentemente da nossa cabeça, a pagar impostos para que o Estado possa...

Oded Grajew: [Interrompendo] Por que é que o Estado foi criado? Por que é que foi criado o Estado? A sociedade percebeu que ela sozinha não consegue viabilizar as coisas, que uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais solidária, é benéfica para todos. Então foi criado o Estado para que possa redistribuir recursos. O papel básico do Estado seria redistribuir os recursos, redistribuir a renda, promover a justiça social. Agora, o Estado somos nós, somos todos nós, depende de todos nós. Não vai mudar se todos nós não percebermos que isso possa acontecer, não vai vir ninguém que vai fazer as coisas por nós. Isso depende da ação de cada um de nós. Na pressão, na escolha dos governantes... O surgimento hoje da sociedade civil organizada, que é um fenômeno, o chamado terceiro setor está passando, pouco a pouco, a ser segundo e vai passar a primeiro. O que é isso, esse terceiro setor? É a sociedade civil organizada que diz: “Eu vou participar, eu vou agir, eu vou pressionar, eu vou fazer as mudanças.”. E essa é a salvação da humanidade. Essa sociedade civil organizada, no meu ponto de vista, é a salvação da humanidade.

Rebecca Raposo: Oded, eu queria só dizer para você o seguinte, e aí fazer a minha pergunta, né? Que na nossa experiência no Gife é exatamente isso você falou anteriormente. O processo de tomada de consciência, de percepção, é o momento mais longo, é o mais arrastado, o mais demorado. A partir do momento que isso se instala, essa nova configuração, esse novo pensar, como você falou antes, aí as coisas caminham mais... mais velozmente.

Oded Grajew: [Interrompendo] Eu vou te dar um exemplo, Rebecca, como a cabeça muda. Eu vou relatar uma experiência pessoal. Há quatro anos atrás eu estive numa reunião da ONU, onde estiveram outros brasileiros, por isso que eu posso contar, porque é tão absurdo, porque eu tenho testemunhas. Estava lá o Michel Camdessus [economista (1933-), foi diretor-gerente do FMI entre os anos de 1987 e 2000], diretor-gerente do FMI. E ele contou a seguinte história: “Eu estive semana passada com o presidente da Indonésia [Haji Muhammad Suharto (1921-2008)], e ele me perguntou o que é que eu faria” – falando o Michel – “o que [é] que ele, o presidente da Indonésia, poderia fazer para melhorar a situação do país e diminuir a pobreza.”. Porque ele estava preocupado com a pobreza. Aí o Michel Camdessus falou: “E aí ele me pegou completamente de surpresa porque eu nunca pensei nesse assunto, diminuir a pobreza.”. O Michel Camdessus, o diretor geral do FMI. E ele falou: “Agora que estamos aqui, juntos, quero que vocês me ajudem a pensar um pouco, eu vou ter uma reunião do G7.”. Imagina uma pessoa como essa se, realmente, com esse poder, tivesse pensado nesse assunto, como é que a cabeça faria com que as políticas... seriam completamente diferentes? Apenas um exemplo.

Simone Coelho: Oded, eu queria...

Rebecca Raposo: Eu ia finalizar...

 Simone Coelho: Ah, desculpe...

[Risos]

Rebecca Raposo: É rápido, é rápido, Simone. Eu queria só retomar um pouco do que o Guilherme [Guilherme Peirão Leal, entrevistador] falou anteriormente, a pergunta dele com relação à comunicação, cruzar um pouco com a do Gilberto [Nascimento]. Que, com relação a essa diferença do marketing social e à comunicação, quando você coloca que é importante uma empresa dar consciência, dar saber, sobre o que ela está fazendo de bem, de bom e de bem feito, para que isso possa ter um efeito de contaminação positivo, um círculo vicioso, como você falou anteriormente...

Oded Grajew: Virtuoso.

Rebecca Raposo: ... virtuoso, como você falou anteriormente, não seria uma diferença, aí, isso aí não seria mais um projeto de comunicação, que é dar conhecimento de alguma coisa, do que marketing propriamente dito? Não seria mais adequado para nós, que estamos querendo fazer desenvolvimento social, para nós que estamos querendo fazer mudança de consciência, ter um projeto mais amplo e generoso de comunicação do que de marketing?

Oded Grajew: Claro, é comunicação. Acontece que muitos empresários chegam e dizem: “Olha, eu faço isso, faço aquilo, mas eu não quero contar, porque eu faço porque eu gosto, porque eu quero.”. E a gente sempre estimula eles a contar o que eles fazem, porque o exemplo é muito positivo.

Rebecca Raposo: Nós também.

Oded Grajew: Porque os empresários, as pessoas, os jovens, eles lêem o jornal, vêem a televisão, vêem as referências, muitas vezes são negativas e eles pensam que a vida é assim, que não é possível fazer de uma outra maneira, que não é possível fazer de outro jeito. E o exemplo positivo, ele é muito importante como referência, mostrando que é possível fazer e mostrando que você tem escolhas, tem escolhas na vida, [que] você pode agir de uma forma ou de outra e que o que vai balizar a tua escolha vai ser uma... a tua postura ética. Então, na realidade, é a comunicação. De novo, você tem que comunicar algo verdadeiro, você tem que comunicar algo que tem consistência. Mas o exemplo, ele é multiplicador, é muito importante comunicar.

Paulo Markun: Oded, nosso tempo está acabando e eu queria, primeiro, registrar que todas as perguntas, os e-mails e os faxes que chegaram serão encaminhados para você como, aliás, o programa faz todas as vezes. É sempre impossível para quem está aqui na mediação encaminhar as perguntas, no ar, de todos os telespectadores. Em segundo lugar, eu queria terminar com duas perguntas de telespectadores, que eu acho que dá para responder [de forma] curta. Alex Ponge Lutti, de São Miguel Paulista, aqui em São Paulo, diz o seguinte: “Você conversou com o filho do Roberto Marinho sobre a importância do papel que ele teria em convencer a população e os empresários a participar mais da responsabilidade social e não disse qual foi a resposta dele.”.

[Risos gerais]

Oded Grajew: Ele... ele não respondeu na hora. Ele ficou pensativo e eu acho que ele, talvez, poucas vezes pensou nisso. Mas eu tenho certeza que ele está respondendo. Tanto assim que quem está notando o comportamento de alguns meios de comunicação, por exemplo, inclusive da Rede Globo [de Televisão], ao longo dos anos, eu não estou falando de processos, que pode ter alguma crítica etc, mas houve uma evolução tremenda. Eu posso atestar isso tanto no seu envolvimento com a comunidade, na sua postura interna, estão sendo aplicados indicadores em todas as organizações. A resposta veio, mas veio de forma concreta e positiva.

Paulo Markun: Finalmente, Vali Fernandes, de Bebedouro, interior de São Paulo, atendente, quer saber qual é o significado da palavra ethos.

Oded Grajew: Bom, ethos vem... é uma palavra antiga, grega, e do ethos deriva uma série de coisas, por exemplo, forma de comportamento de um determinado grupo, ética, reunião de companheiros, e basicamente é o sentido da vida que... a postura ética faz com que a gente tenha atitudes, sempre escolhas a fazer, de acordo com o sentido que a gente dá à vida. Então, foi daí que veio a origem da palavra ethos e que a gente espera que realmente se concretize cada vez mais na vida de cada um, do país, do mundo e... na escolha do nome tem uma esperança.

Paulo Markun: Obrigado Oded Grajew, obrigado aos nossos entrevistadores, a você que está em casa, e na próxima segunda-feira nós estaremos aqui com mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até segunda.

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