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Paulo Markun: Boa noite. Ele comanda um ministério que, em geral, não tem muito destaque na imprensa, ao contrário de outros que freqüentam as primeiras páginas dos jornais todos os dias. Mas agora, com a reforma tributária, esse ministério ganha importância em função do reforço financeiro que terá para levar adiante a idéia do desenvolvimento regional no Brasil. Virou por isso o ministério alvo de olho gordo, especialmente na véspera de reforma ministerial. O Roda Viva entrevista esta noite o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, adversário de Lula no primeiro turno da eleição passada e que foi convidado pelo próprio presidente para fazer parte do governo.
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Narração de Valéria Grillo: Ele nasceu em 6 de novembro, é de escorpião. A personalidade e a fama de temperamento forte e pavio curto pareciam não deixar dúvidas. Mas repórteres que foram perguntar a ele se era isso mesmo, ouviram que não é bem assim. Ciro Gomes se considera apenas um indignado com a condição do Brasil. E, ultimamente, muito pelo jeito, um indignado mais light, menos impetuoso. Até o presidente Lula comentou a mudança, e brincou com Ciro recentemente na cerimônia de criação da nova Sudam, ao falar que é preciso calma nas ações de governar.
Luiz Inácio Lula da Silva: Nós vamos fazer as coisas devagar, na paciência. Vocês vejam, por exemplo, o Ciro, vejam como ele está com uma cara mais tranqüila, mais madura, deixando a barba crescer, o cabelo está ficando branco...
Valéria Grillo: Deve ser mesmo coisas da idade. Aos 45 anos, esse paulista que nasceu em Pindamonhangaba e foi crescer no Ceará já tem uma longa carreira pública, que começou muito jovem. Aos 25 anos, formado em direito, foi deputado estadual pelo PDS cearense. Aos 29, ganhou a eleição para prefeito de Fortaleza, e aos 31, para governador do Ceará. Em 94, aos 35 anos, foi ministro da Fazenda no governo Itamar Franco. Deixou o Brasil em 95 para estudar economia política nos Estados Unidos. De volta, depois de ter passado pelo PDS, MDB, PMDB e PSDB, filiou-se ao PPS, o Partido Popular Socialista, e disputou duas vezes a Presidência da República, em 1998 e em 2002, quando ficou em quarto lugar no primeiro turno e apoiou Lula no segundo. Conta que, depois da eleição, estava de férias em Cuba quando recebeu, por telefone, um convite do presidente eleito para fazer parte do novo governo. Algumas conversas depois, ficou definida a participação. Ciro Gomes assumiu o Ministério da Integração Nacional, que logo de início teve um corte de 90% da verba. O aperto, determinado pelo ajuste fiscal do governo, foi momentâneo e útil. Serviu para suspender projetos, apurar irregularidades e rever o sistema de distribuição de recursos. Agora, com a reforma tributária e a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional, o Ministério da Integração ganha um novo fôlego. A previsão de orçamentos melhores promete novos investimentos em infra-estrutura, principalmente estradas e energia. A criação de uma pretendida câmara de políticas regionais poderá redesenhar a geografia do desenvolvimento, com destaque para uma expansão agrícola no Centro-Oeste e até no Nordeste, com a transposição das águas do rio São Francisco. O governo já dispõe de recursos para levar a água do velho Chico para o interior do semi-árido, a região mais seca e sofrida do país, uma idéia que vem se arrastando há anos por conta da polêmica que ainda provoca.
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Paulo Markun: Para entrevistar o ministro Ciro Gomes, nós convidamos Marta Salomon, repórter especial do jornal Folha de S.Paulo; Sérgio Fadul, coordenador de economia da sucursal de Brasília do jornal O Globo; Mauro Chaves, editorialista e articulista do jornal O Estado de S. Paulo; Luís Nassif, do Programa Econômico aqui da TV Cultura; Adriana Ramos, coordenadora de políticas públicas da ONG Instituto Sócio Ambiental e representante nacional das entidades ambientalistas do Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente –; e finalmente Luciano Suassuna, diretor de redação da revista IstoÉ Gente . O Roda Viva, você sabe, é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Para você participar do nosso programa, o telefone está aí na tela: (0xx11) 252-6525. Você também pode utilizar o fax, que é o (0xx11) 3874-3454 ou o endereço eletrônico do programa: rodaviva@tvcultura.com.br. Faça sua pergunta, sua observação, sua crítica, sua sugestão para o Roda Viva . Boa noite, ministro.
Ciro Gomes: Boa noite.
Paulo Markun: Eu queria começar com o seguinte: lendo a pesquisa aí que foi feita pela TV Cultura, sobre a sua vida e a sua pasta, fiquei surpreso ao descobrir que, na verdade, o Ministério da Integração nasce ainda no tempo do Império, sob outra denominação. E depois de examinar atentamente a quantidade de atribuições e de funções que o Ministério tem hoje, eu confesso que não consegui chegar a uma síntese. Imagino que o senhor, que é muito mais competente que eu para isso, certamente vai fazer. Explique para o público, afinal, qual é a essência da função do Ministério da Integração Nacional?
Ciro Gomes: A essência é tentar contaminar o governo; portanto, não é um ministério obreiro. É um ministério que tem algumas tarefas de infra-estrutura, especialmente infra-estrutura hídrica, mas a grande tarefa é tentar articular iniciativas de todas as esferas de governo, e do governo como um todo, para um Brasil desigual, ou seja, tentar equilibrar o desenvolvimento profundamente desigual sob o ponto de vista do espaço territorial que hoje acontece no Brasil.
Paulo Markun: Agora, isso significa trabalhar na Amazônia, no Nordeste, no Centro-Oeste e ponto [final]?
Ciro Gomes: Não, absolutamente não. Hoje, se você olhar a questão do desequilíbrio regional, apresenta-se de forma, inclusive, dramaticamente grave em lugares onde não se suspeita. Aquela velha concepção, dramaticamente conservadora, de que a pobreza está no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste, e que o Sudeste e o Sul são ricos, não se sustenta na realidade contemporânea do Brasil. E nosso planejamento hoje reflete essa compreensão completamente distinta. Nós estamos trabalhando em escalas múltiplas: micro, meso e mega regionais. Para dar um exemplo prático: se nós fizermos, como nós fizemos, um estudo para olhar o estágio de, vamos dizer, animação econômica sob o ponto de vista de espaços territoriais, não macro politicamente considerados, a pior região, em matéria de decadência – claro que partindo de um patamar bem melhor do que os lugares mais miseráveis do semi-árido do Nordeste –, a pior regressão econômica, o maior sofrimento está na metade sul do Rio Grande do Sul. Ali, o PIB [Produto Interno Bruto], nos últimos vinte anos, caiu mais de 10%. Você encontra em São Paulo – não se suspeitava [isso] nesse nosso estudo –, [no] Vale do Ribeira, um quadro dramaticamente empobrecido e em processo de empobrecimento. Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha, Mucuri são dramaticamente pobres; assim, têm uma pobreza similar à do semi-árido nordestino. Aí, claro que nos megablocos você tem uma Amazônia profunda – diferente, por exemplo, do entorno de Manaus, do entorno de Belém, que são regiões que têm problemas como São Paulo e Rio de Janeiro, problemas urbanos que precisam de uma atenção grave. Mas, de Manaus, por exemplo, já saem 6% da produção industrial do país, diferente do Alto Solimões, ou do Vale do Juruá, ou do Vale do Rio Acre, na mesma Amazônia. Assim o Centro-Oeste: o Centro-Oeste hoje, provavelmente, dará ao Brasil esse meio ponto percentual de crescimento econômico que nós vamos ter, na média. Eu espero que seja um pouco mais, mas se estima meio ponto do crescimento de 2003, que vai ser basicamente extraído – sob o ponto de vista de espaço territorial – do Centro-Oeste, o que não quer dizer que não haja miséria, por exemplo, no entorno de Brasília, no entorno do Distrito Federal, você tem uma cidade de duzentos mil habitantes, formada assim, de ontem para hoje, que é uma selva, onde a população sofre o drama completo de lama na rua, de falta completa de infra-estrutura e graves problemas institucionais. Então, essa é a nova concepção, é uma política nacional de desenvolvimento regional.
Paulo Markun: Não é como aquele equilibrista de prato do circo, quer dizer, quando o último prato está quase caindo, tem que correr lá? Como é que se administra isso tudo?
Ciro Gomes: Ao contrário, nós vamos tentar evitar esse equívoco. Como a precariedade de recursos do país é uma realidade que não vai se superar tão rapidamente quanto nós desejávamos, nossa estratégia vai ser de concentrar. Ao invés de a gente querer alimentar a ilusão de fazer um pouquinho por todo mundo – que acaba não fazendo nada, que é o que vinha acontecendo – nós vamos trabalhar... já temos localizadas 14 mesorregiões no país. Essas mesorregiões, nós vamos trabalhar com os atores sociais locais em uma dinâmica muito interessante. Num primeiro momento, é basicamente uma catarse, as pessoas vão ali se queixar, mas nós temos uma metodologia, até que essas pessoas são induzidas – eu estou falando de empresários, ONGs, trabalhadores, universidades, enfim, políticos de todos os partidos –, nessa dinâmica eles vão ser induzidos a refletir concretamente o que está acontecendo e o que objetivamente pode ser feito. Daí sai uma agenda que não é atribuição específica do Ministério, uma agenda de estrada, de energia. Nós articulamos com os ministérios afins a esses assuntos. Ainda amanhã nós vamos lançar, com a liderança da ministra [de Minas e Energia] Dilma [Rousseff], o programa de eliminação da exclusão elétrica, e isso está funcionando muito bem, nós apoiamos o esforço de identificar onde é que são os maiores vazios de oferta de energia elétrica, e a tarefa aí é do Ministério de Minas e Energia. Ao ministro dos Transportes, nós passamos aquela agenda pertinente, e nós focamos em arranjos produtivos locais. A idéia de gerar empregos será nosso foco obsessivo.
Marta Salomon: Mas o plano plurianual, ali do governo, já deixa uma indicação de que a grande obra, tanto do seu ministério quanto do governo Lula, vai ser a transposição de águas do São Francisco. O vice José Alencar estava prevendo que ela poderia custar uns vinte bilhões de reais. Você acha que isso é compatível com o tamanho de ajuste fiscal que a gente vai ter nos próximos anos?
Ciro Gomes: A hora é essa de a gente lembrar que nós somos o Brasil, quer dizer, nós fomos amesquinhados; nossa cabeça de brasileiros foi amesquinhada...
Mauro Chaves: [interrompendo] Só um esclarecimento, ministro: o senhor confere [o que ela disse]? Porque o senhor disse ainda há pouco, antes do programa, que o senhor calculava em seis bilhões e duzentos milhões de dólares, em vinte anos...
Ciro Gomes: A estimativa do programa São Francisco...
Mauro Chaves: [Porque] Vinte bilhões, acho que é uma disparidade grande.
Ciro Gomes: Não, não. Seis vezes três: 18. Você está falando...
Mauro Chaves: Ah, em vinte anos?
Ciro Gomes: Ela estava falando em reais.
Marta Salomon: [Eu falei] em reais.
Mauro Chaves: Ah, desculpe!
Ciro Gomes: Eu lhe falei em dólares, não é?
Mauro Chaves: Está certo, está certo...
Ciro Gomes: [Em suma] 6,5 bilhões de dólares é a estimativa do programa como um todo, que tem iniciativas de revitalização do rio, que vão iniciar independentemente de qualquer outra iniciativa já no ano que vem. Tem um conjunto de intervenções, que são intervenções dramaticamente necessárias para os estados lindeiros ao rio – é o Canal do Sertão Pernambucano, é o Canal do Sertão Alagoano, é o Canal de Xingó, em Sergipe; é um conjunto de [projetos], o projeto Salitre, projeto do Eixo Sul, na Bahia, o Baixio de Irecê, na Bahia, que são projetos de irrigação, barragens em Minas Gerais, Berizal, que queremos concluir já no ano que vem; Congonhas, que é uma prioridade importante; Jequitibá 1 e 2 também, em afluentes do rio São Francisco. Enfim, nós estimamos, com a liderança do vice-presidente, um programa – ao invés de uma obra, pura e simplesmente, de infra-estrutura, despreocupada com a questão ambiental, despreocupada, como no passado –, infelizmente foi anunciado de forma atabolhoada, ainda que em alguns momentos de forma muito bem intencionada. Eu me lembro aqui do ministro Fernando Bezerra, que sempre tentou arrumar esse projeto, mas de outras tantas [vezes] não foi assim. Então, esse é um programa importante, que para o país é simplérrimo, é um número muito simples, não é um número assustador se imaginar o Brasil vinte anos...
Mauro Chaves: [interrompendo] Mas é simples, ministro? É muito dinheiro.
Ciro Gomes: Claro que é muito dinheiro, mas repare o custo, o benefício, o prazo e as proporções do orçamento brasileiro. Vamos raciocinar: 20 bilhões – vou fazer uma conta rasa –, 20 bilhões em vinte anos dá um bilhão por ano. Um bilhão por ano é 0,0X [do orçamento brasileiro].
Mauro Chaves: Quer dizer, o governo Lula anuncia quatro bilhões para isso?
Ciro Gomes: Nós vamos pagar à força da dívida que nós recebemos, para a gente começar a apimentar a conversa aqui, nós vamos pagar este ano 155 bilhões de reais de juros da dívida interna. Por aí você tira a proporção.
Sérgio Fadul: Mas a dívida não vai assumir, não é, ministro? A dívida vai continuar tendo que ser paga no ano que vem.
Ciro Gomes: Vai continuar, infelizmente, nesse crime, esse atentado contra a sorte do povo brasileiro foi cometido, e o que nos resta é resolver esse problema, essa é a nossa determinação, mas eu estou apenas chamando esse número para dar aqui a proporção de um bilhão de reais por ano para uma obra que tem o condão de atenuar dramaticamente os efeitos históricos de uma seca no semi-árido setentrional nordestino. Não tem proporção. Nós temos, inclusive, um cálculo de quanto custaram os últimos episódios de seca. Se você perceber, nós gastamos um bilhão e meio de dólares na última seca.
Luís Nassif: Ministro, só para a gente entender um pouco. Tem uma discussão antiga em relação à questão do rio São Francisco. É que o rio serve para a energia, para saneamento, transporte, para irrigação. Do ponto de vista técnico, essa questão da transposição sem prejuízo de outras funções do rio já está equacionada?
Ciro Gomes: Está. A Agência Nacional de Águas [ligada ao Ministério do Meio Ambiente, assume como sua missão "implementar e coordenar a gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos e regular o acesso à água, promovendo o seu uso sustentável em benefício da atual e das futuras gerações"], é ela que cuida da outorga, então, ela que define o volume de água que vai ser destinado para energia, o volume de água que vai ser destinado para irrigação ou, eventualmente, o volume de água que vai ser feito para interligação de bacias. E é bom que a gente tranqüilize, porque já houve muita polêmica, muito desrespeito ao povo no passado em relação a essa questão. O rio São Francisco, de Sobradinho até a foz, é um rio artificializado. Ele tinha, na natureza, quando não tinha as barragens da Chesf, ele tinha a cheia de 16 mil metros cúbicos por segundo, e baixo de 800 metros cúbicos por segundo. Então, isso dava ao rio uma dinâmica. [Havia] os pescadores da região de Penedo, da foz, tiravam [de lá] o seu sustento, e hoje eles não têm mais os peixes, as barragens não dão mais peixe. As pessoas têm prejuízos, ninguém cuidou deles. Nós, agora, temos um programa específico para cada uma dessas funcionalidades, porque essa é a determinação do presidente Lula: rever todo o projeto para fazê-lo na ambiência de um projeto de fato de desenvolvimento, e não [apenas] uma obra física de engenharia. Muito bem: [de] 2.060 metros cúbicos regularizados de Sobradinho para baixo, os eixos de transposição pretendem transportar apenas 63 metros cúbicos médios, o que dá ao redor de 5% dessa água. Ou seja, se todo mundo tiver noção disso, ninguém mais vai ficar contra, ninguém vai mais ficar assustado, porque no passado já se pensou em transpor 500 metros cúbicos por segundo, o que é um contra-senso absoluto.
Adriana Ramos: Mas então a proposta que o governo vai apresentar é um projeto diferente daquele que está em análise pelo Ibama? O governo vai apresentar um projeto...
Ciro Gomes: Nós nos comprometemos; a ministra [do Meio Ambiente] Marina [Marina Silva], que é a nossa parceira... o Ministério da Integração Nacional colocou a premissa ambiental em todas as suas frentes; os fundos constitucionais só emprestarão recursos agora para o projeto de sustentabilidade ambiental previamente demonstrada, e assim [também para] as obras de engenharia. Então, nós estamos trabalhando a quatro mãos com o Ministério do Meio Ambiente, e nós pretendemos rever toda a estrutura do projeto, que está sendo feita já, para adequá-lo ipsis litteris àquilo que tem que ser da sustentabilidade ambiental.
Adriana Ramos: Qual vai ser a prioridade? Vai começar por onde?
Ciro Gomes: Nós não vamos aceitar condicionantes: isso primeiro, aquilo depois. Até porque não há razão para isso. A revitalização, que é o grande apelo dos ambientalistas, e meu também, que sou ambientalista, é incondicionalmente aquilo que tem que ser feito, e vai começar a ser feito, nós já colocamos no orçamento, tanto do Ministério do Meio Ambiente como no nosso, da Integração Nacional, providências na área da revitalização, já para o 1º de janeiro do ano que vem [2004]. Isso independe do conjunto de outras providências. Nós pretendemos retirar o licenciamento – o pedido de licenciamento prévio que havia no Ibama –, adaptá-lo a essas novas concepções que foram mediadas pelo vice-presidente José Alencar, que se entregou a uma tarefa bastante delicada, mas que ele desenvolveu com a maior habilidade, de conversar com ambientalistas, com políticos, com ONGs, com todo mundo que tem alguma coisa a ver. Nós fomos para a boca do leão, e eu quero confessar que fui meio tenso e saí de lá muito feliz. Nós nos reunimos em Penedo com o Comitê de Bacia, e foi uma noite riquíssima para mim, aprendi coisas extraordinárias. E o povo é generoso; se a população, realmente, tiver segurança de que aquilo não será uma armação, mas sim uma coisa generosa, que vem da concepção do presidente Lula, que carregou – ele brinca que tem o pescoço curto porque carregou lata de água na cabeça –, nós temos essa chance por circunstância, quer dizer, 5% da água do Brasil estão no Nordeste; destes, 75% são [...] do rio São Francisco.
Mauro Chaves: [interrompendo] Em termos de apoio político, ministro, vou repetir a pergunta que eu fiz antes de começar o programa e o senhor respondeu. Queria que você respondesse agora, publicamente: qual a opinião do senador ACM [Antônio Carlos Magalhães] sobre esse projeto?
Ciro Gomes: Os baianos e o senador Antônio Carlos Magalhães, como um bom baiano, têm uma posição cética. Eles não se põem propriamente contra, mas ficam preocupados: por que se faria um transporte de quinhentos quilômetros de uma água, se a meia légua do leito do rio no território baiano há comunidades sem água? Esse é um argumento absolutamente normal, legítimo, e o que nós temos que fazer é compreender essas demandas todas no ambiente do programa, e não colocar uma coisa como condição da outra. Até porque, quando se captam em Cabrobró 63 metros cúbicos médios, para atender 12 milhões de pessoas que estão na iminência do canal, e 19 milhões, que são a população mais miserável do Brasil, e que são o pulso migratório dramático que pode inviabilizar São Paulo, que pode inviabilizar o Rio de Janeiro, você está fazendo um projeto nacional, em que as particularidades, ainda que legítimas, têm que começar a ceder lugar. E há um dialogo muito generoso, nesse momento, graças à habilidade do vice-presidente José Alencar.
Marta Salomon: Parece que as resistências tendem a ceder...
Ciro Gomes: Talvez, se fosse eu o encarregado, não me desse tão bem quanto [José Alencar].
Marta Salomon: Essas tendências tendem a ceder diante de um preço a ser pago. Então, lá na Bahia, o gerador de energia, ele vai concordar se ele for remunerado pela energia que lhe deixarem gerar pelo rio...
Ciro Gomes: Não, nós estamos negociando...
Marta Salomon: E tem um preço aí, que eu acho que não foi colocado nessa equação, e que a Agência Nacional de Águas diz que haverá. A população que consumir essa água da transposição vai ter que pagar. Vai ser um custo assimilável?
Ciro Gomes: Nós estamos com esses custos todos estimados. Esse custo mais caro sai por... Eu não estou com o número exato aqui, mas sai por qualquer coisa ao redor de sete centavos de real por metro cúbico, o que não é um custo importante. Agora, nós não pretendemos que a população stricto sensu pague. Nós queremos dar economicidade ao projeto, e a idéia é que esse projeto venda água bruta aos estados destinatários, para que eles então utilizem a água tratada conforme convenha. E já existe a tarifa de água urbana, já é uma tradição no Brasil se pagar. E nós precisamos tornar econômica também a tarifa de água para irrigação, até porque isso vai tensionar para outros modos tecnológicos de irrigar que economizem água. Nós estamos preocupados com isso no projeto. Não faz mais nenhum sentido inundação, [isso] inclusive preda solos. Nós temos que ir à microaspersão, ao gotejamento, que são modos de usar a água muito mais econômicos.
Luís Nassif: Ministro, só para entender um pouco o que é a missão do Ministério. Se a gente tem o Ministério das Cidades, teoricamente incumbido de tratar dos problemas urbanos e tudo mais, a gente tem o [programa] Fome Zero, a gente tem o PPA [Plano Plurianual], cuja idéia é fazer essa integração horizontal entre os diversos ministérios: saneamento, energia e transporte, e tem o MDIC [Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior], teoricamente incumbido dos arranjos produtivos. Para não haver trombadas, qual é o espaço do Ministério da Integração?
Ciro Gomes: Nós trabalhamos na base territorial, e não queremos exclusivismos. O Ministério, na verdade, foi refundado; ele tinha virado na prática um balcão de varejo, em que ele era um mero repassador de recursos e convênios, mais de seis mil, sem fiscalização. Nós já conseguimos trazer de volta mais de dez milhões de reais. Em custeio e outras atividades, economizamos 85 milhões de reais este ano...
Luís Nassif: 85 [milhões] em uma verba de quanto?
Ciro Gomes: De 220 [milhões]. É uma boa pancada, tamanho era o desperdício. O Ministério tem algumas missões que eu não posso deixar de lembrar. Ele, por exemplo, encima o Sistema Nacional de Defesa Civil, então isso é uma tarefa específica. O Ministério é encarregado de obras de infra-estrutura hídrica: barragens, canais, adutoras, poços etc. Ele tem essas duas missões específicas. No resto, nós organizamos, para esse foco, em arranjos produtivos locais, em cima de base territorial definida. Então, quando nós encontramos algum elemento... Por exemplo, vamos a Paraíba; descobriu-se um arranjo produtivo local importante na área de caprinos; desenvolveu-se ali uma tecnologia de embutidos de caprinos; estão fazendo presunto de caprino, e eles são muito acanhados, não têm para quem vender, ou falta-lhes crédito, ou falta-lhes um adicional para inovação tecnológica, ou lhes falta o conhecimento do caminho para o comércio exterior. Aquilo que nós temos em expertise, nós usamos diretamente. Por exemplo, tem o Fundo Constitucional do Nordeste para financiar 1,7 bilhão de reais este ano, com os juros mais competitivos da praça brasileira. Assim como no Centro-Oeste temos o FCO [Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste], e no Norte o FNO [Fundo Constitucional de Financiamento do Norte]. Temos revisto profundamente os órgãos de desenvolvimento regional; administramos a certificação de renúncia fiscal etc. Mas se nós, por exemplo, chegamos em um ponto de comércio exterior, nós pedimos socorro ao Ministério do Desenvolvimento e do Comércio Exterior, que sabe muito melhor do que nós fazer isso. Nós sabemos fazer melhor em base territorial, identificar o arranjo local, fazer o mapa das suas necessidades, das suas carências, e articular o que nós podemos fazer diretamente e o que nós precisamos de parceria.
Luciano Suassuna: E a recriação da Sudam e da Sudene? Como é que isso vai ser feito para que não volte a ser o velho balcão de negócios ou “propinodutos” antigos?
Ciro Gomes: Nós fizemos um mergulho muito profundo na história dessas duas instituições. Porque a primeira grande pergunta, que nós sabíamos que teríamos que responder, era: faz sentido no Brasil de 2003 recriar essas instituições? E a segunda, ou talvez a primeira, seria: como garantir que isso não vai virar a mesma imundície impune do passado? Bom, essas duas perguntas, para nós, estão muito bem respondidas. Primeiro: faz sentido por uma circunstância prática: a proporção de população brasileira no Nordeste e na Amazônia e a proporção da produção brasileira do PIB nacional, extraída dessas duas regiões, apresenta aí, e em mais nenhum lugar do país, sob o ponto de vista macrorregional, um gap [descompasso] sem igual. No Nordeste, 28% da população, menos de 14% da produção brasileira; na Amazônia, 13% da população, menos de 6% da produção nacional. Então é absolutamente contemporânea – olhando a experiência européia, a incorporação da Península Ibérica, e agora as novas iniciativas, ou a da Alemanha, para incorporar a Alemanha do Leste depois da unificação, ou agora as iniciativas em gestação em direção ao Leste Europeu – é moderníssimo que você tenha uma instituição pensando estrategicamente, e ferramentas que permitam acelerar o desenvolvimento dessas regiões de desenvolvimento mais atrasado. Portanto, nós estamos contemporâneos do que há de mais avançado no mundo. Trata-se agora de responder à segunda pergunta. Aí nós fizemos um mergulho, que para mim foi facilitado, porque eu era um velho crítico. Eu, como governador do Ceará, ia nas últimas sextas-feiras do mês, e tem essa história toda, eu era inimigo da Sudene, da corporação, porque eu ia lá denunciar, pedir vista de processos, denunciar roubalheira, denunciar desvio de recursos. E eu conheço bem isso, de maneira que foi facilitado. Mas nós ouvimos todo mundo, e aí as instituições, elas mesmas, não são corruptas, concordem comigo: corruptas são as pessoas ou aqueles que têm o poder político de nomear, fecham os olhos, ou deliberadamente nomeiam pessoas corruptas – como infelizmente, a meu juízo, foi o caso recentemente –, até à porta de extinguir as duas instituições. Na prática, olhamos cada um dos institutos, onde teve corrupção nós fechamos, extinguimos, a despeito de uma crítica de certas frações das elites regionais das duas regiões. E inovamos com as instituições, de maneira que, na prática, nós estamos agora privatizando o risco da fraude. Como? Nós vamos criar o fundo; esse fundo vai fomentar por uma linguagem de crédito/risco/garantia, e o incentivo vai ser dado em uma linguagem não bancária. Nós vamos dar carências, que não são normais no mercado, nós vamos dar prazos longuíssimos para resgates, que não são normais no mercado convencional, e vamos tabelar os encargos financeiros. Vai ser mais caro: o dinheiro que houver vai ser de 80% da TJLP [taxa de juros de longo prazo], e como vai funcionar? O conselho deliberativo escolhe a base territorial, portanto nós não vamos disponibilizar para todo mundo em qualquer lugar, assim você dá incentivo para as pessoas se estabelecerem na praia, nas cidades maravilhosas que há no Nordeste, como Fortaleza, por exemplo, sem demérito das outras tantas, como Salvador ou Recife, ou Natal, ou Maceió, ou Aracaju...
[...]: E Teresina?
Ciro Gomes: Teresina, naturalmente, mas não está na praia. Teresina não está na praia, mas São Luis está [risos]. Então não vai mais ser assim. Nós vamos graduar: o conselho deliberativo escolhe a prioridade do arranjo produtivo e elege a base territorial por um determinado período. A partir daí, cada fundo desse terá um comitê gestor interativo com a sociedade civil. A idéia é ter um controle social prévio: ONGs, universidades, Ministério Público, enfim, quem puder e desejar participar, vai participar desse comitê gestor. Aprovado o arranjo produtivo, identificada a base territorial, o comitê gestor aprovará a carta consulta. A partir da carta consulta aprovada, nós pretendemos deixar o crédito na mão de qualquer instituição financeira aprovada para funcionar pelo Banco Central, inclusive cooperativas de crédito. O cidadão vai então a uma instituição pública ou privada, ou numa cooperativa de crédito, demonstra que tem a carta consulta aprovada; a partir daí a linguagem é: crédito/risco/garantia. E nós vamos pagar a instituição 6% de [...] o crédito. Esses 6% vão remunerar o risco, de maneira que, se houver uma fraude, um desperdício ou mesmo uma decisão equivocada de mercado, a instituição financeira está obrigada a indenizar o fundo.
Luciano Suassuna: Isso para projetos novos. E os antigos?
Ciro Gomes: Os antigos estão em uma carteira [...] liquidação. Não vão entrar na nova.
Luís Nassif: O Banco do Nordeste fica como nesse arranjo?
Ciro Gomes: O Banco do Nordeste administra o fundo. Nós vamos sediar, hospedar o fundo no Banco do Nordeste, mas a operação dele, o Banco do Nordeste vai delegar a qualquer instituição financeira autorizada a operar pelo Banco Central, sem depender da nossa concepção. Eu devo dizer isso porque o projeto está em deliberação no Congresso Nacional.
Paulo Markun: Ministro, duas perguntas de telespectadores, aqui, mais ou menos na mesma direção. Vamos começar pelo Paulo Guilherme Ávila Aguiar, que diz o seguinte: “Gostaria de pedir ao ministro que ele fizesse uma avaliação da expectativa que ele, ministro, tinha quanto ao Lula como presidente. E qual a avaliação que ele faz hoje”. Na mesma linha, um pouco mais apimentada, Ivan de Almeida Campos, de Goiânia, diz o seguinte: “O ponto mais forte da personalidade do senhor sempre foi se expressar com clareza seus pensamentos e sentimentos; então, o seu silêncio e a concordância com o aparente continuísmo do governo Lula têm realmente o seu apoio? O senhor pensa que o PT está certo? O que é que mudou?”.
Ciro Gomes: Olha, eu, francamente, para continuar sendo quem eu sempre fui, acho que a crítica mais difícil de responder é quanto, no nosso governo, nós ainda parecemos com o governo passado. Mas eu, por dentro, compreendo bastante bem o que está acontecendo, de maneira que a minha expectativa em relação ao governo Lula, eu diria que melhorou em relação à que eu tinha. De novo, sendo franco, eu fui candidato à Presidência da República duas vezes, não diria propriamente contra o Lula, porque eu fui contra o projeto que o senhor Fernando Henrique representava. Mas eu achava que o PT, representado pela candidatura Lula, não tinha – para além da crítica procedente, correta, da indignação moral, da indignação ética, do sentimento nacional, valores com os quais eu sempre me identifiquei com eles –, eles não tinham, para além disso, uma compreensão, pelo menos aparente, do meu ponto de vista, do que seria o Brasil para ser governado. E essa expectativa subverteu-se positivamente, quer dizer, o presidente Lula revela-se um homem capaz de domar os seus próprios parceiros, os seus próprios companheiros, para administrar uma estratégia pela qual ele lucidamente optou. Nós tínhamos uma estratégia possível de rupturas, quebra de continuidades, assim, em símbolos bastante claros, e ele optou, diga-se a bem da verdade, dando coerência ao que ele disse em campanha, contra a minha opinião, não é? Ele optou por uma estratégia de transição sem ruptura, e está funcionando, os números são muito mais fortes do que a minha estima, do que a minha feição, do que meu orgulho de servir ao país sob a liderança do presidente Lula. Os números são importantes: o Brasil precisava praticamente de quatro reais para comprar um dólar, quando ele tomou posse. Alguém pode pensar que isso é coisa de quem compra dólar, mas não é: o preço do pão tem a ver com o dólar, porque o trigo é importado; o preço de todas as coisas que o povo compra tem a ver com o dólar, porque o frete é produto do diesel, que é produto do petróleo, que é pago em dólar, uma boa parte dele ainda. Quer dizer, os remédios que o povo toma, ou precisa para tratar suas doenças, praticamente, seus princípios ativos são todos pagos em dólar; o eletroeletrônico das TVs que estão ligadas, ou dos rádios, enfim, praticamente 86% da eletroeletrônica brasileira, criminosamente, são importados; isso foi o que se produziu nesse país nos últimos anos de desnacionalização da nossa economia. E hoje o dólar está domado em 2,87; 2,77 [reais por dólar], não sei a cotação de hoje, mas é bem abaixo de 2,90 desde outubro. A inflação se projetava para mais de 50% este ano, e havia números de 3% no IGP-M [índice geral de preços do mercado], no mês de janeiro. Enfim, indicadores de descontrole. Nós agora estamos com inflação projetada menor do que 5%, de 12 meses à frente, hoje. Claro, o nível de atividade econômica é muito frágil; a renda do povo caiu; o desemprego não cedeu, ao contrário: em São Paulo e em algumas regiões metropolitanas, como Salvador, agravou-se de uma forma preocupante. Nós estamos muito preocupados com isso, mas eu diria que esse cenário de arrumação da casa, de administrar uma transição sem rupturas, que era um compromisso do presidente Lula, nós estamos conseguindo.
Mauro Chaves: Uma estranheza que causa é a seguinte: apesar de o senhor considerar os aspectos positivos do governo Lula...
Ciro Gomes: Não, cair a renda não é um aspecto positivo.
Mauro Chaves: Não, não é isso, não. Eu sei...
Ciro Gomes: O desemprego ser alto não é...
Mauro Chaves: O senhor disse ainda há pouco, em uma entrevista, que o povo arquivou o seu projeto, o projeto agora é outro, não é o seu projeto...
Ciro Gomes: Não é o meu, claro.
Mauro Chaves: Muito bem. Agora, a estranheza é a seguinte: a sua experiência administrativa de prefeito, governador... o senhor é um homem de convicções. O senhor tem idéias sobre quase todos os campos de administração pública, de previdência, de tributação, de política econômica em geral. O senhor sempre pontificou sobre isso, o senhor tem as suas convicções, não é? Quer dizer, me parece que, de repente, nesse um ano – e é bom perguntar, porque é a primeira entrevista genérica que o senhor dá depois de um ano das eleições. Eu queria saber o seguinte: o senhor disse que até no governo existem os aviões e os teco-tecos, e o senhor se considerava um teco-teco. O que eu pergunto é a estranheza que causa, até o Markun no início falou: “O Ministério não aparece na mídia”. Talvez pelos dados que o senhor está dando agora, deveria aparecer até mais, porque tem coisas muito importantes a serem debatidas. Mas a impressão que causa é a seguinte: o senhor arquivou um pouco o seu projeto, não só o povo arquivou, mas o senhor arquivou o seu projeto. O senhor está em projeto de outro? O senhor não está influenciando o governo. A gente vê, por exemplo, ministros que estão influenciando. Quer você concorde ou não com o [ministro da Educação] Cristovam Buarque, concorde ou não com o [ministro das Comunicações] Miro Teixeira, eles estão mostrando um pouco a [proposta] deles. Agora, o senhor está assim, como disse o Lula, muito cordato. O vice-presidente está interferindo, reclamando, [ao passo que] o senhor está muito pacífico, não só em termos de temperamento, mas em termos de convicções. O senhor não está mostrando, por exemplo, a sua opinião sobre previdência, sua opinião sobre reforma tributária, acho que [o senhor] não está passando isso.
Ciro Gomes: Eu estou fazendo isso internamente, como acho que é o meu dever. Porque, repare, a minha situação é uma situação muito delicada, sob o ponto de vista pessoal. Eu sofri muito, muito mesmo, eu fui transformado praticamente em um doidão na campanha que passou. Eu nunca fui isso. Eu sou um homem muito conseqüente. Não me perdôo, não me absolvo pelos erros, pela imaturidade em um ou outro momento. Afinal de contas, reagi a um camarada que me provocou na campanha, chamando-o de burro, e eu podia ter deixado sem fazer. Mas imediatamente transformam isso como se fosse a marca do meu comportamento, e não é. Mas, enfim, eu aprendi, aprendi com os meus erros. Em seguida, amadureci muito, se devia aceitar ou não. Quando terminei a campanha eu disse: caramba, o meu ramo de vida não é ser presidente, eu quero mudar o Brasil, que é muito mais difícil. O povo brasileiro teve a oportunidade de ver o debate e escolheu o Lula. Eu digo: acertadamente; eu falo assim com muita honestidade. Acertadamente; ele tinha muito mais base social do que eu. Ele talvez não tivesse a vivência que eu tinha nos negócios de Estado, pela trajetória que eu tive, mas ele tem muito mais base social, muito mais base, muito maior representatividade do que eu. Então, foi uma decisão correta. Como sempre, o povo brasileiro acertou. E eu podia perfeitamente escolher de ficar fora, dizendo: “olha, está errado isso”, e ia para casa, ou “está errado aquilo” – não falta coisa para mostrar [que está] errada, não é? Ou contradição y, contradição w, muito simples para um homem com a minha vivência. Mas eu fui convocado por ele para ajudar. Pensei bastante: caramba, qual o meu papel? Então, eu quero estar nisso só se for eu o chefe? Só se for eu que mande? Não, não pode. Aí seria uma coisa que trairia a própria auto-estima, o próprio respeito que eu tenho por mim mesmo, na dimensão íntima que eu estou falando. Então, achei que era o meu dever, como acho ainda hoje, que todo mundo que puder deve ajudar, alguns com a crítica, outros chamados a colaborar, colaborar, essa é a minha obrigação.
Mauro Chaves: Mas, e suas idéias sobre previdência, sobre tributos?
Ciro Gomes: Estão todas aí. Na minha cabeça, fervilham idéias.
Mauro Chaves: Mas você passa isso para o governo?
Ciro Gomes: Passo, quando sou chamado. Veja, eu estava dizendo em autodimensão, agora, eticamente, eu vou fazer o quê? Eu, que fui candidato, que, como você disse, tenho opiniões publicadas sobre tudo, [se] aceito ser auxiliar do presidente, eu tenho que aceitar que ele é meu chefe funcional e eu pertenço a uma equipe. Eu tenho uma responsabilidade: dar um expediente correto, aplicar bem os recursos do Ministério da Integração e desenvolver o máximo, como nós estamos fazendo. O projeto do Ministério, hoje, dá entusiasmo, e eu estou fazendo o meu trabalho. Fora do expediente, ou no meu expediente, [quando eu sou] chamado [por] qualquer companheiro, ministro da Previdência, ministro da Fazenda, ministro da Ciência e Tecnologia, quer dizer, [se me perguntam] qual é o seu palpite? Qual é a sua opinião sobre isso? Ou o presidente da República, eu digo com a maior franqueza, com a maior sinceridade. Isso eu tenho feito. Agora, não tem sentido um camarada que foi candidato, que aceitou eticamente a liderança do presidente, ficar deitando falação de como as coisas deviam ser, até porque é muito fácil...
Marta Salomon: Mas o senhor ainda acha que o modelo econômico está [...], como o senhor dizia na campanha, que sofria de uma infecção generalizada, e que o Lula, se eleito, poderia fracassar se buscasse soluções ortodoxas, que é o que ele está buscando, não é? Pelo menos até agora...
Ciro Gomes: [interrompendo] Não sei, não sei. Eu acho...
Marta Salomon: O senhor mudou de idéia, o senhor tem feito ioga?
Ciro Gomes: Eu acho que o modelo econômico...
Marta Salomon: Como é que o senhor lida com isso?
Mauro Chaves: O senhor disse que se o Lula repetisse o modelo, ele poderia se tornar um novo de la Rúa.
Ciro Gomes: Eu não vou fugir da provocação, embora eu vá me manter na disciplina a que eu quero me impor. Mas eu acho, continuo achando, que o modelo econômico que nós herdamos é inadministrável, e me refugio em números. O governo Fernando Henrique, que nos impôs esse modelo, aumentou a carga tributária 1% do PIB por ano de governo. O governo Fernando Henrique arrochou as despesas públicas brasileiras ao menor volume de investimento desde a Segunda Guerra Mundial. Isso se vê nas estradas: 80% destruídas; um terço dos mestres e doutores das universidades públicas foram embora; a segurança saiu do controle; o povo brasileiro já viu isso, eu não quero falar mal de ninguém, eu quero falar dos números, para me manter nessa serenidade que me baixou a taxa de colesterol... Terminando: aumentou a carga tributária, contraiu a despesa no limite do osso, a ponto de inviabilizar o país, faltando energia elétrica, e privatizou 100 bilhões de dólares no período. E o país teve a menor média de crescimento econômico dos últimos cinquenta anos. Então, os números são muito fortes para você não ter um refúgio seguro. Agora, tínhamos a alternativa de fazer algumas rupturas. Na minha cabeça existiam algumas delas imaginadas. O presidente Lula assumiu o compromisso de fazer a mudança sem rupturas. Assinou, diga-se de passagem, no meio da campanha, com a azeda crítica minha, uma Carta aos Brasileiros, onde assume compromissos de não romper contratos, de não fazer rupturas, contra a minha azeda crítica na campanha. Eu chamei aquilo de “carta aos banqueiros”, fazendo ironia. Agora, francamente, o país está melhor hoje do que estava. E eu trabalho comovidamente convencido de que nós estamos em uma transição.
[...]: Mas não mudou.
Ciro Gomes: Nós estamos em uma transição. E já mudou muita coisa, muita coisa já mudou. O padrão ético, por exemplo, que para mim tem uma importância central, é outro. O máximo de azedume...
Sérgio Fadul: Mas não existe um grupo dentro da Esplanada, um grupo de ministros que acham que essa transição já foi completada e que agora está na hora de dar um outro passo? Ministros que estão sendo, de certa forma...
Ciro Gomes: Um tem [risos].
Luís Nassif: Então, deixe-me fazer uma pergunta em relação a esse ponto específico. O próprio [jornal] O Globo deu uma bela matéria este final de semana, no domingo, [sobre] as discussões internas. Para romper com essa herança e com esse modelo, tem que reduzir os juros. E daí você fica sabendo que...
Ciro Gomes: Essa parte aí é a menos complicada, Nassif, é a menos complicada, e já está se fazendo.
Luís Nassif: Pois é, e fica-se sabendo que o presidente do Banco Central não reduziu mais os juros, porque o argumento foi que se o Copom [Comitê de Política Monetária] não desse por unanimidade a votação em favor daquela taxa de juros ia comprometer a imagem do governo perante o mercado. O governo não está refém da mesma espécie de pensamento estreito? O senhor falou em pensar grande aqui, quando falou em transposição do rio São Francisco. Ele não está preso a uma mesma espécie de pensamento raso?
Ciro Gomes: Não.
Sérgio Fadul: Está dando certo, então não vou mexer?
Ciro Gomes: O quê?
Sérgio Fadul: Se está dando certo, o mercado está gostando [o governo não vai mexer nos juros]...
Ciro Gomes: Não, não. O presidente Lula administra um governo que tem, vamos dizer, funcionalidade simples, como eu: administro ali os fundos constitucionais, administro a refundação das coisas, estabeleço uma política etc. É uma tarefa simples. Mas o [ministro da Fazenda Antonio] Palocci administra uma tarefa arriscadíssima, não é? Quando nós tomamos posse, venciam 62 bilhões de dólares, [em] data conhecida, neste ano de 2003. Catando de um lado e do outro, superavit, balança comercial, na melhor hipótese, investimento direto estrangeiro, na melhor hipótese, catando lá de dentro, não tinha a metade disso aí para pagar. Então, o Brasil ia à bancarrota em 2003. E aí, pensa que é assunto de banqueiro? Não é. É [possibilidade de] hiperinflação, uma série de coisas para o povo. Claro, obra feita, você pode dizer para trás: errou, quer dizer, a taxa de juro está exagerada e tal. A taxa de juro é uma febre de uma infecção, então [...] fazer juízo, e eu faço internamente...
Luís Nassif: Mas o Banco Central pode controlar a febre.
Ciro Gomes: Internamente, como é o meu dever, eu tenho a minha opinião sobre isso, que eu vou continuar reservando aos ouvidos, se desejarem, do presidente da República, quando me chama, e dos meus companheiros de equipe. O que eu posso, entretanto, afirmar em público é que a estratégia de transição sem rupturas com a qual o presidente Lula se comprometeu funcionou, e o presidente Lula, eu trabalho na convicção de que prepara o Brasil para uma mudança. Eu quero dizer que ele não vai fazer nenhuma ruptura, mas eu conheço a rotina do presidente, converso com ele, e ele faz questão [de dizer]... eu já ouvi isso dezenas de vezes, em auditórios onde não se supunha que fosse necessário ele dizer: “Eu quero dizer a vocês, povo brasileiro, do Sul, do Nordeste, do Centro-Oeste, da Amazônia, que vou resgatar cada um dos compromissos que celebrei”.
Luciano Suassuna: Mas, ministro, desde junho já se ouve isso, que o espetáculo do crescimento ia começar em julho...
Ciro Gomes: A palavra espetáculo... quer dizer, o presidente tem uma função de animar as expectativas. Você me desculpa interrompê-lo. E ele precisa, muitas vezes... as pessoas estão olhando para o presidente para decidir se vão investir, se vão desistir, se tem segurança etc. Inclusive externamente. Então, o presidente tem essa tarefa mesmo, é um pouco de animador, de agitador, de passar do próprio estado de espírito dele, qual é a perspectiva que ele tem. Agora, o crescimento econômico voltou já, não é brilhante, não é espetacular, concordo...
Luciano Suassuna: Mas deixe eu refazer a pergunta em outro jeito. No começo do governo, quando veio aquela paulada nos juros e todo o arrocho do orçamento, do qual o senhor foi quase uma vítima...
Ciro Gomes: Voltemos a falar sobre isso.
Luciano Suassuna: Tudo bem, mas quando veio toda essa contenção de gastos, a emenda da Previdência, a pressão para que fosse aprovada, porque isso geraria mais caixa no médio prazo etc, passou essa confiança no governo, quer dizer, era um governo que sabia o que estava fazendo naquele momento, não é? E grande parte dos benefícios está aí, essa recuperação da credibilidade da equipe econômica. Mas agora que as coisas estão começando a andar, não se sente a mesma firmeza no sentido de o que vai acontecer agora? Qual é a política industrial? Quer dizer, o senhor tem um projeto? A economia está andando porque a taxa de juros abaixou? Ou porque esse país é incrível, também porque o arrocho durou muito tempo, quer dizer, de qualquer jeito veio o investimento. Mas não se tem uma linha, não se tem a mesma convicção de que chegaremos lá daqui a algum tempo. O senhor não tem uma política industrial definida? O que vem agora?
Ciro Gomes: Eu posso ficar de acordo com você que não está sistematizado o rumo estratégico do país. Mas há um trabalho febril de construção disso. Ele vem por fragmentos, ele acontece já dentro de um cenário intelectual livre de preconceitos e interdições. Quando nós formulamos a nossa nova política energética, nós não temos nenhuma interdição mental de dizer que uma estatal vai participar de licitações de linha de transmissão. Quando nós formulamos a nossa política... ou marco regulatório do saneamento básico, que está em processamento de ser feito, ou quando nós pensamos o PPP [Parcerias Público-Privadas], nós há muito tempo abandonamos o dogma neoliberal [neoliberalismo], a satanização da presença do Estado na economia, e vamos avançando. Concordo, entretanto, que isso não está ainda sistematizado, muito menos simbolizado em um rumo. A política industrial, por exemplo, há uma convicção de que nós precisamos ter, que já é diferente daquela do passado, que dizia que política industrial era um anacronismo do passado. E é bom lembrar que nós temos 13% de exportações a mais este ano. Claro, não foi ainda na ambiência estratégica de uma nova política industrial, mas já há um esforço consistente, e o superavit da balança comercial será o maior da história, não é? Nós chegaremos a... estima-se em 22 bilhões ou talvez 23 bilhões de dólares.
Luis Nassif: Mas, ministro...
Ciro Gomes: Só voltando em um ponto, para não deixar sem responder. A questão do corte orçamentário. Nós estamos bombardeados aí por uma crítica, que eu tenho um profundo respeito, especialmente se ela vem com esse argumento, de setores do PFL, que inclusive eu freqüento, estimo e quero bem, respeito, enfim, é sobre o orçamento. Olha aqui, o orçamento de 2002, sobre o qual fazem-se essas comparações, foi um orçamento artificializado por uma coisa que aconteceu na cara da freguesia e as pessoas parece que esqueceram. O governo Fernando Henrique acertou com os fundos de pensão que eles, doravante, pagariam imposto de renda, que até aquela data a lei não era interpretada como se eles devedores fossem. Com isso, puxou cinco anos para trás e botou dentro do caixa da União em 2002, ano eleitoral, 14 bilhões de reais em cima desse orçamento inflado por uma receita que não vai se repetir, porque foram cinco anos de imposto de renda que, antes, não se devia, e passou-se a pagar porque ele acertou politicamente. O Congresso estimou, para o ano de 2003, 15% de inflação. Ora, se a inflação não vai ser 8,5... ou vai ser 8,5%, e os 14 bilhões não se repetem, o orçamento de 2003 foi uma ficção, e nós tínhamos a obrigação... eu digo “nós” porque eu, nesse aspecto, ajudei. Se tinha um lugar onde tinha que cortar 100%, era no meu [ministério]. Por quê? Porque aquilo eram dois bilhões de reais para jogar fora, era o que estava previsto ali, salvo, claro, exceções de intervenções importantes, o resto era para jogar fora, em um balcão de varejo, de clientelismo mais vergonhoso possível, que está aberto a quem quiser conhecer.
Luciano Suassuna: Mas, de qualquer jeito, você tem um superavit, que ia ser 3,75%, e por decisão do governo, não foi necessariamente uma pressão do FMI, passou para 4,25% e agora foi mantida, quer dizer, agora que as coisas estão melhores se mantém essa taxa de 4,25%?
Ciro Gomes: A pressão básica... Você não sabe o quanto que me dói isso, eu já disse que a crítica que eu tenho mais dificuldade de responder é quanto, no nosso governo, nós nos parecemos com o governo passado. E eu relativizo, na minha cabeça, que isso é uma transição, estou convencido disso...
[...]: Até quando o senhor acha que isso é uma transição?
Ciro Gomes: Isso não se pode impor.
[sobreposição de vozes]
Ciro Gomes: Eu acho que um dos elementos indicativos de que a transição está acontecendo é o país sair de um crescimento médio de 0,75%, 1%, nos últimos oito anos, para o crescimento de 3,5%, 4,0%. Se funcionar, a transição começou.
Luís Nassif: Deixe eu perguntar um pouco sobre essa questão do foco. A gente percebe, dentro do governo, os setores que estão discutindo a chamada agenda positiva, uma área lá do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, a área do [Luiz] Gushiken, a área do [Guido] Mantega, mas quando a gente vê a ação tópica do dia-a-dia, por exemplo, exportação: exportação é uma prioridade para resolver o nó externo. A exportação aumentou por conta de desvalorização cambial, de repente você vê o Banco Central com uma política de depreciação cambial. A questão do emprego: emprego é fundamental, a pequena empresa é fundamental para gerar empregos, [mas] vem a Receita e joga o Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social] em cima. Não está faltando mais organicidade a esses fóruns de articulação?
Ciro Gomes: Olha, eu acho que a idéia de um projeto nacional de desenvolvimento... eu tenho obsessiva vontade de ver pactuado no Brasil um [projeto com] começo, meio e fim, inclusive sistematizar a transição, seus prazos, as metas, as cadeias produtivas potencializadoras do desenvolvimento do país, o ciclo de substituição de importações. Porque eu acho que o país pode ter, se tiver uma ação focada, tudo isso nós estamos ainda construindo, não está sistematizado, e eu até posso concordar que falta mais diálogo no país, não só no governo, mas no país sobre isso. Então, isso, eu não tenho dúvidas, não tenho dificuldades de aceitar como uma crítica procedente. Agora, administrar com maçarico nas costas não é brincadeira.
Luís Nassif: Agora internamente, no governo, como que são feitas as discussões? Tem reuniões ministeriais periódicas em que todo mundo pode opinar?
Ciro Gomes: Bom, o presidente reuniu sistematicamente o ministério inteiro algumas vezes. É evidente que não são muito funcionais essas reuniões, e tem reuniões em câmaras. Eu participo, por exemplo, da câmara de infra-estrutura, nós discutimos... Aí tem uma câmara de política econômica, tem uma câmara de política social, teremos agora a câmara de política de desenvolvimento regional, e essas câmaras são mais ou menos fóruns especializados para convergir providências, e cada setor está germinando iniciativas, que vão guardando um nexo de coerência que é a retomada de função do planejamento. O PPA [Plano Pluri-Anual] foi feito de uma forma muito interessante: nós tivemos os limites, ao invés de fazer aquele PPA “diga o que você está querendo, a gente bota aqui dentro e deixa aquilo como uma festa de ficção”, não, nós temos baliza, temos limites. Fomos aos estados, a todos os estados, discutimos com milhares de pessoas e entidades da sociedade civil, políticos etc, hierarquizamos as prioridades nessa dinâmica, e foi bastante interessante assim como um passo sistematizador desse comando de coisas, mas não há [um fórum] orgânico, não há. Você tem toda a razão, isso é uma demanda que eu também tenho, o presidente Lula tem, e nós esperamos consertar essa coisa. Há vários fóruns, o fórum de desenvolvimento econômico social, que tem trazido coisas, mas sistematizado não está.
Paulo Markun: Ministro, eu estive neste final de semana no norte do Mato Grosso, e tive a oportunidade de...
Ciro Gomes: Alta Floresta?
Paulo Markun: Para cima de Alta Floresta, um lugar chamado Terra Nova do Norte, onde há um projeto interessante de agricultura orgânica se desenvolvendo. O Ministério, inclusive, participa; é uma grande cooperativa, que para minha surpresa há uma enorme região ali, que a grande maioria das propriedades é pequena, 20, 30 hectares, no portal da Amazônia. Mas o que me surpreendeu mais nessa visita ao Mato Grosso foram dois fatores. De um lado, o fato de que lá a coisa está funcionando, não é? No chamado Portal da Amazônia, quer dizer, no norte do Mato Grosso, onde há uma região agrícola muito desenvolvida, onde a soja está avançando, onde você tem pecuária, onde tem outros projetos, basta andar nas ruas das pequenas cidades e ver a quantidade de carro zero quilômetro que a gente encontra, caminhonetes zero quilômetro, para ter sinais exteriores de que uma grande... E isso é evidente, não estou fazendo nenhuma descoberta, só que a mídia não costuma ir lá fazer isso. E o outro dado curioso lá é a ação do governo do estado, que é um governo do PPS, e de um grande empresário que vai para o PPS, o Blairo Maggi, que está fazendo 500 quilômetros de rodovias, mais do que o governo federal está fazendo este ano. Mas a sensação que eu tive lá é a mesma que o telespectador Luís Caldeira, [que] manda a pergunta, que é esta pergunta que eu faço: se realmente o sucesso econômico do país é resultado da ação do governo ou ele é resultado simplesmente da força da economia, e dessa realidade que está explodindo no país. Diria que, às vezes, quase que independente do governo.
Ciro Gomes: Bom, o Centro-Oeste, e eu tenho muita alegria de ouvir o seu depoimento, porque eu conheço isso bem lá: Lucas do Rio Verde, do prefeito [Otaviano] Pivetta, o epicentro de uma explosão de produção; Rondonópolis, também [administrada por] um companheiro nosso de partido; e o governador é do meu partido, o Blairo Maggi. É uma primeira experiência dele depois de um breve momento como suplente de senador, que vem se aliar ao governador Eduardo Braga, do Amazonas, que são dois dos melhores governadores da atual safra, e ambos são do nosso partido. E eu tenho muita alegria de trabalhar com eles e fazer essa homenagem aqui. Na verdade, o Centro-Oeste se desenvolve hoje apesar do governo e da condição macro-econômica hostil. Mas é preciso ponderar, entretanto, que é uma ilusão de ótica se imaginar que é possível sustentadamente se desenvolver um país apesar do governo. No caso do Centro-Oeste, por exemplo, é bom lembrar que foi o maior volume de crédito rural da história do país, colocado pelo governo Lula. Então, tanto para o grande empreendedor quanto para o pequeno. Para o pequeno, nós colocamos este ano 5,7 bilhões de reais, para o crédito da agricultura familiar. Nunca houve nada nem parecido com esse desenvolvimento. A coisa da infra-estrutura, o presidente Lula está preocupado com troncos importantes, tanto a ferrovia, a Ferronorte, que nós queremos projetar até Rondonópolis, estamos trabalhando nessa ferrovia, como o trecho rodoviário, que está sendo discutido em uma concepção ambientalmente sustentável de zoneamento agro-ecológico antecedente, de proteção etc na BR-163, que tirará até 38 dólares por tonelada de soja, se for viável ambientalmente, como nós estamos discutindo juntos, eu, o ministro [dos Transportes] Anderson Adauto e a ministra Marina, em um arranjo em que o próprio empreendedor da soja industrial de Manaus financiará a implantação da estrada, o que seria absolutamente original na realidade brasileira. Então, evidente que a pujança, a força de trabalho desses pioneiros brasileiros que fazem o Centro-Oeste, têm que ser valorizada, mas essa idéia neoliberal, no fim, de que as coisas podem acontecer apesar do governo, não se sustenta. Por exemplo, a política cambial equivocada – nós acertamos a política cambial –, não se sustenta com uma política cambial equivocada, e pelo menos para a agricultura o juro é completamente diferente; não se sustenta sem infra-estrutura, e também aí nós estamos atuando; no crédito, por exemplo, o FCO, o Fundo do Centro-Oeste, que eu administro, tinha uma disponibilidade para o ano de 2003 de um 1,1 bilhão de reais, [e no] dia 30 de abril o Banco do Brasil tinha uma proposta de 2 bilhões. Nós estamos aportando mais um bilhão de reais, com o apoio do ministro [do Trabalho e Emprego] Jacques Wagner, do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], equalizando essas taxas de juros para apoiar esse esforço impressionante de trabalho que os brasileiros do Centro-Oeste estão fazendo.
Paulo Markun: Para continuar botando um pouquinho de pimenta aqui, Lucas Rolfman, de 19 anos, aqui de São Paulo, da capital, pergunta o seguinte: “Eu gostaria de saber o que o ministro Ciro Gomes acha do governo de que ele faz parte ter plantado denúncias falsas contra o Paulinho [Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical], que foi seu vice na última eleição”.
Ciro Gomes: Olha, eu já tenho os quatro [dentes] sisos, não é? Um deles nem nasceu direito porque não tinha espaço, o que quer dizer o seguinte: eu não sou inocente, não sou ingênuo. As pessoas às vezes, no Brasil, sofrem desse processo de lavagem cerebral. Aquele episódio do Paulinho, um episódio constrangedor de que ele foi vítima, e era contra mim, aquele episódio saiu da Corregedoria da União, da doutora Anadir de tal, que era “ministra da corrupção” do governo Fernando Henrique Cardoso, que vazou esse negócio, e o Paulinho – não lembram disso? –, o Paulinho, até emocionado, saiu-se até com uma violenta resposta à doutora Anadir, que resvalou inclusive num machismo grosseiro. Isso foi o que aconteceu; depois a revista Época abriu uma capa – eu não esqueço isso de forma nenhuma –, abriu uma capa e, o que é inusual, fez um outdoor em todos os bairros de São Paulo, que permaneceu quatro semanas: quatro edições diferentes saíram e a capa continuou durante o processo eleitoral. Pelo amor de Deus, dizer que foi alguém do PT que fez isso é querer se enganar, não é? Na minha opinião – eu sou implacável, não tenho mágoa, não me vingo de ninguém, estou feliz da vida - mas daí você puxar o passado e fraudá-lo para fazer uma coisa...
Mauro Chaves: [interrompendo] Então você acha que a reportagem da Veja é falsa?
Ciro Gomes: Brizola, governador de quem eu quero totalmente bem, respeito profundamente, [disse] “O ministro Ciro Gomes precisa sair desse governo”. Porque, ora, a Veja abriu, sem pé nem cabeça, no mesmo contexto..., porque ele era um crítico sempre muito valente, muito patriota, das coisas erradas do Brasil, e a revista Veja abriu uma reportagem insinuando enriquecimento ilícito do governador Brizola. Eu lembro disso tudo de forma implacável. Agora, vamos deixar isso para o passado, não dá é para trazer para o presente e dizer que a máquina de futrica, de dossiê, de intriga, que destruiu a Roseana Sarney, foi o PT, não dá. Que veio para cima de mim, com a violência e com a truculência com que veio, embora no campo moral, comigo, não tem onde pegar, mas veio no campo pessoal, gente gravando meus telefones, tudo isso foi feito. Esqueça, eu não tenho vingança nenhuma. Agora, dizer que isso aí foi o PT é bobagem. Agora, evidentemente, o PT também estava na luta, o PT estava na luta. Se eventualmente um militante do PT pegou a informação com o adversário etc, isso acontece em toda a campanha.
Mauro Chaves: Ministro, a matéria da Veja tinha informação, tinha depoimento daqueles cinco que participam do governo, não é? O repórter se baseou em depoimentos. O senhor acha que foi tudo falso? Foi tudo inventado?
Ciro Gomes: Não, não, espera aí. Que o PT tivesse um quadro de militantes encarregados de proteger o Lula de baixarias, e se equipando de baixarias para eventualmente ser necessário usar contra os adversários que usassem baixarias contra ele, está de bom tamanho. Isto infelizmente faz parte da cultura política brasileira, o que não é minha. Por exemplo, a minha campanha nunca fez, nenhuma das duas, nem de governador nem de prefeito de uma capital, nunca um adversário meu foi destruído por baixaria. E, olha, não falta, em campanha chega [baixaria] de todo lado, e eu mando jogar fora.
Luís Nassif: Ministro, quando a gente vê, digamos assim, os grupos barra-pesada atuando, e cada qual ligado a uma facção da Polícia Federal, não tem algo errado no Estado brasileiro?
Ciro Gomes: Ora se tem. “Algo errado” está dizendo o amigo por grande moderação [risos].
Luís Nassif: Pois é, estou ficando moderado.
Ciro Gomes: O Estado brasileiro foi destruído, apodrecido e apropriado. Vai ser um grande trabalho para recuperar esse Estado, muito [trabalho]. Fazê-lo republicano novamente não é fácil.
Luís Nassif: Então deixe eu fazer uma pergunta de caráter administrativo aí. Hoje nós temos uma estrutura de ministérios... quando se pegam todos esses feudos políticos que surgem, grupos políticos, Ministério Público, poder judiciário, Polícia Federal, a gente vê um grande problema de gestão, de falta de gestão, de falta de uma estrutura administrativa. Eu não sei se o senhor chegou a pensar: se fosse montar – esqueça o Estado até hoje –, se fosse remontar o Estado brasileiro, que ministérios que seriam essenciais e que ministérios que seriam dispensáveis?
Ciro Gomes: Esta é uma pergunta que eu teria o maior prazer intelectual em lhe responder, mas, sendo colega de muitos que ocupam esses ministério, eu...
Luís Nassif: [brincando] Não, não, os ministros a gente preserva, mas quais os ministérios? [risos]
Ciro Gomes: Mas aí é que está.
Mauro Chaves: Ministro, se eu modificasse a pergunta do Nassif...
Ciro Gomes: Eu sou a favor de uma estrutura enxuta...
Sérgio Fadul: [interrompendo] Quantos ministérios?
Ciro Gomes: Ágil e matricial.
Sérgio Fadul: Quantos ministérios?
Ciro Gomes: Eu perdi a eleição. Não estou obrigado a responder esta questão [risos].
Mauro Chaves: Ministro, uma reforma ministerial...
Sérgio Fadul: Sem citar nomes, tem ministérios demais?
Ciro Gomes: Não, eu sou a favor de um modelo de gestão enxuto e matricial. A vida não é setorial.
Sérgio Fadul: Diferente do que tem hoje?
Mauro Chaves: Ministro, se na reforma ministerial que vai ocorrer agora fosse dada ao senhor a condição de escolher o ministério, o senhor que tem as suas idéias que o senhor passa ao pé do ouvido do Lula, seria bom que o senhor passasse para a sociedade também, porque muitas coisas, não é questão simplesmente de dar palpite contra o governo ou criticar o governo, é uma questão de debater com a sociedade certos assuntos. O senhor tem convicção sobre muita coisa, conhece muita coisa, é um dos políticos mais preparados e articulados do país, então o senhor tinha até acho que uma certa obrigação de discutir com a sociedade vários pontos.
Ciro Gomes: No parlamentarismo, de que eu sou adepto, sim, mas no presidencialismo é de todo impertinente: um ministro não pode manifestar opiniões pessoais, particulares, que destoem, eventualmente, desta ou daquela orientação do governo, a que pertence, em público.
Mauro Chaves: Mas eu não estou falando de opiniões contrárias. Eu não falei de opiniões contrárias, mas a pergunta que eu queria fazer é a seguinte: se fosse dada...
Ciro Gomes: Não falo “o contrário”, mas que destoe...
Mauro Chaves: Mas, e se fosse dado ao senhor escolher? O senhor fala ao pé do ouvido do Lula. Se o senhor pudesse dizer, por exemplo... o senhor estava falando de política industrial, falando de várias coisas. [Se lhe] fosse dado, por exemplo, um outro ministério... do Planejamento, coisas desse tipo, o senhor se candidataria a um outro ministério?
Ciro Gomes: Ao Ministério da Cultura.
Mauro Chaves: Ou o senhor faz questão de continuar...
Ciro Gomes: Ao Ministério da Cultura.
Mauro Chaves: Da Cultura?
Ciro Gomes: Da Cultura, sim, porque eu acho que é muito especial.
Mauro Chaves: É mesmo?
Ciro Gomes: O resto é trabalho. Na minha cabeça é assim: eu devo fazer bem a parte que me toca daquele trabalho. E devo me lembrar sempre [como] companheiro de uma equipe que tem outras tarefas, e que eu devo estar solidário, apoiando, naquilo que estiver ao meu alcance. O que eu pensar que destoe da orientação é meu papel de lealdade falar ao meu colega ou ir ao presidente da República. Isto eu tenho feito com grande naturalidade.
Mauro Chaves: O senhor acha que o Cristovam Buarque destoa quando ele dá as idéias dele? Ou [o ministro da Justiça] Márcio Tomas Bastos destoa?
Ciro Gomes: Não. Dar idéias, não [destoa].
Mauro Chaves: Mas é isso que a gente...
Ciro Gomes: Dar idéias, não... Eu dou idéias públicas toda hora, na minha área.
Mauro Chaves: Mas a gente não tem visto o senhor dar opiniões sobre governo, sobre política, em geral, não se tem visto isso.
Ciro Gomes: Eu tenho opiniões muito exuberantes sobre o desenvolvimento regional, sobre... [idéias] públicas; é a minha tarefa. Eu acabei até de falar muito aqui sobre economia, em homenagem a vocês.
Marta Salomon: Ministro, vamos voltar um pouco à pergunta do telespectador. Depois do episódio do Paulinho, houve um episódio agora mais recente em que seu nome apareceu em um relatório reservado daquela operação Anaconda, três vezes mencionado por um agente federal que estaria recolhendo...
Ciro Gomes: É bom você dizer o que é. É bom você dizer o que é, porque...
Marta Salomon: Recolhendo informações para municiar a sua campanha.
Ciro Gomes: O agente federal, isso é o que está dito no jornal, um agente federal falando com outro, dizendo que queria informações de malfeitos na administração do fundo de pensão da Caixa Econômica, porque queria entregar isso ao Ciro. Isto é um com ele, não é conversa comigo nem nada. Eu nunca ouvi falar disso. E a minha campanha é pública. Então, todo mundo [pode] recuperar... nunca toquei nesse assunto. Fui certo, por uma agradável coincidência minha, não é?
Marta Salomon: Mas a questão aqui é outra. É um pouco de cultura da política. Porque é uma opinião quase unânime, pelo menos o que eu ouvi em Brasília, que mesmo que o senhor tivesse se beneficiado de informações colhidas pela Polícia Federal, enfim, naquele momento da campanha, isso não seria um grande pecado.
Ciro Gomes: Eu discordo, eu discordo. Eu me lembro de minha campanha para prefeito.
Marta Salomon: E eu quero saber se essa [...] de dossiê já é generalizada.
Ciro Gomes: Apodreceu muito a política brasileira, não era assim. Ultimamente tem sido assim, e a campanha do Serra [José Serra]...
Sergio Fadul: Apodreceu porque tem massa podre também, não é, ministro?
Ciro Gomes: A campanha do Serra gravou dramaticamente isso. Esse episódio da Roseana Sarney, da Polícia Federal lavrar um flagrante, com um monte de dinheiro num escritório, e atribuir isso a uma candidata a presidente que estava na frente nas pesquisas, eu nunca tinha visto. A bem da verdade, diga-se de passagem, todos os tribunais absolveram a Roseana de qualquer increpação, de qualquer ilicitude, e isso ninguém sabe. E a destruição do adversário foi feita. E assim, de forma absolutamente exótica, vem a público que do ato, do flagrante, o delegado de polícia liga para o presidente da República. Que é isso? Nós fomos feitos todos de imbecis, de idiotas. O delegado fazendo uma operação de rotina, profissional, flagrando a bandidagem, com aquela montanha de dinheiro lá, dá satisfação disso ao telefone do presidente da República? É muito estranho. Eu falo com certa autoridade sobre isso – eu tenho muito pouca autoridade sobre muitos outros assuntos –, porque a minha prática repudia isso. Assim, eu tenho um adversário, Paulo Lustosa da Costa, meu querido amigo opositor para o governo do estado do Ceará, meu querido amigo, consultem a ele. Edson Silva, meu querido amigo opositor, que disputou comigo a eleição para prefeito de Fortaleza. Lula, disputamos as eleições, [mas] a ponto de que a relação é tão boa que eu aceitei ser seu subordinado com grande orgulho. Eu não tenho adversário. Não uso esses expedientes, porque isso não é política, não é política. Isso é um pouco da coisa que começou daqui, da cultura política de São Paulo.
Paulo Markun: Vamos falar um pouco em partido, ministro?
[...]: Isso é o PSDB?
Ciro Gomes: O malufismo [referência a Paulo Maluf], essa coisa, começou daí.
Luciano Suassuna: E o senhor acha que o PSDB abraçou essas [práticas]?
Ciro Gomes: Partes [do PSDB], partes, inequivocamente.
Luciano Suassuna: E por que o senhor não nomeia?
Ciro Gomes: Acabei de nomear. Olha, o Tasso Jereissati não faz isso; Aécio Neves não faz isso; Geraldo Alckmin não faz isso; Almir Gabriel não faz isso; vai demorar [para nomear quem não faz]; Cássio Cunha Lima não faz isso; Yeda Crusius não faz isso...
Marta Salomon: E o senhor acha que o PT não faz isso?
Mauro Chaves: O senhor admitiu ainda há pouco que o PT fez isso. O senhor admitiu há pouco, falando da Veja, que o PT... o senhor usou até um termo...
Ciro Gomes: Não falei da Veja, falei só que é estranho...
Mauro Chaves: Que poderia se municiar. O senhor admitiu de certo modo...
Ciro Gomes: Não. Eu admiti, não; eu sei que, nas campanhas, você faz um grupo de amigos prestar atenção em baixarias que os outros podem fazer com você.
Luís Nassif: Agora tem que levar em conta o dossiê Cayman [conjunto de documentos falsos que continham informações sobre supostas contas milionárias de políticos do PSBD em paraísos fiscais. Foi divulgado por adversários durante as eleições de 1998], o próprio Serra tem um genro...
Ciro Gomes: O dossiê Cayman é uma indignidade aparente – não é? –, e o pastor Caio Fábio [acusado de participar das negociações referentes ao dossiê Cayman, foi inocentado em 2005] ligou para mim, na campanha passada, e quis me entregar, e eu disse a ele que eu não queria, que eu não fazia campanha desse tipo.
Luís Nassif: Eu sei, o que eu estou dizendo é que a prática dos dossiês é uma coisa disseminada, que pegou todo mundo, quer dizer, japonês, alemão...
Ciro Gomes: É claro, claro. [Mas pegou] uns mais que outros.
Mauro Chaves: Mas o senhor dizer que só em São Paulo também é um pouco de exagero, não é?
Ciro Gomes: Não, é um pouco da cultura política daqui.
Mauro Chaves: Isso foi criado em São Paulo?
Ciro Gomes: Não, é um pouco da cultura política daqui. Isso não desmerece São Paulo em nada.
Mauro Chaves: Eu acho que desmerece.
Ciro Gomes: É um pouco da cultura política – e agreguei: do malufismo.
Paulo Markun: [Sobre] partidos. O senhor está no PPS, mas não nega que tenha indicado amigos para irem para o PTB, e houve uma pinimba aí do senhor com o presidente do [seu] partido, Roberto Freire, que eu acompanhei pelo noticiário e, pelo noticiário, parecia que não tinha mais volta a coisa. Como é que o senhor encara o PPS e o PTB? Para começo de conversa.
Ciro Gomes: É bom lembrar, de novo, que o PTB me apoiou, me indicou o [candidato a] vice, foi corretíssimo comigo, pela esmagadora maioria dos seus militantes, foi corretíssimo comigo: a campanha [estava] perdida, a esmagadora maioria seguiu lealmente comigo até o fim, o deputado Roberto Jefferson, que as pessoas atacam, estigmatizam, me levou para caminhar com ele na véspera da eleição em Niterói, provavelmente até se prejudicando na sua própria eleição, para ser leal, que aliás é um grande traço da personalidade dele – [ele] paga caro até, por isso. E eu sou do PPS, pretendo permanecer no PPS, e tenho satisfação de ser companheiro dessa gente toda, inclusive do Roberto Freire. Agora, o Roberto tem algumas questões que, agora, não dá mais para eu tratar no particular com ele, como é minha predileção. Por quê? Porque ele está desorientando a nossa militância a partir de algumas atitudes que eu sei que são bem intencionadas...
Paulo Markun: Por exemplo?
Ciro Gomes: O Roberto é uma pessoa séria. O Roberto deu agora de entender que o PSDB – leia-se: a ala que o Fernando Henrique, o Serra, o Goldman, o Zé Aníbal, representam, e que nós acabamos de enfrentar em duas eleições, de uma forma dura –, ele entendeu, agora, assim em uma pensada, mais grave do que a de O Globo, que o PSDB é a nova esquerda. E nós somos membros do governo Lula, podemos eventualmente discordar do governo Lula, sair do governo Lula, transparentemente mover oposição ao governo Lula. Nós não somos sublegenda do PT; mas evidentemente, como eu disse aqui, a crítica mais difícil que tem de responder é quanto do nosso governo parece com o governo passado, em números.
Marta Salomon: Mas ele está sozinho quando ele diz que o [...] poderia até ser até um bom candidato?
Ciro Gomes: Na decisão, eu não diria que está absolutamente sozinho, porque ele tem liderança no partido, mas ele não consultou, por exemplo, esse novo PPS que existe, que é um PPS que tem dois governadores – eu estava querendo abraçar também o Percival Muniz, nosso companheiro prefeito de Rondonópolis –, tem dois governadores que estão no jogo. Nós temos dois senadores, tínhamos três, perdemos um por essas maluquices de organização; temos 21 deputados federais; e temos, em 2006, uma cláusula de barreira que diz que o partido que não tiver 5% dos votos para parlamento federal distribuídos equanimente pelo menos em nove estados vai ser fechado. Aí nós fazemos parte... saímos de uma campanha eleitoral dura, como foi essa; freqüentamos a probabilidade de ganhar as eleições; fomos dizimados politicamente; nos aliamos com o PT, que era a frente mais avizinhada aos nossos valores, às nossas idéias, às nossas vontades de promover uma mudança no Brasil, ontem; e hoje, sem conversar com nenhuma dessas instâncias, o Roberto intui que o PSDB é a nova esquerda e convoca um colóquio – olha a palavra, eu só acho engraçado: um “colóquio” [ri]. “Arre, égua”, diz-se lá no Ceará, não é? Um colóquio no Rio de Janeiro para... Está errado. Está errado isso. Eu sou o cara talvez, no PPS, mais ligado a gente boa no PSDB. Eu vou com essa gente que eu listei, esquecendo muitos outros, para qualquer lugar. São pessoas boas, são republicanos, são honestos, são bem intencionados, estão no campo progressista, mas não são hegemônicos.
Mauro Chaves: Fora o Tasso Jereissati, quem é bom no PSDB, para o senhor?
Ciro Gomes: Eu acabei de dizer: Aécio Neves, Geraldo Alckmin – estou falando dos governadores –, Cássio Cunha Lima...
Mauro Chaves: E o colóquio com esses aí, o senhor acha que tem que ser vetado?
Ciro Gomes: Não, colóquio com esses... nós estamos na iminência de uma eleição municipal. O nosso partido não deve ser sublegenda de ninguém. Nós devemos facultar a cada companheiro em cada lugar que ele faça as alianças que entender mais oportunas para o PPS crescer e se afirmar como força política no Brasil. E aqui para nós, falando baixinho, para escapar da guilhotina [da cláusula de barreira] de 2006. É só isso.
Luciano Suassuna: Agora, não é uma contradição se o senhor continuar no ministério e o PPS, em alguns lugares, começar a escolher ficar aliado ao PSDB ou ao PFL?
Ciro Gomes: Não, em eleição municipal não. Eu já conversei sobre isso com o presidente quando ele me convidou. Eu disse: olha, eu tenho duas motivações, uma [é] ajudar o meu partido a crescer – foram muito corretos comigo, e acho que o Brasil precisa de alternativas no campo progressista, sem exclusividade, sem sectarismo nenhum – e a outra, enfim, [é] participar da discussão dos rumos estratégicos do país. Foram as únicas duas ponderações que eu fiz ao presidente quando tive a honra de ser convidado.
Marta Salomon: O senhor falou em escapar da guilhotina de 2006. Qual é o cenário que o senhor traça, é muita especulação? O senhor acha que o presidente Lula vai tentar a reeleição, com chance?
Ciro Gomes: É muita [especulação]. Vai depender de 2004, não a presidência. Eu acho que o presidente Lula tem todas as condições de ter uma reeleição bem tranqüila, isso sob o ponto de vista federal.
Mauro Chaves: O seu projeto é em 2010, então, apenas?
Ciro Gomes: Eu não tenho... O meu projeto é agora, mudar o Brasil agora...
Mauro Chaves: O senhor não tem projeto presidencial mais?
Ciro Gomes: Acelerar a mudança do Brasil. Você sabe [qual é] a vontade que eu tenho de ser candidato hoje? É ser candidato a prefeito de Fortaleza, de ficar assim tentado, e a cabeça dizendo: “se aquieta”... e o coração dizendo: “vai”. Mas eu estou tranqüilo em relação a isso.
Mauro Chaves: Mas o senhor não sonha em ser, em 2010, candidato a presidente de novo? Não pensa nisso?
Ciro Gomes: Não, não, só se eu fosse um maluco, só se eu fosse um maluco.
Sérgio Fadul: Por que agora o senhor está vendo de dentro? O senhor está revendo um pouco as suas posições da época de campanha?
Ciro Gomes: Não, eu sempre soube, eu acho que, se eu tivesse sido eleito, estaria sofrendo o pão que o diabo amassou.
Luciano Suassuna: Ministro, eu sinceramente não estou entendendo mais nada do senhor...
Ciro Gomes: Eu tento explicar.
Luciano Suassuna: O senhor criticava a ditadura do pensamento único, todos esses superavits com o FMI, aí vai para o governo, as coisas se repetem, o senhor se alinha a esse pensamento único de governo...
Ciro Gomes: Desculpe; talvez você esteja elaborando [sua pergunta] sobre premissas equivocadas.
Luciano Suassuna: Não, eu digo: publicamente o senhor falava que estava interditado o debate...
Ciro Gomes: Mas entenda apenas uma coisa: eu sou ministro, eu sou membro de uma equipe. Qual é o sentido? Só se a gente não conhecesse a tradição presidencialista... Qual é o sentido de um membro de uma equipe...
Luciano Suassuna: Mas para isso tem o partido do senhor.
Ciro Gomes: ...ter opiniões públicas antagônicas, especialmente em áreas que colegas seus administram?
Luciano Suassuna: Mas o partido pode se manifestar plenamente.
Ciro Gomes: O meu partido pode perfeitamente se manifestar, e tem se manifestado, diga-se de passagem. O meu partido votou as reformas por unanimidade, foi o único, o único, nós temos esse recorde em cima do PT. O único partido que votou 100% nas reformas foi o PPS.
Luis Nassif: Como é que ficaram as suas relações com o Roberto Mangabeira Unger?
Ciro Gomes: Nós somos amigos. Eu perdi a confiança política nele, pelo zigue-zague e pela imprudência.
Luis Nassif: Como é que foi aquela história do [economista brasileiro radicado nos Estados Unidos] José Alexandre Scheinkman? Havia a história de que algumas pessoas aqui em São Paulo ajudaram a convencer o Scheinkman a emprestar o nome dele...
Ciro Gomes: Não, na verdade o Tasso Jereissati conhecia o Scheinkman e me perguntou se eu queria conhecê-lo. E eu admiro todo mundo que pensa e que estuda. Eu acho que o que pega é catapora, e o Brasil precisa de gente que pense e que estude, que tenha alguma profundidade. Estava comentando isso com você, que tem sido ave rara aí na imprensa econômica do Brasil, que está assim em uma mediocridade muito grande. Nós precisamos, para dar esse passo, nós precisamos de um grande e efervescente debate das alternativas, porque não tem um manual para fazer. Ou nós colocamos a inteligência coletiva do país para raciocinar – e o Scheinkman é um brasileiro extraordinariamente brilhante, é um gênio, premiadíssimo no mundo inteiro e tal, e aqui no Brasil não tem chance. Eu liguei para ele, ele entusiasmou-se, veio para cá, conversamos muito sobre economia, e uma das coisas [resultantes desse encontro foi] que o Mangabeira enciumou-se.
Mauro Chaves: Há ciúmes, então?
Ciro Gomes: Acredito que sim... O Mangabeira entende de paixão, [ele] tem livros brilhantes sobre isso [Mangabeira Unger é autor, por exemplo, do livro Paixão, um ensaio sobre a personalidade] [risos].
Adriana Ramos: Ministro, vamos falar um pouco de Amazônia? Vamos retomar aqui a menção que o Paulo fez sobre Mato Grosso, porque a despeito do desenvolvimento visível em certas regiões do Mato Grosso, o Mato Grosso é um estado recordista em desmatamento, onde o projeto que está sendo implementado sofre críticas ferrenhas dos ambientalistas. E parte do Ministério da Integração Nacional está coordenando um grupo de trabalho que vai apresentar agora – a primeira pergunta é: quando? – para a sociedade um programa chamado Programa Amazônia Sustentável, que curiosamente, a despeito de todos os programas de desenvolvimento regional das ultimas décadas, não levou em consideração o desenho da Amazônia legal, não é? E deixou de fora exatamente o Mato Grosso. Então eu queria saber do senhor: quando o projeto vai ser apresentado? Por que o Mato Grosso ficou de fora, sendo um estado onde essa perspectiva de sustentabilidade deveria estar presente? O que vem aí em termos de Amazônia sustentável? E quando é que esse projeto vai ser discutido com a sociedade?
Ciro Gomes: Bom, o projeto Amazônia Sustentável é construído por uma equipe, envolvendo 11 ministros, e o presidente Lula me encarregou de coordenar esse grupo, e a ministra Marina, do Meio Ambiente, aceitou a secretaria executiva do projeto. O projeto tenta mergulhar nas grandes questões estratégicas, desde a infra-estrutura até o marco do financiamento, a inovação tecnológica para o desenvolvimento sustentável, enfim, todos esses aspectos complexos, contraditórios, que há na Amazônia brasileira. E [o projeto] está pronto; agora, a ministra Marina pediu um tempo para submeter – antes de um debate mais público –, para submeter essa primeira versão a um grupo de experts, de cientistas, de teóricos. Eu achei boa a prudência e concordei com ela. Então, nós estamos fazendo isso pelos próximos dias, vamos ouvir essa primeira crítica mais teórica, mais técnica, para em seguida levá-lo a um debate público. É evidente que temos ainda etapas internas: nós temos uma reunião, se não me engano amanhã ou depois, também para sistematizar e dar coerência entre aquilo que está pensado no PAS, Programa Amazônia Sustentável, e aquilo que nós imaginamos no PPA, [pois] não podem sair coisas antagônicas. Vamos lá fazer uma especialização disso com o ministro [chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Luiz] Dulci, eu, a ministra Marina vamos trabalhar nisso, [e] o ministro Zé Dirceu vamos trabalhar nisso, ou amanhã ou depois. Enfim, nós estamos por dias de anunciar. Nós optamos naquele momento por compreender a Amazônia Política, e não a Amazônia Legal, por circunstâncias bem práticas: a limitante do Mato Grosso hoje é diferente. Você disse, já é uma concepção completamente diferente, e vai entrar no projeto de desenvolvimento da zona Centro-Oeste, da região Centro-Oeste. Nós estamos trabalhando, paralelo a isso, um projeto de agência para o Centro-Oeste, e cada agência dessa será, vamos dizer, a cabeça operacional de um plano de desenvolvimento regional. Vamos desenvolver a mesma dinâmica no Nordeste, especialmente focado no semi-árido.
Luciano Suassuna: Ministro, eu queria mudar agora de assunto para a política externa.
Ciro Gomes: Melhorou um pouco? Deu para entender um pouco? [risos]
Luciano Suassuna: Não, a política externa, porque acho que nisso o senhor tem uma simetria muito grande com esse governo, porque o senhor sempre defendeu...
Ciro Gomes: Pois é, brilhante, brilhante [a política externa do governo].
Luciano Suassuna: Essa posição [do governo] em relação à Alca [Área de Livre Comércio das Américas] é exatamente o que o senhor queria?
Ciro Gomes: Exatamente, eu acho que aí...
Luciano Suassuna: Esse enfrentamento com o Estados Unidos, essa divergência, esse adiamento até da Alca?
Ciro Gomes: Isso. Aí, como os riscos, os antagonismos são menos imediatos, nós pudemos avançar muito claramente em um novo modelo. Então, o comportamento do presidente Lula na política externa, em seis meses, dos dez meses e 11 dias que nós temos, já posicionou o Brasil de uma forma radicalmente diferente. Já se pode dizer: ali houve uma mudança, e não é de antagonismos e rupturas, que chamam um pouco mais a atenção, são os alinhamentos mesmo. O Brasil volta a compreender que é um país sul-americano, algo que jamais deveria ter deixado de compreender. Nós não somos um país da América do Norte nem somos um país da Europa; somos um país sul-americano e temos que superar as dificuldades, as desconfianças... – para vir do Equador para o Brasil, tem que tomar um avião para Miami –, tem que fazer integração física, consertar...
Luciano Suassuna: A famosa saída para o Pacífico, não é?
Ciro Gomes: Três, se possível, simultâneas.
Luciano Suassuna: Seu Ministério participa...?
Ciro Gomes: Estamos trabalhando nas concepções, estamos trabalhando nas concepções junto com companheiros. Isso é política de governo do presidente Lula. [Outro ponto é] o resgate com a África. O Brasil tem direito, pelo pedantismo de frações de nossas elites, de se considerar um país branco, europeu, para ir passear na carruagem da rainha na Inglaterra, abandonando uma tradição e uma dívida mais que moral e uma frente de negócios, e um posicionamento geopolítico estratégico que está disponível para nós, a partir dos países de língua portuguesa, mais a similitude de interesses com a África do Sul por uma ordem multilateral, e não unipolar como essa esmagadora que resulta do pós-Iraque? O Brasil tem tudo o que fazer, e nós estamos fazendo, e agora o presidente está viajando para recuperar o próprio conceito de afirmação. O G20 [criado em 2003, é um grupo de países em desenvolvimento, liderados por Brasil, China, África do Sul e Índia, que se articularam a fim de incrementar suas negociações internacionais, principalmente no setor agrícola], o GX [refere-se o fato de que o número de países que compõem o G20 ser um tanto indefinido] é gol de placa, quer dizer, num primeiro momento o que nós conseguimos foi inviabilizar Cancun [refere-se à V Conferência Interministerial da Organização Mundial do Comércio, ocorrida em 2003 em Cancun, onde as tentativas de acordos comerciais fracassaram, face aos conflitos de interesses entre os países do G20 e os países mais ricos] perfeitamente, mas para você inverter uma tendência onde as reuniões multilaterais eram apenas para homologar os interesses prepotentes da potências mais ricas, agora é diferente. Nós estamos sendo chamados a conversar, negociar. [Sobre] a Alca. A Alca é um problema; por quê? Porque vários setores da economia brasileira ganham expressivamente com a celebração de uma área de livre comércio rápida em 2005, sem maiores condicionamentos com a Alca, mas, na média, muitos interesses eram esmagados; por quê? Porque há três assimetrias básicas entre a nossa economia e a economia norte-americana. A condição de financiamento: é muito diferente se operar juro de 1% ao ano para operar juros de 18% ao ano, falando em juro básico. A condição tecnológica: nós temos um retardo tecnológico extenso, especialmente no nosso equipamento industrial, que pode ser superado se houver, como o Nassif está lembrando sempre, uma política industrial consistente, um processo que não seja para acomodar ineficiências, mas para fazer reciclagem tecnológica, enfim, para modernizar o parque brasileiro. E escala: sete em cada dez empregos no Brasil vêm de pequena empresa; se nós entramos abrindo mão em propriedade intelectual, em compras governamentais e em política industrial, nós vamos fazer o quê? Nós simplesmente teremos perdido as ferramentas de fazer do Brasil um país, enfim, industrial. É do que nós não podemos abrir mão. O Chile pode abrir mão; a Argentina não podia, [mas] abriu; o Brasil não pode abrir mão de ser um país industrial.
Paulo Markun: Ministro, como sempre, quando chega perto da meia-noite, o nosso tempo está acabando.
Ciro Gomes: Ah, que pena.
Paulo Markun: É inexorável. A pergunta final é a seguinte: o que impede o senhor, ou o que faz com que o senhor coloque apenas como uma possibilidade, neste momento, a perspectiva de ser candidato a prefeito de Fortaleza?
Ciro Gomes: Veja bem, eu acabei de sair de uma campanha, acabei de sair de praticamente seis anos de andar pelo Brasil inteiro. Estou prestando uma modesta contribuição a um momento, acredito, histórico do Brasil, sob a liderança do presidente e, portanto, devia ficar quieto, não ser mais candidato, pegar de novo aquelas coisas de campanha etc. Por outro lado, eu tenho uma afeição, um carinho, uma vontade de fazer por Fortaleza, que está muito machucada. Eu fui prefeito de Fortaleza e interrompi o mandato, porque tinha que ser governador [do Ceará] numa condição difícil. Enfim, é só uma contradição que eu explicito aqui, porque estou à vontade aqui, não estou mal. Vou pensar um pouco e uma hora dessa eu resolvo.
Paulo Markun: Ministro, eu queria agradecer a sua participação aqui no Roda Viva e desejar boa sorte nessa empreitada...
Ciro Gomes: Obrigado.
Paulo Markun: [Que] me parece, continua me parecendo uma difícil tarefa, a de equilibrar uma porção de coisas ao mesmo tempo, não é? [E queria] agradecer aos nossos colegas de bancada, aqui, e a você que está em casa. E convidá-lo para estar aqui na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite, para mais um Roda Viva . Uma ótima semana e até lá.