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Memória Roda Viva

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Luiz Carlos Mendonça de Barros

24/3/1997

O então presidente do BNDES rebate críticas e expõe argumentos em favor do processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce e do programa de privatizações do governo FHC

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Matinas Suzuki: Boa noite. Ele é o gestor do Programa Nacional de Desestatização. No centro do Roda Viva está o presidente do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] Luiz Carlos Mendonça de Barros.

[Inserção de vídeo] [Imagens de Luiz Carlos Mendonça de Barros atuando no governo e em sua participação anterior no programa Roda Viva]

Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro e economista. Casado, tem três filhos e 54 anos de idade. É um especialista em mercado financeiro e já esteve no Roda Viva há seis anos, quando participou de um debate sobre economia brasileira. Luiz Carlos Mendonça de Barros começou em 1977 no Invest Banco e passou por outras instituições financeiras até se tornar sócio do Banco Matrix. Em outubro de 1995 foi indicado pelo ministro das Comunicações Sérgio Motta [um dos fundadores do PSDB (1940-1998), foi ministro das Comunicações no governo Fernando Henrique] para presidir o BNDES e aceitou, afastando-se do Matrix. Os dois, Sergio Motta e Mendonça de Barros eram amigos desde o tempo da faculdade em São Paulo, quando militaram juntos na União Estadual dos Estudantes. A posse no BNDES foi prestigiada por quatro ministros e um governador, traduzindo a importância do cargo. O BNDES é um dos maiores bancos estatais de investimentos do mundo. Luiz Carlos Mendonça de Barros assumiu com uma promessa, a de acelerar o programa de privatizações que foi iniciado em 1991 e ganhou impulso no governo Fernando Henrique. Até hoje, esse programa já arrecadou mais de 19 bilhões de dólares com a venda de estatais, e este ano, só com a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que começa no dia 29 de abril, o governo espera arrecadar mais de dez bilhões de dólares.

[Fim do vídeo]

Matinas Suzuki: Bem, para entrevistar esta noite o Luiz Carlos Mendonça de Barros, nós convidamos o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, comentarista da rádio CBN e do SBT; o geógrafo Aziz Ab’Saber, professor da USP e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência [SBPC]; a jornalista Suely Caldas, diretora da sucursal do jornal O Estado de S. Paulo no Rio de Janeiro; a jornalista Eleonora de Lucena, secretária de redação da Folha de S. Paulo; o consultor de empresas Antoninho Marmo Trevisan e o jornalista Othoni Fernandes Júnior, diretor de InvestNews da Gazeta Mercantil. O Roda Viva é transmitido em rede nacional com 289 outras emissoras de todos os estados brasileiros, além do Distrito Federal, Brasília. Você pode enviar aqui as suas perguntas para o Luiz Carlos Mendonça de Barros através dos telefones 011 252-6525; repetindo 011 252-6525; se você preferir enviar as suas perguntas pelo fax, use o número 011 874-3454, 011 874-3454; o nosso endereço na internet, caso você prefera enviar as suas perguntas via internet é rodaviva@tvcultura.com.br, rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Luiz Carlos M. Barros: Boa noite.

Matinas Suzuki: Se você me permitir, vou lhe chamar de Luiz Carlos, está bom?

Luiz Carlos M. Barros: Pois não.

Matinas Suzuki: Luiz Carlos, no final da semana passada nós vimos uma articulação, por parte de alguns parlamentares e deputados da Câmara Federal, propondo uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] a propósito da privatização da Vale do Rio Doce. Como é que o governo avalia essa proposta de CPI? Qual a avaliação desse movimento dentro do Congresso?

Luiz Carlos M. Barros: Bom, o governo aqui tem várias faces ou vários braços, não é? A CPI é uma questão parlamentar e, portanto, é uma questão que tem que ser tratada pelo governo dentro do Congresso, e as nossas lideranças já estão a par de todo o processo da Vale. Evidente que para que exista uma CPI, que é um momento, vamos dizer assim, meio dramático no processo parlamentar... nós estamos vendo aí a CPI dos Precatórios, evidentemente que tem que haver uma razão óbvia. A Vale do Rio Doce, a privatização da Vale do Rio Doce segue uma lei federal, uma lei aprovada pelo Congresso, está em pleno vigor e a privatização segue as normas que foram estabelecidas. Então claramente não se pode acusar de ser uma coisa ilegal, porque ela segue uma lei federal. O outro ponto que poderia ser argüido é que o BNDES é o gestor desse processo e ele toma, como gestor do processo, uma série de decisões que, embora estabelecidas em lei, dependem de um juízo administrativo. Então creio que, eventualmente, se houver algum ponto que eles queiram levantar, e aparentemente elegeram duas ou três questões administrativas... Primeiro, na privatização da Vale, pela sua importância e sabendo que ela ia ter um impacto sobre a opinião pública muito grande, pela primeira vez nós adotamos um procedimento em relação ao Tribunal de Contas - que é quem dentro do arcabouço legal brasileiro fiscaliza a ação do Executivo, sempre a posteriori -, nós resolvemos estabelecer uma espécie de relação on line com o Tribunal de Contas, isto é, toda grande decisão que nós tomamos foi previamente comunicada ao Tribunal, discutido com eles eventualmente... nós estivemos lá umas duas, três vezes fazendo uma exposição sobre o modelo... E toda vez que aparece uma questão na imprensa, por menor que ela seja, por maior absurdo que possa parecer, a gente tem informado ao Tribunal de Contas. Então, a nosso ver, não existe nenhuma questão, da parte da gestão do programa do BNDES, que justificasse uma atitude desta importância. Agora, volto a dizer, isso não é uma questão que o BNDES deva interferir ou julgar, é uma questão que está colocada na pauta. Nós estamos fazendo o nosso trabalho e o que eles decidirem está decidido.

Suely Caldas: Agora, apesar disso há questionamentos, inclusive na área jurídica em relação à legalidade da privatização da Vale. Hoje mesmo o presidente... o vice-presidente... o ex-presidente Itamar Franco [(1930-), foi presidente do Brasil entre os anos de 1992 e 1995] se reuniu com o deputado Lindberg Farias [nascido na Paraíba (1969-), foi presidente da UNE e deputado federal] e decidiram que vão enviar uma ação de inconstitucionalidade da privatização da Vale, uma ação UNE [União Nacional dos Estudantes] e OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], e com o ex-presidente patrocinando também essa ação. Quer dizer, não há nenhuma brecha na Constituição? Quer dizer, está completamente coberta de legalidade a privatização da Vale? Porque questionamentos há, hão, existem. E depois também o seguinte: havia uma bateria de ações judiciais contra a privatização. Como é que o BNDES está se preparando para isso?

Luiz Carlos M. Barros: Primeiro é o seguinte, eu estou no BNDES há um ano e meio mas já deu para aprender como é que funciona a privatização, e conversando com as pessoas que estavam antes... Nós precisamos separar essa chamada batalha legal que precede toda privatização, e isso é válido no âmbito federal como, por exemplo, no estadual. Só para dar um exemplo, não era nem uma privatização, era uma venda de uma parte do controle acionário da CRT [Companhia Riograndense de Telecomunicações], que é a empresa telefônica do Rio Grande do Sul. O governo do estado estava vendendo um terço das ações e no dia do leilão tinham doze ações tentando bloquear o leilão em aberto. Isso faz parte da história. Agora, são ações que não têm nenhuma base legal, inclusive existe um... normalmente conseguidas no juiz de primeira instância - quer dizer, toda vez que vai a uma instância superior essas ações são retiradas, são consideradas ilegítimas -, mas existe inclusive um voto, que eu acho que é fantástico, de um juiz de primeira instância que... havia uma argüição de que atentava contra a soberania nacional, a privatização acho que é da Light [centenária companhia de geração e distribuição de energia elétrica administrada pelo governo federal por um longo período e privatizada em 1996, quando um consórcio formado por três multinacionais (Electricité de France - EDF, AES Corporation e Reliante Energy) mais a Companhia Siderúrgica Nacional ganharam o leilão da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. A reestruturação societária concluiu-se em 2002, consolidando a EDF como controladora da empresa], e uma série de outras questões, e ele falou o seguinte, que para mim é o resumo da história: "Existe uma lei federal.". Inclusive o próprio presidente Itamar Franco realizou várias privatizações de acordo com essa lei, inclusive uma delas muito polêmica, que foi a da Companhia Siderúrgica Nacional. Então, não vi o argumento do governador, não sei da lógica, mas me parece uma coisa estranha. Agora, todos esses questionamentos estão em aberto, quer dizer, o processo da Vale do Rio Doce é o processo mais democrático de todos os que... as privatizações que nós fizemos até agora, até porque é - a gente tem que reconhecer - a empresa em que houve uma movimentação maior da opinião pública, pelas suas características. Mas, por exemplo, eu já vi várias vezes deputados do PT [Partido dos Trabalhadores], da oposição, dizendo: “Não sei por que querem vender a Vale com tanta pressa”. A privatização da Vale do Rio Doce começou dois [enfatiza] anos atrás.

Othoni Fernandes Jr.: Mas pode haver um atraso no leilão marcado para o dia 29 de abril?

Luiz Carlos M. Barros: Isso é uma hipótese com a qual nós não trabalhamos. No fundo nós sabemos o que [é] que nós vamos enfrentar agora, quer dizer, na medida em que se aproxima a data do leilão, nós já temos acho que cinco ou seis ações, quer dizer, ações populares, ou argüições de algum tipo de legitimidade, inclusive no Tribunal de Contas, mas... a nossa... isso faz, como eu te falei, Othoni, faz parte da vida; é a sociedade, é uma parte da sociedade utilizando um instrumento democrático que existe, que é a Justiça, e cabe a nós do BNDES responder a cada uma dessas argüições. Evidente que no caso da Vale nós vamos encontrar uma dificuldade maior porque é uma empresa que, vamos dizer assim, tem inserção em sete ou oito estados brasileiros, em várias cidades pequenas e aí cabe em cada um... normalmente o BNDES tem lidado com empresas que têm uma sede muito bem identificada, então qualquer ação tem que ser realizada onde está a sede da companhia. Isto evidentemente que reduz o universo. Na Vale nós vamos trabalhar com ações num universo muito maior. Agora, e nós tomamos as precauções, existe um grupo de advogados maior no caso da Vale do Rio Doce; nós fomos obrigados até a licitar a disponibilidade de aviões de aluguel para poder, exatamente, permitir aos nossos advogados... porque o BNDES tem um problema: a sede do BNDES é só no Rio de Janeiro, então nós temos que fazer esse tipo de movimentação. Mas nós estamos encarando isso, quer dizer, com... com normalidade e uma coisa que não nos assusta, e a gente tem certeza, pelo menos pelo tipo de argumentação que nós vimos até agora, que nós chegaremos ao dia do leilão sem nenhum atraso.

[...]: Agora, Luiz Carlos...

Eleonora de Lucena: [Interrompendo] A questão do preço é uma das questões polemicas que estão aparecendo nesse processo, quer dizer, o governo fixou em 10,3 bilhões [de dólares] o preço da Vale; algumas consultorias fixaram, tinham sugerido, um preço maior. A Salomon Brothers [banco de investimentos com sede em Wall Street], por exemplo, tinha, enfim...

Luiz Carlos M. Barros: [Interrompendo] Não, só uma resposta: a Salomon Brothers tinha esquecido de tirar o passivo da empresa. Quer dizer, a Salomon Brothers tinha...

Eleonora de Lucena: Deu 12,6 [bilhões de dólares].

Luiz Carlos M. Barros: Ela avaliou o ativo, a mina de ouro, a mina de não sei que lá... só que ela esqueceu que nós não estamos vendendo aqueles bens, e isso até houve uma nota da própria empresa. Quer dizer, quando você compara o valor dos ativos de um trabalho da Salomon Brothers de dois anos atrás - inclusive o preço do ouro naquela época era 380 dólares, hoje vale menos do que isso... mas acontece que nós não estamos vendendo os ativos, nós estamos vendendo a empresa, portanto, quem comprar a empresa leva junto um passivo de dois e pouco bilhões de dólares.

Eleonora de Lucena: É, mas o ponto é o seguinte: o governo fixou esse valor... considerando a porcentagem de ação que está em negociação, digamos que se possa estimar que um comprador desembolsando 1,6 bilhão [de dólares] poderá ter, teoricamente, o controle da companhia...

Luiz Carlos M. Barros: [Interrompendo] Você aprendeu outra matemática do que o tempo [em] que a gente trabalhava junto na Folha [de S. Paulo].

[Risos]

Luiz Carlos M. Barros: É uma outra matemática.

Eleonora de Lucena: Não, se dividido por três 45% das ações, com 1,6 [bilhões de dólares] teoricamente o sujeito pode ter o controle; é igual a um quinto do rombo do Nacional. O que está errado: o valor da Vale, o rombo do Nacional?

Luiz Carlos M. Barros: Não, primeiro o rombo do Nacional é uma questão que, se vocês quiserem discutir, acho melhor chamarem o Gustavo Loyola [economista, foi presidente do Banco Central por duas vezes] porque eu, graças a Deus, não tenho mais nada que ver com isso.

Eleonora de Lucena: Só para ter uma idéia dos números.

[Risos]

[...]: Graças a Deus por quê?

Luiz Carlos M. Barros: É muito mais complicado do que vender a Vale, garanto pra você. Agora, o que eu quero dizer é o seguinte, olha: nós estamos vendendo uma empresa, certo? Não estamos vendendo sonho, não estamos vendendo hipóteses,. É uma empresa que existe. Essa empresa tem um valor, certo? Para chegar ao valor dessa empresa... inclusive a Vale do Rio Doce é uma empresa negociada em Bolsa [de Valores], aqui no Brasil e no exterior, há muito tempo. Boa parte do capital da Vale do Rio Doce está entre investidores que operam o mercado. Então, em tese - certo? -, a melhor forma de você saber quanto vale a Vale do Rio Doce é olhar para a Bolsa. Aí nós temos dois problemas. O primeiro problema é que as ações ordinárias, que são praticamente controladas pelo governo federal e mais dois ou três, duas ou três organizações, não são... não têm liquidez no mercado, nem brasileiro e nem exterior. As preferenciais...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Luiz Carlos, Luiz Carlos, posso pedir um favorzinho?

Luiz Carlos M. Barros: Pois não.

Matinas Suzuki: Para você ajudar o nosso telespectador a entender, você poderia explicar o que [é] que são as ações ordinárias, o que [é] que são...

Luiz Carlos M. Barros: A Vale do Rio Doce, como qualquer empresa, tem ações com direito a votos, as ações que participam da gestão da empresa, que controlam a gestão da empresa, que são as ações que o governo tem. E tem as ações preferenciais que são aquelas de acionistas minoritários, pequenos acionistas que participam apenas no resultado da Vale. Nós estamos tratando do primeiro grupo de ações. Só que essas ações não são negociadas em volume suficiente na Bolsa, nem no Brasil, nem no exterior, e portanto o preço delas é muito sujeito a pequenas manipulações. Nós gostamos de olhar o preço das preferenciais, onde o volume é um volume expressivo. Então essa é a primeira referência. Eu particularmente acho que essa é a melhor referência, porque tem um número muito grande de investidores, um número muito grande de instituições financeiras analisando, seguindo os dados da empresa. A lei brasileira não permite que se faça isso. A lei brasileira, que eu acho correta, ela obriga o BNDES a contratar dois grupos de consultores para que, independentemente, usando técnicas aceitas para avaliação de empresas, façam quanto vale a companhia, quanto vale a Vale do Rio Doce. Isso foi atendido no caso da Vale, são dois consórcios que fizeram, e os números são números próximos, vamos dizer assim, e não foi surpresa para mim, eu acho que simplesmente mostra que o mercado funciona, são números muito próximos à própria avaliação que o mercado faz da Companhia da Vale do Rio Doce; alguma coisa por volta de 10,3, 10,5 bilhões de dólares. Mas nós usamos, no caso da Vale, o trabalho, ao longo de vários meses, desses dois grupos de consultoria. Agora, acontece que a avaliação duma empresa, que não seja feita pelo mercado, ela depende da fixação de uma série de hipóteses para se calcular o valor da empresa. A mais difícil delas - está aqui o doutor Trevisan [Antoninho Marmo Trevisan, um dos entrevistadores], que sabe disso - é o seguinte, é a que se chama de taxa interna de desconto, isto é: dado o fluxo de lucros que a empresa vai ter no futuro - certo? -,  que taxa de juros eu tenho que considerar como sendo uma taxa de juros que o investidor ganharia num negócio muito mais seguro do que ser controlador de uma empresa do tamanho da Vale? Por exemplo, comprando títulos do governo federal, certo? Então esse é o conceito da taxa de desconto, isto é, eu pego o investimento mais seguro que existe e falo o seguinte: “Olha, a empresa só vale alguma coisa se ela render acima desse valor.”. Senão o sujeito enfurna lá um tesouro, um título do Tesouro brasileiro, um do Tesouro americano. Evidente que isto em si já é uma fonte de divergência. Então vai dizer: “Não, pra mim é 12.”; “Pra mim é 11.”; “Pra mim é 8.”. No caso da Vale, a coisa ainda é mais complexa, porque algumas das atividades da Vale como, por exemplo, a mineração de ouro...

Eleonora de Lucena: [Interrompendo] Está embaixo da terra.

Luiz Carlos M. Barros: Não, não é isso. É que como o ouro não é uma commodity [produto primário usado na fabricação de produtos industrializados], ele é um produto financeiro e um produto de grande especulação, vamos dizer assim, no mercado - tanto que o preço do ouro oscila muito -, quer dizer, a taxa interna de desconto de uma atividade de ouro é muito mais baixa do que a outra. Por quê? Porque o investidor fala: “Tudo bem, eu corro mais risco no ouro, mas em compensação eu tenho um potencial de ganho, não só de tirar da terra e vender o ouro, mas o preço... pode de novo ter uma crise, quer dizer, sei lá, eu... no Oriente Médio..." Então, parte da divergência sobre preços advém de uma dificuldade de você fazer essa avaliação. No caso da Vale nós estamos muito protegidos pela avaliação do mercado. Agora, existem outras questões, que é... que estão envolvidas, por exemplo, numa avaliação que foi feita por um grupo de professores aí a pedido de uma comissão no Senado, aí já é outra história.

[Sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Por favor, por favor, por favor. O professor Ab’Saber já estava pedindo para fazer uma pergunta aqui já há algum tempo, desculpe.

Aziz Ab'Saber: Doutor Luiz Carlos, eu não vou discutir preços da Vale, mesmo porque eu sou daqueles que acham que não tem preço a Vale, certo? Mas eu queria tratar do problema da geopolítica mineral ao fim do século e do milênio. Como eu sou geógrafo, eu me preocupo com todos os setores da geografia, e, sobretudo, a geopolítica mineral. E eu queria dizer ao senhor que pela... pelo que se conhece atualmente da tecnologia dos satélites que passam em órbitas polares por todos os continentes e terras imersas, não existe mais nada igual à Serra dos Carajás [reserva mineral situada no estado do Pará] e nem o Quadrilátero Central Ferrífero [região do estado de Minas Gerais que é rica em minérios]. Isso é que me preocupa, quer dizer, é nessa hora que a cobiça internacional procura enquadrar o nosso país através, evidentemente, dos órgãos gestores que o país tem, sobre as grandes reservas de minério de ouro, de cobre, de manganês, de níquel - né? -, de nióbio e... e, sobretudo, manganês. A grande procura que redundou na descoberta do minério de ferro em Carajás foi porque os Estados Unidos não tinham mais mercado disponível para comprar minérios de manganês, e acabaram descobrindo aquelas reservas fantásticas de minério de ferro. Então eu queria lhe perguntar, se é que eu estou certo - e eu tenho conhecimento razoável de imagens de satélite do Brasil e do mundo -, se é que eu estou certo de que depois do rastreio feito, do mundo inteiro, para todas as terras emersas, não existe mais nada igual à Serra de Carajás e ao Quadrilátero Central Ferrífero de Minas, eu perguntaria se os seus assessores trabalharam com esse dado e se este dado pode ser considerado importante do ponto de vista de uma privatização diferencial. Todos nós somos favoráveis a privatizar hotéis, estâncias e outras coisas mais, mas atenção, o caso de duas províncias minerais, únicas na face da Terra, ainda bastante intactas - ao contrário das da Austrália, e do sul da África, do Gabão, do Transvaal, que já estão bastante reduzidas, a cratera -, eu lhe perguntaria se os seus assessores têm imagens de satélites de todas essas áreas, e se eles lhe alertaram sobre esse aspecto do conhecimento tecnológico baseado no [satélite] Landsat 5 e nos levantamentos aeromagnéticos feitos em toda a face da terra e que não revelaram mais nenhum distrito mineral polivalente, como é o caso de Carajás, sobretudo, Carajás. É a minha pergunta, primeira pergunta que eu lhe faço.

Luiz Carlos M. Barros: Professor, a primeira, então a primeira resposta que eu lhe dou, parcial, eu vou completar a resposta, é que nós não estamos privatizando Carajás. Nós estamos privatizando uma empresa que tem, hoje, concessão para explorar Carajás. Então essa é a primeira grande diferença, quer dizer, nós não estamos vendendo o subsolo brasileiro como se... às vezes se apregoa. Nós estamos vendendo uma empresa que tem hoje [enfatiza] as concessões de exploração que o senhor citou e que, de acordo com a legislação brasileira, essa concessão é uma concessão provisória, quer dizer, é uma concessão que foi dada à Vale do Rio Doce pelo governo brasileiro, que é o detentor legítimo do subsolo, e este, e essa concessão, legalmente pode ser retirada a qualquer instante.

[...]: Por quanto tempo ficará a concessão?

Luiz Carlos M. Barros: Não, num... A legislação brasileira... é aquela velha história: nós ainda estamos trabalhando em cima de uma legislação muito antiga, de 1930 e pouco. Normalmente, eu já vi muito isto no Congresso, no Senado: “É, mas nunca foi retirada a concessão.". Quer dizer, tem coisa lá que todo mundo sabe que tem coisa debaixo da terra há quarenta anos, trinta anos e nunca se mexeu. Aí a minha opinião hoje [é] muito clara sobre isso, quer dizer, no Brasil, com as grandes estatais - Petrobras, Vale do Rio Doce, quer dizer, Eletrobrás -, houve uma superposição de poderes, isto é, houve um enfraquecimento total do Estado como poder regulatório e um... em detrimento de uma força da empresa que operava naquele momento. Então o Denae [antiga agência reguladora do setor de energia, substituída pela Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica], quer dizer, representava quase que um departamento da Eletrobrás, que é o órgão do governo federal que cuida das concessões no setor elétrico; a mesma coisa no âmbito da Petrobras, e a mesma coisa no âmbito da Vale do Rio Doce. O...

Aziz Ab’Saber: [Interrompendo] Mas...

Luiz Carlos M. Barros: Eu deixei o senhor me perguntar e o senhor vai me deixar responder. Quer dizer, o DNPM, o Departamento Nacional de Pesquisas Minerais, que seria o órgão brasileiro que lida disso, ele é uma coisinha muito pequena perto da potência da Vale. E aí, como a Vale era estatal, da mesma forma como a Eletrobrás era estatal e como a Petrobras era estatal, essa confusão entre o órgão do governo que deveria exercer a política do setor do governo, quer dizer, acabou sendo engolido pela empresa. Como os dois estão debaixo de um mesmo ministro, isso, diria, eu acho que há algumas exceções, mas , do ponto de vista de soberania ou de possibilidade do governo intervir, era a mesma coisa. Evidente que agora que nós estamos privatizando o setor elétrico, privatizando a Vale do Rio Doce, tem que se tratar do poder do governo ser exercido por um órgão normativo eficiente. Então esta é uma questão que será tratada após a privatização da Vale. Então a privatização... a Vale do Rio Doce é como se eu privatizo a Light - certo? -, é uma empresa privada que tem uma concessão para explorar um determinado serviço. No caso da Vale do Rio Doce, o serviço é explorar o subsolo. Se não houver investimentos adequados, se o cronograma de investimentos não for adequado o governo vai lá e “tchum” [faz um gesto de pegar alguma coisa com as mãos], tira a concessão. Então, vamos esclarecer de vez essa questão, porque eu tenho... a privatização da Vale do Rio Doce é um momento, assim, de aparecimento de grandes mitos, de grandes palavras vazias, vamos dizer assim, [como quando se diz:] "A Vale do Rio Doce é uma agência de desenvolvimento.". E o estado em que a Vale do Rio Doce mais opera há trinta anos, que é o Pará, é um exemplo de subdesenvolvimento, são os piores indicadores econômico-sociais. Então que diabo de agência de desenvolvimento é essa? Um outro... uma outra questão que se coloca é o seguinte: "Está se entregando o subsolo brasileiro.." Eu fui tentar fazer uma palestra sobre a privatização da Vale na Assembléia Legislativa de Minas sexta-feira, entre outras coisas, não me deixaram falar porque estava todo mundo berrando, mas o grande argumento... Perguntaram se eu ia fazer a palestra em inglês ou em português, para começar. E aí foi...

[Risos]

Luiz Carlos M. Barros: O problema é que a minha geração, professor, nós já estivemos do outro lado - não é? -, eu, o Othoni aqui, então a gente conhece um pouco essas lambanças todas. Mas o que eu quero dizer é que esta questão estratégica, e aí eu entro na sua pergunta, quando eu assumi o BNDES, foi praticamente no mesmo mês em que houve o resultado das consultorias que iam fazer a avaliação da Vale, então eu praticamente comecei a trabalhar no BNDES com a... O presidente da República me chamou junto com o ministro José Serra [economista, filiado ao PSDB, foi ministro do Planejamento e Orçamento (1995-1996) e ministro da Saúde (1998-2002) no governo Fernando Henrique], que era o ministro de Planejamento da época, falou: “Luiz Carlos, eu não preciso lhe dizer que a Vale do Rio Doce não é a Companhia Siderúrgica Nacional, não preciso lhe dizer que a Vale do Rio Doce não é a Usiminas, não é a Petroquímica. Ela é uma empresa que tem uma inserção na economia mundial, principalmente no mercado de minério de ferro, é uma empresa que sempre teve uma relação, talvez tenha a relação mais forte entre o Japão e o Brasil, se dê o exemplo da Vale do Rio Doce.”. Então esta foi uma instrução que eu recebi, logo do início, [enfatiza] do presidente da República. Tanto que, [como] eu sou engenheiro, cartesiano, fiz o seguinte: chamei o José Pio Borges, que é o vice-presidente do banco, que é o responsável pela privatização e falei: “José Pio, você vai desenhar o modelo da privatização numa folha em branco, isto é, você siga os consultores e o objetivo maior seu é o seguinte: como é que eu vendo a Vale do Rio Doce pelo maior valor possível, porque o Tesouro é quem está por trás disso.”.

Othoni Fernandes Jr.: Doutor Luiz Carlos, deixa eu só engatar e fazer uma pergunta só...

Aziz Ab’Saber: [Interrompendo] Eu só... eu queria dizer, como eu não posso responder agora, democraticamente eu gostaria que os outros colegas respondessem as questões, depois eu queria ter o direito de...

 Luiz Carlos M. Barros: Não, lógico...

[...]: Está bom, está bom...

[Sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Othoni, por favor...

Othoni Fernandes Jr.: Eu só queria dar uma continuidade a isso, me permita um gancho disso...

Matinas Suzuki: Bom, então está bom, você rapidinho, e o [aponta para outro entrevistador]...

Othoni Fernandes Jr.: Uma das acusações que a oposição à privatização da Vale está fazendo é que pode vir um consórcio, ou uma grande mineradora estrangeira, como a Anglo American [mineradora de origem sul-africana e inglesa, possui filiais no estado de Goiás], e começar aos poucos retalhar a Vale: vende uma mina de ouro, vende um pedaço de manganês, vende a ferrovia, vende... O Estado vai ficar com um direito à Golden Share [classe especial de ações que permanecem de posse do Estado quando da privatização de uma de suas companhias. Tais ações conferem direitos particulares e disposições estatutárias especiais, o que possibilita ao país manter certo controle em decisões que envolvam assuntos estratégicos], de restringir esses movimentos, ele teria... a Golden Share garante ao Estado a possibilidade de impedir essa retaliação da companhia?

Luiz Carlos M. Barros: Então, deixa eu só... Voltando... acho que a pergunta do professor é importante, porque eu gostaria de rememorar quais são os princípios básicos que tiveram sempre atrás da... Então, nós fizemos essa divisão. O José Pio, com os consultores, tiveram um problema para resolver: como é que eu vendo a parte do governo da Vale do Rio Doce para obter o maior volume de dinheiro possível? E eu fiquei junto com o ministro Serra, e agora com o ministro [Antonio] Kandir [economista (1953-), foi ministro do Planejamento durante o governo de Fernando Henrique], para ver o seguinte: quais são... - isso é uma venda, se fosse a Companhia Siderúrgica Nacional -, quais são as restrições que nós devemos colocar no processo de venda da Vale para levar em conta esses fatos? Primeiro, para levantar quais são os fatos relevantes do ponto de vista estratégico atrás da Vale do Rio Doce. E [é] evidente, professor, que aí nós fizemos um corte, quer dizer, o governo - não é? -, o presidente Fernando Henrique Cardoso está eleito, ele está legitimado para tomar suas decisões administrativas. A privatização da Vale do Rio Doce é uma decisão administrativa, então, é evidente que esse corte, em termos estratégicos, corresponde a uma visão que nós temos do mundo e do Brasil, certo? Então... mas nós temos! Então a questão que nós estamos vendo, a privatização da Vale, corresponde à existência imediata de um fortalecimento do órgão normativo da área, certo? Então isso é dado como condição. Depois... então, vamos ver quais são as questões realmente estratégicas por trás da Vale do Rio Doce. A Vale do Rio Doce, ela é uma empresa importante só [enfatiza] na área de minério de ferro. Quer dizer, como produtora de ouro ela ainda é um produtor mediano, certo? Como produtora de alumínio ela também não tem muita importância. Agora, a companhia tem no minério de ferro realmente uma inserção importante no mundo. Ela é responsável por mais de um terço dos negócios de minério de ferro no mundo e, mais do que isso, a Vale é uma empresa que tem, pela nossa posição geográfica, ela é importante no mercado europeu e no mercado asiático, que, vamos dizer assim, tirado os Estados Unidos, que têm lá a sua própria regra de fornecimento, são os dois grandes pólos de economia que nós temos. Isso dá à Vale uma vantagem comparada aos australianos: os australianos têm uma vantagem no que diz respeito ao Japão, mas perdem em relação à Europa; e a Vale, além disso, tem um minério de ferro de maior qualidade. Então é evidente que, se nós não tomássemos cuidado com o novo controlador da Vale, poderíamos estar, vamos dizer, introduzindo alguma mudança no minério, [corrigindo-se] no mercado, que é importante, principalmente porque atinge um país que é nosso aliado, [com o qual] a gente tem uma boa relação, que é o Japão. Então, essa foi a... o primeiro constraint, a primeira restrição que nós tivemos, certo? Nós precisamos tomar cuidado com quem vai ser o novo controlador da empresa. Da mesma forma, nós entendemos que a força da Vale do Rio Doce está exatamente nesse... nessa...  [faz um gesto horizontal] espinha dorsal que é formada pelas suas minas de minério de ferro, pelas duas ferrovias que ela tem - ela tem uma ferrovia aqui [representa com a mão esquerda erguida] em Minas e uma ferrovia lá no Norte [representa com a mão direita erguida] -, e pela sua capacidade de operar portos de uma forma eficiente. Então, isto aqui - e aí eu respondo à sua pergunta - está numa Golden, isto é, essa estrutura só pode ser quebrada, vendida ou desmembrada se o governo federal, depois [enfatiza] da privatização, concordar - que é a tal da Golden Share ou ação de classe especial. Isto é intocável, a não ser que o governo que tiver naquele momento aprove essa medida. Então, com isso nós preservamos, independente de quem seja o controlador, a estrutura da empresa. As outras atividades que a Vale tem [e que são] correlatas a essa nascem muito mais de uma lógica econômica, microeconômica, da empresa do que qualquer outra coisa. Ela tem uma ferrovia em Carajás - certo? -, e isso dá a ela uma grande força interna para também mexer com outras coisas: [movimenta os braços] madeira, papel, celulose. Então, a lógica do resto das atividades da Vale, ela é... de uma lógica capitalista. Não é nenhuma coisa... Não é porque a Vale era do governo que se fez isso; se fez isso é porque as pessoas que administravam a Vale, embora fossem empregados do governo, viram que essa... Então essa é uma questão que tem que ser deixada... Agora, como ela faz sentido hoje, ou fez sentido no passado, eventualmente no futuro não faça mais! Então isso não é uma questão sobre a qual nós vamos manter o controle. Então, se o novo controlador, daqui a dez anos, achar que, por exemplo, o alumínio, que é uma atividade em que a Vale só perdeu dinheiro - é uma coisa engraçada, porque quando você olha o preço da Vale, todo o negócio alumínio que é feito através de duas ou três subsidiárias que ela tem, ela reduz o patrimônio da Vale. Por quê? Porque o valor do bem hoje é maior... [corrigindo-se] é menor do que o passivo, entre outras razões porque essas empresas são feitas em associação com os japoneses, e o Japão é que financiou a Alunorte [Alumina do Norte S/A], a Albras [Alumínio Brasileiro S/A], esse negócio todo, com iene [moeda japonesa], quando o iene valia... você precisava de trezentos ienes para comprar um dólar. De repente passou a valer vem, isto é, multiplicou por três o passivo da empresa. Então o negócio alumínio... Ah! [lembrando-se] E além [disso], nós temos um outro problema, que o senhor sabe muito bem [dirige-se a Aziz Ab’Saber], a Venezuela fez agora uma usina, maior até do que a nossa Itaipu - certo? -, na Venezuela não tem demanda industrial e ela está vendendo essa energia elétrica a preço de banana. E energia elétrica, o senhor sabe muito bem, é o custo fundamental do alumínio. Então nós corremos o risco...

Carlos A. Sardenberg: [Interrompendo] Agora, Luiz Carlos, se pudéssemos voltar...

[Sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Por favor [...], o Toninho está na frente [e] depois é você, Sardenberg. Tá bom?

Antoninho M. Trevisan: Luiz Carlos, voltando para essa questão do preço e para esse princípio capitalista que está norteando todo o programa de privatização. Quando a gente toma o preço e a gente vai ouvir e verificar como os analistas, por exemplo, da Abamec [Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais] tomavam o preço, eles tomavam por 15 bilhões de dólares, né? Se a gente for tomar o Luiz Carlos Mendonça de Barros, ele considerava o valor da Vale em 14 bilhões de dólares em novembro de 1995. Se nós tomarmos o valor da Vale em bolsa [de valores] em novembro de 94, ele era de 14,4 bilhões de dólares. Se nós considerarmos o modelo de venda de companhias cujo valor se baseia em negócios realizados em bolsa, a gente verifica que, quando está em jogo o controle, o valor da empresa em bolsa, ele sofre um acréscimo natural, portanto a base de 10,3 bilhões parece, ô Luiz Carlos, que contradiz o presidente do BNDES, que trabalhava com a hipótese de 14 [bilhões de dólares], contradiz os analistas de mercado, contradiz a própria bolsa do ponto de vista dos últimos dois anos e contradiz esse modelo capitalista que valoriza o valor da ação em bolsa quando você adquire o controle. Daí há uma sensação efetiva de que o valor da Vale ficou sendo o menor possível dentre as diversas... dentre os diversos valores. E também levar em conta o fato de que, em geral, as privatizações têm sido feitas, elas têm sido feitas pelo valor mínimo. É possível de que nós não tenhamos mais do que um consórcio. Portanto, eu queria saber de você o que [é] que teria levado a essa, digamos, depreciação, tanto da sua avaliação, dos analistas da Abamec, da própria Bolsa de Valores, e por que não se adotou o critério de sobrevalorizar por conta da transferência do controle?

Luiz Carlos M. Barros: Vou começar pela mais fácil, que sou eu em novembro de 95. Evidentemente que eu usei, quer dizer, o parâmetro da bolsa da época, que era o que existia. Eu nunca... nunca.... eu comecei a olhar a Vale depois que eu vim para o BNDES,  certo? Então, o que pode dizer é que, se nós tivéssemos privatizando a Vale em novembro de 95, esse teria sido o preço básico. Só que nós não estamos, nós estamos privatizando a Vale em março ou abril de 1997. Essa é a primeira diferença. Segundo, a questão do controle, você tem razão - certo? -, agora, o leilão é que permite que você faça essa avaliação. A Vale do Rio Doce, hoje, é uma empresa, ou a oportunidade Vale do Rio Doce, que está sendo apresentada para o mundo todo. Você sabe que todos os bancos de investimentos, e aqui mesmo vieram empresas do mundo todo, bancos do mundo todo, estão escrutinando a empresa, estão fazendo a avaliação da empresa. Isso para mim é a única forma correta de você avaliar o preço de uma empresa. Como eu disse: a legislação brasileira sabiamente - até porque boa parte das empresas ou não estão cotadas em bolsas, ou se estão cotadas em bolsa têm um volume de negócios muito pequeno que não dá transparência para essa cotação - manda nós usarmos duas, duas... dois consórcios para fazer avaliação. A sua própria empresa fez a avaliação da Light que foi considerada na época...

Antoninho M. Trevisan: [Interromendo] Alta.

Luiz Carlos M. Barros: ... alta.

Antoninho M. Trevisan: E o Valor [jornal Valor Econômico], dez meses depois,...

Luiz Carlos M. Barros: Tudo bem...

Antoninho M. Trevisan: ... mostrou que hoje a Light está sendo negociada...

Luiz Carlos M. Barros: [Interrompendo] Eu sei...

Antoninho M. Trevisan: ... pelo dobro do que foi...

Luiz Carlos M. Barros: Não, não foi bem o dobro.

Antoninho M. Trevisan: Não, se você somar Light e [...], você vai chegar nesse número.

Luiz Carlos M. Barros: Não, não. O que eu quero dizer é o seguinte: é que essa avaliação não somos nós que temos que fazer. O governo tem que fazer: "Estou oferecendo um negócio." - certo? -, "Eu estou oferecendo um negócio...", primeiro, se... e aí começa a, vamos dizer assim, a você ter aí as realidades. Por exemplo, eu ouvi um senador dizer que a Vale valia um bilhão e meio de dólares. Evidentemente, se a Vale vale um bilhão e meio de dólares e o governo está vendendo, por alguma razão a, por dez bilhões de dólares, nós devíamos ter aqui uma fila quilométrica. E não temos. Então, evidentemente, como o senador não é uma pessoa do ramo, o erro é dele, um trilhão e meio de dólares...

[...]: Um trilhão, um trilhão... é, foi um trilhão que ele falou, é.

Luiz Carlos M. Barros: Um trilhão e meio de dólares ele deve ter sonhado em alguma noite... equatorial, lá onde ele mora.

[...]: Mas é... sobre essa...

Luiz Carlos M. Barros: Agora, deixa eu só terminar de responder. Então, por exemplo, a nossa forma é uma forma, vamos dizer assim, absolutamente transparente do que nós fizemos. Você sabe muito bem que o preço mínimo... o preço da avaliação dos dois consórcios é o preço mínimo. O CND [Conselho Nacional de Desestatização], o Conselho de Ministros, pode fixar onde ele quiser o preço. Então o que [é] que nós fizemos? Tivemos as duas avaliações. As duas avaliações, não é um número, é um, você sabe, você faz um espectro de número, porque depende muito de uma série de pressupostos. Por exemplo, na privatização da Vale do Rio Doce, uma coisa que nos surpreendeu foi...

[...]: Na avaliação?

Luiz Carlos M. Barros: Não, foi a... quando você vai fazer a privatização é uma grande sessão de psicoterapia da empresa, porque se entra lá dentro e se olha coisas que não se via. Então um dos grandes medos de todo mundo, você sabe muito bem, é quando chega no fundo de pensão da empresa - certo? -, porque normalmente as notícias são horríveis, você encontra lá um fundo de pensão que tem que pagar aposentadoria e não tem recursos para isso. No caso da Vale foi uma surpresa, porque a diferença que se identificou foi algo de 300 milhões de dólares, certo? Embora seja muito dinheiro, do ponto de vista do tamanho do fundo, é razoável. E esses 300 milhões de dólares dependem muito de alguns pressupostos sobre o longo futuro das aposentadorias. Então, você tem que fazer uma série de ajustes. Agora, o que pesou para nós foi o seguinte: nós temos os números feitos pelos consultores e checamos isso com o número da Bolsa, que tem uma certa credibilidade ou tem a credibilidade, que são as [...], e fixamos esse número, e deixamos a questão do ágil para a disputa legítima, aonde... aí o sujeito que vai controlar a empresa é que vai dizer...

[...]: Mas e se não houver disputa?

Luiz Carlos M. Barros: Hã?

[Sobreposição de vozes]

Carlos A. Sardenberg: Esse é que é o problema...

[...]: Se não houver disputa, tiver um consórcio só?

Eleonora de Lucena: Parece que só vai ter um comprador.

Luiz Carlos M. Barros: Não, espera: aí vocês já estão fazendo ilações...

[Sobreposição de vozes]

Carlos A. Sardenberg: Posso colocar a pergunta de outro modo? Deixa eu colocar a pergunta de outro modo, que é...

Luiz Carlos M. Barros: [Interrompendo] Bom, se houver, se não houver disputa...

[...]: [Interrompendo] É um mau negócio?

Luiz Carlos M. Barros: Não! Se não houver disputa, para mim, é o melhor exemplo de que o preço estava correto.

Suely Caldas: Você está certo de que haverá disputa?

Luiz Carlos M. Barros: Olha, eu não sei. Eu tenho... A minha convicção é de que vai ter.

Suely Caldas: [Interrompendo] [...] falou de um segundo consórcio.

Luiz Carlos M. Barros: Agora, o que eu quero dizer, claro, é o seguinte: se não houver disputa... Podem acontecer duas coisas: pode não aparecer nenhum consórcio - o que quer dizer que o preço estava errado, porque, no mundo capitalista, e não no mundo abstrato de outras ideologias, não existe esta... ainda mais o Brasil, hoje, que é um país que está sobre o foco, sobre o escrutínio de todos os grandes investidores... a Vale do Rio Doce é uma empresa que ficou sendo escrutinada mais de um ano - que, se o preço estiver uma barganha, não apareça alguém querendo comprar.

[...]: Mas não será por causa das limitações?

Luiz Carlos M. Barros: Espera aí... Não, não...

Carlos A. Sardenberg: [Interrompendo] Pois é, esse que é o problema que eu queria colocar, ver por outro lado.

Luiz Carlos M. Barros: Não, depois... espera... mas a vida capitalista é assim, certo? Se o preço estiver errado, ele pode estar errado ou porque ele é muito caro ou porque ele é muito barato. Se ele for muito caro...

Carlos A. Sardenberg: [Interrompendo] Se for barato vai ter um monte de gente.

Luiz Carlos M. Barros: Se ele for muito caro não vai aparecer ninguém. Se ele for muito barato vai aparecer um monte de gente!

Carlos A. Sardenberg: Sim, agora também depende...

[...]: [Interrompendo] Mas tem outras limitações...

Carlos A. Sardenberg: Isso que eu queria colocar: depende também das condições de venda. Você havia colocado aqui que tinha definido uma linha de trabalho que era vender pelo maior valor, e isso é... de certo modo, responderia a certas críticas que [dizem que] está entregando a preço de banana, e por outro lado você falou: “Criar uma modelagem que fosse imune a críticas.”.

Luiz Carlos M. Barros: Isso. Não, não é imune a críticas. Nós quisemos criar uma modelagem...

Carlos A. Sardenberg: [Falando ao mesmo tempo que Luiz Carlos M. Barros] Enfim, que cercasse a venda...

Luiz Carlos M. Barros: ...uma modelagem que chegasse a analisar a questão estratégica, isto é, nós não podemos permitir que as companhias australianas venham aqui e controlem a Vale do Rio Doce.

Carlos A. Sardenberg: [Falando ao mesmo tempo que Luiz Carlos M. Barros] Está certo, então, quer dizer...

Luiz Carlos M. Barros: Por quê? Porque isso vai realmente jogar de cabeça para o ar o mercado de ferro e os consumidores, principalmente os japoneses que é quem importa 100% do minério de ferro, vão estar numa situação ilegítima. E como o país - certo? - não é, mesmo que seja para obter alguns tostões a mais no valor da privatização, nós somos um país sério e não vamos fazer isso, certo? Espera aí [se dirigindo para um dos entrevistadores]. Aí, no Congresso, que foi aonde nós... no Senado, onde nós debatemos, vai dizer: “Ah, está bom. Então os australianos vão controlar! Ah, mas e os japoneses? Os japoneses podem ser o contrário, podem eles querer comprar a Vale, aí eles abaixam o preço de exportação para dar lucro lá na usina siderúrgica no Japão.”. Eu fiz as minhas contas, acho muito difícil alguém gastar lá o dinheiro que tem que gastar para poder fazer essa brincadeira de dar o lucro lá no...

Carlos A. Sardenberg: [Interrompendo] Sim, mas...

Luiz Carlos M. Barros: Espera aí, espera aí. Então... mas de qualquer maneira, como havia essa preocupação, ela é uma possibilidade teórica e nós sabíamos, sabíamos, que os japoneses têm uma postura em relação à Vale, que depois eu posso explicar para vocês, que é completamente diferente - eles não querem pôr dinheiro aqui -, nós sabíamos que essa hipótese era uma hipótese que não existia. No caso dos australianos, não: a gente sabia que eles tinham muito interesse. Então nós colocamos duas [enfatiza] restrições aqui: esse grupo, tanto das concorrentes da Vale como dos grandes consumidores - e aí nós colocamos também os traders [negociador que compra e vende ações com o objetivo de conseguir lucros no curto prazo], porque no fundo os traders internacionais fazem às vezes os negócios dessas duas pontas - não podem ter individualmente mais do que 10% do controle e no total não podem ter mais do que 45%. Ao fazer isso, quando eu cheguei lá para José Pio, que estava lá no papel em branco fazendo o modelo, ele falou: “Só que o preço vai...

Carlos A. Sardenberg: [Interrompendo] Vai cair.

Luiz Carlos M. Barros: ...vai cair.” [assente com a cabeça]. Falei: “tudo bem, tudo bem.”. Quer dizer, o governo acha essa restrição ou o governo acha que vender a Vale mais barato por causa dessa restrição, ele está tomando uma medida correta”.

[Sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Espera, espera só um... Nós vamos fazer um breve intervalinho e a gente volta daqui a pouco com a segunda parte da entrevista com o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Até já.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Nós voltamos com o Roda Viva, que entrevista essa noite o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros. O BNDES está coordenando o processo de privatização da Vale do Rio Doce. Nós lembramos que você pode enviar as suas perguntas pelo telefone 011 252-6525, 252-6525; ou pelo fax 011 874-3454, 874-3454; ou ainda através da internet pelo endereço rodaviva@tvcultura.com.br, rodaviva@tvcultura.com.br. Doutor Luiz Carlos, eu vou aproveitar que eu estou com a palavra agora e vou fazer perguntas dos telespectadores - está bom? -, depois volta para os nossos convidados. É uma questão que aparece bastante, e aqui eu acho que tem três telespectadores que fazem essa pergunta. O Ivan Alves, de Natal; o Marcelo Faro, daqui da cidade de São Paulo e o Henrique Campos, de Belo Horizonte... quer dizer que é uma dúvida bem distribuída pelo Brasil [risos]. “Por que privatizar uma empresa que não dá prejuízo?”.

Luiz Carlos M. Barros: Bom, essa, quer dizer, eu acho que é uma questão central. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso tem uma visão muito clara de qual é o papel do Estado brasileiro na nossa sociedade, certo? Quer dizer, isso é importante no Brasil, porque a nossa história teve momentos em que a presença do Estado como dono de empresas foi muito importante. Sei lá, a Companhia Siderúrgica Nacional, lá em 1900... ainda na primeira metade dos 50, quando o Brasil era um "paizeco" - não é? -, uma republiquinha de banana que só exportava café e a [Companhia] Siderúrgica Nacional, que foi uma ação do governo, foi fundamental para romper aquele ciclo de: não tem indústria, não tem mercado; não tem mercado, não tem indústria. Começou-se por ali, foi o que viabilizou depois com o presidente Juscelino, quer dizer, toda a parte da indústria de automobilística e o Brasil decolou... meio aí, estabanadamente, mas decolou...

[...]: Tipo um Fokker 100 [referência ao acidente ocorrido no ano de 1996, em um vôo entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, envolvendo um avião da marca Fokker. Noventa e nove pessoas morreram, e a causa foi atribuída a um problema no chamado reversor do avião]...

Luiz Carlos M. Barros: Um Fokker com o reversor virado, mas decolou, como uma economia mais moderna, com indústrias. E depois nós tivemos o período militar, quer dizer, em função de uma situação muito típica da época, aquelas crises todas, um reforço dessa presença da estatal. Isso passou a quase que fazer parte da nossa vida, quer dizer, o brasileiro se acostumou a que as empresas que fazem energia elétrica, que tem o telefone, faz o aço, faz... tem até hotel, não sei o quê, é do Estado e não achar nenhuma grande... problema nisso. Enquanto esse é um problema, porque nós sabemos que o Brasil tem uma economia capitalista e que portanto a base da economia capitalista é a empresa capitalista, que tem a sua regra. O presidente Fernando Henrique foi eleito, inclusive, com uma plataforma muito clara que nós íamos mudar isso: a visão do Estado, do governo, do PSDB, é outra - certo? -, é uma visão... Primeiro, que ela não está criticando o que foi feito no passado, porque nós entendemos que aquilo foi feito corretamente no passado, só que o governo, quer dizer, qual é a grande importância do governo, que representa a sociedade no dia-a-dia do país? É saber acompanhar as mudanças, mostrar que o que era bom no passado não necessariamente seja bom, certo? E a nossa leitura, a leitura do presidente, é de que o mundo mudou muito e o Brasil tem que mudar para poder se encaixar nesse mundo do próximo século, que é o mundo... quer dizer, você mesmo estava pedindo para o sujeito usar a internet para fazer pergunta; eventualmente, quer dizer, isso... a internet hoje revolucionou, tirou, não tem mais fronteira, essas novas técnicas de telecomunicação... o mundo é um mundo só. Quer dizer, hoje o sujeito produz um pedaço do automóvel na Espanha, outro pedaço vem da Coréia, é montado aqui e daqui vai para lá. Quer dizer, esta é a característica do mundo: é um mundo competitivo, não cabe a nós dizer se esse mundo... Eu, particularmente, tenho, acho... tenho certeza que você também tem, tenho saudades de algumas coisas do velho mundo. Mas não adianta, o mundo é das crianças, é do meu sobrinho que com três anos mexe no computador [faz o gesto de digitação], faz na internet, não é mais o nosso. Então, o governo, ele tem essa visão. O que nós queremos com o processo de privatização não é fechar empresas que dêem prejuízo. O que nós queremos é tirar o governo do controle de empresas que produzem bens e serviços e que podem ser substituídas de maneira muito mais eficiente pelo setor privado, e se retirar para uma outra trincheira que é mais importante nesta virada do século do que ser dono da Vale, da Telebrás ou da Eletrobrás, que é usar a sua legitimidade para regular o funcionamento dessas empresas, principalmente daquelas que estão interagindo com o público diretamente. Nós sabemos que uma empresa de energia elétrica, não necessariamente vai atender o sujeito de baixa renda, que dá prejuízo para ela. Mas como ela é concessionária do setor público, no serviço de concessão tem que estar escrito para ela lá que ela tem que atender 100% das residências, e todo mundo... E aí é o problema dela calcular, eu tenho prejuízo lá, vou ter lucro noutro lugar, é um bom negócio. Então, esta é... o que está por trás da Vale do Rio Doce. Nós não estamos vendendo a Vale do Rio Doce porque ela deixa de dar lucro ou  [não] deixa de dar lucro. É que neste entendimento que nós temos do Estado, do governo, na virada do século, não faz sentido o governo controlar a empres. Faz sentido sim ele controlar o departamento que vai regular a pesquisa mineral, exploração mineral. A empresa, se não investir para tirar o ouro que está debaixo da terra, você [o governo] vai lá e [diz]: “Olha meu filho, tudo bem, me dá aqui a concessão que tem um outro sujeito que vai fazer isso.”. É por isso que nós estamos vendendo a Vale. Nós estamos vendendo a Vale...

Antoninho M. Trevisan: [Interrompendo] Mas o governo tem o dinheiro para botar... para botar... para investir nas estatais?

Luiz Carlos M. Barros: Espera um pouquinho Trevisan, espera um pouquinho. Nós estamos vendendo a Vale, e aí o BNDES tem, isso aí é cria do pessoal de comunicação, uma frase que para mim resume tudo: é colocar o Estado no lugar certo. Quer dizer, não é negar o Estado, o governo do presidente Fernando Henrique exalta [entafiza] o Estado, o Estado é a expressão máxima - né? - da nossa sociedade. Agora, é colocado no lugar correto, para que ele possa, de uma maneira mais eficiente, servir à própria sociedade. É por isso que nós queremos vender a Vale do Rio Doce.

Suely Caldas: [Interrompendo] Luiz Carlos eu queria fazer uma pergunta. Essa questão de passado e presente...

Antoninho M. Trevisan: [Interrompendo] Deixa eu só perguntar isso: o governo tem recurso para aplicar nas empresas estatais?

Luiz Carlos M. Barros: Não. Essa é outra...

Antoninho M. Trevisan: [Interrompendo] Mas acho que essa é a questão!

Luiz Carlos M. Barros: Não, não: a questão... a questão é uma questão de ordem mais geral. Aí existe uma série de aspectos, esse que você está levantando é um aspecto importante, certo? A Vale do Rio Doce precisa de um volume imenso de investimento e o governo... Agora, por que [é] que o governo não tem dinheiro? Porque hoje é prioridade para o governo atender outros setores: é atender a parte de educação, é atender a parte de saúde. Nós achamos que é jogar dinheiro fora pegar 400, 500 milhões de dólares por ano do orçamento para pôr no capital da Vale. Se tem gente que tem muito mais dinheiro que o governo, e ele não tem que fazer despesas sociais, que queira fazer isso. Nós reservamos o pouco recurso que o governo tem para fazer...

Othoni Fernandes Jr.: [Interrompendo] E ela pode ser mais lucrativa ainda, se [for uma empresa] privada? Por quê? Como?

Luiz Carlos M. Barros: Não tenha dúvida.

Othoni Fernandes Jr.: Por exemplo, essa questão de capacidade de investir?

Luiz Carlos M. Barros: Não, capacidade de investir... A Vale, como uma empresa pública, ela é obrigada a ter normas de concorrência. A Vale do Rio Doce, para comprar parafuso, precisa fazer uma concorrência quase que internacional. Eu estive lá em Carajás, a Vale do Rio Doce precisa ter um volume de estoques, de dinheiro, em peças de equipamentos, três ou quatro vezes [maior] que no setor privado tem. Por quê? Porque toda vez que precisar de alguma coisa para um trator, não é assim: liga [faz gesto de segurar um telefone] para o fornecedor [e lhe diz:] "Me manda duas peças.". Tem que fazer uma tomada de preço, tudo aquilo. Então existe...

Suely Caldas: [Interrompendo] Agora, esse ano foi uma enxurrada de lucro de empresa estatal, hein! A Vale teve um lucro quase de um bi, o BNDES teve um lucro de quase um bi também. Só o Banco do Brasil e a Caixa Econômica que não. Agora, Eletrobrás teve um lucro muito alto... a...

Luiz Carlos M. Barros: A resposta é muito simples.

Suely Caldas: Até as estatais de energia elétrica de São Paulo tiveram lucro!

Luiz Carlos M. Barros: Suely, a resposta é muito certa: seriedade do governo, seriedade do governo.

Carlos A. Sardenberg: E um pouco de tarifa, não é? [risos]

Luiz Carlos M. Barros: Não, tudo bem. Mas basicamente [...] ter um governo sério.

Suely Caldas: É. Um tanto de tarifa.

Luiz Carlos M. Barros: O BNDES não tem tarifas e o BNDES deu lucro, certo?

Carlos A. Sardenberg: Bom, mas o BNDES não estava nessa lista, aí do...

Luiz Carlos M. Barros: A Eletrobrás não tem essa tarifa toda, nós estamos há um ano... É seriedade. Agora, a seriedade é uma coisa que este governo tem; eventualmente os outros não tiveram, certo? O governador Mário Covas [(1930-2001), político do PSDB. Foi governador do estado de São Paulo entre 1995 e 2001] aqui em São Paulo [...] um esforço sobre-humano...

[...]: E o Itamar Franco [(1930-), político então do PMDB que ocupou a presidência da República entre 1992 e 1995] já vai chiar de novo.

Luiz Carlos M. Barros: Então, o que eu quero dizer, por isso que eu não justifico por questões do tipo "falta de investimento", porque aí nós podemos bater boca, porque a outra vai dizer: “Não, mas muda a regra da licitação.”. Para nós a explicação é uma explicação de natureza bem mais geral, é uma explicação de uma postura perante a sociedade. O governo Fernando Henrique Cardoso quer um governo que exerça a sua autoridade, que é legitimada pelas eleições, através de um instrumento mais eficiente que nós temos hoje - certo? -, que é a regulação... Inclusive, a golden share, [de] que nós falamos, é o melhor exemplo, porque eu tenho... eu tenho uma maneira de... intervir na... na administração da empresa, naquilo que a gente acha que é importante, e não tem nenhum tostão lá, quer dizer, essa é a razão principal.

[Sobreposição de vozes]

[...]: Agora vamos ver uma coisa: o que é que vai fazer com o dinheiro da Vale? Vamos só esclarecer uma coisa...

Carlos A. Sardenberg: [Interrompendo] Agora só uma coisinha, Luiz Carlos. Só uma coisinha antes disso, antes do que vai fazer com o dinheiro. Eu só queria colocar essa coisa, quer dizer, parece que é como se tivesse armado a venda da Vale para poder ter respostas tanto à crítica que vem da esquerda... vem crítica da direita também - né? -, dizendo que a Vale está sendo vendida com tantas [enfatiza] restrições que você vai acabar não pegando o preço ideal, enfim, não vai ter o valor que ela devia ter porque não vai fazer uma venda com condições boas no mercado. Quer dizer... e agora a gente está vendo a dificuldade de formação dos consórcios, que várias empresas que estariam interessadas não querem, porque não querem ter participação pequena, enfim, eu sei que é discussão de véspera de leilão...

Luiz Carlos M. Barros: [Interrompendo] Sardenberg, isso aí é briga de comprador e vendedor.

Carlos A. Sardenberg: Sim está certo, isso eu sei. Agora, no caso de você chegar, com a hipótese que você levantou, de chegar no dia e vender para um consórcio só que aparecer por três bilhões [de dólares], o controle, quer dizer, na verdade você vai estar sujeito às duas críticas, tanto da direita, que você não fez o leilão direito [e] que [por isso] só apareceu um cara, como [que] vendeu barato.

Luiz Carlos M. Barros: Olha, governar é você tomar as suas próprias decisões em torno de várias opções. O que nós fizemos foi o seguinte: a Vale do Rio Doce teve uma... uma... questionamento, uma discussão muito ampla na sociedade. Por quê? Este processo de privatização brasileiro, o grande teste dele é a Vale do Rio Doce! Nós sabíamos desde o começo, certo? Por quê? Você vai vender a Siderúrgica Nacional é um prejuízo danado, a rede ferroviária federal, que foi privatizada, que você tinha...

Carlos A. Sardenberg: [Interrompendo] Só um milagre.

Luiz Carlos M. Barros: Eu sei. Tinha prejuízo de 600 milhões de dólares e a velocidade média da rede ferroviária federal era de 10 km por hora, certo? Uma carroça acho que anda mais ou menos com isso aí. Nós sabíamos disso, aí tudo bem. Agora, quando fosse tocar na Vale [enfatiza] nós sabíamos que a questão, vamos dizer assim, ideológica, programática, ia aparecer, certo? E nós fizemos questão de que ela aparecesse. Por quê?

[...]: Pela direita e pela esquerda.

Luiz Carlos M. Barros: Porque nós queríamos... é a oportunidade que o país tem, que a sociedade tem, de discutir esta questão do Estado.

[...]: [Em meio à fala de Luiz Carlos M. Barros] Você é a favor da privatização da Petrobras?

Luiz Carlos M. Barros: O governo tem uma posição... o governo tem uma posição muito clara. O presidente Fernando Henrique Cardoso foi eleito com essa posição e ele tem repetido isso ad nauseam, quer dizer: “Nós vemos o Estado como uma coisa fundamental na sociedade brasileira, e nós... só que nós temos no Estado do próximo século, no próximo milênio, um desenho diferente do que ele teve no passado.”. Quer dizer, ele é um Estado que exerce a sua soberania, que exerce a sua legitimidade social não pela operação da economia, mas pela regulação - certo? - e pela fiscalização do comprometimento dessa regulação.

Suely Caldas: Esse argumento vale para a Petrobras também? Ou seja, seria válida a privatização da Petrobras?

Luiz Carlos M. Barros: Suely, nós tínhamos combinado que você não fazia essa pergunta, eu sou presidente do BNDES...

Suely Caldas: Eu não combinei nada!

[Risos]

Luiz Carlos M. Barros: Eu sou do BNDES, sou presidente do BNDES, eu estou... o governo é obrigado - e eu acho que é assim mesmo - a seguir a lei e, se não é lei ainda, [...] vai ser, um compromisso do presidente Fernando Henrique. A Petrobras não está no programa brasileiro de privatização, ponto final. Não falo mais nada sobre isso.

[Sobreposição de vozes]

[...]: Primeiro ou segundo mandato?

[Sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Um de cada vez, um de cada vez, um de cada vez.

[Sobreposição de vozes]

Othoni Fernandes Jr.: Deixa eu só perguntar, a questão do dinheiro. Vou... só para rememorar. Nesse leilão está sendo vendido 45% das ações ordinárias, está certo? É isso?

Luiz Carlos M. Barros: Não, no primeiro 45%, e depois, depois imediatamente 4,5% para os funcionários. Quer dizer, nós estamos vendendo cinqüenta e meio.

Othoni Fernandes Jr.: Vamos dizer que dê de três a quatro bilhões de dólares essa... quatro bilhões de reais essa venda. Tem uma destinação já programada: metade vai para abater a dívida e outra metade vai para financiar a exportação. É isso? Está definido isso, não?

Luiz Carlos M. Barros: Não. O que está definido é que o 100% vai para abater a dívida.

Othoni Fernandes Jr.: E o fundo de reestruturação?

Luiz Carlos M. Barros: Não, não tem. Isso aí... a nova posição, inclusive já estão prontos os atos... Os 100% vai para abater a dívida; 50% vai para o Tesouro pagar a dívida mais cara que ele tem que é a dívida imobiliária, certo? E aí existiu uma disputa sobre se esse dinheiro era todo para abater dívida desse tipo ou se ia servir, um pedaço, para financiar o setor privado nessa fase de reestruturação. E aí nós conseguimos, através de uma engenharia financeira - você entende? -, quer dizer, fazer os dois... atingir os dois objetivos ao mesmo tempo. Isto é, o Tesouro deve para a Caixa Econômica Federal um treco complicado chamado FCVS [Fundo de Compensação de Variações Salariais], basicamente que é o seguinte: como houve um subsídio na compra da casa própria, lá para trás, toda vez que... agora que estão chegando o vencimento dos contratos, o sujeito acaba de pagar a última prestação na Caixa, e a Caixa ainda tem dinheiro a receber do contrato, certo? Mas, como ele... ele, a partir de um certo instante, pagou só de acordo com o salário dele, por lei, essa diferença é do Tesouro, certo? Então a Caixa chega no Tesouro e fala assim: “Olha, eu tenho aqui alguns bilhões de reais dessa diferença, que se eu não receber eu fico desequilibrado, porque a minha responsabilidade é a caderneta de poupança que eu tenho que dar.”. Então, já foi feito um acordo de que, toda vez que aparecer essa diferença, o governo vai, emite um título e, como a Caixa tem dinheiro - quer dizer, eu não fiz um trocadilho, não é que a Caixa não tenha caixa, a Caixa tem dinheiro, mas ela precisa ter um ativo para equilibrar o seu balanço -, o governo dá a ela um título que tem dez anos de carência e trinta anos para pagar. O que nós estamos fazendo é o seguinte: o BNDES está assumindo um pedaço desse compromisso, isto é, quem terá que pagar à Caixa, com oito anos de carência e depois vinte anos para pagar, é o BNDES. Para fazer isso, como eu estou assumindo essa dívida que é do Tesouro, o Tesouro me dá, antes do leilão, metade das ações dele da Vale. De maneira que quando nós vendermos as ações da Vale, metade vai para o caixa do Tesouro, que paga a dívida interna, e metade vem para o caixa do BNDES, que vai ficar conosco até passados oito anos, a gente começa amortizar... vinte anos. Esse dinheiro é que nós vamos usar para, nesse período de tempo, financiar o setor privado.

[...]: [Em meio à fala de Luiz Carlos M. Barros] Como é que é?

Luiz Carlos M. Barros: Então, 100% está indo para pagar a dívida...

[...]: [Em meio à fala de Luiz Carlos M. Barros] É ardiloso isso [...]...

Luiz Carlos M. Barros: ...só que 50% está indo para pagar a dívida mais cara que o governo tem, e o outro 50% está para ir pagar uma dívida... Só para dar uma idéia: essa segunda dívida que o BNDES vai assumir vai custar para o BNDES 80% do... do custo da dívida imobiliária interna. Então eu estou dizendo: se existe uma diferença entre as duas posições é que o Tesouro queria que nós usássemos 100% para pagar a dívida mais cara e no fundo houve um acordo de que nós vamos usar 50% pra pagar... mas é para pagar dívida. Essa dívida do Tesouro com a Caixa, "tchum" [faz um movimento com as mãos como se estivesse colocando alguma coisa de lado] some, e passa a ser uma responsabilidade do BNDES, que tem, para pagar essas dívidas, os empréstimos que ele vai fazer para o setor privado.

[Sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Por favor, por favor. Professora... Ab’Saber, depois.

Suely Caldas: Não, só é para continuar essa coisa do Fundo e das divergências que tem dentro da equipe econômica em relação ao uso do dinheiro da privatização. Há divergências claras: Malan [Pedro Malan (1943-), economista, foi ministro da Fazenda nos dois mandatos de Fernando Henrique] e Banco Central de um lado, é... Luiz Carlos...

Luiz Carlos M. Barros: [Interrompendo] Não tem divergência no seu jornal, Suely?

Suely Caldas: Claro, não, mas é saudável a divergência! É saudável, é saudável, é ótimo que tenha! Agora, é... em relação às outras privatizações, o ministro das Comunicações [Sérgio Motta] tem dito que o dinheiro das teles vai ser usado 50% para empréstimo do setor privado e 50% para a área social, e nada para abater a dívida. O Malan vai chiar!. Como é que vai ficar isso?!

Luiz Carlos M. Barros: Pois é, isso aí o presidente da República cuida deles e chega numa melhor posição possível. Eu, na briga do Sérgio Motta, eu não entro nunca.

[Risos]

Aziz Ab’Saber: Doutor Luiz Carlos, eu estou esperando aqui ansioso, porque eu considero esse debate aqui muito importante para informação. Existe uma desinformação total sobre a questão da venda do controle da Vale em todo o Brasil, menos em oito estados onde a Vale teve uma atuação boa. O fato de o senhor ter dito que ela não é agência de desenvolvimento como no estado do Pará, isso tem outros problemas relacionados com a Amazônia, com o solo da Amazônia, com os erros de políticas agropecuárias etc, de forma que o caráter de agência de desenvolvimento é apenas em termos de estruturação, de dois corredores de exportação, de portos e também de um grande número de empregos. Também gostaria de ponderar, que eu ouvi coisas desses últimos dias - né? -: “Vamos vender a Vale para fazer outras Vales.”. Isso é de uma estupidez tão grande que não se deve dizer! Porque fazer outras Vales significa ter outros Carajás e outros Quadriláteros Central Ferríferos.

Luiz Carlos M. Barros: Não, senhor. O senhor está fazendo uma leitura restrita dessa imagem.

Aziz Ab’Saber: Não, não: o senhor espera, porque eu esperei calmamente para as minhas ponderações. Então ,essa história de fazer outras Vales é muito perigoso, porque se trata de companhias que tratam de minérios que se esgotam! Que não são reconstruíveis! Bom, eu tenho aqui os dados sobre a quantidade de minério e a diversidade de minério que foi descoberta lá em Carajás e pro parte lá em Minas. Minério de ferro: está escrito 41,2 bilhões de toneladas - talvez seja mais - certo [é] 37 e meio bilhões de toneladas, eu quero ser muito honesto. Bauxita: 1,1 bilhão de toneladas. Cobre, que é uma riqueza muito diferente das outras: 1,2 bilhões de toneladas. Caulim, que é importantíssimo: 65 milhões de toneladas. Manganês: 129 milhões de toneladas. Ouro em 94, 95: 563 toneladas, sendo que o gasto do ouro, da exploração do ouro é 17 toneladas por ano no momento, enquanto que a mina de Morro Velho [no estado de Minas Gerais], que pertence a uma subsidiária da Anglo American - e isso não é dito - explora desde há muitos anos 11 toneladas. E isso é importante, a concessão à mineração de Morro Velho não parou até hoje e eles exploram 11 de toneladas, 11 toneladas por ano de ouro. Bom, depois vem potássio: 14,5 milhões de toneladas. Florestas industriais: 580 mil hectares. Eu fico um pouco zonzo quando se fala em números, porque o pessoal não sabe da escala: 580 mil hectares são 5800 hectares [equivoca-se, pretendendo dizer que 580 mil hectares são 5800 km2] num trecho da Vale do Rio Doce e lá no Rio Doce, que tinha uma ampliaçãozinha relacionada com o espaço da Vale, então foi possível plantar 5800 quilômetros [quadrados], 5800 quilômetros [quadrados] de florestas plantadas para fins de celulose, papel etc. Esses 580 mil, não é? Eu lhe pergunto: um pouco se isso é esgotável, o grande problema é saber quanto vai durar isso em face da exploração atual. Para minério, nós vamos ter 430 anos de exploração, se continuar o volume de exploração atual. Se desacelerar e se explorar menos, por razões estratégicas ou qualquer coisa mais, vai demorar mais. Se acelerar, demora menos, mas assim mesmo são centenas de anos. Eu quando eu falo em centenas de anos, eu procuro ver atrás da história e para frente da história. Se são 430 anos de possibilidade de explorar minério de ferro, se eu jogar para trás vai dar século XVI, começo da colonização, e se eu jogar para frente vai dar o quê? Mil e quatrocentos e setenta [somando-se 430 anos ao ano da entrevista, tem-se 2427]. Então, nós temos aí uns problemas estratégicos que não estão sendo bem tratados. E gostaria de dizer ao senhor o seguinte: existe um problema histórico dentro disso; eu gostei da parte em que o senhor começou a falar da história das coisas, não é? Aquela história de como passou a companhia Itabira Iron [Itabira Iron Ore Company, empresa britânica que deteve por mais de vinte anos – entre 1911 e cerca de 1937 - os direitos de exploração do ferro em Minas] para o Brasil, está ligado com um momento especial de espasmo mundial que foi a Segunda Grande Guerra. E foi naquele momento que homens do gabarito de Roosevelt negociaram com Getúlio Vargas na sua segunda fase, a fase menos ditatorial e mais aceita pela população em geral. E eles conseguiram, através daquilo, fazer três coisas fundamentais: o direito de fazer a usina siderúrgica em Volta Redonda, num sistema de fatores de industrialização muito complexos, que não fosse dentro da área do minério e nem numa área de carvão que nós não tínhamos em outros lugares próximos, de portos, e [...] Volta Redonda, passou a Itabira Iron para o Brasil a custa de dinheiro do Eximbank [Export and Import Bank of the United States, institução criada em 1934 pelo governo dos EUA para promover o comércio exterior nos anos seguintes à Grande Depressão e que passou a financiar programas de governo e empresas do exterior na compra de equipamentos e serviços norte-americanos], e resolveu-se o problema de estender a estrada de ferro até Itabira, sem o que não podia exportar o ferro de Minas. Bom, então o Brasil recomprou as usinas, os minérios de Itabira, essa é a verdade. E agora ele recomprou - veja a história como é importante - Carajás. Carajás foi descoberta pela seguinte trama da história: os americanos estavam muito... duvidando muito da possibilidade de poder continuar comprando manganês na África do Sul. E então eles que sabiam, eles que sabiam...

Luiz Carlos M. Barros: [Interrompendo] Eu conheço essa história.

Aziz Ab’Saber: Na África, de um modo geral, porque naquele momento a circulação internacional era muito ruim e a crise na África era muito grande. E, além de tudo, os americanos tinham um outro problema: é que o manganês da Serra do Navio tinha provado ser muito bom e estava na mão dos Antunes [referência à família do empresário da mineração Augusto Trajano de Azevedo Antunes (1906-1996), fundador da Caemi Mineração e Metalurgia S/A, uma das líderes mundiais no setor] e da Bethlehem Steel [empresa mineradora dos EUA], e então eles fizeram uma empresa, [a Companhia] Meridional de Mineração [subsidiária brasileira da United States Steel, empresa fundada em 1901 e ainda uma das maiores produtoras de aço dos EUA] para procurar manganês. E acontece que ex-alunos, colegas seus e meus aqui da USP, da Alameda Glete, foram agendados para trabalhar na Amazônia.

Matinas Suzuki: Professor Ab, o senhor poderia chegar à pergunta, por favor.

Aziz Ab’Saber: Eu estou querendo fazer isso, Matinas, me desculpe, não quero prolongar nada, apenas porque há uma necessidade tão premente de informação para esse público que está lá fora só assistindo o problema dos preços das ações e outras coisas mais...

Luiz Carlos M. Barros: É, mas nós não precisamos voltar para Getúlio Vargas de novo, não é?

Aziz Ab’Saber: Não, não, não, o senhor não precisa dizer isso para mim - não é? -, porque eu sou um democrata [com o dedo em riste] talvez [enfatizando] igual ao senhor.

Luiz Carlos M. Barros: Com certeza.

Aziz Ab’Saber: Então, por favor, não se trata disso. Mas acontece o seguinte: foi Breno Arruda dos Santos [Breno Augusto dos Santos, geólogo] que desceu um dia, no alto dos Carajás, em cima de uma pequena mancha de crosta hematítica e descobriu mais ferro do que manganês, que era o que queria o Gene Tolbert [geólogo com doutorado em Harvard, lecionou no Brasil do final da década de 50 até 1964], que era professor da USP. Esses professores são fantásticos, eles vêm para ensinar aqui na universidade, é um olho no ensino e um olho muito maior nos recursos naturais. Por isso que ele foi ser diretor da Meridional de Mineração. Então eu pediria um pouco mais de cuidado com a história. Falando muito rápido as coisas dá a impressão de que não houve duas recompras. O Brasil, depois de muita luta com os americanos da United States Steel, que estavam investindo em El Pou, na Venezuela, no Vale do Orinoco, o Brasil acabou negociando a recompra nos anos de 1970 de toda aquela descoberta feita por brasileiros para a Meridional, não é? Então, nós tivemos duas recompras, nós instalamos duas ferrovias que são corredores de exportação, nós instalamos a pêra rodoviária, [corrigindo-se] ferroviária [pêra ferroviária - complexo no qual se realizam a carga e a descarga das composições ferroviárias] lá na Serra de Carajás, fez-se uma série de controles da implantação do Alto da Serra. Este livro aqui [mostra um livro de capa verde] revela o que foi o trabalho do Geamam [Grupo Executivo de Assessoramento em Meio Ambiente]. No Geamam trabalharam pessoas da mais alta significância na ciência brasileira, por obrigação, por imposição do Banco Mundial, que não queria que os próprios funcionários fizessem...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Professor. Professor, eu não tenho... olha, eu não tenho dúvida de que é importante...

Aziz Ab’Saber: O senhor me desculpe de eu ter falado muito, mas eu quis dizer que as coisas não estão bem contadas e é preciso que se conte para uma população imensa, inteligente e de uma cultura popular muito inventiva e muito cheia de intuição, que se conte a verdade! O governo não está contando, os jornais não recebem artigos sobre, contra a Vale, de um modo geral. Eu posso... eu não quero dizer como foi descoberto isso, mas existem diretores de jornais que não querem publicar nada [enfatiza] contra a privatização da Vale. Isso é a falta da democracia total, não é? Bom... [deixando o livro sobre a mesa de forma displicente, mostrando sua indignação]

[...]: Doutor Luiz Carlos...

Matinas Suzuki: Só um minutinho. Professor, eu agradeço muito a participação do senhor, desculpa se eu tentei interromper, é que o programa tem uma certa dinâmica que a gente precisaria respeitar, mas a contribuição do senhor é fundamental. Vamos ouvir a resposta do... do...

Aziz Ab’Saber: [Faz estas colocações ao mesmo tempo da fala de Matinas Suzuki] Não, não. Eu sei. Desculpe, desculpe.

Luiz Carlos M. Barros: Olha, eu tenho todo respeito pelo que o senhor falou, eu acho a história fundamental, agora a história tem que ser olhada corretamente, não como uma... uma cadeia de eventos. A história muda. Certo? Como eu já disse, eu acho que a decisão de criação da CSN [Companhia Siderúrgica Nacional] pública, de Carajás em 1970, perfeito. O problema é que o mundo mudou e o Brasil mudou. Depois, é o seguinte: quando o senhor coloca dessa forma - e essa é uma maneira que outras pessoas colocam, inclusive alguns partidos políticos colocaram isso até num pequeno anúncio de televisão -, é como se, a partir da transferência do controle acionário de uma empresa de mineração, tudo isso que o senhor falou, [gesticulando com os braços para lá e para cá] todo o minério de ferro, todo o ouro, a estrada de ferro, as árvores, a floresta, a fábrica, alguém viesse, enfiasse debaixo do braço [faz o gesto de colocar algo debaixo do braço] e fosse embora. Não é isso que vai acontecer, professor! [Muito enfático] Tudo isto continua aqui no Brasil! As fábricas continuam funcionando - certo? - e ninguém vai gastar essa montanha de dinheiro para simplesmente falar assim: “Ah, vou dar uma cravada no Brasil.”, certo? Não existe isso! Isso aí é sonho! Quer dizer, o Roosevelt, a Guerra Fria, a Segunda Guerra Mundial, uma série de coisas: isso é passado. Nós estamos vivendo hoje num mundo diferente, que eu [enfatizando], certo, tenho às vezes, todos nós temos dificuldade de entender, mas que é diferente. Achar que, com a evolução tecnológica que nós temos hoje, que daqui [a] quatrocentos anos se estará usando minério de ferro para fazer aço, para fazer automóvel, para fazer outra coisa, não precisa ser... ter um pouco [enfatiza] de percepção de que não é isso [câmera mostra Ab'Saber, que sorri discretamente, de braços cruzados sobre a bancada]. Além disso, além disso, esse problema está... vamos dizer, se [enfatiza] - coisa que eu duvido -, mas se o minério de ferro ficar uma coisa, continuar uma coisa que tenha mercado, que fique mais importante, existe um mecanismo de defesa dentro, inclusive por causa disso que você acabou... reduzindo a demanda, quer dizer, nós temos dois mecanismos... De tudo isso que foi falado, ou que o pessoal que defende a sua tese falou, isso foi discutido e que nós incorporamos, a única dificuldade real que nós encontramos na avaliação da Vale foi porque existe uma série de lugares aonde deve ter algum tipo de minério, ou ouro ou cobre - certo? -, e que a Vale do Rio Doce, por falta de capital, porque ela não tem dinheiro, o governo tem hoje 51% da empresa, então ele não pode permitir nenhum aumento de capital com dinheiro novo, porque senão ele perde o controle, então ele amarrou a empresa. Então a empresa tem via satélite, eu vi, me levaram lá, é bonito, computador, quer dizer, tudo isso nós vimos, professor, o senhor pode ficar tranqüilo, só que aí [...] assim: nós não temos dinheiro para escoar. Inclusive tem uma mina de ouro, não sei se o senhor sabe, [em] Igarapé, Bahia, que foi explorada porque o BNDES entrou de sócio da Vale. O BNDES pôs dinheiro na pesquisa e hoje nós retiramos lá...

Aziz Ab’Saber: Mas não é mais lógico isso?

Luiz Carlos M. Barros: Espera aí... espera... então, deixa... Posso terminar?

Aziz Ab’Saber: Pode.

Luiz Carlos M. Barros: Então existe um problema que nós enfrentamos, é isso: como é que eu ponho no preço - certo? - o valor dessas... desse potencial mineral, dessa quase reserva mineral, que ainda não está codificada e portanto eu não posso dizer : "vale tanto ou vale tanto.",  certo? Nós fizemos o seguinte: o governo tem 50% da Vale do Rio Doce. Então, portanto, o governo tem o direito de explorar, de ganhar dinheiro com metade daquilo que foi explorado em Carajás. Então nós fizemos o seguinte: previamente à privatização, nós fizemos um acordo entre o BNDES - aonde o governo tem 100% - e a Vale do Rio Doce, pegamos o programa de pesquisa ideal da Vale do Rio Doce - certo? -, quer dizer, se a Vale do Rio Doce não tivesse restrição financeira por um governo ser o controlador dela, quanto que vocês gastariam? Foi a pergunta feita para a área técnica da Vale. Falaram assim: “Quatrocentos milhões de dólares em cinco anos, nós temos tudo isto aqui quantificado, medido e dito se vale a pena ou não vale a pena.”. Pois bem, então vamos fazer o seguinte: o BNDES entra com 200 milhões e a Vale do Rio Doce, que já gastou 80, entra com mais 120 [milhões] e daqui para frente, toda a exploração mineral na área de Carajás, 50%...

Othoni Fernandes Jr.: Tudo o que não foi medido ainda? Descoberto?

Luiz Carlos M. Barros: Não, tudo o que não está sendo explorado - tá? -, que não está sendo explorado. Por exemplo, tem lá uma mina de ouro muito grande ali onde era Serra Pelada, só que para dentro da terra, que praticamente já há um... a própria...o próprio pessoal que avaliou a Vale dá ali uns 400, 350, 400 milhões de dólares. Mas, já que nós achamos essa forma, que não tem dúvida, ali quando terminar a avaliação metade é do BNDES e metade é da Vale privatizada. Como o BNDES é 100% do governo, do Tesouro, nós estamos reproduzindo no futuro a mesma participação que o governo tem na Vale do Rio Doce de hoje, com a vantagem que ela é privada e já tem um financiamento automático do banco para poder desenvolver essas pesquisas. Essa foi uma crítica que nós ouvimos no Congresso, no Senado, na sociedade, achamos correta. Evidentemente que uma das grandes empresas mineradoras, ela falou o seguinte: “Ah, assim eu não quero porque o que me chamava muito a atenção é exatamente esse potencial não medido.”. Mas, de novo, nós preferimos, por orientação do presidente da República, que nós tivéssemos na Vale do Rio Doce – viu, Trevisan? [o entrevistador Antoninho M. Trevisan] -, quer dizer, a questão do maior preço possível para o Tesouro, ela ainda é perseguida, mas sujeita a essas restrições todas que nós colocamos, que não inviabilizam o contrato, porque o novo sócio privado, ele vai ter só 50% desse potencial, mas em compensação todo o custo de pesquisa e todo custo de investimento de capital, metade dele vai ser suportado pelo banco.

Othoni Fernandes Jr.: Doutor Luiz Carlos, deixa eu... está quase terminando. Eu acho que o BNDES é maior do que o papel dele como agente na privatização da Vale; é um banco que está com 13 bilhões de reais em caixa para financiar esse ano, está certo?  Eu queria que o senhor falasse uma questão. Tem uma perspectiva de o saldo da balança comercial neste primeiro trimestre fechar com déficit de três bilhões de dólares. O governo e o setor privado estão precisando aumentar as exportações. De que maneira o BNDES, como que ele pretende agir como agente de fomento às exportações, usando parte desses recursos que ele tem?

Luiz Carlos M. Barros: É Othoni, o que nós descobrimos nesses dois anos de estabilização e de mudança na nossa política econômica é que o Brasil ainda era um país muito débil do ponto de vista industrial, do ponto de vista de inserção. Eu ouso dizer, sem nenhum denegrimento, o seguinte: que exportação de minério de ferro para nós, nessa virada de século, é como era a exportação de café há 30, 40 anos atrás. Tem mais ou menos a mesma importância. O jogo não é aí, certo? Evidente que nós vamos continuar exportando minério de ferro, mas o jogo não é aí. A sociedade brasileira é uma sociedade altamente consumidora de bens e serviços. Tem dados interessantíssimos, por exemplo, essa rede de aluguel de vídeo aí, Blockbuster, o recorde mundial de consumo por loja é brasileiro, era de São Paulo e agora parece que passou para o Rio de Janeiro. Esse parque, sistemas de parques aquáticos, Wet’n Wild, diz o que o brasileiro gasta num parque desses o dobro do que gasta o americano. Nós somos uma sociedade democrática de consumo de massa. E agora que nós estamos reconstruindo o crédito ao consumidor, isso virou... se popularizou, certo? Hoje é uma demanda até das camadas mais baixas, e legítima, porque uma das formas de se expressar, quer dizer, a cidadania, é dar a ele o direito a ter acesso a esse mercado. Só que, evidentemente que isto aconteceu - o quê? -, num momento, nesse momento de abertura, em que a nossa indústria estava ela preparada para os velhos tempos, onde não se podia importar esses bens. Então o que [é] que aconteceu? Nós abrimos a economia, aumentamos a renda do brasileiro pelo processo de estabilização... Saiu aí recentemente, o salário, em dólar, nos últimos dois anos no setor formal subiu 80%. E além disso, além de ter dado mais dinheiro para o trabalhador, para o brasileiro médio - porque a inflação comia boa parte da sua renda, o crédito direto... hoje você pode comprar um automóvel em três anos, quatro anos -, o sujeito compra uma geladeira em 12 meses para pagar. Isso aumentou ainda mais o [...]. Então nós estamos vivendo um momento em que você tem um crescimento da demanda, especificamente nesse setor que não era atendido pela nossa indústria, porque ela estava velha, não competitiva, enquanto que os investimentos - e aí a gente sente isso no BNDES - são investimentos pesados que estão sendo feitos pela indústria para recuperar o tempo perdido. Porque nenhuma empresa no mundo - certo? - vai deixar de ocupar o mercado... O mercado brasileiro, quer dizer, o que é estratégico hoje, professor, pelo menos o que nós vemos, não é milhões de toneladas de ferro debaixo da terra, alumínio, não: é mercado consumidor. Por quê? Porque o tamanho do mercado é que dá o tamanho da indústria do país, da escala.

[...]: Luiz Carlos,...

Luiz Carlos M. Barros: Então, só respondendo à tua questão [dirigindo-se a uma entrevistadora que tentou tomar a palavra]: nós vemos esse desbalanço como a conjugação desses dois fatores.

Othoni Fernandes Jr.: Mas como vocês vão entrar para ajudar com isso?

Luiz Carlos M. Barros: Não, nós estamos... nós estamos... O BNDES, pela primeira vez, virou, está virando, um banco de comércio exterior. O BNDES nunca financiou o comércio exterior.

Othoni Fernandes Jr.: Ele vai financiar o comércio exterior, de exportação?

Luiz Carlos M. Barros: Está financiando o comércio exterior. Vocês vão ver, daqui a pouco tem aí resultados, quer dizer, de exportação de aviões da Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A] e de uma série de outros mecanismos onde só é possível... Por exemplo, a indústria brasileira está participando de uma concorrência na China, de uma grande hidrelétrica, porque nós demos um financiamento de 15 anos, que é o mesmo financiamento que os bancos de comércio exterior dos outros países dão. Se nós não dermos isso para nossa indústria, ela não compete lá fora.

Eleonora de Lucena: Luiz Carlos, dentro desse quadro como é que fica a definição de uma política industrial? Dentro do governo há, de novo, visões divergentes sobre a pertinência de se ter uma política industrial ou não. Há quem defenda que não precisa ter, que o mercado regula tudo. Qual é a tua posição sobre isso? Existe a necessidade de hoje o BNDES assumir uma parcela do que seria essa política industrial e que foi muito criticada no passado?

Luiz Carlos M. Barros: Olha, Eleonora, eu vejo, eu tenho uma visão - e o BNDES é extraordinário para te dar essa visão -, porque... é o que eu sempre digo: a inteligência microeconômica, isso é, inteligente ao nível de mercados e de bancos, está no BNDES, certo? A inteligência macroeconômica pode estar em outro lugar, mas quem entende de microeconomia e quem vê a microeconomia somos nós, certo? Então o que está claro é que nesse processo, primeiro: nós não acreditamos em nada [enfatiza] que não seja induzido pelo mercado; o mercado é quem dá a racionalidade da decisão de investimento. Agora como nós estamos num momento de transição, em um período em que a economia brasileira era muito... tinha uma característica muito específica, por uma outra, o que nós achamos é que existe mecanismo de indução [enfatiza], não de substituição do mercado, mas de indução para que investimentos sejam feitos.

Eleonora de Lucena: Em que setores? Que setores hoje mereceriam hoje essa impulsão? Considerando que o Brasil hoje é um país de... não é high tech, é um low tech ou um medium tech. [Em] Que setores o governo deveria investir para dar esse empurrãozinho?

Luiz Carlos M. Barros: Nós estamos... nós começamos [a] fazer isso pelo lado menos nobre da nossa... O primeiro programa do BNDES que foi feito na surdina e que deu muito certo foi com calçados. Nós pegamos a indústria de calçados exatamente nesse processo, agravado ainda por uma questão conjuntural, porque os chineses tinham começado entrar no mercado, certo? O que [é] que nós fizemos? Nós estabelecemos linhas de crédito de prazos bem mais longos do que a nossa tradição, com juros mais baixos, para permitir que a indústria de calçados se reciclasse rapidamente, para poder... primeiro para enfrentar a concorrência dos chineses, depois para poder crescer o mercado. Isso foi um sucesso. Tanto que as exportações de calçados brasileiros voltaram a crescer. A mesma coisa nós estamos passando no setor têxtil, só que no setor têxtil o mercado, o lado do empresário, ele falou o seguinte: “O setor têxtil brasileiro, para concorrer, eu tenho que sair de onde eu estou e tenho que ir para o Nordeste.”. Nós estamos financiando isso. Para ter uma idéia, eu me lembro o exemplo da falta de competição do setor têxtil brasileiro era a famosa camiseta chinesa a 75 cents de dólar. Pois bem, tem uma empresa, que o Othoni sabe, que está construindo, terminando uma fábrica em João Pessoa e outras na Paraíba, que vai produzir camisetas a 75 centavos de dólar. E empresas do Sul que normalmente produziam a camiseta vão comprar dela e simplesmente comercializar aqui dentro. Então na área da... Eu fiquei maravilhado no último comitê de crédito do banco, quando um dos empresários mais conservadores de São Paulo, mais tradicionais e mais conservadores do setor têxtil, entrou no banco nessa linha e está fazendo uma revolução na sua indústria.

[...]: Agora, Luiz Carlos...

Luiz Carlos M. Barros: Espera aí, deixa eu só terminar. Então, esses dois setores, nós já estamos trabalhando. Começamos no setor de autopeças. O setor de autopeças, o banco introduziu pela primeira vez uma coisa que é muito importante, que é o seguinte, nessa nova conformação na indústria de montagem, quer dizer, o que o setor de autopeças tem é um contrato de fornecimento para com a montadora. O banco, pela primeira vez, estabeleceu uma linha de crédito que toma este contrato como garantia. Eu não sou obrigado a tomar nenhuma garantia real adicional, eu corro o risco desse contrato. Então, com isso, quer dizer, uma série de empresas que estavam até com problemas de falta de garantia, quer dizer, então nós estamos lidando desse setor, também. Os outros dois setores que têm mais peso, inclusive, sobre a balança comercial é o setor eletroeletrônico - certo? -, de consumo, e agora o setor de telecomunicações. Nós pretendemos ter um programa para cada um deles.

Matinas Suzuki: É, infelizmente, nós chegamos ao final do nosso programa. Eu só gostaria de... Como chegaram aqui alguns fax perguntando sobre a questão de crédito para pequenas empresas, o senhor poderia falar alguma coisa sobre isso?

Luiz Carlos M. Barros: Posso. Eu tenho uma notícia... esse é um assunto que eu tenho, desde que eu cheguei no BNDES a gente percebe que é o grande... um dos grandes nós do nosso sistema financeiro é como é que você chega com o dinheiro relativamente barato para esse pessoal. É complicado, mas nós decidimos - e aí ajudou muito o lucro do banco no passado e a prospectiva desse ano -, que é o seguinte: nós vamos fazer uma coisa que chama fundo de aval, quer dizer, o BNDES vai avalizar até 60% do valor das operações de crédito das pequenas e médias empresas, isto é, com isso, o sistema bancário, que é quem dá dinheiro para esse pessoal, o BNDES não consegue dar porque ele é um banco só lá no Rio de Janeiro.

[...]: A que taxa de juros?

Luiz Carlos M. Barros: A taxa de juros do... de TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo]. O único problema que tem é que nós vamos começar isso com três ou quatro setores, e eu sei que aí vai dar aquela gritaria, mas não tem jeito, nós temos que começar... Então, o que quer dizer isso? A empresa vai ao banco e pega, sei lá, 30 mil reais de empréstimo, certo? O BNDES vai garantir, vai avalizar o banco que ela tomou o dinheiro emprestado, 60% disso. O restante, ela vai ter que dar garantia para o banco, mas aí nós estamos falando de um volume muito pequeno. E o BNDES mesmo dá o dinheiro para o banco emprestar para essa empresa com as nossas taxas de juros, a TJLP, que só para dar uma idéia ou para dar um pouco de água na boca, anda aí por volta de 10% ao ano, mais uma comissão de 3 ou 4% do banco, o empresário poderá estar tomando o empréstimo a menos de 15% ao ano, taxa fixa.

Carlos A. Sardenberg: Que setores? Que setores, [...]? Isso é importante.

Luiz Carlos M. Barros: Olha, nós vamos trabalhar com empresas voltadas para o setor de exportação, e para esses setores que nós falamos: calçados, têxtil, eletrônica de consumo e telecomunicação.

[...]: Quanto tem de dinheiro disponível nessa linha?

Luiz Carlos M. Barros: Tem muito dinheiro.

Carlos A. Sardenberg: Mas isso, pequenas e médias empresas?

Luiz Carlos M. Barros: Pequenas e médias empresas.

[...]: Sem burocracia?

Luiz Carlos M. Barros: Sem burocracia.

 Matinas Suzuki: Está certo. Então, é... agradecendo...

Aziz Ab’Saber: [Interrompendo] Matinas, eu queria fazer um elogio para o programa da TV Cultura, porque é a primeira discussão pública que se faz em torno de um problema nacional básico, que vai ter muitas conseqüências e muitos outros tipos de discussões. Parabéns à TV Cultura por ter tido a iniciativa desse programa.

Matinas Suzuki: Eu agradeço em nome da produção do programa, agradeço e aproveito também para agradecer a sua participação que foi muito importante para nós [dirigindo-se a Aziz Ab’Saber]. Doutor Luiz Carlos, gostaria muito de agradecer a oportunidade de o senhor poder esclarecer qual é o ponto de vista do banco, do BNDES, a respeito da privatização da Vale, e, enfim, as outras questões que apareceram... Gostaria de dizer que eu acho que a tarefa do senhor não vai ser muito fácil, porque mais de 95% dos fax e telex, [corrigindo-se] e-mails, que a gente recebeu são contra a privatização da Vale, quer dizer, eu acho que é um trabalho aí imenso de comunicação e de convencimento da sociedade brasileira a ser feito. Mas de qualquer maneira eu acho que o senhor está muito bem preparado para isso.

Luiz Carlos M. Barros: Obrigado.

Matinas Suzuki: Agradeço também à presença da nossa bancada esta noite, agradeço à sua atenção. Acho que esse foi um programa que contribuiu aí para esclarecer dúvidas que a sociedade brasileira está tendo sobre um processo importante de mudança da vida brasileira daqui para frente. Aproveito então para lembrar você que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às 10h30 da noite. Até lá, uma boa semana para todos e uma boa noite.

 

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