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Memória Roda Viva

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Aloizio Mercadante

4/12/1989

A primeira eleição por voto direto, depois da ditadura militar, é um dos assuntos do articulador da campanha de Lula

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Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. Este é programa é transmitido, ao vivo, pelas TVs Educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Bahia e Piauí; TV Cultura de Curitiba, TV Cultura do Pará. É ainda retransmitido pela TV Educativa do Ceará. O convidado do Roda Viva desta noite é o professor e economista Aloizio Mercadante. Para entrevistar Aloizio Mercadante, esta noite, no Roda Viva, nós convidamos os seguintes jornalistas: Jan Rocha, correspondente da BBC [emissora de televisão britânica] e do jornal The Guardian; José Antonio Severo, diretor do jornal Gazeta Mercantil; Luis Roberto Serrano, editor de economia da revista Veja; Pedro Cafardo, editor de economia do jornal O Estado de S. Paulo; Frederico Vasconcelos, editor do painel econômico do jornal Folha de S. Paulo; Aloisio Biondi, editor do jornal Diário do Comércio e Indústria; Stephen Kanitz, comentarista do Jornal da Cultura; e Carlos Alberto Sardenberg, editor da coluna Informe Econômico, do Jornal do Brasil. Na platéia, assistem ao programa convidados da produção. O economista Aloizio Mercadante Oliva nasceu em Santos há 35 anos [da data de exibição do programa, veiculado em 1989]. É formado pela Universidade de São Paulo [USP], leciona na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e na PUC-SP [Pontifícia Universidade Católica] há doze anos. É militante do PT [Partido dos Trabalhadores] desde a criação do partido, em 1979. É filho do comandante da Escola Superior de Guerra, o Comandante Osvaldo Muniz Oliva, que apóia o candidato do PRN [Partido da Reconstrução Nacional], Fernando Collor de Mello. Aloizio Mercadante é o principal coordenador do programa econômico do candidato da "frente popular" [Frente Brasil Popular, coligação de partidos de esquerda formada por PT, PSB e PC do B], Luiz Inácio Lula da Silva. Boa noite, professor.

Aloizio Mercadante: Boa noite.

Jorge Escosteguy: Na semana passada, nós tivemos aqui no Roda Viva, para entrevistar, a assessora econômica do candidato do PRN, Fernando Collor de Mello, a professora Zélia Cardoso de Melo [economista que assumiu o cargo de ministra da Economia no governo Collor]. E nós perguntávamos a ela porque os candidatos, todos, no primeiro turno... aparentemente até agora os dois que ficaram para o segundo turno não explicitavam no seu programa quem vai pagar a conta da saída da crise. Ou seja, é mais ou menos senso comum que, dificilmente, o Brasil sai da crise econômica sem dor, sem que alguém pague essa conta. Então, perguntaria ao senhor, no programa do PT, no governo Lula da Silva, quem pagaria a conta da saída da crise econômica?

Aloizio Mercadante: Olha, eu acho que, diferente dos outros candidatos, o Lula vem expressando ao longo de toda a campanha, não só os compromissos, o que ele representa, o que ele defende, o projeto de governo que nós estamos apresentando para a sociedade brasileira, mas nesse projeto fica muito claro quem deve perder e quem deve ganhar. Nós somos uma sociedade, hoje, em que 35% das famílias vivem com uma renda individual de até meio salário mínimo. Significa, aproximadamente, dez cruzados novos por dia. Nós somos uma sociedade em que, por exemplo, o salário mínimo vem caindo ao longo da história, especialmente de 1959 [ano em que o salário mínimo atingiu seu mais alto poder de compra desde sua criação em 1940; com os Cr$6 mil, era possível comprar 1.180 passagens de ônibus, poder de compra que, em 2005, já se limitava a cerca de 150 passagens] para cá, numa velocidade espantosa. Nós somos uma sociedade em que 8 milhões e meio de crianças estão fora da escola, ou seja, a grande massa da população brasileira não tem mais como perder, não tem mais o que perder. Eu acho que está chegando a hora de o país mudar. De mudar profundamente. E quem deve perder são aqueles que nunca perderam. Aqueles, os grandes bancos internacionais, os grandes bancos nacionais, os grandes grupos nacionais, os grandes grupos econômicos, sobretudo os grupos que controlam setores estratégicos da economia brasileira, grandes latifundiários de terra, mas, principalmente, os especuladores. Uma prática que foi se transformando em quase que uma parasita do processo econômico do país. E este setor vai ter que reaprender a conviver com uma sociedade onde a produção da riqueza tem que dar a possibilidade de participar dela, investir na produção, retomar o desenvolvimento. Nossa proposta base é crescer distribuindo renda, riqueza e poder. Ganha a grande massa da população e perde a elite de privilegiados.

Luis Roberto Serrano: Os dois candidatos prometem que o combate à inflação preservará os assalariados. Mas não se falou ainda, na prática, qual será o mecanismo para preservar os salários dos trabalhadores no combate à inflação, que é uma coisa rara. No Brasil, nunca se viu isso. Se essa proposta acontecer, será uma coisa inovadora. O que o PT pretende fazer na prática para preservar os salários, no caso de ter que ter uma política dura para combater a inflação?

Aloizio Mercadante: Serrano, essa questão da política de combate à inflação, ela tem que ser precedida por uma avaliação cuidadosa de qual será o cenário em que o próximo governo deverá assumir a política econômica do país. Quer dizer, 15 de março de 1990 [dia da posse do novo presidente da República], com esse grau de incerteza, com uma inflação que beira mais de 40% ao mês, uma crise financeira muito profunda, com a crise das finanças do Estado, é um cenário muito difícil [junta as mãos]. A melhor das hipóteses é uma inflação nesse patamar. E já é uma hipótese muito difícil de ser trabalhada. Portanto, eu acho que nós não podemos ficar vendendo facilidades, promessas fáceis de véspera de eleição. Nós temos que dizer claramente para a sociedade brasileira que combater esse processo exigirá medidas muito duras e profundas.

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Eleitoral ou econômico?

Aloizio Mercadante: Econômico, evidentemente. E que essas medidas... quer dizer, nós temos que partir para o combate à inflação desta vez para ir às raízes do problema da inflação. Tentar atingir os focos, os processos que geram esse processo inflacionário. Nós não podemos mais tentar combater inflação simplesmente anestesiando a política econômica, maquiando preços, tentando congelamentos superficiais. Nós temos que enfrentar a dívida externa, nós temos que reequacionar a dívida interna do Estado. Nós temos que impulsionar uma nova política de abastecimento, sobretudo os gêneros de primeira necessidade, e é isso que vai permitir você contemplar... combater a inflação com a preservação dos salários. Do nosso ponto de vista, o papel do Estado, diante dos salários, é garantir um patamar mínimo, ou seja, impedir que haja perdas diante do processo da inflação. E cabe aos sindicatos, com a liberdade do direito de greve, com a liberdade de autonomia sindical, negociarem aumento de salários, em função de todas as diferenças que existem na economia. Existem setores mais produtivos, mais lucrativos, setores menos produtivos. Esse processo permanente de conflito e negociação, entre trabalhadores e empresários, quer dizer, de pactuar acordos trabalhistas, é que vai permitir aumentos progressivos de salário. Agora, do nosso ponto de vista, para a gente poder viabilizar o combate à inflação, o processo de recomposição do salário terá que ser acompanhado de medidas de controle de preço. Quer dizer, não há como imaginar... [sendo interrompido]

Frederico Vasconcelos: [interrompendo] O senhor quer dizer congelamento [de preços]?

Aloizio Mercadante: Não necessariamente. Inclusive, o que nós viemos anunciando desde o início é que o  congelamento não é uma medida saudável. Nós estamos vindo de três processos fracassados de congelamento. O mercado está totalmente prevenido contra eventuais congelamentos de preços. Você vai comprar qualquer coisa numa loja, hoje, o preço está apresentado como desconto. É, na realidade... é uma medida jurídica, preventiva, em relação a eventuais congelamentos de preços. O mercado também aprendeu a sair do congelamento, maquiando produtos, fazendo ágio [pontuando com os dedos], diversas formas de proteção em relação ao congelamento. Então, é uma forma desgastada. A nossa alternativa é tentar criar novos mecanismos de controle de preços, acompanhados, e, aí,  sobretudo, com a participação dos sindicatos, tentar envolver a sociedade civil nesse processo e, ao mesmo tempo, tomar outras medidas de política econômica, atacando as raízes do processo inflacionário. Não se combate a inflação simplesmente controlando preços, se você não enfrenta os pesados problemas que geram o processo inflacionário. No nosso ponto de vista, sobretudo, a dívida externa.

Pedro Cafardo: O senhor tem falado na aplicação de um redutor da inflação, ou seja, um redutor para os preços. Me parece que isso já foi aplicado no passado, sem muito sucesso, por outros ministros da área econômica. Qual seria? O Simonsen [Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda do Brasil durante os anos de 1974 e 1979. Dizia que o controle da inflação só seria possível através do equilíbrio fiscal, políticas de renda e reformulação da moeda] já aplicou isso. Seria exatamente aquilo?

Aloizio Mercadante: Olha, Pedro, é o seguinte. Eu volto a insistir. O detalhamento de uma política de combate à inflação só será possível conhecido o cenário exato em que nós vamos assumir o governo... que o Lula deverá assumir o governo [sendo interrompido]. Agora, qual é a diretriz básica, qual é a proposta básica que nos temos lançado em relação à idéia do redutor? Quer dizer, esse processo de eleição, ele está mudando as coisas na sociedade brasileira profundamente. Hoje, o povo está discutindo com muito mais intensidade os problemas econômicos. As pessoas não esperam mais fórmulas mágicas, presentes de Natal, medidas que, de uma hora para a outra, vão resolver todos os nossos problemas. As pessoas discutem dívida externa, discutem dívida pública, discutem a política do Estado, discutem o salário, discutem a necessidade de políticas sociais, quer dizer, há um envolvimento da sociedade com a problemática econômica. Esse caminho de democratização da sociedade tem que passar pela política econômica. Nós temos que engajar os diversos agentes econômicos num processo de negociação aberto, claro e permanente. Um governo que claramente saiba quem pretende privilegiar, defender e beneficiar, sobretudo os mais desfavorecidos. Mas que haja uma negociação permanente [abre os braços]. Do ponto de vista dos preços, a nossa proposta hoje, com esse cenário, é aproveitar essas câmaras setoriais de preços, que foram construídas, quer dizer, experimentalmente, nessa fase, e que também trabalham um pouco com uma margem de 10% de INPC [Índice Nacional de Preços ao Consumidor], porque é disso que se trata essas câmaras, de negociação, mas hoje só empresários e governo se sentam à mesa. O que nós queremos é que os sindicatos de trabalhadores se sentem nessa mesa e participem da discussão de planilha de custos, de controle de preços e, com isso... e salários. Quer dizer, portanto um processo de negociação permanente, onde seria possível pactuar redutores de preços, ou seja, nós podemos projetar uma inflação para o mês que vem, por exemplo, de 37% e fazer todo o esforço, medidas de política econômica que vão acompanhar essa decisão, de controlar os preços efetivamente, engajando a sociedade e, com isso, ir permitindo uma redução gradual dos preços ao longo, sobretudo, do primeiro semestre do ano que vem [1990]. Agora, isso só terá eficácia se for acompanhado de outras medidas. E, volto a insistir, basicamente dependerá de qual é o cenário econômico concreto que nós vamos assumir. Hoje, por exemplo, o governo está emitindo mais de 18 bilhões de cruzados novos, títulos da dívida, para pagar salário. Quer dizer, hoje nem a folha de pagamento está sendo coberta por emissão de dívida interna, de dívida pública... [sendo interrompido] A perspectiva destes dois meses nós vamos acompanhar detalhadamente. Essa semana terei uma nova reunião com o ministro Maílson [Maílson Ferreira da Nóbrega, ministro da Fazenda do governo Sarney] e com outras áreas do governo, na área econômica, para tentar iniciar um processo de acompanhamento detalhado e cotidiano da evolução da política econômica nesse período de transição. Evidentemente, acho que nós deveremos negociar também medidas de governo nesse período.

Frederico Vasconcelos: Eu queria retomar, um pouco, essa questão dos grandes perdedores. Talvez a possibilidade de detalhar e também se não haveria o risco da sociedade como um todo, também, perder um pouco, ou perder muito, se essa questão não ficar muito clara. Para mim, parece estar claro que o Mário Amato [ex-presidente da Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] exagerou quando falou que 800 mil empresários deixariam o país se o Lula fosse eleito. Mas acho que, por trás dessa advertência, aproveito para observar que há um número muito grande de empresários que hoje seguramente não estarão votando no candidato Collor, acreditando no candidato ou na proposta, mas eu acho que eles também não estariam acompanhando o candidato do PT, porque eles não tiveram no processo, desde o início da campanha, uma sinalização que desse uma certa confiança de que seria possível a governabilidade, que é o grande tema do momento, e um processo de entendimento que gerasse um clima de investimentos. Acho que isso é a essência do programa de hoje para tirar o país de onde ele se encontra. A campanha do Lula polarizou muito em relação ao anticapital, ao anti-grande empresário, quer dizer, essas coisas foram frisadas inclusive na televisão. Minha pergunta concreta é a seguinte: qual é a sensibilidade sua para esse problema? Como é que o candidato prevê a negociação que vai ter que ser feita com os empresários? E como vai conseguir acenar para que haja investimento ou até retorno mesmo de capital que foi expatriado?

Aloizio Mercadante: Três comentários que eu acho que valeriam. Primeiro, para deixar bem claro, o problema das perdas. Uma crise é um confronto entre o novo e o velho, quer dizer, é um momento de risco, como os chineses antigos inclusive escreviam com dois caracteres, de risco e de oportunidade. Existem riscos nessa crise. Existem oportunidades. A nossa oportunidade [aponta para si], quer dizer, a nossa visão do novo, é a nossa proposta do novo que tem que se firmar, nessa crise, basicamente, entende? Para tentar o telespectador acompanhar bem claro qual é o nosso discurso, primeiro: na relação do país com a economia internacional, a relação vai ter que dar um salto de qualidade, porque nós não podemos mais continuar perdendo com a intensidade que estamos perdendo [pontua com as mãos]. Nós não podemos continuar transferindo 4,5% do que o país produz ao ano como transferência líquida de capital para o exterior. Primeiro, então, o país tem que ganhar em relação à economia internacional. Segundo, a relação Estado-setor privado. O Estado não pode mais continuar transferindo riqueza líquida, através de dívida interna, dos preços das tarifas públicas, dos subsídios, incentivos [pontuando com os dedos], ou seja, enriquecendo a poucos, sem servir ao conjunto da sociedade. Portanto, o Estado tem que parar com o processo de sangria de recursos permanentes para o setor privado. Terceiro lugar, que são os trabalhadores em relação ao lucro... Quer dizer, tem empresas que estão esperando, por exemplo, para publicar seus balanços depois do dia 17. Apesar da gravidade da conjuntura, se tem taxas de lucratividades espetaculares. E, no entanto, isso não se reverte para o conjunto da população do ponto de vista dos salários. Então, os salários têm que ganhar. Essa, para nós, é a orientação geral de como arbitrar as perdas. Em relação aos empresários, o que nós temos dito? Outro dia o Bresser Pereira [Luiz Carlos Bresser Pereira, ministro da Fazenda do governo Sarney de 29 de abril de 1987 a 21 de dezembro de 1987] me fez uma pergunta muito interessante no debate da Folha [jornal Folha de S.Paulo]. Ele falou o seguinte: "É possível ao PT ganhar a eleição sem os  empresários. Mas não é possível imaginar que o PT possa governar..." e não só o PT... a Frente Popular, do nosso ponto de vista, uma frente mais ampla, que incorpora o PDT [Partido Democrático Trabalhista], o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], o PCB [Partido Comunista Brasileiro], a esquerda do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], esse grande esforço de aliança política que nós estamos fazendo... "Não é possível imaginar que vocês possam governar sem os empresários". É verdade. Nós vamos ter que sentar na mesa e negociar. Negociar em relação à política de investimentos, abrir novos horizontes de investimento, negociar em relação aos saneamentos das finanças do Estado, negociar como o setor privado vai alavancar investimento para acompanhar os investimento do Estado, negociar quais são os setores fundamentais para ter investimento. Agora, nós vamos governar, portanto, com os empresários, mas não para os empresários. Essa [aponta para si] é a grande diferença da história recente do país [sendo interrompido]. Desde a ditadura militar [1964 a 1985] até a política econômica recente, você tem um conluio de interesses entre grandes grupos econômicos, uma classe política fisiológica e um complô contra o Tesouro Nacional. Esse complô tem que acabar. O Lula pretende sentar em cima do Tesouro Nacional e reorientar os recursos do Estado para aqueles setores mais desfavorecidos da sociedade... [sendo interrompido] investir nos setores estratégicos para crescer distribuindo renda.

Frederico Vasconcelos: Como será, vamos supor, vamos citar dois casos que eu acho que são bem... por exemplo, como será a relação do governo Lula com o empresário Olacyr de Moraes [um dos mais famosos empresários brasileiros, considerado o maior produtor de soja do mundo], com o empresário Antônio Ermírio [Antônio Ermírio de Moraes, presidente do Grupo Votorantim, que atua nos setores de cimento, celulose, papel, alumínio e níquel, entre outros]? Essa questão da propriedade é uma questão que, para mim, não está muito clara.

Aloizio Mercadante: A questão da propriedade está muito clara. O que eu acho que não tem estado claro é o compromisso dos proprietários... dos grandes proprietários com a democracia e com o respeito ao processo eleitoral. Quer dizer, quando nós temos o Mário Amato, que mais parece o Vicente Matheus [empresário espanhol naturalizado brasileiro que ficou conhecido em todo o país por ser presidente do Corinthians, time de futebol. Era considerado um dirigente à moda antiga, que produzia frases para chamar a atenção] dos empresários, dizendo que "me retiro do país com 800 mil"... Ele tem uma base empresarial que são 120 mil empresários. Fica claro a mediocridade política dessa elite, a falta de horizontes históricos, a falta de capacidade de pensar um projeto que seja capaz de virar o século, daqui a dez anos, com modernidade, com soluções contemporâneas, do nosso tempo [sendo interrompido]. Só para concuir. Nós... De outro lado, há empresários que sinalizam a idéia de entendimento, de negociação, de democracia e de modernidade. O Lula tem dito claramente que os setores respeitem o Estado no sentido das suas obrigações. Portanto, nós vamos ser implacáveis na política de combate à sonegação de impostos. Os setores que façam a política salarial completa e negociem etc. Os setores que invistam na produção e não permeiem a especulação, quer dizer... esses setores terão seus direitos plenamente respeitados. É isso que nós esperamos do empresariado. Talvez, alguma coisa que alguns países, como o Lula citou ontem no debate [entre os presidenciáveis], há duzentos anos fizeram. A sua revolução burguesa. Nós temos um setor de empresários que é capaz de entender o que é a modernidade.

Frederico Vasconcelos: Minha pergunta é rápida. Se o Lula tivesse feito o discurso que ele fez ontem no debate, no início da campanha, seguramente muitos votos que iriam para Collor hoje estariam indo seguramente para...

Aloizio Mercadante: Olha, eu acho que tem um problema básico, é o seguinte: se o Collor tivesse ido aos debates, talvez ele nem estivesse no segundo turno, muito provavelmente não estaria no segundo turno. Segundo: o Collor tem tido dois tipos de votos básicos: os votos dos mal informados, que é uma grande massa da população [sendo interrompido] e os votos dos mal intecionados [risos]. E o problema é que, na história do populismo conservador, os mal informados elegem, mas quem governa são os mal intencionados. Em benefício próprio. Então, na medida em que você começa a discutir e a esclarecer a farsa Collor... E ontem eu acho que foi a grande vitória que nós tivemos neste segundo turno, o grande salto de qualidade foi o debate de ontem. Nós começamos a desmascarar, que dizer, explicar a possibilidade de falar com essa massa de gente que tem dificuldade de informações, pouco acesso etc. Está ficando claro o que ele representa. São os mal intencionados. Por isso, os mal informados, em relação à nossa proposta, estão tendo a oportunidade de aprofundar o debate. Apesar de ser uma coisa rápida, tal, foi possível ir um pouco além do que com os debates anteriores. O compromisso com a democracia, do Lula, a disposição de negociação com forças progressistas comprometidas com a mudança, a vivência do Lula, a maturidade política do Lula [mexendo as mãos], quer dizer, a visão moderna que o Lula expressa na política brasileira, eu acho que ficaram patentes no debate de ontem. E, como esse empresário, eu tenho certeza que muitos outros telespectadores mudaram de posição.

José Antonio Severo: A campanha que a Frente Brasil Popular... aliás, que todos os candidatos fizeram, cria uma expectativa de uma melhora imediata de vida para a população brasileira. E o que nós estamos querendo, inclusive, aqui, perguntar é: como serão os primeiros cem dias [caso o Lula fosse eleito]? Ou seja, com todo esse quadro econômico que aparece, inflação alta, escassez de recursos, o governo tomando dinheiro a juros altíssimos para conter a demanda e também para pagar suas contas. Nós gostaríamos de saber como serão esses primeiros cem dias na parte salarial, no que diz respeito ao pessoal de baixa renda. Como conter a demanda, como manter a economia sob controle, sem que isso frustre a expectativa imediata dessa população?

Aloizio Mercadante: Olha, eu acho que, do ponto de vista político, do ponto de vista entre a ética, a economia e a política, dias melhores virão na sociedade brasileira. O povo já venceu esta eleição. O Brasil mudou muito com esse processo eleitoral. Então, eu acho que o início do novo governo... Que tenha compromisso com os interesses do povo, que seja eleito pelo povo, que tenha compromisso com a democracia, que esteja disposto a negociar, que tenha seriedade no trato das coisas públicas. Eu acho que essa vitória já está assegurada. Quanto [sendo interrompido] ao problemas das condições de vida, ao problema dos salários, quanto ao problema da inflação, eu acho que nós temos que dizer, com muita clareza, o seguinte: "Nós não podemos ficar prometendo salário, como se salário fosse apenas receber uma nota de 200 cruzados a mais, de Cz$ 500,00 ou de mil".

José Antonio Severo: Mas essa é a expectativa.

Aloizio Mercadante: Por quê [continuando a responder a pergunta anterior]? Porque salário, em moeda simplesmente, gera fila ou inflação [junta as mãos e as balança de um lado para o outro]. Quer dizer, nós queremos um crescimento do salário que seja progressivo, ofensivo e duradouro. Por isso, a política de rendas, quer dizer, a política de valorização dos salários tem que ser acompanhada, o ritmo, o seu processo, na mudança da estrutura produtiva  da sociedade. Nós temos que produzir outros produtos, nós temos que priorizar outras coisas. Nós temos que produzir alimentos. Se nós não começarmos a pensar na safra de janeiro para arroz , feijão [pontua com os dedos], o leite, dificilmente você vai conseguir baratear o custo básico da alimentação. Você pode dar mais salário, mas o preço do feijão ficou mais caro. Ou então vai ter fila para comprar feijão, para comprar arroz, para comprar leite. Nós temos que compatibilizar essas duas coisas. Mudar a estrutura de demanda, produzir, sobretudo, para estes 35% de famílias brasileiras que estão vivendo com NCz$10,00 por dia. A vida muda muito para quem não tem nada e muda com certa rapidez. Agora, é um processo progressivo e cuidadoso. E na primeira fase, sobretudo no combate à inflação, é muito difícil você imaginar que vai ter crescimento espetacular de salário, ou mesmo crescimento significativo do salário diante de uma inflação... com base em uma inflação que está mais de 48% [sendo interrompido]. Há uma transição do caos, da desorganização econômica, de uma sociedade que premia isso, que só beneficia os especuladores, de uma sociedade que produza bens de consumo de massa... É uma transição. Essa transição é difícil, é delicada, é cuidadosa [sendo interrompido]. Por isso, nós estamos falando claramente: "Não há promessas eleitorais, não haverá imensos ganhos salariais. Talvez nem haja ganhos salariais nos primeiros meses de governo". Agora, vai haver, sim, um compromisso de defesa do salário em cada medida desse governo, em cada decisão de Estado, em cada iniciativa política. Essa certeza, seja no programa da reforma agrária, na política agrícola, na política industrial, seja em tudo que compõe as decisões de governo... estão claras na história do Lula e no que ele representa nesse processo eleitoral.

Jorge Escosteguy: Aproveitando que o senhor está falando em salário, antes de passar para o Sardenberg, o Antônio Ferreira, aqui de São Bernardo do Campo, em São Paulo, diz que o Lula disse ontem no debate que daria aumento real acima da inflação. Agora, ele diz: "Sou funcionário da prefeitura de São Bernardo, que é administrada pelo PT, e não tenho aumento real desde janeiro". Ao mesmo tempo, ele pergunta, junto com o Claudio Canisari, o que vai acontecer com a caderneta de poupança no governo, se o Lula for eleito? Se vai congelar, o que vai acontecer com a poupança?

Aloizio Mercadante: Primeiro em relação ao salário na prefeitura. Nós temos 4.450 prefeituras no país. O PT administra 30 prefeituras. Eu não tenho, inclusive, os dados sobre os funcionários em relação a São Bernardo. Soube, inclusive, que houve uma greve recentemente dos funcionários da prefeitura; durou cerca de uma semana, houve uma negociação salarial e os trabalhadores sairam da greve aderindo à proposta. Isso que eu estava dizendo que vale para o país, vale sobretudo para o setor público. A situação das finanças do Estado, a nível federal, estadual e municipal, está muito comprometida. Do ponto de vista municipal, a coisa é mais dramática. Porque a possibilidade de o Estado aumentar os tributos é muito pequena... dele aumentar sua receita. Depende da mudança do IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], de uma série de coisas. A margem de manobra não é tão grande. É por isso que, eu volto a insistir, não é possível imaginar que as mudanças se façam rapidamente. Segundo, principalmente, a questão básica do funcionário público é pagar melhor, é ter uma boa remuneração, mas é também a discussão do seu serviço com a sociedade. Quer dizer, há todo um atrofiamento da máquina administrativa, da perda da dignidade do funcionário, da sua razão de ser, que acaba levando ao corporativismo. Você fica...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O senhor acha que tem muito funcionário público?

Aloizio Mercadante: Olha, eu acho que essa discussão de muito depende, inclusive, do setor. Eu dividiria o setor público... Eu queria falar da caderneta de poupança depois, porque o Lula ontem... não deu para falar e eu faço questão de falar agora, senão a gente acaba esquecendo. Caderneta de poupança é uma coisa fundamental na economia do povo, na economia popular. Não só ela tem que ser protegida, como ela tem que ser valorizada. Isso está em todos os nossos documentos, em todas as nossas definições. Caderneta de poupança é absolutamente fundamental. Para você poder ter uma sociedade... mudar o padrão de consumo, as pessoas têm que poupar [junta as mãos] para comprar uma casa, para comprar um carro, para comprar um equipamento, quer dizer, ele adia o consumo de hoje para amanhã... ter um  salto de qualidade no dia-a-dia do seu consumo. Portanto, o Estado tem que honrar esse compromisso, tem que valorizar, e a caderneta de poupança será particularmente beneficiada no nosso governo. Em relação ao problema da máquina do Estado. Eu separaria o Estado brasileiro em três grandes segmentos. Primeiro, o setor produtivo do Estado: Petrobrás [empresa estatal brasileira, de economia mista, que opera com petróleo, no Brasil], Vale do Rio Doce [é a maior empresa brasileira do ramo da mineração], Siderbrás [empresa do ramo de siderurgia] etc. Esse setor... [todas essas empresas eram estatais em 1989. Começaram a ser privatizadas ou tornaram-se empresas de economia mista, a partir de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso] Se vocês pegarem, se analisarem os dados dos últimos anos, nós vamos verificar que houve um crescimento de produtividade. Os problemas são de outra natureza, financeiros ou de preços e tarifas nesse setor. Em geral, não há inchaço na máquina nas estatais produtivas. Não há, de uma forma geral. Segundo setor: o setor das autarquias tradicionais. É um setor, uma corporação muito organizada: Forças Armadas, Itamaraty, setores do serviço público que têm certo padrão salarial, de carreira etc. E há um terceiro setor, que é o setor que faz políticas sociais, saúde, educação etc. Nesse setor há problemas de salário, falta de carreira, investimentos, de  desorganização, de qualidade do serviço. É o setor mais abandonado [enfatiza com as mãos], mais maltratado, mais desarticulado, mais inconsistente do Estado brasileiro. Esses outros dois setores, quer dizer... no setor produtivo, tem mudanças a serem feitas, terão que ser feitas, mas elas são menores quando comparadas com o setor de políticas sociais.

Luis Roberto Serrano: Se for preciso, o PT manda funcionários embora?

Aloizio Mercadante: Mandar embora? Evidente. Todo funcionário sem concurso tem sido demitido, inclusive nas prefeituras atuais. Em São Paulo mesmo nós tivemos 1900 funcionários demitidos aproximadamente. Funcionários que não passaram no concurso público tiveram que ser demitidos. A diferença do PT. E mais, funcionário que ficar comprovado que não trabalha, que não produz, não tem compromisso com o serviço público, tem que ser demitido. Faz parte da administração, qualquer administração. A diferença do PT para os outros partidos é que nós não aceitamos a tese de que o funcionário público é o bode expiatório da crise brasileira. Não é! A folha de pagamento do Estado, hoje, é um terço do que o Estado gasta com pagamento de juros. Um terço. É três [faz o número 3 com os dedos], mais pagamento de juros do que o total da folha de pagamento. Então, o problema fundamental do Estado é financeiro. É o problema do endividamento externo-interno do Estado brasileiro [sendo interrompido]. Nós não aceitamos essa tese, ainda que nós reconheçamos que é necessário que sejam tomadas medidas e saneamento da máquina, de reforma administrativa, de carreira do funcionalismo, de valorização do salário e de punição ao cabide de emprego, da falta democracia na contratação, de todas as benesses que se serviram os setores fisológicos da política, ditadura militar, ao longo da história recente do país.

Carlos Alberto Sardenberg: Por falar nisso, da dívida, dos juros etc, o senhor estava referindo há pouco que o governo vai neste momento emitir títulos, tomar mais dinheiro emprestado, porque ele tem que pagar os compromissos de final de ano, 13º salário e tal, não tem dinheiro para isso, então ele vai emitir título. Imagine que o Lula ganha as eleições, o senhor é o ministro da Fazenda, está lá [no ministério] em 15 de março, o senhor também não tem dinheiro para a folha, uma hipótese muito possível... ou para rolar a própria dívida. O senhor, portanto, vai precisar emitir títulos da dívida pública. O senhor vai precisar vender papéis para recolher dinheiro, pagar os compromissos do governo naquele mês. O senhor vai ter vendê-los para os bancos... os bancos e as instituições financeiras. O senhor acha que os bancos vão comprar se o senhor não oferecer para eles juros bons ou se o senhor continuar dizendo que os bancos vão perder, que eles vão ter que amargar prejuízos? E se os bancos não compram os títulos, o senhor também não tem como pagar as contas. Como é que sai disso? O senhor pretende oferecer juros bons para eles?

Stephen Kanitz: Constitucionais, por favor. Constitucionais [risos].

Carlos Alberto Sardenberg: O fato é o seguinte: ou o senhor dá garantias de que o papel é bom, que vai ser resgatado, que não vai dar cano e que o juro é bom... se não os bancos não compram. Se os bancos não comprarem, o senhor não tem como pagar as dívidas. Como sai dessa confusão?

Aloizio Mercadante: O primeiro comentário é o seguinte, quanto a ser ministro da Fazenda, um: não sou candidato. Segundo, acho que nós temos nomes muito mais preparados, com muito mais vivência administrativa e, terceiro, acho que essa negociação dessa ampliação da frente, quer dizer, e a idéia de co-responsabilidade no governo, com PDT, PSDB, PCB e com a esquerda do PMDB, necessariamente, exigirão critérios muito cuidadosos na escolha do ministro. Para mim, e eu acho que o Lula claramente tem expresso isso, nós temos que escalar a seleção. Quem é o melhor, o mais preparado, o mais vivido, com maior densidade, com maior respaldo para assumir cada uma das funções. Eu acho que esse é o critério. Eu estou nessa campanha pelo compromisso político. O único cargo que eu disputaria até morrer era ser fiscal ecológico em Fernando de Noronha. Ver lá as tartarugas etc e tal... como é que vão [ri]. Afora isso, se não tiver essa oportunidade, eu aceito qualquer tarefa que me designarem. Mas eu acho que para esse cargo tem gente muito mais preparada, muito mais vivida, muito mais competente. Em relação ao problema da dívida interna e o problema das finanças do Estado, o que nós estamos tentando dizer, Sardenberg, é, primeiro: nós não vamos resolver o problema do Tesouro Nacional se nós não fizermos um diagnóstico mais cuidadoso. Nós temos um Tesouro endividado, onde os recursos públicos são usados de forma irresponsável, que vão desde: um, o nível de sonegação de impostos da sociedade brasileira... Prioridade número um: combater a sonegação de impostos de uma forma implacável, sobretudo vinculando o combate à sonegação às políticas sociais, quer dizer, a idéia de que pagar impostos é solidariedade social. Nós temos 8 milhões e meio de crianças fora da escola. Quer dizer, você fazer metas de combate à sonegação que estejam acompanhadas, por exemplo, de investimentos em educação básica de primeiro grau. Segundo, recompor tarifas e preços públicos, que estão defasados em muitas áreas importantes da economia. Terceiro, rever custos de obras e contratação das grandes empreiteiras. Quarto, critério na área de dispêndio do Estado, sobretudo na área de incentivos e subsídios ao setor privado. Portanto, há uma série de medidas para que nós possamos valorizar o Tesouro, recuperar o Tesouro e poder com isso alavancar investimentos futuros. Em relação à dívida pública, o que é que nós temos dito? Não há calote sobre a dívida. Não há perdas compulsórias unilaterais do ponto de vista da dívida interna. Mesmo porque, hoje, para as empresas, para o assalariado, para os agentes econômicos, a dívida pública é uma moeda indexada, quer dizer, a única forma de se preservar de uma inflação. O único que não pode fazer isso é o assalariado ou quem vive de renda do trabalho cotidiano. Mas as empresas... o capital de giro das empresas tem que passar pelo over [referindo-se a overnight, que são técnicas de intervenção do Banco Central nos mercados monetários por meio da compra de títulos. Assim, o BC regula a oferta da moeda e influencia as taxas de juros], se não ele chega 40% a menos no final do mês. Se não botar o faturamento dele, ele quebra ou, então, não paga o salário, não paga os compromissos, as faturas. Tem que passar pelo over, só que, evidentemente, você não pode dar um golpe. A responsabilidade não é das empresas, a responsabilidade é da política econômica que gera uma inflação de 40% ao mês. Agora, há nesses 70 bilhões de dólares que hoje giram no over... uma parte desse capital é um capital de espera, quer dizer, é um capital que está esperando decisão de investimento. O que nós temos que fazer? Nós temos que negociar com esse setor, sobretudo são grandes grupos econômicos, uma política em que esse capital volte para o sistema produtivo... migre, transite para o sistema produtivo. Essa negociação é que tem que ser feita. Nós temos que abrir horizonte de investimentos, sinalizar quais são os setores prioritários de investimento do Estado, que para nós são os setores de bens de consumo de massa (alimentação, sapato, vestuário), que é o que garante o aumento real de salário de forma duradoura e prolongada, é o que garante distribuição de renda e negociar a reversão [mexe as mãos de um lado para o outro] desse capital para o sistema produtivo ou alongar esses títulos para aqueles que não querem investir, que não vão precisar de liquidez imediata, negociar o alongamento do título. Eles não estão precisando de liquidez. Ele quer deixar o capital dele parado, esperando uma outra oportunidade? Então, vamos negociar, alongar os títulos. Para quê? Aliviar a crise financeira do Estado, o que vai beneficiar não só os investidores do Estado, porque nós estamos à beira de um processo de hiperinflação se a política econômica continuar como está. E aí esses títulos vão virar pó. Pó. E não dá nem para levar para casa, botar num quadrinho, dizendo "eu tinha tanto", porque é uma moeda escritural [faz o gesto de quadro]. Que está lá no computador. Não dá nem para levar para casa, como se fazia no passado. Então, hiperinflação não interessa. Não interessa para os investidores, não interessa para a sociedade, não interessa para ninguém. Então vamos combater. O combate à hiperinflação passa por uma negociação com esses grandes investidores para alongar os títulos da dívida ou reconversão ao sistema produtivo. Agora, isso é uma negociação cuidadosa, prolongada etc.

Carlos Aberto Sardenberg: E a folha do dia 30 de março [referindo-se ao pagamento dos funcionários públicos, caso o Lula ganhasse as eleições]? Foi isso que o...[sendo interrompido]

Aloizio Mercadante: [interrompendo] Vamos voltar à folha do dia 30 de março...

Carlos Alberto Sardenberg: Porque todas estas coisas que o senhor coloca são demoradas. Por exemplo, a negociação com as empreiteiras, os contratos... tem quem fazer uma auditoria no contrato, na obra e tal. Também não vai render muita coisa de economia porque o governo também já não está pagando, está atrasando as contas, tem 400 milhões de atraso. Negociação com os bancos, instituições... isso  também demora. A questão da negociação de preços. As câmaras setoriais, que são um belo exemplo de negociação, mas que também demora. E de todas essas providências que o senhor colocou, quer dizer, a única que pode ser implantada de imediata é o tarifaço e isso dá inflação direto. Em outras palavras, o senhor vai ter que continuar pagando juros altos?

Aloizio Mercadante: Evidente. Enquanto você não tiver uma política de financiamento das finanças do Estado, de aumentar a arrecadação do Estado, de melhorar as finanças, a única saída é continuar se endividando, que é a não-saída. Por isso, nós temos que ter a coragem de tomar medidas profundas, que saneiem as finanças do Estado, que recomponham a capacidade de endividamento do Estado. O problema não é o Estado se endividar, é que esse endividamento não serve à sociedade. Não faz investimento, não faz a sociedade crescer. Mesmo se você combater a inflação hoje, esses 40% ao ano, o ganho do Estado na arrecadação dos impostos, o que os ecomomistas chamam de "efeito tango" [referindo-se às conseqüências, reais ou potenciais, para a Brasil da crise econômica por que passava a Argentina, que tentou, sem sucesso, manter o valor do peso, moeda local, equivalente ao do dólar, o que fez caírem as exportações e aumentou a dívida pública] é da ordem de 2,5% do PIB [Produto Interno Bruto]. Quer dizer, é alguma coisa da ordem de 6 a 7 bilhões de dólares. Eu não vou citar tanto o dólar aqui [risos]... mas de dólares, 6 a 7 bilhões de dólares de aumento da arrecadação fiscal só pelo combate à inflação. Segundo, o combate à sonegação. Nós temos feito reuniões periódicas com auditores da receita fiscal. Se você tiver uma nova legislação, de punibilidade dos sonegadores, se você aparelhar melhor a capacidade de fiscalização do Estado e se você, sobretudo, tiver um governo com credibilidade que mostre que gasta bem os recuros para poder arrecadar mais, nós podemos avançar muito na arrecadação tributária via combate à sonegação. A própria equipe do Maílson, na semana passada nós estivemos conversando... eles, ao longo desse segundo semestre... eles conseguiram dar uma melhoria de, aproximadamente, 0,5% do PIB com o esforço fiscal que fizeram, fiscalização de imposto de renda, empresas, ameaças de devassas, eles tiveram uma melhora na arrecadação tributária. Pequena. Num governo sem credibilidade, desgastado, esse fim de feira que é o governo Sarney [mexe as mãos de um lado para o outro], eles tiveram uma melhoria. Um novo governo vai ter que jogar pesado no aumento do combate à sonegação e no combate à inflação. E isto melhora muito não só o giro da dívida pública, como a própria capacidade de arrecadação do Estado.

Jorge Escosteguy: Você começa com uma política monetária mais ou menos parecida?

Aloizio Mercadante: Não. Eu digo o seguinte: hoje você tem uma situação em que a política econômica está imobilizada. Você não tem instrumentos para mobilizar. Ou você se dispõe a atacar os problemas que são as raízes desse quadro, por exemplo, a dívida externa, que alimenta a dívida interna, que agrava a crise das finanças do Estado, ou dificilmente você vai encontrar uma saída duradoura. Você não vai fazer mais do que o outro governo vem fazendo, que é monitorar crise. Esse imobilismo... que há dez anos a produção por habitante não cresce. 

Stephen Kanitz: [todos falam ao mesmo tempo] Quem vai atacar esses problemas? Você disse que você não vai ser o ministro da Fazenda e eu gostaria de saber se eu vou saber quem será o ministro da Fazenda antes das eleições, não somente por transparência eleitoral, uma certa honestidade eleitoral, mas honestidade ao futuro ministro, porque avisá-lo de véspera seria matá-lo do coração. Ele tem que ter uma equipe de 200 [funcionários], ele tem que se preparar e existe a remota possibilidade dele já em primeiro de janeiro ter que assumir a direção do ministério da Fazenda. Então, nós não temos muito tempo. Eu queria saber se você já sabe quem será o ministro da Fazenda, a mesma pergunta que eu fiz para a Zélia. O Roda Viva é um excelente treinamento para a negociação da dívida externa. A sala é, mais ou menos, essa, só que são 40 banqueiros, todos em mesas altas e a mesa dos dois gatos pingados que vão, mais ou menos baixa, sente-se, mais ou menos, nessa situação que você está sentindo agora e eu queria sua opinião. Todas as dívidas externas brasileiras foram feitas em Nova Iorque. E você dizendo... Em uma seleção, nenhum treinador aceitaria jogar constantemente em solo adversário e todos os nossos ministros da Fazenda negociaram lá fora. Eu sei que isso é um detalhe, mas eu acho isso importante e eu gostaria da sua opinião sobre esses dois assuntos.

Aloizio Mercadante: Primeiro lugar, em relação ao ministro da Fazenda, quem escolhe é o presidente. Nós temos que primeiro esperar a eleição, a apuração dos resultados...[sendo interrompido]

Stephen Kanitz: [interrompendo] Eu não vou saber?

Aloizio Mercadante: Absolutamente [ri]. A não ser que você seja um privilegiado. Eu acho que nós temos que anunciar para 143 milhões de pessoas qual será o ministro da Fazenda com o conjunto de ministérios que vai governar o Brasil. O Lula foi o único [aponta com o dedo] candidato que tomou uma iniciativa, prévia ao processo eleitoral, de lançar equipes de transição, ou seja, entre o primeiro e o segundo turno foram lançados de 20 a 30 nomes para 24 áreas, que são temas importantes para a construção de uma política de governo, antecipadamente. O único candidato que teve esse tipo de iniciativa. Agora, evidentemente, isso não significa um ministério. O ministério tem que ser um processo de negociação que passa pelo segundo turno. É por isso que tem o segundo turno. O segundo turno é para ampliar as alianças, é para consolidar o programa, para ampliar esforços. Nós temos, por exemplo, o PDT teve 11 milhões de votos nessa eleição. O Mário Covas [ex-governador de São Paulo], acho, teve 7 ou 8 milhões de votos nessa eleição, com o PSDB. O PCB fez uma excelente campanha, com uma presença muito bonita no processo eleitoral. Tudo isso tem que se somar à nossa proposta e um processo de negociação que consolide essas forças com co-responsabilidade de governo. Então, eu acho que há todo esse processo de negociação, de discussão, que vai nos levar a isso...

Stephen Kanitz: Vocês estão negociando cargos, é isso que você está me dizendo?

Aloizio Mercadante: Absolutamente. Nós estamos negociando programa, processo eleitoral, iniciativa política e co- responsabilidade de governo, sim! Eu não vejo nenhum problema,  inclusive, que haja ministros em áreas importantes de outros partidos ou então que não pertençam a partidos. Tem que escalar a seleção, quem é o melhor para cada [abre as mãos] cargo.

Stephen Kanitz: Quem seriam os candidatos possíveis, sem se comprometer demais?

Aloizio Mercadante: Para o ministério da Fazenda? Do nosso partido, por exemplo, Plinio de Arruda Sampaio [um dos fundadores do PT. Desligou-se do partido em 2005 por não concordar com a política de governo e filiou-se ao PSOL- Partido Socialismo e Liberdade] é um excelente nome. É um homem vivido, experiente, líder da bancada. Eu, particularmente, gosto muito do César Maia [eleito governador do Rio de janeiro em 2006 e é ex-prefeito da cidade], do PDT. Acho que é um homem sério, responsável, que teve uma importante experiência administrativa no estado do Rio de Janeiro, é um outro nome que eu pronunciaria sem titubear. Eu vejo, na área do PMDB, nomes muito importantes que passaram por experiência de governo, eu já disse isso mais de uma vez. Eu acho que a gente não aprende só com as vitórias, a gente aprende também com as derrotas. Você tem setores que viveram a derrota, por exemplo, do Plano Cruzado ou de outras experiências políticas de governo e que saíram com os mesmos compromissos de mudança com que entraram no governo. Outros enriqueceram, mudaram de vida etc, mas alguns saíram como entraram, com interesses públicos, pela democracia, pela transformação na sociedade e, portanto, cabem, acho que têm todo o espaço, todo o interesse em negociar e participar do governo. Não sei para que cargo, mas nomes como Maria da Conceição Tavares [economista portuguesa, naturalizada brasileira. Professora da Unicamp, já foi deputada federal pelo Rio de Janeiro] , Ricardo Lessa, Luciano Coutinho [professor-titular do Instituto de Economia da Unicamp, eleito presidente do BNDES - Banco Nacional de desenvolvimento Econômico e Social - em 2007], Professor Manoel... são nomes que eu tenho o maior respeito e admiração [sendo interrompido]. Em relação à dívida externa....

Jorge Scosteguy: [interrompendo] Eu gostaria que o senhor respondesse rapidamente a essa, que...

 Aloizio Mercadante: Não é uma pergunta fácil. Quer dizer, aqui a gente se sente um pouco como num circo romano, aqueles dos cristãos etc. Liquidificador. Eu vou falar dessa questão da dívida externa. Eu tive uma experiência agora, eu, o José Serra [eleito governador de São Paulo em 2006, foi ministro do Planejamento e da Saúde], o César Maia, a Zélia e o Roberto Campos [economista e ex-deputado federal, senador e ministro do Planejamento. Morreu em 2001] estivemos um debate, em Nova Iorque, com a presença de um plenário de banqueiros, executivos de grandes empresas que têm investimentos no Brasil. Eu me senti um pouco um lambari no aquário de tubarão. Você se sente uma coisa [faz um gesto de agilidade com a boca], mas é uma coisa... eu entendo plenamente o que você estava dizendo. A gente está lá em Wall Street [uma das ruas mais importantes de Nova Iorque, por ser considerada o "coração financeiro" da cidade], todos aqueles prédios, todo aquele poder etc, mas há uma piada antiga, que diz "quando você [aponta para o entrevistador] me deve e eu te pago, a dor de cabeça é minha" [aponta para si]. Quando eu suspendo, o problema é seu". Então, a disposição de negociação vai ser mútua. Segundo, nós não só vamos suspender o pagamento da dívida externa, como nós vamos fazer uma auditoria na dívida. Nós queremos discutir, sim, o histórico da dívida, as implicações, os desdobramentos dos contratos que foram firmados [sendo interrompido]. O pagamento já está suspenso e nenhum dos candidatos consegue me demonstrar como volta a pagar dia 15 de março. Inclusive, tem uma prestação para vencer, de 1 bilhão e meio de dólares, que... Evidentemente, nós temos um quadro de possível crise cambial ou prenúncio de uma crise cambial nesse final de governo. Portanto, não há condições de retomar o pagamento. A discussão que nós queremos fazer é outra. Nós temos que mudar o patamar de relacionamento, o padrão de relacionamento. E o Lula disse isso em todas as oportunidades das viagens que eu acompanhei na Europa, com chefes de Estado, partidos políticos, centrais sindicais, governos e, recentemente, essa semana, numa reunião com embaixadores de toda a comunidade econômica européia... que a negociação vai ser política, com o chefe de Estado. Quer dizer, o padrão de negociação, os princípios, os valores básicos que vão constituir um novo padrão de negociação com o sistema financeiro internacional. Tem que ser uma relação entre povos. Nós não podemos mais, quer dizer... Um país, o Brasil, fez o maior superávit comercial, de toda a economia internacional [fecha as mãos], percentual em relação ao PIB do ano passado. O maior. Ou seja, o país que mais exportou e o que menos importou, em termos de esforço, como a sociedade. Fizemos o terceiro maior superávit em termos absolutos. E não temos recursos cambiais? Então, evidentemente que vai ter que se sentar à mesa, vai ser uma negociação muito dura, política. Agora, a força na mesa de negociação vai ser a força do apoio da sociedade. Ou os jornalistas, empresários, igreja, sindicatos, partidos, entendem o que significa a dívida externa no nosso histórico econômico e se dispõem a enfrentar esse problema e sustentar [junta os braços] o futuro governo numa mesa de negociação ou o poder de negociação vai ser muito pequeno. Muito pequeno. Por isso, a discussão com a sociedade, a nossa ênfase na campanha eleitoral em explicar a dívida, suas implicações, suas responsabilidades, porque é o apoio de um povo que dá força a um governo de sentar à mesa [todos falam ao mesmo tempo].

Aloisio Biondi: O senhor concordou aqui que o governo estaria em crise, em março, inclusive para pagar o funcionalismo. O senhor disse que tinha levantado dados com o ministro Maílson da Nóbrega. Agora, a gente sabe que o ministro Maílson da Nóbrega, desde o ano passado, mente sistematicamente sobre a situação do Tesouro. Todos os meses, quando sai a execução do Tesouro Nacional, a arrecadação sempre supera a previsão e a despesa sempre está abaixo do previsto. Eu não sei que número que ele deu para o senhor sobre gastos com funcionalismo, mas ele chegou, isso foi publicado recentemente na Folha de S. Paulo e no Jornal da Tarde... ele disse aqui para os empresários que o gasto com funcionalismo chegaria a 90% da receita líquida disponível. E ele já deve ter mostrado para o senhor que isso não é verdade, que eles não estão gastando nem 50% com funcionalismo. Então, essa crise do Tesouro é sempre exagerada. Isso de dizer que ele vai emitir NCz$18 bilhões para pagar a folha de pagamento neste fim de ano, dizer que não tem dinheiro nem para pagar o funcionalismo... Os jornais de São Paulo publicaram um entrevista com o secretário do Tesouro mostrando que, na verdade, o governo pediu créditos adicionais de NCz$40 bilhões, dos quais 20 vão ser coberto com impostos, com excesso de arrecadação, e NCz$ 20 bilhões com a emissão de títulos. Mas o próprio secretário do Tesouro está dizendo que não significa que o dinheiro esteja carimbado: isso aqui é para mandar para o funcionalismo, isso aqui é para obra, quer dizer, é mais uma manobra do ministro para jogar a opinião pública contra o funcionalismo. Mas o que interessa, para mim, é que uma equipe que está se preparando para assumir o país receba esta visão pessimista de que as finanças estão realmente arruinadas e de que o governo não tem dinheiro nem para pagar o funcionalismo. Esse mesmo secretário do Tesouro dizia que, no ano passado, as emissões de títulos chegaram ao equivalente a 16 bilhões de dólares. Quer dizer, esse ano estão em três, afora o dinheiro para rolar dívida, e esse ano estão só em US$3,5 bilhões. Na verdade, se reduziu esse rombo em cinco vezes. O senhor acha realmente que a situação do Tesouro é tão caótica ou, não sei com que interesse,  o ministro da Fazenda, há dois anos, mente para a sociedade brasileira? Não será muito mais fácil - estou perguntando ao senhor, como membro da equipe que vai governar - na verdade, janeiro, fevereiro e março não podem ser muito mais fáceis do que se está dizendo?

Aloizio Mercadante: [ri] Olha, Aloisio, duas coisas. Primeiro quem disse que não haveria recursos era ele, não fui eu. Segundo...[sendo interrompido]

Aloisio Biondi: Não, o senhor confirmou. O senhor disse que esteve com o Maílson e ele disse que emitiria NCz$18 bilhões para pagar o funcionalismo.

Aloizio Mercadante: Não, não. Está nessa semana, em todos os jornais, que o governo está lançando 18 bilhões de cruzados novos de emissão de títulos para pagar a folha [sendo interrompido]. Eu quero dizer o seguinte: qual foi a iniciativa que nós tivemos em relação ao ministério? Nós encaminhamos para o ministério da Fazenda, Banco Central e ministério do Planejamento uma lista de dados e de informações básicas para constituir um cenário provável da posse, em 15 de março, para encaminhar políticas de governo. Quer dizer, nós não estamos interessados nestas informações para a campanha eleitoral, não se trata disso. A nossa expectativa é a transparência, o acesso a informações que nos permitam ter um cenário o mais aproximado possível do que deverá ser a situação de posse do novo governo, para poder encaminhar a política de governo. Uma das informações fundamentais é o fluxo de caixa do Tesouro. Esse dado nós não tivemos até o momento. Temos uma reunião marcada, provavelmente na quinta-feira desta semana, para discutir esse conjunto de indicadores que nós solicitamos [mexe as mãos de um lado para o outro], dos quais o governo já adiantou que algumas informações são reservadas e não serão passadas. No máximo, numa conversa, serão anunciadas, discutidas etc. Então, nós temos uma expectativa de ter esses dados e poder também ter um quadro mais preciso. Eu tenho certeza que a situação do Tesouro não é das melhores. Isso não precisa ir longe. Basta ver o comprometimento da capacidade de investimento do Estado em setores importantes da economia brasileira. Agora, o problema fundamental é entender por que está assim. Quer dizer, tanto do ponto de vista da arrecadação de receita [pontua com os dedos], quanto das despesas, a quem tem servido o Tesouro Nacional? E diria que não é à maioria da sociedade brasileira. Por isso que nós estamos falando: vamos sentar com o Tesouro Nacional, vamos fazer um esforço para aumentar as receitas. Há uma série de medidas imediatas que podem viabilizar isso e redirecionar os gastos públicos do Estado. Quanto à questão do funcionalismo público, basta analisar o orçamento que foi apresentado para o ano que vem [1990]. Quer dizer, o orçamento mostra claramente, por exemplo, que os gastos financeiros, o pagamento de juros desse orçamento previsto para o ano que vem é quatro vezes o total de investimentos sociais. Então, há um problema de endividamento do Tesouro muito grave. É um Tesouro que alimenta o processo especulativo e é administrado por ele, mais do que propriamente um Tesouro que alavanque investimentos produtivos, sociais e viabilize a retomada de investimentos [sendo interrompido]. Por último, quanto à sua tese. Você tem comprado uma série de teses que vão contra a maré dominante da economia brasileira e a maioria das vezes você tem ganhado, por isso é que eu [ri]...[sendo interrompido]

Aloisio Biondi: [interrompendo] Esse dado da execução do Tesouro sai todos os meses, pelo menos, no meu jornal, eu publico uma tabela...

Jorge Escosteguy: Desculpem, nós precisamos fazer um intervalo [todos falam ao mesmo tempo] O Roda Viva faz um intervalo e volta daqui a pouco com o professor Aloizio Mercadante, que é assessor econômico do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Até já.

[intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos ao Roda Viva. Um pouco antes do intervalo, o Aloisio tinha feito uma pergunta ao professor sobre a questão do endividamento do Estado, eu gostaria que ele continuasse a sua explanação e nós passamos em seguida a Jan Rocha.

Aloizio Mercadante: Eu acho que você tem totalmente razão no que se refere à relação do Estado com o funcionalismo. Não só é um Estado que, sob o pretexto de crise financeira, chegou a retirar a URP [Unidade de Referência de Preços] do funcionalismo durante dois meses, quebrando um contrato fundamental na relação de trabalho, como também, se você pegar, por exemplo, nessa última semana, de repente, aparece um número mágico que Petrobrás está com um rombo de 1 bilhão de dólares e que, portanto, mesmo a campanha salarial dos petroleiros... Quando, na realidade, eu acho que em torno daquele rombo tem embutido um problema de investimento, de compromisso com empreiteitas etc, que claramente tenta isolar o funcionalismo, tenta isolar as categorias trabalhistas do processo de negociação de salário. Quer dizer, eu acho que esse tipo de jogada pode ser eficaz uma vez, duas, em um governo que não tem compromisso com a democracia e com os próprios funcionários públicos, porque, na medida que essas mentiras se tornam fatos, o desgaste do governo é de tal ordem, a  credibilidade cai de tal forma com seus próprios funcionários [aponta para o chão], que você passa a ter a máquina, que já tem uma série de problemas... se agrava inclusive com a falta de empenho do funcionário em produzir e trabalhar. Portanto, eu acho que isso é muito possível, que muitas dessas informações não sejam compatíveis com a evolução do fluxo do Tesouro, no  entanto, eu teria a cautela de aguardar as informações disponíveis e saber exatamente...

Aloisio Biondi: [interrompendo] Estas informações são disponíveis, todos os meses saem, nos últimos meses são 43%. Nem tudo. Dezembro tem 13º, [sendo interrompido] mas o que interessa é a média do ano.

Aloizio Mercadante: Exatamente. O que nos interessa agora é qual é a projeção para este resto de ano.

Aloisio Biondi: Eu também queria deixar claro, que além de defender o funcionalismo, que eu acho que foi massacrado nestes últimos dois anos... Mas a minha intenção maior é perguntar se realmente, a curto prazo, a situação é tão grave. Eu acho, acho não, os dados que se divulgam todos os meses mostram, que a situação não é grave como se diz. Uma coisa é a longo prazo não ter capacidade de investir, como o senhor colocou, mas a curto prazo, eu acho que os dados que o senhor vai obter vão mostrar que não é tão grave e não vai ser tão difícil administrar o país.

Aloizio Mercadante: Exatamente. Administrar [abre as duas mãos] essa dinâmica que está embutida no cenário brasileiro não é difícil. O problema é reverter essa dinâmica no sentido de tomar investimento, de crescer distribuindo renda, de beneficiar os setores que não são beneficiadas por esse Estado. Esse é um Estado que serve a poucos, não serve à sociedade. Um Estado privatizado, aparelhado por grandes grupos econômicos... Nós temos que desprivatizar o Estado, recuperar a sua dimensão pública e reorientar os investimentos na área social, investimentos produtivos. Eu acho que esse é o esforço. Agora, quanto à situação do Tesouro a curto prazo, nós estamos esperando as informações. Eu concordo com você, quer dizer, não há nenhum indicador catastrófico. É um governo sem credibilidade, que joga com isso, para tentar atrapalhar a negociação.

Jan Rocha: Professor, nos últimos anos vários outros países têm enfrentado crises econômicas muito sérias, de inflação, hiperinflação, crise cambial também. Eu queria saber se você pretende aproveitar alguma outra experiência de outro país e se o governo do Lula seria a tentativa de fazer uma experiência inédita?

Aloizio Mercadante: Eu acho que a história tem uma série de leis que vem exatamente de outras experiências. Uma das leis mais importantes da história é que o inédito acontece. O novo. Quer dizer, sempre que você tem uma especificidade, você tem uma situação única, nós estamos diante de uma situação única. Situação única na história do país. Você nunca teve um trabalhador candidato à presidência da República. Nunca na história. Era inimaginável uma coisa dessa há dez anos [aponta para trás], quando o Lula era um líder sindical que começava as greves. Quer dizer, aconteceu de uma forma muito rápida. Acho que é uma novidade histórica o PT. O PT é uma tradição da esquerda, é uma tradição do movimento operário, é uma tradição de uma série de tendências, mas ele é uma ruptura com tudo isso também. Ele é uma novidade. Você pode dizer que ele é um partido socialista, você pode dizer que ele tem uma influência grande de uma esquerda cristã progressista, você pode dizer que ele tem componentes socialdemocratas, você pode dizer que ele é um partido revolucionário, você pode dizer que ele tem uma corrente ecológica, quer dizer, tem um conjunto de vertentes, de vida. Uma síntese que não é nenhuma delas é uma  novidade. Tanto que não é um partido filiado a nenhuma corrente internacional, filiado a nenhuma corrente, dialoga com vários segmentos. Eu acho que tem especificidades. Agora, essa crise, particularmente a crise que nós estamos vivendo, é uma crise que está inserida em grandes mudanças na economia internacional. Europa, 1992 [Mercadante se refere ao que então era a data prevista para assinatura, pelos ministros europeus, do tratado que formou a União Européia. Foi, de fato, assinado em 7 de fevereiro de 1992, na cidade holandesa de Maastricht]. A queda do muro de Berlim [em 9 de novembro de 1989] e a relação entre Europa Ocidental e Europa Oriental, que é todo um outro mundo que começa a existir e que não era previsível há alguns meses. As mudanças que estão se dando na União Soviética, perestroika e glasnost. A integração dos Estados Unidos, Canadá e a fronteira norte do México. A integração do Japão e os países asiáticos. Quer dizer, as mudanças no cenário internacional são muito profundas. E sobretudo as novas tecnologias, automação, biotecnologia, química fina, quer dizer, essa nova modernidade que está surgindo [mexendo as mãos de um lado para o outro]... eu acho que ela traz grandes mudanças. Eu acho que o nosso desafio é ser contemporâneo no sentido de buscar soluções para os nossos problemas que são soluções do nosso tempo e, ao mesmo tempo, respeitar a nossa tradição, a nossa história, a nossa espeficidade. Eu acho que nós estamos tentando aprender com as experiências, mas com a ousadia de tentar realizar alguma coisa nova. O Lula, por essência, é uma novidade política.

Jan Rocha: Não tem nenhum país especificamente que vocês acham uma espécie de modelo, de exemplo?

Aloizio Mercadante: Não. Eu acho que você tem referências internacionais importantes. Eu diria, por exemplo, pessoalmente, eu acho a Itália, do ponto de vista da experiência de modernização e de democracia, uma referência absolutamente fundamental. Nós podemos pensar, em termos de história da América Latina, o aprendizado, por exemplo, com a experiência do Allende [Salvador Allende, socialista, ex-presidente chileno que tinha como objetivo socializar a economia do país. Nacionalizou bancos e algumas empresas. Morreu em 1973, vítima de um golpe militar liderado por Augusto Pinochet] no Chile. A experiência do Allende no Chile é uma referência importante para o pensar político neste momento. Com uma diferença. Nós vivemos uma ditadura, o Allende não tinha vivido. Nosso compromisso com a democracia, com a sociedade civil, é muito mais profundo do que você tinha no Chile em 1963. Mas é uma experiência que você tem que parar para pensar. Ao mesmo tempo, a Argentina... [sendo interrompido]

Luis Roberto Serrano:[interrompendo] O que o atrai nessa experiência do Allende?

Aloizio Mercadante: Eu acho que o meu coração é Allende [aponta para o próprio coração]. Evidentemente, ele não é Pinochet [Augusto Pinochet, que governou o Chile entre 1973 e 1990 com poderes de ditador, depois de liderar um golpe militar que derrubou o governo do socialista Salvador Allende. Após deixar a presidência, foi senador com mandato vitalício. Morreu em 2006]. Eu tinha muito mais simpatia que aquela experiência tivesse dado certo historicamente, que a sociedade chilena não tivesse passado pela ditadura de Pinochet. E, por isso, eu acho que ditadura nunca mais na sociedade brasileira. O grande salto de qualidade que nós temos que dar é que a democracia seja um caminho sem volta no país [sendo interrompido]. Todos os sistemas de mudança que não conseguiram viabilizar a democracia são experiências importantíssimas para nós, sobretudo no continente onde a gente vive, onde os golpes de Estado e a tradição histórica tantas vezes levou a derrotas das forças democráticas e populares democráticas. Nós somos uma proposta democrática e popular, que quer mudança, que quer transformação, que quer combater o poder da elite e que, portanto, tem que saber muito bem quais são os passos que vai dar, quais são as alianças que vai fazer... e a certeza que cada decisão é o caminho da democracia.

Jorge Escosteguy: Professor, eu tenho aqui a pergunta de um telespectador, o Joaquim Ferreira Neto, de Tucuruvi, aqui em São Paulo. Ele pergunta: "Por que o senhor acha que os eleitores do Fernando Collor estão mal informados ou mal intencionados, não respeitando a manifestação de quem não vota no seu partido? Eu me considero mais informado do que o senhor, pois abro os olhos para os dois lados e sei de tudo. Para mim, isso é falta de democracia". Ou seja, o senhor disse que os eleitores do Collor ou eram mal informados ou mal intencionados. As pesquisas de opinião hoje estão dando, em média, 50% de preferência pelo Collor de Melo. O senhor acha que o Brasil é hoje um país de 40  milhões de mal informados e mal intencionados?

Aloizio Mercadante: Não, absolutamente. Eu acho que os mal intencionados, na campanha Collor de Mello, são   poucos. Antônio Carlos Magalhães [ex-governador da Bahia e ex-senador, morreu em 2007], Roberto Cardoso Alves [integrante do ministério da Indústria e Comércio do governo Sarney. Morreu em 1996], Roberto Marinho [à época presidente das Organizações Globo, declarou apoio à candidatura de Collor. Morreu em 2003] e toda aquela camarilha que cerca o candidato... eu acho que são mal intencionados. E tenho todos os dados para demonstrar isso. É só olhar para a história recente do país e mostrar qual é a herança que eles deixaram, qual é o compromisso. A bancada do PRN é uma bancada mal intencionada. 63% dos deputados do PRN votaram 5 anos com o Sarney em torno de benesses [altera o tom de voz], de benefícios, se beneficiaram com o cargo que ocupam no Congresso Nacional. É uma bancada mal intencionada. Eu acho que a proposta do Collor de Mello, portanto, a essência, a direção política dessa proposta é mal intencionada, não tenho a menor dúvida quanto aos mal intencionados. Eu acho, evidentemente, que ele é um candidato que tem uma capacidade imensa de marketing, é um produto muito bem acabado que não agüenta um debate, mas é um produto muito bem produzido. Beba Collor [fazendo referência a uma propaganda de refrigerante]. É uma coisa que tem eficácia política. Agora, e mais, ele tem um cabo eleitoral que eu acho que informa a sociedade brasileira, informa mas não educa, informa mas não conscientiza, informa mas não avança. A Rede Globo,  particularmente, fez um empenho. O seu Roberto Marinho tem sido o grande cabo eleitoral. Não é o partido político do senhor Collor de Mello, evidentemente, para esse processo eleitoral. E eu não tenho dúvidas que uma parte da sociedade brasileira é mal informada. Infelizmente, é verdade isso. Mal informada, não por culpa dela, mas por culpa de uma história política. 64% dos eleitores não têm o quarto ano primário. 84% dos eleitores não têm a prática da leitura. E não têm, porque não foi dado acesso a estas pessoas de poder ler, de poder estudar, de poder ter possibilidade de conhecer. Então, eu acho que há manipulação das informações, dos dados? Não, eu acho que não. Eu acho que o único caminho da consciência política, do salto de qualidade, do avanço é o debate, é o pluralismo, é a diversidade. Eu acho que o caminho é a democracia. As pessoas só vão crescer aprendendo, participando, vivendo e elegendo. Mesmo que elejam incorretamente. E quantas vezes foram eleitos na história... Hitler [ex-ditador alemão que tinha teses racistas e anti-semitas. Perseguia eslavos, poloneses, ciganos, negros, homossexuais e deficientes. Deflagrou a Segunda Guerra Mundial invadindo a Polônia em 1 de setembro de 1939. Suicidou-se em 1945, antes de ser capturado pelos soldados aliados] foi eleito! Por que não Collor de Mello?

Pedro Cafardo: Gostaria de voltar um pouquinho à questão da poupança, porque o senhor falou muito rapidamente a respeito deste assunto e é um assunto que interessa às pessoas que tem um dinheirinho guardado. Quero fazer uma pergunta em três tempos. Primeiro: até que limite a poupança seria garantida num governo Lula? Segundo: uma pessoa que tenha 50 mil cruzados no overnight pode acordar tranquila no dia da posse do Lula? Terceiro: onde passa a noite o dinheiro da campanha do caixa do PT? No overnight?

 Aloizio Mercadante: Bom. Primeiro, caderneta de poupança eu acho que é um instrumento. Hoje, se eu não me engano, existe um teto... com essas mudanças todas na inflação não sei nem qual é o teto. Evidentemente, tem que ter um teto, que é garantido pelo estado...

Pedro Cafardo: As grandes não serão garantidas?

Aloizio Mercadante: Não, não, isso inclusive você pode repartir, é um problema menor, na verdade. O instrumento tem que ser valorizado. Caderneta de poupança tem que ser valorizada. Na realidade, especula não é quem está na caderneta de poupança. É quem pula do dólar para o ouro, do ouro para a terra, da terra para o imóvel, do imóvel para a mercadoria, esse é o que especula. Quem está na caderneta de poupança está aplicando num instrumento legítimo, que tem que ser valorizado, garantido e protegido. Quem tem 50 mil cruzados, depende da situação, pode dormir tranquilo. Não por causa do governo. Mas depende da fonte de renda dele, da inflação que nós vamos ter no dia 15 de março, porque se continuar assim 50 mil cruzados em 15 de março não é tanta coisa. Então, talvez tenha que dormir preocupado para trabalhar, ver como é que vai viver, garantir seus compromissos. Quanto ao governo, evidentemente, no que depender do governo Lula, isso já foi dito diversas vezes, não haverá calote na dívida pública e os recursos deles serão defendidos. Quanto aos recursos do PT, eu diria o seguinte: eu não sou tesoureiro do PT. Acho que, se o tesoureiro não colocar os recursos no overnight, é um irresponsável praticamente [risos]. Se o trabalhador da fábrica, na porta da Volkswagen [empresa montadora de veículos]... Quando passarem o saquinho para recolher o dinheiro, os militantes que dão 1% do seu salário, souberem que o tesoureiro Paulo Okamoto não está colocando o dinheiro na caderneta de poupança ou no over... Tem que ir para a comissão de ética do partido. Porque a inflação é um imposto. Para o Partido dos Trabalhadores, para o cidadão, para a empresa, é um imposto onde você perde 40%. Ninguém pode deixar o dinheiro fora! O problema, que eu estou tentando dizer, é que alguns não podem deixar dentro. Alguns não podem deixar dentro. Quer dizer, o que recebe o contracheque e já tem que pagar o que vem devendo, esse é o que perde mais com a inflação. Por isso, que ela é tão prejudicial. E aqueles que têm muito são os que mais ganham nessa conjectura e nesse processo inflacionário. Por isso, nós temos que combater a inflação.

Carlos Alberto Sardenberg: Quando o senhor fala que vai punir o especulador, como é que o senhor vai distinguir o título? Digamos que o Naji Nahas [investidor e empresário libanês que ficou conhecido por ter feito operações que, supostamente, teriam resultado em prejuízo em torno de 400 milhões de dólares a outros investidores da Bolsa de Valores. Por conta do escândalo, a Bolsa de Valores do Rio de janeiro foi fechada] foi lá no banco, e aplicou o dinheiro dele no over, que por acaso é o mesmo banco que o caixa do PT aplicou. Como é que o senhor vai distinguir entre o título de um e de outro?

Aloizio Mercadante: Quanto a punir o especulador, eu acho que você tem vários instrumentos para fazer isso. Primeiro é atrair o investimento. O caso do Naji Nahas acho que é outro caso. É caso de cadeia [foi condenado, em 1997, porém seus advogados conseguiram reverter a situação]. Está comprovado o envolvimento [em golpes]. Quem consegue dar um golpe de 400 milhões de dólares no mercado etc, eu acho que é o caso... inclusive a história dele não o abona para outra coisa. Acho que é um caso particular. Como ele e muitos outros que vivem disso. Existe realmente "o" especulador [levanta o dedo]. E não são poucos. E são poderosos. Existe "o" especulador. Agora, a especulação é uma relação social. É a ausência de um modelo de desenvolvimento capaz de premiar o investimento produtivo, onde o empresário seja obrigado a conviver com o risco e ter certeza que ele só pode participar da riqueza se ele se dispuser a produzir. Essa sociedade que não premia esse tipo de iniciativa, que acaba levando a que uma parte da elite enriqueça sem que a sociedade produza. Agora, o que acontece ao longo da história? Quando a elite se enriquece e a sociedade não produz, que é o caso da experiência latino-americana e do Brasil, quer dizer, nós temos uma década em que produção por habitante não cresce, o enriquecimento é uma ilusão de riqueza futura [aponta para frente]. Porque, na verdade, você está montando uma montanha de papel na sociedade, que não é riqueza, porque não tem como se realizar. Então, se você não administrar esse enriquecimento, nem sempre legítimo, com a retomada do desenvolvimento, e portanto fizer a transição desse capital líquido que está aí para retomar a produção, não há riqueza. O que é a riqueza? A riqueza não é um papel. A riqueza não é uma moeda, não é uma nota. A riqueza são os serviços, os bens concretos que a sociedade produz... [sendo interrompido] Por isso, nós temos que produzir mais riqueza e distribuir de forma mais justa.

José Antonio Severo: Professor, uma questão também que tem sido colocada é a questão da privatização. Se fala muito, no Brasil, que o Estado é ineficiente e que as empresas privadas são muito eficientes e que estão, hoje, puxando a economia. Os senhores do PT não concordam com isso. Agora, o Estado tem empresas de turismo, o candidato Collor mesmo disse que tem até fábrica de zíper. Então, eu lhe pergunto, o seguinte: como os senhores pretendem abordar essa parte, essas empresas que foram cair na mão do BNDES, de outros bancos do governo, por questões de deficiência? Se essas empresas continuarão em mãos do governo ou se vocês vão fazer algum tipo, alguma maneira de passar isso para cooperativas ou para o próprio setor privado e como será operado isso.

Aloizio Mercadante: Olha, as empresas que eram do mercado, não são estratégicas e vieram para o Estado porque eram dos amigos do rei nunca deveriam ter saído do mercado. Têm que voltar para o mercado. E capitalismo é isso. Mercado neles, risco. Não administrou de forma competente a empresa, quebrou etc, isso faz parte da história econômica... dinâmica dessa sociedade que está aí, inclusive, que nós não gostamos muito. Então, portanto, não tinham que vir para o Estado. Estavam no mercado, tem que voltar ao mercado. Agora, a discussão que está se fazendo hoje não é essa. Seu Collor de Mello não está discutindo fábrica de zíper. Ele está discutindo um projeto muito claro, cristalino, que internacionalmente se chama de neoliberalismo. É a idéia de que privatizando e internacionalizando a economia brasileira você resolve os problemas do país, ou seja, o que na realidade se pretende é trocar o patrimônio público estratégico e aí nós estamos falando Petrobras, Vale do Rio Doce, Siderbrás. Estou falando desse setor   produtivo, que é toda a história de um povo, todo o esforço de gerações para construir, esse patrimônio vai ser trocado por dívida externa. É disso que se trata a proposta do Collor de Mello. Reforma patrimonial, reforma administrativa e a retirada do aval da União dos títulos da dívida sobre as empresas endividadas. Evidentemente, você não vai esperar que uma empresa qualquer dessas... Siderbrás, endividada, possa negociar isoladamente. E aí não estamos falando do governo, muito menos de Nova Iorque. É uma prefeitura, é uma empresa, que o Estado já não assume mais sua dívida, que vai negociar sozinha, como eu estou aqui, nesse liquidificador. Quer dizer, não tem a mínima possibilidade de negociação. E vai quebrar e vai ser encampada.

José Antonio Severo: Quer dizer, o PT vai privatizar algumas coisas.

 Aloizio Mercadante: Para pagar à vista, porque os banqueiros não esperam nem receber a prazo. Nós privatizamos aquilo que é do mercado. O mercado tem um papel fundamental na economia. O mercado é ágil para responder  a determinadas variáveis e iniciativas. Agora, o Estado também tem um papel decisivo, sobretudo nesta virada do século. Nós temos que recuperar não só a capacidade de planejamento dentro da sociedade, porque a divergência com o Collor, com o Roberto Campos, por exemplo... que vem expressando isso de forma mais clara a proposta do Collor, defendendo com mais ênfase, é a de que não é o mercado que organiza a nação, não é o mercado que organiza um povo de 143 milhões de pessoas, é um projeto de sociedade onde o Estado é fundamental. Então, essa é a nossa discussão. Nós queremos o Estado. Um Estado que seja capaz de impulsionar um projeto, de promover justiça, de investir em setores estratégicos. E foi assim na história econômica do nosso país. Você não consegue entender o plano de metas do Juscelino se não entender o que foi o período anterior, do Getúlio. O BNDES, a Petrobrás etc, que  impulsionou... Volta Redonda, que impulsionou o grande plano de metas da industrialização de 1956. Foi assim e é assim. Agora, o que nós aceitamos discutir é quais são os setores estratégicos. Se o Estado tem que sair daqui e ir para ali. Agora, trocar patrimônio público por dívida, não!

Stephen Kanitz: Eu queria discutir alguns detalhes sobre o plano da dívida externa, que é fazer a auditoria. Eu gostaria que você especificasse um pouco mais como é essa auditoria. Quem vai fazer, quem será auditado, as empreiteiras, os bancos internacionais, os bancos brasileiros, as empresas estatais, quem fará essa auditoria, para a gente ter uma idéia.

Jorge Escosteguy: Aproveitando a pergunta do Stephen Kanitz, também é a pergunta feita por diversos telespectadores sobre a suspensão do pagamento da dívida externa. Eles querem saber se isso não provocará fuga de capital, problemas na importação e exportação etc. A Rosana de Andrade, de Mogi das Cruzes, o Carlos Eduardo Batengueri, aqui de São Paulo, Edmar Lacerda, aqui de São Paulo também, Fernanda Soares Marques de Souza, de Salto, e Daniel Vem, aqui de São Paulo.

Aloizio Mercadante: Primeiro, em relação à suspensão do pagamento, nós já estamos com uma moratória disfarçada. O país não está pagando os compromissos da dívida e não tem como pagar. E não haverá condições de pagar na posse do novo governo. Primeiro. Segundo, ainda sobre essa questão [sendo interrompido]. Eu vou chegar lá. A avaliação nossa é a seguinte: se vai ter fugas de capitais? Fuga de capitais está existindo. Não só a fuga que sai pelo paralelo, de forma escusa, de uma parte do empresariado e que não é pouca coisa. A estimativa é que mais de 30 bilhões de dólares estão lá fora hoje. E outro capital de espera clandestino que está lá fora do país. Mas nós viramos... nos transformamos num país que exporta capitais, 4,5% do que a gente produz. Doze milhões de dólares por ano. É um prêmio da Sena [referindo-se ao prêmio da sena, da loteria federal], em dólar, por hora, para o telespectador ter, mais ou menos, a dimensão do que representa isso. E nós estamos transferindo um volume imenso de capitais para o exterior. A nossa expectativa... não é um sonho, não temos a ilusão de que será possível esperar grandes investimentos produtivos nos próximos anos. E aí nós teríamos que fazer uma discussão longa de qual é o cenário internacional. Por que a Europa está investindo na Europa 1992 [referência ao ano em que foi instituída formalmente a União Européia] e qual é a dinâmica da economia internacional? Nós não temos a ilusão de que vamos ter grandes investimentos. O que nós queremos negociar é, pelo menos, reduzir o volume de capital que nós estamos transferindo para fora, é disso que se trata. Terceiro, o custo de pagamento da dívida é muito próximo, no nosso ponto de vista, é menor do que o custo de enfrentar. Quer dizer, o custo de pagar nós conhecemos nesses dez anos. Nós achamos que nós temos que optar por um outro custo. Não estou dizendo que não haja risco. Há risco, há custo, há problema. Nós temos que enfrentar esse problema, sem o que não dá para retomar o desenvolvimento. Quanto à proposta da auditoria, a nossa avaliação é que a dívida tem três componentes básicos: o crédito de curto prazo, o crédito bancário... para nós esse crédito é intocável. É o crédito renovado, porque é o crédito que sustenta as negociações, o comércio exterior. Segundo, há o crédito com organismos oficiais e bancos multilaterais: Banco Mundial, FMI [Fundo Monetário Internacional], BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] etc e tal. Esse crédito, em geral, é um crédito mais favorável ao país. É um crédito, em geral, no caso do Banco Mundial, é um  banco de fomento, é um banco de estimular o investimento nos países de terceiro mundo. Porém, mesmo para esses organismos, nós estamos numa relação deficitária desde 1987. Nesse ano, provavelmente, da ordem de 3 bilhões de dólares. Agora, muitas vezes, por problema de fluxo de capital. Por exemplo [abre os braços], no Banco Mundial tem projetos aprovados que não estão sendo encaminhados. Eles não estão liberando os recursos que já foram aprovados. E recursos vultuosos. O que dá esse déficit.

José Antonio Severo: [interrompendo] Vai fazer uma renegociação com o Fundo [FMI] ?

Aloizio Mercadante: Aí é uma renegociação de ordem diferente. De natureza diferente. É uma renegociação de fluxo, de contrato etc, de natureza diferente. O problema principal é a dívida com os grandes bancos privados internacionais. Essa é, para nós, a área de litígio. O que envolveria a auditoria? Para nós, a auditoria é recontar essa história com todas as implicações que ela tem, quer dizer, a idéia de co-responsabilidade. Por que o que aconteceu até agora? Os bancos ajustam a sua carteira, fazem o ajuste sobre os países. Nós somos obrigados a nos ajustar ao interesse deles. Por que a responsabilidade é só do país? O banco tem uma co-responsabilidade, ele fez o endividamento. Os bancos centrais desses países também são responsáveis por permitir um endividamento irresponsável, de alto risco. Então, nós temos que discutir a co-responsabilidade. Segundo, taxas de juros flutuantes, há um debate sobre isso. Se juridicamente nós podemos aceitar os contratos que foram assinados, inclusive, por ditaduras, sem nenhum respaldo da sociedade civil. Se for assinar... Por quê? Você assinou o contrato numa época em que os juros eram 6% ao ano e que ela evoluía até uma certa instância da inflação. Houve um descolamento brutal da taxa de juros da inflação, ela nunca mais voltou a caminhar na mesma direção [abre os braços] e nós perdemos mais de 35 bilhões de dólares por causa disso [mexe as mãos pra frente]. Então, a discussão da natureza do contrato. E há problemas de prática concreta. Por exemplo, os bancos americanos impuseram uma cláusula no contrato de que o Brasil, quer dizer, as empresas que pegaram dinheiro emprestado é que pagariam imposto de renda dos juros que eles receberiam. Agora, exigiam que o comprovante de pagamento você entregue para o banco. De posse desse comprovante, ele entrava no Tesouro americano e exigia a isenção tarifária também lá de imposto de renda, para não ser bi-tributado, que é um acordo que existe com os Estados Unidos. O Tesouro americano acionou, a partir de 1978 e em 1984 entrou com um processo contra os bancos e está ganhando o processo contra os bancos, em relação a essa prática de sonegação de impostos, claramente. O governo brasileiro nunca fez nada. Então, estou dando um exemplo concreto de que existem problemas realmente, nós temos que ver o papel detalhado. Nós queremos fazer uma discussão profunda, transparência sobre esse problema e em base a isso rediscutir o padrão do renegociamento da dívida.

Frederico Vasconcelos: A intervenção que eu queria fazer é que, em função do elemento compreensivo do entusiasmo do senhor da campanha, ajudado até por algumas perguntas que foram feitas aqui, classificando-o como membro da equipe que vai governar o país, eu acho que a gente precisava sentar um pouco o pé no chão. A pergunta que o telespectador fez tem sentido. Rigorosamente, as pesquisas estão dando uma probabilidade muito grande de o Collor de Mello ser o futuro presidente. E economista, como gosta de fazer cenário... eu queria saber exatamente qual é o seu cenário para a hipótese do Collor de Mello ser presidente da República?

Aloizio Mercadante: Eu estou há um ano nessa campanha. Eu entrei... A convivência com o Lula não só foi muito gratificante, no sentido de que eu aprendi muita coisa esse ano, como eu pude ver de perto o povo brasileiro. Eu entrei nos alagados, na periferia das cidades, nos bairros populares. Eu vi de perto a situação em que o povo vive. A carência que se expressa nas coisas mais elementares da vida: comer, morar, vestir etc. E há um lado da sociedade brasileira emque não há transparência sobre realmente qual é a situação concreta que o povo vive. Então, eu estou preocupado em fazer uma campanha, e eu acho que esse é o esforço do Lula, em fazer uma campanha que traga uma mensagem para sobreviver à eleição. Nós não vamos subordinar a nossa concepção de sociedade, de projeto de sociedade, de concepção de partido, a buscar voto. Nós não vamos fazer consciência, concessões para as consciências. Então, nós estamos fazendo uma proposta que eu acho que, qualquer que seja o resultado da eleição, uma mensagem ficou: a elite foi derrotada pela vitória do Lula, a elite econômica, os poderosos, a elite política e uma boa parte, inclusive, dos analistas. Foram derrotados por entenderem a realidade do povo, a dinâmica do povo ou a vontade do povo. Segundo, a idéia de que tem que distribuir renda, riqueza e poder ficou em uma parcela muito grande da sociedade brasileira. Terceiro, nós demos um salto de consciência, eu diria nos sindicalistas, nos movimentos populares, na militância que faz o Partido dos Trabalhadores e a Frente Brasil Popular. Um salto imenso de consciência num período muito curto de tempo. De maturidade. Quer dizer, a militância hoje não intervém mais simplesmente pelo protesto, pela denúncia, pela reivindicação, pela negação. Intervém na sociedade pela alternatividade, pela afirmação, por um projeto de sociedade. Um salto que nós estamos dando. Portanto eu, particularmente, não estou nessa eleição e acho que o Lula não está nessa eleição pensando simplesmente na evolução das pesquisas, tanto que elas não comprovaram o que elas diziam antes e muito menos qual vai ser o resultado da eleição nesse momento. Nós estamos apresentando um projeto, debatendo de forma clara, anunciando novas...

Frederico Vasconcelos: [interrompendo] Ou seja, qual é o cenário que você faz para a economia brasileira...

Aloizio Mercadante: Não, seja qual for o resultado da eleição, nós vamos sentar e fazer um balanço político deste resultado e vamos ver. Agora, eu digo para você, a minha convicção pessoal é que nós vamos ganhar essa eleição. Nós vamos ganhar essa eleição [aponta para si]. E acho que vai ser um terremoto, uma mudança profunda e aí a gente pode até voltar a discutir [sendo interrompido]. Eu acho que o cenário vai ser esse aí.

Fredericio Vasconcelos: [interrompendo] Tem 20 economistas, de várias tendências, que aceitaram sentar, a convite de um grande empresário aí, para traçar possíveis...

 Aloizio Mercadante: Abílio Diniz [empresário brasileiro. Dono da Companhia Brasileira de Distribuição, que inclui várias redes de supermercados].

Frederico Vasconcelos: É. Quer dizer, economista ou gosta de fazer cenário... ou é por que também não estão acreditando na proposta econômica do Partido dos Trabalhadores ou da proposta do Collor de Mello? Concretamente, eu gostaria de saber qual é o cenário que você vê para o Brasil governado por Collor de Mello?

Aloizio Mercadante: Ah, o cenário?

Frederico Vasconcelos: É isso que o senhor não respondeu.

Aloizio Mercadante: Primeiro, o seguinte, eu não trabalho com essa hipótese. O meu cenário é até um cenário  possível, mas não é o mais provável. Para mim, não é o mais provável. É lógico, tem dois candidatos, há duas hipóteses. Apesar das pesquisas, apesar do que muita gente diz, nós vamos ganhar essa eleição. E eu trabalho basicamente com essa idéia. Eu estou mais preocupado em como combinar nossa estrutura... [sendo interrompido] de campanha e construir uma estrutura de governo já. Nós estamos trabalhando com as duas frentes, temos dezenas de grupos econômicos...[sendo interrompido]

Frederico Vasconcelos: [interrompendo] O professor Bresser Pereira colocou que a hipótese do Collor de Mello chegar a ser presidente... o risco de ingovernabilidade é maior. Há uma perspectiva no cenário clara aí que pode ser analisada. Você, talvez, estrategicamente está evitando.

Aloizio Mercadante: Eu não estou evitando. Nós estamos a duas semanas da eleição. Eu estou dizendo que eu acho que vou ganhar a eleição [ri]. Eu até... se eu não estivesse com essa preocupação, eu estaria muito mais tranquilo aqui. Menos cauteloso com o que eu digo ou com que eu falo.

Luis Roberto Serrano: Professor, o senhor disse, pelo que entendi, que nem espera que venha capital estrangeiro para cá. Espera que diminua a saída de capital para fora, ou seja, a transferência de capital. O senhor espera retomar um programa de crescimento apenas com o capital que está aqui dentro? Isso aí seria suficiente?

 Aloizio Mercadante: Serrano, olha, as palavras precisam ser bem esclarecidas. Se vier investimento estrangeiro, ótimo. Nós vamos fazer tudo para que venha. Não temos nenhum preconceito ideológico contra investimento estrangeiro. Quanto mais, melhor. Gera emprego, investimento, etc. Nós temos que negociar as condições da entrada. Como é que os ganhos de produtividade vão para a sociedade, como é que a tecnologia é repassada? As regras têm que ser cumpridas. Essa é a discussão. Agora, quanto mais melhor. O que eu estou tentando dizer, baseado na história de uma década, é que por uma série de circunstâncias históricas, que eu acho que não dá mais para discutir no final do programa, esse continente que a gente pertence está meio fora da nova divisão internacional do trabalho. Os grandes blocos econômicos, [abre os braços] os grandes mercados que estão se constituindo... esse aqui não é um cenário importante. Não joga o peso fundamental. Então, eu acho que a prioridade de investimento não está aqui. Está na Europa 1992, está na integração Estados Unidos, Canadá e México. Está na Europa Oriental, está no campo do socialismo, ali vão ter relações econômicas intensas a partir de agora [junta as duas mãos]. Eu acho que tende a crescer. Está na Ásia. Mas não está na África, não está na América Latina. Infelizmente, não está. Então, o que nós temos que ter consciência é que essa situação é dura, difícil, temos que continuar negociando, com esses vários blocos, atraindo investimento, mas o que nós não podemos aceitar é que a gente financie a modernidade lá. Nós somos um país com US$ 2.200,00 por habitante de renda per capita e nós estamos transferindo 4,5% do que a gente produz, 5% do que a gente produz, em anos que a gente cresceu 0,5%, 1%, 2%, portanto, todo mundo ficando mais pobre, financiando países cuja renda per capita é de 20 mil dólares por habitante, 19,17. É isso que não é mais possível aceitar. Agora, por isso é que eu acho que não vai haver grandes investimentos estrangeiros. Pode haver em algum setor, nós vamos fazer todo o esforço para que haja, mas transferir 5% do PIB não! Esse risco é menor do que continuar transferindo.

Jan Rocha: Uma das áreas que estava exposta a investimentos de fora seria o meio ambiente. E o meio ambiente é uma coisa que afeta milhões de brasileiros, agrotóxicos, queimadas, poluição. Qual é a prioridade, no governo de Lula, para a questão de meio ambiente? Aceitaria essa troca de dívidas por projetos da natureza?

Aloizio Mercadante: Duas coisas. Primeiro, uma frase do Lula que me marcou bastante. É que a natureza não pode ser uma parte do nosso programa. Em realidade, nós é que somos parte da natureza. Ou a gente entende isso ou a gente não consegue construir uma sociedade diferente. Como compatibilizar desenvolvimento e preservação ecológica? Quanto à conversão da dívida para o patrimônio ecológico, para nós não é o caminho. Nós somos contra a conversão da dívida externa. Nós não queremos trocar títulos da dívida, de alto risco, por preservação ecológica. Agora, o que nós podemos aceitar, sim, é um programa de preservação ecológica com autonomia, soberania do estado brasileiro, da sociedade brasileira, aonde esses recursos viriam para incentivar investimentos em ciência, em tecnologia etc.   Compromisso de preservação, sim, entrega de patrimônio não. Portanto, há um espaço de negociação. Inclusive, a conversa que o Lula teve com o Andreotti [Guilio Andreotti, líder italiano do Partido Democrata-Cristão. Foi três vezes primeiro-ministro e desde 1991 é senador vitalício do país] na Itália foi nessa direção. A recomendação do Andreotti, que agora é primeiro-ministro da Itália, exatamente nessa direção, e o Lula se mostrou muito simpático à idéia. Quer dizer, de preservar ecologicamente com esses recursos se transformando num fundo de investimentos da preservação, da pesquisa, de proteção à Amazônia etc, mas não trocar por patrimônio.

Aloisio Biondi: Eu gostei do senhor falar que não virão investimentos internacionais para o Brasil em função da situação internacional. Isso foi colocado aqui no último Roda Viva, justamente em relação ao programa do Collor. Eu acho que a sociedade precisa saber disso. Os países ricos estão investindo nos países ricos e não adianta entregar o Brasil para vir dinheiro para cá. Sobre a dívida externa, o professor Paul Singer, que é um dos principais coordenadores do  pensamento econômico do PT, num artigo publicado na Folha há um mês... ele dizia que a dívida externa não provoca inflação, que ela provocou inflação quando estourou a crise de 1982, que, hoje, com o saldo comercial, ela não provoca inflação. E dizia, inclusive, que quem acha que a dívida externa provoca a inflação são os partidos populistas de esquerda, não um partido moderno como o PT. Então, há uma contradição entre o diagóstico do professor e a afirmação que vocês continuam a fazer de que uma das causas da inflação seria a dívida externa. O senhor pode me explicar essa contradição?

Aloizio Mercadante: Eu acho que você não pode tratar que a dívida em si é a fonte fundamental do processo inflacionário. Agora, qual é a relação entre a dívida e a inflação? Primeiro, é o conflito distributivo que está por trás dessa relação. Na medida em que você transfere 4,5% do que você produz para o exterior, você tem uma cadeia de conflitos. E uma cadeia de conflitos que se expressa numa questão de Estado com o setor privado, do assalariado com o lucro. Quer dizer, é uma cadeia de conflitos que por trás está...nós não queremos mais pagar esse pedágio. E a sociedade não aceita mais pagar esse pedágio, portanto cria um mecanismo de defesa que é o processo inflacionário. Existe uma relação direta. Segundo, há um impacto direto... na medida em que a dívida foi estatizada, recai sobre o Estado, o Estado não tem saldo comercial para poder cumprir suas obrigações e que ele é obrigado, portanto, a comprar o saldo  comercial, as reservas cambiais de outros setores exportadores para poder pagar seus compromissos, isso aí pressiona a base monetária, pressiona o processo de endividamento interno e é uma fonte sim de alimentação da taxa de juros e, portanto, do processo inflacionário. Há uma relação entre dívida e inflação.

Jorge Escosteguy: Para encerrar. O senhor, a pouco, falou em renda per capita de 2.200 dólares no Brasil. Ontem, o Lula deu uma bronca no Fernando Collor porque ele falou em salário de 100 dólares para o Brasil. O senhor não teme receber uma bronca do Lula hoje porque o brasileiro ganha em cruzado, não em dólar?

Aloizio Mercadante: Você sabe que eu recebo bronca do Lula quase todo dia. E não vejo o menor problema nisso, inclusive, [ri] tenho aprendido muito com as broncas dele.

Jorge Escosteguy: Quer dizer, a gente pode falar em dólar?

Aloizio Mercadante: Se pode falar em dólar em relação... o PIB per capita é sempre calculado em dólar. Mas tem um problema realmente na sociedade brasileira, é que a moeda deixou de ser uma referência. Ela não tem valor. Existe uma crise de confiança na moeda muito difícil. Você tem outras moedas que nós poderíamos utilizar DTN, LTF etc. Agora, quando você compara PIB per capita com outras nações, a moeda de conversão é o dólar. O uso que eu estou fazendo agora só pode ser feito em dólar. Você não pode comparar cruzado novo com marco alemão, porque um é raquítico, fraquinho, magro e o outro é loiro, forte, alto, bonito [risos].

Jorge Escosteguy: Agradecemos a sua presença, hoje, no Roda Viva... do economista e professor Aloizio Mercadante, assessor econômico do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Agradecemos a presença dos nossos convidados jornalistas e aos telespectadores que telefonaram fazendo perguntas. As perguntas que não puderam ser feitas serão entregues ao professor Mercadante. Uma boa noite a todos e até a próxima segunda-feira.

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