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Memória Roda Viva

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José Alencar

16/6/2003

O vice-presidente do governo Lula explica as razões pelas quais discorda da política econômica de juros altos praticada pelo Banco Central

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. Ele apenas falou o que muitos no governo, e especialmente fora dele, pensam e querem para a economia do país. Mas, pelo cargo que ocupa, a fala provocou enorme repercussão, causou desconforto no governo e ajudou a alimentar o discurso da oposição. O Roda Viva entrevista esta noite o vice-presidente da República José Alencar, do Partido Liberal [PL]. Ele é também o mais recente mineiro na longa lista de políticos que Minas Gerais já colocou no topo do governo federal.

[Comentarista]: Surgiu em Minas o primeiro movimento contra a dependência estrangeira e, na seqüência, os primeiro ideais republicanos. No Brasil República, Minas reafirmou o peso político elegendo Afonso Pena para presidente em 1906, Venceslau Brás em 1914, Delfim Moreira em 1918, Artur Bernardes em 1922, Juscelino Kubitschek em 1956, Tancredo Neves em 1985 e na década de 90, Itamar Franco [assumiu a Presidência após o impeachment de Collor, em 1992]. Vários deles também estiveram na vice-presidência, onde reaparecem Afonso Pena, Venceslau Brás, Delfim Moreira. Francisco Bueno de Paiva foi vice de Epitácio Pessoa em 1920, Fernando Melo Viana foi vice de Washington Luiz em 1926. No governo militar, José Maria Alckmin era vice de Castelo Branco, o mesmo ocorrendo com Pedro Aleixo no governo Costa e Silva e com Aureliano Chaves no governo de João Figueiredo. Este ano, José Alencar foi o novo mineiro que emergiu no [Palácio do] Planalto. Ele começou a vida política em 1994 como candidato ao governo de Minas, mas só teve seu primeiro cargo eletivo em 1998, quando elegeu-se senador pelo PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro]. Em 2001, filiou-se ao PL, que fez aliança com o PT [Partido dos Trabalhadores] em 2002 formando a chapa com Lula. Aos 71 anos de idade, com menos de dez na política e mais de cinquenta na vida empresarial, José Alencar Gomes da Silva é desses brasileiros que insistem em associar êxodo com trabalho. Em Minas, "pegou cedo no batente". Nascido em Muriaé, começou a trabalhar aos 15 anos como  balconista e estudou só até a quinta série. Aos 18 [anos], abriu uma lojinha em Caratinga com o dinheiro emprestado do irmão, depois virou atacadista de tecidos e em 1967, com um empréstimo oficial, fundou em Montes Claros a Companhia de Tecidos Norte de Minas, a Coteminas. Empresário bem sucedido, presidiu durante 15 anos a Federação das Indústrias de Minas Gerais [FIEMG]. Como senador eleito com recursos próprios, foi voz atuante na defesa dos empreendimentos nacionais. De perfil simples, empreendedor próximo ao empresariado e crítico do governo federal, José Alencar surgiu como nome possível de uma chapa de oposição e assim tornou-se vice de Lula. Discreto no exercício do cargo, o vice-presidente acabou surpreendendo o país recentemente ao criticar a política econômica oficial: atacou as altas taxas de juros, reforçando a idéia de que são os juros altos que estão impedindo e retomada do crescimento econômico. A repercussão foi grande e causou constrangimento dentro do governo, mas em época de exercício livre da divergência o vice se entendeu como o presidente e com o ministro [da Fazenda] Antônio Palocci. O episódio foi passado a limpo e Alencar depois até brincou com a mulher, jurando que não falaria mais de juros. Não perdeu o humor e nem a crença de que juro alto faz mal para os negócios e para a vida das pessoas.

Paulo Markun:  Para entrevistar o vice-presidente José Alencar nos convidamos Merval Pereira, colunista do jornal O Globo; Josemar Gimenez de Rezende, diretor de redação dos jornais O estado de Minas e Correio Braziliense; Mauro Chaves, editorialista e articulista do Jornal O Estado de S. Paulo, Fernando Barros e Silva, editor-chefe do caderno "Brasil" do jornal Folha de S.Paulo, José Antonio Severo, editor do jornal Gazeta Mercantil  e Carlos Eduardo Lins e Silva, diretor adjunto de redação do jornal Valor Econômico. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e Brasília Você pode participar do programa, mandar sua crítica ou sugestão  pelo telefone (11)252-6525 e pelo e-mail rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite!

José Alencar: Boa noite.

Paulo Markun: Quem sou eu para contrariar um acordo que o senhor tenha feito com a dona Mariza [esposa de Alencar] e que foi mencionada em nossa reportagem, revelada à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo? Vou começar por outro assunto. A gente sabe que sua indicação à vice-presidência da República foi parte de um acordo político entre o PT e o PL, foi parte de um projeto do PT de chegar ao poder, mas o que eu queria que o senhor contasse para gente é um pouco do bastidor dessa sua aproximação com o Lula. Se a gente olhar, aparentemente, não há nada mais distante do que um grande empresário e um líder sindical, um senador do  PL e um dirigente do PT. Alguma química estabeleceu, porque sabe-se que a escolha foi pessoal do presidente Lula na direção do nome do senhor. O que os aproximaram?

José Alencar: Olha, provavelmente isso que as pessoas acham que nos distanciava. A empresa está muito próxima do trabalhador. Não há nenhuma distância entre mim e ele, ao contrário. Outra coisa: a admiração que nos sempre nutrimos por ele, desde quando foi realmente líder sindical, na época do regime militar, e fundou o PT em 1980. Aquilo foi uma façanha admirável no Brasil, ele passou por dificuldades. Acabou disputando uma eleição, em 1986, em São Paulo para deputado federal com uma votação recorde. Na Assembléia Constituinte, agiu de maneira que só o enalteceu, com toda sua simplicidade.

Paulo Markun:  Então o senhor tinha uma visão distanciada dele?

José Alencar: Eu era distante dele, nunca havia me encontrado com ele, ainda que ele se hospedasse em um hotel nosso em Belo Horizonte. Eu sabia que ele se hospedava lá!

Paulo Markun:  Wembley [Palace Hotel]!

José Alencar: Sim, todas as pessoas desse hotel o tratavam com a maior consideração. Em 1989, ele disputou a primeira eleição. Em 1994 e 1998, a segunda e a terceira, das quais participamos, admirados. Agora, o Brasil inteiro duvidou da viabilidade desta aliança entre o PL e o PT, mas havia várias razões, a começar por razões de ordem ideológica. Primeiro, o PL é um partido eminentemente de centro e o PT é um partido de esquerda, já havia certa incompatibilidade ideológica da mesma forma que um líder sindical em relação a um líder patronal. Eu fui também líder sindical patronal, porque fui presidente da Fiemg [Federação das Indústrias de Minas Gerais], então eram posições antagônicas. No entanto, não havia nada disso. Sofri essa indagação e essa dúvida com relação à viabilidade e o acerto dessa aliança durante toda a campanha, alguns colegas me aconselhavam que era impossível. Eu sempre argumentei com o fato de que ninguém precisava se preocupar, por exemplo, com o socialismo, porque ele fracassou depois de setenta anos de experiência na antiga União Soviética, e por varias razões. Fracassou do ponto de vista econômico porque o Estado é um péssimo empresário e lá também o foi. E tinha que fracassar, eu estive lá e vi como eles operavam as fábricas, havia um casta das universidades que ia para a indústria bélica ou espacial...

Paulo Markun: O senhor teve essa conversa com o presidente?

José Alencar: Isso eu falei durante toda a campanha! Fracassou politicamente porque o regime foi implantado e mantido pela força, então faltou liberdade. A política não pode prosperar fora da liberdade, isso não podia de fato prosperar, não sei como durou setenta anos na ex-União Soviética...E fracassou também do ponto de vista filosófico - isso eu repeti em todas as ocasiões com todos os partidos de esquerda presentes - porque a partir de uma premissa equivocada, para não dizer falsa, de que somos iguais. Claro que somos iguais perante a lei, mas apenas semelhantes, pois cada um de nós tem uma aptidão, temperamento, modo de ser, dedicação ao que faz, responsabilidade naquilo que assume.

Paulo Markun: Eu imagino que, se o senhor tinha essa convicção tão clara que o fez percorrer o país, batendo nesta mesma tecla, isso era sinal que o senhor tinha a certeza que o presidente Lula pensava assim.

José Alencar: Não, veja bem, prosseguindo...Eu falava também na experiência, porque é aí que se chega no ponto de convencimento. Houve também na China a revolução de Mao Tsé-Tung, em 1958, que foi aprofundada em 1966. Ele faleceu em meados dos anos 70 e foi sucedido por um grande estadista, Deng Xiaoping [(1904-1997) Dirigiu a República da China entre 1976 e 1997 e criou o socialismo de mercado, que vigora no país até hoje. Contrapondo-se ao maoísmo, o estadista promoveu a abertura econômica da China] Houve um momento que a China tinha que fazer a Perestroika, ainda que soubesse que não podia fazer a Glasnost [Perestroika e Glasnost]. A Perestroika tinha que fazer, porque estava se aproximando a ocasião em que Hong Kong seria reintegrada à China, e eles não queriam mexer na economia de Hong Kong, queriam que ela fosse capitalista, então teriam que promover a abertura da economia na China. Mas houve restrições dos comunistas arraigados. Foi quando Deng Xiao Ping pronunciou aquela célebre metáfora "Não importa a cor do gato, o que importa é que ele pegue o rato". Alguns cientistas políticos da China  traduziram essa metáfora: "Não importa a coloração ideológica, o que importa é o bem comum". Aqui no Brasil, alguns traduziram como "Não importa a coloração partidária, o que importa é que se alcancem os objetivos sociais". Então, com todo esse argumento, nós convencíamos as pessoas de que aquela coisa de ficar preso a um problema do passado não tinha sentido e que precisávamos fazer alternância de poder no Brasil até para fortalecer o regime democrático.

Josemar Gimenez de Resende: Agora, vice-presidente, ainda tem alguns segmentos dentro do próprio PT, por exemplo, que não acreditam nessa revolução socialista que o senhor está falando. Como o senhor convive ideologicamente com isso?

José Alencar: Muito bem, porque eles não têm mais essa convicção por razões óbvias. Eles sabem que hoje todos os partidos, de qualquer coloração, pensam em um bem comum. Hoje todo mundo está lutando pelos objetivos sociais, e sabem que não é necessariamente um governo de coloração partidária de esquerda ou de direita que vai resolver isso. Isso é imagem do passado: por exemplo, a  Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental, Coréia do Sul e Coréia do Norte, o fracasso de Angola e Moçambique com as experiências que foram feitas, tivemos vários exemplos no mundo. Nos estamos vendo, por exemplo, a China sabiamente, não fazer a Glasnost abruptamente. A China pode fazer essa abertura gradual por cinquenta, quinhentos anos, não há diferença! E eles vão fazer isso.

Josemar Gimenez de Resende: Mas a questão do MST [Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra], por exemplo, esse reconhecimento do movimento...Como o senhor avalia isso?

José Alencar: Eu avalio a pretensão realmente de fazer uma reforma agrária no país. O MST tenta dar condições para que a reforma agrária se realize. Isso é o que penso, só posso pensar assim.

Fernando de Barros e Silva: O senhor falou do risco socialista que o senhor tratou de dissipar e convencer as pessoas a terem menos medo do Lula, digamos assim. Mas o senhor não esperava que esse início de governo fosse tão conservador... Vamos para o lado oposto: o senhor criticou as taxas de juros, eu queria que o senhor falasse um pouco a respeito disso, falasse o que pensa das metas do superávit que o governo se comprometeu a cumprir, e falasse do conjunto da política econômica que foi adotada. Não é uma coisa que vai ser mudada da noite para o dia.

José Alencar: Barros, temos que fazer uma análise, ainda que rápida, retrospectiva, para justificar nossa posição. Quando recebemos o governo, a situação do país era muito difícil, nós tínhamos uma inflação recrudescendo de forma ameaçadora, Tivemos determinados meses com 3% de inflação. Isso já acenava para uma inflação de 40%, o que era um desastre, tudo se perderia se nós não debelássemos aquela expectativa inflacionária. Então tem que haver uma palavra de aplauso ao Palocci, porque o trabalho dele foi corajoso e decisivo. Ele foi firme, precisava ser feito aquilo.

Merval Pereira: O mercado não estava convencido, como o senhor estava, que o socialismo não viria...

José Alencar: Como?

Merval Pereira: Durante a campanha, a inflação recrudesceu exatamente pelo medo de o Lula ganhar.

José Alencar: Sim, houve, de fato, uma certa preocupação eleitoral, tendo em vista aquilo que se plantou. As pessoas esperavam o caos com a vitória do Lula e consideravam que as pesquisas indicavam a vitória dele, então isso pode ter agravado o quadro. Isso é verdade!

Mauro Chaves: Queria retomar um pouquinho - eu achei muito importante - sobre sua afinidade, porque...

Paulo Markun: Mauro, Mauro! Deixa ele terminar de responder essa pergunta, senão a gente vai perder o fio da meada.

Mauro Chaves: Eu queria chegar aí, exatamente na crítica dele. O senhor tinha essa afinidade, era o grande empresário que o Lula conheceu, dava aval para o Lula e parecia que essa afinidade era muito grande ao ponto que se esperava que o senhor teria um poder de influência muito grande sobre o Lula, independentemente de ter seguido a política conservadora, neoliberal ou não. Como o senhor diz, por exemplo, que é contra a CMPF [Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira], que é um imposto em cascata que prejudica realmente o pequeno e médio empresário, como o senhor diz que é um absurdo que se faça taxação de receita em faturamento e não em lucro de empresa. O senhor imaginava uma reforma tributária que ia realmente mudar, levar realmente à produção, em benefício de pequenos e médios empresários. Agora, o senhor não conversava isso com o Lula antes? O senhor não introduziu essas idéias para sensibilizá-lo com relação aos pequenos e médios empresários? O senhor disse ainda há pouco que, de vez em quando, poderia falar com Lula, que ele fala com todo mundo. Eu pergunto: o senhor não tem esse acesso para mostrar que, por exemplo, essa reforma tributária que está sendo feita é um arremedo [imitação] de reforma tributária?

José Alencar: Veja bem, Mauro, em matéria de reforma tributária, por exemplo, cada um de nós tem sua reforma tributária na cabeça. Eu defendo um sistema tributário que permita ou facilite a capacidade competitiva nacional no mercado internacional, para que diminuamos essa gama gigantesca de pequenos empresários na informalidade. Cada uma tem a sua...A reforma tributária que está no Congresso foi a possível, o presidente teve o cuidado de fazer reuniões com técnicos de cada estado, com todos os governadores. 

Mauro Chaves: O senhor acha que já foi a reforma possível, não pode se mexer mais?

José Alencar: É o projeto possível. Agora, se você me perguntar a minha reforma tributária...porque é aquela história, é muito difícil a gente sair por aí dizendo que a intenção da gente é  nacional, não uma intenção em causa própria. As pessoas podem acreditar ou não.

Mauro Chaves: Isso eu gostaria de te perguntar.

José Alencar: A gente tem que ser o que é. Eu defendo uma reforma tributária clássica. Outros defendem o caminho que o Roberto Campos [(1917-2001) político brasileiro de inclinação liberal-conservadora, atuava como conselheiro oficial brasileiro sobre assuntos econômicos durante o regime militar] chamou de eletrônico, que era aquele imposto único criado pelo Marcos Cintra, que foi deputado federal.

Mauro Chaves: O senhor chegou a admitir que se só houvesse a CPMF, o senhor aceitaria.

José Alencar: Sim, porque seria um imposto único. Roberto Campos chamava de imposto eletrônico, dizia que o Brasil era um dos poucos países que possuíam condições para implantar aquele imposto, tendo em vista o grau de informatização da rede bancária brasileira etc. Mas acontece que aquilo hoje é uma utopia, não tem como, eles queimaram aquilo, virou mais um imposto.

Mauro Chaves: Eles quem?

José Alencar: É... na história, não é, porque eu não gosto muito de ofender as pessoas, eu respeito as pessoas.

Mauro Chaves: Sim, o governo anterior e o atual.

José Alencar: É, pois é. Foi um imposto criado para atender à saúde, mas, na verdade, virou mais um imposto, virou uma utopia. [A CPMF deveria ter sua contribuição destinada especificamente ao custeio da saúde pública - o que foi alterado através de uma Emenda Constitucional em 1999 - passando a custear também a Previdência Social e o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza]. Então o caminho que sobra é um caminho clássico.

Mauro Chaves: Vice-presidente, o senhor se conforma tanto assim, foi queimado e acabou?

José Alencar: Não, o imposto único não tem a mínima condição, mas o caminho clássico que sobrou poderia ter simplificado se conseguíssemos um apoio de todos os governadores. Seria aquela história de três impostos, um indireto e dois diretos. O indireto, que é o imposto de consumo, com qualquer nome que ele viesse, teria que ser pago em todas as operações, dando direito de crédito a operações subseqüentes, para não ser acumulativo, ou então na última operação, como acontece em alguns países como Estados Unidos e Inglaterra. O imposto é pago na última operação, o valor é o mesmo, tanto faz você pagar em todas as operações como na última. Mas é muito difícil isso, porque as pessoas confundem no Brasil o imposto indireto, quer dizer, imposto de consumo, com o imposto direto. Cada empresa acha que o ICMS [Imposto sobre Circulação e de Mercadorias e Serviços] pesa sobre ela, e não pesa. O ICMS, que é um imposto indireto, pesa no bolso do consumidor. Então, assim seria. Os outros dois impostos diretos seriam imposto de renda e imposto sobre propriedade. O imposto de renda, você subdividiria entre pessoa física e jurídica, propriedade também: rural e urbana. Agora, é claro que o Estado não poderia, de forma alguma, abrir mão de alguns impostos que não têm fim arrecadatório, mas que são instrumentos de administração, por exemplo, o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras ou Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros]. Trata-se de um instrumento de administração de política monetária. Isso é absolutamente essencial, da mesma forma que o Imposto sobre Comércio Exterior: o governo tem que praticar tarifas aduaneiras até sem respeito ao princípio de anuidade, porque se ele tem que mudar uma alíquota no meio de ano, tem que prevalecer imediatamente como instrumento de administração. Para simplificar o sistema, nos teríamos terminado com os impostos em cascata. Essa reforma, na verdade, acaba com os impostos em cascata. O ICMS, que tinha vinte e sete legislações diferentes, cada estado com a sua legislação, passa a ter apenas uma legislação, que é federal.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas com várias faixas e até com uma alíquota flutuante, né?

José Alencar: Mas as faixas também são necessárias porque contemplam determinados bens mais essenciais com a alíquota menor.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas a alíquota flutuante...

José Alencar: Não, uma das premissas básicas que foram impostas pelo governo é que a alíquota seja neutra, porque ela não vai representar a elevação da carga tributária, mas também não pode reduzir a carga tributária, porque os orçamentos estão ali...

José Antonio Severo: E a Lei Kandir, como é que o senhor imagina, é um negócio que não está funcionando, não é?

José Alencar: A Lei Kandir vai retirar impostos das exportações.

José Antonio Severo: Na verdade, os créditos não são devolvidos às empresas.

José Alencar: Tudo bem, nenhum país exporta imposto...

José Antonio Severo: O Brasil está exportando imposto?

José Alencar: Pois é, temos que resolver. A reforma tributária pretende acabar com essa história de o país exportar impostos. A exportação de imposto é mais uma razão que nos retira a capacidade competitiva, e o Brasil só tem uma saída clássica dessa situação a que chegou, que é cambial, pela produção do crescimento das exportações. Não tem outra saída.

Fernando de Barros e Silva: O senhor fazia uma defesa da determinação do ministro Palocci. Como conciliar essa defesa ponderada, que o senhor esta fazendo agora, com a pregação quase de guerrilha que o senhor fez pelo país, pela queda da taxa de juros?

José Alencar: Não, veja bem, Barros, eu fiz e continuo fazendo. Pegamos aquela situação delicadíssima de inflação recrudescendo, que precisava das medidas fiscais e monetárias fortes. Foram feitas. Aquele aumento que foi dado no final do ano já foi na fase da transição. Depois, houve mais dois aumentos: um de 1% e outro de 0,5%, foi a 26,5%, estou falando de taxa básica. Então, eu concordo e aplaudo. Outra situação que nos preocupou muito: todas as linhas de crédito foram cortadas. Por exemplo, se uma empresa estivesse fazendo uma importação de equipamento com financiamento externo, parou tudo, da mesma forma que financiamento de renovação, financiamento do setor público, parou tudo! Outra coisa que nos preocupou: o risco-Brasil [risco-país para o Brasil] subiu a 2600 pontos ao que correspondia a um spread externo de 26,5% em qualquer empréstimo para o setor público ou privado, além dos juros. Além disso, aconteceu o fenômeno de desvalorização cambial, que elevou o dólar a quase quatro reais, então aquilo tudo alimentou a inflação, especialmente o preço das commodities subiram. Isso aconteceu no atacado primeiro. Eles chamam de inércia, mas não é, porque há uma defasagem daquela influência cambial, que chega mais tarde ao varejo, porque ela atinge, por exemplo, o algodão, mas demora a chegar ao varejo, que vende a camisa feita de algodão, vai uma distância muito grande disso aí... Estamos vivendo a era da eletrônica, as coisas acontecem muito rapidamente, a preocupação do mundo hoje é com recessão e deflação, isso é preocupação dos Estados Unidos, Japão, Europa, daí a razão pela qual pode ser que se abaixe mais a taxa básica. No entanto, estamos hoje pagando 26,5% e se nós fizermos o cálculo da taxa de juros real hoje, mesmo com expectativa de inflação posta pelo mercado e não por nós - minha expectativa de inflação nos próximos 12 meses é 4%, alguns mais conservadores que falam em 6% e o mercado fala em 8%. Fazendo o cálculo, a grosso modo, dá 18% de juros reais, uma taxa 18 vezes a taxa praticada pelos países com os quais nós temos que competir, que são os países do G-20. [Grupo de países eminentemente agrícolas, de desenvolvimento médio, criado em 2003, durante uma reunião da Organização Mundial do Comércio, para se contrapor aos países ricos, com interesses econômicos diferentes]. Um grupo de vinte países está pagando 1% real de taxa básica, que são os Estados Unidos, países da Europa, Japão é até negativo, enquanto o Brasil é 18%. Nós não agüentamos isso, porque o Brasil está se esvaindo em juros e não é de hoje! No governo passado, muitos setores foram privatizados, não é? Nesse período, a carga tributária mais que duplicou, era coisa de 26% do PIB [Produto Interno Bruto] e foi para 57%. Nesse período, do ponto de vista nominal, nós quintuplicamos, setuplicamos a nossa dívida publica e do ponto de vista do PIB, nós mais que duplicamos, porque ela era mais que 26% do PIB. É um quadro aterrador, então nós temos que mudar urgentemente isso. Agora, isso não é uma tarefa para técnico, é uma tarefa de decisão política, é assim mesmo. Não é o Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central, que define as diretrizes da política monetária e a taxa básica de juros do país], eu nunca falei isso. O Copom é uma entidade técnica.

Fernando de Barros e Silva: Há uma reunião do Copom na quarta-feira?

José Alencar: Isso é outra coisa, eu estou falando de decisão filosófica. O Brasil tem que reagir contra isso.

Nerval Pereira: Vice-presidente, o senhor não acha que falando isso, o senhor está pressionando o Copom?

José Alencar: Nada é capaz de pressionar o Copom.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Não?

José Alencar: Ele tem uma cultura.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Nada, nada?

José Alencar: Ele tem uma cultura para não ser pressionado, então não tem perigo, o senhor pode ficar descansado.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas o Copom é composto de técnicos, o senhor é vice-presidente...

José Alencar: Sim, mas nós...

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor não acha que isso pressionaria o Copom?

José Alencar: Não interfere no Copom, eu estou falando em um patamar completamente diferente. O Brasil precisa libertar-se dessa cultura que nos envolveu. Os técnicos, os mestres falam que nós estamos numa armadilha, eu digo que nós estamos encabrestados.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Por quem?

José Alencar: Pela dívida e pelos juros! Nós estamos dominados. Em um programa disseram que eu estaria desrespeitando a liturgia... todo mundo sabe o que é a liturgia, mas eu resolvi procurar a palavra  em um dicionário, e na mesma página estava a palavras "livre". Uma das definições é não endividado, sem dívida, isso significa que nós não estamos livres. Agora, isso não é culpa nossa, isso é culpa de muitos anos, é um problema cultural, é um problema político.

Merval Pereira: Foi por isso que o presidente Lula colocou o Palocci como ministro da Fazenda: ele é político, não é economista.

[sobreposição de vozes]

Mauro Chaves: O senhor é contra o juro alto, mas diz que está totalmente afinado com o ministro Palocci. Como é possível? A opinião pública não consegue entender isso.

José Alencar: Eu posso te dizer, vou te dar uma informação: nenhum de nós, nem mesmo eu, que tenho me exposto e tenho sensibilidade para o fato de que o Brasil precisa crescer imediatamente... O Brasil precisa gerar oportunidades de trabalho para as pessoas, começar um processo de melhor distribuição da renda nacional e isso só pode acontecer com o desenvolvimento da economia, que significa meios econômicos, força econômica de qualquer país.

Paulo Markun:  Só um minutinho, o programa tem uma liturgia que a gente tem que obedecer. São três blocos, nós já ultrapassamos muito o primeiro bloco. Vamos fazer um rápido intervalo e a gente volta já, já.

José Alencar: Então marca aí, que eu quero responder essa!

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, entrevistando José Alencar, vice-presidente da República. Para você participar do programa, o telefone é (11) 252-6525, o fax é (11 )3874-3454 e o endereço do programa na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Eu queria colocar aqui, só para apimentar a discussão, as perguntas de dois telespectadores que vão na mesma direção do que a gente estava abordando. Ronaldo Moreira, de Barra Mansa, no Rio de Janeiro pergunta se esse modelo de política econômica está desgastado e qual seria a alternativa. Eduardo Mendonça, de Rio Claro, São Paulo, diz o seguinte: "Pelas suas declarações, o senhor se sente um peixe fora d’água dentro do governo Lula".

José Alencar: Não, eu estava justamente dizendo isso, todos nós do governo queremos a retomada do crescimento.

Paulo Markun:  Tem gente até fora do governo pensando isso!

José Alencar: Digo o governo, principalmente.

[sobreposição de vozes]

Mauro Chaves: O problema são as medidas para essa retomada?

Carlos Eduardo Lins e Silva: Quem faz os juros é o Copom. Como que o senhor não faz pressão contra o Copom?

José Alencar: Espera, espera! Isso é outro patamar, estamos falando de patamar político, não em patamar técnico.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas quem pode baixar os juros é o Copom, o presidente não pode baixar juros...

José Alencar: Não se trata de baixar os juros. A história é outra! O Brasil está fora da realidade, vivendo num mundo globalizado. A economia de um país é representada por quatro componentes: setores primários, secundários, terciários e a infra-estrutura e todos...

Mauro Chaves: Quando o senhor fala Brasil é quem?: governo, sociedade?

José Alencar: O Brasil país! Está fora da realidade, está absolutamente na contra-mão do que está acontecendo, mas não é o nosso governo, não. Nem tivemos tempo suficiente para mudar isso, tendo em vista o encabrestamento.

[sobreposição de vozes]

José Alencar: Perdão, eu tenho que ter aqui um segundo para terminar está minha resposta por que isso é importante para que nós estejamos vestindo a mesma camisa. Porque nós todos somos brasileiros e queremos, vamos dizer, defender as causas importantes do país. Ninguém está aqui para cuidar de interesse particular, eu até não gosto de falar isso, mas tenho que falar: a queda dos juros me dá prejuízo porque eu não sou tomador, eu sou aplicador. Minhas empresas, das quais sou acionista, fundador e controlador, são aplicadoras e não tomadoras, elas compram matéria-prima somente à vista.

Mauro Chaves: O senhor é uma exceção no cenário econômico...

José Alencar: E só vendem à prazo e não levam uma duplicata ao banco, não descontam uma duplicata, porque se descontassem já estavam quebradas.

Mauro Chaves: Todas as suas empresas?

José Alencar: É sim, senhor. Essas empresas não têm absolutamente nada a ver, não têm interesse em queda de juros. Eu estou falando isso como brasileiro. Eu tenho 71 anos de idade, eu não ingressei na vida pública para atender a nenhuma necessidade material minha, foi para levar alguma contribuição oriunda da minha experiência, e como eu venho da empresa, eu provavelmente enxergo com mais pressa o que precisa fazer do que os outros. Vejo que nós precisamos nos antecipar a uma recessão ou deflação.

Paulo Markun:  O senhor materializa o sentimento de muita gente na sociedade brasileira, indiscutivelmente, agora esse sentimento se choca com o raciocínio da chamada equipe econômica do atual governo, que tem suas argumentações também. No mínimo, o senhor tinha que ter mais paciência com o governo.

José Alencar: O governo todo, a começar do presidente da República e os ministros da Fazenda, da Casa Civil, é absolutamente consciente de que o Brasil precisa sair dessa diferença que o prejudica em relação aos países com os quais ele compete. Precisa voltar a crescer, a gerar emprego, gerar condições para melhor distribuição de renda, todos desejam isso.

Merval Pereira: Então vamos falar de política, como o senhor gosta. O senhor acha que, politicamente, é errado o senhor falar tudo isso nas vésperas da reunião do Copom e contra a política econômica do governo, mesmo que o senhor tenha razão?

José Alencar: Lá em Minas, havia um médico, poeta, que fez uma poesia falando sobre Adão e Eva: "Quando Deus botou Adão no paraíso, deu-lhe tudo, só não lhe deu juízo. Disse Deus ao nosso pai Adão: eis aí a morada que só para ti mandei construir. Tens aí todo o conforto da civilização, luz elétrica, água encanada, cama, comida e roupa lavada, pode ficar descansado etc.". Vou parar a poesia aí porque ela vai longe, mas tenho todo o conforto da civilização, luz elétrica, água encanada, cama, comida e roupa lavada.

José Antonio Severo: E a dona Mariza!

Merval Pereira: Por que morder a maçã?[risos]

José Alencar: Para quê tenho que arranjar encrenca para prejudicar as empresas, que tomam prejuízo? É aquela história no Brasil...em princípio, as pessoas são desonestas. Esse é um dos problemas culturais brasileiros. Por exemplo, o brasileiro tem que levar o papel com firma reconhecida, mas o cartório já fechou: "Não, mas o tabelião leva o carimbo para casa". Então, vai bater na porta do tabelião: "Não, o tabelião saiu, está bebendo lá no botequim, mas a filha dele sabe onde está o carimbo". Ela bate o carimbo, dá uma assinatura ilegível e está reconhecida a firma.

[sobreposição de vozes]

José Antônio Severo: O senhor estava falando de indústria, se o senhor não desconta duplicata, ou seja, o senhor não tem problema de juros.

José Alencar: Graças a Deus.

José Antônio Severo: Em carteira, e as empresas estão levando essa inflação e ela vem vindo, porque justamente a indústria está conseguindo levantar o preço, pois diminui a produção. O senhor, como homem da indústria, como vê a sua categoria dentro desse processo tão interessante?

José Alencar: Você é de um jornal econômico, então naturalmente deve ser um craque em economia. A empresa, seja ela do setor primário, secundário, terciário ou da infra-estrutura, é uma fração da economia, pertence à comunidade por isso. É assim que pensam todos os países grandes. A empresa, mesmo que tenha um dono, é um bem da comunidade. E o empresário que se preza não vive da empresa, ele vive para a empresa, ele se realiza com o progresso dela. E o progresso dela é uma fração da economia, não existe outra coisa que represente a economia senão as empresas. Então, temos que aprender a respeitar as empresas, que significa respeitar a economia. Nós precisamos de uma economia próspera, forte e independente, para que se alcance os objetivos sociais. Só que, no Brasil, nós condenamos o lucro, é pecado, porque o país é da impunidade: se o sujeito faz falcatruas na vida pública, fica tudo por isso mesmo, então todo sujeito que ganhou dinheiro honestamente deve ser ladrão porque ele está rico, tanto que o camarada bate um murro na mesa e fala: "Eu sou pobre!", como se pobreza fosse sinônimo de honestidade... Isso tem que parar no Brasil, nos temos que mudar.

[sobreposição de vozes]

Josemar Gimenez de Resende: Pegando um pouco carona na pergunta do telespectador, sobre o senhor ser um peixe fora d’água no PT, eu gostaria de saber o seguinte: em um requerimento do deputado Léo Alcântara [deputado federal pelo Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB], era para falar na Câmara e o PT se mobilizou através do presidente da Câmara dos Deputados, Paulo Delgado, e o senhor foi impedido de falar. A minha pergunta é o seguinte, o senhor acha o PT radical demais ou não?

José Alencar: Essa história não é bem assim...

Josemar Gimenez de Resende: Não, o deputado fez um requerimento pedindo que o senhor fosse para falar de juros.

José Alencar: Eu sei, espere aí, o Paulo Delgado me ligou, dizendo o seguinte: "Alencar, fizeram aqui um requerimento para convocação do vice-presidente da República. De acordo com a Constituição, a Câmara não pode convocar, ela pode convidar, e um convite não se faz por votação, um convite se faz por vontade. Por enquanto, ainda não resolveram se vai ser por convite ou por convocação"...

Josemar Gimenez de Resende: Mas o senhor vai falar depois da reunião do Copom?

José Alencar: Tanto faz ser por convite como convocação, eu estarei presente porque não há nenhuma razão para que eu não vá. Isso é uma coisa estranha, houve um tempo que era proibido ser nacionalista no Brasil, ser nacionalista era ser comunista, mas hoje, falar de juros é crime? Um dos entraves para o desenvolvimento da economia são as taxas de juros cobradas pelo sistema bancário comercial, são um despropósito, um assalto. Se contamos isso a alguém de outro país civilizado, ele pensa que é mentira. Não é possível...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Como seu governo vai acabar com esse assalto?

José Alencar: Pois é, nos temos que começar.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Como?

José Alencar: Isso que eu faço é um trabalho até de catequese, é um trabalho de formação de uma cruzada, eu já falei.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas a catequese manda rezar três "Pai nosso" por dia, como sua catequese manda fazer?

José Alencar: É, temos que rezar também...Por exemplo, para enfrentar vocês aqui, eu rezei "Pai nosso", que eu não sou besta. [risos]

[sobreposição de vozes]

Paulo Markun: Calma, calma! Um de cada vez, por favor.

Mauro Chaves: Vice-presidente, eu queria fazer uma perguntinha. As pessoas concordam com o que o senhor disse, muita gente concorda. Mas existem opiniões, como  a do presidente do Senado José Sarney, que disse que o vice-presidente não deve estar falando por aí, não deve dizer coisas contrárias. Ele diz que o vice-presidente tem que se comportar, tem que ser sempre afinado com o presidente: "Se eu tivesse alguma dúvida, discordância, eu iria diretamente ao presidente e manifestaria meu ponto de vista". A grande dúvida é o seguinte: o senhor tem todas as idéias, mas se havia tanta afinidade, será que, em algum momento, ela se rompeu? De repente, esse namoro acabou, acabou o diálogo e o senhor teve que mandar recado por tabela...

José Alencar: Mauro, Mauro!

Merval Pereira: O senhor fala em público que é para o presidente ouvir?

Mauro Chaves: Parece que o senhor esta fazendo uma catequese por tabela. Chega na mídia e fala, que é para chegar ao governo. O senhor não tem condição de chegar ao governo, telefonar e dizer que não tem sentido fazer isso, dizer tudo que o senhor está dizendo para a gente agora?

José Alencar: Olha aqui, na política, tudo acontece se houver clima para que elas aconteçam. E o clima que está instalado no Brasil, político e social, aceita, por exemplo, porque o Brasil tem que representar esse risco. O Brasil é um dos maiores países do mundo, em recursos naturais e humanos, é competitivo na agricultura, na pecuária, na mineração, na agroindústria, na indústria de base, da transformação, no potencial turístico que possui. Para você ter idéia, um metro cúbico de madeira, custo no pátio de uma fabrica de celulose no Brasil, custa um terço do mesmo metro cúbico de madeira posto no pátio numa fábrica nos Estados Unidos, Canadá ou na Escandinávia. No entanto, eles têm o mercado mundial, e nós temos 1% deste mercado, porque, no Brasil, fazer investimento custa muito, nossas empresas não podem alavancar, porque elas não tem como pensar em grau de endividamento. Nesses países, eles podem fazer investimento com 80 ou 90% de grau de endividamento e isso eles tiram de letra, aqui não há como fazer isso. É por isso que nós temos que nos bater, para isso nós temos que formar uma opinião nacional. Eu falo com o Lula, sim. O Lula quer a mesma coisa, só que ele acha que tem o momento, um tempo para cada coisa, eu também acho que há um tempo para cada coisa. Sou empresário e me habituei a ter pavor de dívida. E o Brasil não precisa ser pobre, porque ele é rico. O Brasil são os antigos imigrantes portugueses, espanhóis, italianos, alemães, asiáticos, africanos, árabes, eles estão aqui e nós não temos problema religioso nem racial. Temos um clima social seguro, as instituições democráticas são consolidadas. Isso ficou provado agora com a vitória de um líder sindical. Uma vitória maravilhosa, tanto que o Lula indo ao exterior, ainda que não fale inglês, fez crescer o Brasil. O Brasil hoje é um país admirado, todos querem colaborar para que seja o país que merece ser. Então, há vontade de fazer isso, imediatamente, porque cada mês em que se paga uma taxa despropositada desta, o Brasil está se esvaindo. Para você ter uma idéia, 1% custa seiscentos a setecentos milhões de reais por mês. E quem paga são milhões de brasileiros.

Mauro Chaves: O senhor fez esse cálculo para o Lula?

José Alencar: Não, tem artigo meu publicado, para ele falo toda hora, todo mundo sabe, só que nos estamos encabrestados. Os técnicos falam que são armadilhas, que nós não podemos sair delas. Mas por que não podemos? A saída clássica é fazer com que o Brasil construa saldo elevado de balança comercial, porque terá superávit de transações correntes e acabou o constrangimento cambial. Nós não temos que ficar pagando juros caros, o Brasil cresce em sua respeitabilidade, o risco-Brasil cai a zero, e nossa taxa de juros vai ser compatível com as atividades produtivas. É o que nós precisamos.

Paulo Markun:  Nós vamos fazer mais um intervalo, a gente volta daqui instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, que esta noite entrevista o vice-presidente da República José Alencar. Vice-presidente, eu tenho impressão que a gente está discutindo uma questão que é aparentemente simples, mas na prática, é muito complicada. O que se discute, o que está em debate na mídia brasileira, neste momento, é um confronto entre dois pontos de vista. De um lado, há o ponto de vista de um setor importante no governo Lula, que é o que controla a política econômica, que diz "Temos que mudar, o barco tem que fazer um giro, mas não se pode dar um cavalo de pau num transatlântico,  temos que ir devagar" e por isso se mantém uma política econômica que foi desenhada no governo anterior. E, do outro lado - e aí o senhor e o representante mais ilustre e mais bem posicionado na estrutura governamental - as pessoas que acham que essa mudança tem que começar o mais depressa possível. O senhor disse aqui que não há conflito, não há confronto, agora eu queria entender o seguinte: como a caneta que define está na mão de quem tem o controle da política econômica - o ministro Palloci e sua equipe - salvo se o Lula pensar de maneira diferente, essa campanha que o senhor faz não tem justamente o objetivo de conquistar corações e mentes nessa história?

José Alencar: Não, vocês ainda não entenderam bem a saída, não é heterodoxa, diferente ou de rompimento unilateral, de calote ou de moratória, nada disso. Temos que dar condições para que a agricultura brasileira possa transportar sua produção em estradas. Agora, por exemplo, fui visitar um porto no rio Madeira, na cidade de Porto Velho, em Rondônia. Quando nós chagamos com o governador e um grupo grande de pessoas, chegaram três carretas de soja, de trinta toneladas cada uma, gigantescas e novas, e a situação dos veículos...Você tinha que ver como estavam, tinha barro que se não via! Fomos todos conversar com os motoristas: "Olha, nós dávamos três viagens por semana lá da região do Mato Grosso, onde é produzida essa soja, até aqui. Agora é só uma viagem por semana". Para você ter idéia o que representa isso, uma carreta daquela deve custar duzentos mil reais, então ele teria que fazer um investimento três vezes maior do que esse que ele fez em uma, ele precisava de três motoristas para fazer três vezes. Isso é um aproveitamento ridículo dos equipamentos que são utilizados no Brasil, tendo em vista o estado em que ficaram as estradas brasileiras. Então, agora o presidente Lula mandou dar prioridade absoluta não só para a recuperação das estradas, como para a conclusão das estradas iniciadas.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas com que dinheiro? Está tudo contingenciado.

José Alencar: Tem recurso para isso, pelo seguinte: o governo fez um superávit primário de 6,5% nesses primeiros cinco meses. O compromisso com o FMI [Fundo Monetário Internacional] é 4,25%, então tem recurso orçamentário para isso.

Fernando de Barros e Silva: Mas o dinheiro que há o governo não gastou.

José Alencar: Mas vai gastar.

Fernando de Barros e Silva: Do dinheiro para o investimento que foi autorizado, o governo gastou 1%.

José Alencar: Exatamente.

Fernando de Barros e Silva: Em alguns casos, foi zero, como saneamento e infra-estrutura.

Paulo Markun: Transporte, estrada...não liberaram dinheiro.

Fernando de Barros e Silva: A que o senhor atribui isso?

José Alencar: É o seguinte...Você pega, por exemplo...No ano passado, eles gastaram 0,01% do orçamento no Ministério dos Transportes, o que é um absurdo. Da mesma forma, tivemos o problema do apagão [crise no setor de energia elétrica que afetou o fornecimento e distribuição no país nos anos de 2001 e 2002], porque não se fez investimentos em infra-estrutura em tempo.

[sobreposição de vozes]

José Alencar: Não, mas temos uma nova agenda de desenvolvimento, que vocês já devem ter tomado conhecimento...Vocês são da imprensa!

Carlos Eduardo Lins e Silva: Vice-presidente, vice-presidente!

José Alencar: Então não existe esse negócio de não pode falar, nós todos podemos falar e precisamos falar.

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor disse aqui...

José Alencar: Nós temos que construir uma cultura de defesa nacional.

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor disse aqui que é uma questão de tempo só, que o senhor, como empresário, quer que os juros baixem mais depressa que a equipe econômica, que acha pode demorar um pouco mais. Uma pergunta curta, uma resposta curta: quanto tempo mais o país pode esperar, sem que haja uma redução substantiva de juros?

José Alencar: Veja bem, eu acho que isso aí é um processo...isso não vai acontecer...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Quantos meses, quantos meses?

José Alencar: Isso não vai acontecer em uma tacada bruta, ninguém vai fazer nada errado.

[sobreposição de vozes]

Carlos Eduardo Lins e Silva: Quantos meses o país pode esperar, na sua opinião, para cair dois pontos percentuais?

José Alencar: Isso ai é uma decisão técnica, eu não sou técnico. Estou trabalhando para construir uma mentalidade de defesa dos interesses nacionais e de consciência de que o país não pode pagar esses juros, porque ele está se esvaindo desses juros. Agora, eu acho que a saída é clássica, como já falei, trabalhar com a taxa básica, igual à taxa americana.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Quanto tempo o senhor espera que os juros caiam?

José Alencar: Não, eu sou paciente, eu espero o tanto que for possível, mas vou continuar brigando.

Josemar Gimenez de Resende: Agora, vice-presidente, quantos pontos percentuais a taxa de juros cai na quarta-feira?

José Alencar: Não, veja bem, você pega o Brasil e mais 19 países, então você tem um grupo de vinte países. Vamos ver qual é a taxa real, taxa de mercado real, por exemplo, para crédito ao consumidor, para crédito à pessoa jurídica, para desconto de duplicata. É um absurdo o que está acontecendo com Brasil! Você pega, por exemplo, uma dona de casa, que não sabe nada sobre juros, e é levada a pagar taxa de 8 % ao mês, isso significa 150% ao ano. Isso não pode, nós temos que denunciar isso.

[sobreposição de vozes]

Josemar Gimenez de Resende: O compulsório [depósito compulsório - quantia em dinheiro que os bancos são obrigados a depositar no Banco Central, como forma de política monetária], o senhor acha que ele vai voltar ao nível de 40%, como em fevereiro?

José Alencar: Veja bem, isso é uma outra medida que vai ser tomada. No momento de tomar as medidas, é claro que eu posso até participar, se eu for chamado, mas há muitas pessoas que são habilitadas para isso, do ponto de vista técnico. O que eu quero construir é uma vontade política, é a sociedade como um todo que vai formar condições, que vai criar condições para que o Brasil alcance outro patamar no campo negocial. O Brasil é rico de recursos naturais e humanos, nossas instituições democráticas são absolutamente consolidadas, do ponto de vista econômico, a economia real brasileira é fortíssima, fortíssima.

José Antônio Severo: O risco é a inflação, não é?

José Alencar: O risco-Brasil é a taxa quem paga, se um freguês paga uma taxa dessa, é natural que o credor aceite até a idéia de que amanhã ele não pode agüentar mais pagar...

José Antônio Severo: Mas isso está tudo sendo feito para segurar a inflação, não é?

José Alencar: Pois bem, então os objetivos...Por exemplo, do Banco Central, não é apenas o controle da inflação. Eu me lembro direitinho dos quatro objetivos do Federal Reserve System [FED, que corresponde a um banco central nos Estados Unidos. Ele regulamenta as instituições financeiras, administra o dinheiro da nação e influencia a economia mundial] que são...O FED tem, no comitê de política, correspondente ao nosso Copom aqui, o nosso Conselho Monetário, representantes regionais e setoriais, de várias regiões do país e de vários segmentos da produção, da indústria, do comércio. Além disso, seus membros da diretoria são representantes de escolas diferentes, porque lá cada escola enfatiza uma determinada linha, justamente para representar os Estados Unidos. Outra coisa: eles têm como objetivo meios de pagamento agregados, financeiros e de crédito, compatíveis com o potencial de crescimento econômico, gerando o máximo de empregos.

[sobreposição de vozes]

Merval Pereira: Não, pois é, o senhor está aprofundando sua crítica ao Banco Central.

José Alencar: Eu estou dizendo que não é apenas...

José Antonio Severo: [Os objetivos] têm que ser mais amplos?

José Alencar: Não, eles são! Não é apenas inflação, porque se fosse assim, você poderia pagar qualquer preço.

José Antônio Severo: Mas o problema de os juros estarem assim é por causa da inflação.

José Alencar: É a mesma coisa...Por exemplo, você precisa vender assinaturas do seu jornal para dez milhões. Cada assinatura custa um real, mas você não tem combustível. Você tem que fazer as melhores escolhas! Quer dizer, então não pode, o sujeito está errado...

Mauro Chaves: O senhor foi chamado para ter uma reunião com a equipe econômica do governo para desenvolver esse tipo de raciocínio?

José Alencar: Veja bem, eu já falei o que eu penso sobre isso. Isso não sou eu que falo, são os profissionais de economia, eles falam que a taxa de juros elevada inibe o consumo e os investimentos, então um instrumento de combate à inflação, através da inibição dos investimentos, é o achatamento do consumo. O Brasil é, historicamente, um país de sub-consumo, você não pode achatar o consumo de quem não consome...

Mauro Chaves: Mas é tudo relativo, vice-presidente.

José Alencar: Tudo bem, mas então, ao achatar um consumo daqueles poucos que consomem, matamos os outros, que ficam todos desempregados. Nós temos que compatibilizar as coisa, se fosse fácil, qualquer um resolvia.

Josemar Gimenez de Resende: O senhor, numa palestra, falou que o país está à beira da recessão...

José Alencar: [interrompendo] Não, espere aí! Não falei isso, não. Isso foi dito, em alto e bom som, por praticamente todos que fizeram a intervenção. O que eu falei é que no primeiro trimestre, houve uma queda de 0,1% e que, no segundo trimestre, os economistas acham que vai ser maior. Foi o que falei.

Josemar Gimenez de Resende: O senhor acha que os empresários estão esperando a reforma da previdência e a reforma tributária para poderem investir?

José Alencar: As duas reformas são importantíssimas, por razões óbvias. Há estados do Brasil, que você mesmo conhece, em que da receita líquida, 75% vai para folha de pagamento. Desses 75%, 41% é para inativos. Então, veja bem, a reforma da Previdência não é ideal e nem é vontade do presidente Lula, é exigência do Brasil. Isso não é nem Previdência, é uma imprevidência social!

Paulo Markun:  E ainda assim dá a impressão de que os setores que são contra a reforma da Previdência, corporações, magistrados, parte do funcionalismo, estão muito mais ativos e atuantes do que supostamente a grande maioria, que deve ser a favor da reforma. O senhor não acha?

José Alencar: Não, tudo bem, mas acontece que a reforma é posta como assinatura dos 27 governadores, eles todos estão precisando dessa reforma.

Paulo Markun: O senhor acha que eles estão se empenhando?

José Alencar: Ah, eles devem estar se empenhando, porque todos os estados precisam dela, da mesma forma que o Brasil precisa da reforma tributária, ainda que nenhuma delas seja o ideal. E outra, o Congresso Nacional é absolutamente independente e soberano, tem todas as condições para aperfeiçoar ambas as propostas que foram colocadas. Isso vai acontecer, certamente.

Fernando de Barros e Silva: Ouvindo o senhor falar, o senhor explica muito bem, pausadamente, mas o senhor parece o Lula no seguinte aspecto: o discurso vai para um lado e a realidade vai para outro, porque o governo parece que está totalmente descolado da realidade. Isso vale para a área social, por exemplo: há um enorme discurso e a gente sabe que o Fome Zero [programa de segurança alimentar do governo Lula] ainda não saiu do papel, há uma briga entre os Ministérios na área social, a política econômica é recessiva e vocês não param de falar em crescimento. Enfim, vocês já estão com seis meses de governo, esse é o fato! A herança maldita do Fernando Henrique uma hora vai acabar, vai deixar de colar na opinião pública, então eu estou apertando o senhor propositalmente: a retórica não está um pouco descolada da realidade?

José Alencar: Fernando, durante esse período, nós domamos a inflação, reduzimos o risco-Brasil, recuperamos as linhas de crédito no exterior, valorizamos o real, obtivemos, no campo político, duas vitórias consagradoras para o ministro da Casa Civil - na Câmara e no Senado - construindo uma base de sustentação, para realizar as reformas de que o país precisa. Por exemplo, a unificação dos benefícios sociais: esse mês, vamos lançar o Primeiro Emprego [Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego, voltada para jovens entre 16 e 24 anos. Foi criado pela Lei 10.748/2003] pelo Ministério do Trabalho. Está tudo começando, vocês vão ver o resultado disso.

Carlos Eduardo Lins e Silva: O projeto de um grupo de senadores, seus ex-colegas, sugere a mudança da Constituição para eliminar o cargo de vice-presidente. Se o senhor fosse senador, estaria entre eles?

Josemar Gimenez de Resende: O projeto é do senador Jefferson Peres [(1932-2008) político brasileiro, ocupou cargo de senador, pelo PDT, desde 1995].

José Alencar: Olha, eu tenho o maior respeito pelo senador Jefferson Peres. Ele mesmo disse, no dia em que dei entrevista, que estava fazendo aquilo, mas que não era em relação a mim.

Josemar Gimenez de Resende: Mas a frase dele foi forte.

José Alencar: Ah, a tese de que não precisa de vice, não é?

Fernando de Barros e Silva: O senhor acha o quê?

José Alencar: Se eu fosse ficar no conforto da civilização, tranqüilo, talvez não precisasse, mas com esse esforço que eu estou fazendo, eu acredito que vale a pena. Agora, vocês têm que se lembrar o seguinte: abri mão de quatro anos no Senado da República, para o qual eu fui eleito em 1998, com a maior votação até então existente para o Senado no meu estado, e estava fazendo um trabalho, graças a Deus, de que me orgulho, mesmo com minhas limitações...

Mauro Chaves: O senhor espera ser vice por oito anos?

José Alencar: Eu?

Mauro Chaves: É.

José Alencar: Não, meu mandato é de quatro anos, no Senado é que eram oito.

Fernando de Barros e Silva: Mas o senhor tem mais quatro anos pela frente?

José Alencar: Não, isso é outra coisa.

Fernando de Barros e Silva: Reeleição.

José Alencar: Nós nem sabemos se estamos aí daqui a quatro anos, nós nem sabemos.

José Antônio Severo: O senhor vai ser candidato à reeleição o ano que vem?

José Alencar: Não, eu não sei, nem sei se estou aí, tenho 71 anos de idade...

[sobreposição de vozes]

José Alencar: Eu não quero mais nada...Tenho 71 [anos], terminando o meu mandato agora, o máximo que eu posso querer na vida é disputar umas três ou quatro eleições!

[risos]

Mauro Chaves: Mas o senhor se sente parte desse governo, que tem uma política econômica com a qual não concorda?

José Alencar: Eu me sinto parte.

Mauro Chaves: O senhor não é chamado para opinar sobre ela. O senhor se sente parte desse governo?

José Alencar: Mauro, eu me sinto parte integrante do governo, porque com muita honra, participo das reuniões mais importantes. Essa reunião entre presidente, vice e ministros acontece duas ou três vezes por semana.

Mauro Chaves: O senhor participa de todas elas?

José Alencar: Todas elas. Sou membro permanente dessa reunião. Além disso, o presidente quis me entregar uma tarefa de planejamento estratégico, mas havia uma preocupação minha, porque isso é uma tarefa do Ministério do Planejamento, mas o presidente não abriu mão. Agora, por exemplo, foi publicado um decreto pedindo para que eu entre e assuma a coordenação de uma equipe da qual fazem parte o ministro da Casa Civil, o ministro da Fazenda e outros, para levar água para o semi-árido.

Merval Pereira: O senhor vai ser candidato a governador de Minas?

José Alencar: Veja, acho que já era em 2000, eu era senador. Fizemos um jantar em Minas com a presença do Lula, e todo mundo achava que eu era candidato a governador...

Merval Pereira: Mas ainda tem vontade de ser candidato?

José Alencar: O Lula falou: "Você quer ser candidato a governador? O PT te dá apoio". Eu era do PMDB e, depois da conversa, eu não falei nada. Mas, alguém disse que haveria dificuldade de legenda, porque havia dois candidatos em Minas Gerais, que eram Milton Cardoso e Itamar Franco. Provavelmente, o partido não me daria a legenda e eu precisaria disputar a legenda em convenção. Em 1994, já tinha passado por isso e ganhado, mas aprendi que o partido ficou dividido e não valeu nada.

Paulo Markun: Eu queria fazer uma última pergunta, a resposta tem que ser rápida, porque o nosso tempo está realmente no final. O senhor está gostando do cargo de vice-presidente?

José Alencar: Olha, em toda a minha vida, sempre gostei muito do que faço, procuro trabalhar satisfeito comigo. Não me preocupo muito de ser mal compreendido, porque a vida é assim mesmo. Sou um democrata, por índole e respeito as pessoas, e procuro cumprir com o meu dever. De uma família de 15 filhos, sou o décimo primeiro. Saí de casa aos 14 anos para trabalhar na cidade como empregado, me despedi do meu pai, que me disse: "Meu filho, eu tenho que te fazer uma recomendação: o importante na vida é poder voltar". Então, eu estou fazendo um trabalho que me permita voltar para minha casa, minha família, minha cidade, meu estado, meu país, mas de cabeça erguida, consciente de que fiz tudo para cumprir o meu dever, dentro daquilo que eu penso que é bom. É a única coisa que me move, eu não tenho nenhuma outra necessidade na vida, se não essa necessidade não material, de fazer uma grande realização, que me agrade e que eu tenho certeza que vai agradar aos brasileiros.

Paulo Markun: Vice-presidente, eu tenho certeza que, quando o senhor voltar, vai ser um pouco essa confusão que é o Roda Viva, mas sempre com o intuito de tentar esclarecer e conhecer melhor as figuras públicas importantes neste país e que têm nas mãos o poder de transformar o Brasil, como a sociedade pretende e espera. Obrigado pela sua entrevista, aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. Nós voltamos segunda-feira que vem, com mais um Roda Viva.

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