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Memória Roda Viva

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Especial Eleições Municipais

4/9/2000

A Lei Eleitoral, o voto obrigatório, a segurança da urna eletrônica e quais as considerações que se deve fazer para escolha do melhor candidato, são algumas das questões abordadas nesta roda

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. A cada dois anos temos um encontro marcado com nosso futuro. Dito assim, pode parecer até meio pomposo, mas o que são as eleições se não esse encontro marcado? Elas mexem com nossos princípios, nossas crenças e igualam todos os brasileiros na hora de exercer o direito de escolher quem nos governa, embora isso se resuma a um simples ato de apertar alguns botões numa máquina. E, na véspera de mais um desses momentos, nós colocamos a própria urna eletrônica no centro do Roda Viva, até porque a atual Lei Eleitoral [Lei 9.504 de 1997, qu regulamentou o direito à reeleição no plano federal, estadual e municipal, estabelecendo uma série de restrições para os agentes públicos], sob o pretexto de direito democrático dos candidatos e a igualdade de espaço, simplesmente impede, na prática, que as emissoras de rádio e televisão realizem debates realmente eficientes e de interesse entre os candidatos.

[Comentarista]: As eleições municipais de primeiro de outubro, últimas do século XX, serão as primeiras em que os prefeitos poderão disputar a reeleição. E, também, pela primeira vez, a votação será eletrônica em todo o país. Se tudo der certo, a cédula de papel e a urna tradicional se tornarão peças de museu já no início do século XXI no Brasil. A urna eletrônica permite uma apuração rápida dos votos. Em São Paulo, os vencedores serão conhecidos já na madrugada do dia 2, poucas horas depois do término da votação. E, no máximo 48 horas após o pleito, a apuração estará concluída em todo o país. O Brasil tem hoje 109,5 milhões de eleitores, segundo o TSE [Tribunal Superior Eleitoral], mas um milhão não poderão votar porque moram em Brasília,  onde não há eleições municipais, ou então no exterior, onde o voto só é possível nas eleições para presidente da República. As mulheres são maioria no eleitorado, são 1,284 milhão a mais do que os homens. Em São Paulo, uma pesquisa do Datafolha revelou um sentimento importante do eleitor neste momento: 95% dos entrevistados disseram que não pretendem votar em candidatos que se envolveram em casos de corrupção e 88% julgaram que a honestidade é a principal característica que deve orientar a escolha do candidato. A Justiça Eleitoral tem prontas 354 mil máquinas de votar para distribuição em todo o país. E não temem filas, porque haverá escolha de somente dois cargos: prefeito e vereador. Mas a votação eletrônica parece bem resolvida, apesar de polêmicas que ainda rondam a segurança do voto. A campanha eletrônica ainda gera muitos problemas. A legislação eleitoral não consegue distinguir o que é campanha e o que é cobertura jornalística. Discrimina principalmente as emissoras de rádio e TV, prejudicando a camada mais pobre da população. A lei garante a jornais e revistas a liberdade de informar seus leitores, mas restringe o trabalho jornalístico das emissoras. Como conseqüência, as pessoas que lêem jornais e revistas acabam tendo acesso a informações que não circulam para ouvintes de rádio e televisão. Isso cria problemas sérios de cidadania. Por exemplo, uma pessoa analfabeta tem o direito de votar assegurado pela Constituição, mas não pode exercê-lo de forma plena se lhe faltar informações.

Paulo Markun: Para participar deste programa especial sobre as eleições, convidamos o cientista político Gildo Marçal Brandão, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo [USP]; o jornalista Kennedy Alencar, repórter especial do jornal Folha de S.Paulo; a advogada Stella Bruna Santo, especialista em direito eleitoral; o cientista político Carlos Novaes, da TV Cultura; o sociólogo Mauro Francisco Paulino, diretor do Datafolha; o juiz eleitoral Décio de Moura Notarangeli da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo; o engenheiro José Luiz Portella, consultor e analista político. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e Brasília. Se você quiser participar do programa, pode usar nosso telefone  (11)252-6525  ou o fax (11)3874-3454. O endereço do programa na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Bom, eu queria começar colocando em debate exatamente o estado de ânimo do eleitor. Ele me parece extremamente discreto, quer dizer, as pessoas não parecem muito interessadas nessas eleições municipais. A gente não nota o clima de campanha nas grandes cidades brasileiras  como em outras ocasiões. Isso tem a ver com a atual legislação eleitoral ou com o fato de que simplesmente eleição virou rotina? Eu abro a palavra para quem quiser se aventurar e começar esse bate-bola.

[silêncio no estúdio]

Paulo Markun: Silêncio sepucral!

[risos]

Stella Bruna Santo: Eu posso começar a falar?

Paulo Markun: Sim.

Stella Bruna Santo: É sobre essa questão que foi colocada anteriormente na reportagem: televisão, rádio, imprensa escrita do país. Só queria lembrar que, em termos de legislação eleitoral,  questão das proibições das emissoras, elas existem não por conta dessa Lei Eleitoral de 1997, mas o que o legislador pretendeu proibir foi que as emissoras, para evitar abuso, não fizessem campanha para determinado candidato ou partido. Essa questão já existe e hoje ela se recoloca. O legislador, se elaborou esse dispositivo, foi por conta de uma situação fática. Na verdade, existiram vários abusos. Emissoras e rádios, que são controladas pelo poder local, faziam propagandas para determinado candidato na eleição municipal e isso se sente menos na eleição estadual ou presidencial. Então, não é uma questão nova...Hoje se coloca uma discussão se as emissoras estão proibidas de opinar ou proibidas de noticiar. Elas não estão proibidas de noticiar.

Paulo Markun:  Desculpe, mas para você colocar opinião de um candidato, você tem que botar todos.

Stella Bruna Santo: Não é que ela [a Lei] exige que se coloque opinião de todos os candidatos, o que ela quer proibir é um tratamento privilegiado.

Paulo Markun: Mas, na medida em que ela ameaça com a punição de tirar televisão do ar, a emissora que colocar...Vamos [exemplificar com] a questão de São Paulo: a emissora entrevista a candidata Marta Suplicy [política e psicóloga, candidata pelo PT - Partido dos Trabalhadores - à prefeitura de São Paulo em 2000] , que é líder das pesquisas, sobre o saneamento básico. Aí vem um candidato que tem 0,3 nas pesquisas e diz: “Quero ter o mesmo direito que ela". Como a TV não  deu, descumpriu a lei, tira-se a TV do ar.

Kennedy Alencar: Na própria legislação eleitoral, você vê, nem a Lei trata os candidatos de uma maneira igual. Ela divide quem tem mais tempo de televisão. Então, você pede que a imprensa trate os desiguais de uma maneira igual, coisa que nem a Lei está fazendo. Os debates eleitorais estão todos amarrados por conta disso, você tem candidatos completamente inexpressivos, que não têm nada a dizer, que estão ali, e tinha que ter um critério jornalístico para se entrevistar quem de fato merece dar opinião, porque tem que ter representatividade.

Paulo Markun: O que não desmerece o que a Stella estava falando. O uso da televisão em cidades menores, onde você tem o poder econômico muito maior, é verdade que acontecia isso...Mas eu acho que a coisa é mais ou menos como aquela velha piada de tirar o sofá da sala para evitar o adultério, entendeu?

Stella Bruna Santo: Mas há uma certa confusão em relação aos debates que as emissoras podem propor - aliás, seria um local interessante  para se trazer o debate de idéias entre os candidatos - e a questão dos noticiários jornalísticos, da liberdade realmente de imprensa. Eu posso dar um exemplo significativo de uma rádio de São Paulo que vinha fazendo insistentemente comentários políticos a respeito de uma determinada candidatura. Eu era ouvinte da rádio, cheguei até a mandar um fax para a emissora, de tão indignada que eu fiquei. Era aquela coisa: a emissora se presta a fazer até um editorial antes do horário eleitoral gratuito, dizendo o seguinte para o eleitor: “Você não é obrigado a ouvir e pode desligar. Volte daqui a quarenta minutos, meia hora”. E agora, quando a Lei emite a opinião, ela não faz esse mesmo editorial. Quer dizer, eu sou obrigada, ou na televisão ou no rádio, a ouvir a opinião da emissora, porque ela está querendo beneficiar alguma candidatura. A gente tem que considerar que a mídia não é neutra, os veículos de comunicação não são neutros. Então, na verdade, a Justiça Eleitoral pode e deve interferir quando acontecem os abusos.

Kennedy Alencar: Acho que você tem razão. Onde você vê que claramente se avançou sinal, deve haver uma punição. Mas, do jeito que está hoje, você está jogando uma espécie de censura em cima de todo mundo, que fica com o "pé atrás", com medo  de que venha uma decisão que contrarie. Por exemplo, sobre o direito de resposta,  tivemos um seminário no jornal com advogados dizendo: “Olha, vocês, jornalistas, estão no período de exceção. Esse período eleitoral não é normal". Ou seja, você está numa democracia, a eleição, em tese, é o momento em que você vai ter a plenitude dessa democracia, e é um período de exceção. Então, qualquer crítica que você, no período normal, pudesse fazer ao candidato A ou B, agora está passível de direito de resposta imediato. Você tem um candidato que diz, por exemplo, que vai propor prisão perpétua, e ele não pode fazer isso, não é atribuição dele. Em um artigo, você critica. Ele entra com pedido de direito de resposta e consegue na hora!

Décio de Moura Notarangeli: Gostaria de focalizar, em primeiro lugar, a questão do desinteresse que eu atribuo a três fatores que foram mencionados aqui. Em primeiro lugar, a questão do caráter histórico de que o eleitor, normalmente, acaba se decidindo pelo seu candidato nos últimos dias que antecedem a eleição. Em segundo lugar, o caráter periódico com que as  eleições vêm se apresentando a cada dois anos também contribuiu para diminuir aquele impacto de novidade que havia em torno da idéia.  Sobre a questão da imprensa, a Lei 9.504/97, na minha opinião, está longe de ser um modelo ideal do que desejaríamos para regular a atividade de imprensa no processo eleitoral. Mas, é um modelo possível que precisa ser aprimorado, eu acredito. Ela tem pontos bons, pontos que são falhos e precisam ser aprimorados. A questão da censura referida aqui...Censura, juridicamente, é considerada aquele exame prévio de conteúdo do que vai ser divulgado para saber se está ou não de acordo com a idéia de que quem vai divulgar. Não acredito que alguém diga que a Justiça Eleitoral faça exame prévio de qualquer coisa. E mais, direito de resposta foi concedido só aqui em São Paulo na campanha até agora, conta-se nos dedos das mãos. Porque, na verdade, nós temos a consciência da necessidade de permitir que os candidatos não cerceiem a fala dos outros, que eles respondam. O horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão se destina a esse confronto de idéias. É para responder, e não calar o adversário.

Paulo Markun: [referindo-se ao Décio] O senhor é da bancada, está de um lado definido do balcão, e nós estamos mais ou menos no meio da história. Eu queria entender qual é o espírito que faz com que a Lei trate candidatos desiguais que têm tempos diferentes no horário gratuito da televisão, de maneira igual, quando se trata por exemplo de um debate ou de entrevistas na televisão.

Décio de Moura Notarangeli: A Lei Eleitoral estabelece um critério para debates que é diferente do critério para propaganda no rádio, na televisão ou no programa gratuito. Ela disciplina, não foi a Justiça Eleitoral que editou a lei.

Paulo Markun: O senhor sabe qual é o espírito que inspirou quem fez isso?

Décio de Moura Notarangeli: No programa eleitoral gratuito, foi feito em função do prestígio que a bancada, que o partido político tem no início.

Paulo Markun: Claro.

Gildo Marçal Brandão: Esse critério não seria mais adequado que o atual?

Décio de Moura Notarangeli: Sim.

Gildo Marçal Brandão: Eu também concordo que se for pela média das pesquisas, como uma parte da imprensa quer, também é uma coisa complicada, porque a pesquisa está mudando o tempo todo o resultado. Agora, já que o horário eleitoral e toda a campanha é feita em cima da representatividade dos partidos, não seria um critério minimamente razoável para os debates?

Décio de Moura Notarangeli: Acho razoável, só que infelizmente nós temos que trabalhar com a lei existente, que não considerou este fator. É por isso que eu acho que ela tem que ser aprimorada em alguns aspectos.

Gildo Marçal Brandão: Então, nossa discussão é sobre a qualidade de legislação e da democracia que estamos construindo. Por exemplo, por que eleição tem que ser só no horário eleitoral? Por que campanha tem que ser só no horário eleitoral gratuito e não abertamente?

Décio de Moura Notarangeli: Eu posso me atrever a responder pelo seguinte: a imprensa adquiriu, nos últimos anos, um poder muito forte. E o peso da imprensa, para onde pender, pode destruir uma candidatura ou construir uma outra. A preocupação do legitimador, quando estabeleceu esse controle, foi em função da isonomia, do equilíbrio que preside a disputa, que é constitucional.

Carlos Novaes: Mas não há uma imprensa para onde ela possa tender, quer  dizer,  esse princípio me parece complicado, porque não existe uma imprensa, existem imprensas! A imprensa é um movimento, não existe um centro que a organiza. A idéia de que ela é um poder como os outros só serve como metáfora, porque, na verdade, a imprensa compete, tem interesses diferentes. Claro que ela não é neutra, mas a não neutralidade dela aparece também suavizada pelo fato de que ela compete, são vários tipos de imprensas diferentes. A idéia de que você precisa proteger a sociedade da imprensa é complicada, principalmente quando você leva em conta que o critério da isonomia, nesse caso, é estranho. Por quê? Porque não dá para tratar com isonomia os significados diferentes. A insignificância de um candidato de partido inexistente foi socialmente construída. Ele não pode pretender um tratamento igual a um outro candidato de um partido forte por uma razão simples: eu também tenho que poder emitir o meu discurso para, um dia, ser maioria. E isso é relativamente verdade, porque a pequenez dele é socialmente construída, no tempo. Para deixar de ser pequeno, ele tem que trabalhar muito, não pode pretender a mesma ribalta que um partido grande. É claro que não pode ficar confinado no silêncio, mas a idéia de que ele tem que ter o mesmo tempo é errada, porque eles têm pesos sociais diferentes, representam ações coletivas de tamanhos muito diferentes.

Décio de Moura Notarangeli: Eu vou um pouco mais longe, só para completar. Concordo com o que foi colocado. O que eu acho é que é preciso que haja - e aí vou adicionar um componente para deixar a coisa um pouco mais ajeitada - é a instituição de cláusula de barreira [sistema que exige de um partido um número mínimo de 5% do total de votos para a Câmara dos Deputados, a fim de que o partido tenha funcionamento parlamentar em qualquer setor legislativo], porque não é possível que a gente tenha liberdade para fazer uma campanha com ampla discussão, como é do desejo da sociedade, com um espectro partidário enorme como o que nós temos atualmente. Em São Paulo, há 16 candidatos a prefeito e quarenta partidos políticos disputando a Câmara Municipal.

Carlos Novaes: Mas aí a solução fica sendo conter a sociedade de novo, porque isso é impedir que as forças se representem. Não importa que haja 16 [candidatos], o problema é nosso, daqueles que estão preocupados em coordenar o processo, de acharem fórmulas que permitam coordenar o processo, mantendo os que aparecerem. A cláusula de barreira também vai impedir a  manifestação da sociedade. O que nós não podemos é dar aos 16 o mesmo tempo, o mesmo tratamento. Nós temos que ter coragem de dizer: “Você é desigual, vai falar menos. Mas, vai poder falar”.

José Luiz Portella: Eu acho que todos estamos de acordo com a idéia de que organizar os debates da maneira como estão sendo organizados atualmente é muito ruim. Eles não vão a favor do processo democrático. Na verdade, a gente sabe que determinados candidatos não têm a mesma representatividade de outros. Acho que estamos discutindo duas coisas: a legislação conter certos privilégios, que acho que também todo mundo está a favor, mas que, nos debates, isso seja diferente. Gostaria de levantar uma questão nova nesse ponto. O curioso disso é que os maiores prejudicados são aqueles candidatos dos partidos mais fortes que, normalmente, estão na frente na pesquisa, dos partidos que têm maior representatividade no Congresso [Nacional], e se você somar os quatro, cinco candidatos que estão liderando as pesquisas, eles têm quase que 90% dos votos no Congresso. Por que eles não modificam a lei? Eles são sempre prejudicados, têm essa prerrogativa de legislar...É bom que nós comecemos a "dar nome aos bois", porque há muito tempo os deputados reclamam disso, os parlamentares que concorrem nas eleições, e depois passam as eleições e eles  vão lá no Congresso: "Vamos disciplinar isso direito, vamos disciplinar de uma maneira a favor da população e tal". Então, parece que muitos têm interesse que não seja assim. Tem gente que foge de debates, usa isso como estratégia. Quer dizer, eles ajudam a embolar essa situação. Então, é bom dizer que o Congresso tem a prerrogativa de mudar isso e não muda.

Stella Bruna Santo: Eu queria voltar um pouco na discussão. O Congresso discutiu essa questão da seguinte maneira: existiam abusos, e a gente tem que lembrar, por exemplo, que o Collor, em 1989, apareceu sozinho na televisão, na véspera da eleição. Houve uma série de manipulações nessas eleições históricas, inclusive no debate na Rede Globo [eleições presidenciais de 1989]. Quer dizer, aconteceram abusos durante vários pleitos, e os congressistas chegaram à conclusão de que seria preciso coibir esses abusos. Agora, o que eu vejo hoje, é que eu acho que as emissoras se sentem intimidadas ou querem fazer uma discussão falsa, porque na verdade elas não estão impedidas de noticiar, e nem de levar a  discussão da eleição na televisão.

José Luiz Portella: Não,  ela está impedida de fazer um debate...

Stella Bruna Santo:  Não, debate é outra questão...O debate é outra coisa!

[sobreposição de vozes]

Paulo Markun: Não podemos trazer no Roda Viva...Vamos ser simples: se nós quisermos trazer no Roda Viva os quatro, cinco, sete candidatos mais votados em séries de entrevistas, não pode. Tem que trazer os 16!

Stella Bruna Santo: Vamos fazer uma discussão separada. A questão de debates é um dispositivo específico. 

Décio de Moura Notarangeli: Não é debate, estamos falando de entrevistas.

Stella Bruna Santo: Outra coisa é debater as eleições, inclusive trazendo a discussão dos candidatos.

Paulo Markun: Mas como?

Stella Bruna Santo: Eu quero colocar o seguinte: a questão da igualdade é importante, porque eu lembro que na campanha do Lula em 1998 [eleições em que Lula disputou a Presidência com Fernando Henrique Cardoso, que conseguiu reeleger-se], houve uma questão que ele, inclusive, chegou a levar à Justiça Eleitoral, que era a forma como a mídia estava tratando as duas candidaturas. Existia o governo, um presidente que não se afastou do cargo, e a mídia inteira era um uníssono em não falar sobre a campanha presidencial ou omitir determinadas questões sérias.

Carlos Novaes: Mas o PT cresceu sendo tratado como desigual quando era pequenininho. Ele cresceu dessa forma...

Stella Bruna Santo: Mas eu só queria complementar...

Carlos Novaes: ...porque a força de um partido político é construída socialmente. A idéia de igualdade...não tem nada o que fazer aqui. O que você tem que garantir é o patamar mínimo para que as vozes apareçam, agora, tratar como igual é dizer o contrário do que a sociedade está  dizendo. A sociedade diz: “Não são iguais”.

Paulo Markun: Só vamos esclarecer uma coisa: a TV Cultura, TV Bandeirantes, com a primeira tentativa de fazer debate, deu com os burros n’água exatamente por essa questão. Decidiu-se ou se propôs, e foi aceito no primeiro momento, que iam dividir os candidatos em dois grupos, de acordo com as pesquisas. Todos os candidatos participariam de duas edições do debate. Houve uma ou duas representações...

Stella Bruna Santo:  Isso é debate, é o que eu estou querendo discutir.

Paulo Markun: Só queria que você me apontasse um telejornal ou um programa de rádio, jornalismo, reportagens que apresente reportagens tendo opinião, ponto de vista dos candidatos.

[...]: Não tem.

Paulo Markun: Não tem, é impossível.

Stella Bruna Santo: Mas já tivemos...Existem condições da imprensa fazer isso.

Paulo Markun: Mas não tem, não existe. Isso existe na Folha de S.Paulo, Estadão, porque a imprensa escrita é livre no Brasil. A imprensa televisiva, hoje, tem essa restrição legal: “Não se pode dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação”. Isso aí, ao pé da letra, é muito bacana. Na vida real, isso significa “que ninguém pode entrevistar nenhum candidato, salvo se entrevistar, por exemplo, na cidade de São Paulo, os 16 candidatos”. E qual é a matéria jornalística que vai sobreviver no ar com 16 depoimentos de candidatos?

José Luiz Portella: Agora, para que nós avancemos, o importante é como mudar isso. A Justiça Eleitoral poderia ter um entendimento um pouco mais flexível para ajudar no debate, mas tem que aplicar a legislação que está em vigor. Agora, temos que cobrar de quem  deve mudar esse quadro, que o faça, porque aí vamos chegar na próxima eleição de governador etc, e as pessoas vão reclamar que existirão 22 candidatos. E mais, quando você se preocupa com isso, é importante também se preocupar com essa brecha da legislação de querer ser isonômica e tal, pois candidatos por partidos inexpressivos, às vezes, fazem campanhas para atacar outra candidaturas. São candidaturas de aluguel, estão a serviço de outros candidatos. E a lei acaba não focando, não observando isso. Então, temos que ter cuidado com essa coisa dos privilégios. O candidato de um partido pequeno não é igual a um candidato de um partido grande.

Mauro Francisco Paulino: Isso acaba contribuindo para aumentar o desinteresse pela eleição. Hoje eu tenho um dado aqui: um terço da população tem pouco ou nenhum interesse pela eleição municipal. E outros 29% têm interesse médio, enfim...

Gildo Marçal Brandão: Olha, tenho a impressão que isso novamente coloca em questão a qualidade da democracia que nós estamos construindo, quer dizer, não é uma questão que se resolve só com legislação. Porque o plano é o seguinte: há todo um esforço que começa dos políticos, desde o início da democratização brasileira, no sentido de esfriar eleição. O esforço da legislação, e muitas vezes dos tribunais eleitorais, é no sentido de fazer com que eleição seja aquela coisa asséptica, só possa transcorrer em um pedaço de tempo. Quer dizer, se você fizer propaganda antes disso, você é punido. Ela se restringe ao horário eleitoral. Então, tem uma série de condicionantes... Você não obriga, por exemplo ao debate, que acho que é uma modificação que poderia ser proposta para a legislação: tornar obrigatório o debate. E não um, mas vários debates durante um período de tempo. Há uma série de mecanismos no Brasil que estão levando à despolitização, que não é só uma questão popular, mas uma  ação no sentido de esfriar a eleição. E veja, qual de nós aqui tem candidato a vereador? Qual de nós sabe quem são os  candidatos a vereador?

Paulo Markun: E quem tiver, não pode dizer, senão a emissora é punida!

[risos]

Gildo Marçal Brandão: Mas, na prática, esse estilo de eleição é um negócio terrível. Eu não tenho e 80% dos paulistanos não têm ainda um candidato definido.

Paulo Markun: Nós vamos fazer um rápido intervalo, até para que as pessoas possam pensar para quem vai votar para vereador. Voltamos já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: O Roda Viva desta noite discute eleições municipais de 2000. Eu queria discutir, neste segundo bloco, a questão das pesquisas e da situação eleitoral em várias capitais, mas antes eu coloco a pergunta de Edson Francisco dos Santos, de São Paulo, Geraldo Chagas, de Campos do Jordão e Cleber Reis, de Guarulhos: "Se o voto não fosse obrigatório, isso melhoraria o quadro político do país?"

[...]:  Melhoraria.

Carlos Novaes: Olha, eu gostaria de responder essa pergunta, porque eu sou um defensor do voto obrigatório. Considero que, primeiro, quem obriga com voto obrigatório é a sociedade. Tem-se mania de achar que é o Estado que está obrigando, que é alguém que está obrigando, mas não: foi a sociedade que se obrigou. E é bom que a sociedade se obrigue a certos encontros com a democracia e com a idéia de mudança.

Paulo Markun: Mas aí é a mesma sociedade que você diz que não legisla, e agora obriga? Porque quem obrigou foi o Congresso.

Carlos Novaes: Sim, mas a sociedade é que elegeu os deputados e senadores.

Paulo Markun: Os mesmos deputados que não mudam a lei eleitoral.

Gildo Marçal Brandão: Sim, mas...o que tem isso? Quando não mudam a lei, estão errados. Quando não mudam a lei eleitoral, o que a sociedade diz que é desigual, estão tratando como igual. A sociedade diz que é desigual. A sociedade diz a cada eleição qual o tamanho de cada  um. Não podemos discutir isso. Quanto ao voto obrigatório, considero importante que a sociedade se obrigue a ter esse encontro periódico, uma reflexão periódica. E aí, eu acho o seguinte, eleição é rotina, a idéia de que as pessoas estão desinteressadas, eu não acho importante. As pessoas, na hora “H”, se interessam, até porque o voto é obrigatório. Elas sabem que vão ter que votar e aí procuram um candidato. Eu tenho estudado os números de eleições no Brasil e tenho visto que o voto é mais partidário do que se pensa. Ou seja,  as pessoas escolhem um candidato ao executivo, e depois arrumam partidariamente o voto, escolhendo também para o legislativo alguém afinado com aquele candidato. A idéia de acabar com o voto obrigatório é ruim. Vai deixar que apenas os muito interessados exerçam o seu direito, a sua vontade. E aqueles que, inicialmente têm menos interesse, vão ficar de lado. Não acho que eles devem ser obrigados, acho que eles devem se obrigar. Eu queria, para finalizar, dizer algo que me ocorreu com a intervenção do professor Gildo no bloco anterior,  a respeito da qualidade de democracia que estamos construindo. Porque hoje, aqui no meio do Roda Viva, está a urna eletrônica [está no cenário do programa, no centro da roda] que, na verdade é um pouquinho, uma caixa-preta. Eu não sei até onde as pessoas sabem, mas a possibilidade de fiscalização do que acontece aí dentro é mínima hoje para os partidos. Na verdade, o TSE, junto com algumas empresas, se acham no direito de encapsular todo o processo interno das urnas e os programas não são abertos à sociedade, aos partidos. Há uma situação muito complicada com a urna eletrônica, ela tinha que ser transparente e não é. E esse é um debate urgente, porque, em tese, o segredo do voto pode ser quebrado com a urna eletrônica, porque as pessoas entregam o seu título e tem digitado num aparelho que está ligado à urna, então eles dizem: “Mas não tem memória para isso”. Quem disse que não? Quem garante que não tem? Não existe esse tipo de fiscalização. Nós estamos, na verdade, com um totem diante de nós, e a pretexto de estarmos na frente de todo mundo, porque em lugar nenhum do mundo há esse tipo de votação, estamos correndo risco de estar construindo uma democracia tecnológica muito complicada, é fetiche da democracia aí.

[sobreposição de vozes]

Kennedy Alencar: A urna não é um avanço em relação ao que se tinha? Claro que é avanço, antes havia muito mais possibilidade de fraude do que agora.

Carlos Novaes: Não é verdade.

Kennedy Alencar: Temos que melhorar a urna eletrônica, vamos tentar melhorar. Agora, achar que a urna eletrônica é mais insegura que a votação antiga, a gente tem provas de que não é.

Gildo Marçal Brandão: Não é isso, ninguém duvida que é um avanço, o problema é que cada avanço tem que corresponder a mecanismos de controle sobre ele.

Kennedy Alencar: Perfeito. 

Gildo Marçal Brandão: Esse que é o problema.

Décio de Moura Notarangeli: Sobre a urna, existe um preparo do software que vai ser utilizado na eleição, no momento em que o TSE abre o exame para os partidos políticos. Isso está previsto na legislação eleitoral.

[...]: Mas não está sendo cumprido...

[sobreposição de vozes]

Décio de Moura Notarangeli: Não posso acreditar que o Tribunal Superior Eleitoral descumpra o que eles mesmo determinam e que partidos políticos aceitem isso sem reclamar.

Carlos Novaes: Não, estão reclamando! O PDT [Partido Democrático Trabalhista] entrou com representação questionando o uso da urna eletrônica, tal como está sendo feita.

Stella Bruna Santo: De fato, o Kennedy tem razão, eu acho que a urna é um avanço em relação à votação manual onde os escrutinadores fraudavam mesmo os boletins de urna, a votação, a contagem. É indiscutível. O problema é que, de fato, há um buraco negro em relação à urna eletrônica, mas os partidos estão atentos, eles estão acompanhando, vão até ao TSE solicitar  auditoria, que é um pouco diferente dessa auditoria que está prevista na lei. Mas os partidos estão exigindo do TSE uma auditoria posterior, como se fosse uma apuração paralela, para checar o sistema da urna eletrônica. E o Tribunal tem se mostrado atento, ele vai garantir essa auditoria.

Carlos Novaes: Movimento posterior não vai adiantar porque os programas podem ser programados para se auto-transformarem depois da eleição. Em tese, não vai funcionar.

Stella Bruna Santo: Hoje há mecanismos para que os partidos chequem o sistema.

Stella Bruna Santo: O que a gente tem que pensar, como o Kennedy falou, é como avançar no processo eletrônico de votação. E hoje, existem mecanismos de apuração, de tentar controlar a urna, uma comissão externa de auditoria, composta por representantes da sociedade.

Carlos Novaes: Desde que se saiba os programas antes da eleição, porque você pode programar a urna eletrônica para apagar, alterar os próprios registros. Em tese, hoje é possível fazer isso. Os partidos estão sem controle do que está se passando. Essa que é a verdade.

[...]: Tudo é possível.

Stella Bruna Santo: Eu posso dizer que não é.

Décio de Moura Notarangeli: Tudo é possível, não discordo do que o senhor está falando, mas entre aquilo que é possível e o que é provável, há uma distância abissal. Os partidos políticos têm acompanhamento do processo de votação, de apuração dos votos. A urna eletrônica, quando encerra o período de votação, emite um boletim. Ela tem um flash card onde está registrada toda a contabilização da urna.A cópia do boletim é entregue ao comitê interpartidário na porta de onde se instalou a eleição eleitoral. Uma cópia desse boletim acompanha a urna, a outra fica arquivada em cartório, e qualquer candidato que amanhã decidir considerar que houve alguma divergência, basta exibir o boletim de urna, que ela vai ser processada.

Carlos Novaes: Perfeito. O juiz realmente acaba de descrever para nós o processo posterior da apuração dos votos. Mas, o problema é anterior. E se eu digito o número 5.784 e a urna está preparada para transformar isso em 5.783? Esse é o problema.

Décio de Moura Notarangeli:  O senhor está invertendo uma presunção que é de boa fé.

Stella Bruna Santo: Em tese, ele tem razão.

[sobreposição de vozes]

Paulo Markun:  Para que a gente não monopolize o debate, vamos ouvir o Portella.

José Luiz Portella: Queria, na verdade, entrar em outro enfoque. Acho que você perguntou, no início do programa, a questão do desinteresse. Acompanho eleições há 30 anos. Acho que essa é uma das eleições com menos vibração que eu tenho visto! Depois de tudo o que aconteceu, particularmente na cidade de São Paulo, que,  do ponto de vista da administração municipal, foi um descalabro...Todo mundo ficou revoltado com a  possibilidade de impeachment do prefeito, o prefeito foi trocado, vice-prefeito assumiu, a população não... [refere-se à cassação do mandato do prefeito Celso Pitta em 2000, que foi substituído pelo vice Régis de Oliveira por um mês]

Paulo Markun: Não traduziu isso em vontade de votar.

José Luiz Portella: Por que os deputados não mudam a legislação? Vejo até alguns jornalistas, programas de rádio e tal, em que as pessoas incitam a população a não votar, e dizem que o horário eleitoral é cômico, engraçado, bizarro, grotesco, etc. É aquela coisa de desprezar o processo eleitoral. Quando isso acontece, as pessoas de bem vão se afastando do processo eleitoral e vai votar quem? Então, você percebe que nas poucas pesquisas que estão avaliando candidatos a vereador, os candidatos antigos têm mais chance de se elegerem do que os novos. Essa é uma idéia paradoxal e que tem que ser discutida. Quer dizer, por que a população que parecia que, nesta eleição, ia dar uma lição em quem foi corrupto, em quem roubou, hoje está se omitindo? Você vê que os antigos têm mais chance do que os novos? Essa é uma questão importante. 

Gildo Marçal Brandão: Acho que há dois problemas que você coloca: uma coisa é o desinteresse aparente, a falta de discussão, outra coisa é saber se a população está ou não convalidando o status quo. Mas me parece que não, porque se você olhar os índices de pesquisa, pode ser que isso não se confirme.

Décio de Moura Notarangeli: Estou falando para vereador.

Gildo Marçal Brandão: Estava falando para prefeito.

Décio de Moura Notarangeli: Para prefeito, não.

Gildo Marçal Brandão: Claramente, toda a confusão anterior está tendo repercussão na eleição, quer dizer, alguns candidatos que tinham patamar de 25% e 30% não estão nisso.

José Luiz Portella: Estou falando da Câmara dos Vereadores, que é muito importante. O prefeito que assumir corre o risco de não ter maioria na Câmara. Ele vai ter dificuldade de governar. E aí começa sempre o discurso atual: "Cidade pujante, tem orçamento e tal". Aí o sujeito entra e fala: "A prefeitura estava arrasada, a Câmara é contra mim, não vão aprovar". E aí começa a desculpa para não fazer. Acho que há duas questões: a população não está colocando foco na eleição de vereador e não está discutindo a questão principal, que é o orçamento público. São Paulo tem uma dívida, assumiu um compromisso...

[sobreposição de vozes]

José Luiz Portella: Não vi um candidato responder a questão da dívida de São Paulo. Eu vi, na realidade, um dos candidatos que foi entrevistado aqui pelo jornalista Kennedy Alencar, que é inclusive do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], que disse que não concorda com a dívida do jeito que ela está. E hoje, com um orçamento de 7,6 bilhões de reais, a capacidade de investimento da prefeitura é de 600 milhões de reais. A dívida é de 700 milhões. Se São Paulo tiver que pagar a dívida, não tem nenhuma capacidade de investimento e as pessoas têm que saber disso. Quando o sujeito faz o programa de governo, fala: “Vou aumentar em uma hora o tempo de aula na escola”. Isso gera um custo que o orçamento atual não tem condições de sustentar. Então, essa discussão, que traria a verdade para o eleitor, não é feita.

Kennedy Alencar: Queria falar um pouquinho do voto obrigatório, que é um pouco anti-democrático. Eu defendo que o voto não seja obrigatório. O eleitor vai valorizar mais, vai votar quem realmente quer participar. Quem não votar, vai "pagar o pato" depois se não participou, se não operou. Quando você obriga o cidadão a votar, você cria um dever em cima do voto, transforma em aquela coisa chata de “Tem que votar”. É melhor você deixar que o voto seja livre, ter campanhas para conscientizar. Hoje, quando 95% das pessoas dizem que não vão votar em um candidato desonesto, e 85% dizem que querem honestidade, acho que isso é interesse pela eleição. O cara está antenado no que está acontecendo...

Gildo Marçal Brandão:  Desculpe, aí  é outra distinção. Que o voto obrigatório fere a doutrina liberal, estamos de acordo. Na doutrina liberal, o voto é um direito, não é dever, é direito que você exerce ou não. Agora, se você traduz isso em termos concretos no Brasil, o fim do voto obrigatório significará exclusão dos mais pobres e das grandes populações no processo político. Você vai restringir...

Kennedy Alencar:  Com base em que você se refere a isso?

Gildo Marçal Brandão: O fato de você ter 109 milhões de pessoas votando é um avanço, é um enorme avanço. A legislação, até 1988, proibia, por exemplo, o voto do analfabeto. Na prática, excluía a maior parte da população.

Kennedy Alencar: Mas não estamos proibindo ninguém, vamos deixar votar quem quer votar.

Gildo Marçal Brandão: O voto obrigatório é um momento, o político é obrigado a ouvir pessoas que normalmente não participam do processo político. E por isso ele tem um fator educativo. É um dever sim, ele é educativo, faz com que pessoas se interessem pela eleição. Isso, a longo prazo, é uma coisa positiva.

Kennedy Alencar: Vocês acham que o  voto obrigatório melhora a qualidade do voto?

Carlos Novaes: Não, ele faz com que todo mundo, num dado momento, tenha que discutir, acabam tendo uma opinião, com vizinho, na mesa de jantar, no trabalho. Isso é que eu acho positivo. Esse que é o ganho. Eu não sei que tipo de grupo social se beneficiaria com o fim do voto, não tenho pesquisa sobre isso, o que tenho certeza é que, com o fim do voto obrigatório, menos gente votará.

Stella Bruna Santo: Mas tem que colocar a questão da compra de votos. No Brasil, é uma coisa muito séria.

Gildo Marçal Brandão: Muito menos que no passado.

Stella Bruna Santo: Mas é um dado interessante porque o poder econômico hoje domina as eleições, a gente sabe como é.

Carlos Novaes: Isso não é verdade. Que domina não é verdade, é um exagero.

Stella Bruna Santo: Está presente de uma maneira muito marcante. Basta ver as bancadas que são eleitas no Congresso Nacional.

[sobreposição de vozes]

Stella Bruna Santo: Na verdade, para o aprimoramento da democracia, a gente tem que buscar o financiamento público das eleições. Acho que está tudo relacionado com a questão da reforma política. Sobre o voto ser facultativo ou obrigatório, isso está relacionado também com a questão do poder econômico. Se houvesse hoje um financiamento público de campanha, essa questão do voto ser facultativo ou não seria completamente diferente.

Mauro Francisco Paulino: Eu quero voltar para nosso personagem central aqui. Até que ponto a urna eletrônica permite que todas as parcelas da população possam votar com fidelidade e colocar na urna a sua intenção de voto? O Datafolha fez um estudo logo após a eleição de 1998 e constatou que 14% dos que votaram para presidente erraram o voto. Digitaram um número diferente daquele que queriam digitar.

Paulo Markun: 14%?

Mauro Francisco Paulino: 14%. Então a urna eletrônica também recisa avançar nesse sentido de ser um instrumento que facilite e que o eleitor, principalmente de baixa escolaridade, possa colocar sua intenção de voto real.

Carlos Novaes: É, mas por outro lado, o Brasil precisa educar melhor, dar mais escola, para que as pessoas façam menos confusão. Mas eu acho que você tem razão, se pudermos fazer com que a urna eletrônica se apresente para o eleitor de uma maneira mais didática, ganharemos antes até que venha a reforma.

Mauro Francisco Paulino: O eleitor tem que decorar o número antes de votar.  Ele sempre vê o nome ou foto antes de votar, só no Brasil se digita, você tem que decorar o número antes de fazer a votação.

[...]: Esse dado que o Mauro deu é estarrecedor, tem uma razão pelo qual os 14% erraram? Foi simplesmente desconhecimento, ele não sabe operar a urna?

Mauro Francisco Paulino: Não lembrava o número, queria votar no Fernando Henrique e se atrapalhava...

Paulo Markun: Queria colocar um outro tema em debate. Neste tipo de programa, temos a consciência de que não vamos esgotar o assunto e que não somos donos da verdade. Portanto, nossa opinião vale tanto quanto a opinião dos telespectador que está em casa. Mas as pesquisas que estão sendo divulgadas demonstram algumas características desta eleição. Em diversas capitais, há uma tendência à reeleição. Quer dizer, onde o prefeito - isso é minha interpretação - foi mais ou menos, o eleitor quer que ele continue. Não importa muito de que partido é esse prefeito. Há prefeitos do PT sendo reeleitos, ou elegendo seus candidatos, há prefeitos do PFL [Partido da Frente Liberal], do PSDB, do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], de todos os partidos. De outro lado, em algumas capitais, como Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, há uma disputa acirrada pelas primeiras colocações, e o candidato à reeleição não tem ainda a eleição assegurada. O que eu queria extrair daqui é: em primeiro lugar, o conceito da reeleição está funcionando para prefeito? E em segundo lugar, por que em determinadas capitais isso não acontece?

Mauro Francisco Brandão: Só quero lembrar que estamos num momento importante da  eleição. As duas primeiras semanas  do horário eleitoral gratuito foram um período de reconhecimento, de apresentação dos candidatos, os eleitores passaram a conhecer melhor os candidatos. E agora a gente entra na fase dos embates, dos ataques. Então, esse quadro das diversas capitais pode mudar.

Carlos Novaes: Do meu ponto de vista, fazer julgamentos sobre a reeleição no Brasil é precipitar-se. É algo que acaba de ser introduzido. É a primeira eleição municipal em que isso acontece. É muito cedo para se avaliar se está funcionando ou não. Na verdade, nós temos a mania de transferir para as mudanças na legislação eleitoral as grandes expectativas que temos de mudança na política brasileira. Todo mundo tem expectativa, quer que o país melhore ness

.a ou naquela direção. E aí, quando se faz uma mudança institucional, se cobra todo o repertório de expectativas. Ora, a reeleição acaba de ser introduzida! A mudança institucional é como vinho, tem que esperar maturar, tem que esperar um tempo, ver como é que se passa. Por exemplo, o segundo turno é outra coisa que está em andamento. Já tem gente querendo acabar com segundo turno por cálculo político. Tem que deixar serenar, passar várias eleições com segundo turno, várias eleições com reeleição, para avaliar.

Gildo Marçal: Novaes, pela primeira vez discordo de você neste programa.

Carlos Novaes: Vamos lá!

Gildo Marçal: Veja, acho que reeleição tem um problema: em geral, os segundos mandatos, sejam de quem for, são lixo na tradição brasileira, são péssimos de cima a baixo. A reeleição foi introduzida no Brasil, ferindo, primeiro, uma longa tradição republicana e, segundo, fazendo uma reforma que corre um risco pesado de oligarquizar o sistema político, de perpetuar os mesmos candidatos. E segundo, regra geral, os segundos mandatos foram de políticos sem gás. A continuidade administrativa, que seria a grande vantagem de reeleição, é uma continuidade que poderia ser respeitada via partidos. Por exemplo, quando eu olho o PT no Rio Grande do Sul, há várias eleições ele consegue vitória para a prefeitura, eu digo: "Eis um belo processo". Reeleição no Brasil está sendo de candidato e não de partido.

Kennedy Alencar: Só não foi uma mudança institucional, foi mais uma mudança de conveniência. Todo mundo aqui sabe que reeleição tinha um endereço certo, ela tinha um personagem concreto. [refere-se a Fernando Henrique Cardoso]

José Luiz Portella: Agora, só uma informação: 75% do Congresso hoje é contra reeleição. E eles estão dizendo que estão esperando acabar o ciclo que seria de prefeitos, que se tivesse retirado a eleição ficaria muito mais claro, que teria sido com endereço definido para iniciar um processo para acabar com reeleição.

Kennedy Alencar: Engraçado, os mesmos líderes que aprovaram a reeleição... Aí a gente vê que não é nada institucional.

Carlos Novaes: Quando falei, foi analiticamente. Não estava descrevendo as intenções de quem legislou pela reeleição. Nós sabemos que a reeleição foi feita para reconduzir o  Fernando Henrique Cardoso para presidente da República, e para fazer isso era necessário construir todo um leque de opções também para outros políticos nas outras esferas de governo. Muito bom. Independente dessa origem, o fato é que nós estamos diante de uma mudança institucional que está em andamento no Brasil inteiro. Não me parece que seja positivo para o Brasil, mais uma vez, mudar agora sem que nós vejamos os resultados, no tempo dessa mudança. Aliás, porque, cerca de 32, 33% dos prefeitos do Brasil não se candidataram à reeleição. É uma cifra altíssima, altíssima! O problema é que, sem a reeleição, também há uma série de vícios daqueles que estão no cargo, eles querem fazer sucessor...

Gildo Marçal Brandão: O problema é que não há solução ótima.

Carlos Novaes: Isso.

Gildo Marçal Brandão: Tem solução menos ruim.

Paulo Markun: A solução, neste momento, meus amigos, é fazer um rápido intervalo e voltar em instantes. Até já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com Roda Viva, esta noite com o programa especial sobre as eleições municipais. Mauro, eu tinha proposto para você dar uma rodada pelas capitais, onde a disputa está embalada nas pesquisas de opinião, e por que isso está acontecendo.

Mauro Francisco Paulino: Começando por São Paulo, temos Marta Suplicy com 29% e o segundo lugar sendo disputado por Geraldo Alckmin com 16%, Maluf com 14%, e Luiza Erundina [prefeita de São Paulo entre 1989 e 1993, eleita pelo PT. Elaborou ações importantes nas áreas de educação e saúde, como aumento do salário e capacitação dos professores e construção de casas populares. Após perder a eleição municipal de 1996, no segundo turno, para Celso Pitta, deixou o PT para afiliar-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB)] com 11%. A gente percebe aqui em São Paulo uma subida do Geraldo Alckmin nos últimos dias. No Rio de Janeiro, a disputa é sempre muito acirrada. A pesquisa feita em 24 de agosto  mostra que Luiz Paulo Conde tem 35%, César Maia tem 21%, e Benedita da Silva tem 13%. O Brizola vem mais atrás com 9%. Em Belo Horizonte, a tendência é por um embolamento. A gente tem percebido que o João Leite, candidato do PSDB, está subindo, ele passou de 20% para 23% na última pesquisa, e encostou no Célio de Castro, que  tem 27%. Acho que uma outra capital que está em situação de embolamento também é Fortaleza. Juraci Magalhães [(1931-2009)] chegou a 30%, está em empate técnico com Patrícia Gomes, que tem 29%.

Carlos Novaes: Mas ela caiu?

Mauro Francisco Paulino: Patrícia passou de 33% para 29% na última pesquisa.

Carlos Novaes: Qual é a margem de erro?

Mauro Francisco Paulino: Três pontos.

Carlos Novaes: Então, caiu além da margem de erro.

Kennedy Alencar: Mauro, você tem um palpite de segundo turno aqui para São Paulo? Você acha que a Marta, por exemplo, tem lugar garantido no segundo turno?

Mauro Francisco Paulino: Não dá para arriscar nada...A única coisa que dá para dizer com total certeza é que haverá segundo turno em São Paulo. Acho que Marta tem grandes possibilidades, mas...

Paulo Markun: As pesquisas do Datafolha indicam um grau, ainda relativamente pequeno, de interesse. Só 55% dos entrevistados aqui em São Paulo mencionaram ter assistido ao horário eleitoral gratuito.

Mauro Francisco Paulino: Pretendiam assistir ao horário eleitoral gratuito, foi uma pesquisa antes do início.

Paulo Markun: E, ao mesmo tempo, a gente sabe que uma parte importante dessa subida e descida dos candidatos tem a ver com o espaço que os candidatos têm no horário político, e até com o desempenho deles e a competência da propaganda eleitoral. Nós estamos vivendo, pela segunda vez, uma campanha política em que você tem um mix de programa eleitoral e de propaganda gratuita. As inserções vão ao longo da programação, o que agradou muito as emissoras de televisão, mas demonstrou competência de quem sabe usar melhor ou tem mais recursos para produzir comerciais mais eficientes. Há uma pesquisa que calcula que, se aquele horário fosse pago pelos candidatos, essa propaganda eleitoral gratuita custaria cem milhões de reais.

Mauro Francisco Paulino: E, de fato, o horário eleitoral é um fator decisivo na eleição, a gente está percebendo pelas mudanças que estão ocorrendo após o início.

José Luiz Portella: O Mauro disse que não é possível prever quem vai para segundo turno. Queria fazer uma pergunta para o Mauro e para o Novaes, que analisam as pesquisas: o Maluf não está numa condição...ele não está no teto, enquanto o Alckmin e a Erundina possam ter muito mais condição de avanço. É possível que o Maluf esteja perdendo o fôlego?

Carlos Novaes: Eu tenho sido até um pouco criticado pela minha ênfase nesse caso, e eu acho o que Mauro é prudente, porque  trabalha com pesquisas eleitorais e, com base em pesquisas, a gente pode dizer muita coisa, mas pode dizer menos do que com base no resultado da história das eleições na capital. Eu venho estudando essas urnas da capital há muito anos e tenho um retrospecto hoje de 1988 a 1998, com algumas análises feitas em cima disso. Eu responderia à sua pergunta da seguinte maneira: no meu ponto de vista, o Maluf está numa situação muito difícil. É muito improvável que ele tenha possibilidades aqui em São Paulo. E isso porque, pela primeira vez, o Maluf chega num pleito tendo declinado de intenção de voto para os dois pleitos anteriores. A idéia de que o Maluf é um candidato que sempre perdia eleição é só meia verdade, porque o Maluf o tempo todo crescia de eleição para eleição, perdia mas crescia, galgando degraus importantes. O problema é que chegou em 1998 e ele teve 29% dos votos na capital para governador. O Pitta tinha tido 45%, é uma queda de 16 pontos, sem nenhum escândalo. Ou seja, já havia um declínio político eleitoral do malufismo na capital. Hoje, acostado por uma candidatura que vem do centro para a direita, ele tem dificuldades seríssimas, e Alckmin está numa posição estrutural muito favorável, que é o fato de ser um candidato de centro com possibilidades de monopolizar o voto da direita. Por outro lado, Marta é uma candidata muito competitiva porque coroa um processo que o PT fez de ir em direção ao centro. Não é por  outra razão que ela estava com forte intenção de voto entre os eleitores com maior escolaridade nas regiões mais nobres da cidade. O problema é que o Alckmin começa a entrar aí. De modo que hoje, fazendo uma análise estrutural do voto em São Paulo, eu diria que há grandes possibilidades de o segundo turno ser entre Marta e Alckmin.

Gildo Marçal Brandão: Se bem que eu acho que o importante nisso é, meu ponto de vista, a derrota do malufismo. É muito provável que nós estejamos limpando a área política de São Paulo de uma corrente política degenerada. Agora, o problema não é só o malufismo, mas São Paulo é um acampamento social e uma cidade politicamente invertebrada, que convive desde os anos 40 e 50 com formas de fazer política anti-institucionais, anti-partidárias, personalistas e que não geram identidade política do eleitor. Em alguns momentos eu acho que nós evitamos esse perfil. Eu me lembro, por exemplo, de um momento de avanço de forças organizadas em São Paulo na redemocratização de 1945. Nos anos 50, com candidatura de Prestes Maia [(1896-1965) Foi prefeito de São Paulo entre 1938 e 1945 e reeleito em 1961, períodos em que realizou importantes obras urbanísticas], também houve um vasto movimento de partidos políticos, movimento sociais que chegaram a fazer um prefeito. O dramático em São Paulo é que se você olhar as candidaturas do centro-esquerda, a maior votação já obtida em São Paulo, no primeiro turno, foi Franco Montoro [André Franco Montoro (1916-1999)  foi governador do estado de São Paulo entre 1983 e 1987 e presidente de honra do PSDB] .

Carlos Novaes: 42% em 1982!

Gildo Marçal Brandão: Mas, de lá para cá, é só decadência.

Paulo Markun: A candidatura do vice-governador Geraldo Alckmin não mascara sua filiação partidária, na medida em que a vinculação dele com o governador Mário Covas tem pouco aparecido em horário eleitoral gratuito?

Kennedy Alencar: Completamente omitida! O Alckmin não fala o nome do Covas, nem do Fernando Henrique, e até agora ele estava fazendo uma campanha e não estava sendo atacado. Agora, como o Mauro lembrou bem, vamos entrar numa fase de ataque, temos que ver se o Alckmin vai resistir aos ataques. Vão relacioná-lo ao governo do Covas, que é o mais mal avaliado segundo pesquisas do Datafolha. O governo do Fernando Henrique é impopular.

Gildo Marçal Brandão: Não estão mortos, hein! Os outros candidatos não estão mortos, Erundina não está morta...

Carlos Novaes: Quase!

Gildo Marçal Brandão: Quase. Mas se ela mantiver o patamar, atrapalha muito o Maluf.

Carlos Novaes: O problema da Luiza Erundina é que, ao sair do PT, ela trocou de eleitorado, perdeu um eleitorado organizado, que tinha relações institucionais com ela, e passou a dialogar com um eleitorado que está mais imantado na figura dela, e portanto menos mediado por outras forças políticas, menos mediado pelo voto organizado. Eu dei uma olhada nos votos da Luiza Erundina para deputada federal e eu vi que a maior ênfase foi na zona sul ao invés de zona leste, onde ela tinha votos como prefeita. Na zona leste é onde estão os pobres organizados e enervados pela ação de Igreja Católica, sindicatos da luta pela moradia, pela saúde...Na zona sul, estão os pobres desorganizados. Então, essa migração de votos, aliada ao fato que Luiza Erundina não tem uma estrutura partidária forte, dificultam muito o caminho dela a uma vitória. Ainda que se reconheça que o governo dela foi um dos melhores governos que São Paulo já teve.

[sobreposição de vozes]

José Luiz Portella: Os dois anos finais de governo dela foram bons. O problema da Erundina, além de tudo o que você falou, é que ela está está fazendo uma campanha muito ruim.

Kennedy Alencar: Ela se explica pelo  passado, valoriza seu passado, é uma campanha muito moral.

[...]: E ela não consegue estabelecer diferença competitiva. Por que votar nela e não no Alckmin?

Gildo Marçal Brandão: Mas todos os candidatos estão fazendo uma campanha vagabunda! Desculpem o termo.

José Luiz Portella: Eu que gosto da questão do orçamento....Há candidato que diz que vai construir cem mil postos artesianos, mas não têm a menor idéia de quanto custa isso e diz que vai colocar um equipamento de radar nos táxis, que custa 122 milhões de reais. Não tem dinheiro sequer para fazer investimento...Então, é uma campanha de baixa qualidade, fica um "promessão" e perdem votos!

Kennedy Alencar: Falando de plano de saúde para todo mundo...

Carlos Novaes: Queria recuperar a pergunta que o Markun fez sobre Geraldo Alckmin e relação com o governo Covas e Fernando Henrique. Essa pergunta é importante para introduzir outro enfoque no programa, que é até que ponto as relações partidárias interferem na eleição. E aí, nesse sentido, eu acho que há três capitais que permitem uma discussão melhor sobre o assunto. Em primeiro lugar, o Rio de Janeiro, porque é atípico no Brasil inteiro, e por uma razão estrutural. É que ali há mais de uma centena de milhares de funcionários públicos federais que continuaram existindo após a transferência da capital para Brasília. Esses funcionários públicos imantam pelo menos quinhentos mil votos no Rio de Janeiro, e há um sindicato muito ativo que faz campanha política e se encarrega de nacionalizar as eleições. Então, no Rio de Janeiro é estranho quando se tem dois candidatos do estado disputando na ponta. É sempre de esperar que um candidato de oposição possa crescer. Quando o Conde  [Luiz Paulo Conde, prefeito do Rio entre 1997 e 2000, apoiado pelo antecessor César Maia] foi eleito, o candidato do PT, Chico Alencar, quase chegou na reta final porque o eleitorado do Rio é rebelde e quase colocou o PT, que não tem história de força no Rio de Janeiro, no segundo turno. De modo que, no Rio de Janeiro, essa conversa sobre as relações com as esferas federal e estadual tem "pegada" mais dura ali.

Kennedy Alencar: E César Maia [político e economista, foi prefeito do Rio de Janeiro por três mandatos e candidato a governador do estado em 1998] está fazendo isso! Está sendo meio candidato, o partido dele apóia o Fernando Henrique mas, na campanha, fica escamoteando.

Carlos Novaes: Aliás, ele perdeu o estado do Rio por isso, na minha opinião. Ninguém sabia se o César Maia era do governo ou não. Eu acho que, no Rio de Janeiro, temos que observar com muito cuidado a candidatura do Brizola. Ele não está morto, é um candidato que pode complicar as eleições.

José Luiz Portella: Agora, é importante a gente também analisar se essa relação que começa na pergunta do Geraldo Alckmin com o Fernando Henrique e com Mário Covas, vai ser um fator importante na decisão do eleitor.

Paulo Markun: Ninguém está preocupado nem com o governo estadual nem federal.

José Luiz Portella: O que as pesquisas estão mostrando é que o eleitor está mais preocupado com aquele que vai resolver o seu problema, sem essas ligações partidárias, políticas, etc. Quer dizer, o sujeito que é César no Rio é César Maia pelo que fez. Então, o pessoal vai atacar Geraldo Alckmin por aí. Isso pode fazer efeito, ninguém sabe. Mas se não pegar, eles vão ter muito pouco tempo para atacar Geraldo Alckmin, por outro lado. Quer dizer, é um tiro só que eles vão dar.

Paulo Markun: Perguntas de Valmir Brandão, de Curitiba, e de Celso Afonso, de São Paulo. O Valmir quer saber qual é a previsão de votos brancos e nulos nas eleições da cidade de São Paulo. E Celso Afonso quer saber se a divulgação das pesquisas eleitorais interferem no resultado final das eleições, que é sempre uma discussão que talvez o Mauro possa se pronunciar.

Mauro Francisco Paulino: Posso começar pela segunda?

Paulo Markun: Claro.

Mauro Francisco Paulino: Acho que, obviamente, interfere, mas tanto quanto todas as outras informações que o eleitor recebe, como o horário eleitoral gratuito, a propaganda dos candidatos na TV, o noticiário. Eu acho que o eleitor tem discernimento para formar o seu voto de acordo com o total de informações que ele recebe. O acesso aos números da pesquisa é um instrumento muito importante na democracia.

Paulo Markun: Se eu não estou enganado, nas últimas eleições nós tivemos um aumento dos votos nulos e brancos.

Carlos Novaes: Não, não.

Paulo Markun:  Não?

Carlos Novaes: Ele tem caído, em parte, em função até da urna eletrônica, porque as pessoas que costumavam errar o voto em função de dificuldades para escrever o número,  hoje há o tecladinho ali, elas se preparam antes. Então, o que acontece? Como o sujeito sabe que vai encontrar uma novidade na urna, ele não quer fazer feio e treina em casa, escreve o número, quer saber como é, e isso levou a uma queda de brancos e nulos. Isso nos leva a concluir que parte dos votos brancos e nulos era resultado da imperícia do eleitor para apresentar sua preferência. Eu queria dizer que concordo com o Mauro, do Datafolha, quando ele diz que as pesquisas são indispensáveis para a formação da preferência do eleitor. E eu diria mais: mesmo que o eleitor decidisse apenas pela pesquisa, “Eu vou votar naquele que está na frente nas pesquisas”, é legítimo que haja pesquisa. O eleitor é soberano para decidir, faz o cálculo estratégico e quer votar em quem vai ganhar. É um direito dele, é evidente. Depois ele paga o preço, se a pesquisa estiver errada, ele perde.

Mauro Francisco Paulino: Agora, é importante que haja um controle, uma lei que estabeleça normas de divulgação, de realização de pesquisa, acho que isso é muito importante.

Carlos Novaes: Nossa lei é boa nesse aspecto.

Mauro Francisco Paulino:  Não, ela tem que ser melhorada, tem que ser melhorada.

Stella Bruna Santo: Já que estamos falando sobre Lei Eleitoral, eu acho que ela é um pouco falha nesse sentido. Os partidos não têm todas as informações, sai uma pesquisa e eles acabam não conseguindo fiscalizá-la.

José Luiz Portella: Eles têm todo o direito.

Stella Bruna Santo: Eles têm direito, mas não têm todas as informações, porque os institutos só entregam para os partidos os resultados que forem divulgados. Eles acabam negando todos os cruzamentos e informações...

José Luiz Portella: Não é verdade.

Stella Bruna Santo: Assim, alguns institutos podem...

[sobreposição de vozes]

Mauro Francisco Paulino:  Eles entregam até a identificação dos pesquisadores e o local onde a gente faz a pesquisa, o que é absurdo. É obrigado porque isso permite que os partidos interfiram na realização da pesquisa.

Stella Bruna Santo: Não, existem institutos que só entregam o resultado da pesquisa.

[...]: Você não pode, tem que registrar a pesquisa antes.

Stella Bruna Santo: Isso.

José Luiz Portella: Você registrou ela toda.

Stella Bruna Santo: Assim, eu entendo o que você está falando...Mas, alguns institutos não dão as informações necessárias.

José Luiz Portella: Eles têm que dar, o partido não sabe exercer o direito que tem.

Stella Bruna Santo: Eu considero que, quando a legislação coloca que o instituto é obrigado a só dar o resultado e não todas as informações, existe uma brecha para que o instituto não passe todas as informações.

Mauro Francisco Paulino: Só gostaria que você não generalizasse, porque o Datafolha cumpre rigorosamente a Lei, mas tenho certeza que outros grandes institutos também cumprem.

Stella Bruna Santo: Está bom. Talvez isso não seja a discussão principal, o que eu gostaria mais de colocar aqui é questão  da divulgação. Eu acho que a eleição de 1998 demonstrou e trouxe à tona toda a polêmica em relação à questão da divulgação. Se hoje existe uma limitação até para a emissora de televisão que ela não pode fazer debate, o candidato também não pode nem realizar propaganda. Acaba o horário eleitoral gratuito, acabam os comícios...Na verdade o que precisa ser regulamentado é um limite para que o instituto...

José Luiz Portella: Depois da internet, isso é impossível! O  jeito de passar é facinho, acho que é bobagem.

Stella Bruna Santo: A informação é manipulada...Por exemplo, a Rede Globo, na eleição de 1998, formou um cenário que parecia que ela estava entregando o Oscar [prêmio do cinema norte-americano] na última pesquisa! O que eu quero dizer é que é óbvio que um prejuízo ocorreu, quer dizer, existe uma margem de erro...O instituto é contratado por uma emissora de televisão, por um candidato. E isso realmente é uma distorção que precisa também ser...

José Luiz Portella: Que eu saiba, o Ibope não colocou os números exatamente como saiu na Rede Globo. A Rede Globo que fez uma seleção e o Ibope teria dito que não seria possível dizer quem ia para o segundo turno. O PT teve acesso à pesquisa e está processando hoje o Ibope, e não a Rede Globo. Mas, na verdade, quem veiculou os números, e tirou Marta Suplicy como possível candidata ao segundo turno, foi a Globo.

Stella Bruna Santo: O final da eleição é um período onde uma divulgação como essa pode trazer um dano irreparável.

José Luiz Portella: Eu concordo, mas acho difícil impedir. Acho difícil impedir.

[...]: Não há como, com a internet...

Carlos Novaes: Não há como justificar o fim da divulgação porque houve divulgação distorcida. Esse é o ponto. A proibição não resolve isso. A sociedade é que tem que se manifestar, por exemplo, se há uma responsabilidade do Ibope foi o fato de deixar a Globo divulgar como quis. Os números eram bons, o problema é a forma como divulgou os números bons e o que você enfatiza. Agora, a sociedade tem que aprender com o tempo. Dificilmente nós vamos assistir a uma edição de debates como  tínhamos em 1989. Nunca mais temos aquilo. Houve um prejuízo ali? Houve. O Brasil perdeu e ganhou, perdeu porque ganhou um candidato em cima de uma farsa, mas ganhou porque o Brasil aprendeu a não ser tão crédulo.

Paulo Markun: Por falar tempo, nosso tempo está acabando. E eu queria propor aos nossos colegas aqui um exercício, um raciocínio simples que, de alguma forma, é uma maneira de encerrar o programa. Cada um de nós aqui, como todos os brasileiros, vai estar diante da urna eletrônica para escolher o prefeito e vereadores da cidade. Então, eu queria que vocês se posicionassem, não necessariamente declarando o voto para que a gente não seja cobrado por isso, mas sim tentando raciocinar qual é o critério  que deve levar uma pessoa a escolher o seu candidato. O Novaes tem o privilégio de começar.

Carlos Novaes: Bom, a provocação do Markun nos impõe um dever moral. Sem dizer quem são nossos candidatos, mas na minha opinião, eu formo a minha preferência olhando o que eu quero para a sociedade, para a vida humana. E eu relaciono isso com os problemas da cidade e do Brasil. A minha postura é sempre anti-establishment. E eu busco avaliar o que é bom para a cidade ou para o Brasil. Não sei se esse é o melhor critério, mas é o que eu uso, que eu sempre procuro persuadir os meus amigos quando converso com eles.

Paulo Markun: Kennedy, pode ser?

Kennedy Alencar: Para um jornalista sempre é mais fácil fazer pergunta do que dar conselho. Mas o que eu acho é que o eleitor, primeiro, tem que fazer pergunta, analisar as propostas daquele candidato e perguntar se aquilo que ele está propondo é viável.  depois, buscar  informação na conversa de bar com amigos, no trabalho, discutir política. As pessoas têm que voltar a discutir política, consultar o companheiro, ouvir o professor Novaes, perguntar para o Portella, para o Mauro, ou seja, as pessoas têm que discutir, buscar informações para tentar conhecer o candidato e depois não achar que foi enganado. Então,  procurando se informar melhor, vai conseguir escolher bem.

Paulo Markun: Doutor Décio.

Décio de Moura Notarangeli: Em primeiro lugar, o eleitor deve votar, não se furtar ao dever de exercer esse direito, esse dever, que é o único momento em que ele pode interferir nos destinos da administração pública. E procurar fazê-lo com equilíbrio, com sensatez, depois de uma reflexão sobre as propostas que estão sendo apresentadas. Deve procurar escolher como se estivesse escolhendo o destino para sua família, sua casa, o melhor possível. E isso ele só pode fazer a partir do momento em que refletir. Há um movimento que vem divulgando aí um sentimento de que o voto não tem preço, tem conseqüências. É muito importante pensar nisso na hora de exercer o direito de votar. É o que eu vou fazer como cidadão. O juiz é obrigado a ser imparcial, não é obrigado a ser neutro. E eu tenho a minha preferência e vou manifestá-la no momento em que for exercer meu direito de voto com equilíbrio, reflexão, serenidade, mas para decidir efetivamente o futuro da cidade.

Paulo Markun: Portella.

José Luiz Portella: Acho que, em primeiro lugar, o eleitor deve afastar a corrupção, os candidatos que são falsos, que procuram enganar, que fazem promessas que não podem cumprir. Acho que uma conduta, uma postura mais conservadora é a maneira como eu direciono o voto. Segundo, a questão da competência, que está ligada a coisas que o candidato possa fazer. Quando aquilo não se encaixa na possibilidade da cidade, a população tem uma grande chance de ser enganado. Acho que chegou o momento de a gente afastar isso.

[...]: Voto no Portella, hein!

[risos]

Paulo Markun: Mauro.

Mauro Francisco Paulino: Informação. Acho que o eleitor tem que se informar e  ir para a urna consciente e informado sobre o que tem que fazer. E levar em consideração, inclusive, os resultados de pesquisa que, com toda seriedade, a gente colhe, escolhendo também qual instituto mais confiável.

Paulo Markun: Stella. 

Stella Bruna Santo: Eu acho que o eleitor  tem que, primeiro, dar importância para o voto. Ele tem uma poderosa arma para combater a corrupção. O mais importante é verificar o partido que ele está ligado. Uma democracia se faz com partidos fortes. Ele também tem que verificar os projetos que o partido vai implantar, com que partidos o candidato está coligado, porque ele não vai governar sozinho. Então, ele tem que ter uma preocupação não só em relação à pessoa, como também ao que o partido vem realizando e ao projeto que ele vai implantar.

Paulo Markun: Gildo.

Gildo Marçal Brandão: Eu só posso dizer que, primeiro, nós temos eleição em dois turnos e minha impressão é que, desta vez, vai ser muito mais verdadeiro o fato de que o segundo turno é bastante diferente do primeiro. No meu modo de entender, derrotar no primeiro turno determinadas forças políticas significa uma mudança de qualidade para melhor na vida política de São Paulo. É derrotar determinadas forças conservadoras. Mas, segundo, outra preocupação que eu tenho é com a Câmara dos Vereadores, que é uma área que ninguém se atenta. A gente se concentra no prefeito mas os vereadores são o que são, nós temos que tentar encontrar determinadas maneiras e resolver o problema na Câmara de Vereadores, porque senão nós vamos continuar eternamente na mesma situação. E o primeiro voto é para vereador, depois para prefeito.

Paulo Markun: Nós estamos terminando o programa, só queria lembrar que, quando era pequenininho, ainda acompanhei meu pai em algumas eleições e comícios. Depois, durante um longo tempo, eu e toda a minha geração fomos impedidos de votar. Quando podia votar, era só em candidatos de apenas dois partidos, havia cassações de mandatos, enfim, toda uma história que a gente conhece e, às vezes, se esquece na hora de votar. Seja obrigatório ou não, o fato é que a democracia é indispensável. Finalmente, eu acho que um dia a gente vai ter que ter parlamentares e representantes no executivo dos quais a gente se orgulhe. E isso vai começar se os eleitores efetivamente exercerem o seu direito e pensarem bem na hora de escolher seu candidato. Deixo aqui, como mensagem final, um slogan que a TV Cultura vem repetindo: "Vote, participe e interfira. Faça política". Boa noite, boa semana e até a próxima segunda-feira com mais um Roda Viva.

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