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Memória Roda Viva

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Dirce Tutu Quadros

23/5/1988

Além de revelar fatos de sua vida, a deputada aponta casos de corrupção na política e defende eleições gerais para 1988

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Augusto Nunes: Boa noite, começa aqui mais um Roda Viva, pela TV Cultura de São Paulo. Este programa é transmitido simultaneamente pela Rádio Cultura AM e retransmitido pelas TVs Educativas dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Bahia e Piauí. Roda Viva é apresentado ao vivo, portanto podemos receber perguntas encaminhadas pelos nossos telespectadores pelo telefone (11)252-6525. Nossa entrevistada desta noite é famosa desde que nasceu. Com apelido Tutu, ela é filha do casal Jânio da Silva Quadros e Eloá do Vale Quadros. Só isso bastaria para que Tutu fosse muito conhecida, mas ela começou há poucos anos uma carreira política. É hoje deputada federal pelo PTB [Partido Trabalhista Brasileiro]. Dirce é a nossa entrevistada desta noite e está no centro da roda, formada pelos seguintes entrevistadores: Ricardo Kotscho, repórter da sucursal paulista do Jornal do Brasil; Maria Cristina Duarte, diretora de redação da revista Cláudia; Clóvis Rossi, repórter do jornal Folha de S.Paulo, Aloísio de Toledo, comentarista político do jornal O Estado de S. Paulo; Júnia de Sá, redatora da revista Veja; Terezinha Lopes, repórter da sucursal paulista do jornal O Globo; Sérgio Rondino, editor de política do Jornal da Tarde; Tão Gomes Pinto, diretor da sucursal de São Paulo do Correio Braziliense. O cartunista Paulo Caruso também registra cenas do programa. Agradecemos também a presença de alguns convidados da produção do Roda Viva. Deputada Dirce Tutu Quadros, há algum tempo se discutiu sua verdadeira nacionalidade. Todos nós sabemos que a senhora nasceu no Brasil, mas agora existe a versão de que a senhora tem a nacionalidade americana, teria se naturalizado norte-americana. Qual é sua nacionalidade verdadeira?

Dirce Tutu Quadros: O que você acha que eu sou?

Augusto Nunes: Eu acho que a senhora é brasileira.

Dirce Tutu Quadros: Eu sou mais brasileira do que qualquer outra coisa que o Brasil possa produzir, eu nunca pedi a nacionalidade [norte-americana] e contesto o documento que, inclusive, é só um xerox.

Augusto Nunes: A que a senhora atribui essa preocupação de algumas pessoas em apresentar a senhora como uma americana naturalizada?

Dirce Tutu Quadros:  Isso tudo começou com a minha atividade na fiscalização e controle do governo, porque o governo não está acostumado com democracia, ele não quer ser contestado, não tem credibilidade e está envolto em  corrupção. Ele luta de forma desonesta contra tudo que se apresenta contra ele.

Clóvis Rossi: Gostaria que a senhora precisasse essa acusação. Quem do governo está envolto em corrupções? Quem teria levantado esse xerox, na medida em que a senhora acha que essa denúncia surge a partir da sua atividade?

Dirce Tutu Quadros: O ministro Antônio Carlos Magalhães mandou me participar que iria acabar comigo se eu me envolvesse no caso do OAS [construtora, uma das empresas de ACM], inclusive ele declarou ao jornal Estadão que teria que fazer minha denúncia em inglês na tribuna. E eu respondi que faria em inglês, espanhol, francês, português, que são idiomas que eu domino, mas que as denúncias teriam o mesmo conteúdo. Não sei quem produziu o documento, inclusive, meu advogado, que é um grande jurista, pediu que a minha assinatura seja verificada e que o documento  seja traduzido.

Aloísio de Toledo: A senhora morou nos Estados Unidos?

Dirce Tqutu Quadros: Morei.

Aloísio de Toledo: Por quantos anos?

Dirce Tutu Quadros: Quase 17 anos.

Aloísio de Toledo: E a senhora parece que tem filhos norte-americanos...

Dirce Tutu Quadros: Tenho.

Aloísio de Toledo:  E a senhora, no tempo em que morou nos Estados Unidos, adquiriu a nacionalidade americana?

Dirce Tutu Quadros: Que eu tenha conhecimento, não. E nunca reivindiquei, tanto que após a data desse documento, eu registrei a minha filha, que está aqui presente, no consulado brasileiro como brasileira.

Aloísio de Toledo: Como a senhora diz “que eu tenha conhecimento”, seria possível a senhora adquirir a nacionalidade americana sem sua presença?

Dirce Tutu Quadros: Não seria possível.

Ricardo Kotscho: Deputada, a senhora poderia esclarecer melhor como o ministro Antonio Carlos Magalhães entra nessa história? Qual foi a investigação que a senhora fez e por que essa bronca dele agora contra a deputada?

Dirce Tutu Quadros: O genro de Antônio Carlos Magalhães tem uma construtora, a empreiteira OAS, que está envolta em várias irregularidades no Brasil inteiro. Em Natal, por exemplo, ela está associada ao prefeito. Ele fez um contrato equivalente a treze milhões de dólares, sem licitação, com verba federal. E é um contrato bastante interessante. É uma espiral sem fim. Se daqui a cinco, dez, vinte anos a prefeitura de Natal precisar de alguma coisa, a coisa está amarrada com a OAS. Esse contrato não tem especificação de obras, se ele quiser construir um túnel de Natal a Tóquio, pode ser feito. Esse contrato foi feito sem licitação, eles decretaram utilidade pública, o que quer dizer o seguinte: se asfaltarem sua rua e seu carro cair no buraco, você vai quebrar o pescoço e, conseqüentemente, não há tempo para licitação, o contrato é feito imediatamente. E há uma série de outras irregularidades, apresentei meu relatório com pareceres jurídicos. Por exemplo, a parte da licitação é feita da seguinte forma: emergência, o contrato só foi feito cento e vinte dias depois. Nesse tempo, você tem prazo para licitação. A taxa de administração é de 40%, quando no país se paga de 10% a 12%. Agora, eu sinto muito, não tenho nada pessoal contra o ministro Antônio Carlos Magalhães, mas tenho mandato popular. O povo brasileiro me deu uma missão na Câmara dos Deputados, que é de fiscalização e controle do governo. E isso eu faço, custe o que custar.

Clóvis Rossi: A senhora disse que não tem nada contra o ministro, mas queria saber se a senhora suspeita dele ou de alguém de dentro do governo sobre esse documento que a senhora diz que é falso.

Dirce Tutu Quadros: Bom, ele me mandou recados...

Clóvis Rossi: Pessoalmente ou por telefone?

Dirce Tutu Quadros: Não, o telefone tocava e eram pessoais. Diziam que eu iria receber injeções de heroína na veia, que a minha vida estava em perigo, que ia ser completamente desmoralizada, destruída.

Clóvis Rossi: A senhora acha que essa ameaça de injeção de heroína na veia era puro desespero do ministro?

Dirce Tutu Quadros: Não, não foram feitas por ele, mas foram feitas por alguém.

Clóvis Rossi: A mando dele?

Dirce Tutu Quadros: Em se tratando de uma mulher, eles acham que o campo é muito mais fácil, ela se desestabiliza emocionalmente com muito mais facilidade, é muito mais frágil, se assusta com qualquer coisa.

Tão Gomes: A senhora trabalhou nos Estados Unidos nesses anos que viveu lá?

Dirce Tutu Quadros: Trabalhei periodicamente sim.

Tão Gomes: Pelo fato de ter trabalhado, não poderia ter surgido um registro qualquer de trabalho, chamado Green Card [visto permanente de imigração concedido pelas autoridades dos EUA. O portador pode sair e entrar no país, trabalhar em qualquer região e estudar por preços mais acessíveis] ou qualquer outra coisa?

Dirce Tutu Quadros: Não, Green Card eu tinha, todos têm, ele equivale a uma carteira de identidade.

Tão Gomes: Mas tinha emprego fixo?

Dirce Tutu Quadros: Eu tive três empregos diferentes nos Estados Unidos. Eu parei [quando estava] grávida. Depois, arrumei novos empregos.

Teresinha Lopes: Deputada, apesar de a senhora ter afirmado que esse documento, no caso a certidão, apareceu em função do seu trabalho na Comissão de Fiscalização e Controle [comissão na Câmara dos Deputados], a gente sabe que muito antes disso tentaram cassar o mandato da senhora.

Dirce Tutu Quadros: Ah, mas isso é outra história. Não tinha nada a ver com nacionalidade.

Teresinha Lopes: Eu sei, mas a senhora tinha tomado posse e já queriam cassar o mandato da senhora, quer dizer, essa é uma segunda tentativa.

Dirce Tutu Quadros: É, e eu já tive o meu mandato homologado pelo Supremo Tribunal Federal duas vezes.

Teresinha Lopes: Pois é. A senhora atribui essas duas tentativas a uma perseguição ao Partido Social Cristão [PSC], pelo qual a senhora se elegeu ou uma tentativa do seu pai de não querer que a senhora prossiga na vida pública? A senhora mesma confessou que ingressou nela contra a vontade dele.

Dirce Tutu Quadros:  Bom, isso é público e notório, não é segredo para ninguém e muito menos para vocês, jornalistas. Esse problema é puramente político. Eu sou mulher que nunca tomei dinheiro de ninguém, nunca me manifestei de forma indigna, a minha atitude parlamentar tem sido de grande dignidade e estou muito orgulhosa de mim mesma, sou muito assídua, não perco sessão, não perco votação, não perco trabalho, estou lá muito cedo, sou muito consciente da minha responsabilidade, principalmente como mulher. Em 559 deputados, só 25 são mulheres. Nossa responsabilidade de representação é muito grande.

Augusto Nunes: Deputada, a Margarida Pereira, da Lapa, pergunta que tipo de colaboração a senhora considera mais valiosa na elaboração da nova Constituição [1988]. Qual foi sua contribuição mais importante?

Dirce Tutu Quadros: Até agora, o que me deixou mais satisfeita, foi o direito dos trabalhadores. Eles realmente obtiveram avanços dignos.

Augusto Nunes:  Mas ela pergunta sobre a sua contribuição pessoal, quer dizer, que tipo de emenda a senhora ajudou a aprovar ou apresentou?

Dirce Tutu Quadros: Bom, eu estou vindo na semana que vem com a minha emenda favorita, que é de eleições gerais. Vamos ver o que vai acontecer aí. Eu, pessoalmente, duvido que consiga aprová-la. Eu tenho uma, o Lula tem outra e nós vamos fazer uma fusão.

Augusto Nunes: Eleições gerais neste ano?

Dirce Tutu Quadros: Neste ano! Em 1988, eleições gerais. Vamos começar do começo.

Augusto Nunes: Deputada...

Dirce Tutu Quadros: Vocês não dão muito tempo para resposta...Mas vamos lá!

Augusto Nunes: Não, a senhora pode completar, por favor.

Dirce Tutu Quadros: O problema é o seguinte: essa classe que está no poder não tem nenhuma legitimidade, não representa o povo brasileiro, não foi eleita diretamente. O Congresso Nacional entrou pelo Plano Cruzado, o presidente José Sarney não foi eleito e, em condições normais, nunca seria eleito presidente. O governador Orestes Quércia não seria nosso governador etc. A abertura democrática começou com o presidente Ernesto Geisel [(1907-1996) presidente do Brasil entre 1974 e 1979] e até hoje ainda está aberta. Se nós descuidarmos, vai ficar assim eternamente. Ninguém está interessado em democracia no Brasil. Todos têm medo de democracia. Eles usam mil desculpas, dizem que “o povo não sabe votar”. Como é que o povo não sabe votar, o povo nunca teve oportunidade de votar!

Ricardo Kotscho: A senhora nunca votou?

Dirce Tutu Quadros:  Não.

Ricardo Kotscho: Nunca votou para presidente?

Dirce Tutu Quadros: Não e tenho 44 anos de idade.

Junia de Sá: Com a emenda sendo aprovada e a Constituição sendo aprovada, se marcassem eleições para presidente da República e se seu pai fosse candidato, a senhora votaria nele?

Dirce Tutu Quadros: Depende.

Ricardo Kotscho: Depende de quê? Quem é o seu candidato à Presidência?

Dirce Tutu Quadros: Bom, Jânio Quadros é um grande administrador, ele é austero etc, mas tenho um grande conflito político com ele. Sou muito mais democrata do que ele e entre nós existe uma geração, com conseqüências de mentalidade terríveis. Por exemplo, ele agora prega seis anos para Sarney, ele quer prorrogar o mandato dos prefeitos. Eu prego três anos para Sarney, que é muito, já abusou demais do povo brasileiro. Ele está com 71 anos de idade. Pelo amor de Deus, esse país precisa de renovação! Ele precisa de gente nova, de idéias novas, de coisas novas.

Junia de Sá: A senhora acha que os conflitos com seu pai são de ordem política ou psicológica?

Dirce Tutu Quadros: É um conflito político.

Maria Cristina Duarte: Mas a senhora não acha que ele tentou, assim como o ministro Magalhães, desestabilizar a senhora, do ponto de vista psicológico, para que fique mais fácil esse complô?

Dirce Tutu Quadros: Se eles tentaram, eles fracassaram.

Maria Cristina Duarte: Não, seu pai.

Dirce Tutu Quadros: Não sei, dizem que o ministro também procurou por ele e reclamou da minha atuação e disse a ele que conseguiram controlar toda a bancada, menos a filha, e meu pai disse: “É, minha filha é meio problemática, mas é honesta etc". Não sei e não posso te responder.

Aloísio de Toledo: Deputada, a senhora tem uma diferença com seu pai que a gente sente ao longo das décadas. Durante a campanha eleitoral, por exemplo, a senhora fez uma afirmação que ganhou manchete em todos os jornais, de que havia desaparecido dois milhões de dólares durante a campanha. Agora mesmo, a senhora acabou de dizer que nunca tomou dinheiro de ninguém e pôs isso em dúvida. Agora, na campanha do seu pai a prefeito sumiram dois milhões de dólares...

Dirce Tutu Quadros: É, eu fiquei meio chocada, porque era muito importante que ele ganhasse aquela eleição, era muito importante para ele, para todos nós, para meus filhos. E ele se restabeleceria, nós todos vivemos o peso da renúncia, motivo pelos quais eu saí do Brasil, porque eu era filha daquele que renunciou, era um peso muito grande, e nós quase perdemos a eleição por parte da boca de urna, foi o dinheiro da boca de urna.

Aloísio de Toledo: Mas seria importante a gente saber, deputada, como é que sumiu esse dinheiro.

Dirce Tutu Quadros: Se eu soubesse, era o equivalente ao que seria gasto na boca de urna.

Aloísio de Toledo: Agora, seu pai desmentiu isso, falou que não sumiu nenhum tostão.

Dirce Tutu Quadros: Eu não desminto.

Aloísio de Toledo: Já que ela lembrou o episódio da renúncia, eu tenho uma pergunta nessa linha. Como foi seu dia 21 de agosto de 1961, dia da renúncia do Jânio Quadros à Presidência da República? A senhora lembra como foi esse dia?

Dirce Tutu Quadros: Claro.

Aloísio de Toledo: Onde a senhora estava e o que aconteceu?

Dirce Tutu Quadros: Eu estava na minha casa no Brooklyn [bairro paulistano], com minha primeira filha recém-nascida. Recebi um telefonema e fui participada da renúncia.

Augusto Nunes: Quem informou, deputada?

Dirce Tutu Quadros: Parece que foi o Major Amarante.

Augusto Nunes: Que era do gabinete?

Dirce Tutu Quadros: Exatamente. E pediu que eu me dirigisse para o Guarujá, para me encontrar com meu pai. Arrumei o que pude, fui para lá e nos encontramos.

Ricardo Kotscho: O que sentiu na hora em que ficou sabendo dessa notícia, como a senhora reagiu?

Dirce Tutu Quadros: [pausa] Não foi surpresa.

Ricardo Kotscho: Não foi?

Dirce Tutu Quadros: Não foi uma grande surpresa, não. Qualquer coisa do gênero eu já esperava, mas foi uma grande frustração.

Sérgio Rondino: Pela milésima vez: por que Jânio renunciou?

Augusto Nunes: Ele deu alguma explicação?

Dirce Tutu Quadros: Ele não precisa dar explicação para mim, porque eu sei, e se há alguém neste mundo que sabe, sou eu. Mas não acho honesto que se pergunte isso a mim, eu acho que deve se perguntar isso a ele. Eu respondo pelos meus atos, não pelos dele.

Teresinha Lopes: A senhora acha que algum dia ele dirá isso para a nação?

Aloísio de Toledo: Ele já deu umas dez versões diferentes, né?

Dirce Tutu Quadros: Não sei.

Ricardo Kotscho: Mas por que a senhora disse que não se surpreendeu?

Dirce Tutu Quadros: Porque eu enxergava as dificuldades, eu estive com ele passando uma semana na praia, poucos dias antes da renúncia e conseqüentemente eu via. Vocês sabem, eu nasci e me criei na política. Com meus três anos de idade, meu pai foi o vereador mais eleito na cidade de São Paulo, foi inclusive a primeira Câmara Municipal a ser aberta na abertura democrática de Getúlio Vargas. Eu já vi muita abertura...É por isso que eu fico muito nervosa politicamente: só vejo abertura e as coisas não se abrem.

Tão Gomes: Só para completar, qual a qualidade de Jânio Quadros que a senhora herdou como filha?

Dirce Tutu Quadros: Coragem, agressividade, honestidade.

Tão Gomes: E os defeitos?

Dirce Tutu Quadros: Ele é austero.

Tão Gomes: E os defeitos?

Dirce Tutu Quadros: Os defeitos, os defeitos... Nós somos muito briguentos.

Tão Gomes: O prefeito Jânio Quadros estimula a senhora a continuar na política? Ou ele continua fazendo pressão para a senhora deixar a política?

Dirce Tutu Quadros: Ele está isento, nem a favor e nem contra.

Teresinha Lopes: E sobre isso, deputada, qual o seu futuro político? Quando terminar o seu mandato, o que a senhora pretende fazer? Qual é sua meta na vida política?

Dirce Tutu Quadros:  Eu pretendo continuar lá. Eu pretendo continuar no legislativo, porque o povo brasileiro é composto por 54% de mulheres e, em uma casa de 559 [deputados], nós somos só 25. A mulher foi oprimida pela família e pela sociedade, ela não tem representação. A mulher é muito mais sensível, é uma economista nata, porque quando eu faço supermercado, faço um magistério de economia. A mulher tem obrigação de ocupar o espaço que é dela, tem que fazer representação popular, e ela não faz porque é totalmente rotulada de incompetente. Ela é oprimida, todos tentam desestimulá-la, é tida como fraca. As dificuldades são tantas que ela desanima e recua, mas nós precisamos de mais mulheres.

Aloísio de Toledo: Eu queria fazer uma pergunta familiar. A senhora me perdoe, mas com certa freqüência nós vemos o seu pai fazer referências à enfermidade da sua mãe. Outro dia eu estava lendo um livro do Carlos Lacerda [(1914-1977) jornalista, escritor e político brasileiro. Membro da União Democrática Nacional, deputador federal e governador do Rio de Janeiro entre 1960 e 1965)], escrito há 25 anos, e ele disse que foi visitar seu pai e o convidou a ir em algum lugar, mas seu pai, com lágrimas nos olhos, disse “Eu não posso ir porque Eloá está morrendo”. Ele vem fazendo essa afirmação há décadas e isso gera a impressão de que ele usa politicamente essa situação. Eu queria um esclarecimento definitivo a respeito disso. Como está sua mãe?

Dirce Tutu Quadros: Eu estou em Brasília e ela está aqui, é muito difícil fazer uma análise disso. Ela teve um carcinoma de mama, sofreu uma amputação muito séria, com conseqüência nos músculos etc. Fiquei muito abalada com isso e espero que esteja controlado, não sei. Mas agora eu gostaria de fazer uma pergunta para todos vocês. Vocês querem entrevistar meu pai ou  a minha pessoa? Vamos acertar os ponteiros aqui! [demonstra irritação]

Augusto Nunes: Sem dúvida, como eu disse no começo do programa, a senhora tem uma carreira política que por si só já justifica a entrevista, mas a senhora tem que perdoar essa curiosidade muito natural, pois é filha única do presidente, portanto é uma chance única. A senhora me desculpe, mas tudo nos interessa.

Dirce Tutu Quadros: Não, vamos lá, só que queria que me perguntasse alguma coisinha a meu respeito também.

Augusto Nunes: Ítalo Perteloni, de Perdizes, pergunta qual é seu candidato a prefeito e o que a senhora pensa a respeito da candidatura do apresentador Silvio Santos. Que tipo de análise a senhora faz do quadro de São Paulo na sucessão de Jânio?

Dirce Tutu Quadros: Acho muito prematuro.

Augusto Nunes: Mas a campanha já começou, deputada.

Dirce Tutu Quadros: A campanha já começou, principalmente agora com os dois turnos, para que eu votei a favor e acho que ajudei bastante democraticamente. A campanha começou sim, mas é ainda muito instável qualquer resultado. Eu sou grande admiradora do Silvio Santos, ele presta à população brasileira uma grande colaboração, agora eu acho que ele deveria continuar fazendo o que ele faz. Como prefeito, as conseqüências são muito grandes. Não digo que ele vá ser um mau prefeito, absolutamente, mas a condição para que ele possa adquirir uma bagagem política de repente, não acho necessário o suficiente para ser prefeito de uma cidade que é o terceiro orçamento da União. Tenho por ele o maior respeito, ele tem feito grandes coisas realmente pela população brasileira, mas o povo brasileiro precisa começar a diferenciar certos talentos de outros talentos. Eu tive uma emenda que perdeu, infelizmente, que é a do voto voluntário, contra o voto obrigatório. Você prestigia muito mais a carreira política.

Maria Cristina Duarte: Deputada, eu curti muito o seu quarto quando o seu pai deixava aberto para visitação. E tive oportunidade também de ver um filme em que a senhora parecia uma adolescente tímida num recital de piano. E eu fico olhando o seu rosto nos jornais e agora na televisão, e eu gostaria de saber onde a senhora acha que perdeu a doçura. Foi no embate político, no amor ou na vida diária?

Dirce Tutu Quadros: Acho que não perdi a doçura. A vida pode ser muito difícil e muito fácil também, mas o que nós temos que fazer é aceitar as coisas como elas são. Eu gosto muito mais de mim hoje do que quando eu tinha vinte ou 25 anos. Eu tenho muito mais paciência com a vida, eu sou muito grata pelas oportunidades que eu tive, eu espero ter oportunidade de devolver. Eu fui uma pessoa privilegiada em todos dos pontos.

Maria Cristina Duarte: Agora com as facilidades da Lei do Divórcio, a senhora quer tentar mais vezes o casamento?

Dirce Tutu Quadros: Eu agora tenho uma dificuldade aí, é uma questão de tempo, eu não tenho mais tempo para essas coisas. Eu levanto às seis da manhã, ando duas milhas, me arrumo, levo minha filha para o colégio, vou para a Câmara, volto às onze, meia-noite, dependendo da disposição do doutor Ulysses Guimarães [(1916-1992) político brasileiro do PMDB. Exerceu a presidência da Câmara dos Deputados em três períodos (1956-1957, 1985-1986 e 1987-1988), presidindo a Assembléia Nacional Constituinte, em 1987 e 1988], que anda muito boa, por sinal. Conseqüentemente, não tenho tempo para romance e nada disso. Com a idade, estou com 44 anos, você fica muito exigente, muito sabida, muito sensível.

Maria Cristina Duarte: E o que a senhora está eliminando com a sua sabedoria, como é que fica o seu filtro?

Dirce Tutu Quadros: Não se choque não, estou eliminando quase tudo. [risos]

Clóvis Rossi: Deputada, eu gostaria de voltar um pouquinho ao sumiço de dois milhões de dólares, porque a senhora é membro da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara de Deputados. A senhora não acha que, nesse caso especifico, a senhora certamente deve ter informações que deveriam ser investigadas a fundo? Até porque todas as pessoas que participaram da campanha municipal de São Paulo em 1985 continuam em atividade pública...

Dirce Tutu Quadros:  Eu não posso investigar isso, porque não tenho meios, nem tenho competência, não é verba federal e eu só tenho competência de investigar verbas federais etc. Não há muito o que se possa fazer a respeito, porque aquele que doa não gosta de aparecer, e aquele que recebe não gosta de assinar um recibo. O que nós temos que fazer e já foi um pouco feito na Constituinte, é mudar, pelo amor de Deus, por amor ao povo brasileiro, o sistema eleitoral, para que essas coisas não voltem a acontecer.

Ricardo Kotscho: Esse assunto está ligado a outros assuntos importantes. Depois de a senhora fazer essa denúncia, logo em seguida, foi internada numa clinica psiquiátrica, contra a sua vontade. Até onde a gente sabe, houve também uma viagem ao exterior, na qual a senhora também não queria ir. Na sua opinião, quem deveria estar internado na clínica e não está? Como foi esse episódio?

Augusto Nunes: Deputada, essa questão também desperta a curiosidade dos telespectadores, que perguntam quem a internou na clínica, se é verdade que a senhora contratou um advogado para conseguir um habeas corpus para liberá-la, já que estava ali contra a sua vontade.

Dirce Tutu Quadros: Deixa eu responder essa, antes que eu me esqueça. Foi muito mais bonito do que isso, eu não contratei advogado nenhum. Um jurista chamado Péricles chegou em casa na hora do almoço, sentou para almoçar com a esposa, que disse a ele: "Você sabe o que aconteceu com a filha do Jânio? Ela foi internada numa clínica psiquiátrica". Ele levantou, sem me conhecer, e conseguiu o habeas corpus contra a clínica.

Augusto Nunes: Perfeito, então a senhora está confirmando que esse habeas corpus foi concedido? A senhora tem alguma coisa contra a pessoa ou as pessoas que a internaram? E agora tem a pergunta do Ricardo.

Clóvis Rossi: Eu perguntaria se essa internação tem alguma coisa a ver com a denúncia do sumiço dos dois milhões de dólares.

Dirce Tutu Quadros: Olha, uma coisa que vocês seres humanos devem entender é que tudo isso para mim é muito penoso, muito triste, deprimente. Só conseguimos sobreviver se deixarmos o passado morto em paz. Isso é uma coisa do passado, já aconteceu, eu sobrevivi, saí muito bem, o que é uma coisa até surpreendente. Agora, o que eu fiz foi uma coisa muito mal interpretada. Eu apresentei uma emenda constitucional proibindo internamento psiquiátrico, a não ser com a presença de um curador do Estado e médicos qualificados, porque o que aconteceu comigo foi uma experiência muito interessante. E não aconteceu só comigo. Uma senhora que me procurou foi raptada na Rua Augusta [em São Paulo] por uma clínica, a mando do marido que se apaixonou por uma secretária de 23 anos. Uma jornalista era filha de um militar e se envolveu em política estudantil, então o pai a internou. Eu tive vários casos, enfim, depois do que aconteceu comigo, eu tive quase dez mil telegramas. E aqui no Brasil é uma prática irresponsável e abusada. Quando a pessoa se torna inconveniente, é uma saída.

Aloísio de Toledo: Mas, deputada, por que houve a sua internação?

Dirce Tutu Quadros: Rezo muito por aqueles que me internaram.

Augusto Nunes: A senhora não quer dizer quem foi que internou a senhora?

Tão Gomes: Os três médicos que assinaram a minha internação, um não me via há vinte anos, outro não me via há sete meses e o outro não me via há oito meses. Eles assinaram a internação de uma pessoa sem examinar o paciente.

Teresinha Lopes: Deputada, dando seqüência a isso, dias e meses depois, o vereador Walter Feldman [político brasileiro, então vereador da cidade de São Paulo] recebeu em mãos cópias atestando que o prefeito Jânio Quadros teria uma conta secreta num banco na Suíça e, junto a essa cópia, veio uma receita de bolo escrita por sua mãe Eloá. Então eu queria perguntar o seguinte: a senhora tem idéia de como esses documentos pessoais foram parar nas mãos do vereador?

Dirce Tutu Quadros: Isso é um problema que ataca a honra do meu pai e da minha mãe, que está na Justiça e que não devo discutir aqui com você.

Teresinha Lopes: O prefeito tem conta na Suíça?

Dirce Tutu Quadros: Eu não tenho conhecimento das atividades do prefeito Jânio Quadros.

Augusto Nunes: Como disse no início do programa, a senhora é famosa desde que nasceu. As pessoas que assistem ao programa têm uma curiosidade especial sobre o período que a senhora viveu nos Estados Unidos, porque eles acompanharam sua vida. O Paulo Dias, da Aclimação, gostaria que a senhora fizesse um breve resumo de sua vida nos 17 anos em que morou nos Estados Unidos, onde morou, quando casou e quantos filhos teve. Enfim, como foi sua vida nesses 17 anos, resumidamente?

Dirce Tutu Quadros: Bom, não é fácil resumir. Mas, quando eu cheguei aos Estados Unidos, pensei que eu sabia falar inglês e descobri que não sabia. Só sabia o suficiente para sobreviver lá. Fiz a Universidade do Texas, que fica em Austin.

Augusto Nunes: A senhora não estava casada nessa época?

Dirce Tutu Quadros: Não, não. As capitais americanas são sempre cidades muito pequenas e essa, particularmente, tinha universidade e governo do estado. A universidade era até pequena, tinha uns dois mil e poucos alunos e hoje deve estar com uns quarenta mil. Eu me formei em citologia, que é a história do estudo da célula, e daí me transferi para Houston. Lá trabalhei em um hospital de estudos de câncer,  fazia trabalhos bastante interessantes, fascinantes, é um campo de trabalho muito bom, que aqui no Brasil infelizmente não existe. E eu me casei com um norte-americano onze anos mais velho que eu, tive três filhos. Uma delas está aqui, a Tina. Ela tem 12 anos. [a filha a acompanha na gravação do programa]

Ricardo Kotscho: A senhora já foi casada a primeira vez e teve três filhas.

Dirce Tutu Quadros: Exatamente.

Ricardo Kotscho: Fale um pouco como vivia nos Estados Unidos tão longe das filhas. A senhora teve três filhos do primeiro casamento e três nos Estados Unidos.

Dirce Tutu Quadros: Exatamente.

Ricardo Kotscho: Como é essa vida distante dos filhos?

Dirce Tutu Quadros: É, foi muito difícil para mim, se bem que eu vinha para cá regularmente. E a mais velha foi para lá, as outras não foram. Mas foi muito difícil, naturalmente, foi uma parte muito sofrida. Agora, era muito difícil para mim também ficar aqui no Brasil. Eu tentei fazer universidade, tentei fazer direito na PUC [Pontifícia Universidade Católica] e não consegui, era uma vida muito marcada. Eu era filha daquele que renunciou, era o culpado de todas as desgraças e problemas deste país, eu era uma pessoa a quem não era dada nenhuma possibilidade de vida, enfim, comecei a passar por uma série de problemas. Então, tive que fazer uma opção. Para tudo na vida você tem que pagar um preço, nada vem de graça.

Tão Gomes: O que a senhora acha da democracia americana?

Dirce Tutu Quadros: Olha, democracia americana é democracia americana. Agora, sou contra a entrada do capital estrangeiro aqui no Brasil. Eu acho que o Brasil não deve pagar a dívida externa no momento, o Brasil decretou moratória duas vezes, o povo brasileiro não agüenta esse pagamento, nós não agüentamos a presença do FMI [Fundo Monetário Internacional]. Americano é maravilhoso dentro de casa, mas quando ele passa a fronteira vira inimigo.

Tão Gomes: A senhora acha que existe um imperialismo atuando no Brasil e na América Latina?

Dirce Tutu Quadros: No mundo inteiro, no mundo inteiro, ele saiu de casa para fazer lucro, defender o que é dele e levar para casa. Agora, a democracia americana, os direitos humanos, o valor do cidadão é um negócio que nós todos devemos aprender. O sistema democrata é interessante. Quando eu cheguei nos Estados Unidos, em 1968, eles estavam virando os ônibus, incendiando etc, por problemas raciais, não aceitavam crianças pretas na escola. E, em 1979, meu três filhos tinham professoras negras na escola. Você vê uma evolução e uma Constituição que cabe numa página e que teve todo esse jogo de cintura ao longo dos anos. Esse é o segredo da democracia e do presidencialismo americano, e por isso que os Estados Unidos é o único pais democrata de sucesso presidencialista. Ele tem um grande poder judiciário. Eu sou parlamentarista.

Junia de Sá: Já que a senhora morou nos Estados Unidos, as pessoas a reconheciam como filha do ex-presidente brasileiro, que havia renunciado? Isso porque exatamente quando a senhora chegou aos Estados Unidos, o Brasil vivia uma época muito especial da sua história, os americanos estavam com "olhos pesados" aqui. Como era sua convivência com os norte-americanos na universidade?

Dirce Tutu Quadros: Eu saí e imediatamente puseram o AI-5, né? Mas a convivência era completamente normal, ninguém sabia que eu era filha de presidente ou qualquer coisa do gênero.

Junia de Sá: E os que sabiam, o que comentavam com a senhora a respeito do Brasil, a respeito da renúncia do seu pai, como era visto isso nessa época?

Dirce Tutu Quadros: Não foi muito visto e nem muito discutido, foi simplesmente aceito. A América Latina é muito tumultuada, então foi uma coisa analisada com muito mais frieza, de fora você sempre vê as coisas com muito mais calma.

Augusto Nunes: Só continuando a pergunta que foi feita, como era o tratamento dispensado à mulher americana? Em que medida ele é diferente do Brasil, das injustiças aqui praticadas contra a mulher? Quais são as diferenças?

Dirce Tutu Quadros: A diferença é brutal. O homem e a mulher americanos são iguais. O homem e a mulher brasileira não são iguais. Por sinal, democraticamente, nos Estados Unidos todos são iguais, e aqui não. Para começar, a renda do povo brasileiro: 50% dela está na mão de 10% da população. O brasileiro per capita é o quadragésimo oitavo em distribuição de renda pessoal. Ele recebe um terço do salário mínimo da América Latina. Ele sofre a carência de quatrocentas calorias por dia e está doze centímetros mais baixo do que deveria. Então, veja que, na nossa sociedade, os homens não são iguais, as mulheres não são iguais. Agora, na Constituinte estamos dando direito de terra e propriedade à mulher do campo, isso não existia antes. Quando eu e meu primeiro marido quisemos abrir uma boutique na Rua Augusta, ele teve que assinar a permissão para meu negócio. Enfim, a mulher brasileira ainda é uma brasileira de segunda classe.

Sérgio Rondino: A senhora demonstra claramente que acha doloroso falar de assuntos familiares...

Dirce Tutu Quadros: Doloroso e desinteressante, né?

Sérgio Rondino: Mas isso faz parte, é a sina do homem público.A senhora deve ter sofrido isso muito ao longo da história política do seu pai, quando a senhora não era política.

Dirce Tutu Quadros: Eu nasci e me criei num aquário.

Sérgio Rondino: Exatamente. A senhora não previa que poderia entrar na política?

Dirce Tutu Quadros:  Ah, mas é claro, e eu tiro tudo de letra, eu não me aborreço nunca, não me deprimo, porque é um direito de todos a curiosidade. Mas também há um certo direito de privacidade. As coisas se tornam repetitivas, o que perde completamente o interesse.

Sérgio Rondino: Mas por que entrar para a política? A senhora sempre gostou da política?

Dirce Tutu Quadros: Eu só posso gostar de política, porque como eu te disse, eu vivi e me criei nela. Aos três anos de idade, meu pai foi o vereador mais votado em São Paulo, e, naturalmente, pelo ambiente, o assunto se tornou de maior interesse na minha vida. E eu fui uma pessoa muito exposta, viajei para mais de 41 países, estudei os diferentes estilos de governos e sociedades, os diferentes povos etc, as condições das mulheres, das adolescentes, e tudo isso me interessou muito. Agora o que mais me interessou realmente foi a Constituinte. O Brasil estava atrasado em matéria de Constituição e, infelizmente, ele não está melhorando muito nessa nova Constituição, porque a renovação de 72% do Congresso  não foi tão progressista quanto eu esperaria que fosse.

Sérgio Rondino: A senhora tem votado absolutamente no progressista?

Dirce Tutu Quadros: Sou progressista e me confesso uma mulher de centro-esquerda, porque as elites são muito egoístas.

Maria Cristina Duarte: Eu acho o seguinte, eu queria tirar o Quadros da sua vida um pouquinho, não queria fazer fofoca. Minha intenção é individualizá-la um pouco pela sua história, embora este seja um programa político. Eu queria que a senhora aprofundasse a densidade da sua própria personalidade, porque senão eu me sinto injusta de sempre pensá-la como [filha] do Jânio Quadros. Então eu quero saber como essa mulher sobrevive a todas essas passagens que contou? Como ela dorme, sobrevive? Eu gostaria de conhecê-la, porque essa estirpe de algum lugar a senhora tirou e eu acredito que não é da genética.

Augusto Nunes: Deputada, depois da sua resposta teremos um breve intervalo, por favor.

Dirce Tutu Quadros: [pausa] Você sabe o que é sofrimento?

Maria Cristina Duarte: Um pouquinho.

Dirce Tutu Quadros: Sofrimento é uma ignorância, a não ser o físico. Tem gente que me diz  “Ah, mas ninguém sente falta do que nunca teve”, como se aquele que nunca teve sapato pudesse morrer descalço, aquele que nunca teve alimento pudesse morrer de fome, não é isso que eu digo. Eu digo sobre essa parte emocional. Você tem que aceitar as coisas como ela são e crescer. É mais uma experiência.

Maria Cristina Duarte: Mas a senhora sobrevive, a senhora não tem insônia?

Dirce Tutu Quadros: Eu durmo bem todas as noites.

Maria Cristina Duarte: Nunca fez terapia, essas coisas que algumas pessoas comuns buscam para superar dramas menores? A senhora já passou pela experiência de pedir um calmante, de um analista, de um terapeuta?

Dirce Tutu Quadros: Não quero ofender nenhuma classe, sou cientista, tenho muito apreço a medicina, mas a compreensão e a cabeça fria valem muito mais do que qualquer divã de analista. Sinceramente, os analistas que conheci estavam muito piores do que eu, desculpe me pronunciar publicamente, devo ter perdido voto de muitos deles. Temos que ter fé na vida, na humanidade e paz consigo mesmo. Eu posso ter me aborrecido muito com a atitude de outros, mas raramente me aborreço com as minhas.

[intervalo]

Augusto Nunes: Eu vou fazer três perguntas de uma vez para a deputada Dirce Tutu Quadros. A primeira do Ângelo Serseval, da Vila Nova Conceição, é a seguinte: a senhora foi eleita por suas qualidades, por ser filha do Jânio ou pelos inimigos do Jânio? E a Ivete Conceição pergunta se a senhora pretende ser candidata a outro quadro político como, por exemplo, prefeita, governadora do estado ou presidente da República. E a Evelyn Pereira – a senhora veja como o público feminino é considerável - pergunta se a senhora tem vontade de ser presidente da República e se sim, quais as principais mudanças que a senhora faria de imediato.

Dirce Tutu Quadros: Muito bem. Minha vitória não foi fácil, nem bonita. Não tive muitos votos, naturalmente quando uma pessoa como eu queria ser representante do povo, poderia ser interpretado como capricho. Eu mesma pensaria antes de votar simplesmente na filha de algum político. O nome Quadros é um marketing político, dá votos, não resta dúvida. Eu tive uma oportunidade. Agora, se eu me mantenho nela, é totalmente responsabilidade minha. Eu fui privilegiada, porque eu tive uma oportunidade que muitas pessoas não têm. Agora eu tenho que trabalhar muito para manter essa oportunidade que me foi dada. Agora, o que eu pretendo? Eu sempre disse isso ao Jânio Quadros: ele teria sido o melhor senador e deputado federal que esse Brasil já teve, pela nossa personalidade de combativos e estudiosos. Leio duzentas páginas por dia, diariamente, porque não se pode fazer fiscalização e controle do governo sem acompanhar o que o governo está fazendo, e eu gosto muito realmente do que eu estou fazendo, o poder legislativo me fascina. No momento em que me dessem uma prefeitura, governo ou presidência e uma escrivaninha, eu morreria.

Augusto Nunes: A senhora pretende continuar no legislativo?

Dirce Tutu Quadros: Eu pretendo continuar no legislativo.

Ricardo Kotscho: Na campanha eleitoral, quando a senhora se tornou candidata, lembro que eu fiz uma entrevista com Jânio Quadros e ele disse que não votaria na senhora. Isso foi uns quatro, cinco meses antes da eleição. Depois, parece que ele ajudou na sua campanha. O que aconteceu?

Dirce Tutu Quadros: Vinte dias antes.

Ricardo Kotscho: Qual foi a participação dele na sua eleição?

Dirce Tutu Quadros: O que eu vou te dizer, eu ouvi e não testemunhei: uns vinte dias antes das eleições, ele reuniu o secretariado e todos os cabos eleitorais antigos e pediu que colaborassem comigo. Mas eu tenho a impressão que, a essa altura, já não adiantou muito. Ele entrou na campanha tarde demais.

Ricardo Kotscho: Como a senhora sentiu esse apoio?

Dirce Tutu Quadros: Mais uma vez, pergunte a ele e não a mim. Talvez porque ele tivesse medo da derrota, uma vez isso pudesse refletir no nome e na reputação dele.

Aloísio de Toledo: A senhora nunca imaginava que iria votar com os progressistas e ele não concordaria?

Dirce Tutu Quadros: Uma coisa quero deixar bem clara: eu amo meu pai, ele é o único pai que eu tenho, não posso me divorciar do meu pai, não posso arrumar outro pai, ele é meu pai.

Aloísio de Toledo: E se pudesse?

Dirce Tutu Quadros: Mas o meu compromisso político não é com meu pai, é com as 34 mil pessoas que votaram em mim, ou seja, com o povo brasileiro.

Aloísio de Toledo: Deputada, seu pai lhe colocou a máquina à disposição quando faltava sessenta dias para as eleições.

Dirce Tutu Quadros: Não, eu tenho conhecimento de vinte dias antes das eleições. Você está enganado.

Aloísio de Toledo: Mas a máquina estava trabalhando a favor da senhora há quanto tempo?

Dirce Tutu Quadros: Não, a máquina já estava toda comprometida com outros candidatos da área janista.

Teresinha Lopes: Deputada, a senhora nunca pediu apoio ao seu pai?

Dirce Tutu Quadros: Não.

Teresinha Lopes: Por quê?

Dirce Tutu Quadros: Porque eu acho que essas coisas não se pedem, as pessoas dão ou não.

Teresinha Lopes: Mas ele é seu pai, deputada...

Augusto Nunes: A senhora mesma falou que teve 34 mil votos, que a votação não foi muito grande, e na primeira parte do programa, falou que a bancada feminina na Câmara é muito pequena. Então, por que as mulheres brasileiras não se preocupam eleger uma bancada feminina maior, na medida em que há vários direitos a serem conquistados?

Dirce Tutu Quadros: Porque a mulher ainda não aprendeu a se valorizar e a valorizar as outras mulheres. A mulher tem uma coisa que os homens não têm, é altamente competitiva. Quando um homem olha outro homem e vê um homem inteligente, bem vestido, ele fica satisfeito. Quando uma mulher vê uma mulher bonita, bem vestida, culta e realizada, ela fica invejosa e despeitada. A mulher tem muito o que consertar em si mesmo. A mulher não sabe usar a força que tem e perde muito com isso. São mulheres que se acostumaram tanto com a opressão, que estão totalmente acostumadas, condicionadas, satisfeitas com a condição de sub-cidadãs. A mulher é muito responsável por tudo isso que está acontecendo.

Clóvis Rossi: Deputada, eu queria entender um pouquinho sua ideologia. A senhora se diz aqui contra o capital estrangeiro para o Brasil, a favor do calote na dívida externa, contra o FMI etc. Então a senhora se elegeu pelo Partido Social Cristão, que prega o contrário que a senhora disse. Faz parte hoje de um PTB, cuja maioria da Constituinte vota com o "centrão" [Centro Democrático, grupo majoritário na Constituinte,  formado por uma parcela dos parlamentares do PMDB, PFL (Partido da Frente Lideral) e PTB, apoiado pelo poder executivo e representantes das tendências mais conservadoras da sociedade] e opções mais conservadoras. Eu queria entender como a senhora explica essa contradição aparente. Ou a senhora não está satisfeita nem com o PTB e nem com o PSC?

Dirce Tutu Quadros: Não quero ofender ninguém, mas essa é uma das grandes perguntas da noite. Meus parabéns! O problema é o seguinte: eu queria ser constituinte, oferecer a experiência e bagagem que eu tinha, a exposição que sofri na vida, queria transformar tudo isso em alguma coisa que me desse uma boa razão de viver. Esses são os únicos retornos que eu espero da minha atuação política.

Aloísio de Toledo: E não podia se filiar a um partido que fosse mais afinado com essa série?

Dirce Tutu Quadros: Não podia, não. Em primeiro lugar, eu trabalhei para Antônio Ermírio de Moraes [empresário, engenheiro e industrial brasileiro, proprietário do grupo Votorantim. Foi candidato ao governo de São Paulo em 1986, mas ficou em segundo lugar], ele foi meu candidato a governador de São Paulo, e eu tenho certeza de que a população paulista já se arrepende muito de não tê-lo eleito, ele deveria e merecia ser governador. O PTB, que era o partido dele, não me dava legenda, porque o Jânio era o líder e os janistas não queriam. Nenhum outro partido aceitaria a candidatura da filha do Jânio.

Aloísio de Toledo: E não poderia tentar outro partido, por exemplo?

Dirce Tutu Quadros: Mas não era caso de tentar...o PMDB iria me dar legenda? Vocês conhecem isso o suficiente...

Aloísio de Toledo: Mas hoje a senhora se sente desconfortável nesse PTB que vota no "centrão"?

Dirce Tutu Quadros: Muito, muito. Eu não tenho nada a ver com o PTB. Se esse partido seguisse seus estatutos, não deveria existir o PT, o Partido dos Trabalhadores, porque ele representaria exatamente o trabalhador brasileiro. Mas, o PTB, mais cedo ou mais tarde, vai aderir ao governo Sarney, deve provavelmente pegar um ministério. Agora, o Brasil está precisando de um partido de centro-esquerda, social-progressista.

Aloísio de Toledo: A senhora se sentiria à vontade nesse partido que o Fernando Henrique [presidente da República entre 1995 e 2001, então senador], Mário Covas e Franco Montoro estão pensando em criar? [refere-se ao PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira, fundado em junho de 1988 por um grupo de dissidentes do próprio PMDB]

Augusto Nunes: Aliás, a senhora tem conversado com o senador Fernando Henrique sobre possibilidades de se filiar ao partido?

Dirce Tutu Quadros: Tenho, tenho.

Aloísio de Toledo: E ele não se arrepia de se aliar a uma Quadros?

Dirce Tutu Quadros: Hoje não, mas ele se arrepiava muito na época que você me perguntou por que eu não saí por outro partido.

Tão Gomes: O Fernando Henrique inclusive usa a comparação Jânio Quadros e Tutu Quadros para mostrar os defeitos do prefeito.

Dirce Tutu Quadros: Eu não sabia disso.

Tão Gomes: Já li duas entrevistas em que ele fala que Tutu Quadros é ótima, honesta e decente, e Jânio Quadros não.

Ricardo Kotscho: Eu assisti a um debate político na televisão, na fundação do "centrão". A senhora não assinou um documento de fundação do "centrão"?

Dirce Tutu Quadros: Eu nunca participei do "centrão".

Ricardo Kotscho: E o que houve então?

Dirce Tutu Quadros: O único documento que eu assinei na Constituinte foi a mudança do regimento interno e vou te dizer porquê. Constituintes como eu, que não participaram da sistematização, foram de segunda classe, não obtiveram oportunidades de emendas. Na mudança do regimento, nosso trabalho teve oportunidade de ser ampliado, pudemos apresentar cinco emendas novas e requerer quatro destaques. Eu assinei esse documento da mudança do regimento.

Aloísio de Toledo: Deputada, nós vamos ter eleições municipais este ano.

Dirce Tutu Quadros: Se Deus quiser!

Aloísio de Toledo: E se elegerá um candidato que sucederá seu pai. A senhora já tem candidato?

Dirce Tutu Quadros: Já me perguntaram isso aqui.

[...]: A senhora apoiaria seu ex-marido, o ex-secretário [...], que vai ser candidato?

Dirce Tutu Quadros: Não, eu tenho grande admiração por ele, tanto tenho que convivi com ele, mas a linha ideológica dele é diferente da minha.

Aloísio de Toledo: Estão no mesmo partido?

Tão Gomes: A senhora também está no PTB.

Dirce Tutu Quadros: Estou no PTB. Mas ele é um homem de direita. Não, eu não o apoiaria. Inclusive, foi um dos motivos pelos quais nós nos separamos. Mas eu tenho por ele muita admiração, ele é muito culto, muito inteligente e muito preparado, mas é um técnico.

Clóvis Rossi: E quem a senhora apoiaria?

Dirce Tutu Quadros: Quem eu apoiaria? [pensando]

Clóvis Rossi: Está difícil? Candidatos históricos do PMDB?

Dirce Tutu Quadros: Quem seriam os candidatos históricos do PMDB?

Clóvis Rossi: Mario Covas, José Serra, Fernando Henrique, Franco Montoro, Pazzianoto [Almir Pazzianoto, jurista e político brasileiro pelo PMDB. Foi ministro do Trabalho no governo José Sarney]...

Dirce Tutu Quadros: O Pazzianoto é um nome bastante interessante, ele é um homem limpo.

Augusto Nunes: A senhora, de certa forma, respondeu essa pergunta, mas eu vou refazê-la, porque acredito que muitos telespectadores estejam interessadas em mais esclarecimentos. A Nédia Mara, de Praia Grande, diz que sofreu um problema que resultou num internamento semelhante ao da senhora e pergunta que atitude pode tomar uma vítima desse tipo para se defender. A senhora teve ajuda de um advogado que espontaneamente impetrou um habeas corpus. Agora, se alguém sofrer uma violência desse tipo, como deve proceder? Uma pergunta de telespectadora.

Dirce Tutu Quadros: Bom, ela deve manter sempre um advogado de alerta. Como eu nunca tinha cometido crimes, nunca tive sequer uma multa de carro etc, estava despreparada, fui pega de surpresa. Mas se ela já passou por isso, deve ter um advogado de plantão constantemente e se Deus quiser, dou a ela minha palavra e meu sangue, isso tudo vai ser impossibilitado.

Sérgio Rondino: A senhora disse que apresentou uma emenda. Ela  vai ser votada ainda?

Dirce Tutu Quadros: Não, a emenda foi rejeitada por não ser considerada matéria constitucional pura e simplesmente, mas é uma coisa bastante interessante: o que é matéria constitucional? Se dependesse de mim, a Constituição seria algo totalmente sintético de uma página, e ela saiu analítica, então quem carrega duas listas telefônicas, carrega três listas telefônicas, não? Tudo o que a Constituição tem é aquilo que nós, contribuintes, queremos que ela tenha.

Aloísio de Toledo: Isso está bem abrangido na parte de direitos humanos.

Dirce Tutu Quadros: Não, não está.

Tão Gomes: Como as mulheres constituintes se comportam? Elas se reúnem para estabelecerem uma estratégia?

Dirce Tutu Quadros: A bancada feminina é terrivelmente unida, nós temos grandes deputadas, é uma turma bastante atuante.

Ricardo Kotscho: Seu nome está muito ligado à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. A senhora falou de um caso de Natal, de uma empreiteira do genro do ex-ministro Antônio Carlos Magalhães. Qual é o caso novo que está investigando agora?

Augusto Nunes: Aliás, Ricardo, gostaria que a deputada falasse sobre os resultados obtidos na apuração em Pinheiro [cidade do Maranhão], que é a terra natal do presidente Sarney. A senhora fez parte das investigações.

Dirce Tutu Quadros: Não. O problema é o seguinte, nós temos as investigações da Câmara, da qual sou parte, e do Senado. E nós trabalhamos em conjunto. Eu acompanho a deles, eles acompanham a minha e trocamos documentos. A investigação de Pinheiro foi feita pelo senador Maurício Corrêa, eu fiz as investigações em Viana, no Maranhão. Viana é uma coisa bastante interessante...Em agosto do ano passado, Aníbal Teixeira [ministro do Planejamento do governo Sarney] deu ao prefeito dez mil cruzados para que se fizesse um hotel cinco estrelas. O hotel desapareceu e o dinheiro sumiu. Então, eu fui a Viana fazer a investigação, fiz todo o encaminhamento, remeti a Polícia Federal. Para vocês verem a tragédia que é o Brasil, essa cidade tem dez mil habitantes, duas escolas muito precárias, não tem um hospital, não tem água, esgoto, nenhum sistema de infra-estrutura e nós vimos dois leprosos na rua. Esse dinheiro foi dado sem plano de obras, sem nenhuma especificação. Foi só um exemplo que nós pegamos esporadicamente. E teve um deputado que me disse que corrupção não faz diferença, mas faz. Quando você tem um país que é o oitavo em renda e o povo é o quadragésimo oitavo em distribuição de renda per capita, essa diferença está em algum lugar, aumentando o patrimônio de alguém.

Augusto Nunes: Deputada, a senhora falava da bancada feminina, que é muito unida. O Ricardo tocou no problema da corrupção, então nós vamos pedir que a senhora acompanhe por aquele monitor, a pergunta da deputada federal Rita Camata, que é da bancada feminina e também está preocupada com a corrupção.

[VT com
Rita Camata]: Tutu, minhas felicitações pela sua atuação e sua dupla jornada hoje como  constituinte e como membro da importante Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara Federal. Eu pergunto agora: você acha que a promulgação da nova Carta Magna deste país deterá um pouco mais a onda de corrupção que nós vivemos hoje?

Dirce Tutu Quadros: Vai, em parte. Nem tanto quanto eu gostaria que fosse, porque essa nova Constituição dá mais poderes ao legislativo e ele é mais fácil de ser controlado na área da corrupção do que o executivo, porque ele é dividido, aberto para debates, inquéritos, limpo, em cima da mesa.

Sérgio Rondino: Deputada, qual é a sua opinião sobre o poder legislativo? Parece que a senhora acredita no parlamento. Mas e a teoria do "dando é que se recebe" nesse caso? Porque eu posso lhe dar um exemplo familiar. O seu pai, quando renunciou, alegava dificuldades com o Congresso, que exigia um apoio que ele não podia dar. Hoje em dia, ele não tem nenhum problema com a Câmara Municipal. Suponho que Jânio Quadros tenha aprendido a lição. A senhora acredita que esse legislativo vai melhorar ou a gente vai continuar no "é dando que se recebe"? O que vai prevalecer nas relações entre os poderes no Brasil?

Dirce Tutu Quadros: "Dando que se recebe" é um negócio muito sério. As coisas chegaram a um ponto de se perder a dignidade, a vergonha na cara.

Clóvis Rossi: É verdade que os deputados José Genoíno e Ronaldo Celso Coelho levantaram a suspeita de que a fixação do teto de 12% [de juros] ao ano pela Constituinte, é uma vingança contra deputados que votaram contra a reforma agrária? E segundo, a expectativa era receber vantagens no segundo turno para eliminar os 12%?

Dirce Tutu Quadros: Não acredito, não acredito. A tabela de juros é bíblica, é algo bastante antigo. Os juros precisam ser tabelados e eu votei a favor. Tudo precisa ser controlado, você não pode deixar o ser humano completamente à vontade, porque ele é egoísta e vai defender os interesses dele e não do povo, eventualmente. Eu não acredito nisso não, mas eu vi coisas incríveis lá. Eu vi um deputado mineiro, não dou o nome, porque quando fizer vou fazer bem feito - nunca fui desmentida, tudo que apresento é documentado, com relatórios - mas eu vi um deputado mineiro subir na tribuna e fazer um discurso sobre o parlamentarismo. E quando ele desceu, um deputado do centrão gritou: “A posição do seu irmão já saiu!”, e ele votou pelo presidencialismo. Isso foi questão de 45 minutos. Nisso, as posições são dadas, as concessões de rádios cedidas, os cargos, as nomeações. Eu fiquei tão chocada no dia do voto do sistema do governo, uma loucura! Eu e a Abigail Feitosa, que é deputada da bancada da Bahia, saímos e vomitamos, literalmente.

Teresinha Lopes: Deputada, estamos às vésperas da votação do mandato do presidente Sarney e nos parece mais tranqüila do que foi a do sistema de governo. Como a senhora está vendo as votações que acontecerão nesta semana?

Dirce Tutu Quadros: Olha, eu não estou tão ao par dessa segunda, como estive na primeira, porque eu fiz tanto escândalo, eu subia na tribuna desde o primeiro dia e falava uma barbaridade, que agora, por onde passo, todo mundo se cala. É uma coisa bastante interessante...

Teresinha Lopes: Então a senhora está por fora?

Dirce Tutu Quadros: Agora, me ofereceram muita coisa também na primeira.

Clóvis Rossi: Quem ofereceu e o quê?

Dirce Tutu Quadros: Roberto Abreu Sodré [(1917-1999) político brasileiro, ministro das Relações Exteriores do governo Sarney] me ligou várias vezes.

Clóvis Rossi: Ofereceu o quê?

Dirce Tutu Quadros: Não forneceu detalhes.

Teresinha Lopes: E agora ofereceram alguma coisa?

Dirce Tutu Quadros: Agora não.

Maria Cristina Duarte: Deputada, na bancada feminina, a senhora encontra o mesmo nível de inveja e competitividade que achou no seu eleitorado? Eu fiquei um pouquinho mordida com isso.

Dirce Tutu Quadros:  Não é para ficar mordida, eu só quero que as mulheres estabeleçam mais o sentido de competitividade.

Maria Cristina Duarte: Mas a senhora não distinguiu...

Dirce Tutu Quadros: Não, entre as mulheres, não. A Rita Camata, por exemplo, é uma grande deputada e respeitada por todas. Nós somos uma minoria tão esmagadora...

Maria Cristina Duarte: Agora, em homens a senhora não vê acirrada essa competição e inveja, mas mais corrupção? Eu gostaria de saber quais são as qualidades, o que os homens têm mais de peculiar?

Dirce Tutu Quadros: Os homens, não digo que são mais susceptíveis à corrupção, mas eu acho que [são] por natureza, né? Por exemplo, uma vez me ofereceram uma estação de rádio e eu disse: "Bom, vou ter que me nivelar com esse indivíduo". Não era o ministro Antônio Carlos Magalhães, era outra pessoa que prefiro não citar...

Clóvis Rossi: A senhora tem que dar nomes aos bois, deputada.

Aloísio de Toledo: Nós somos jornalistas e queremos saber a verdade.

Clóvis Rossi: A senhora, até agora, não mencionou ninguém do meio parlamentar e político, seja no caso dos dois milhões de dólares, seja no caso desse deputado que a senhora faz questão de preservar o nome. Por que não dá nome aos bois?

Dirce Tutu Quadros: No dia que eu der, vou dar com mais dados. Mas me diga uma coisa, o que uma mulher como eu faria com uma estação de rádio?

Tão Gomes: Venderia por setenta mil dólares, por exemplo.

Dirce Tutu Quadros: Sim, me disseram isso, mas o que é que eu faria com os setenta mil dólares?

Tão Gomes: Aplicaria.

Dirce Tutu Quadros: Mas o que eu ganharia? Quer dizer, a nossa mentalidade feminina é muito mais prática, nós não temos essa preocupação, mulher é mais fácil nessa área, não está preocupada com patrimônio.

Tão Gomes: Algumas têm.

Maria Cristina Duarte: Olha, não precisa discutir isso, senão a conversa vai crescer muito. Eu só gostaria que a senhora colocasse um defeitinho nos homens para a gente ficar igual.

Dirce Tutu Quadros: Olha, se homem não tivesse defeito, eu não estaria sozinha, minha querida, homem tem muito defeito. Homem é muito inseguro, é imaturo.

Maria Cristina Duarte: É isso aí, estou satisfeita.

Dirce Tutu Quadros: Ele é muito imaturo, ele é muito dependente.

Clóvis Rossi: Eu queria entender um pouquinho como  funciona a cabeça de uma política, numa situação que pode vir a acontecer a curto prazo. A senhora foi casada com o senhor [...], que admira. Ele pode vir a ser candidato a prefeito. A senhora é filha do prefeito Jânio Quadros, quer certamente terá seu próprio candidato, que não é certamente a figura de estimação do senador Fernando Henrique e, finalmente, a senhora pode estar nesse partido que vai lançar candidato a prefeito. Isso não pode criar um curto circuito mental? Quer dizer, como a senhora se relaciona com seu pai, com o senhor [...] e tendo um candidato contra eles, de um partido que tem a figura do seu pai como uma das figuras mais odiadas?

Dirce Tutu Quadros: Tem que funcionar muito claramente e dividir os departamentos, uma divisão muito firme. Quando você começar a misturar as coisas, perde completamente a autenticidade e capacidade do seu trabalho e realização. Não pode misturar os departamentos.

Clóvis Rossi: Quer dizer, no momento em que a senhora vai à casa de seu pai, a senhora é só filha?

Dirce Tutu Quadros: Só filha. Eu já disse, meu pai é o único pai que eu tenho.

Ricardo Kotscho: Não me leve a mal, mas eu gostaria de fazer uma pergunta sobre isso outra vez.

Dirce Tutu Quadros: Lá vem ele...

Ricardo Kotscho: É bem provável que o prefeito Jânio Quadros esteja assistindo ao programa. Gostaria de saber o que a senhora gostaria de falar para ele agora, aproveitando que estamos no ar.

Dirce Tutu Quadros: Ah, eu quero dizer para ele que o povo tem muita frustração e que o povo quer votar.

Augusto Nunes: O quanto antes.

Dirce Tutu Quadros: E 66% da população está insatisfeita com o governo Sarney, e que Sarney tem que, na qualidade de estadista, se retirar, colaborando com a abertura democrática. E nós precisamos também eleger os nossos prefeitos, principalmente os vereadores que estão aí há seis anos. Vão ficar quanto, sete, oito, nove, dez? Então, por favor, eu gostaria que o prefeito Jânio Quadros repensasse o seu posicionamento.

Ricardo Kotscho: A senhora falou como deputada. E como filha, o que a senhora diria?

Dirce Tutu Quadros: Ah, como filha eu quero que ele cuide muito bem da saúde dele, se alimente bem, já devia estar dormindo, por sinal, porque ele acorda cedo. E que cuide bem do meu cachorrinho que está lá.

Augusto Nunes: Deputada, por favor, os nossos telespectadores estão nos ligando, pedindo sua opinião sobre várias figuras. Agora, há três mais mencionadas aqui, ou melhor, quatro: Antonio Ermírio de Moraes, Paulo Maluf, Leonel Brizola e Lula. O que a senhora pensa deles?

Dirce Tutu Quadros: Ainda bem, começou a melhorar, estou mais satisfeita. Vamos lá. Antonio Ermírio de Moraes é a grande reserva moral e política brasileira, ainda tenho muita fé nele, embora dirigir um país não seja dirigir uma indústria, porque numa indústria você pode cometer crueldades e egoísmos, o que já não pode haver com o povo, numa nação. Esse homem demonstrou grande capacidade e eu ainda sou eleitora dele. Sobre o Maluf, lutei tanto, nas minhas possibilidades muito modestas como eleitora brasileira, para que ele não se elegesse [primeira eleição direta para a Presidência, após a abertura política de 1985]. No Brasil, formou-se uma onda: "Temos que parar o Maluf'. E confesso que eu fazia parte dela. Será que eu fiz a coisa certa? Será que o Paulo Maluf seria um pior governo do que é o Sarney? Será que seria melhor parar a onda que se faz um Brizola? O governo do Brizola no Rio não foi tão ruim assim. Então, os militares dizem: não se pode ter eleições agora, porque senão se elege um Brizola. O povo elege quem ele quiser. Tenho pelo Lula o maior respeito. O PT é o partido mais sério dentro da Constituinte. O PT não falta às sessões, estuda tudo, acompanha tudo. O deputado do PT doa a seu partido 40% do seu salário. Das quatro passagens mensais, ele entrega duas. Conseqüentemente, quando você tem uma sessão, você olha para cima e vê uma galeria de gente do PT, dos outros partidos não. São as esquerdas ativas, não é esquerda partida.

Augusto Nunes: O que não agrada no PT?

Dirce Tutu Quadros: Entre eu e o PT existiu uma única pedra no caminho, que foi a posição presidencialista deles e eu sou parlamentarista.

Augusto Nunes: Só isso?

Dirce Tutu Quadros: Só isso. Concordei com eles e votei com eles até agora.

Aloísio de Toledo: Não quero devassar a intimidade família, mas apenas a título folclórico...

Dirce Tutu Quadros: Ai meu Deus! Está folclórico demais no programa político mais sério deste país! Pode continuar.

Aloísio de Toledo: Nós, jornalistas, ouvimos com muita freqüência uma frase que seu pai propaga a respeito de uma previsão de um astrólogo a respeito do futuro político dele. A senhora já deve ter ouvido isso dezenas de vezes.

Dirce Tutu Quadros: Eu não acredito, não sou supersticiosa.

Aloísio de Toledo: Que previsão é essa?

Dirce Tutu Quadros: Não acredito em previsão nenhuma. Foi uma previsão quando ele era estudante de direito, que disseram a ele que seria presidente da República, depois cairia e seria presidente da República outra vez e que no mandato, seria assassinado publicamente. Ouvi dizer, não participei, sei tanto quanto você. Agora, ele que conte.

Teresinha Lopes: E a senhora torce para que dê tudo certo?

Dirce Tutu Quadros: Não posso temer, nem torcer. Como te disse, não acredito, em primeiro lugar. Em segundo, não posso torcer para que meu pai seja assassinado ocupando o cargo mais alto desta nação.

Maria Cristina Duarte: O folclore, que a senhora aqui não considera político,  foi um dos carros-chefes para eleição do seu pai. A senhora considera que o folclore, no seu caso, não contribui para sua eleição?

Dirce Tutu Quadros: O quê?

Maria Cristina Duarte: Tudo, o cachorrinho, a caspa, a mortadela, essas coisas que ajudaram a popularizá-lo e que, de certa maneira, vieram com voce.

Dirce Tutu Quadros: Isso era mais válido na minha infância, viu? Não subestime o povo brasileiro. Porque, inclusive, na minha infância, ele não era nem dono de rádio. Na campanha para presidente, em 1959, ele já tinha um radinho de pilha, e hoje ele já está na televisão. Você não encontra ninguém de favela e de barraco que não sabe o que é FMI, dívida externa etc. Não subestime o povo brasileiro, porque o folclore, felizmente, está perdendo o seu poder.

Tão Gomes: Deputada, a senhora recomenda às mulheres que votem em mulheres?

Dirce Tutu Quadros: Eu recomendo que as mulheres votem em mulheres competentes. Entre uma mulher incompetente e um homem competente, vote no homem competente, mas, por favor, procure se fazer representar por mulheres competentes.

Tão Gomes: Qual foi uma mulher política na história política brasileira? Ivete Vargas? [(1927-1984) sobrinha-neta do presidente Getúlio Vargas, foi uma das primeiras parlamentares do país, reeleita várias vezes deputada federal nos anos 60. Foi presidente do PTB, antes de ser cassada pelo regime militar. Após a redemocratização nos anos 80, voltou ao legislativo]

Dirce Tutu Quadros: Ivete Vargas foi.

Maria Cristina Duarte: E fora do Brasil?

Dirce Tutu Quadros: A Margaret Thatcher está dando um baile, né? Indira Gandhi também...

Clóvis Rossi: A Thatcher era uma mulher claramente de direita e a senhora se diz de centro-esquerda. Teoricamente, não deve apoiar as políticas...

Dirce Tutu Quadros: Indira Gandhi cometeu barbaridades, por exemplo, fez vasectomia nas pessoas, massacrou o Paquistão. Estamos falando de mulheres competentes, agora, se são boas ou ruins...

Tão Gomes: A senhora é contra ou a favor de um programa rigoroso de planejamento familiar?

Dirce Tutu Quadros: Eu apresentei as duas únicas emendas que não foram aceitas. Uma favorecia claramente o aborto e quero pedir a vocês a oportunidade de explicar o porquê. Eu nunca sofri um aborto na minha vida e não recomendo a nenhuma mulher que sofra um aborto. O aborto é uma violência contra o corpo da mulher. É uma raspagem feita no escuro. Consequentemente, essa mulher nunca fica sadia pelo resto da vida. O aborto é uma conseqüência da falta de controle da natalidade. Mas o aborto é um direito e não é um dever. E o que está acontecendo no Brasil? A mulher rica, pelo equivalente a oitocentos dólares, se hospitaliza, se serve de antibióticos etc, e mulher pobre está abortando com um curioso e morrendo.

Tão Gomes: Então a senhora é a favor de distribuição de pílula?

Dirce Tutu Quadros: Cinco mil mulheres morreram no ano passado no Brasil, por abortos mal cuidados, mulheres carentes, mulheres pobres, de baixo nível. Inclusive, no Vaticano, onde mora o Papa, o aborto é livre, ele não é recomendado, mas ele pode ser praticado. A vida da mulher é salva. E eu apresentei também um projeto muito sério de controle da natalidade. Também não foi aceito e passa agora para a legislação ordinária.

Augusto Nunes: Deputada, nós estamos há uma hora e meia no ar e, infelizmente, tenho que encerrar o programa agora. Muito obrigado pela entrevista.

Dirce Tutu Quadros: Deixa eu só explicar uma coisinha para ele: meu programa de natalidade era opção democrática, não tinha nada a ver com o programa de Indira Ghandi.

Augusto Nunes: Ao contrário do que a senhora nos disse, não teve nada de folclore no programa, a senhora nos deu uma entrevista nada folclórica. Agradeço também aos nossos entrevistadores, aos nossos telespectadores que encaminharam perguntas. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira. Boa noite.

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