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Memória Roda Viva

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Oscar Schmidt

19/8/1996

Nesta bem-humorada entrevista, o brilhante jogador brasileiro de basquete fala também de seus defeitos e das lições que aprendeu com sua atuação no esporte

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Matinas Suzuki: Boa noite. Ele é considerado o melhor jogador de basquete do Brasil de todos os tempos. No garrafão do Roda Viva está Oscar Daniel Bezerra Schmidt.

[Inserção de vídeo]

[Imagens da partida final dos Jogos Pan-Americanos de 1987, de Oscar chorando na comemoração da vitória, de uma charge brincando com o fato de Oscar ser considerado “chorão”, de partidas feitas pelo atleta em vários clubes e de atletas da seleção brasileira executando movimentos de reverência a Oscar em seu jogo de despedida]

[Comentarista]: [Ano de] 1987. Oscar e os companheiros de seleção brasileira entrariam para a história. O Brasil se transformava no único time a vencer os Estados Unidos lá na terra do Tio Sam [Jogos Pan-Americanos realizados em Indianápolis, cidade do estado norte-americano de Indiana]. O jogo terminou 120 a 115. Título Pan-Americano garantido, emoção à flor da pele e lágrimas de quem marcou 46 pontos na maior vitória do país em todos os tempos. As primeiras cestas vieram aos 13 anos de idade, quando ele já tinha 1,90m de altura, e por isso foi convidado a pôr a mão na bola. O basquete era só uma questão de tempo para o garotão Oscar. Começou a carreira no América do Rio [de Janeiro], passou pelo Palmeiras e agora defende o time do Corinthians. No Sírio, no final da década de 70, ganhou um título mundial interclubes, quando vitória e lágrimas já se tornavam comuns na vida do melhor chorão do nosso basquete. Aos 38 anos, Oscar é sinônimo de recordes: o maior cestinha da história do Brasil e da Itália, onde jogou 11 temporadas e ganhou o apelido de “Mão Santa”. Recordista numa partida em Olimpíadas, contra a Espanha, em Seul [19]88, fez 55 pontos. Oscar e o porto-riquenho Teófilo Cruz [(1942-2005), jogou na liga universitária americana e na profissional de Porto Rico] são os únicos atletas do basquete a disputar cinco Olimpíadas. Ele é também o maior cestinha dos cem anos dos jogos modernos, com 1093 pontos. Até entregar seu uniforme autografado para o Hall da Fama, no Museu da Memória do Basquete [inaugurado em 1959 em Springfield, nos EUA. Apesar da entrega do uniforme, Hortência é ainda o único nome brasileiro a figurar no Hall da Fama norte-americano], foram 25 anos de trabalho e cerca de 35 mil pontos marcados na carreira. Em [19]95, Oscar deixou de lado três anos de afastamento da seleção para vestir de novo a camisa verde e amarela, e classificar o time para a competição em Atlanta. [Ano de] 1996. Brasil e Grécia decidiam o quinto lugar dos Jogos Olímpicos. Oscar fez 21 pontos e a equipe perdeu por 72 a 91. O maior cestinha do país se despedia da seleção. A reverência dos companheiros era também a de todos os torcedores brasileiros.

Oscar Schmidt: [Em entrevista] Ninguém é insubstituível. Ninguém!

[fim do vídeo]

Matinas Suzuki: Bem, para entrevistar esta noite esse monstro do basquete nós temos aqui o Milton Abrúcio Júnior, que é editor sênior da revista Placar; um outro monstro do basquete brasileiro, da geração do Oscar, companheiro dele de seleção brasileira, de [clube] Sírio e de tantas outras jornadas, o Marcel de Souza, que agora é técnico da Associação Atlética Guaru; a Hortência, que eu nem sei se eu vou apresentar, nossa rainha do basquete feminino, que está aqui representando uma geração que fez também um trabalho brilhantíssimo nessas Olimpíadas de Atlanta - Hortência, muito obrigado pela sua presença -; a Denise Mirás, que foi a enviada especial do Jornal da Tarde à Olimpíada de Atlanta; o Sérgio Carvalho, que é colunista e editor de esportes do Diário Popular e o Melchíades Filho, editor de esportes e colunista de basquete da Folha de S. Paulo. O Roda Viva é transmitido em rede nacional com 150 outras emissoras de 21 estados brasileiros. Eu lembro que você pode enviar aqui as suas perguntas para o Oscar pelo telefone 252-6525, 252-6525. Se você preferir o fax, use o número 874-3454, 874-3454. Boa noite, Oscar.

Oscar Schmidt: Boa noite.

Matinas Suzuki: Oscar, ninguém é insubstituível mesmo? Você não pensa em estar em Sidney [Olimpíadas de Sidney, que ocorreram no ano 2000] defendendo o Brasil, por exemplo?

Oscar Schmidt: Não, não penso mais. Essa foi minha última participação mesmo [enfatiza], na seleção brasileira.

Matinas Suzuki: Você está com 38 [anos], é isso?

Oscar Schmidt: 38 [anos].

Matinas Suzuki: Um dos seus grandes ídolos foi o Ubiratan [Ubiratan Maciel (1944-2002), pivô, medalha de bronze nas Olimpíadas de Tóquio (1964) com a seleção brasileira]. Você conta... Aliás, eu estou aqui também, em primeira mão, com as provas de um livro que deve sair em setembro. Você aí que acompanha a carreira do Oscar, que é fã do Oscar, aguarde o livro: Oscar Schmidt, com Odir Cunha [jornalista e escritor (1952)], deve estar saindo em setembro pela [editora] Nova Cultural. Eu estava dando uma olhada no livro, nas provas do livro, você diz que o Ubiratan, na sua adolescência, era o seu grande ídolo, essa coisa toda...

Oscar Schmidt: Isso.

Matinas Suzuki: O Ubiratan jogou até aos quarenta anos, não jogou? Não passou dos quarenta [anos]?

Oscar Schmidt: Passou dos quarenta.

Matinas Suzuki: Então.

Oscar Schmidt: Ubiratan e Hélio Rubens [(1940-) ex-atleta e técnico de basquetebol] passaram dos quarenta. Mas eu também vou passar dos quarenta [anos], mas num clube. Na seleção brasileira eu encerrei a minha carreira. Pensei bastante nessa decisão. Eu voltei para ajudar por um período curto, mas é melhor parar de uma maneira bonita do que parar de qualquer jeito.

Matinas Suzuki: Está certo. Oscar, quem acompanhou você fazendo os mil pontos ali nas Olimpíadas, durante o jogo, você não teve nem tempo de comemorar, nem... parece que passou até batido uma marca que é uma marca histórica dentro de um esporte, né? Você estava envolvido com o jogo, com todo o conjunto do time, essa coisa toda. Qual foi a sua... ? Essa foi a sua maior emoção, esse foi o seu maior feito? O que [é] que você considera como o maior momento da sua carreira, o maior feito? Porque tem tantos recordes, como a gente viu aí nessa apresentação...

Oscar Schmidt: Olha, é assim: a maior emoção positiva da minha carreira foi a conquista dos Jogos Pan-Americanos. Isso daí é praticamente insuperável, né? Isso positivo, assim, com alegria. A maior tristeza foi mesmo naquele jogo lá, o último jogo mesmo, na seleção: me senti muito triste, um vazio enorme dentro de mim. É difícil de explicar isso daqui, porque do mesmo modo que eu estava triste eu estava, assim, orgulhoso de poder ter tido a chance que eu tive, e sair daquele jeito de uma seleção brasileira;. Mas foi um dia muito triste. Mas a maior emoção positiva da minha vida foi o nascimento do meu filho, do meu primeiro filho, lá na Itália.

Matinas Suzuki: Oscar, eu vi você ontem no Cartão Verde [programa de esportes, transmitido desde março de 1993], aqui também da TV Cultura, falando, e alguns amigos que estiveram em Atlanta, que viram o jogo do Brasil contra o Dream Team, que foi realmente uma coisa impressionante a marcação que fizeram em cima de você, né? E ontem você estava contando que fazia muito tempo que não via mais isso: [o marcador que] pisa no pé, segura a camisa e tal [Oscar ri e assente com a cabeça]. Ao mesmo tempo, você sempre disse que é bom ter marcadores duros, que você gosta de jogar contra marcadores duros, essa coisa toda. Agora, para você teve uma satisfação íntima esse jogo, de ser tão marcado, e ao mesmo tempo você ter conseguido fazer ainda um montão de pontos, como você conseguiu?

Oscar Schmidt: Teve. Teve, porque, assim, já o dia de você jogar, antes de você jogar contra o Dream Team já, quer dizer, você fica já ansioso, porque sabe que você pode fazer um papelão, né? Você está jogando contra os melhores jogadores do mundo, então você já vê um desafio enorme para você. Eu, pessoalmente, me senti bastante nervoso antes desse jogo, assim, no sentido de que eu queria fazer o melhor de mim - né? -, e muitas vezes você não consegue. Então, o fato de eles terem me marcado assim tão forte, para mim, foi a maior demonstração de respeito que eu poderia ter da parte de jogadores tão importantes. E esse negócio aí [de marcação] é verdade mesmo: desde criança, que eu comecei a jogar, aquele negócio de pisar no pé, eu pensei que não existisse mais! O Scottie Pippen [(1965-), ex-jogador do Chicago Bulls e da seleção norte-americana de basquete], tetracampeão da NBA [National Basketball Association, liga profissional de basquete dos Estados Unidos], ele pisava no meu pé! Eu falei: “o que é isso, isso não existe mais!”; [risos] agarrava a camiseta! E isso foi super legal, eu achei super legal, uma demonstração de enorme respeito [o fato] de eles fazerem de tudo para que eu não jogasse bem.

Matinas Suzuki: Agora, ele foi o pior marcador que você já enfrentou pela frente ou não? Quem foi o seu pior marcador?

Oscar Schmidt: Olha, de todos os times contra os quais eu joguei, na minha vida, sempre tinha um cara que marcava muito bem, sempre tinha. Desde que eu comecei a jogar. Eu lembro que quando eu comecei a jogar, o Adilson [Adilson de Freitas Nascimento (1952-2009), ex-atleta da seleção brasileira, pela qual disputou três Olimpíadas] foi um dos maiores marcadores que eu já vi na minha vida, e ele criava muito [enfatiza] problema mesmo. O Hélio Rubens, mesmo sendo menor que eu, ele tinha um espírito de defesa muito grande também. E, passando para o lado mais velho – né? -, de quando eu joguei na Europa, ali eu encontrei muitos marcadores [por]que a Itália era tida como um país de defesa mesmo, o pessoal joga muito defesa lá, então [em] cada time tinha um. Então, tem nomes tipo: Sachetti [Romeo Sachetti (1952-), foi medalha de prata nas olimpíadas de Moscou, em 1980, com a seleção italiana], que muita gente não vai conhecer, mas era um grande defensor; um americano chamado Cedric [...], era um grande marcador. E, logicamente, esses caras aí também: o Scottie Pippen, o Richmond [Mitch Richmond (1965-), participou da seleção americana nas Olimpíadas de 1996], que não me marcou, mas marcou o Fernando [Fernando Minucci, ex-ala da seleção brasileira], e o Fernando falou para mim que esse cara marcando era um terror. Então, tem sempre aqueles caras que marcam a gente durante a carreira, e é sempre um cara muito forte do outro lado.

Matinas Suzuki: Oscar, você saindo, vem aí... está abrindo espaço para uma nova geração, para novos jogadores. Como é que você avalia o momento? Você jogou na Europa, jogou na Itália, jogou na Espanha, que tem uma tradição de basquete muito grande, como é que você avalia o momento do basquete brasileiro? Nós temos condições, por exemplo, de, no masculino, pensar em algo, um desempenho tão bom como foi, por exemplo, o desempenho do feminino nessas Olimpíadas [a equipe feminina de basquete foi medalha de prata nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996], nas próximas Olimpíadas? Como é que você vê?

Oscar Schmidt: Olha, o basquete feminino é mais complicado – né? -, porque hoje em dia Estados Unidos, Iugoslávia, Croácia, Lituânia e Rússia. A Rússia não classificou para a Olimpíada, mas a Rússia, para a próxima Olimpíada, vai classificar. Então são cinco potências mundiais que você entra aí no meio se você fizer um superjogo, de repente, que não é o normal – né? -; nosso nível vem junto com a Austrália, com Grécia, Porto Rico e tal. Eu acredito que nós temos uma seleção boa, que a gente pode vir a ter uma grande seleção no futuro, mas eu acredito também que, para a gente ter sucesso, os jogadores de hoje em dia, eu já falei para essa molecada, eles têm que dobrar o tamanho nos próximos dois anos. A gente tem que fazer o que está todo mundo fazendo para pelo menos empatar, que é muito trabalho de peso, porque hoje o jogo é muito físico, acabou o negócio de talento só, arte. Agora é físico mesmo. Então isso para mim, a primeira coisa é isso. E a segunda coisa é: durante as preparações, a gente tem que procurar jogos contra equipes tipo Lituânia, Rússia, Iugoslávia etc, e menos jogos contra essa equipe de americanos, um tipo All Star assim, que não treina tanto a nossa equipe. Essas são duas coisas fundamentais e, daí, continuar o trabalho de base que é básico em qualquer esporte.

Melchíades Filho: Oscar, ...

[...]: [Interrompendo] Será que a gente...?

Melchíades Filho: Na Olimpíada, o jogador Reggie Miller [(1965-), atleta que, na liga americana, jogou toda a sua carreira pela equipe do Indiana Pacers], da seleção americana, uma das melhores pontarias da NBA, disse que você era, ao mesmo tempo, um jogador razoável e o mais puro arremessador que ele já enfrentou na carreira. Encerrada a participação da seleção em Atlanta, o Ary Vidal [(1935-), treinou as seleções masculina e feminina de basquete. Era o técnico na vitória contra os Estados Unidos, no Pan-Americano de 1987], técnico do Brasil, disse que você é um jogador que não sabe marcar, não sabe correr, não sabe pular e é um gênio. Eu queria saber se você concorda com essas definições, se você se considera um craque unidimensional, e qual  é o espaço de um craque de um talento só numa época em que os esportes valorizam tanto a versatilidade?

Oscar Schmidt: Bom, logicamente o que se sobressai mais no meu jogo é o arremesso. Todo mundo me conhece pelo arremesso e vai ser sempre assim. Então, logicamente eu não tenho a pretensão de pensar que eu sou um grande marcador, [coisa] que eu não sou [por]que eu tenho problemas de locomoção, não sou tão ágil como a maioria deles. Eu sei bem dos meus defeitos mas, também, não sou exageradamente assim de se jogar fora também.

[Risos]

Oscar Schmidt: Eu tenho alguma coisa, não sou também... [risos] Eu ajudo em algumas vezes bem na defesa – né? -, na experiência, cortando caminho [risos gerais], de algum jeito. Logicamente, eu não posso marcar do outro lado o melhor jogador do time deles, né? Primeiro que eu não sou um grande marcador. Segundo que eu tenho que me preservar de faltas, [por]que no time que eu jogo eu tenho que jogar muito tempo. E terceiro, eu não tenho a mesma agilidade – né? -, isso cai na primeira coisa. Mas o Ary Vidal, sobretudo o Ary Vidal, ele, quando falou essas coisas, eu tenho certeza [de] que falou querendo me colocar lá para cima... [faz o gesto erguendo as mãos]

Melchíades Filho: [Interrompendo] Aí colocou mesmo.

Oscar Schmidt: ... porque em primeiro de tudo ele é meu grande amigo, é uma pessoa que eu devo muito a ele, porque comecei e acabei com ele na seleção brasileira, e preferi que fosse assim, porque é uma pessoa que eu tenho um enorme carinho. Então, ele quis enfatizar bem os meus defeitos, para ao mesmo tempo me elogiar desse jeito aí.

Hortência: Oscar, você não acha que o fato de você ser um grande jogador no ataque... você não acha que tem muito a ver com o brasileiro? [Por]Que hoje todos os repórteres - [como] todo mundo - só dão muito mais atenção aos jogadores que fazem pontos do que àqueles que marcam ou que dão uma assistência?

Oscar Schmidt: Ah, sem dúvida. Isso, mesmo já... no começo... na infância da gente. Eu jogava futebol, eu jogava do meio-de-campo para frente. No gol a gente punha o pior do time...

[Risos]

Oscar Schmidt: ... ou, se o cara era o pior e era o dono da bola, ele podia jogar na linha também. Então, isso já vem desde a infância: todo mundo quer fazer gol, todo mundo quer fazer cesta. O nome do esporte é “bola ao cesto”. Entendeu? O princípio do negócio é fazer cesta...

Hortência: [Interrompendo] Foi a educação que nós recebemos.

Oscar Schmidt: A educação. E nós encarnamos bem essa mentalidade. O brasileiro é portado para essa mentalidade ofensiva. Tanto é que ver o brasileiro jogar futebol, ver jogar basquete, ver jogar qualquer esporte coletivo é bonito, porque o talento ofensivo do brasileiro é muito grande.

Denise Mirás: Oscar, o que te determinou, para você jogar a Olimpíada de Atlanta? Foi o Ary Vidal ou não?

Oscar Schmidt: Olha, primeiro foi. Primeiro que o Ary Vidal, junto com o Cláudio Mortari [um dos mais importantes técnicos brasileiros, acumula mais de otenta títulos na carreira], são os dois técnicos do Brasil que mais me deram na minha vida – né?  O Mortari no clube, me ensinou a jogar, e o Ary Vidal na seleção. Isso tirando o meu primeiro técnico, que é o Zezão [técnico do clube Unidade Vizinhança, no qual Oscar começou sua carreira], de Brasília, que foi ele que me iniciou no basquete. Então, quando uma pessoa desse tipo te pede alguma coisa, fica muito difícil você falar não. Então eu aceitei de cara – né? -, aí juntei com isso daí a possibilidade de eu vir jogar no Brasil também, e fiz isso. Se o Brasil tivesse ido bem... bom, talvez não tivessem me chamado . Mas como o Brasil foi mal no Mundial e precisava da minha ajuda, eu falei: “vamos ver o que é, vamos ver o que vai dar!”. Mas, ao mesmo tempo, se você parar para pensar, esse Pré-Olímpico do ano passado, sobretudo eu, Ary Vidal, mais o Israel [(1960-), jogou pela seleção brasileira em três Olimpíadas] e mais o Maury [(1962-), irmão do jogador Marcel, foi um dos melhores armadores do basquete brasileiro], nós botamos nossa cabeça ali para ser cortada porque a gente só tinha alguma coisa a ganhar... se não se classificasse, seria muito ruim para todos nós, mas ruim demais. Então nós viemos assim, de coração aberto mesmo, sem medo de arriscar [e pensávamos:] “vamos lá, vamos ajudar para classificar o Brasil!”. Mas foi muito difícil, e a gente já sabia antes que ia ser muito difícil, né? Então a gente, quando conseguiu, foi uma realização muito grande, porque foi um desafio muito grande para todos nós.

Sérgio Carvalho: Oscar, por que é que um jogador com o seu talento para fazer cestas não jogou nem um pouquinho na NBA? Dizem que você já teve propostas, você só não aceitou porque não lhe permitiam, na época, que você viesse jogar pela seleção brasileira. De fato isso é verdadeiro?

Oscar Schmidt: É, eu fui...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Se você me permite, essa é uma pergunta que o nosso telespectador Dólvio Mourão, de Ouro Branco, Minas Gerais, também faz.

Milton Abrúcio Júnior: [Interrompendo] Oscar, eu só queria fazer uma colocação: você chegou a jogar alguns jogos nos Estados Unidos, em New Jersey, é isso? Cinco jogos em [19]84?

Oscar Schmidt: Cinco jogos no campus de treinamento, mas não eram jogos oficiais da NBA, eram só os jogos de campus de treinamento. Mas é mais ou menos isso: eles me convidaram em [19]84, [19]85 e [19]86. Nessa época, se eu jogasse um jogo só, eu não poderia nunca mais jogar [em uma competição] internacional com as seleções, e eu já tinha visto isso acontecer com o Georgie Torres [(1957-), é recordista de pontos na liga porto-riquenha de basquete – BSN – com mais de 16.000 pontos], que era um grande jogador de Porto Rico que jogou lá alguns jogos e ficou afastado até agora, no final da carreira dele, da seleção de Porto Rico. Daí eu fui lá, me ofereceram um contrato pequeno, quase mínimo, e eu falei: “olha gente, eu gosto demais do que eu faço, para mim é o maior orgulho jogar na seleção brasileira. Por pouco dinheiro, para vir arriscar aqui, eu não vou fazer isso.." Se fosse por muito dinheiro... eu falei: “Não, [por muito dinheiro] aí eu venho, porque eu penso na minha família.." Eu também não sou burro – né? "Por muito dinheiro eu venho, mas para vir só por ter o prazer de ter jogado lá?”. Você vem lá com um contratinho pequenininho, tem um outro cara com um contratão grandão, quem [é] que vai jogar? Não vai ser o melhor jogador, vai ser quem tem o contratão grandão.

Hortência: Mas aí, se você não joga mais... vamos supor que eles te liberem, aí você nunca mais poderia voltar a jogar?

Oscar Schmidt: Naquela época, não. Então, não tinha previsão de se mudar isso...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Era a questão de profissional e amador, não é? Quem se profissionalizasse, não podia.

Oscar Schmidt: Então, não tinha nem previsão de se mudar, porque os universitários dominavam - né? -, na época. E daí, até [19]92 isso daí foi. Aí também, olha, foi a melhor coisa, porque a maior alegria da minha vida eu tive um ano depois, em [19]87, quando a gente ganhou o Pan-Americano. Se eu tivesse jogado a NBA, eu nunca teria tido uma alegria daquela, mesmo porque eu ia jogar num time medíocre, que era o New Jersey Nets. Ia acabar jogando só por dinheiro mesmo, sem ter nenhuma ambição de ganhar alguma coisa, então eu não me arrependo nem um pouquinho, sabe? São outros tempos. Se fosse hoje em dia, hoje em dia eles já acreditam mais no jogador que joga fora. Antigamente eles só viam os universitários e quem jogava lá. Era muito mais complicado.

Denise Mirás: Agora, esse profissionalismo teve um pouquinho da seleção Brasileira de [19]87, não é?

Oscar Schmidt: Então, exato. Porque...

Denise Mirás: [Interrompendo] Quer dizer, eles acabaram permitindo esse profissionalismo em Barcelona [Olimpíadas de Barcelona, 1992] porque eles resolveram mandar o Dream Team, de algum jeito, para lá.

Oscar Schmidt: É isso aí. Porque até então...

Denise Mirás: [Interrompendo] Forçaram.

Oscar Schmidt: ... eles, com os universitários, ou eles ganhavam ou eles, se perdiam, perdiam por acaso. Muito poucas vezes perderam.

Melchíades Filho: [Interrompendo] Foi a primeira derrota, no país, para uma seleção adversária, nos Estados Unidos.

Denise Mirás: [Interrompendo] Em [19]87.

Melchíades Filho: Em [19]87.

Oscar Schmidt: É, mas, além disso, foi o estopim. Depois dessa derrota aí eles perderam outro Pan-Americano, eles perderam o Mundial, eles perderam Olimpíada, perderam Universíade [competição mundial para atletas universitários], perderam o Mundial Juvenil, eles perderam seis, sete torneios seguidos. Foi então que se decidiu levar os profissionais. E nós fomos quem desencadeamos esse negócio.

Milton Abrúcio Jr.: Oscar, você lembra desse jogo, dessa conquista da final com os Estados Unidos? Você lembra quem estava do outro lado? Estava o David Robinson [(1965-), participou também do Dream Team e integra o Hall da Fama do basquete] pelos Estados Unidos.

Oscar Schmidt: Estava o David Robinson, estava o Danny Manning [(1966-), atuou na NBA entre os anos de 1988 e 2003], estava o Pervis Ellison [(1967-), jogou em equipes como o Boston Celtics e o Seattle SuperSonics], estava o Rex Chapman [(1967-), encerrou a carreira no ano de 2000, jogando pelo Phoenix Suns], estava... Fala aí Marcel, você que sabe.

Marcel de Souza: Willie Anderson [(1967-), ala que jogou uma boa parte de sua carreira pela equipe do San Antonio Spurs]...

Oscar Schmidt: O Marcel sabe mais. [Oscar sorri]

Marcel de Souza: Estava o Willie Anderson, que era o armador titular.

Oscar Schmidt: O Willie Anderson, que me marcou. Quem mais estava?

Hortência: Lá em Indianápolis?

Marcel de Souza: [Interrompendo] Estava o que morreu lá...

[...]: Barkley [Charles Barkley (1963-), considerado um dos cinqüenta maiores jogares da história NBA].

Marcel de Souza: [Interrompendo] Não, Barkley não.

[...]: Barkley, não.

Hortência: Mas eles eram muito novinhos, né? E eu lembro que você...

Oscar Schmidt: [Interrompendo] Mas todos eles, ou pelo menos...

Hortência: [Interrompendo] Eles eram muitos inocentes...

Marcel de Souza: [Interrompendo] Não, o David Robinson já tinha saído do colégio. Já estava...

[...]: Da universidade.

Hortência: [Interrompendo] Porque eu lembro que você, você e o Marcel, vocês mexeram muito com... Vocês usaram da experiência de vocês...

Oscar Schmidt: Usamos. Nós desafiamos eles.

Hortência: [Interrompendo] Vocês desafiaram. Vocês falavam assim: “Chuta! Chuta!”.

Oscar Schmidt: A gente desafiou...

Hortência: [Interrompendo] E eles olhavam assim, eles ficavam... Porque vocês deixavam eles livres para o chute.

Oscar Schmidt: Exato. Eu dava dois metros para ele e mandava chutar. Falava: “chuta agora, quero ver você chutar agora!”. Aí ele refugava, e errava vários chutes.

Hortência: [Interrompendo] Eu falava: “gente, olha o que o Oscar está fazendo! Está pedindo...” [risos] E eles ficaram tão nervosos!

Oscar Schmidt: Então: quem falou que eu não sei marcar? Tá vendo!

[Muitos risos]

Oscar Schmidt: Isso é uma defesa psicológica!

Hortência: É, exatamente. Vocês usaram da experiência que vocês tinham e pressionaram eles psicologicamente.

Oscar Schmidt: O Marcel, ele provocava o Rex Chapman. Daí ele fazia cesta e fazia assim para o Rex Chapman [câmera no Marcel de Souza]. Aí o Rex Chapman fez uma cesta lá, foi procurar ele para mexer, mas ele já estava fazendo bandeja lá. O cara jogou a bola no campo todo e ele já fazendo bandeja, e já voltava dando risada da cara do Rex Chapman.

Matinas Suzuki: Marcel, você quer aproveitar e fazer alguma pergunta? [risos]

Marcel de Souza: Eu quero, eu quero. Oscar, você que está nessa luta há tanto tempo, que acompanhou, como você disse, o Ubiratan, o Hélio Rubens, [que] conhece com propriedade todo o basquete mundial, que participou contra o Dream Team, viu isso aí crescer, chegar o Dream Team, o que [é] que mudou no basquete de quando você começou a jogar? Jogar, assim, em nível de seleção. E quando você terminou de jogar?

Oscar Schmidt: Bom, quando eu comecei a jogar, primeiro, era mais difícil para você entrar na seleção. Eu lembro que nós entramos na seleção - eu, você e o Gilson [Gilson Trindade (1956-), pivô, jogou na seleção brasileira de 1974 a 1989] -, mas, para entrar na seleção, a gente fez “dá licença aí!” para uns caras que eram ídolos na época – né? -, tipo Adilson, Carioquinha [(1953-), foi armador da seleção brasileira de basquete] e tal. Hoje em dia, [corrigindo-se] hoje em dia não, [n]esse caso particular da seleção, eles têm uma seleção inteira para eles, para a nova geração, porque a nossa geração ficou muito tempo junta, chegou em [19]92 foi desmembrando, e agora tem a seleção inteira para eles, né? Isso é uma coisa. A outra coisa eu falei no começo da entrevista: antes era um basquetebol mais... técnico – né? -, técnico assim, de talento e tal, ninguém se preocupava muito com o físico, de ficar forte, era um ou outro jogador só. Hoje em dia é todo mundo. [No basquete] Europeu, todo mundo [tem essa preocupação]. [No basquete] Profissional, nem se fala! E a gente está atrás nisso daí. A gente tem uns caras "força bruta" tipo Janjão [apelido de Joélcio Joerke (1972-), pivô que defendeu a seleção brasileira até 1997] e Israel, que são raridades, né? O cara já nasceu assim, um troglodita desse tamanho [faz gesto sinalizando uma pessoa grande], enorme. Então essa é outra coisa. A outra coisa é que hoje tem muito mais dinheiro que naquela época, né? A gente sabe como é que era no começo [dirigindo-se ao Marcel, que concorda sorrindo], aquele negócio de querer ganhar dinheiro e ninguém dava dinheiro para nós [risos], então a gente já sabe como que era no começo. Basicamente, o que eu vi são essas três coisas aí.

Denise Mirás: Você não acha que regrediu, também, em termos de dirigente? Que para acontecer tudo isso que você quer - intercâmbio, melhorar biotipo, tudo isso - tinha que ter um dirigente profissional atrás, muito sério?

Oscar Schmidt: É muito difícil de se falar. É muito, assim, chato, complicado, você acusar pessoas sem ter certeza. Eu não tenho certeza disso, porque a gente vive um momento que é o nosso momento, e a gente não sabe quem é culpado de não ter um... mas nós também não estamos tão atrás como a gente pensa, né?

Milton Abrúcio Jr.: A preparação para Atlanta, por exemplo, Oscar, você acha que foi adequada? Vocês enfrentaram adversários fortes ou...

Oscar Schmidt: Olha, nós afrontamos. Nós fizemos, se não me engano, 25 jogos de preparação. Talvez tenham sido muitos – não é? -, poderia ter sido um pouco menos. Mas nós fizemos... ao mesmo tempo em que nós fizemos jogos fracos, cinco contra uma equipe americana fraca, nós fizemos jogos muito bons. [No] Torneio na China, nós enfrentamos uma equipe americana superforte, com os dois pivôs titulares da NBA lá - um era o Mike Brown [(1970-), atualmente trabalha como técnico na NBA] -, depois nós jogamos contra a equipe argentina, que é sempre forte, sobretudo agora. E sobretudo lá nós jogamos contra a Lituânia e o time americano, o Dream Team.

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] Ganharam [...] Lituânia...

Oscar Schmidt: E jogamos contra o Dream Team. Por coincidência, nós fizemos dois jogos contra o Dream Team esse ano: um amistoso, em Cleveland, e um na Olimpíada. Olha só que coincidência: depois dos dois jogos, sabe de quem a gente ganhou, assim, um dia depois?

[...]: Lituânia e Croácia.

Oscar Schmidt: Lituânia e Croácia. Sabe o que é que prova isso? Que jogar contra esses caras dá muita condição de jogo. A gente jogou o jogo mais duro de ser jogado, “duro pra burro”, e no dia seguinte ganhamos de dois times que a gente não está habituado a ganhar; eles que estão habituados a ganhar da gente. Quer dizer, isso que eu volto a falar: se a gente, nas próximas seleções, conseguir fazer - que não é tão fácil assim e nem simples -, fazer jogos contra equipes tipo Iugoslávia, tipo Itália, tipo Grécia, tipo Rússia é muito melhor para a garotada, muito melhor.

Hortência: Deixa eu te fazer uma pergunta.

Matinas Suzuki: Desculpe.

Hortência: A gente observa, por exemplo, quando vê no jornal, muitos técnicos, muitos atletas, dirigentes que falam muito mal do basquete... você vê pessoas criticando demais e tal. A gente já não sente isso de você, por exemplo. Você é um jogador sempre positivo, você... por mais perguntas que eles fazem para você, você sempre elogia muito. Qual é essa diferença? Por que [é] que você sempre elogia? Qual é a diferença do Oscar para os outros atletas? Você é uma pessoa muito positiva e eles são negativos, ou você acha que eles deveriam ajudar muito mais o basquete, falar um pouco mais... ?

Oscar Schmidt: Hortência, é o seguinte: eu não vou falar mal nunca do meu filho, nem da minha filha, nem dos meus pais, nem da minha esposa. E não vou falar mal do basquete. Por que [é] que eu vou falar mal de basquete? São as coisas que eu mais prezo e amo na minha vida. Então o basquete para mim é tudo. Eu sou... Se estiver tudo errado, eu vou ter que achar uma maneira positiva de falar do basquete. Mesmo que eu possa criticar alguma vez, mas a minha crítica vai ser muito construtiva, não vai ser aquele negócio egoísta, porque muita gente critica de maneira egoísta, pensando em si mesmo. É difícil as pessoas criticarem pensando no grupo.

Milton Abrúcio Jr.: Agora, Oscar, você foi crítico, por exemplo, durante as Olimpíadas, com a arbitragem, não é? Eu queria emendar... primeiro, [gostaria] que você comentasse a arbitragem durante a Olimpíada. Você se queixou particularmente da arbitragem contra a Grécia e contra a Austrália, dos jogos que o Brasil perdeu por um placar apertado. Depois que você comentasse a arbitragem, eu queria saber se não foi um pouco frustrante para o Brasil o sexto lugar, na medida em que, se o Brasil tivesse vencido esses dois jogos, e, como venceu a Croácia, poderia até disputar uma medalha.

Oscar Schmidt: Bom, a arbitragem na Olimpíada eu não gostei. Primeiro porque eles tinham um método de arbitragem para o time americano que era diferente para o resto dos outros times. E depois, eu não sei por qual motivo, sobretudo no jogo contra a Austrália, que nós perdemos em duas prorrogações, a gente foi realmente massacrado pela arbitragem. Eu joguei cinqüenta minutos, toquei na bola pelo menos trinta vezes, com uma marcação muito forte, e não chutei nenhum lance livre.

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] Você disse que foi a primeira vez na sua carreira.

Oscar Schmidt: Isso é uma coisa rara. Eu nunca joguei cinqüenta minutos sem chutar um lance livre na minha vida. Mas isso é um caso – né? -, que aconteceu com a gente, ...

Hortência: [Interrompendo] E sendo o jogador que você é, né?

Oscar Schmidt: ... mas, coincidentemente, a mesma Austrália jogou contra a Croácia, que é um senhor time, favorito para disputar a final, e o time da Croácia... adivinha quantos lances livres chutou o time da Croácia no jogo contra a Austrália, o time inteiro?

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] Pouquíssimos.

Oscar Schmidt: Três lances livres [mostra o número com os dedos]. O time inteiro. Então, o método deles era muito estranho: um dia eles apitavam tudo, um dia eles não apitavam nada; estava muito estranho, não estava uma coisa unificada. Eu não gostei muito da arbitragem e fiquei... olha, que gozado: eu fiquei... não encontro a palavra certa, mas eu fiquei pensando nos nossos juizes. Eu falei: “como são bons os nossos juízes!”. Juro por Deus! Tinha cara lá que não merecia estar apitando Olimpíada.

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Oscar.

Oscar Schmidt: Nossos juízes dão um banho neles. E [respondendo] à outra pergunta que ele  [Milton Abrúcio Jr.] fez : não foi frustrante o sexto lugar. Não foi pelo seguinte: nosso objetivo lá era chegar nos oito primeiros [lugares], porque a gente sabe o momento que a gente está vivendo, a gente não tem uma seleção ainda sólida, [temos uma equipe] que pode fazer um grande resultado como pode não fazer, né? Isso é outro problema. Nós conseguimos nos classificar a duras penas, perdemos jogos para equipes fortes, perdemos lutando e dando o sangue, porque se tem que perder, o único jeito de perder é assim, você dando o máximo. Então nós estamos conscientes de que a gente fez o máximo que a gente podia. Perdemos para a Grécia no fim, perdemos para a Austrália no fim, e fomos jogar com os Estados Unidos - né? -, que hoje em dia é meio difícil de ganhar. Daí tivemos a grande vitória contra a Croácia, uma coisa bonita, e perdemos um jogo contra a Grécia, que foi um jogo diferente, foi um jogo que teve muitas outras coisas que não foram jogo. Foi assim... muito comovente esse jogo aí.

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] Você se sentiu como naquele jogo, finalmente?

Oscar Schmidt: Esse jogo aí, olha, eu não deveria nem ter jogado esse jogo. Eu joguei, logicamente queria ganhar [e] tudo, mas, analisando friamente, eu estava muito, muito surrado já [n]esse jogo, emocionado demais. Desde de manhã até a hora do jogo, com a preleção do Ary Vidal, o Ary Vidal chorou na preleção dele, antes do jogo. Então era uma coisa que envolvia muitas outras coisas esse jogo, e não foi um jogo de verdade. Tanto é que nossa equipe, no segundo tempo, fez só 23 pontos, que é um recorde negativo para o nosso time. Isso não acontece tanto. Tinha muitas outras coisas e tal, porque esse era o meu último jogo, [o] que influiu também no resultado do jogo, que poderia ter [sido] ganho, seria o quinto lugar, como foi em muitas outras vezes, e a gente estava nas melhores... Então acredito que a participação do Brasil foi muito digna.

Matinas Suzuki: Oscar, voltando um pouquinho à questão dos dirigentes, o Sérgio Serafim, da Vila Mariana, aqui em São Paulo, pergunta por que é que não existe uma renovação dos dirigentes que comandam o basquete. Mas eu queria... o seu... grande adversário, Hélio Rubens, manda aqui uma pergunta também, dizendo o seguinte: “Como você já é considerado também um diretor da Federação Brasileira de Basquete, gostaria de fazer uma pergunta que tem a ver com a administração do basquete brasileiro. Visando a próxima Olimpíada da Austrália, torna-se indispensável tratar com muito critério e competência nossos jogadores com menos de 22 anos, pois então eles estarão com 26 anos. Realiza-se nesse momento, em Porto Rico, um campeonato pan-americano de basquete para jovens com menos de 22 anos. Acontece que a direção técnica da equipe brasileira que participa desse campeonato foi entregue a um técnico estrangeiro [o americano Michael Dexter Frink] que não conhece nossos jogadores dessa faixa de idade e não fala o nosso idioma, tendo, portanto, enorme dificuldade de comunicação com os nossos atletas. Além disso, trata-se de uma grande desconsideração para com os técnicos nacionais de basquete. Se formarmos uma equipe com jogados menores de 22 anos que não foram convocados para o campeonato de Porto Rico, ela possivelmente ganhará daquela, pois muitos jogadores de talento não foram chamados porque o técnico não os conhece. Como diretor da CBB [Confederação Brasileira de Basquete], o que você pensa disso e qual a sua idéia para os preparativos com vistas à Olimpíada da Austrália?”.

Oscar Schmidt: Bom, a primeira pergunta qual era mesmo? Porque essa foi tão longa.

Matinas Suzuki: Como é que é? [risos] Não, ele diz se você...

Oscar Schmidt: Não, [eu me refiro] à [pergunta] do...

Matinas Suzuki: Ah, a do outro, dizendo por que [é] que não há uma renovação - a [pergunta é] do nosso telespectador Sérgio Serafim - dos dirigentes de basquete?

[...]: Dos dirigentes.

Oscar Schmidt: Não sei. Eu não sei e também não vou entrar no mérito disso aí, porque, na realidade, não me interessa muito. Ainda sou jogador, sou diretor, assim, simbólico, da CBB, e quero continuar jogando ainda. E espero, um dia, colaborar na renovação dos dirigentes e um dia eu realmente ser alguém que possa ajudar nessa área aí. A outra pergunta, do Hélio. Eu entendo o lado dele, ele tem razão em muitas coisas que ele falou aí, que... dos nossos jovens jogadores que precisam [de] tudo o que ele falou, mas, ao mesmo tempo, a gente não pode ser... ter preconceito com ninguém. Eu joguei de estrangeiro 13 anos da minha vida e sei o que é ser estrangeiro num outro país, e sei também o que é [ser objeto de] muitas dessas conversas sobre estrangeiro. Então como eu me sentia muito ofendido lá, eu também não posso ter esse tipo de preconceito contra um técnico estrangeiro. Eu sei que o Brasil está cheio de técnicos muito [enfatiza] bons, mas vários. Eu posso citar aqui: [enumera nos dedos das mãos] Marcel, Mortari, Vidal, Zé Boquinha [José Roberto Lux, ex-jogador que iniciou em 1974 a sua carreira como técnico], Hélio Rubens, Edvar [Edvar Simões (1943-)]... isso sem começar a alargar muito. [O Brasil] Tem muitos técnicos. Mas isso é uma questão de escolha, e a escolha [quem] fez [foi] o presidente da confederação. Então não sou eu quem vai combater essa escolha. Eu entendo perfeitamente o Hélio, no que ele pensa...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Aliás, a propósito, você não acha que seria benéfico para o basquete brasileiro se mais jogadores do Brasil pudessem jogar fora e voltassem para cá?

Oscar Schmidt: Sem dúvida.

Matinas Suzuki: Eu acho essa é uma das vantagens, por exemplo, que os croatas...

Oscar Schmidt: Sem dúvida.

 Matinas Suzuki: ... os jogadores ali, do chamado Leste Europeu, porque eles participam de campeonatos fora...

Oscar Schmidt: Exato.

Matinas Suzuki: ... pela proximidade e essa coisa toda, e quando voltam para a seleção, voltam com mais experiência, mais...

Oscar Schmidt: Isso que você falou é uma grande verdade. Na época [em] que a gente ganhou o Pan-Americano, que a gente teve muitos resultados na seleção, na minha geração, nessa época jogavam fora: eu, Marcel e Israel, os três ao mesmo tempo. E a gente era coluna da seleção brasileira, né? Nós tivemos grandes resultados. A gente jogando fora, a gente ajudou a seleção. E ainda jogou mais fora, nessa época também: Gerson [Gerson Victalino (1959-), pivô], Maury, Rolando [pivô (1964-), chegou a atuar no Portland Trail Blazers, equipe da NBA] - no profissional -, Pipoka [apelido João Vianna (1963-), pivô que atuou, dentre outras equipes, para o Dallas Mavericks] - em Porto Rico e no profissional -, quer dizer, muitos jogadores da nossa geração jogaram fora do país. Isso é super importante, porque quando a gente joga fora do país, a gente não tem o carinho da nossa família, a gente é cobrado todo dia, tem que matar um leão todo dia, porque quem dança primeiro lá é o estrangeiro, depois é o técnico. [risos] Então, a foice passa primeiro no estrangeiro. Então, jogando lá, você aprende a treinar todo dia como se fosse o último treino da tua vida. Isso é importante demais. Eu já falei para o Rogério [Rogério Klafke (1971-), é recordista de pontos marcados no Campeonato Brasileiro de Basquete], para o Josuel [(1970-), pivô com extensa carreira pela seleção brasileira]: se tiverem a chance, vão fazer uma experiência dessas, porque se você tiver sucesso lá fora você vai ver como o teu jogo muda na seleção brasileira. Você ganha muito mais força, mais confiança, mais carisma, tudo. Você se sente muito mais importante.

Melchíades Filho: [Interrompendo] Oscar, ...

Oscar Schmidt: Você tem muita razão nisso aí.

Melchíades Filho: Oscar, voltando a falar sobre preparo físico. Você disse que mudou o perfil muscular do atleta nesses seus anos de seleção e de basquete. Você é um atleta que tem um torso forte, mas não é muito musculoso. Por que você não gosta de puxar ferro [forma coloquial para referir-se a exercícios voltados ao ganho de massa muscular], por que você não puxou ferro ao longo da sua carreira? Qual o motivo?

Oscar Schmidt: É o seguinte: não é que eu não fiz... eu fiz peso, mas só da cintura para baixo.

Melchíades Filho: [Interrompendo] Da cintura para baixo.

Oscar Schmidt: Eu acreditava só... a perna... fazia escada na arquibancada de futebol do Palmeiras todo dia antes de treinar, mas quando eu comecei a descobrir que eu tinha arremesso, eu fiquei cismado com esse negócio e falei: “vai estragar o meu arremesso.”. Aí ficou aqui dentro [gesto mostrando a cabeça]. Então, quando você fala: “Eu vou entrar com o pé direito.”, e você entra com o pé direito na quadra, e não entra nunca com o esquerdo, é a mesma coisa. Eu nunca fiz só por isso. Mas, ao mesmo tempo, eu fiz tanto arremesso que essa parte aqui [mostrando seu antebraço] ficou super forte: não é grande, mas é muito forte. Então, sem usar peso, para o que me serve, foi suficiente treinar muito arremesso. Mas, eu não tenho nada aqui [mostra seu tórax], aqui eu sou totalmente...

Melchíades Filho: [Interrompendo] Se você começasse a carreira hoje, você...

Oscar Schmidt: [Interrompendo] Ah, se começasse hoje a carreira?

Melchíades Filho: ... com as informações...

Oscar Schmidt: Sem dúvida. Eu estou em outro mundo, eu começaria a fazer peso que nem louco, eu ia dobrar de tamanho mesmo [enfatiza], [com o dedo em riste] sem tomar anabolizantes. Eu ia até onde o meu físico fosse de verdade. Isso sem dúvida.

Melchíades Filho: Tem gente que não sabe qual é o impacto do basquete no atleta. Queria que você pudesse enumerar, se tem tudo de cabeça, porque são muitas coisas, todas as contusões que você teve na sua carreira... [Oscar sorri e passa a mão na cabeça]

Marcel de Souza: Nós podemos emendar as nossas também.

[Risos]

Denise Mirás: Nesse ponto você é privilegiado até, né?

Melchíades Filho: Exatamente.

Oscar Schmidt: É, mas olha, é o seguinte...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] É verdade que você comeu muita banana?

[Risos]

Oscar Schmidt: Olha, são três coisas. Eu tive uma grande contusão quando eu tinha 17 anos, no pé, fiquei seis meses afastado, engessei o pé torto assim [mostra a mão torta, mas se referindo ao pé ], o João de Vincenzo [ortopedista, especialista em medicina esportiva] engessou o pé para mim; e foi a única contusão séria que eu tive na minha vida. De lá para cá eu fui acumulando. Você quer que eu enumere algumas coisas, assim?

Melchíades Filho: Só para o pessoal ter uma idéia.

Oscar Schmidt: Então, problema muscular eu me orgulho de não ter tido nenhum na minha carreira: nenhuma contratura, nenhum estiramento, nada...

Melchíades Filho: [Interrompendo] Contusão muscular...

Oscar Schmidt: ... por causa da banana que meu pai me dava quando eu era criança.

[Risos gerais]

Oscar Schmidt: Comia 15 bananas por dia. [risos] Verdade isso aí, eu não estou exagerando não! Era amassada com  Neston [faz gestos de amassar a banana em um prato imaginário]. Cinco vezes por dia eu comia banana amassada com Neston [marca de cereal da empresa suíça Nestlé]. Aí as contusões vão acumulando, mas é de usura mesmo, é de usar. Então eu tenho tendinite [inflamação dos tendões (tecido que conecta a musculatura aos ossos)] no joelho esquerdo, que [como conseqüência] eu não posso dirigir muito tempo, no cinema eu tenho que ficar sentado com a perna esquerda esticada...

Melchíades Filho: [Interrompendo] Como está agora, aqui?

Oscar Schmidt: Exato. No avião eu tenho que ficar do lado que estica a perna esquerda...

Melchíades Filho: [Interrompendo] No lado do corredor.

Oscar Schmidt: Então, [eu tenho] esse problema, [e por isso] eu não posso dobrar muito tempo a perna esquerda. Aí tenho, nos dois tendões de Aquiles [estrutura localizada na parte posterior da perna, na região do calcanhar], tendinite. Aí chegou uma época [em] que eu usava tênis alto, [agora] não posso usar mais tênis alto, não posso mais fazer a bota de esparadrapo, enfaixar o pé. Tenho que usar tênis baixo e jogo com duas ataduras ao lado do pé.

Denise Mirás: Já está todo mundo morrendo de pena.

Oscar Schmidt: E uma palmilha que me levanta uns dois centímetros atrás [mostra a espessura com os dedos]. Eu fico, na verdade, jogando com 2,08m [discretos risos gerais], porque eu jogo na ponta do pé para relaxar os dois tendões. Daí, tive... tive um problema crônico na mão [segura o punho, fazendo o movimento de arremesso] que ela subluxava [problema que ocorre quando superfícies articulares são parcialmente separadas, restando ainda algumas partes em contato], e não dobrava para eu fazer o arremesso. E eu tomava antiinflamatório e não sarava. Daí eu descobri um dia...

Melchíades Filho: [Interrompendo] Como é que você consertou isso?

Oscar Schmidt: ... que um amigo meu me deu um tapa na mão, o Gentile [Ferdinando Gentile (1967-), defendeu a seleção italiana de basquete de 1987 a 1996], da Itália [bate uma mã na outra], e a mão virou para trás e entrou no lugar. [risos] Aí eu caí sentado, suando frio de dor. Aí depois, quando acontecia de novo, que bastava eu sentar errado [e] "plá " [imitando o barulho da mão], a mão subluxava de novo - aconteceu durante uns dois anos, muitas vezes -, aí eu ia à parede, apoiava a mão assim – né? - [gesto de apoiar a mão na parede], aí fazia "clá" [simulando o barulho da mão] empurrava e arriava: "uá" [som para sinalizar a queda], suando frio de dor. Mas era um sacrificiozinho que fazia que "tum", a mão entrava no lugar. Mas isso daí sarou. Aí de vez em quando eu tenho uma dor no [Oscar toca sua região traseira]...

[Risos gerais]

Oscar Schmidt: ...na anca, que eu não posso dormir.

[Muitos risos gerais. Hortência às gargalhadas]

Oscar Schmidt: Não tem jeito para dormir. Você dorme de qualquer... dói permanentemente. Isso fica, às vezes, meses até sarar sozinho, porque eu tomo remédio tudo e não sara. Eu não sei o que é, é lá dentro.

[...]: Dentes?

Oscar Schmidt: Dentes, da frente já quebraram todos.

[Risos]

Oscar Schmidt: Todos mesmo. Inclusive, eu comecei a jogar com pára-dente porque na Espanha, dois anos atrás, um americano me deu uma cotovelada e esse dente, esse dente aqui [gesto mostrando o incisivo lateral do lado esquerdo] saltou inteiro. [risos] O Ramon Rivas [jogador porto-riquenho de basquete (1966-)] veio com ele para mim no fim do jogo: “Olha aqui teu dente!”. Esse aqui de baixo [mostra o dent], rachou pelo meio...

Hortência: [Interrompendo] Você ainda continuou jogando? [risos]

Oscar Schmidt: Continuei, lógico! [Hortência ri]

[...]: Foi no final do jogo?

Oscar Schmidt: E outro aqui ficou mole. Quebrei três dentes nesse dia aí.

Melchíades Filho: O basquete é um esporte saudável?

Oscar Schmidt: É saudável, mas tem essas coisas. Às vezes o teu companheiro de equipe te machuca. Outro dia, ano passado, o Gerson pulou e caiu... caiu... caiu... - [apontando o olho esquerdo] nesse outro olho aqui [corrigindo-se, mostrando o olho direito], ou nesse, é nesse aqui [gesto mostrando o olho esquerdo] -,  caiu com o cotovelo aqui. [Resultado:] Quatro pontos. O Gerson, do meu time.

Hortência: Você faz quantos arremessos por dia, mais ou menos?

Oscar Schmidt: Bom, agora na seleção, Hortência, como eu sabia que ia ser a minha última seleção, eu fiz, nos últimos vinte dias da seleção brasileira, antes de começar a Olimpíada, eu fiz mais de mil por dia.

[...]: Os americanos acreditavam.

Hortência: E você nunca teve tendinite no ombro?

Oscar Schmidt: Graças a Deus, não.

Hortência: Aí, está vendo!

Oscar Schmidt: E nunca fiz peso.

[...]: Está reclamando do quê, né?

Oscar Schmidt: Mas eu me sinto privilegiado, porque todas as vezes...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] O resto não tem importância, hein Hortência? [risos] O resto que ele teve não tem importância. O ombro estava bom. [risos]

Oscar Schmidt: Mas sabe que, de tudo o que eu tenho, eu convivo muito bem com essas coisas.

Denise Mirás: [Interrompendo] Você convive com a dor, assim, você joga doendo o tempo todo?

Oscar Schmidt: Muitas vezes, muitas vezes...

Denise Mirás: [Interrompendo] É normal?

Oscar Schmidt: É normal, é normal. Olha, eu falo sempre uma coisa assim: que dor e cansaço fazem parte do nosso uniforme. Quem não conseguir conviver com dor e cansaço não pode fazer esportes.

Hortência: [Interrompendo] No pain, no gain! [em inglês: sem dor, sem vitória]

Oscar Schmidt: Então…

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] Teve um jogo na Itália em que você jogou seriamente contundido, não foi isso?

Oscar Schmidt: Teve um jogo que eu fraturei a mão, o segundo metacarpo, em dois lugares...

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] Você jogou com a mão esquerda, não é?

Oscar Schmidt: Houve uma fratura completa desse osso assim [gesto com as mãos, abaixando-as lado a lado, com uma palma de frente para a outra] em dois lugares. Foi num treino no sábado, e a mão ficou que nem um melão, né? [gesto com as mãos, sinalizando inchaço]

Milton Abrúcio Jr.: A mão direita, a santa?

Oscar Schmidt: A mão direita, a santa não.

[Risos]

Oscar Schmidt: Aí fomos jogar domingo, e doía "pra burro". Eu comecei a jogar e tal, só chutava de esquerda, assim, as que sobravam, né? Aí, no segundo tempo, a gente estava perdendo e tal, aí eu resolvi esquecer. Esqueci. Esqueci não, doía, mas eu esqueci. Aí eu falei "ah, agora vai e quebra de uma vez mesmo..."

Hortência: [Interrompendo] Depois ficou certo.

Oscar Schmidt: Desencantou e jogamos, ganhamos o jogo, joguei super...

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] Chegava esquecer a dor ou não?

Oscar Schmidt: Não, não esquecia, mas [expressão de raiva] – né? -, com raiva e tal você supera. Aí, no dia seguinte, me engessaram e o doutor falou que eu arrisquei muito, porque o osso poderia realmente sair do lugar e [gesto com a mão mostrando o osso sair do lugar], sei lá...

Denise Mirás: [Interrompendo] Agora, Oscar, ...

Oscar Schmidt: ... acontecer alguma coisa muito mais grave e eu ter que operar para poder colocar [o osso no lugar], não é?

Denise Mirás: Oscar, você quebrou a mão no queixo de um cubano aqui, não foi, em São Paulo?

Oscar Schmidt: É. Isso aí não foi esporte, né? Foi outro esporte.

[...]: Outro esporte, né?

Denise Mirás: [Interrompendo] O que é que você acha...?

Oscar Schmidt: Isso aí foi uma confusão...

[Risos]

Oscar Schmidt: Quando eu era moleque, eu era muito briguento...

[...]: Não era moleque, né?

Oscar Schmidt: ... e na seleção, o técnico era o Edvar [Simões], teve uma briga, uma briga não, teve uma confusão, Brasil e Canadá era. Aí um cara veio e agarrou o Adilson por trás - você lembra esse jogo Marcel? Lembra, né?

Marcel de Souza: Lembro.

Oscar Schmidt: Aí, eu nem perguntei. Como nessa época eu adorava uma briguinha – né? -, uma confusão, "tá" [como se estivesse iniciando uma confusão], saí e já "pum" [fazendo o barulho de um soco]. Daí bati e já senti adormecer o braço inteiro, e foi uma fratura muito forte, fiquei quarenta dias para voltar. E depois disso daí eu acordei para o negócio, porque eu assinei o contrato com a Itália com a mão engessada. Daí para frente eu só entrei para dividir. E aí eu aprendi uma coisa muito importante: que todo mundo tem o direito de errar, [e] o importante é não repetir os próprios erros.

Sérgio Carvalho: Oscar, você encontrou jogadores muito catimbeiros [que jogam usando ardilosamente recursos antiesportivos, embora geralmente não violentos, para gastar o tempo ou desequilibrar o adversário] e de qual nacionalidade é o mais catimbeiro? Seria, por exemplo, o porto-riquenho, o argentino, o cubano?

Oscar Schmidt: O uruguaio. Nossa...

Sérgio Carvalho: O uruguaio? Por quê?

Oscar Schmidt: O uruguaio. Teve uma safra aí, nossa senhora! Os caras foram campeões sul-americanos e foram o quinto [lugar] na Olimpíada de [19]84. E eu joguei com um deles na Itália, chama Horácio López [(1961-), jogou, no Brasil, na equipe de Franca]. Olha, até hoje eu não vi ninguém catimbar que nem ele. É impressionante esse cara, o que [ele] fazia.

Sérgio Carvalho: É?

Oscar Schmidt: Mas é bom jogar com ele, contra ele é um horror. Mas ele no seu time é um negócio fora de série, porque ele assume toda aquela raiva dos outros, vai tudo para ele, e você fica tranquilo. [Oscar sorri]

Hortência: Qual foi o jogador, na sua opinião, que você mais achou fantástico no basquete? [Um jogador] Que você já viu.

Oscar Schmidt: Para mim, Larry Bird [(1956-), atleta que tinha no arremesso de três pontos a sua principal característica de jogo], porque... né? O Michael Jordan [(1963-), atleta norte-americano que é considerado por muitos como o melhor jogado de basquete de todos os tempos] é o melhor mesmo, de todos os tempos, ninguém tem nada contra isso, mas é muito fácil, porque ele tem dotes atléticos muito grandes. Se ele fizesse salto triplo ele seria o melhor disparado. Qualquer coisa que ele fizesse, que envolvesse o físico dele, ele seria muito bom.

Marcel de Souza: Oscar, já que nós estamos no qual foi e qual não foi, você que... como jogou também... foi treinado pelos melhores técnicos que o país já teve - porque se você estava na seleção brasileira por vinte anos e os melhores vão para a seleção brasileira, e todos foram treinados... [corrigindo] todos foram seus treinadores....Você também jogou na Itália, na Europa, [por] 13 anos, e também foi treinado por muitas pessoas de destaque no campo de técnico. Então eu queria saber de você qual é a diferença que você acha do técnico brasileiro e do técnico internacional, onde você jogou?

Oscar Schmidt: Europeu. O técnico da Itália e Espanha, né?

Marcel de Souza: É.

Oscar Schmidt: O negócio é o seguinte, lá na Itália e na Espanha tem uma coisa que a gente precisava começar a pensar aqui no Brasil: tem a escola de técnicos. A gente não tem uma escola de técnicos, geralmente os técnicos são ex-jogadores, que nem você [indicando Marcel de Souza], que nem eu, talvez um dia, e a gente vive da nossa experiência pessoal como jogador.

Marcel de Souza: [Interrompendo] Antes que você conclua: é necessária alguma especialização outra que a escola de técnico, para ser técnico de basquete na Europa?

Oscar Schmidt: Não. Você não precisa ser professor de educação física. É isso que você está querendo dizer?

[Risos]

Oscar Schmidt: Porque eu acho que não tem nada a ver uma coisa com a outra. Professor de educação física é uma coisa, ser técnico de basquete, para mim, é outra completamente diferente. O cara que entra na faculdade de educação física [e] sai de lá formado pode ser técnico de basquete? Ele não sabe nada para o basquete, para ser técnico de basquete, sem dúvida alguma, porque é o que você sabe que a tua vida de jogador é muito mais do que você aprender num negócio desses. Uma escola especializada para técnicos é de muito mais lucro, porque você vai aprender realmente o que te serve – né? -, vai aprender basquete, você não vai aprender anatomia, basquete...

[...]: [Interrompendo] Você pensa em ser treinador, Oscar, daqui a vinte anos, quando você parar?

Oscar Schmidt: Não sei.

Marcel de Souza: Bom, mas o Oscar não respondeu ainda a pergunta, a diferença do técnico...

Oscar Schmidt: Então, a diferença primeira é essa: lá tem escola de técnicos e aqui não tem. Mas ao mesmo tempo, tendo escolas de técnicos, todos os técnicos que saem de lá são que nem carimbo [gesto com as mãos, de carimbar], tudo igualzinho. Marcel, é impressionante: é tudo mundo igual, o aquecimento é tudo igual, dos times, você vê os dois times entrando, dois times que você nunca viu, tudo aquece igualzinho, começa a jogar, o mesmo esquema, é todo mundo. Ao mesmo tempo em que no Brasil, que a gente vive do nosso coração, da nossa inventiva e tal, aqui, “pô”, têm uns caras, nossa senhora, é impressionante! Eu treinei com Edvar, que era um cara - né? -, aquele “estilão” dele, treina “pra burro” e tal, briga; Mortari, tem o estilo pessoal dele; o Ary Vidal [tem] o estilo pessoal dele; o Zé Boquinha - eu estou com ele agora -, outro estilo completamente diferente. Quer dizer, ao mesmo tempo a gente tem essas coisas aqui, que é diferente. Pode ser melhor em outro sentido, mas eu acredito que seria bom a gente ter uma escola de técnicos...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Oscar.

Oscar Schmidt: ... como tem de juiz, né?

Matinas Suzuki: Oscar, nós vamos fazer um rápido intervalinho, e a gente volta daqui a pouquinho com o segundo tempo da entrevista com o Oscar. Até já.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Bem, nós voltamos com o Roda Viva que esta noite entrevista o Oscar, o nosso grande cestinha. Eu lembro que você pode enviar as suas perguntas aqui pelo telefone 252-6525, 252-6525; ou pelo fax 874-3454, 874-3454. Eu peço um pouquinho de paciência para você, tem muita gente querendo mandar, aqui, recado para o Oscar, se tiver tempo eu... as que derem para eu ler, eu lerei, e as outras eu encaminharei para o Oscar. Oscar, hoje a molecada no Brasil está muito ligada na NBA. Eu acredito que deva ser um fenômeno mundial porque envolve comportamento, envolve um tipo de atitude, envolve uma série de coisas. Você acha que essa atração pela NBA está atrapalhando o basquete no Brasil ou está ajudando o basquete no Brasil? Essa é a primeira pergunta. A segunda pergunta: você é a favor de mudanças nas regras do basquete, na estrutura do basquete, para que ele possa ser, como espetáculo, esse basquete que a gente joga aqui mais parecido com os basquetes que se jogam nos Estados Unidos?

Oscar Schmidt: Bom, eu acho que a NBA ajuda, sem dúvida alguma. É muito bonito você ver esse espetáculo maravilhoso, e, para as crianças que estão comendo a jogar, ter esses exemplos todos os dias... vai melhorar muito. Mas a gente vai ver esse retorno daqui a alguns anos, porque começou de uns anos para cá essa febre aqui no Brasil, e muita molecada que está começando a jogar, que está se espelhando, que está querendo fazer igual, daqui a uns anos vão ser grandes jogadores, sem dúvida. Eu acredito que ajuda. A outra pergunta, qual que era?

[Risos]

Matinas Suzuki: Se... [risos] Se o fato de...

Oscar Schmidt: [Interrompendo] Ah, tá. As mudanças de regras no basquete são uma constante, porque é um esporte que está sempre em evolução. Já mudou de regras, assim... [a] cada ciclo de quatro anos há uma mudança de regra, e a tendência foi sempre de chegar mais perto da regra da NBA. Mas, ao mesmo tempo, a NBA mudou uma das regras dela de acordo com a Fiba [Federação Internacional de Basquete]: a linha de três pontos lá, que era de sete metros e cacetada, agora é muito parecida com a nossa [distante 6,25m da cesta], [por]que eles viram que a linha de três pontos mais perto dá muito mais espetáculo, dá muito mais eficiência no jogo de basquete. Eles encurtaram a regra deles e deu um resultado enorme. Eles passaram a jogar muito parecido com como a gente jogava, a nossa geração - eu, Marcel e todo mundo -, que todo mundo criticava a gente porque a gente mandava pau de três, a NBA agora joga parecido com aquele negócio lá, porque a linha ficou mais perto. Então agora eles jogam ou lá embaixo, com os pivôs, ou de três: aquele chute perimetral ali – né? -, na linha do lance livre, quase não tem mais. Ou é mais perto de lá, ou lá de fora. Ficou um negócio mais espetacular – né? -, porque uma cesta de três pontos é sempre espetacular.

Matinas Suzuki: Oscar, só mais uma [coisa]... com relação a isso. O Dream Team não foi, nessa Olimpíada, esse sonho todo que tinham sido os outros... O que você acha? Está havendo uma certa decadência da NBA ou o mundo inteiro está aprendendo a jogar como eles, e a cada Olimpíada você vai subindo um degrauzinho até... chegando-se a imaginar aí uma final em que alguém possa entrar para competir com eles para valer?

Oscar Schmidt: Bom, primeiro, o Time dos Sonhos - né? -, só teve aquele primeiro mesmo, [em] que estava Michael Jordan, estava Larry Bird, Magic Johnson [armador (1959-), foi titular da equipe do Los Angeles Lakers de 1979 a 1992. É considerado um dos maiores jogadores de todos os tempos a atuar na NBA]. E hoje, um time dos sonhos onde o maior jogador não está jogando, o Michael Jordan, não é time dos sonhos, é uma seleção muito forte, a melhor seleção dos Estados Unidos. Mas eles vão ter problemas no futuro, sem dúvida alguma...

Sérgio Carvalho: [Interrompendo] Isso demora, Oscar?

Oscar Schmidt: Vai demorar um pouquinho.

Sérgio Carvalho: [Interrompendo] Ainda?

Oscar Schmidt: Vai demorar, mas...

Sérgio Carvalho: Mais umas duas Olimpíadas?

Oscar Schmidt: Ou mais...

Marcel de Souza: Mais.

Sérgio Carvalho: Mais.

Oscar Schmidt: Porque agora, por exemplo, eles já viram que tem time do outro lado, já não foi tão fácil que nem em [19]92, né?

Sérgio Carvalho: [Interrompendo] É, não foi.

Oscar Schmidt: Contra a Iugoslávia, dez minutos para acabar o jogo, o jogo estava no pau.

Sérgio Carvalho: [Interrompendo] Estava.

Oscar Schmidt: Vai que de repente os caras metem umas três bolas seguidas, e fica difícil de recuperar.

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] A diferença estava no banco, é isso?

Oscar Schmidt: Estava no banco. Então esse negócio vai equilibrar, mais cedo ou mais tarde.

Sérgio Carvalho: E a Iugoslávia é a que está mais perto deles?

Oscar Schmidt: A Iugoslávia é a que está mais perto deles. Mas, ao mesmo tempo, essa seleção da NBA é um negócio muito complicado. Não é a média do jogador aquilo lá, da NBA. Aquilo é a seleção da NBA, né? O pessoal olha [e diz:]: “Ah, não dá para jogar contra os americanos!”. Não é bem assim. Se viesse um time da NBA, daria jogo "pra burro", seria muito equilibrado o negócio. Mas a seleção de lá é um negócio complicado, porque a diferença entre os primeiros vinte, trinta jogadores, e os demais, é muito grande, porque está cheio de jogadores da Europa lá - o Rolando mesmo jogou lá - jogando na NBA.

Melchíades Filho: Oscar, do ponto de vista do público, do torcedor, essa inserção da NBA no Brasil e no mundo de uma certa maneira não atrapalha a vida de vocês jogadores que vêm antes da... que já estavam aqui antes da NBA chegar, por assim dizer? O público não ficou exigente demais vendo o basquete americano na televisão? Tem tanta graça ir ao ginásio ver o Corinthians Amway jogar, como assistir...

[...]: Comparação meio cruel.

Melchíades Filho: ... o jogo na sexta-feira à noite? Dá para competir com os americanos?

Oscar Schmidt: Bom, é o seguinte: se tivesse um jogo da NBA hoje, aqui em São Paulo, e um do Corinthians hoje, aqui em São Paulo, lógico que eu ia ver o da NBA. Eu não ia ver o do Corinthians.

Melchíades Filho: Sim.

Oscar Schmidt: Mas o da NBA está na televisão, está sendo jogado lá, o nosso está aqui, ao vivo. O nosso é do Brasil e está aqui ao vivo, então é um espetáculo, quer queira, quer não. Aquele da NBA está lá, do mesmo jeito que tem... sei lá: futebol americano, baseball, o que você quiser. Está lá.

Melchíades Filho: E por que é que tem menos público hoje do que tinha 15, vinte anos atrás, nos ginásios?

Denise Mirás: [Interrompendo] Você acha que as pessoas estão muito acomodadas assistindo televisão em casa?

Oscar Schmidt: Nas cidades pequenas continua tendo muito público. No interior de São Paulo, no sul do país, no norte do país, lota [enfatiza] qualquer coisa. Eu fui jogar jogos com um time americano, que a gente ganhou de sessenta pontos [e constatei que] em Brasília [o ginásio estava] lotado, em Uberlândia, lotado, em tudo quanto é lugar que a gente foi, superlotado, gente do lado de fora. E em São Paulo é muito dispersivo: tem muita coisa para fazer, é longe, tem garoa, tem televisão, o cara não quer sair de casa, foi trabalhar, tem trânsito, tem um monte de desculpas para ele arrumar. Nenhuma delas é válida, porque se você quiser ir, você vai. Mas é difícil São Paulo.

[...]: Foi por isso que o Corinthians, por exemplo, mudou para Jundiaí?

Oscar Schmidt: Foi por isso.

Melchíades Filho: Você acha que vai mudar?

Oscar Schmidt: Foi por isso. Porque é uma falta de respeito muito grande, né? Eu jogo num time de massa, você vai lá no ginásio [e] tem 300 pessoas vendo o jogo. É uma falta de respeito, para o Corinthians, muito grande [enfatiza].

Melchíades Filho: Diz que dava para ouvir a bola ecoando pelo ginásio?

Oscar Schmidt: É. Então nós jogamos muitos jogos no campeonato do ano passado com o ginásio semivazio. Só nas finais veio gente, em alguma ocasião veio gente. Então, nós resolvemos procurar um lugar que viesse mais gente. É muito mais bonito, até na televisão mesmo, transmitir um jogo com a casa cheia, do que um jogo vazio.

Sérgio Carvalho: Aliás, Oscar, além do fato de te trazer de volta para casa, o que é que significou para você jogar no Corinthians?

Oscar Schmidt: Olha, o fato de eu ter vindo para o Brasil e ter caído no Corinthians é muito bonito. Porque o Corinthians tem... tem... é uma religião mesmo, pra muita gente. Eu vejo quando a gente vai jogar no interior de São Paulo, no sul do país, tem sempre a torcida do Corinthians, aquele grupinho de torcedores corinthianos da cidade. É um negócio muito bonito esse negócio de Corinthians. A única pena é você jogar lá dentro para pouca gente, né?

Sérgio Carvalho: É.

 Oscar Schmidt: Então, agora... nós jogamos em Jundiaí ontem, superlotou a casa. Foi super legal. Estava lá a torcida corinthiana de Jundiaí, o pessoal de Jundiaí está torcendo para gente como se fosse o time de Jundiaí, e é o Corinthians. Então agradou todo mundo, e eu creio que foi uma escolha muito acertada.

Sérgio Carvalho: Pelo menos vocês têm calor humano, agora.

 Oscar Schmidt: Exato.

Hortência: Oscar, tem algum sonho no basquete que você não conseguiu realizar?

Oscar Schmidt: Ah tem, tem. Eu daria qualquer dinheiro, qualquer coisa para ter uma medalha olímpica. Cinco Olimpíadas eu fui, procurei demais. Na Olimpíada de [19]88 foi que a gente chegou mais perto [Olimpíadas realizadas em Seul. A equipe masculina de basquete ficou na quinta posição], a gente tinha um time que tinha mudado de nível, a gente estava jogando de igual para igual com todo mundo, mas não consegui. Mas é sempre bom ter uma pedrinha no sapato para a gente saber que a gente é...

Marcel de Souza: [Interrompendo] Oscar.

Oscar Schmidt: ... de carne e osso, igual a todo mundo.

Marcel de Souza: Oscar, se você pudesse, na sua carreira, voltar atrás e começar de novo, você voltava?

Oscar Schmidt: Sem dúvida alguma.

Marcel de Souza: E você, em algum ponto da sua carreira, você tomava alguma outra decisão diferente da que você tomou?

Oscar Schmidt: Depende. Se fossem os mesmos tempos eu faria exatamente tudo igual. Se fossem tempos diferentes, se fosse hoje, começar hoje, aí você toma um monte de atitudes diferentes, né?

Marcel de Souza: Por exemplo?

Oscar Schmidt: Por exemplo: hoje eu teria jogado na NBA, porque hoje eu posso jogar na seleção. Jogo lá, venho e jogo na seleção. Hoje eu teria jogado lá. Hoje... hoje um jogador com o passaporte europeu vai para a Europa e ganha fortunas, coisa que no nosso tempo não acontecia. Tudo é de acordo com o tempo [em] que você vive. Ao mesmo tempo, o Wlamir [Wlamir Marques (1937-), bicampeão mundial com a seleção brasileira de basquete], o Amaury [(1937-), foi considerado o jogador mais completo do mundial de 1959, no qual o Brasil foi campeão], o Ubiratan, o Hélio Rubens, são outros tempos, ainda mais difíceis, para trás, né? Então, é a evolução do negócio. Se eu pudesse voltar atrás hoje, eu mudaria algumas coisas. Se eu tivesse que voltar atrás desde o começo da minha carreira, eu não mudaria nada.

Marcel de Souza: Porque a gente vê o produto pronto. Não, então nós estamos vendo aqui o Oscar com 38 anos, cinco Olimpíadas, o que todo mundo sabe. Mas nós não vimos o que você - ou Hortência ou eu - passou para estar aí.

Oscar Schmidt: [Interrompendo] Deixa contar uma aqui...

Marcel de Souza: Você mesmo assim, você faria a mesma coisa?

Oscar Schmidt: Faria, Marcel. Porque olha: naquele Pan-Americano de [19]87, esse senhor aí [Marcel de Souza] estava com o peso além do normal, precisava emagrecer...

[Risos]

Hortência: [Interrompendo] Quase não participou.

Oscar Schmidt: ... e eu topava treinar qualquer hora. Sabe o que a gente fazia? A gente acordava às 6 [horas] da manhã, ia correr quarenta minutos...

Hortência: [Interrompendo] Isso é verdade.

Oscar Schmidt: ... voltava, tomava banho, tomava café, daí que a gente ia treinar com o time. E ainda ficava lá chutando que nem louco, para depois ir treinar à tarde de novo. Isso é um exemplo. Fora o que a gente não parava de correr. Em [19]79, no Pan-Americano de Porto Rico, em [19]79...

Hortência: [Interrompendo] É verdade que você dormia com a bola?

Oscar Schmidt: Espera aí, deixa eu contar essa primeiro, depois eu vou contar essa aí também, porque essa daí é engraçada. Em [19]79, no Pan-Americano de Porto Rico, eu e o Marcel, a gente corria tanto na pista da vila pan-americana que um dia chegou um cara lá, um senhor lá, [e disse:]: “Oh...”, falou para o Marcel - o Marcel sabia falar inglês naquela época, eu não sabia -: “Oh, mas que provas que vocês fazem?”.

[Risos]

Marcel de Souza: [Corrigindo Oscar] Não, ele falava assim: “Vocês estão bem, hein! Estão bem, hein! Que prova que vocês fazem?”.

[Risos]

Oscar Schmidt: E a gente estava lá correndo embaixo da chuva e tudo, não parava de correr. E esse negócio da bola foi o seguinte: quando eu comecei a treinar em Brasília, aí eu ouvia falar... as conversas – né? - do pessoal mais antigo e tal, e um dia eu ouvi: “Olha, você tem que treinar tanto para ser bom que você tem que dormir com a bola!”.

[Risos]

Oscar Schmidt: Aí eu comecei a dormir com a bola. Mas de verdade! Eu levava a bola para a cama e ficava batendo ela lá [faz gesto de bater a bola], ficava com ela...

[...]: [Interrompendo] Quantos anos você tinha?

Oscar Schmidt: Tinha 14 anos, 13 [anos]...

Melchíades filho: Aos 13 anos você tinha 1,90m, né?

Oscar Schmidt: Mais ou menos. [Corrigindo-se] Não, [aos] 13 anos [eu media] 1,85m.

Melchíades Filho: Já era alto.

Oscar Schmidt: Já era bem alto.

Denise Mirás: [Interrompendo] Vai ver que era verdade...

Melchíades Filho: Você se assustava com esse seu tamanho? Em algum momento da sua adolescência você quis se encolher?

Oscar Schmidt: Em Brasília, não. Mas em Natal, como a média de altura das pessoas era menor, eu parecia um gigantão mesmo. Eu lembro que meus pais me levaram ao médico para ver se estava tudo normal comigo.

[Risos]

Melchíades Filho: Você tinha vergonha?

Oscar Schmidt: Não tinha vergonha... [Corrigindo-se] Não, algumas vezes tinha. Tem uma coisa que eu morro de vergonha até hoje: é dançar. Nossa senhora, eu morro de vergonha.

Melchíades Filho: Dava vexame na festa, é isso?

Oscar Schmidt: Eu não sei por quê? Eu morro de vergonha. Tanto é que um programa que eu não gosto é discoteca, porque não dá para conversar, fica fedendo a cigarro e dançar para mim é a pior coisa do mundo. Então o meu negócio é ir com a Cris [Maria Cristina Victorino Schmidt, esposa de Oscar] lá em restaurantes...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Oscar, já que você falou em Natal, o Jaime, lá de Natal, pergunta se você nasceu em Natal ou se você nasceu em Parelhas, no Rio Grande do Norte. E qual o laço sentimental que você tem com Parelhas.

Oscar Schmidt: Bom, Parelhas é a cidade da minha mãe, né? Minha mãe nasceu em Parelhas, minha avó...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Sua mãe é descendente de holandeses, é isso?

Oscar Schmidt: É, mas muito longe – né? -, muito longe. Minha mãe é bem brasileira.

Matinas Suzuki: [Interrompendo] E seu pai?

Oscar Schmidt: Meu pai é assim: minha avó é iugoslava e meu avô alemão. Meu avô fugiu antes da guerra [assovia e faz gesto de fugir com as mãos] veio para o Brasil porque o negócio estava estourando lá; ele fugiu. E minha mãe nasceu em Parelhas . Minha família é toda de Parelhas e de Currais Novos, que é o interior do Rio Grande do Norte. Lá, bem assim, interior mesmo! Eu me lembro [de] que, na época, tinha muita estrada de barro. A gente, para ir para Parelhas, pegava uma estrada de barro - não sei se asfaltou, porque desde aquela época eu não voltei em Parelhas. E tenho muitos parentes lá: tios, primos. Estão todos por lá. Meu tio Nabor mora lá em Currais Novos, e o meu tio Expedito. E eu nasci em Natal mesmo, no Alecrim. Eu e meus dois irmãos, nós nascemos em Natal. A gente morava no Cobana, que era o Clube dos Oficiais da Marinha, ali perto da Base Naval, e a maternidade era no Alecrim, ali pertinho.

Matinas Suzuki: Oscar, eu vou aproveitar aqui, já que peguei uma janelinha para o nosso telespectador, [e] tenho muitas perguntas aqui, eu estou meio aflito para fazer. O Roberto da Silva, do Recife, já que estamos lá perto da sua terra. [diz:]: “O que você acha das torcidas organizadas estarem aparecendo nos jogos de basquete?”.

Oscar Schmidt: Bom, eu acho legal. Mesmo porque no basquete é muito raro ter confusão, né?

Matinas Suzuki: Mas tivemos uma coisa feia ali, contra a Argentina.

Oscar Schmidt: Tivemos, na final do Sul-Americano. Mas tivemos porque fomos provocados. O time argentino provocou a torcida. Eles ganharam e subiram em cima da mesa mostrando o saco para a torcida. E eu sei como que é isso, porque uma vez a gente fez isso com Franca, em... Lembra Marcel?

[Risos]

Oscar Schmidt: Ganhamos com o Sírio... [corrigindo-se] com Franca, lá em Araraquara...

Matinas Suzuki: Franca foi sempre o pior lugar para vocês jogarem ou não?

Oscar Schmidt: Não.

Marcel de Souza: [Interrompendo] Não foi em Franca.

Oscar Schmidt: Foi em campo neutro...

Matinas Suzuki: Foi em campo neutro?

Marcel de Souza: [Interrompendo] Franca foi agora.

Oscar Schmidt: ... mas estava lotado de gente de Franca. E nós cometemos um erro muito grande, que hoje eu falo para toda a molecada. A gente, mesmo que...  aconteceram algumas coisas, jogaram garrafa de cerveja que bateu no Cláudio [Mortari] e tal. [Quando] Acabou o jogo, nós fomos à frente da torcida de Franca mostrar – né? -, assim, fazer aquele gesto lá, e depois saiu uma briga assim, terrível. Então eu falo sempre para a turma [que] depois daquilo lá eu aprendi, graças a Deus! Ganha fora de casa, vai festejar no vestiário, não vai provocar quem está lá, porque o pessoal já está... está puto nas calças porque perdeu. Você vai provocar, vai arrumar confusão. Então, ganhou fora de casa, festeja no vestiário. Ganhou em casa, aí você festeja com a tua torcida.

Matinas Suzuki: O Fernando pergunta: “Qual é a sua opinião sobre o fato de os jogadores de futebol brasileiros terem menosprezado a cerimônia da entrega da medalha de bronze?” - você, que sonhava tanto com uma medalha.

Oscar Schmidt: Bom, olha, eu não sei que motivo que foi, eu só posso responder por mim, que a medalha de bronze para mim seria... eu daria qualquer dinheiro na minha vida para subir naquele pódio lá. Mas eu não sei que motivo que eles tiveram, então...

Marcel de Souza: [Interrompendo] Posso, posso... ?

Matinas Suzuki: Claro.

Marcel de Souza: Eu sei o motivo. O motivo é que, na história do futebol, em Olimpíadas, sempre a final foi disputada no Estádio Olímpico, e esse ano, na Olimpíada, a final não foi disputada no Estádio Olímpico. Então foi uma medida de cartolagem [são chamados de cartolas, no meio esportivo, aqueles que nele exercem funções políticas], porque o João Havelange [(1916-), brasileiro que foi presidente da Fifa – Federação Internacional de Futebol - de 1974 a 1998] estava um pouco bravo com isso, com esse desprestígio do futebol. Então ele fez entregar a medalha de bronze quando terminou o jogo, um dia antes da final. Essa é a versão que eu tenho.

Matinas Suzuki: Marcel, vamos aproveitar que a gente está batendo uma bolinha aqui:... O que é que... o Oscar te irritou muito em algum jogo? Teve algum jogo em que vocês brigaram? Vocês chegaram a não falar mais, ficaram um tempo, enfim, conta...

Marcel de Souza: Eu sou... Eu sou... O Oscar, eu tenho o Oscar como um irmão, né? E...

Matinas Suzuki: Certo.

Marcel de Souza: ... eu sou padrinho de casamento do Oscar e tudo, mas eu quebrava o pau com o Oscar, porque não é possível – né? -, para administrar a coisa. Então nós quebramos o pau muitas vezes, mas era sempre para construir as coisas que nós conquistamos juntos. Então não era assim que, tudo bem, não tinha briga nenhuma. Como a Hortência sabe, que no basquete a gente não pode falar: “Oscar, faz o favor, será que dava para você...?”.

[Risos]

Oscar Schmidt: Mas tem uma coisa...

Hortência: [Interrompendo] Oscar, o Marcel deve ter sido o seu melhor amigo, não foi?

Oscar Schmidt: Ah, sem dúvida alguma. É como meu irmão.

Hortência: De todos os jogadores do basquete, ele foi o seu melhor amigo?

Oscar Schmidt: É isso aí. É como meu irmão. E olha, tem uma coisa muito legal que, geralmente, quando os jogadores da mesma posição, que dividem protagonismo, jogam juntos...

Hortência: [Interrompendo] É difícil.

Oscar Schmidt: ... tem muita ciumeira, tem mesmo, e a gente nunca teve isso. Nós disputamos protagonismo por vinte anos, pô! [Quando] Começamos a jogar juntos a gente tinha 15 anos, [no] Sul-Americano juvenil. O Maury era uma bolinha assim [gesto de mostrar uma pessoa gorda], nem jogava basquete. Ele ficava correndo em volta da gente, era o meu amiguinho, era o Maury... que eu tinha 15 anos, e esses caras eram todos já... pensavam que sabiam jogar, e eu era o mais menininho. Então a gente, mesmo dividindo esse protagonismo todo, a gente era que nem irmão. Nossa, eu considero o Marcel... Ele é meu padrinho de casamento, é o irmão mais velho que eu não tenho.

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] Oscar, ...

Oscar Schmidt: É uma coisa legal isso daí, porque isso é conquista da tua carreira também. [câmera mostra Marcel sorrindo]

Milton Abrucio Jr.: Oscar, eu queria fazer um pouco aí o advogado do diabo. Você, sem dúvida, para quem gosta de basquete - e eu sou uma pessoa que aprecio muito basquete - ver você jogar, e sendo brasileiro, sempre foi motivo de orgulho para a gente. Agora, de vez em quando dá uma sensação ambígua quando [se] vê o Oscar jogando pela seleção brasileira, que é aquela coisa, em alguns momentos críticos, em alguns maus jogos, ...

Oscar Schmidt: Ódio e amor, né?

Milton Abrúcio Jr.: ... o esporte coletivo vira um esporte individual. Você vê Oscar arremessando e errando, Oscar arremessando e errando. Em alguma vez você não se sentiu fominha? E o complemento dessa pergunta é o seguinte: se o basquete brasileiro não tem que mudar. Você está se afastando, enfim, gostaríamos que não se afastasse, mas, enfim, se o basquete brasileiro não tem que ganhar uma noção maior de conjunto, não tem que desenvolver melhor os seus pivôs, por exemplo, parar de ser o esporte de um arremessador brilhante.

Oscar Schmidt: Bom, é o seguinte: eu convivi com isso a vida inteira - né? - e, para falar a verdade, eu nunca dei muita bola. Eu tenho um lema na minha cabeça, que eu penso assim: "para mim é muito mais importante o que eu penso dos outros, não o que os outros pensam de mim." E isso foi uma constante na minha carreira. No começo da minha carreira eu ficava chateado com isso, porque eu estava querendo fazer o máximo possível e muitas críticas vinham. Mas isso é normal da vida de um atleta. E a minha maneira de jogar, muitas vezes, parece, parecia egoísmo e tal. Eu não jogo desta maneira, porque, quando eu comecei a jogar, a primeira coisa que eu sempre tive na minha cabeça é muita confiança em mim mesmo. Foi a primeira coisa que eu aconselho a molecada: "tenha muita confiança em você mesmo, [que] tudo o que você faça, você faça... Se você arremessa uma bola, arremesse ela para acertar, mesmo que seja aquela bola mais impossível; não arremesse só para arremessar.". Isso foi uma constante na minha carreira e eu sempre vivi nesse muro entre ódio e amor. Mas eu tenho o maior orgulho de ter vencido a barreira do ódio. Eu tenho certeza [de] que a maioria das pessoas tem amor por mim. Então eu me sinto super orgulhoso, porque eu vivi sempre ali em cima do muro. Jogava mal, o time perdia, [eu ouvia]: “Lá vai o Oscar chutar tudo. Não dá.".

[Risos]

Milton Abrúcio Jr.: "Lá vai ele de novo arremessar.".

Oscar Schmidt: Pois é. Então, é uma coisa com a qual eu convivi bastante. Mas todo mundo que me conhece sabe que eu não sou egoísta, de maneira alguma. Inclusive nós fizemos teste de psicologia, não é Marcel? Na seleção...

[...]: O que é que deram?

Oscar Schmidt: E eu sou, assim, emotivo. Sou um cara explosivo, e talvez isso influenciasse muito no meu jogo, esse negócio de querer decidir e tal. Mas, voltando à segunda pergunta, eu acredito piamente que a nossa primeira coisa é fazer uns caras muito fortes para brigar lá embaixo; é a primeira coisa a ser feita. Depois é questão de deixar o pessoal jogar, pô! Nós estamos cheio de jogadores bons aí, vamos pôr a molecada para jogar e vamos enfrentar todo mundo...

Milton Abrúcio Jr.: [Interrompendo] Mas tem um excesso de promessas como alas, por exemplo: Rogério, Caio [Caio Cazziolato (1974-), ala que abandonou o esporte no ano de 2002]...

Oscar Schmidt: [Interrompendo] Mas olha...

Milton Abrúcio Jr.: ... mas tem poucos pivôs, não é isso? Nessa geração atual.

Oscar Schmidt: Nós precisamos... Não, tem pivôs bons. Nós temos bastantes jogadores bons. Só precisamos deixar eles jogarem, e não ficar assim, pondo muita pressão nos meninos - sabe? -, [dizendo:] “Olha esse cara aí, saiu esse... Esse cara é o novo não sei quem...”. Deixa ficar.

Milton Abrúcio Jr.: Você teme essa coisa do novo Oscar, de começar a surgir?

Oscar Schmidt: Pois é, então. Tem que deixar o menino jogar tranqüilo, porque os jogadores passam e as instituições ficam. A seleção vai continuar sempre. E os jogadores que passam... nunca vai ter outro igual àquele. Tem que surgir uma nova seleção, nós temos talentos, nós temos grandes técnicos e vamos sair pro pau de novo! Mas eu acredito só que a primeira medida a tomar - e eles já estão me prometendo que já estão fazendo isso aí, os meninos, Rogério, Demétrius [Demétrius Ferraciú (1973-), armador] - é [faz movimentos com os braços como se estivesse se exercitando com pesos] peso. E eles têm que ficar mais fortes mesmo.

Denise Mirás: Oscar, essa Olimpíada, além de ser a tua despedida da seleção, foi uma revelação com relação ao Felipe [Felipe Schmidt (1986-), atuou no basquete universitário norte-americano e em alguns clubes brasileiros, como o Flamengo], ao teu filho, não é? Conta para a gente isso, foi interessante.

Oscar Schmidt: Olha, isso foi um negócio, assim, que me marcou muito, porque o meu filho, ele não dava a mínima para o basquete. Ele vinha no jogo [e] não via os jogos, ele não queria vir ao jogo, [falava]: “Eu não quero ir!”. A gente obrigava: “Vamos, porque não tem [quem fique com você], não pode... [você vai] ficar com quem?”; A nonna [avó] tinha ido não sei aonde... Aí, no dia em que eu ganhei o último jogo, a Cris falou para o Felipe assim: “Sabe que hoje é o último jogo do 'pá' [pai] na seleção do Brasil?”. Aí ele desatou a chorar, ficou chorando, nossa, chorou muito, ficou, assim, super triste! Aí, quando ele acabou de chorar, ele virou para a Cris e falou: “Quando eu jogar na seleção, eu não vou parar nunca!”.

[Risos]

Oscar Schmidt: Aí, depois da Olimpíada, eu fui para Orlando, fiquei com eles, tal. Ficamos eu, a Cris, a Stephanie [filha de Oscar], o Felipe, o Mickey, o Pato Donald, o Pateta, todo mundo junto, e conversei muito com ele sobre isso daí. Aí passou. Mas ele ficou... ele deu muito valor a uma coisa para a qual eu pensei que ele nem ligasse. Que coisa! As crianças surpreendem muito a gente.

Milton Abrúcio Jr.: Ele joga? Já brinca alguma coisa, ou não?

Oscar Schmidt: Já brinca.

Hortência: Conta a [história] dos cinqüenta e pouco a 12.

Denise Mirás: É.

Oscar Schmidt: Então, estava contando aí fora que ele [meu filho] joga no Mackenzie, né? Então ele foi jogar contra o Santo Américo, justo o Santo Américo [colégio paulistano] que é o melhor time aí dos colégios aí, todo mundo toma pau do Santo Américo. Voltou, tomou de 59 a 12. Chegou em casa e falou: “Pá [pai], eu quero ir treinar!”. Eu falei: “Putz, e agora? É domingo, sei lá!” Não tinha... o que eu vou fazer? Falei: “Está bom, vem comigo aqui.”. Fomos lá na quadra aberta e eu fiquei passando uma hora a bola para ele. Ele chutou uns quinhentos chutes. Eu fiquei super orgulhoso, achei demais aquilo lá.

[...]: Você não deu banana para ele, não?

[Risos]

Hortência: Precisa dar banana com Neston para ele.

Oscar Schmidt: Banana com Neston e chutar pra burro!

Denise Mirás: [Interrompendo] E fazer dormir com bola, também.

Oscar Schmidt: E eu achei demais esse negócio dele, que ele foi jogar...

Matinas Suzuki: Oscar.

Oscar Schmidt: ... perdeu, e falou: “Eu quero treinar agora! Eu quero melhorar!”

Matinas Suzuki: Se você fosse definir a essência do basquete... lógico que eu estou perguntando para alguém que... Você acha que é o arremesso?

Oscar Schmidt: A essência do basquete chama bola ao cesto, para mim. A essência do basquete é um jogo, você tem que se divertir, tem que ser uma coisa alegre, vibrante. Eu odeio ver jogo em que os dois times ficam segurando a bola  [durante] trinta segundos. Odeio! É horroroso! As finais dos campeonatos europeus acabam [com placares] 60 a 50. Jogo é a final do Pan-Americano: 120 [a] 115. Brasil 120, Estados Unidos 115. Nossa senhora! Artilharia! Isso é espetáculo, isso é a coisa que eu acho mais lindo no basquete – né? -, essa vibração, fazer cesta, tal: uma coisa bonita! Jogo amarrado eu acho horroroso. Eu acho bonito o estilo de jogo brasileiro e o estilo de jogo das Américas, que pode até ser inferior ao da Europa, mas é muito mais bonito.

Matinas Suzuki: O Arthur Xavier, de Petrópolis, ele pergunta o seguinte: se não faltou na seleção brasileira, nas Olimpíadas, jogadas de conjunto, ensaiadas, tipo a que o Carioquinha fazia... enfiava... aquelas coisas... E se também não deveria ter adotado a marcação por zona, que os americanos não sabem jogar contra zona.

Marcel Souza: [Risos] Sei...

Oscar Schmidt: Bom, olha: aquela jogada do Carioquinha – né? -, aquela ponte aérea [jogada na qual a bola, tendo sido lançada por um jogador para uma região próxima à tabela, é interceptada no ar por outro que, prontamente, ainda durante o salto, arremessa-a para a cesta ou finaliza o lance com uma enterrada] lá...

[...]: Ponte aérea.

Oscar Schmidt: ... é um lance do jogo, mas é um lance que você não pode nem preparar demais, porque, às vezes, você quer e não sai. Precisa sair na hora que tiver que sair, porque é um negócio, assim, instintivo, aquilo lá. Jogadas ensaiadas nós tínhamos muitas, né? Às vezes pode até parecer que não tem, mas tem. Às vezes a gente não acaba a jogada, começa e não acaba; no meio alguém interrompe a jogada. Mas que tinha bastante jogada, tinha. A preparação foi muito boa, os nossos técnicos nos ajudaram muito, todos os três, tanto o Ary Vidal, como o Carlão, o Mike Frink, nesse sentido de fazer um jogo assim, mas, às vezes, você estando de fora parece uma coisa que não é. Então, é de acordo com a opinião das pessoas isso daí, mas que tinha muita jogada tinha. E o último que ele perguntou o que é?

[...]: A marcação.

Matinas Suzuki: A marcação por zona.

Oscar Schmidt: Ah, a marcação por zona? Bom, isso aí é pergunta para o Ary Vidal lá, ele que... A gente marcou, [em] alguns momentos, zona, mas isso depende do técnico. O Ary é um cara que gosta da marcação homem a homem o tempo todo [faz gesto repetido de soco na sua própria mão], ele não gosta muito de marcação por zona. Já o meu técnico no Corinthians agora, o Zé Boquinha, ele gosta de marcação mista, né?

[...]: [Interrompendo] E você, qual prefere?

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Ele prefere ser marcado, e não marcar.

[Risos]

[...]: Ou enfrentar, prefere enfrentar?

Oscar Schmidt: Olha, cada marcação tem suas vantagens e suas desvantagens, né?

Hortência: [Interrompendo] Depende do time, não é?

Marcel de Souza: [Interrompendo] Oscar, ...

Oscar Schmidt: Depende do time. É bom, às vezes, marcar zona, é bom às vezes marcar zona mista. Quando você não tem muitos caras que arremessam no outro time, você pode arriscar mais uns que não arremessam e a marcar mais aqueles que arremessam.

Marcel de Souza: Oscar, duas perguntas. Você acha que defesa ganha jogo?

Oscar Schmidt: Às vezes ganha, às vezes ganha.

Marcel de Souza: E você acha que alguém que não defende joga na Europa?

Oscar Schmidt: Não.

Marcel de Souza: Assim... alguém que não defende nada, [que] é uma porcaria, só arremessa [joga na Europa]?

Oscar Schmidt: Não, não joga em lugar nenhum!

[Risos]

Oscar Schmidt: Não joga em lugar nenhum, Marcel.

Marcel de Souza: Para jogar na Europa tem que defender um pouquinho?

Oscar Schmidt: Tem.

Marcel de Souza: Está bom.

[...]: Oscar...

Oscar Schmidt: Lógico que tem. Mas isso aí a gente sabe, Marcel, isso aí...

Marcel de Souza: Não, às vezes é que... tem uma... Que o pessoal vê o jogo só do Brasil, não vê o jogo internacional. Então o jogo internacional não é... Quando a gente acha que o cara que a gente marca, com a camisa do Brasil, a gente não marca, é um puta cara que a gente está marcando...

Oscar Schmidt: Exato.

Marcel de Souza: ... entendeu? Eu marquei muito o Petrovic [Drazen Petrovic (1964-1993), jogador croata que atuou na NBA de 1989 até 1993, ano em que faleceu em um acidente de carro na Alemanha] e ele fazia quarenta pontos. Aí o cara fala: “Você não marca. Mas o Petrovic fez quarenta pontos em você!”. Eu falei: “Muito bem, me fala um cara que marque o Petrovic [e] que ele não faça quarenta pontos!”. Não tem.

Oscar Schmidt: Exato, é isso aí mesmo.

Hortência: Aliás, se o Petrovic estivesse nesse time da Iugoslávia a história ia ser outra.

Marcel de Souza: Verdade.

Oscar Schmidt: Poderia ser até outra, ou não. Não [se] sabe, né? Esse cara foi um cara sensacional. Nossa senhora, que jogador!

Sérgio Carvalho: Oscar, dois temas polêmicos. Eu sei que você é uma pessoa muito polida e talvez prefira não falar, mas doping e o homossexualismo no basquete. Você conviveu com isso durante a sua carreira?

Oscar Schmidt: Não, nada.

Sérgio Carvalho: [Interrompendo] Nem doping?

Oscar Schmidt: Isso é uma coisa que eu tenho muito orgulho em falar. Nunca vi, pelo menos no jogador brasileiro, nenhuma das duas coisas. E nunca ouvi falar de homossexualismo no basquete mundial. Doping eu já ouvi falar muito, de americanos, sobretudo.

Sérgio Carvalho: [Interrompendo] De americanos?

Oscar Schmidt: De americanos que foram pegos já na Itália, americanos que foram pegos na Espanha, porque lá tem antidoping, e tem os casos de americanos expulsos da NBA por causa de droga.

Sérgio Carvalho: Por causa de drogas. Certo.

Oscar Schmidt: Então é isso aí.

Sérgio Carvalho: Mas se houvesse homossexualismo você acha que seria uma coisa prejudicial para o esporte, por exemplo?

Oscar Schmidt: Olha, eu não sei, viu, eu não sei. Não sei, porque é um tema muito complicado. Eu não tenho nada contra os homossexuais, mas eles na deles e eu na minha. São coisas diferentes.

Matinas Suzuki: Oscar, o Augusto Gaspar pergunta se você poderia fazer uma seleção de todos os tempos. Como seria essa seleção sua? Quem seriam os cinco jogadores?

Oscar Schmidt: Do Brasil?

Matinas Suzuki: É, do Brasil.

Oscar Schmidt: Marcel...

 Hortência: Ah...

Oscar Schmidt: Wlamir, Amaury, Ubiratan...

[...]: E...? E...?

Hortência: [Interrompendo] E você.

Oscar Schmidt: E... [risos gerais] Espera aí... Marcel, Wlamir, Ubiratan, Amaury e...

Denise Mirás: E...?

[...]: E...?

[...]: E...?

Oscar Schmidt: Hélio Rubens.

[...]: Ah!

[...]: Ah!

[Risos]

Oscar Schmidt: Faltava um pivô, né? Marquinhos [carioca (1952-), foi vice-campeão mundial com seleção brasileira em 1970].

Matinas Suzuki: [...]. Está faltando...

Marcel de Souza: [Interrompendo] Mas agora, a tendência agora é a globalização da coisa, todo mundo faz tudo.

[Risos]

Marcel de Souza: Todo mundo arma, todo mundo...

Oscar Schmidt: É verdade, é verdade.

Matinas Suzuki: Oscar, o pessoal de Rio Claro, a Silvia Veloso está perguntando, na sua opinião, como o [clube] Rio Claro, com tantos títulos importantes conquistados, está fora do Campeonato Paulista por falta de patrocínio? Como é que você vê essa situação? Como é que você avalia essa situação?

Oscar Schmidt: São momentos – né? -, momentos que a gente vive, de altos e baixos, normais, como já aconteceram em outros períodos e como vai acontecer sempre. Um patrocinador que está de um lado, depois acha melhor ir para o outro, que desiste, que entra outro, coisa muito normal no basquete. O sujeito não pode é ficar fazendo de um problema de uma equipe, ou de alguma pessoa, um problema generalizado.

Matinas Suzuki: Agora, Oscar, uma coisa que eu... Bom, eu sou de jornal e tal, uma coisa que eu acho que dificulta, por exemplo, você... o patrocinador obriga que o nome do time passe a ser adotado na camisa ou como nome oficial do time. Não há uma dificuldade para as pessoas acompanharem, porque um ano o time de Franca tem um nome, no outro ano ele tem um outro nome, o time de Rio Claro muda em função dos patrocinadores? Eu sei que é uma exigência de... todo patrocinador, quer dizer, patrocina porque acredita e porque quer retorno. Mas há outros tipos de patrocínio que você não leva necessariamente - por exemplo, como no caso do futebol -, você não leva o nome. Você leva o nome do patrocinador na camisa, mas você não muda o nome do time em função do patrocinador. Você acha que isso é um problema ou não é um problema?

Oscar Schmidt: Olha, na Europa...

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Ou é um problema menor? Eu sinto, por exemplo, que os leitores de jornal se confundem um pouco, porque demora para eles fixarem que houve uma mudança, essa coisa toda.

[...]: Dificulta a popularização.

Matinas Suzuki: A popularização, exato.

Oscar Schmidt: Na Europa isso daí virou normal.

Matinas Suzuki: Certo.

Oscar Schmidt: Muito normal. Todo mundo lá na Europa já convive com isso, todo ano troca de patrocinador. A gente precisa criar esse hábito, porque é inevitável, senão não dá para fazer time. Tanto é que os times...

Melchíades Filho: [Interrompendo] A Europa tem a coisa da cidade, não é Oscar?

Oscar Schmidt: Hein?

Melchíades Filho: A Europa tem a coisa muito forte da cidade, e aqui, às vezes, até esse time sai da cidade, vai para outra...

Marcel de Souza: Você não acha...?

Melchíades Filho: Muda, acaba numa cidade...

Oscar Schmidt: [Interrompendo] Mas na Europa é assim também, é assim também. É questão de hábito – né? -, porque não dá para fazer hoje em dia time sem o patrocinador. Não dá para fazer. Então a única maneira que a gente tem de fazer os times é desse jeito, não tem outra maneira.

Marcel de Souza: Você não acha que teria, em vez de se fazer investimento no clube, se fazer investimentos na instituição. Por exemplo, no campeonato de basquete, como a NBA faz? A NBA não tem o "Chicago alguma coisa," ou o "Atlanta alguma coisa," tem a instituição NBA, que se é investido na instituição NBA, e depois isso é um espetáculo. Então é feito para que todos os times da instituição tenham as melhores condições de se jogar. Você não acha que em vez de um time sair atrás de patrocínio aqui, outro sai ali, um rouba patrocínio do outro, porque têm essas coisas, o cara fala: “Vou fechar com fulano!”; vai outro e fala: “Não, não fecha com eles, fecha com a gente porque nós temos mais tradição...”; aquelas coisas...

Oscar Schmidt: Marcel, seria bonito isso.

Marcel de Souza: Deveria ser feito investimento na instituição?

Oscar Schmidt: Seria muito bonito, desde que [enfatiza] tenha recurso para os times fazerem times. Porque eu não acredito, no momento atual, que isso seja possível, que tantos patrocinadores se juntassem para patrocinar, vamos supor, a Federação Paulista, agora no Campeonato Paulista...

Marcel de Souza: Exato.

Oscar Schmidt: ... e sobrasse dinheiro para os dez times fazerem time. Acho muito difícil isso. Então a nossa realidade ainda não permite isso daí, que seria o sonho – né? -, o copiar a NBA é sempre o melhor que tem.

Melchíades Filho: Oscar, você acha que ainda vai jogar um campeonato forte, um campeonato popular, um campeonato na televisão aberta, por exemplo, ainda na sua carreira?

Oscar Schmidt: Deus queira. O ano passado aconteceu isso, né? Esse ano nós estamos jogando o [Campeonato] Paulista só para a televisão a cabo, ...

Melchíades Filho: [Interrompendo] Não é nenhuma televisão aberta aqui. Não pode.

Oscar Schmidt: ... mas nós estamos tendo a cobertura dos jornais, das televisões nos horários dos jornais, dos telejornais, que está sendo também importante. Todo mundo fica sabendo o que aconteceu, pelo menos, no campeonato. Mas eu tenho certeza [de] que pode vir a acontecer um negócio desse daí. Eu espero que sim.

Matinas Suzuki: Oscar, você já voltou a jogar depois das Olimpíadas, já voltou a jogar pelo Corinthians. Você sentiu que a Olimpíada deu aí um sopro, deu um ânimo para o esporte no Brasil?

Oscar Schmidt: Eu acredito que o Brasil está cada vez mais uma potência esportiva, e tenho certeza absoluta que [a] cada Olimpíada a gente vai ser mais forte, porque agora está tendo a conscientização mesmo, de todo mundo, que esporte é importante. E isso está fazendo com que todas as seleções de todas as áreas melhorem. É impressionante o que a gente melhorou de... sei lá, de [19]80, desde que eu estou na Olimpíada, para agora. A quantidade de medalhas, pô! Essa foi a Olimpíadas das meninas, por exemplo. Nós tivemos assim, como a Hortência aqui, [que] está na seleção de basquete [a seleção feminina de basquete foi medalha de prata nas Olimpíadas de Atlanta], mas a seleção de vôlei [a seleção feminina de vôlei terminou a disputa com a medalha de bronze], a seleção de vôlei de praia [o Brasil foi ouro tanto no torneio masculino quando no feminino]... Coisa linda! Isso daí é uma coisa inédita, essa Olimpíada para o Brasil. Tenho certeza que vai [melhorar] cada vez mais.

Matinas Suzuki: E você, hoje, você avalia, por exemplo, um campeonato como o Campeonato Paulista de Basquete Masculino, ele é um campeonato padrão europeu, quer dizer, o nível de competitividade é alto, é baixo...?

Oscar Schmidt: [Interrompendo] É alto.

Matinas Suzuki: Como é que você avalia isso?

Oscar Schmidt: É [de] um nível ótimo, bom. A gente não tem vinte times, que nem tem a Espanha; a gente tem dez times, mas são dez times bons. A gente tem um nível discreto para alto, um nível bom de campeonato. O interessante seria ter mais times, cada vez mais times, mas a nossa realidade também é essa. A gente tem que conviver sempre com aquilo que a gente tem, e tentar fazer o melhor possível dentro daquilo que a gente tem. Não adianta ficar pensando no que os outros têm e que a gente não tem. O que nós temos é o melhor possível, o nosso campeonato é o melhor para nós. O importante é isso, que todo mundo pense desse jeito.

Milton Abrúcio Jr.: Oscar, já que você falou em Atlanta, do sucesso relativo do Brasil durante a Olimpíada, a partir desse sucesso, desse reconhecimento, surgiu a idéia - ainda não oficial - de se criar incentivos fiscais para o esporte, como existe para a cultura, ou seja, a empresa que investisse no basquete, no vôlei, nos esportes olímpicos pagaria menos impostos, né? O governo arrecadaria menos impostos, mas se investiria nos esportes. Como é que você avalia essa idéia que está surgindo?

Oscar Schmidt: Nossa, essa idéia seria maravilhosa! Putz, seria maravilhosa! O Brasil se tornaria mais potência olímpica ainda, porque todo mundo se interessaria para fazer uma coisa desse tipo. Seria sensacional em todos os esportes.

Milton Abrúcio Jr.: Mas aí o governo, por exemplo, não deixaria de ter recursos para investir em saúde e educação, por exemplo?

Oscar Schmidt: Aí já é um assunto já que... Ah, bom. Aí é um assunto já que eu não vou entrar, porque aí precisa ver a balança onde pesa mais, né? [faz gesto simbolizando pratos de uma balança com as mãos] Logicamente a gente...

Hortência: [Interrompendo] Você é a favor...

Oscar Schmidt: ... não vai tirar o dinheiro da educação, o dinheiro para os pobres, tudo, para pôr no esporte. Bom, quem está lá em cima sabe o que pode fazer.

Milton Abrúcio Jr.: As empresas precisam de incentivo fiscal para descobrir o potencial do esporte? Precisam pagar menos imposto?

Oscar Schmidt: Não, mas se você pagar menos imposto é mais um incentivo para eles, não é? Sem dúvida alguma.

Matinas Suzuki: Agora, você é a favor de virar, por exemplo, de os clubes virarem empresas mesmo, quer dizer, serem privatizados, darem lucros? Você acha que a gestão melhoraria bastante?

Oscar Schmidt: Melhoraria, mas é muito difícil dar lucro um time, muito difícil. É complicado, apesar de o exemplo, talvez maior, a ser seguido, além de Franca - que Franca, de um jeito ou de outro, eles fazem sempre time bom lá, é impressionante, realmente tem que tirar o chapéu, porque com dificuldade, sem dificuldade, eles fazem sempre um time competitivo.

[...]: Dois até, não é?

Oscar Schmidt: Dois, agora. É impressionante, é impressionante mesmo. Mas o resto do nosso planeta Brasil – né? -, no basquete, é complicado. A gente vive de luta, todo mundo. Então é... O que [é] que você tinha perguntado mesmo [dirigindo-se a Matinas]?

[Risos]

Matinas Suzuki: Eu tinha perguntado se você achava que os times podem ser privatizados [...].

Oscar Schmidt: Então, é muito difícil, porque a gente já vive mal assim. Se for privatizar... O que eu ia falar, isso que eu tinha esquecido, [é] que o grande exemplo é a Multi-Esporte, do Corinthians. Se outras empresas vissem possibilidade de ter algum lucro no basquete, que pode ser feito porque a Multi-Esporte está fazendo isso no Corinthians, quem dera aparecessem dez, 15 Multi-Esporte para fazer com que nosso campeonato fosse cada vez mais forte. Eles trabalham em modo que a gente tenha patrocinador, que a gente tenha renda, que nem a gente está indo para Jundiaí, o pessoal está trabalhando todo dia pensando em coisas novas, para que a gente tenha recursos para fazer um bom time, para disputar um campeonato decente. Então, se tivessem outras empresas que pudessem entrar no basquete do jeito que a Multi-Esporte entrou, seria maravilhoso.

[...]: Administrando, não é?

Oscar Schmidt: Administrando.

Hortência: Você... você é a favor da Olimpíada aqui no Rio de Janeiro?

Oscar Schmidt: Eu sou a favor sim, mas eu acho muito difícil o Brasil fazer Olimpíada, muito difícil.

Hortência: Por quê? Você acha que ele [o país] não tem capacidade ou porque eles não vão deixar o Brasil fazer?

Oscar Schmidt: A gente tem que fazer muita coisa. Eu não sei. Não sei se seria viável, né?

Matinas Suzuki: [Interrompendo] Falou-se muito...

Oscar Schmidt: Eu gostaria muito, pô! Fazer uma Olimpíada no nosso país seria maravilhoso!

Matinas Suzuki: Oscar, falou-se muito de problemas de organização em Atlanta e tal. Você acha que foi a Olimpíada mais desorganizada [de] que você participou? Você viu, chegou a sentir isso?

Oscar Schmidt: Bom, os jornalistas, sobretudo, reclamaram muito. Na locomoção, tal. Nós, lá dentro da Vila, sobretudo depois da bomba [refere-se ao atentando ocorrido durante os jogos, no qual uma bomba foi detonada no Centennial Olympic Park, causando a morte de uma pessoa e deixando 110 feridos], nós não saímos mais quase, ficamos lá dentro...

[Risos]

Oscar Schmidt: Ficamos lá morrendo de medo. Lá dentro estava muito bom. O único defeito é que a gente tinha que pegar um trenzinho...

Hortência: [Interrompendo] Nossa, aquele restaurante.

Oscar Schmidt: ... para ir ao restaurante. Mas também depois você acostuma, né?

Matinas Suzuki: Sei.

 Oscar Schmidt: É que nem quando você faz um caminho, no começo você acha longe, a volta é sempre mais curta. É a mesma coisa... que a gente acostumou lá dentro da Vila. E essa Olimpíada, para nós, atletas, foi sensacional, porque nunca tinha tido numa Olimpíada ar condicionado - primeira vez que tem ar condicionado -; a gente fez uma vaquinha, compramos uma televisão, demos lá 15, vinte dólares cada um, compramos a televisão, depois demos para o Michila [João da Silva, foi massagista da seleção brasileira em três Mundiais, duas Olimpíadas e dois Pan-Americanos], o nosso roupeiro. A gente tinha todos os canais, via todos os esportes no nosso apartamento, quer dizer, não saímos nem para ver esportes. Ficamos vendo tudo, tudo, a gente viu tudo, direto. Isso nunca teve também. Telefone a gente tinha linha, compramos telefone, pusemos lá, fazia os números, aquele 1800 e conseguia telefonar para onde quisesse, para o Brasil, para onde quisesse. Camas enormes...

Matinas Suzuki: Que já é uma...

[Risos]

Oscar Schmidt: Dava para dormir de bruços, com o pé deitado assim [gesto com as mãos dobradas] que sobrava cama. Quer dizer, nesse tipo de conforto, para os atletas foi muito bom. Mas os dias que a gente saiu e a gente pegou o metrô, a gente viu como é que era lá fora. Nossa senhora! Cheio, tudo lotado de gente para todo lado. E os jornalistas reclamaram muito disso aí.

Marcel de Souza: Oscar, mudando um pouco o assunto e sem que você cite nenhum partido político. Você, politicamente, se coloca como?

Oscar Schmidt: Eu?

Marcel de Souza: Direita, esquerda, centro?

Oscar Schmidt: Eu não gosto de nada exagerado, Marcel. Como eu era muito assim... Quando eu era moleque, eu gostava das coisas exageradas – né? –: “radical, ah, não gosto disso, não gosto daquilo, não sei o quê!”. Fui vivendo, crescendo, você tem filho e tal, a gente vai amadurecendo, vai vendo um monte de erros, um monte de cagada que a gente faz pela vida; então, eu agora sou uma pessoa que não gosto de nada exagerado: nem para o lado esquerdo, nem para o lado direito. Então...

Marcel de Souza: [Interrompendo] Você, embora não goste muito, você é uma pessoa pública, tá? Não é que nem, por exemplo, eu. Eu ando e ninguém me vê. Você aonde vai...

[Risos]

Oscar Schmidt: Virou técnico!

[Risos]

Marcel de Souza: Sou o primeiro que dança aqui. Você, se convidado a um cargo político, você aceitaria? Eu não vou dizer eletivo mas, Secretaria, alguma coisa?

Oscar Schmidt: [Interrompendo] Eu não vou falar que não, Marcel. Não vou falar que não, porque antigamente eu falava assim, até, quando eu era mais moleque: “eu não entendo nada, eu não quero nem me meter nessas coisas.”. Mas você vai crescendo, e eu sou uma pessoa, assim, muito patriota, muito idealista. Então, se eu tiver a chance de poder decidir coisas do meu país, eu vou querer fazer...

Melchíades Filho: Oscar, ...

Oscar Schmidt: ... sem dúvida alguma.

Melchíades Filho: ... em vinte anos de seleção você aprendeu a não chorar?

Oscar Schmidt: Ah, não. Olha, chorar é um negócio complicado, porque quando você está quietinho – né? -, você está vendo um filme, às vezes assim, um filme emocionante e tal, você às vezes até segura, não precisa falar: segura, olho cheio de lágrimas e tal... [risos gerais] Mas você começa a falar e começa a lembrar das coisas emocionantes da sua vida, aí não dá para segurar. Você já reparou que, quando você tem que falar alguma coisa emocionante para alguém, você se emociona muito mais do que se você estiver só ouvindo? É um negócio complicado. E quando a emoção é grande ninguém segura. Eu não seguro. Bom, o Marcel segura, o Marcel não chora quase nunca.

Melchíades Filho: Você demorou para chorar no jogo de despedida.

Oscar Schmidt: Ah, eu... Olha...

Sérgio Carvalho: Quando te reverenciaram você chorou.

Oscar Schmidt: Não, ali não, mas esse dia foi um dia muito triste para mim. Já começou...

Denise Mirás: [Interrompendo] E à noite? À noite, depois do jogo?

Oscar Schmidt: À noite, não. Aí eu já estava mais aliviado, já tinha passado. Mas o dia, desde manhã, eu pedi para o meu filho... Meu filho faz coleção de camiseta autografada, agora eu descobri essa coleção. Aí eu pedi, para cada jogador, uma camiseta, para eles. Nossa senhora, todo mundo fez umas declarações bonitas para o meu filho, lindo, maravilhoso. Aí eu levei as camisetas, as 11 camisetas lá para o quarto, estava sozinho no quarto, dobrando as camisetas, você não acredita a tristeza que foi isso aí!

Melchíades Filho: [Interrompendo] Você começou o dia chorando, foi isso?

Oscar Schmidt: Já comecei de manhã massacrado; aí depois vai passando o dia, você vai...

Hortência: [Interrompendo] Chorou tanto que não tinha nem lágrimas.

Oscar Schmidt: ... [e pensa:] “putz, último treino, o último não sei o quê... vou indo para o jogo..." Aí fica lembrando, vinte anos atrás, 15 anos atrás, não sei o quê, aí você vai se emocionando muito.

Matinas Suzuki: Oscar.

Hortência: [Interrompendo] Você pretende jogar mais quanto tempo? Você tem idéia?

Oscar Schmidt: Ah, eu vou jogar no máximo uns dez anos mais.

[Risos]

Matinas Suzuki: Oscar, infelizmente o nosso tempo está chegando no final. Eu gostaria de... Se você puder responder rapidinho algumas perguntas aqui. O Marcos Schrank pergunta se você não vai lançar uma fita de vídeo ensinando os fundamentos, as técnicas, os arremessos e essa coisa toda.

Oscar Schmidt: Eu tenho muita vontade de fazer uma fita de vídeo. Gostaria muito de fazer um filme, se possível, para poder ensinar alguma coisa.

Matinas Suzuki: Tá. O Adriano, daqui de São Paulo, pergunta: “O que você fez para o seu futuro?”. Em suma, ele quer saber como é que está a sua situação financeira: você conseguiu ganhar dinheiro com o basquete?

Oscar Schmidt: Bom, na Europa eu ganhei algum dinheiro – né? -, nada excepcional, porque no nosso mundo não dá para ficar rico. Mas eu não penso em fazer nada. Por enquanto eu quero jogar só basquete. Não fiz nenhum restaurante, não fiz nada: só joguei basquete. Enquanto eu jogar basquete, só vou pensar nisso.

Matinas Suzuki: Tá. O André Biazolli diz o seguinte: “Me chamo André, jogo há sete anos, eu estou na categoria cadete. Com certeza você verá o meu nome como um dos melhores jogadores do mundo, pois me dedico muito. Que conselho você tem a me dar?”.

Oscar Schmidt: Bom, primeiro, humildade...

Marcel de Souza: [Interrompendo] O meu telefone...

[Risos]

Hortência: [Interrompendo] Primeiro o telefone para o Marcel.

Oscar Schmidt: Primeiro, humildade. É a primeira coisa do mundo: sem humildade você não vai a lugar nenhum. Segundo: muito treinamento, muito treinamento e depois confiança em você, que eu sei que já tem demais.

[Risos]

Matinas Suzuki: Oscar, olha, eu gostaria de ler aqui, peço desculpas aos telespectadores, a quantidade imensa de faxes que chegou ao programa, chegaram ao programa, parabenizando você, desejando tudo de bom para você, dizendo que você é um exemplo para o Brasil, dizendo que o Brasil precisaria de mais pessoas como você, você é um exemplo para os atletas, enfim, é uma pena que eu não consiga ler todos eles no ar. Mas eu vou passar para você, para você poder receber essas homenagens mais uma vez, e eu vou sintetizar tudo aqui na Betinha, que diz que foi sua amiga no Mackenzie, em [19]75, estudou com você, dizendo o seguinte: “Fui sua amiga de escola...”

Oscar Schmidt: Eu acho que ela me passava cola.

[Risos]

Matinas Suzuki: “... agora deixo a minha mensagem. Nós sabíamos onde você iria chegar. Você chegou e mereceu cada honra, cada glória. Parabéns, campeão!”.

Oscar Schmidt: Obrigado.

Matinas Suzuki: Eu gostaria muito de agradecer a sua presença aqui, agradecer a nossa hoje excepcional bancada de entrevistadores, especialmente ao Marcel, que fez a gentileza, e à Hortência, mais uma vez parabéns pela conquista da medalha de prata, esse extensivo a todas as suas colegas que participaram da Olimpíada. Eu queria agradecer muito a sua atenção e a sua participação, principalmente neste programa de hoje, e lembrar que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira às dez e meia da noite. Até lá, uma boa semana para todos e uma boa noite. 

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