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Paulo Markun: Boa noite. O assassinato da freira americana e de mais quatro pessoas no Pará chamou a atenção do Brasil e, em boa medida, do mundo, para a violência sem limites na luta pela posse da terra. Uma luta que assusta não só pelo seu caráter sangrento, mas pela afronta ao estado de direito, ao poder público. Pistoleiros, posseiros, grileiros, fazendeiros, invasores de terra se misturam e se enfrentam numa aventura que revela um outro Brasil, comandado pelo crime e pela exploração irresponsável de recursos naturais. Este é o tema do Roda Viva desta noite que entrevista Simão Jatene, governador do Pará, o estado que tem vivido de maneira mais aguda a devastação de florestas e os problemas da violência no campo.
[Comentarista]: Economista, 53 anos, Simão Jatene elegeu-se governador do Pará, pelo PSDB, em 2002, sucedendo o governador Almir Gabriel [1995 a 2002] de quem foi secretário da Produção. Especialista em desenvolvimento regional, tem participado desde o governo anterior dos principais programas de desenvolvimento do turismo, da mineração e da agricultura no Pará. Segundo maior estado brasileiro, só perde para a Amazônia, o Pará também tem uma história econômica montada no extrativismo. Começou com a exploração da borracha no começo do século XX; mais tarde veio a mineração de ferro em Carajás, ouro em Serra Pelada e, mais recentemente, a exploração da madeira. O Pará tornou-se líder da atividade madeireira no país, respondendo por dois terços da produção nacional. A atividade que cresceu de maneira desordenada e em grande parte de forma clandestina atraiu exploradores de todos os lados, da mesma forma que o sonho de encontrar emprego ou terra barata e recursos naturais para explorar, atraindo gente de todos os cantos. A disputa pela terra e a busca de riqueza criaram enfrentamentos entre esses novos personagens da floresta: madeireiros, grileiros, fazendeiros e posseiros. Os madeireiros agem em geral em terras que não pertencem a eles; os grileiros ocupam terras da União e com o tempo vendem as terras como se eles fossem os donos. Os posseiros agem para defender as terras que compraram de grileiros ou que tomaram posse para um dia reivindicar a propriedade. E os fazendeiros, com títulos legais ou não de terras, procuram se defender dos invasores. Em 2002, o Instituto da Terra do Pará calculou que quase a metade do estado já estava grilada, e o Ministério Público Estadual já investigava o envolvimento de autoridades e cartórios na emissão de títulos de posse fraudulentos. Confusão, disputa, conflito, corrupção, ausência do Estado e impunidade. A violência na floresta, como em outras áreas rurais do país, cresceu e ganhou destaque internacional a cada episódio de maior repercussão. Foi assim com o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes em 1988, a morte de 19 trabalhadores sem-terra em conflito com a polícia em Eldorado dos Carajás em 1996, e agora com o assassinato da freira norte-americana Dorothy Stang em Anapu [morta no dia 12 de fevereiro de 2005, com seis tiros]. Nascida nos Estados Unidos e naturalizada brasileira, a freira trabalhava na região há mais de trinta anos. Participava do PDS, Projeto de Desenvolvimento Sustentável, criado pelo movimento social e ambiental para apoiar a agricultura familiar. Dorothy Stang já havia alertado o governo federal sobre as tensões e ameaças de morte na região. O PDS Esperança, onde ela atuava, era uma área reconhecida pelo Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], e ocupada por quatrocentas famílias. O assassinato da freira, seguido da morte de um trabalhador e três sindicalistas, reabriu o velho debate da violência e da impunidade no campo. Parlamentares da CPI da Terra denunciaram ao vice-presidente José Alencar o descontrole no Pará que, segundo a comissão, vive uma situação de guerra civil rural, e onde a indústria da pistolagem atingiu níveis alarmantes. A Comissão Pastoral da Terra acusou o governo de omissão e divulgou que há uma lista de mais de 150 pessoas ameaçadas de morte nas áreas de conflito no Pará. O governo federal reagiu com um pacote de medidas. Enviou dois mil soldados do Exército para ajudar a expulsar grileiros e madeireiros ilegais e controlar a ordem pública na região. Também decidiu montar um gabinete de crise no Pará, investigar as ameaças de morte e criar novas reservas ambientais: uma área extrativista e duas florestas nacionais. Na região onde a missionária foi assassinada, criou uma estação ecológica e um parque nacional; e interditou, por seis meses, oito milhões de hectares às margens da BR 163. Também planeja assentar imediatamente quinhentas famílias para reduzir a tensão em Anapu e na chamada Terra do Meio, outra área que tem projetos de proteção e pode se tornar alvo de novos conflitos. De seu lado, o governador Simão Jatene quer aprovar na Assembléia o Plano de Zoneamento Ecológico Econômico para pacificar os bolsões de violência. O zoneamento acaba com a expectativa de direito futuro, que hoje alimenta a grilagem e a violência.
Paulo Markun: Para entrevistar o governador Simão Jatene, nós convidamos Roldão Arruda, repórter da editoria de política do jornal O Estado de S. Paulo; Rui Nogueira, diretor do site e da revista Primeira Leitura; Tereza Cruvinel, colunista de política do jornal O Globo; Adriana Ramos, coordenadora de políticas do Instituto Socioambiental e representante nacional das entidades ambientalistas no Conama, Conselho Nacional do Meio Ambiente; Júlio Veríssimo, coordenador da agência Folha, do jornal Folha de S.Paulo; e Maria Zulmira de Souza, coordenadora do quadro Biodiversidade Brasil do programa Repórter Eco da TV Cultura. Aqui no nosso estúdio acompanham a entrevista em nossa platéia os seguintes convidados: Inês Zanchetta, jornalista do Instituto Socioambiental; Bruno Konder Comparato, doutorando em ciência política pela USP; Juana Kweitel, advogada e coordenadora do projeto da ONG Conectas Direitos Humanos; Cristina Bodas, assessora de imprensa da ONG Greenpeace; Frank Guggenheim, diretor executivo da Greenpeace Brasil; Euclides Farias, assessor de imprensa do gabinete de governo do estado do Pará, e Orly Bezerra, assessor especial do governador Simão Jatene. Como sempre, todas as perguntas que não forem formuladas serão encaminhadas para o governador para que ele possa respondê-las posteriormente se assim o desejar. Boa noite, governador.
Simão Jatene: Boa noite.
Paulo Markun: Eu queria comentar com o senhor uma notícia que está, agora neste momento, nas agências de notícias e que diz o seguinte: “O juiz Lauro Alexandrino, da Comarca de Pacajá, no sudoeste do Pará, revogou nesta noite de segunda-feira o decreto que transformava em segredo de Justiça o inquérito policial sobre o assassinato da missionária. Esse decreto, que estabelecia segredo de Justiça foi feito a pedido do promotor de justiça Fábio Brabo de Araújo, do Ministério Público Estadual”. E a notícia comenta que a partir de agora, a polícia tem ainda prerrogativa de manter o segredo de Justiça, mas não tem mais a desculpa ou a justificativa de que isso foi feito por decisão judicial. Como ele tinha tomado essa decisão hoje e voltou atrás, eu queria perguntar, em primeiro lugar, como o senhor encara essa decisão e se o senhor acha que a polícia vai manter o segredo de Justiça e por que segredo de Justiça num processo como esse?
Simão Jatene: Boa noite. Eu acho que antes de tudo é importante recuperar um fato. O Pará, mais uma vez, sofre com o fato deste país, nos seus cinco séculos, não ter enfrentado algumas questões básicas como, por exemplo, a questão agrária. O importante, que é uma questão do segredo de Justiça, é que as informações que se dispunham terminavam contribuindo muito mais para tumultuar o cenário do que para ajudar. Em função disso, nós tivemos ainda hoje de manhã, uma reunião com a Polícia Federal, uma reunião com o comandante do Exército lá no estado, onde a decisão foi conjunta diante das informações que se dispunham. E que, inclusive, o elemento que foi preso por identificação de ser o pistoleiro estava falando coisas que não pareciam ter consistência, mas que tinham sim o poder de complicar ou de tumultuar a investigação. Foi exatamente em função disso que, por uma decisão conjunta, e eu insisto nisso, o governo do estado, o governo federal através da Polícia Federal, através do Exército Brasileiro, se julgou que era conveniente manter, até que se esclarecesse um pouco mais a declaração desse senhor, sob segredo de Justiça. Foi exatamente isso.
Paulo Markun: Ou seja, se eu entendi, o senhor acha que a polícia vai manter o segredo de Justiça?
Simão Jatene: A não ser que se tenham fatos novos, com as informações de que dispunham, eu acho que sim. E insisto nisto: não é uma decisão da polícia do Pará. É uma decisão tomada em conjunto com a Polícia Federal e em conjunto com o Exército Brasileiro que, sem dúvida alguma, poderia levar muito mais a dificultar a investigação do que efetivamente apurá-la. O que é importante nesse período? Foi preso já o elemento conhecido como Fogoió, que é exatamente quem está dando essas declarações e que aí foi identificado como quem atirou na irmã [Dorothy]. E tem também já preso o Tato [Amair Feijoli da Cunha], que é considerado um dos mandantes. Ele trouxe uma outra história que, aparentemente, pela avaliação tanto da Polícia Federal quanto das polícias Civil e Militar do estado, não tinha consistência, mas teria o objetivo de dificultar a investigação. Tanto que, inclusive antes de sair para cá, eu tive a informação de que ele já estava mudando sua declaração. Ele inicialmente chegou falando de envolvimento de movimentos sociais e tudo mais, como se ele estivesse inclusive a serviço de determinados grupos sociais. Então é exatamente isso que, na nossa avaliação, a esta altura, não ajuda.
Paulo Markun: Há uma declaração, inclusive, governador, da Folha Online, uma reportagem de Tathiana Barbar, dizendo que o Fogoió, que é Raifran das Neves Sales, teria incluído entre os mandantes do crime, ou citado como um mandante do crime, um candidato a vice-prefeito derrotado nas últimas eleições. E a fonte que essa jornalista apresenta é a assessoria do governo do estado. O senhor tem essa informação?
Simão Jatene: Não, não, e pelo contrário. A assessoria não teve nenhuma orientação nessa direção. Até porque insisto nisto: acho que, a esta altura, o que precisamos todos nós é ter atitudes que contribuam para esclarecer, e não para tumultuar um caso dessa natureza, que eu acho que tem que ser tratado de forma exemplar, sim.
Rui Nogueira: Eu não consigo entender a utilidade objetiva de manter o caso sob sigilo, por quê? A grilagem é a céu aberto, o pistoleiro funciona e age ali claramente, na frente de todo mundo. Enfim, todo esse ambiente de violência e de confronto, as pessoas tropeçam nele – jornalistas, autoridades, tudo mais. E quando acontece um caso como a morte da freira Dorothy Stang, ok, tem uma investigação, tem um sujeito que é preso e supostamente parece não dizer coisa com coisa. Mas as autoridades têm alguma forma de... Ele está dando depoimento, é um depoimento para o Estado constituído...
Simão Jatene: Perfeito.
Rui Nogueira: ... há formas de contrapor esse depoimento, há formas de investigação para ver o que há de contraditório nele e formas de o aparelho de Estado, da Justiça, da polícia para provar para o público que há contradições. Por que o segredo? O segredo é assim... eu acho que esta platéia inteira aqui e o Brasil dizem assim: “Por que investigar alguma coisa em segredo?
Simão Jatene: Mas veja, o segredo foi uma coisa definida parcialmente diante do momento específico de algumas declarações que ele veio fazendo. Porque sem dúvida nenhuma, na nossa avaliação e na avaliação dos outros órgãos, com os quais discutimos, ele terminaria dificultando a efetiva apuração. Nós precisamos saber que estamos tratando de uma coisa, sem dúvida alguma, muito séria. Imagine alguém que é identificado como pistoleiro e que chega dizendo que está a mando de fulano, de beltrano, sem que tenha qualquer consistência o que ele está dizendo, inclusive envolvendo pessoas do próprio movimento social, coisas desse tipo. Isso num cenário desse pode terminar muito mais criando um tumulto e escondendo a realidade do que ajudando. Não se trata de manter isso. A nossa hipótese é que se for esclarecido, como a informação que eu tive, é que ele já havia mudado o depoimento inicial e já tinha se aproximado de alguma coisa mais consistente com todo o conjunto das investigações, aí eu acho que o segredo perde sentido.
Rui Nogueira: Agora, me desculpe interrompê-lo. Aí é que está o problema. A versão inicial que ele tinha ao acusar alguém ligado aos movimentos sociais gerou segredo de Justiça. A versão que ele passou a desmentir, agora, o senhor acabou de dizer, parece ser mais consistente. Por quê?
Simão Jatene: Por quê? Porque na verdade tem outros depoimentos que apontam na mesma direção. O depoimento que ele trouxe novo, e que ele chegou já de pronto falando, é que não fazia muito sentido. Uma investigação na verdade não se pauta num depoimento, ela tem um conjunto de depoimentos. Esses depoimentos mantêm uma certa lógica que precisa ser percebida, os especialistas o fazem. Então o que acontece? É que, sem dúvida alguma, na hora em que se teve uma primeira manifestação que apontava numa direção, não tinha absolutamente nada, de outras informações, que dessem consistência, a nossa avaliação era que tornar isso público poderia incriminar pessoas de forma absolutamente irresponsável, e nós precisávamos ter muito cuidado com isso. Não significa nenhum sigilo no sentido de esconder da sociedade as coisas não; significa ter um pouco mais de consistência no que está sendo ouvido e no que está sendo dito para que efetivamente não se termine complicando mais do que ajudando. Porque eu acho que é desejo de todos nós.
Júlio Veríssimo: Governador, o senhor não acha que o fato de existirem dois inquéritos correndo – um da Polícia Civil, outro da Polícia Federal – já contribui para esse tipo de confusão? Porque pela apuração que a gente acompanha, inclusive dos correspondentes, é que existem declarações, as mais variadas possíveis, de agentes da Polícia Federal, de agentes da Polícia Civil, de delegados inclusive [o delegado federal Ualame Machado e o delegado da Polícia Civil, Waldir Freire, foram ouvidos como testemunhas e estiveram à frente das investigações durante o inquérito policial]. O senhor não acha inclusive que esse crime deveria ser federalizado, ou seja, ficar a critério da Polícia Federal, única e exclusivamente?
Simão Jatene: Deixe eu dizer uma coisa. Primeiro, todas as informações que eu tenho é que os dois inquéritos têm uma profunda semelhança na coleta das informações. E quero dizer que, hoje de manhã, a reunião que fizemos reforçou isto: essa identidade dos dois inquéritos. O fato da discussão da federalização, eu tenho dito claramente uma coisa: tudo o que vier para contribuir para que se esclareça com rapidez, ajuda e é bem recebido pelo Estado. Eu não tenho nenhum prurido com essa discussão. Agora, o que é verdade? Eu tenho minhas dúvidas de que qualquer esfera de governo – e eu vou repetir isso – qualquer esfera de governo, isolada, tenha condições de enfrentar o que está vivendo particularmente o Pará, no que eu chamo de bolsões de violência que se instalaram neste país. Eu acho que, mais do que nunca, só a cooperação, só a ação integrada das várias esferas pode nos levar a algum sucesso nesse embate, nessa luta.
Teresa Cruvinel: Governador, antes de passar a esse futuro que o senhor está apontando aí de cooperação, olhando um pouco para o passado do Pará, para os anos recentes, o estado do Pará, a conflagração, esse ambiente de violência, de luta pela terra, o desmatamento, todos esses elementos dessa crise do momento que gerou até a formação de um gabinete de crise, todos esses fatos vêm sendo apontados nos últimos anos. O governo federal, ao lançar o pacote, essas medidas, foi muito criticado por ter agido tarde. Foi tarde. Agora, eu pergunto: da parte do governo estadual, o senhor integra um grupo político que está no governo, no poder do Pará há dez anos...
Simão Jatene: Sim.
Teresa Cruvinel: Nos últimos dez anos, não foi possível diagnosticar, não foi possível agir? Aliás, o governador Almir Gabriel era um aliado, dileto aliado do ex-presidente Fernando Henrique. Não foi possível agir nos últimos anos, antes que as coisas chegassem a esse ponto?
Simão Jatene: Eu diria que se agiu e se agiu muito. Não podemos esquecer de que há dez anos, quando se assumiu o estado do Pará, o estado devia duas folhas de pessoal, era entre os estados brasileiros o que apresentava um dos piores índices de equilíbrio nas suas contas e passava pelo que eu chamo a pior das crises, que é a crise dos “des”: do descrédito e da descrença. Sem dúvida alguma, nesses dez anos se avançou e se avançou muito. E insisto, longe, e não acredito que qualquer unidade federativa na qual existam esses bolsões de violência tenha condição de enfrentá-los isolado. Até porque o problema acontece no Pará, mas ele não é do Pará, a rigor, e acho que a reportagem que nos antecedeu mostra claramente isso. A partir dos anos 70, o Pará virou palco de agentes sociais com interesses distintos, muitas vezes conflitantes. E, sem dúvida alguma, o que nós assistimos de lá para cá é uma permanente reprodução e valorização dos casos e não das causas, que é exatamente o que nós estamos propondo a discussão. Eu acho que mais do que nunca, o governo do estado avançou? Avançou sim. Eu não tenho nenhuma dúvida de afirmar aos senhores que se compararmos a nossa polícia de hoje com a nossa polícia de dez anos atrás, ela pode estar longe de ser a polícia que queremos, mas sem dúvida, ela avançou e avançou muito. Avançou em equipamento, e basta ver a reportagem toda.
Paulo Markun: O senhor acha que há mais presença do Estado nesses que o senhor chama de “bolsões de violência” hoje do que há dez anos?
Simão Jatene: Com absoluta convicção. Posso lhe dar alguns dados, é claro. Só ano passado nós criamos duas companhias da Polícia Militar: uma em Novo Progresso e a outra em São Félix do Xingu; uma próxima à Terra do Meio e outra na BR 163.
Paulo Markun: O senhor disse próxima à Terra do Meio...
Simão Jatene: Como? Próximo à Terra do Meio, porque São Félix do Xingu é uma das pontas da Terra do Meio. Na Terra do Meio, particularmente, eu acho que tem determinadas áreas onde não se deve criar nada mesmo, deve ser mantido como reserva de proteção integral.
Roldão Arruda: O senhor, além desses dez anos, que ela [Teresa Cruvinel] estava falando, de governo, participou do [...], do antigo Ministério da Reforma Agrária.
Simão Jatene: Sim.
Roldão Arruda: Quando vi isso, fiquei muito surpreso porque o senhor, mais do que outras pessoas, deve ter tido acesso a esse quadro de conflito. A minha pergunta é: se o senhor assumir num estado que vem de uma tradição de conflitos, onde a CPT [Comissão Pastoral da Terra] vem denunciando trabalho escravo há pelo menos trinta anos; onde o Jader Barbalho [foi ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário de 1987 a 1988], acho que em 1985, quando ele estava nesse ministério, assinou um acordo para acabar com o trabalho escravo lá, que iria unir a Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], CNA [Confederação Nacional da Agricultura] e tudo mais, e nunca se fez nada. O senhor tem essa realidade toda. Por que, assim que o senhor assumiu, o senhor não apresentou um plano, alguma ação que levasse a uma solução desses conflitos e esperou acontecer essas coisas?
Simão Jatene: Ah não, aí não.
Roldão Arruda: Queria saber também como o senhor reage a essa afirmação de que senhor tinha sido alertado sobre esse conflito especialmente ali e não teria reagido?
Simão Jatene: Uma coisa de cada vez. Primeiro a questão do plano. Eu não acredito em panacéia, não acredito em nada mágico diante dessa discussão...
Roldão Arruda: A ação...
Simão Jatene: O que é verdade - espere um pouquinho [com impaciência] – o que é verdade é que há dois anos, estamos trabalhando na elaboração do zoneamento econômico ecológico do estado do Pará...
Roldão Arruda: Tem um plano mais antigo do que dois anos. Não tem uma discussão mais antiga que isso?
Teresa Cruvinel: Ele já vem do governo de Almir Gabriel, não é?
Simão Jatene: Não, não... Como projeto para ser implementado, eu participei desde o momento primeiro dessa discussão. E obviamente com a compreensão clara de que o zoneamento precisa, primeiro, ter legitimidade. Então não basta ele apenas ser um zoneamento do governo do Pará; ele necessariamente tem que ser o zoneamento do estado do Pará. E não foi por acaso que nesses dois anos nós discutimos com a federação da agricultura, a federação da indústria, a federação dos exploradores da floresta... Na verdade, organizações de trabalhadores, universidades e institutos de ciência, a classe política e o governo federal.
Teresa Cruvinel: Teria sido a classe política, grupos organizados, partidos, em suma, que construíram resistências na Assembléia para que seu governo e o governo anterior tivessem aprovado antes o plano de zoneamento?
Simão Jatene: Eu diria o seguinte, na verdade não se tinha formatado um projeto de zoneamento.
Teresa Cruvinel: Não chegou a ser apresentado?
Simão Jatene: Não, o projeto foi apresentado à Assembléia agora, e acho que sem dúvida alguma...
[sobreposição de vozes]
Paulo Markun: Não era para ter sido votado até o dia 20 de dezembro?
Simão Jatene: Acho que não, até porque eu conheço boas dezenas de planos neste país que não saíram das prateleiras, nem tão pouco das gavetas. E acho o seguinte...
Roldão Arruda: [interrompendo] Seu vizinho no Amazonas está fazendo coisas mais rapidamente nessa direção...
Simão Jatene: Isso é uma avaliação sua. O que eu quero dizer é o seguinte: estou convencido de que a matéria-prima da grilagem é exatamente o quê? A expectativa de direito. O senhor não pode esquecer uma coisa: o Pará é talvez, dos estados brasileiros, que sofreu durante o período militar, a maior intervenção federal. O Decreto 1164 definia que 100% ao longo de cada rodovia existente ou planejada seria terra federal. A partir disso aí, a revogação do 1164, no momento em que não houve uma discriminatória para identificar o que teria sido disponibilizado para a sociedade organizada, dessas terras que eram públicas, então, de fato, você não teve o retorno. Hoje 72% das terras do estado são terras de domínio da União. Então o que nos interessa? Esse período todo, essa discussão e essa reflexão da questão do zoneamento é importante, por quê? Porque tem o condão de independentemente se a terra é da União, se a terra é do estado, se a terra é do município, ele vem e diz o seguinte: “Isto é uma área de preservação integral”. Outro: “Isto é área de uso restrito, isto é uma área de uso intensivo”. O que é fundamental? Que se tenha um grande concerto em torno disso. E acho que chegamos, sim, a um projeto que expressa, de certa forma, fortemente essa idéia de que é possível, e que a pior regra é não ter a regra.
Paulo Markun: Governador, eu gostaria o que senhor explicasse um pouco mais detidamente o que é esse zoneamento para quem não conhece, mas queria introduzir a pergunta da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, que diz que esse zoneamento foi apresentado no dia 19 agora de fevereiro na Assembléia, e que ele deveria ser, segundo a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, um processo de negociação com a sociedade. E eles afirmam que isso não tem sido debatido com a sociedade, porque em 14 de fevereiro o Conselho Estadual do Meio Ambiente, que é um órgão que tem representação de várias organizações não-governamentais, aprovou um requerimento para que tal projeto fosse apresentado, e que estaria restrito ao conhecimento de poucas pessoas. E eles perguntam o seguinte: “O zoneamento econômico e ecológico tem sido requisitado para a concessão de empréstimos pelo Banco Mundial. O governo do estado está verdadeiramente interessado nesse projeto ou mais interessado no financiamento do Banco Mundial? Quando o governo do estado pretende envolver a sociedade nessa discussão?”
Simão Jatene: Bom, eu só posso, de alguma forma, estranhar o fato de alegar desconhecimento, quando ainda há pouco, nós tivemos... isso está no site do governo do estado. Então se desconhece o que está no site, que sem dúvida é um dos mecanismos bastante democráticos da difusão da informação. É questão do site. Isso está lá. Então eu tenho um pouco de dúvida disso. Segundo, essa discussão sobre se isso está sendo feito para tomar operação de crédito, não tem absolutamente nada. O que nós temos é claramente o seguinte: é óbvio que o zoneamento precisa de um financiamento. Por quê? Como é que está tratado o zoneamento? Nós temos o macro-zoneamento que define grandes áreas, grandes manchas no estado: áreas de preservação integral, áreas de uso restrito, áreas de uso intensivo e áreas de recuperação. Esse é o macro-zoneamento. A partir daí, é absolutamente fundamental que se avance no detalhamento das áreas de uso intensivo. Por quê? Porque aí é que as coisas acontecem. Aí que a atividade econômica está posta. Porém ele traz – e eu sempre digo, não é panacéia – ele tem, primeiro, a possibilidade de reduzir a expectativa de direito de determinadas áreas. Porque ele traz de pronto o seguinte: no mínimo, 65% das terras do estado estarão sob algum tipo de proteção. No mínimo, 65. E no máximo, 35% das terras do estado serão utilizadas para consolidar o que nós chamamos a “fronteira aberta”, que são exatamente as áreas que já estão antropizadas, são áreas que já são objeto de uma ação mais intensa da própria sociedade. Com isso, ele tem também uma outra coisa que eu acho que é extremamente importante. Hoje você pode desmatar 20%, por exemplo, na região nordeste do estado do Pará, e tem que manter 80% de reserva; a mesma coisa você pode fazer na margem esquerda do Amazonas.
Teresa Cruvinel: Isso em cada propriedade?
Simão Jatene: Em cada propriedade. O que é verdade é que não tem nenhuma chance em determinadas regiões; 20% são um absurdo, porque não tem que mexer é nada. Por exemplo, na margem esquerda do Amazonas não tem que mexer nada, tem que manter 100% como área de proteção integral. Em compensação, limitar a 20% o uso da terra na região nordeste do estado é você estar mantendo como reserva [faz sinal de aspas com os dedos], o Acre, a vassoura-de-botão [planta medicinal usada para tratar infestação por protozoários e para o tratamento da asma, de dermatoses, diabete, varizes, dentre outras], juquira [nome da vegetação que brota nas áreas desmatadas de floresta], enfim, não tem mais a floresta. Então o zoneamento vem e traz a possibilidade de compensação de áreas, o que é uma coisa importante. Que é exatamente o quê? Diz o seguinte: bom, se você tem uma propriedade de mil hectares na região nordeste do estado, e você pode usar 20%, ou seja, duzentos hectares. Você tem que manter oitocentos hectares. Mas não tem mais floresta nesses oitocentos hectares. E você pode utilizar uma parte, desde que compre o que nós estamos chamando de “cota de preservação”, e pague para manter uma área de reserva, numa área já definida como área de preservação permanente.
Paulo Markun: Governador, desculpe interromper o senhor, mas a sensação que me dá é que parece aquela história do Mané Garrincha*. O senhor lembra do jogo de futebol quando tinha que combinar com os russos?
[*Na Copa de 1958, às vésperas do jogo do Brasil contra a ex-União Soviética, a preocupação do técnico Feola era o lateral do time russo, Tsarev, cuja missão era segurar Mané. O treinador, então, orientava o craque: “Quando o Tsarev vier em disparada, passe a bola. Quando o outro beque vier pela direita, drible pela esquerda...”. Mané Garrincha, que não gostava de esquemas táticos no futebol, pergunta: “O senhor já combinou tudo isso com os russos?”]
Simão Jatene: Foram dois anos combinando com...
Paulo Markun: Eu quero entender o seguinte: como combina com gente como essas pessoas que mataram a freira e que tem uma lista de assassinatos?
Simão Jatene: Espere um pouquinho. A primeira coisa que eu acho importante é o seguinte: na hora em que o zoneamento estiver aprovado, determinadas áreas como, por exemplo, a Terra do Meio, vai ser mostrado para o país inteiro que aquilo é uma de preservação integral. Então o grileiro que quiser vender um pedaço de terra ali, por suposto, ele não vai encontrar, pelo menos nas pessoas de boa-fé, a expectativa de direito de ter aquele pedaço de terra.
Adriana Ramos: Mas, veja bem, essas áreas foram criadas como unidades de conservação pelo governo. Então para além do planejamento da destinação, é preciso ter instrumentos que efetivem o que se quer fazer daquela área.
Simão Jatene: É por isso que nós estamos trabalhando em cotas de preservação.
Adriana Ramos: Não adianta o senhor ter o zoneamento e apontar para uso intensivo se o senhor não tem os instrumentos que vão fazer com que os diversos títulos que se sobrepõem a uma mesma área sejam invalidados. Quais são os instrumentos concretos para trabalhar com a questão da grilagem?
Simão Jatene: Nós estamos falando de quantos milhões de quilômetros quadrados, quando a gente fala do Pará? Estamos falando de 1,25 milhão de quilômetros quadrados. É Alemanha, França, Inglaterra, tudo junto. Imaginar que você vai operar com o mesmo grau de detalhe em 1,25 milhão de quilômetros quadrados é ou ingenuidade ou, sem dúvida alguma, má-fé. O que o zoneamento vem dizendo? Que, na verdade, nas áreas de preservação integral, não tem que discutir titulação ali dentro. Como aquilo é preservação integral, então ali dentro está, por suposto, por princípio, de plano, de pronto, esgotado.
Adriana Ramos: Não é zoneamento que faz isso, é o decreto que cria as unidades de conservação. É um instrumento que vem depois.
Simão Jatene: Mas o zoneamento vem e evita que a gente faça uma coisa que eu chamo de “ação por soluço”. Quando você tem uma pressão, cria uma; tem outra pressão e cria outra. Então ele vem e já define claramente determinados maciços onde serão as áreas de preservação. Qual é nossa idéia? E foi isso que discutimos recentemente há uns 15 dias atrás...
Teresa Cruvinel: Como vão tirar os grileiros que já estão dentro dessas áreas?
Simão Jatene: Desculpe?
Teresa Cruvinel: Uma vez demarcado e decidido institucionalmente que aquilo é área intocável, como se vão tirar – os chamados instrumentos a que a Adriana se refere – os grileiros, madeireiros?
Simão Jatene: Por que levou dois anos para fazer o zoneamento?
Teresa Cruvinel: Como o estado vai agir, seja o estado unidade federada, ou seja, o estado central?
Simão Jatene: O estado nacional através dos seus vários entes. Mas o que nós fizemos nesse período todo? Tivemos um enorme cuidado de trabalhar efetivamente as zonas antropizadas e procurar transferi-las para áreas de uso intensivo. Então, esse foi um cuidado sim.
Maria Zulmira de Souza: Mas governador, como o senhor explica, então, o que está acontecendo, por exemplo, na região próxima a São Félix do Xingu, na Vila Taboca. Estivemos lá no ano passado, a TV Cultura fez um documentário lá; inclusive mostramos o projeto-piloto do zoneamento ecológico econômico. Vila Taboca é um típico caso onde os grileiros continuam agindo, invadindo áreas que seriam áreas indígenas, e está todo mundo sabendo e não há uma ação. Como é que, de repente, esse zoneamento aprovado vai acabar com essa situação?
Simão Jatene: Mas eu já disse que ele não é panacéia. Agora, sem dúvida alguma, ao disciplinar, ele reduz expectativas de direito, o que é importante para reduzir grilagem. Porque as pessoas de boa-fé estão muito mais protegidas na hora em que elas sabem que ali é uma área de preservação. Ele precisa ter uma divulgação nacional intensa para evitar que pessoas do sul possam ser iludidas. Porque o que o grileiro faz? Ele se apropria de um pedaço de terra e vende essa expectativa de direito. O que nós estamos discutindo inclusive com o próprio Incra e com o Ministério do Meio Ambiente, que é absolutamente fundamental. Por isso que diziam que não pode ser um zoneamento do governo do Pará, tem que ser um zoneamento do Pará. Então, temos que partir daí para fazer um programa intenso de regularização fundiária nas áreas de uso intensivo...
Júlio Veríssimo: Governador, desculpe interromper.
Simão Jatene: Claro.
Júlio Veríssimo: Mas, por favor, então eu posso chamar de ZEE [Zoneamento Ecológico Econômico] o projeto? Eu não sei se é o nome que inclusive tem lá. Mas como o senhor aplicaria essa ZEE, em Novo Progresso, por exemplo, onde os madeireiros dominam a cidade a tal ponto em que o poder público está junto com os madeireiros. Os trabalhadores da cidade preferem pegar uma motosserra para ganhar oitocentos reais por mês, do que necessariamente trabalhar no extrativismo ou em outra área onde inclusive depois eles vão ser expulsos pelos grileiros. Eu não consigo entender, desculpe, como uma zona como essa, esse projeto que o senhor pretende implantar, ele vai mudar a vida, por exemplo, de Novo Progresso? Porque a população chega a barrar a BR 163, a tacar fogo em ônibus e destruir pontes. Como é que vai fazer isso?
Simão Jatene: Pois é, então, veja uma coisa.
Júlio Veríssimo: Como é que vai fazer isso? Como é que vai mudar a [...] da cidade?
Simão Jatene: Ao longo da BR 163, quando a gente vê no projeto de zoneamento, tem um corredor de uso intensivo, a partir do que, está blindado por uma área de uso restrito, e finalmente uma área de preservação integral. O zoneamento tem exatamente essa característica. O que é que ele vem? Ele vem ao encontro da realidade. Na verdade o que hoje você imaginar... a BR 163 está aberta, isso não depende da nossa vontade, ela já está posta lá. A Transamazônica, que é o que eu tenho dito claramente, por que a gente discute o conceito de consolidar a fronteira aberta? Porque eu estou convencido de que talvez um dos poucos mecanismos para se evitar o avanço sobre a floresta é melhorar a qualidade de vida das populações onde você já tem a fronteira aberta, ao invés de abrir novas áreas. Na Transamazônica, há uma tradição de cem quilômetros. E eu confesso aos senhores que quando eu vejo discutir se seria importante ou não asfaltar a Transamazônica porque provocaria impacto, eu tendo a ver com profunda tristeza esse tipo de avaliação. Por quê? Porque quando se discute a questão da apuração de um caso como esse em que nós estamos agora... Tem trecho da Transamazônica que, para andar 140 ou 150 quilômetros, leva-se oito horas, muito mais tempo empurrando do que dentro do próprio carro. Então, quando a gente está discutindo é importante... não tem nenhum instrumento que vai ter o condão para resolver uma questão para a qual já se escreveu os quatro séculos de latifúndio. Eu acho que poderemos escrever os cinco séculos de latifúndio neste país. Nenhuma medida isolada vai ter essa possibilidade. Porém acredito que um conjunto de instrumentos, como nós estamos discutindo agora, eu tenho dito claramente o seguinte: preocupo-me muito com o depois que os holofotes se apagam. Como é que ficam as coisas? Por quê? Porque eu estou convencido de que nós precisamos ter uma ação clara e exemplar de identificação dos criminosos, dos mandantes, etc, no caso da irmã Dorothy. Mas nós não podemos ficar aí; a ação policial tem que continuar como uma larga ação de desarmamento em determinados bolsões do estado. Tem sim.
Roldão Arruda: Governador, eu vou voltar a insistir numa coisa.
Simão Jatene: Claro.
Roldão Arruda: Por que nós não discutimos esse plano de zoneamento antes da irmã Dorothy morrer? Antes desse assassinato? O senhor começou dando sua entrevista com uma coisa muito interessante, mostrando a sua preocupação em sanear as contas do estado, a questão de folha de pessoal, equilíbrio nas contas. A minha dúvida é a seguinte: não é questão de ênfase política? Não é questão de vontade política? Ou seja, o senhor faz parte de um governo, de um grupo político que está há oito anos no poder. O senhor está há dois anos no poder. Agora, com seu estado com uma espécie de intervenção branca, com o exército lá no fundo, o senhor está nos levando a discutir esse plano de zoneamento. A minha pergunta é: é ou não uma questão de vontade política? Ou então, perguntando talvez com ele: será que no estado – talvez o senhor possa nos esclarecer – o poder econômico, o poder político desses grupos que atuam nessas regiões é tão forte que leva o governo a ter medo de enfrentar? É tão forte que leva o estado a se mobilizar e deixar tudo por conta deles? Porque tem que ter uma explicação, governador, tem que ter uma explicação?
Simão Jatene: [mostrando-se irritado] Claro que tem que ter uma explicação! Por que este país não fez a reforma agrária? Isso não é uma questão particular do estado do Pará não, vamos parar e colocar as coisas nos devidos lugares. Este país não enfrentou a questão urbana, por quê? Este país não enfrentou a questão agrária, por quê? Isso é uma questão particular do estado do Pará? Não me consta. Rigorosamente, não me consta. A questão agrária tem manifestações no estado do Pará, mas ela tem uma dimensão nacional. E, efetivamente, nós não a enfrentamos até hoje. Então, não se trata o que é... Aí quando você diz: “Bom, por que agora você está apresentando o zoneamento?”. Nós estamos há dois anos discutindo o zoneamento porque queremos que ele venha exatamente com a consistência e com a chancela para não ser um documento de prateleira, para ser efetivamente assumido pela sociedade. E, não tenho dúvida, insisto, não é panacéia, não acredito em panacéia. Mas eu não tenho nenhuma dúvida de que ele vai ser um instrumento fundamental, até para a ação fundiária. Ele vai ser fundamental para que a gente desmistifique algumas coisas. Tenho dito claramente o seguinte: a Amazônia tem sido sempre muito fértil na produção de mitos. Nós transitamos de “inferno verde” para “celeiro do mundo”, dependendo do humor de quem nos olha. Nós transitamos de “almoxarifado” para “santuário”, dependendo da lente que colocam para nos olhar. Na verdade não somos nem inferno verde nem celeiro do mundo; não somos nem almoxarifado e nem santuário. Não somos o Brasil escondido não, porque senão você tem que olhar para a favela e encontrar um Brasil escondido na favela, aqui, a poucos quilômetros daqui. Agora, sem dúvida, o seguinte: criou-se uma expectativa da terra livre na Amazônia, se incentivou a ida para lá de agentes com interesses muito distintos, e depois se passou a discutir o seguinte: asfaltamos ou não? Levamos água ou não? Levamos energia ou não? E essa população, como fica?
Paulo Markun: Governador, desculpe. Na época da ditadura militar, que o senhor certamente combateu, está no seu currículo inclusive – e acho que a gente que esteve nessa situação tem que reconhecer que fez isso alguma vez – ocupar a Amazônia era um projeto nacional...
Simão Jatene: Sim.
Paulo Markun: Quem fosse falar contra isso era [considerado] subversivo, maluco ou era interessado nos grandes trustes internacionais de manter a Amazônia, coisa que até hoje na internet, volta e meia aparece essa lenda de que aquilo está nos mapas norte-americanos. Acontece que no governo democrata, da democracia para cá, não houve uma proposta regular de ação em relação à Amazônia. Hoje o governo do Mato Grosso do Sul tem um tipo de política, o governo do Mato Grosso tem outra, do Pará tem outra, e o Brasil não tem uma definição clara em relação a isso.
Simão Jatene: Na verdade nós não temos, não é só com a Amazônia não. Acho que a questão regional neste país tem sido objeto de atenção cíclica. Em determinados momentos, então, você vem, aí a questão regional assume algumas cores, de repente aí... Você imaginar que um país da dimensão do Brasil pode ser tratado de forma homogênea é sem dúvida não querer encontrar o caminho. Eu digo que o nosso desafio é como a gente usa nossa diversidade para reduzir as desigualdades.
Paulo Markun: Mas a dúvida é saber, governador, se esse projeto de zoneamento ou qualquer outro projeto, por mais bem intencionado que seja, substituiu a presença do Estado, no que ele tem de mais elementar.
Simão Jatene: Eu diria que ele facilita a presença do Estado.
Paulo Markun: Mas como vai fazer? Num santuário. O santuário vai ficar lá porque a gente botou no zoneamento que é santuário, não precisa ninguém fiscalizar, não precisa ter fiscal, não precisa ter cerca, não precisa ter nada?
[sobreposição de vozes]
Simão Jatene: Não, não, mas a sociedade toda vai saber que aquilo é um santuário.
[sobreposição de vozes]
Simão Jatene: Deixem eu dar para vocês um dado. Basta pegar as informações de 1996 para cá e acompanhar a evolução do desmatamento, vocês vão ver uma coisa: as áreas declaradas como reserva, mesmo sem os instrumentos de fiscalização, têm um condão inibidor. E é fácil ver isso no mapa, basta pegar o mapa. Se pegar as imagens de satélites, você vai ver nessa região que estou chamando de região nordeste ou na região leste do estado, nós vamos encontrar determinadas reservas em que você vê como o processo de ocupação as envolve, e elas de alguma forma se mantêm.
Adriana Ramos: Sim, governador, mas de qualquer maneira, o zoneamento dá um indicativo, mas precisa, em algum momento, o Estado, o governo fazer a sua decisão. Quer dizer, acho que a crítica em relação ao zoneamento do governo do Pará é que ele foi bastante divulgado, mas o processo de negociação que faz com que o zoneamento possa ter esse poder por si, porque ele foi negociado e acordado com todos, não foi um processo ainda concluído. E há situações em que algum momento isso vai ter que se decidir. Por exemplo, na região onde há o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança, onde trabalhava a irmã Dorothy, em Anapu, a previsão do zoneamento do estado, pelo menos na versão de dezembro de 2004, é que é uma área de consolidação de atividades produtivas. Então ali nós temos os trabalhadores rurais do assentamento e temos uma série de outros atores sociais, grileiros, madeireiros, muitos deles que já tiveram projetos apoiados pela Sudam [Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia], foram inclusive incriminados por corrupção na Sudam, e estão soltos, continuam atuando lá. Em algum momento, quais vão ser atividades produtivas consolidadas nessa região? Essa opção de qual vai ser o desenvolvimento, mesmo intensivo, nas regiões onde está definido como intensivo, o governo do estado vai ter que fazer...
Simão Jatene: Com certeza.
Adriana Ramos: E vai ter que ter instrumentos para poder deliberar a quem vai dar o direito da terra.
Simão Jatene: É por isso que nós chamamos a este estágio agora de macro-zoneamento. O detalhamento vai ter que acontecer.
Adriana Ramos: Como é que vai ser feito o detalhamento?
Simão Jatene: Só que ao invés de você fazer um detalhamento de 1,25 milhão de quilômetros quadrados, você vai detalhar 1/5 disso. Aí nós caímos, na verdade, num mundo real, de poder financiar e fazer o...
Rui Nogueira: Então o senhor tocou no ponto. Se o senhor tivesse a possibilidade de asfaltar esse pedaço da Transamazônica, o senhor teria dinheiro para fazer isso? Ou o seu estado investiria nisso que o senhor pode considerar positivo asfaltar?
Simão Jatene: Com certeza.
Rui Nogueira: Com certeza?
Simão Jatene: Com certeza.
Rui Nogueira: Governador, eu tenho aqui uma lista da revista Veja que publicou um quadro com: “O que queria a irmã Dorothy” e “O que querem os seus inimigos”. O que queria a irmã Dorothy: desapropriação de terra pública controlada por grileiros, assentamento de seiscentas famílias, ação da polícia na intermediação, programas de recuperação das áreas e financiamento. Isso é o que queria a irmã Dorothy, ou o quer o Estado ou qualquer cidadão brasileiro. Por que isso não foi feito até hoje?
Simão Jatene: Veja, eu acho que é exatamente... por que isso não foi feito até hoje? Porque este país ainda não assumiu...
Rui Nogueira: Não, governador, mas...
Simão Jatene: Senão vamos cair numa coisa... é o seguinte. Nós voltamos para o caso... a minha questão é muito mais larga do que isso. Nós temos que saber claramente o seguinte: nós queremos iniciar, e já iniciamos, um novo século e um novo milênio com a estrutura fundiária que nós temos? Nós acreditamos... A questão agrária, vamos pegar isso porque acho que é uma coisa importante. Muita gente achava que a questão agrária já era uma questão do passado. O país se urbanizou, então a discussão agora é urbana, não se tem mais a questão agrária. Tem sim! Nós não temos uma política de desenvolvimento regional, nós precisamos ter uma política de desenvolvimento regional que seja capaz de compreender este país na sua diversidade, está certo.
Rui Nogueira: Eu entendo isso, é uma coisa macro, mas o senhor foi um homem da Secretaria de Planejamento.
Simão Jatene: [visivelmente irritado] Como é que se age no micro? Desculpe, mas deixe eu lhe dizer: sabe quantos nós gastamos no passado na área de defesa social? Uma questão de quase 12% do orçamento do estado.
Adriana Ramos: Em quê exatamente?
Teresa Cruvinel: O que o senhor chama de defesa social?
Simão Jatene: Toda área de segurança pública e área de justiça. Isso é mais ou menos o que nós gastamos em saúde. Eu acho particularmente isso um absurdo.
Teresa Cruvinel: No entanto eu seria leviana, governador, se fizesse apreciações sobre sua polícia, vivendo tão longe e conhecendo tão pouco o Pará, fiquei muito impressionada com um dado também que saiu nessas reportagens recentes sobre seu estado, que a polícia lá tem dez mil mandados de prisão não cumpridos.
Simão Jatene: Deixe eu dizer, eu acho que é importante a gente trabalhar no tempo, porque toda vez que a gente agrupa as coisas e não procura ver no tempo, a gente corre o risco de cair numa armadilha.
Teresa Cruvinel: Tem uma prefeita, acho que de uma cidade em homenagem ao ditador [Emílio Garrastazu Médici, foi presidente do Brasil durante a ditadura militar], a Medicilândia, né? Eu ouvi uma prefeita falar no rádio esses dias que ela prefere que a polícia não apareça lá, porque a polícia é envolvida também com os grileiros, com essa coisa.
Simão Jatene: Vamos lá. Acho que de novo é uma questão importante que a gente esclareça. Para a senhora ter uma idéia, hoje, nós temos no estado alguma coisa em torno de doze mil policiais militares e...
Teresa Cruvinel: Doze mil?
Simão Jatene: ... 2600 policiais civis. Só no ano passado e este ano, devemos ter de processos, de algum procedimento administrativo, algo em torno de 2500.
[...]: Dentro da polícia?
Simão Jatene: Dentro da polícia. Contra a própria polícia no sentido interno.
Teresa Cruvinel: Como assim?
Simão Jatene: Disso aí, no ano passado e este ano foram desligados em torno de 350 policiais. O que eu acho que é importante é o seguinte...
Teresa Cruvinel: Sofreram processo disciplinar, foram processados?
Simão Jatene: Claro, e foram desligados. E tem mais trezentos aguardando...
Teresa Cruvinel: Então por que a polícia é tão corrompida no Pará?
Simão Jatene: Mas não é no Pará que ela é corrompida. Senão de novo a gente cai na história... Olha o preconceito! Não é no Pará. A polícia é corrompida, na verdade....
Teresa Cruvinel: Mas também nós não estamos discutindo o Brasil aqui, governador, nós estamos discutindo o Pará.
Simão Jatene: A polícia tem problemas neste país inteiro, vamos ser francos.
Teresa Cruvinel: Tem, mas cada caso...
Simão Jatene: [falando ao mesmo tempo que Teresa] Cada um está tentando equacionar na verdade. O que eu diria...
Teresa Cruvinel: Por exemplo, no Rio de Janeiro, tem lá tráfico, corrupção, tem envolvimento... No seu Pará, eu quero saber.
Simão Jatene: Ano retrasado e ano passado nós capacitamos alguma coisa em torno de dois mil policiais. Eu diria à senhora o seguinte: provavelmente, oito anos atrás ou dez anos atrás, a polícia não tinha um carro. Os carros que a gente vê nas reportagens, todos eles, se os senhores prestarem atenção, são carros da polícia civil do estado do Pará, todos os carros que estão lá. Então, veja, eu não estou fugindo da responsabilidade não, porque acho que inclusive eu não tenho perfil e nem caráter para isso.
Teresa Cruvinel: [falando ao mesmo tempo que Jatene] Não, é porque também não adianta nós discutirmos o Brasil todo.
Simão Jatene: Estou careca, de barba branca, nem tenho idade para ser ingênuo e nem caráter para ser hipócrita. Agora o que é verdade? O que é verdade é que se a gente não tomar essa coisa no tempo, a gente corre o risco de cair em algumas armadilhas. Eu tenho dito claramente que pior do que a resposta errada é a pergunta errada.
Paulo Markun: Pergunta errada não tem, governador, o senhor desculpe.
[Risos]
Simão Jatene: Você vai ter que começar... Quero dizer o seguinte. [Adam] Smith [1723-1790] e [David] Ricardo [pensadores de grande destaque, criaram teorias visando explicar as relações econômicas entre as classes sociais. O primeiro é considerado o “pai da economia moderna”] passaram algum tempo perguntando o que era o valor e não responderam.
Paulo Markun: Pode haver é repórter, resposta impertinente, pergunta não.
Simão Jatene: Não, não. Olha, na A riqueza das nações [Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações], Smith e Ricardo passaram uma vida discutindo o que era valor. Marx chegou depois e disse: “Não, a discussão não é essa não, a pergunta está errada. Nós temos tem que mudar a pergunta”. Então tem sim, mas vamos embora!
Paulo Markun: Fernando Manosso, de Apucarana, no Paraná, diz o seguinte: “Poucas dezenas de guerrilheiros escondidos no interior da mata nos confins do Araguaia foram capturados um a um na época por infringirem leis na época do regime militar”. Ele pergunta: “Por que as autoridades não utilizam os instrumentos do Estado para capturarem e prenderem os responsáveis por todos os assassinatos de trabalhadores no campo? E eu emendo com a pergunta de Nabhan Garcia, presidente da UDR [União Democrática Ruralista] de Presidente Prudente, aqui em São Paulo, que diz o seguinte: “Em oito anos de governo, o estado ainda não fez um levantamento de quem é fazendeiro legal e ilegal, grileiro legal e ilegal, madeireiro legal e ilegal? Existe esse levantamento?”
Simão Jatene: Não, não existe esse levantamento, e é importante o seguinte. Isso não é uma coisa tão simples quanto possa parecer. No momento em que houve a transferência de terras e em que se tem uma superposição inclusive, durante um longo tempo, de competências de gerenciamento das terras públicas no estado, é claro que isso cria uma grande complicação de saber quem emitiu o título sobre o quê. Porque eu defendo a questão do cadastro único? Eu não acho que o Instituto de Terras do Estado tenha que ter um cadastro e o Incra tenha que ter um cadastro não. Eu acho que o cadastro tem que ser de terras do Pará; independentemente se é governo estadual ou governo federal, você tem que ter um cadastro único. Insisto: onde é que o zoneamento pode ajudar nisso? Imaginar que você vai fazer o cadastramento de 1,25 milhão de hectares ou 125 milhões de quilômetros quadrados, é bobagem.
Paulo Markun: Mesmo com satélite?
Simão Jatene: É muito complicado, por causa do custo disso inclusive. Porque não basta você simplesmente identificar... o satélite identifica, mas você tem que fazer...
Paulo Markun: Eu fico pensando, complicado é ter que fazer a favela, que é uma do lado da outra.
Simão Jatene: Não, mas você tem que ir para cima e fazer o que a gente chama de discriminatória. E aí a discriminatória só tem um caminho, que é na terra mesmo, indo lá e identificando. Então qual é nossa proposição? Vamos trabalhar na área de uso intensivo, e aí trabalhar em conjunto mesmo.
Roldão Arruda: Governador, o senhor falou agora há pouco da necessidade de se juntarem os esforços; não se pode resolver problemas ou só o prefeito, ou só o governo estadual ou o federal...
Simão Jatene: Isso não é discurso, não, isso é uma crença. Posso até não conseguir, mas é uma crença.
Roldão Arruda: Mas o seu Instituto de Terras lá está meio fraco, não está, governador? Inclusive está sem presidente no momento?
Simão Jatene: Mas, para mim, não é essa a questão. O que nós estamos... voltamos a mesma história.
Roldão Arruda: Mas o Instituto de Terras é muito importante para a questão de cadastramento, essas coisas.
Simão Jatene: Para trabalhar o quê? Para trabalhar 20% das terras do estado que estão, na primeira e na melhor das hipóteses, a mais de cem quilômetros das rodovias federais? Então o que nós estamos discutindo? Fazendo uma outra coisa. Não esqueça disso, o [Artigo] 1164 fez o seguinte: “o que estava a cem quilômetros à esquerda e à direita de qualquer rodovia federal existente ou planejada é domínio da União”. Então essa questão do Instituto de Terra é fundamental. No projeto que nós estamos discutindo tem o redesenho do Instituto de Terra, que eu insisto: só vai poder acontecer de forma efetiva se nós contarmos com a participação do Incra. Não tem nenhuma chance. Qual foi o orçamento de Incra em 2000 e quanto foi ano passado? Os senhores têm idéia? Eu vou dar dois dados para os senhores, a preços constantes, orçamento do Incra em 2000 foi 2,8 bilhões aproximadamente. E no ano passado, foi 1,5 bilhão.
Rui Nogueira: O senhor está dizendo que, no fundo, 72% da terra do Pará é da União, criou-se essa lei que fez esse esquartejamento aí ...
Simão Jatene: Eu preferia [dizer] zoneamento do que esquartejamento, mas em todo caso, vamos lá.
Rui Nogueira: Foi feito na ditadura daquele jeito, enfim. O senhor está dizendo que há uma responsabilidade federal muito específica...
Simão Jatene: [interrompendo] Eu diria que existe uma responsabilidade conjunta. E talvez essa experiência lamentável que nós estamos vivendo tenha até ensinado uma coisa. Normalmente quando acontece um fato como esse – é por isso que eu digo que se tende a valorizar o caso e não a causa – o que a gente tem assistido historicamente? É o governo federal dizendo o seguinte: “A questão de polícia é segurança pública, é responsabilidade do estado”. E os estados dizendo o seguinte: “A questão agrária, ou a questão urbana, de um modo geral, é competência de União”. Eu acho que esse tipo de coisa não leva a coisa nenhuma.
Rui Nogueira: Esse caso do projeto da irmã Dorothy, do projeto daquele dos TDS lá, isso pertence à União?
Simão Jatene: Isso.
Rui Nogueira: O senhor está dizendo que a União deveria ter feito esse assentamento em [...] de resolver esse problema?
Simão Jatene: Acho que não precisa dizer esse assentamento. O assentamento de seiscentas pessoas não tem o condão de resolver – vamos ter isso claro – o conflito de terras...
Rui Nogueira: Se não tem o condão, mas se fossem assentadas seiscentas famílias do projeto, o grileiro não estaria lá torrando a paciência de todo mundo na região.
Simão Jatene: Mas a primeira coisa que nós precisamos deixar claro, e é por isso que eu insisto...
Rui Nogueira: Se as pessoa são assentadas, como o senhor mesmo disse, cria-se o condão de afastar, já não cria a expectativa de direito do outro; a terra pertence à pessoa que está assentada, não pertence a mais ninguém.
Simão Jatene: Mas não precisava nem estar assentado. Bastava que claramente a União definisse isso como área dela. Como se desapropria a área da União? A União desapropria a área da União?
Rui Nogueira: Sim, mas então assenta, é mais fácil ainda. Já devia ter assentado! O senhor agora já tem tropa, depois da tropa tem, pelo que eu li, a Guarda Nacional, vão ficar uns quatrocentos lá...
Simão Jatene: Não sei. Nós não tínhamos discutido isso. Mas tudo bem.
Rui Nogueira: Está no jornal. Vamos discutir. Por que o senhor teme que se apague o holofote e volte tudo ao mesmo... Falta de dinheiro?
Simão Jatene: Porque isso tem sido a história.
Rui Nogueira: Sim, mas o que leva... apaga-se o holofote e some tudo. É falta de dinheiro?
Simão Jatene: Eu acho que é uma discussão de prioridade mesmo?
Adriana Ramos: Prioridade nacional, governador?
Simão Jatene: Também. E eu lhe dei o dado do Incra.
Adriana Ramos: Eu queria que o senhor colocasse uma coisa. Como o senhor pretende conseguir o apoio do governo federal ao seu plano de zoneamento ecológico econômico, se um dos principais pontos o que senhor defende nesse plano é a flexibilização nos 80% de reserva legal? Como o senhor pretende que o governo federal apóie esse plano com este item, flexibilização?
Simão Jatene: Não, não, pelo contrário, veja. O que se conseguiu, na minha avaliação, foi um processo interessante que evita que se caia nessa discussão, que para mim é estéril, de 80%, ou 60%, ou 70%. Esse número cabalístico, porque...
Adriana Ramos: Mas a legislação diz 80%.
Simão Jatene: Espera um pouquinho. Por quê? O que o zoneamento traz de proposta é a possibilidade de compensação de área de reservas. Significa dizer que em uma área de uso intensivo, você pode usar mais de 20%, desde que você compre cotas de preservação de uma área de uso integral. E aí você está criando mecanismo de financiamento, que é sempre um grande desafio, para manutenção efetivamente dessas terras.
Maria Zulmira de Souza: Como o senhor pretende controlar isso, por exemplo, num estado onde de 1980 a 1996, segundo dados do Museu [Paraense Emilio] Goeldi, o número de municípios subiu de 83 para 143. Sendo que esses municípios que foram criados legalizaram atividades ilegais, na maior parte deles, a exploração ilegal de madeira. Isso são dados de um dos estudos do...
Simão Jatene: Como assim “eles legalizaram”? Eles não têm poder de...
Maria Zulmira de Souza: Como é que o senhor... como é que vai...
Júlio Veríssimo: Governador, Novo Progresso vive da exploração de madeira ilegal.
Simão Jatene: Espera um pouquinho, como é que eles legalizaram terra ilegal? O município não tem nenhum poder para isso.
Júlio Veríssimo: Mas não é questão de legalizar. Tem cidades no Pará, em que as populações locais vivem da extração ilegal de madeira. E elas fazem isso não porque são ruins, é porque o madeireiro foi lá, se instalou, fez um acordo muito grande inclusive com muitos órgãos públicos. Muitas prefeituras e prefeitos inclusive são eleitos por esses madeireiros, e mantidos por esses madeireiros e a população não tem outro recurso. Então acho que nesse ponto a Maria Zulmira tem razão. Como vamos tirar dessa zona de influência? Será que só com o projeto tira-se dessa zona de influência?
Teresa Cruvinel: Qual é a sua proposta para essa situação concreta dos madeireiros?
Simão Jatene: Oferecer claramente uma alternativa.
Teresa Cruvinel: Alternativa econômica?
Simão Jatene: Claro, e não só para os madeireiros. Vamos ter claro o seguinte: nós colocamos todo mundo e terminou-se criando – o que para mim também é outro equívoco – [ a idéia] de que quem mexe com a exploração florestal é, por princípio, bandido. Eu acho que não. Eu acho que é possível identificar na exploração florestal gente correta. E daí volta de novo à palavra mágica: zoneamento.
Teresa Cruvinel: Pois é, mas eu lhe pergunto: mesmo sendo honesto...
Simão Jatene: Ele vem permitir exatamente isso, porque ele vem caracterizar quem estiver em áreas de uso restrito e que seja definida a utilização para exploração florestal. Então eles saem da ilegalidade. O grande problema hoje é que se botou na ilegalidade todo mundo. Vamos ser claros, uma região nordeste do estado...
Teresa Cruvinel: Qual a sua proposta? O senhor concorda ou discorda dessa proposta do Ministério do Meio Ambiente, que é de um manejo controlado – tira tantas árvores, mas tem que plantar não sei quantas – ou o senhor é favor de uma legalização dessa operação que ocorre? O sujeito pode não ser bandido, mas ele está cometendo delito ecológico. Então ele pode não mandar matar, mas ele...
Simão Jatene: Ele só está cometendo um delito ecológico, por quê? Porque ele não tem nada que discipline onde ele pode usar ou não.
Teresa Cruvinel: Então qual é sua proposta?
Simão Jatene: O zoneamento, exatamente isso. Na hora em que o zoneamento vem e define áreas para uso...
Teresa Cruvinel: Mas o que quer dizer, vamos falar para as pessoas entenderem o que significa isso. O senhor vai permitir, vai legalizar a atividade de derrubar a floresta, é isso?
Simão Jatene: Não é legalizar. Nas áreas de uso intensivo, você pode ter uma utilização mais intensa da floresta. Nas áreas de uso intensivo pode sim. Nas áreas de uso restrito, você pode ter sob determinadas condições. Na área de preservação integral, você não pode ter nada.
Adriana Ramos: Governador, o senhor falou da questão de utilizar a compensação com o pagamento de áreas dentro de unidades de conservação? Quer dizer, o proprietário, ao invés de manter sua reserva legal – isso é uma figura prevista no Código Florestal – paga pela regularização fundiária dentro de uma unidade de conservação. Entretanto no zoneamento e nas áreas criadas pelo governo federal, só tem previstas unidades de proteção integral em áreas que já são do estado. E o governo federal já incluiu nos decretos de criação da Estação Ecológica da Terra do Meio e do Parque Nacional da Serra do Pardo, a previsão de que as terras do estado do Pará que estão dentro dessas áreas vão poder ser utilizadas como áreas de compensação de reserva legal. O estado vai doar aos proprietários privados a flexibilização? Como vai fazer isso?
Simão Jatene: Não, o estado vai ter o quê? Na hora em que o proprietário quer explorar uma área um pouco maior que os 20%, ele apresenta sua proposta e evidentemente, a partir daí, se define uma área que vai ser garantida ou mantida por ele pelas cotas de preservação.
Adriana Ramos: Ele paga ao estado?
Simão Jatene: Ele vai pagar.
Júlio Veríssimo: O estado tem como controlar isso, governador?
Simão Jatene: Acho que sim, acho que sim. Porque isso não significa discriminatória, aí você pode controlar por satélite.
Adriana Ramos: E qual é a responsabilidade do estado no controle da área que é federal?
Júlio Veríssimo: [falando ao mesmo tempo que Adriana] E como o madeireiro inclusive faz hoje. O madeireiro, por GPS, identifica a área para derrubada, vai lá e derruba, coisa que o poder público não tem. Por isso que eu estou questionando o seguinte. Hoje o governo Lula vai lá, inclusive o pacote passou a vigorar hoje, esse pacote, digamos, entre crise, e criou santuários ecológicos dentro do Pará. Desculpe-me a expressão, mas o senhor não teme ser um síndico desse santuário onde do ponto de vista de marketing é muito bonito, até para o exterior, mas a confusão lá dentro, latente, está acontecendo.
Simão Jatene: Por isso, por que eu estou colocando? Veja, 35% no máximo, do estado do Pará, como área de consolidação, é uma área gigantesca em qualquer lugar do mundo. Então não é preciso avançar mais sobre a floresta se você tem isso posto. Agora eu insisto numa coisa: para isso nós precisamos ter a coragem de assumir que Transamazônica precisa ser consolidada sim; que não vai ser deixando essas populações lá, fora de um processo produtivo, que nós vamos ter a presença do Estado. Não vai. Nós precisamos ter a coragem de assumir que a BR 163 precisa ser consolidada no que ela já está aberta.
Maria Zulmira de Souza: Como seria então esse Pará que o senhor desenha? Que papel teria, por exemplo, a pecuária, que papel teria a soja, quanto seria?
Simão Jatene: A pecuária e a soja só poderiam ser utilizadas, no máximo, em 35% do estado.
Júlio Veríssimo: 35% do estado?
Simão Jatene: Claro, porque sãos as áreas que não sofrem algum tipo de restrição.
Roldão Arruda: Governador, o senhor falou agora há pouco dos problemas com a sua polícia. Existe uma entidade de direitos humanos que está levantando questionamento a respeito da lisura desse inquérito que o senhor tem junto com o da polícia federal. Esse delegado, Pedro Monteiro, superintendente da Polícia Civil, era um delegado que tinha atritos com a irmã Dorothy, e ele é o cara hoje que preside; ele que levantou, por exemplo, um procedimento contra ela, acusando-a de fornecer arma para os trabalhadores da região. O senhor acha que ele tem isenção para apurar esse caso?
Simão Jatene: Estão apurando juntos, em conjunto.
Roldão Arruda: Em conjunto com a polícia?
Simão Jatene: Polícia Federal, polícia do estado, estão apurando em conjunto. Na verdade, o fato de terem dois inquéritos não significa... E acho que vamos ter a possibilidade de ver, ao final dos relatórios, a coincidência ou não.
Roldão Arruda: Por que não só um inquérito, governador?
Simão Jatene: Porque eu acho que a história não dá saltos.
Júlio Veríssimo: A própria PF acolheu o inquérito da polícia civil, ela nem fez o depoimento.
Simão Jatene: Acho que história não dá saltos. Nós temos uma histórica tradição de transferência de responsabilidade – eu já disse isso – para esconder fragilidades, e que eu acho que a gente precisa ter a coragem de superar, independentemente do partido. É por isso que eu acho que, ainda, lamentavelmente, estamos trabalhando com dois inquéritos.
Teresa Cruvinel: Pois é, no caso do Pará é interessante porque já li, todo mundo já leu isso, talvez nos livros, na história do Brasil, logo depois da Revolução de 1930, o doutor Getúlio Vargas mandou um interventor cuja principal missão era demarcar as terras federais, as terras da União e pôr ordem na questão agrária no Pará. E isso acabou levando à derrubada do interventor pelas forças políticas locais, e acabou acho que não sendo feito. Então, é um problema muito antigo lá, que a elite paraense não consegue também resolver; e o governo federal central, por sua vez, como o senhor diz, também não teve um plano de ocupação da Amazônia democrático, transparente e discutido. A ditadura arrombou a Amazônia com suas rodovias, e na democracia nós não fomos capazes de discutir isso. Mas queria lhe perguntar, ainda na área dos direitos humanos, a área do ministro Nilmário [Miranda] que andou reclamando que o senhor estava demorando a indicar os membros da comissão que ia tratar da proteção às testemunhas, aquelas 45 pessoas ameaçadas lá... O senhor indicou?
Simão Jatene: Deixe eu lhe dizer. A área do ministro Nilmário. Porque minha conversa com o ministro – é bom que isso esteja claro – existe um programa chamado Provita, do estado, que tem um conselho, que evidentemente avalia a necessidade ou não de inclusão das pessoas no programa e que tem como órgão mais importante a SDTH. E não estou falando de um projeto não, estou falando de um fato.
Teresa Cruvinel: Mas e nesse caso recente, das pessoas ameaçadas.
Simão Jatene: De fato, isso está lá. É o Provita, um programa que já existe, tem um orçamento em que o governo do estado e governo federal aportam recursos, tem um conselho que define isso. E insisto: existem pessoas hoje incluídas no Provita. O estado não sabe onde essas pessoas estão sendo protegidas, mas estão sendo protegidas. A STDH é que define isso. E eu acho que é um dos belos programas que a gente tem. Ainda que também, eu sei que isso incomoda alguns, mas não posso deixar de dizer, acho que qualquer sistema de proteção pessoal é sempre limitado, particularmente nesses casos. Até porque, vamos ser francos numa coisa, o que essas pessoas estão fazendo? Essas pessoas têm ameaçadas as suas vidas por defenderem causas? A primeira ação desses programas todos de proteção pessoal é retirar as pessoas de onde elas estão. Ora, mas se a razão da vida delas e da luta delas está ali! Então é importante que a gente trate... Por isso que eu tenho dito claramente o seguinte: temos certos bolsões violência neste país – no Pontal de Paranapanema, nas favelas do Rio, na Amazônia, na Zona da Mata, e particularmente Pernambuco, naquela região. E nós precisamos, definitivamente, numa federação frágil como a nossa – e essa é uma discussão importante –, deixar os pruridos e unir no sentido de saber o seguinte: isso está cada vez mais se transformando num desafio para o Estado brasileiro na suas várias instâncias.
Paulo Markun: Governador, eu não entendo muito de floresta, tenho que confessar. Como a grande maioria dos brasileiros, eu sou um sujeito urbano, tenho lá as minhas aventuras no campo, mas salvo o tempo em que morei em Manaus por curto período, a minha intimidade com a questão dos chamados “povos da floresta” é reduzida, como a de maioria dos jornalistas. No entanto, de zoneamento eu cobri muito quando era repórter de cidade, na cidade de São Paulo. E quando o zoneamento da cidade de São Paulo foi apresentado, ele também foi apresentado não como panacéia, mas como algo que iria melhorar muito a vida da cidade, regulamentar, mudar; onde poderia ter comércio, tinha comércio, onde poderia ter só residência, tinha residência. E o fato é o que zoneamento da cidade de São Paulo foi muito grandemente afetado pela força da economia. Corredores que eram residenciais hoje são – todos aqui da cidade de São Paulo conhecem – Avenida Rebouças, todas as avenidas dos Jardins viraram zona comerciais, por quê? Pela força do dinheiro, da grana, que é o que move este mundo. A minha dúvida é se nessa entusiasmada defesa que o senhor faz do zoneamento não existe uma certa ilusão de que essa redução da força da idéia de que o direito estabelecido possa prevalecer sobre a força da grana?
Simão Jatene: Deixa eu lhe dizer uma coisa. Eu acho que não tem nada certo numa sociedade que tem como razão e motivação o lucro, o resultado, que possa opor-se à força da grana. Agora o que é verdade? Acho que nós temos que ter primeiro, a crença. O poeta já disse “que no entanto é preciso cantar”, mas é preciso crer também senão vamos ficar perplexos diante da realidade. Precisamos ter a crença e, sobretudo, ter a disposição de achar que é possível construir uma matriz que ajude a minorar a questão da desigualdade social que é o grande desafio deste país. Quando o senhor fala da questão de São Paulo especificamente, essa cidade já tinha uma ordem; o zoneamento veio sobrepor a uma ordem pré-existente. O que eu acho é que, no caso concreto do Pará e da Amazônia, é que a maioria dos atores está chegando à conclusão de que com a desordem imposta não é possível avançar. À exceção, evidentemente, daqueles grupos que têm interesses muito particulares, que persistem nessa desordem, porque essa desordem lhes permite a impunidade que eles precisam para continuar na ilegalidade. Mas como isso, na minha avaliação, não é a maioria, eu vejo que é possível sim, não como uma camisa de força, não como alguma coisa que engessa para todo o sempre, mas uma coisa que possa ajudar a disciplinar o aqui e agora, que é o grande desafio que nós estamos vivendo. Eu confesso aos senhores, quando se fala na força da grana, eu vi algumas coisas dizendo: “Pará, terra sem lei”, e mais do que isso, “que não é Brasil”. Gozado, Pará gera 12% do saldo da balança comercial brasileira, aí ele é Brasil! Aí ele é Brasil!
Adriana Ramos: Mas isso não é suficiente para ele superar esses conflitos sociais tão históricos.
Simão Jatene: Sabe por quê? Porque esses 12% que ele gera estão fundados em atividades que não têm uma agregação de valor, tem uma baixa agregação de valor. Eu tenho passado esses dois anos discutindo desoneração de exportação; a maioria das pessoas deste país não sabem como isso funciona. Como é que funciona? Na verdade não podemos cobrar ICMS sobre o que exportamos. Mais grave do que isso: como a circulação interna pela baixa agregação de valor da economia paraense – o Pará importa muito de outros estados – as empresas que importam de outros estados pagam ICMS lá, e nós ficamos devedores, no estado do Pará, dessas empresas, do ICMS que ela pagou em outro estado. Como nós também não temos uma importação firme, daí porque geramos um saldo tão largo para a balança comercial, nós também não podemos cobrar imposto sobre o que importamos porque é muito baixo. Então aí não é Brasil. É Brasil sim! Agora é um Brasil que tem a convicção de que na verdade só tem uma forma de contribuir para o desenvolvimento brasileiro - e acho que essa discussão precisa ser assumida - e é através do seu próprio desenvolvimento. A idéia de almoxarifado chega, basta! Basta! E acho que, na sociedade paraense, isso começa a se cristalizar e também já há alguns segmentos que estão dispostos a assumir isso como bandeira.
Rui Nogueira: O que eu vejo, e achei interessante essa sua resposta que o senhor derivou para a questão do ICMS, como o senhor foi secretário do Planejamento, produção e tal, não é só o estado do Pará; há uma série de estados, até mesmo muito pobres que têm uma elite administrativa que começa a organizar o estado e começa a criar ilhas de excelência administrativa. Há estados pobres com excelentes programas de Receita Federal; o Pará é um dos estados que mais cresceu nos últimos anos. Toda vez que o IBGE solta o listão de crescimento, o Pará destoa do resto do país por esse crescimento. E o que me agonia é que eu sei que há. O senhor pertence à elite do Pará que organiza, que cuida do planejamento e da produção, e o senhor e muitos outros governadores, Alckmin, do Rio, de São Paulo, de Santa Catarina, gente que tem esse valor exportador dentro da balança, vai a Brasília, manda o secretário da Fazenda, manda o secretário do Planejamento, por quê? Porque o governo realmente garfa o dinheiro de vocês e não devolve, eu sei que é verdade esse jeito como está construído... Mas quantas reuniões foram feitas por conta daquele inferno que é essa coisa ali, fundiária, grilagem e tal? Eu vejo uma mobilização num setor, tenho certeza que o estado do Pará aumentou brutalmente a arrecadação, ao mesmo tempo a eficiência, até por eficiência, a exportação, mas quantas vezes esse assunto do Pará – independente de irmã Dorothy – foi um assunto que mobilizou, e que disseram: “Não podemos continuar desse jeito”. O secretário nacional Capobianco tem uma frase: “O problema lá é que tem um desmatamento preventivo”. Ao mesmo tempo tem invasões preventivas, ou seja, junta a fome com a vontade de comer...
Simão Jatene: Claro.
Rui Nogueira: Quantas vezes isso mobilizou o estado do Pará, o governo do Pará a dizer: “Vamos a Brasília arrancar, da mesma forma como a gente foi dessa última vez e conseguiu mais um dinheiro do orçamento federal para o repasse das exportações”. Enfim, que se comprometeram...
Simão Jatene: Mas terminou não acontecendo, né?
Rui Nogueira: Não acabou acontecendo, mas tem lá uma promessa. Mas quantas vezes esse assunto foi [tratado]? Eu não vejo. Estou em Brasília há quase trinta anos e não vejo essa mobilização. Quero dizer baixar, baixar em Brasília e dizer: “Agora o governo federal não vai poder sair mais, não vai poder levar os soldados para casa sem que esse assunto aqui tenha a polícia de forma preventiva para que o grileiro pare de incomodar não sei quem...” Eu não vejo isso, governador.
Simão Jatene: Até por uma questão de justiça, eu preciso fazer um registro. A articulação do governo do estado com o Ministério da Justiça avançou muito nos últimos tempos.
Rui Nogueira: Em compensação, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, nunca se invadiu tanto, nunca se morreu tanto, nunca se assentou tão pouco.
Simão Jatene: Muito bem. Mas é o que eu estou dizendo. Na verdade a disposição dessa questão, a relação do Ministério da Justiça com o governo do estado avançou muito. Na reunião que nós tivemos com o presidente em exercício e os ministros, fizemos exatamente essa observação que o senhor está fazendo.
Rui Nogueira: Mas está trabalhando na ponta e não no...
Simão Jatene: Claro, nós não temos mais como esperar um novo fato para rediscutir algumas questões que acho que são críticas. Insisto nessa questão dos bolsões de violência, eles exigem necessariamente uma ação das três esferas.
Júlio Veríssimo: O senhor acabou de dizer que não podemos mais assistir a outra morte, outro padrão mártir para... Governador, eu tenho certeza de que o Brasil está vendo isso que estamos falando aqui, e as pessoas estão afundando na cadeira e dizendo assim: “Vai acontecer sim”. Por quê? Você abre o jornal e está lá: do programa de Paz no Campo foi gasto 40% do dinheiro; o resto, bom, tem o superávit, tem não sei o quê, não foi gasto. Não sei quanto seu governo está investido nisso...
Simão Jatene: Sabe por que eu aposto que vai?
Rui Nogueira: Por que governador?
Simão Jatene: Acho que a sociedade brasileira está cada dia mais organizada e cada dia reagindo mais a esse tipo de coisa. Eu vou ser franco com vocês, eu comentava hoje ao vir para cá. Eu posso estar equivocado, eu tenho sempre muito medo de trabalhar com informações sem ter a precisão dela. Mas eu acho que, talvez em raros episódios, os meios de comunicação neste país trabalharam tanto na direção de não se deixar engolfar pelo fato, e foram para as causas, como eu acho que nesse [caso].
Roldão Arruda: Pode correr o risco de contar, governador. Nós tivemos...
[...]: Chico Mendes [(1944-1988), líder sindical e seringueiro, transformou-se em símbolo de luta pela preservação da Amazônia, que lhe custou a própria vida. Foi assassinado em 22 de dezembro de 1988 com um tiro de espingarda na porta de sua casa]... o Eldorado dos Carajás...
Roldão Arruda: Eldorado dos Carajás, que foi um massacre, uma coisa terrível no seu estado...
Simão Jatene: Ficou muito no caso.
Roldão Arruda: O seu estado está entrando também para as estatísticas como o estado com maior índice de trabalho escravo, ele entra nas estatísticas com o maior número de mortes. Será que nós estamos ficando, ao contrário do que senhor está dizendo, insensíveis a essas coisas, nos acostumando a elas?
Simão Jatene: Não, não, eu acho naquela verdade, pelo contrário...
Roldão Arruda: Daqui um tempo a irmã Dorothy vai ser mais um numa listagem que vem de violência?
Simão Jatene: Nunca os meios de comunicação trabalharam tanto a questão das causas.
Adriana Ramos: Que causas seriam essas?
Simão Jatene: Uma avaliação mais geral.
Maria Zulmira de Souza: Mas nós não falamos uma vez, por exemplo, na questão da proteção da Amazônia que é um assunto que mobiliza o mundo. Em nenhum momento aqui, nós falamos da questão da biodiversidade. O senhor disse que pretende que o Pará cresça utilizando a sua diversidade.
Simão Jatene: [interrompendo] Espera um pouquinho. O zoneamento não tem nada a ver com a proteção da Amazônia. Aí eu já não entendo mais nada...
Maria Zulmira de Souza: Sim, mas a questão, por exemplo, de como nós iremos proteger essa floresta com tudo isso que está acontecendo? Como isso vai se reverter de alguma forma na proteção desses recursos naturais do Brasil, dessa riqueza que o senhor disse que o Pará tem?
Simão Jatene: Para nós o zoneamento vem exatamente com esse objetivo. No momento em que ele define claramente qual é a área e qual é o uso de cada uma das grandes manchas do estado, e que ele avança no sentido de detalhamento de uma outra fatia, que é a fatia de uso intensivo, e que nós achamos que deve ser tratada como consolidação mesmo da fronteira aberta, o que nós estamos criando é mecanismo para preservar a Amazônia.
Rui Nogueira: Governador, deixe-me ver se eu entendi uma coisa. O senhor é favorável que se diga claramente o que é para preservar, e o resto tem que ter o instrumento pleno da civilização, do asfalto, para que o estado possa se movimentar, para que o estado...
Simão Jatene: O asfalto é a presença do Estado.
Rui Nogueira: Perfeito, mas o temor é este: será que o Estado, criadas as condições, definido o que pode preservar, definido o que é para explorar economicamente, para enfim, viabilizar a ação do Estado, da riqueza, será que o Estado tem essa capacidade de investimento? Tem essa capacidade de ação, ou aquilo vai ficar uma região bem solta?
Simão Jatene: Acho que ela está uma região sem atenção. A proposta nossa é exatamente o inverso, é que se tenha a coragem de assumir que é preciso fazer determinados investimentos na Amazônia, sim. Que é absolutamente necessário asfaltar a Transamazônica, sim. Você vai dizer que vai impactar, se já tem travessão de cem quilômetros? Porém asfaltar sem ter zoneamento, aí é um risco. Asfaltar, tendo zoneamento, resolve? Não, mas minimiza o risco. O que eu acho é exatamente isso.
Paulo Markun: Governador, nosso tempo está acabando, eu só queria deixar registrado aqui, e queria que o senhor comentasse extremamente resumidamente o seguinte. Este é um documento do Sindicato Rural de Trabalhadores Rurais de Anapu, de 11 de janeiro de 2004. Ele diz que procuraram o Incra, o Ibama, a Secretaria da Amazônia, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará, a Ouvidoria Agrária Nacional, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o Ministério da Justiça, mas até agora o PDS, que é Projeto de Desenvolvimento Sustentável, não saiu do papel, e a grilagem continua cada vez mais violenta e desenfreada. Já não há nenhum lote intocado onde os agricultores possam trabalhar em paz e implementar o PDS. A pergunta é se o senhor acha que isso não acontece mais.
Simão Jatene: Não, não acho que isso não acontece mais. Se não estou equivocado, esse documento termina e, ao final, faz uma listagem de solicitações, é esse?
Paulo Markun: Sim.
Simão Jatene: Tem umas 13 ou 15 solicitações, das quais, se o senhor prestar atenção, as últimas três é que se referem ao governo do estado, que é instalação de uma delegacia – foi instalada –, que é a alocação lá de um policial de carreira como delegado – também foi feito –, e a aquisição de veículos e disponibilização para lá – também foi feito.
Paulo Markun: Falta fazer o quê? Falta o governo federal...
Simão Jatene: Falta fazer a reforma agrária, acho que essa que é a discussão.
Paulo Markun: Muito bem. Muito obrigado pela sua entrevista, governador. Obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. E na segunda-feira que vem, dez e meia da noite, mais um Roda Viva.
[O fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, conhecido como Bida, acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang, foi condenado por cinco votos a dois, no dia 12/05/2009, pelo Tribunal de Justiça do Pará, a 30 anos de prisão. Tato e Fogoió foram condenados a 27 anos de prisão; o primeiro, como intermediário do crime e o segundo por ter sido o autor dos disparos que mataram a religiosa.]