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[programa ao vivo]
Paulo Markun: Boa noite. O brasileiro poderia ter uma aposentadoria melhor e o Brasil, mais dinheiro para aplicar em desenvolvimento se o país tivesse avançado no sistema de previdência complementar. O novo governo já anunciou que vai incentivar o crescimento e a criação de novos fundos de pensão [fundos de investimento para aposentadoria complementar]; eles representam um caminho para o crescimento econômico e, além disso, tem uma importância social ao garantir um padrão de renda melhor para o trabalhador aposentado. Para discutir este tema e o futuro dos fundos de pensão no Brasil, o Roda Viva convidou esta noite Fernando Antônio Pimentel de Melo, presidente da Abrapp, Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Fernando Pimentel é formado em direito pela Universidade Federal de Pernambuco e especializou-se em questões de seguridade social, tendo participado ativamente do debate que, nos últimos anos, vem se produzindo no Brasil em torno da Previdência Social.
[inserção de vídeo]
[Narração de Laila Dawa]: O sonho com uma aposentadoria sem perda de padrão de vida é ainda algo distante da realidade brasileira. Dependente de um sistema básico oficial de previdência, o trabalhador que cumpre os requisitos de contribuição e tempo de serviço em geral tem perdas e, às vezes, muitas perdas em seus rendimentos quando se aposenta. Mas se ele contar com um fundo de pensão, poderá somar a aposentadoria oficial com a aposentadoria complementar, sem perdas significativas do rendimento que tinha quando trabalhava. Foi com esse objetivo que surgiram os fundos de pensão, que por lei podem ser de dois tipos: o das entidades fechadas, destinadas aos empregados de uma empresa ou de um grupo de empresas; e o das entidades abertas, acessíveis a qualquer pessoa interessada na aposentadoria complementar. O dinheiro acumulado nos fundos, além do significado social que tem, é visto também como uma poupança que pode ser utilizada para financiar a produção e o crescimento econômico. Atualmente existem no Brasil 386 fundos de pensão, que representam um patrimônio de aproximadamente 170 bilhões de reais, 14% do produto interno bruto brasileiro, o que é pouco comparado com países do Primeiro Mundo, onde a poupança previdenciária, no mínimo, são 70% do produto interno nacional. Reunidos num congresso em São Paulo recentemente, os representantes dos fundos se mostraram otimistas com os incentivos que poderão vir do novo governo para o setor. O Brasil já poderia ter vinte vezes mais fundos de pensão do que tem hoje. Na visão de Fernando Pimentel, a idéia é buscar o que deu certo nos países que estão mais desenvolvidos nessa área e assim ampliar o sistema de previdência complementar na vida brasileira.
[fim do vídeo]
Paulo Markun: Para entrevistar Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, nós convidamos Paulo Pinheiro, repórter da editoria de economia do jornal O Estado de S. Paulo; Mara Luquet, editora de investimentos pessoais do jornal Valor Econômico; Lúcia Rebouças, repórter do jornal Gazeta Mercantil que se dedica à cobertura do tema de previdência privada; Theo Carnier, editor de finanças do jornal DCI; Claudio Gradilone, editor de finanças da revista Exame; e Leonardo Attuch, editor de economia da revista IstoÉ Dinheiro. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. E você pode fazer a sua pergunta, participar do programa, fazer a sua crítica, a sua reclamação, a sua queixa e o seu elogio – até isso é permitido – pelos nossos telefones, o (011) 252-6525 ou (011) 3874-3454, que é o fax, e o endereço eletrônico do programa rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite, Fernando Pimentel.
Fernando Pimentel: Boa noite, Paulo.
Paulo Markun: Nós temos, como foi dito na matéria, 386 fundos de pensão no país e talvez a gente pudesse dividir a população brasileira nos moldes do MSF, quer dizer, Movimento dos Sem-Fundo. Uma grande parte da população brasileira não está alcançada pelos fundos de pensão e nem mesmo pelos fundos que são de opção própria que são feitos pelos bancos e pelas seguradoras. O senhor acha que no novo governo isso vai mudar?
Fernando Pimentel: Eu acredito que sim, Paulo, eu acredito, porque nós temos 2,3 milhões de trabalhadores, digamos, apanhados pela previdência complementar, e numa população de 170 milhões de brasileiros. Então, eu acredito que o avanço da legislação brasileira com os institutos da portabilidade, os institutos do instituidor e toda modernização que foi feita, e tendo em vista um governo que assume o poder com 52 milhões de votos, com o apoio total da população brasileira e tendo como causa o trabalhismo – é o Partido dos Trabalhadores –, e a previdência nada mais é do que a dignidade do trabalhador. Eu vejo com muita esperança e com muita alegria a possibilidade do crescimento do nosso segmento.
Paulo Markun: Mas o fundo de pensão não vem vivendo nos últimos tempos justamente uma espécie de queda-de-braço e de cabo de força entre as instituições que sustentam os fundos de pensão, notadamente no caso de empresas públicas e, vamos dizer assim, a administração desses fundos, no sentido de dizer: “ah, olha, nós queremos que a empresa dê mais”? No fim das contas, o que pode significar um melhor negócio para quem participa de um fundo desse, mais do que a rentabilidade do fundo, se eu não estou enganado, é o fato de a empresa à qual ele está filiado participar, botar alguma parte desse dinheiro nesse jogo. Não é isso?
Fernando Pimentel: O que você tem na realidade não é queda-de-braço; existem os três pilares da previdência no mundo, que é o modelo clássico. A previdência básica ou a previdência oficial; o segundo pilar, que chamamos de previdência complementar ou empresarial, incentivada pelo empresário; e o terceiro pilar é a previdência individual, que o cidadão ou trabalhador faz direto num banco ou numa seguradora. Eu acho que o que propicia um melhor crescimento, a maior parceria, é a previdência complementar, na qual o patrocinador contribui e o participante também contribui para formar a sua poupança previdenciária. E quando se fala em previdência, você está falando de dignidade ao trabalhador, então é o comprometimento do patrão com a participação do participante ou do empregado que propicia, no final da sua vida laborativa ou [no caso] de um infortúnio, ele ter a dignidade.
Paulo Markun: Antes que a gente prossiga, eu sei que os colegas têm uma série de questões, mas eu queria esclarecer de cara o seguinte ponto: qual é a vantagem que leva uma empresa, qual é a razão que levaria uma empresa, além de pagar o chamado INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], a pagar alguma coisa para o fundo de pensão da sua própria empresa, qual é o negócio?
Fernando Pimentel: Eu responderia com uma palavra: produtividade. O patrão busca produtividade e busca o lucro; a missão social da empresa, na realidade, é o lucro. Então, o que eu digo é que quando o patrão ou o patrocinador, nessa condição, patrão ou patrocinador de um fundo de pensão, ajuda o seu empregado ou participante a formar a previdência complementar, ele está vinculando o comprometimento do empregado com a própria empresa. Ele está produzindo mais, ele está deixando de pensar na dignidade da aposentadoria ou num infortúnio, porque ele tem ajuda do seu patrocinador. Então há um comprometimento. Hoje você vê até nos jornais, quando se oferecem empregos, oferecem salário compatível, crescimento de carreira, seguro-saúde e previdência complementar. Então eu acho que há um comprometimento do participante com a própria empresa quando ele tem a sua dignidade assegurada na aposentadoria ou num infortúnio.
Mara Luquet: Havia uma expectativa grande de crescimento, há alguns anos, crescimento de fundos de pensão, e na verdade o que se viu é que os PGBLs tomaram espaço dos fundos fechados.
Paulo Markun: Mara, desculpe interromper, vamos explicar o que é PGBL [Plano Gerador de Benefício Livre].
Mara Luquet: PGBL é um fundo de investimento voltado para a aposentadoria, pelo qual o trabalhador, o investidor, tem um controle, tem uma transparência maior, digamos assim, em relação aos fundos fechados. E o que se viu foi muitas empresas optando por PGBL ao invés de fazerem a previdência fechada. Eu imagino que o maior concorrente do fundo de pensão fechado para crescimento nos próximos anos seja como os fundos de pensão vão se tornar mais competitivos em relação aos PGBLs.
Fernando Pimentel: Bom, Mara, o que eu posso dizer é que o PGBL é o Plano Gerador de Benefício Livre, é um produto de seguradoras e bancos, como o VGBL [Vida Gerador de Benefício Livre] também, então eu acho que o que mudou no Brasil na realidade foi a forma de remuneração de capital e trabalho, a forma de relacionamento capital e trabalho. Você tem na realidade, hoje, nas empresas privadas os gestores, os executivos, todos na sua grande maioria trabalham por salários fixos e salários variáveis. Ao final do ano, eles têm seus bônus, suas metas cumpridas e os conseqüentes bônus, e se preocupam também com a previdência. Eu acredito que não há essa dicotomia ou uma concorrência entre previdência aberta e fechada. Eu acho que, como eu falei, são 2,3 milhões de trabalhadores hoje protegidos pela previdência complementar, numa população de 177 milhões de brasileiros. Então, eu acho que há espaço para todo mundo.
Mara Luquet: E como você explica essa preferência nesses últimos anos pelo PGBL, inclusive fundações que andaram trocando de fundo fechado para PGBL?
Fernando Pimentel: O que eu digo é o seguinte: o arcabouço legal, as regras que um fundo fechado tem que observar, a quantidade de relatórios – só para você ter uma idéia, este ano os fundos fechados forneceram aos órgãos fiscalizadores 15 bilhões de informações; o PGBL não tem esse rigorismo na sua gestão, como tem um fundo fechado. Não sei se lhe respondi, Mara.
Lúcia Rebouças: O senhor não acha que, de certa maneira, houve privilégios para que o setor aberto crescesse mais do que o fechado? Por exemplo, se deu incentivo fiscal para o setor aberto e se tirou o incentivo fiscal que o sistema fechado tinha, por exemplo, não pagar o imposto de renda. Então, não teria havido já uma política para fomentar mais o setor aberto do que o fechado, [como para] os fundos do tipo PGBL ou os fundos mantidos pelas seguradoras e por bancos?
Fernando Pimentel: Lúcia, eu entendo – como eu falei para o Paulo no início deste programa – que nós temos a filosofia dos três pilares: a previdência básica, a complementar e a aberta. Porque eu acho que há uma diferença legislativa entre os fundos abertos e os fundos fechados. Os fundos fechados sempre foram mais rigorosos na sua legislação, no detalhamento, no nível de informação que eles prestam, do que os fundos abertos, e o tratamento tributário foi desigual. Ainda hoje a gente não chegou a essa igualdade.
Paulo Pinheiro: Mas essa exigência não era necessária? Porque no início dos anos 70, quando surgiram os primeiros fundos de pensão, principalmente os estatais, tivemos algumas distorções com fundos sendo obrigados a comprar papéis. É notório o caso da ex-ministra [da Fazenda do governo Collor] Zélia Cardoso de Mello, no caso da Sade [Sul-Americana de Engenharia, do empresário Nelson Tanure], obrigando os fundos [estatais a comprar ações da Sade]... essa exigência de legislação, de cumprimento de limites de aquisições de ativos pelo fundo não era necessária para uma melhor gestão do fundo de pensão?
Fernando Pimentel: Paulo, o que eu posso lhe dizer é que a gente às vezes esquece um pouquinho da história. Como é que os fundos nasceram? Os fundos nasceram de uma experiência do presidente Geisel, que, antes de ser presidente da República, fundou a Petros. Quando ele chegou a presidente da República...
Paulo Markun: [interrompendo] A Petros [pioneira no mercado de previdência complementar, foi fundada em 1970] é o fundo de pensão da Petrobras.
Fernando Pimentel: Da Petrobras. Quando o presidente Geisel era presidente da Petrobras, ele fundou o fundo Petros, na nova formulação da lei 6435 [que dispõe sobre as entidades de previdência privada], e ele foi inclusive um dos precursores disso aí. Então houve uma política governamental para que todas as estatais criassem os fundos de pensão, os 37, 38 criados na época, e hoje a gente deve ter o quê? Uns 33 fundos patrocinados por estatais federais, e você teve toda a maturação de um sistema. Você chamar um sistema com 25 anos [a lei 6435 foi aprovada em 1977] – que vamos completar –, então isso é um sistema novo. Ele teve seu início e sua maturação, e acredito que estamos hoje na fase de maturação. Infelizmente tivemos uma fase de aplicações compulsórias que o Conselho Monetário Nacional determinava, através de suas resoluções, que você tinha que ter aplicações mínimas. Hoje a situação mudou, hoje você tem aplicações máximas que eu acho [que são] níveis de segurança: você só pode ter até um percentual de aplicação em determinado segmento de aplicação financeira. Então, eu acredito que distorções houve sim, mas eu acho que o sistema hoje... Tivemos um marco regulatório muito importante, que foi a Emenda Constitucional nº 20, e a partir daí, com a Lei Complementar 109, a Lei Complementar 108 e toda a legislação – que estamos na fase inclusive de sua elaboração –, isso vai dar a total transparência que o sistema precisa. Buscamos essa transparência porque, mais do que ninguém, os gestores dos fundos de pensão procuram por essa transparência. A estabilidade de regras, um tratamento tributário adequado, isso é o que eu acredito que vai fomentar o setor e vai dotá-lo de credibilidade.
Leonardo Attuch: Fernando, deixe eu lhe pedir para olhar um pouco para o futuro, quer dizer, a reforma da Previdência é tida como ponto central do futuro governo. Na avaliação da Abrapp, que é a entidade que o senhor representa, quais devem ser os pontos centrais dessa reforma e como ela pode afetar o mercado de previdência privada, [previdência] complementar?
Fernando Pimentel: Eu acredito que um dos pontos principais tem que começar pela reforma da previdência e a reforma da previdência básica, ou da previdência pública. Você tem o regime do INSS, que eu acho que ele não é nem tão ofensor da previdência básica. O maior ofensor são os regimes especiais. Para você ter uma idéia, um regime no INSS, a aposentadoria básica que é paga hoje, na média, é 1,8 salário mínimo, e você tem outros segmentos do executivo, do legislativo, que chegam a pagar quarenta salários mínimos em média de aposentadoria. Então, acho que nesse aspecto o Brasil é um dos poucos países que ainda têm aposentadoria por tempo de serviço e, na realidade, se buscou uma alteração da previdência básica, e hoje você tem um mínimo etário de 53 anos para homem e 48 para mulheres. No resto do mundo, isso está [em] 60, 65, 70 anos. Então, temos um aspecto demográfico grave, ou seja, as pessoas estão vivendo mais, os postos de trabalho estão sendo reduzidos pela tecnologia, e o planejamento familiar está sendo eficaz, porque pode-se ter filhos, [mas] cada dia estão tendo menos, e quem não pode também está tendo menos filhos. Então, você vai ter no ano 2020, por exemplo, uma população de quase 17 milhões de brasileiros com mais de 65 anos, o que corresponde a 8,9% da população. Então, acho que isso é necessário, é urgente que se faça uma reforma da Previdência.
Leonardo Attuck: O senhor saberia quantificar a tal bomba-relógio da Previdência? Fala-se hoje de um deficit de 50 bilhões, quer dizer, isso projetado para alguns anos chegaria a o quê?
Fernando Pimentel: Eu acredito hoje que você tem, por fontes do próprio Ministério da Previdência, um deficit da Previdência como um todo de 70 bilhões de reais, só que eu não vejo isso como um “Deus nos acuda” ou como uma revolução. Todos os países no mundo mexeram nas suas previdências em razão dos aspectos demográficos, da longevidade, da tecnologia na medicina, da qualidade de vida, e eu acho que no Brasil a gente tem um problema muito grave que é o problema dos autônomos: 40% da população economicamente ativa hoje vivem como autônomos, e a carga tributária previdencial para esse pessoal é muito pesada. Então, eu acho que a reforma da previdência, você pode respeitar direitos adquiridos, você pode fazer um divisor de águas daqui para frente. Vamos fazer um regime de capitalização ou o PL-9 [projeto de lei que institui a previdência complementar de estados e municípios], que está aí no Congresso para ser votado, num regime novo em que você faça uma segregação dos compromissos que andam para o futuro. E isso eu tenho um exemplo muito fácil nos próprios sistemas da previdência complementar dos fundos de pensão. Há até bem pouco tempo, todos eram de benefício definido, não eram distributivos como é da previdência básica, e hoje a tendência dos fundos de pensão é no sentido de oferecer planos de contribuição definida, onde você não tem nenhum risco do patrocinador nem do participante de aportar recursos no futuro, porque na realidade, por sua essência, são planos que são fundados na capitalização e o recurso depende da aplicação desse dinheiro.
Paulo Markun: O que difere um plano desse em um fundo de pensão de um PGBL ou VGBL?
Fernando Pimentel: Porque, na realidade, quando você faz uma previdência individual, você procura um banco ou uma seguradora, e você contrata com ele um plano de renda certa. Então, aquilo ali você paga sozinho, na realidade, e aquilo ali é o que você acumulou das cotas que você pagou ou das prestações que você pagou, daquilo que você acumulou do período do tempo que você escolheu. Você pode até escolher trocar isso por uma renda certa e estabelecer: “eu quero vinte anos de renda”. Se você viver 21 anos, em 21 cessa a obrigação, e no ano subseqüente ou no ano adicional você tem que se virar. Então, quando você fala em uma previdência básica, da universalização da previdência oficial, você não pode pensar em seccionar o benefício, porque é na realidade um benefício social, é diferente daquele que é contratado pelo indivíduo com um banco ou em uma seguradora.
Paulo Markun: E o fundo de pensão se enquadraria nesse benefício social?
Fernando Pimentel: O fundo de pensão, na realidade, em sua origem era de benefício indefinido, era por quanto você vivesse. Hoje você tem os planos de CD [contribuição definida] em que você pode ter duas modalidades: você pode contratar planos ou aderir a planos, que ele tem uma renda certa, que ele tem uma renda vitalícia. A cada dia que passa, você oferece mais alternativas ao seu participante. Muito proximamente, você vai ter a oportunidade de oferecer aos participantes dos fundos de pensão... você tem um plano de contribuição definida, então eu lhe ofereço três carteiras, por exemplo, que se chama de multiportfólio. Você quer uma carteira agressiva, uma carteira tradicional, uma carteira meio a meio, no sentido de que o próprio participante, cada vez mais, não é só a fiscalização nem a transparência do fundo, [o objetivo] é que ele participe também do destino da sua aposentadoria. Ele pode escolher, como tem na Europa, nos Estados Unidos, [em que] você escolhe onde você quer que aplique o seu recurso ou aquele recurso que vai garantir a sua aposentadoria.
Mara Luquet: Só para complementar essa pergunta do Paulo, a gente está vivendo esse processo de migração de plano de benefício definido para contribuição definida. Mas há grandes fundos que tentaram fazer isso, alguns fizeram com sucesso, outros tentaram fazer e não conseguiram e são fundos grandes, outros ainda não estão fazendo. Eu quero saber o seguinte: qual é a garantia que esse trabalhador hoje tem... essa conta não fecha, porque como você falou, as pessoas estão vivendo muito tempo, as pessoas estão vivendo mais tempo e essas pessoas que estão trabalhando hoje e que estão no regime de benefício definido ainda, e cujo fundo de pensão não fez a migração, não conseguiu fazer a migração para contribuição, eu quero saber qual é a garantia que ela tem de que ela vai conseguir se aposentar com o que está estipulado hoje e se já se prevê que ela vai ter que fazer um aporte em determinado momento. Eu acho que este tipo de coisa ainda não está muito claro para muitos participantes de fundos de pensão.
Lúcia Rebouças: Eu gostaria de complementar a pergunta dela, Pimentel, que é a seguinte: nessa mudança também existe um outro problema. Na contribuição definida, naturalmente vai haver uma redução do benefício que ele vai ganhar no futuro. Já foi feita essa conta? Porque quando se fez o benefício definido, ele imaginava que ia se aposentar com x; [se] ele muda de plano, o risco fica por conta dele e ele vai receber aquilo que o plano conseguir acumular proporcional à parte dele. Então, naturalmente, pode haver uma redução de benefício. Já foi feito esse cálculo? Existem estudos de consultorias dizendo que há uma redução de 20% até no que a pessoa esperava receber quando se aposentasse.
Fernando Pimentel: Eu acredito... deixe-me responder por partes. Eu vou começar por Mara Luquet.
Paulo Pinheiro: Eu queria complementar também, só por último.
Fernando Pimentel: Pois não, por favor.
Paulo Pinheiro: A maioria dos planos de benefício definido que se mantêm hoje são de estatais, certo? Quer dizer, para quem que vai sobrar essa conta? Vai ser para o participante ou para o contribuinte?
Fernando Pimentel: Eu adorei a pergunta de vocês, que vai me dar a oportunidade até de esclarecer para os próprios telespectadores. Eu acredito no seguinte: quando você tem uma entidade que administrava um plano de benefício definido – isso para que fique bem claro que benefício definido é aquele de que você não tinha garantia nenhuma de quanto seria sua contribuição na vida laborativa; você sabia quanto você ia sair recebendo, sei lá, cem, 70, 80% do último salário. Agora, não havia garantia nenhuma para o trabalhador de quanto seria essa contribuição.
Paulo Markun: Só para esclarecer, como é que mudava? O sujeito contribuía com dez, subia para vinte, como? Por decisão do fundo?
Fernando Pimentel: Não, anualmente todo fundo de pensão, de benefício definido principalmente, tem que fazer uma reavaliação atuarial de acordo com o perfil da massa: se as premissas atuariais fossem cumpridas ou não. O que é isso, premissas atuariais? Isso não é um bicho-de-sete-cabeças, é que talvez você colocasse o seguinte: vão entrar nessa empresa ou nesse plano dois mil novos empregados por ano; [com] isso você oxigenava a massa e alongava o perfil de compromisso, e você é obrigado legalmente a fazer uma reavaliação atuarial por ano. O atuário é o responsável diante dos compromissos que a entidade tem, e é ele que calcula para dizer o dinheiro que você precisa ter hoje para, aplicada aquela rentabilidade, cumprir todos os seus compromissos. Então, isso só mudava se as premissas atuariais não fossem atendidas. Por exemplo, tivemos na época do ministro Delfim Netto [ministro da Fazenda nos governos militares de Artur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici, entre 1967 e 1974] prefixação da economia em 5% ao ano, isso alterou os cálculos atuariais, então isso possibilitou até que você, em algumas entidades, pudesse pagar mais.
Paulo Markun: Ou então se a empresa não contratar tantas pessoas por ano, diminuir o seu grupo de trabalho...
Fernando Pimentel: Isso pode tornar a massa mais envelhecida, e aí é por isso que você não dá garantia ao participante de quanto ele pagaria, porque o que está comprometido é o benefício final, no meio do caminho não. É exatamente o contrário, e me permita a voltar para a [pergunta da] Mara.
Paulo Markun: Sim, claro.
Fernando Pimentel: O que acontece num plano de IBD quando você migra para um CD? Hoje, como eu disse, o sistema está super regulamentado. Você não pode fazer uma migração dessa sem você fazer uma conta ou um cálculo. Hoje existe uma resolução de número seis do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, que é o órgão normatizador do sistema. Toda vez que você faz isso, você tem que calcular, naquele dia da migração, qual era o direito que o participante tinha em relação ao seu plano. Por exemplo, eu me comprometi e estou fazendo contribuições, o meu empregador também, para eu me aposentar aos 57 anos. Só que me está sendo oferecida uma migração aos 40 anos de idade. Então, naquele dia, o que eu contribuí e a empresa contribuiu para aquele plano, o que essa resolução 06 fala é que você tem que ter o mínimo entre a reserva de poupança – ou seja, aquilo que eu paguei – ou o benefício proporcional, que eu teria direito naquela época se eu me aposentasse naquela época. Esse valor eu migro, e a partir daí a minha contribuição e do patrocinador fica numa conta individual que eu vou receber quando tiver 57 anos, se essa é a regra do plano. Então, dá garantia ao participante até a expectativa de direito que ele tinha. Nessa hora, ela se converte em direito adquirido, ele leva aquele recurso para o plano novo como base, e a partir daí ele começa num plano de cotas onde a contribuição dele e a contribuição da patrocinadora vão concorrer para a formação daquelas cotas que vão suportar a sua aposentadoria no término da vida laborativa ou antecipadamente.
Mara Luquet: Mas o que acontece quando você não tem a adesão dos trabalhadores? E algumas fundações não estão nem fazendo essa migração.
Fernando Pimentel: O que acontece é o seguinte: isso não pode, e por isso que me dá até uma garantia de transparência como gestor. É que uma migração dessa, ou um plano novo que você oferece, você não pode obrigar o participante a aderir. Então, ele tem que ter todas as informações e ele tem que estar convencido do que é o melhor para ele. Então, por exemplo, hoje, o que a gente tem é que, infelizmente, isso nem no Japão acontece mais: uma pessoa começa a trabalhar numa empresa e se aposenta nela. Então, esse é o caso dos “trabalhossauros”. Hoje não existe mais isso, então quando você tem uma garantia de que você tem uma parte que está reservada, e os seus direitos contributivos foram totalmente cumpridos e honrados, e se um dia você sair dessa empresa você vai ter a parte que você contribuiu mais a parte que o empregador contribuiu para você numa conta sua, isso lhe dá uma garantia a mais de posse, porque no plano de benefício definido, aquilo era uma conta geral.
Mara Luquet: OK, Fernando, mas se você não tem a migração, a adesão do trabalhador, e se hoje eu tenho uma expectativa de vida maior do que eu tinha quando o atuário fez a conta lá, criou o fundo de pensão... você está me falando o seguinte: que lá no futuro essa conta não vai fechar. E eu quero saber o que acontece com os fundos de pensão que não migrarem, permanecerem com o benefício definido, ou não migrarem porque não querem ou então porque não conseguiram a adesão dos trabalhadores. O que acontece com esses trabalhadores no futuro?
Paulo Markun: E, como diz o Paulo, quem paga a conta?
Fernando Pimentel: Quando você diz que essa conta não vai fechar, essa conta tem que fechar sempre, essa conta tem que fechar porque, a cada ano, tem uma reavaliação atuarial. Se o atuário, no fim do ano, tem um deficit x, um deficit técnico, hoje, pela legislação, pela Emenda Constitucional nº 20. Se for uma estatal, por exemplo, esse valor tem que ser paritário.
Leonardo Attuck: Pois é, mas essa conta fechava com aportes das patrocinadoras, as estatais, no caso. Como isso vai ficar?
Fernando Pimentel: Não, isso não é difícil de fechar pelo seguinte: digamos que eu tenha que acrescer àquela contribuição mensal em 50% numa determinada reavaliação, por absurdo, deixe-me colocar só o número 50%. Então, 25% vão ser pagos pelo trabalhador e 25%, pela empresa.
Mara Luquet: A minha pergunta é: é um absurdo isso, esses 50%? É um número absurdo?
Fernando Pimentel: Acredito que sim, é absurdo.
Mara Luquet: Segundo, o trabalhador está ciente disso, que vai ser chamado? O participante está ciente de que vai ser chamado a daqui algum tempo a aumentar a sua participação, aumentar a sua contribuição? Eu não sei se serve também para quem já está aposentado, ter que contribuir.
Fernando Pimentel: Essa regra do jogo foi estabelecida lá em 1977 pela lei 6435. Porque a contribuição do participante é vinculada aos planos anuais de custeio, dependendo da reavaliação atuarial. Então, [quanto a] isso, não houve alteração [das regras] do jogo. A Emenda Constitucional nº 20 estabeleceu o que é paridade contributiva. Então, eu admito, como cidadão, se eu conheço a Emenda Constitucional nº 20, se é uma emenda da Constituição do meu país, eu acho que todo cidadão deve ter acompanhado, os jornais deram [a notícia] e todos os fundos de pensão, além da imprensa, publicaram isso para os seus participantes. Então, o que alterou as regras do jogo? É que o [poder] estatal não poderia dar mais seis para um, três para um, dois para um, como houve no passado isso aí. Hoje, constitucionalmente, a relação contributiva é paritária, se for de uma estatal. Então, eu acredito que [quanto a] isso não houve ameaça nem alteração da regra do jogo, porque o participante sabe, desde que ele aderiu, que quando ele aderiu a um plano de benefício definido, ele tinha um patamar garantido no final, mas sua contribuição não era garantida. Então houve altos e baixos, porque a própria legislação, como a 109 hoje, a Lei Complementar 109 estabelece que se houver superavits consecutivos durante três anos e [esse montante] garantir a reserva de contingência de 25%, isso tem que ser revertido em redução de contribuição ou melhoria de benefícios. O contrário também é verdadeiro: se houver deficit , isso tem que ser paritariamente suprido pelos participantes e pelos patrocinadores.
Paulo Markun: Fernando, nós vamos continuar logo depois do intervalo.
[intervalo]
Paulo Markun: Bem, estamos de volta com o Roda Viva , hoje discutindo a questão dos fundos de pensão. Para você participar do programa, nosso telefone é o 252-6525, operadora 11, aqui de São Paulo; o fax é 3874-3454 e o endereço do programa na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Para recolocar a questão, eu vou ler aqui uma pergunta de João Carlos de Magalhães Gomes, que diz o seguinte: “Trabalho em uma empresa privada que criou há mais de dez anos uma previdência privada complementar. Quais riscos correm esses fundos no próximo governo? Há risco de perda dos valores pagos?”
Fernando Pimentel: Eu acredito que nenhum risco. Primeiro, porque a legislação hoje não permite a perda dos valores pagos pelos participantes em nenhuma hipótese. Em segundo lugar, como eu disse, um governo trabalhista que se preocupa com a dignidade do trabalhador não alterará em nenhum momento essa legislação que dá garantia ao trabalhador, muito pelo contrário, nossa expectativa é que aperfeiçoe a legislação e lhe dê mais garantia.
Cláudio Gradilone: Pimentel, só uma dúvida. Durante toda campanha eleitoral, nós percebemos claramente o então candidato, atual presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, dizer que os fundos de pensão eram fundamentais para o projeto de retomada do desenvolvimento. A gente sabe perfeitamente que os fundos de pensão já foram chamados para dar a sua parcela de contribuição, por assim dizer, comprando títulos governamentais, e alguns nem juros pagavam. Você se lembra dessa história das [...] de algum tempo. Você acha que não tem nenhum risco de os fundos serem chamados a dar mais uma parcela de contribuição num eventual governo petista?
Fernando Pimentel: Eu acredito que a contribuição dos fundos de pensão é muito importante. Ela é muito importante dependendo da visão. Se você olhar o exemplo europeu, americano, a poupança de longo prazo, o modo mais moderno de fomentar o desenvolvimento através da poupança interna de um país é o fomento de fundo de pensão. Você vai ver que em um grande problema, quando você fala de tratamento tributário adequado, que normalmente é distorcido, parece que os fundos de pensão querem favor ou não pagar tributos ou imunidade. O que a gente defende é apenas o aspecto da formatação futura. Ou seja, durante o período de capitalização, em que os recursos das patrocinadoras e dos participantes formam a capitalização para pagar o benefício, esses recursos não devem ser tributados, porque isso a gente não está inventando nada, isso é modelo do mundo. Então, quando você mantém o aposentado por velhice, por idade, por invalidez, no mercado consumidor, esse participante está gerando emprego, está gerando tributos, e então ele está gerando economia. Então eu acredito que, por tudo que eu ouvi, até da campanha do presidente Lula e dos seus interlocutores nesse sentido, é no sentido de que o fundo de pensão [ajuda] no sentido de fomento para o crescimento da poupança interna, por isso que eu sei que um dos defensores, uma das pessoas que mais entendem de previdência no PT, segundo atribuição minha ou aferição minha, é o deputado Luiz Gushiken. Então, nós trabalhamos com as causas da previdência desde a Constituição de 88. Toda a idéia que me foi transmitida até agora é fundo de pensão como instrumento de criação de poupança interna de longo prazo para deixar o Brasil cada vez menos dependente da poupança externa. Então, eu não acredito que tenha nenhum confisco, nenhuma compulsoriedade.
Leonardo Attuck: Você fala em direcionar recursos dos fundos de pensão para setores estratégicos por meio de uma política industrial, quer dizer, isso faz sentido? Eu acho que é esse ponto que é colocado por muitos economistas.
Theo Carnier: Fernando, só um minuto. Há uma proposta também, até de associações do setor, de fazer uma espécie de uma troca, quer dizer, trocar a isenção do imposto por aplicações dos fundos em projetos de infra-estrutura. Só pegando uma carona na [pergunta] dele.
Fernando Pimentel: Essa aí eu gostaria até de responder, Theo, especificamente. No que diz respeito às outras indagações, eu digo o seguinte: acabamos de encomendar um estudo; tivemos um resultado em nosso congresso de um estudo da Fundação Getúlio Vargas. A quantidade de empregos gerados por fundos de pensão foram 937 mil empregos, só no ano de 2002, gerados pelos fundos de pensão. Quando você aplica na socialização do capital, por exemplo, quando os fundos têm participação numa Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.], quando tem participação numa Perdigão [empresa de alimentos], quando tem participação nas empresas de telecomunicações, quando você está participando na realidade de investimentos de infra-estrutura como a Petros, com os gasodutos, coisa e tal, você está gerando emprego e você está gerando tributos. Você está girando economia.
Paulo Markun: Mas o fundo de pensão – desculpe interromper – não pode evitar, digamos, não existem sempre duas opções: o sujeito pode investir numa coisa que dá mais dinheiro e menos emprego ou em algo que dá menos emprego e mais dinheiro? E eu, se fosse mutuário de um fundo, pensando só no dinheiro que eu vou receber lá na frente, talvez para mim seja melhor negócio que o fundo de pensão ao qual estou ligado invista naquilo que dá menos emprego e mais lucro.
Fernando Pimentel: Não, mas eu acho que a coisa é conseqüente. Em um fundo de pensão hoje existe uma trilogia legal: você não pode aplicar recursos em um fundo de pensão sem que você tenha em contrapartida segurança, rentabilidade e liquidez. Você tem que atender a esses três requisitos inexoravelmente, sob pena de punibilidade do gestor. Então a conseqüência disso aí é a geração de emprego, de tributos. O fundo, quando busca a aplicação... Hoje, você vai ver até um movimento nos fundos de pensão, que é na aplicação dos seus recursos através de uma metodologia que é Asset Liability Management , ALM, então você vai ter os recursos aplicados de acordo com os encargos que você tem no seu estatuto com a massa dos participantes que acreditou no benefício que vai receber. Então, cada dia mais, os dinheiros de aplicação dos fundos vão estar carimbados, vinculados aos encargos que eles têm. Então ele [o fundo] precisa desses três requisitos, o resto é conseqüência. Porque você tendo uma aplicação em que você tenha rentabilidade, você tenha liquidez e você tenha segurança, conseqüentemente, esses ativos vão estar gerando emprego, vão estar gerando em menor ou maior quantidade, mas que ele vai estar gerando, vai, sem dúvida.
Paulo Markun: Agora, como fica a pergunta do Theo?
Fernando Pimentel: Theo, essa eu pedi para responder porque tem duas lendas que a gente precisa desmistificar. No ano passado, no final do ano passado, o nosso Supremo Tribunal Federal decidiu que os fundos de pensão, se eles fossem contributivos, ou seja, se participantes e empresas contribuíssem, que eles não tinham imunidade tributária. Então, quer dizer, houve a primeira lenda: os fundos de pensão fizeram um acordo com o governo para pagar tributo. Não houve acordo coisa nenhuma. Um Estado de direito não pode fazer acordo com tributo. Então, o que nós tínhamos? O Supremo Tribunal Federal que decidiu: não havia mais recurso disso aí. Cumpria-nos obedecer a uma determinação da suprema corte brasileira, e a partir daí se buscou trabalhar no sentido de informar à Receita algumas coisas, porque nós não tínhamos experiência de sermos contribuintes. A partir dessa decisão do Supremo é que assumimos essa condição de contribuintes e nem a própria Receita sabia como tributar. Então, foi feita uma série de reuniões técnicas, uma série de seminários para ver a geração dos tributos, o fato gerador da obrigação tributária ou como era a incidência de PIS [Programa de Integração Social] e Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social]. Então, não houve acordo de nenhuma natureza; o que houve foi o cumprimento da decisão do Supremo e buscamos enquadrar os fundos de pensão enquanto contribuinte. Mas, por exemplo, tivemos recentemente um sucesso no Conselho de Contribuintes, porque nos foi atribuída uma contribuição social sobre o lucro. Ora, se o fundo de pensão é proibido por lei de ter lucro, como é que eu tinha contribuição social sobre o lucro? Isso é a razão da compreensão do Conselho de Contribuintes. Então eu me lembro que recentemente, um dia ou durante o nosso congresso, os jornais estavam dizendo: “Os fundos de pensão fizeram um acordo com o PT no sentido de que alongariam a dívida pública em troca da isenção tributária”. Outra lenda. Na realidade, a Abrapp não recebeu nenhuma proposta nesse sentido, porque eu volto a insistir, nenhum Estado de direito pode fazer acordo sobre tributo. O que a gente advoga – porque mais uma vez, os dirigentes dos fundos não estão inventando a roda –, isso é apenas uma mera observação do que aconteceu nos países desenvolvidos, onde o segmento dos fundos de pensão teve o maior sucesso, no sentido de que um fundo de pensão, até como prestador de serviço, enquanto ele está administrando aquele recurso, aquela taxa que ele recebe para administrar, ele pode pagar tributo ali como todo ser normal. O que nós defendemos é que, durante o período de capitalização, em que aqueles recursos estão sendo geridos para pagar a aposentadoria do futuro, é que ele não tenha tributação durante a fase de capitalização. Porque quando o participante receber o benefício ou quando ele resgatar, ele vai pagar o tributo igualmente como todo cidadão brasileiro. A gente briga é contra a bitributação. Por exemplo, a Emenda Constitucional nº 20 estabeleceu que teria o deferimento tributário, então o artigo 70 foi vetado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, do deferimento tributário. [Ele] passou isso para a Receita Federal. A Receita Federal, quando estabeleceu a regra, disse: os fundos de pensão vão ter duas alternativas, ou pagam os 20% dos recursos provenientes da renda fixa e da renda variável ou pagam 12% da contribuição patronal. Esse foi o regime especial de tributação oferecido pelo governo. Nós não tínhamos a imunidade tributária, então o que teríamos que fazer? Buscar o menor tributo para pagar, e isso que foi oferecido. E hoje, o que temos no Brasil é o modelo do qual recentemente eu estava falando para a missão do Banco Mundial, o World Bank, que não entende o modelo brasileiro. Ou seja, o próprio Supremo também decidiu: quando a empresa paga sozinha, é imune; se o participante paga sozinho, via o PGBL ou VGBL, ele é isento; quando você tem a contribuição patronal junto com o participante, tem tributação. Isso não há quem entenda no mundo. É [para] isso que nós buscamos a adequação, ou seja, eu não sei o nome, se é deferimento, qual é o nome técnico tributário, porque nós defendemos durante anos o deferimento, e a Receita disse que o deferimento foi feito. E o que nós defendemos, na realidade, e quem entende de tributo que batize com o nome adequado, nós defendemos é que, no período de capitalização, não tenha tributação, para evitar a bitributação e para que tenha o incentivo ao crescimento no segmento [...].
[sobreposição de vozes]
Lúcia Rebouças: Você acredita que isso pode mudar agora? [Acha] que o governo do PT vai fazer uma reforma nisso e conceder essa isenção? Ou pelo menos fazer com que o sistema de tributação para os fechados seja igual ao dos abertos ou dos fundos das seguradoras ou dos bancos?
Fernando Pimentel: Lúcia, eu acredito muito nisso, primeiro porque é lógico, segundo porque é tecnicamente defensável, e terceiro porque o governo não perde receita nisso aí. Então eu acho que quando você...
Paulo Markun: [interrompendo] Por que não perde receita?
[...]: São cinco bilhões...
Cláudio Gradilone: [...] não estaria perdendo no caso? Por exemplo, nos 12% sobre a contribuição patronal, também não incidem Cofins e Pasep [Programa de Formação do Patrimônio do Servidor]? No caso, não se estaria perdendo [receita]?
Fernando Pimentel: Não, Cláudio, o que acontece é o seguinte: hoje o que está sujeito ao regime especial de tributação não tem incidência de PIS e Cofins. O que a gente costuma dizer: o que é RET não é PIS. Quem está sujeito ao Regime Especial de Tributação [é], por exemplo, a carteira de renda fixa, a carteira de renda variável. Os fundos aderiram ao RET, que é o Regime Especial de Tributação, eles só pagam 12% da contribuição patronal e não pela rentabilidade das carteiras de renda fixa e renda variável. Hoje a gente tem uma briga em andamento, uma briga no bom sentido, ou seja, a carteira imobiliária – e isso não foi definido ainda –, só que a carteira imobiliária é igualzinho, [tem] a renda fixa e a renda variável. E está havendo um tratamento desigual para a carteira imobiliária. O que eu digo é que o governo perde pelo seguinte: quando você vê o exemplo dos Estados Unidos e da Europa, a importância que se deu não só à formação de poupança de longo prazo, mas [também] à dignidade e à renda do trabalhador quando ele vai para a aposentadoria ou está no infortúnio, [dão condições para] que ele se mantenha no mercado de trabalho. Se você faz um regime excessivo de tributação, isso está comprovado em outros países do mundo onde tem a tributação na capitalização e a tributação na saída, ou na hora do benefício ou do resgate, esses países – a Tchecoslováquia, por exemplo, que é assim –, o sistema não decolou. Então, se eu preciso de poupança de longo prazo, veja bem, se eu tiver um incentivo fiscal dessa natureza, em que o participante não se sinta pagando duas vezes e eu tenha um crescimento, principalmente agora que o Brasil importou esses conceitos da portabilidade, do vesting [direito do trabalhador que contribuiu a um determinado fundo de pensão de continuar filiado ao antigo fundo fechado até sua aposentadoria], do instituidor, veja o campo que pode ter no Brasil de crescimento desse setor. Qualquer sindicato, qualquer instituição de classe podem criar seu fundo de pensão. Então, o governo vai ganhar na margem, porque ele vai ganhar no fomento do crescimento e, nesse crescimento, como os fundos de pensão têm que aplicar, ele vai fazer o desenvolvimento regional, o desenvolvimento nacional, o desenvolvimento da infra-estrutura, porque é um investidor de longo prazo.
Paulo Markun: Isso depende de lei?
Fernando Pimentel: Independentemente de qualquer compulsoriedade, e por isso que eu não acredito que haverá compulsoriedade ou um papel específico para fundo de pensão comprar, como já houve no passado, porque se você faz um papel específico para fundo de pensão comprar, você fere de morte a liquidez. Então, eu acredito que a modernidade e tudo o que eu ouvi dos interlocutores do governo do Lula, eu acho que é de crescimento e de amadurecimento do setor.
Paulo Markun: Isso se faz com lei? Muda a lei?
Fernando Pimentel: Eu acredito que, para o aspecto da tributação, ele tem que ter uma alteração legislativa. Acredito e vi opiniões de representantes do grupo de transição, no sentido de que a expectativa é de alterar isso aí e dar um tratamento internacionalmente aceito para o crescimento e fomento do fundo de pensão no Brasil na reforma tributária.
Lúcia Rebouças: Você já esteve conversando com a equipe de transição sobre isso?
Fernando Pimentel: Estivemos, inclusive, no Conselho de Gestão anteontem, porque eu faço parte. Estivemos até com o Wagner Pinheiro, preocupado com a regulamentação, preocupado com o processo de crescimento do setor. Como eu disse a você, desde a Constituição de 88 que há pessoas, como o deputado Gushiken, que vêm trabalhando pelo crescimento, pela transparência, pelo engrandecimento do setor como fator de desenvolvimento nacional.
Paulo Markun: Agora, não surge, Fernando, nesse processo uma situação curiosa? Porque o PT, como partido que tem muita penetração nas corporações, particularmente nas corporações estatais, tem uma presença importante dos seus representantes na gestão dos fundos de pensão, naquilo que é a representação corporativa, quer dizer, a representação dos trabalhadores, das associações etc. E agora o mesmo PT está sentado do outro lado do balcão, mas na mesma gestão, e vai ter agora, por exemplo, 100% da administração da Previ [Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil], por exemplo, com todo o seu potencial de investimento. Aí não fica uma saia justa de o PT, que é governo, ter que discutir com o PT que é corporação e dizer: bom, gente, o que é que nós vamos fazer? Porque evidentemente são interesses diferentes, quer dizer, se eu sou representante dos trabalhadores num fundo de pensão, o que eu vou querer conseguir lá é que a minha empresa contribua ao máximo possível, em primeiro lugar. Mesmo que esteja dentro da paridade, os interesses são diferentes. Como é que os dois PT se entendem?
Fernando Pimentel: Paulo, eu digo o seguinte: primeiro, não pode mais haver essa intenção ou presunção de que eu vou tirar da empresa o máximo que ela puder, porque a própria legislação já limita isso aí. E ao que diz respeito no exemplo que você disse, da Previ, eu acho que a Previ vai ser uma instituição onde se tem três eleitos que vêm do PT, com três indicados que vêm do PT. Essa é uma instituição que não pode errar.
Lúcia Rebouças: Mas a Previ sempre quis acabar com o voto de Minerva [voto de desempate], que é o voto da patrocinadora, que tem direito de vetar determinadas coisas. Como é que fica agora? Será que o PT governo vai querer dar essa chance? Porque uma coisa é você estar ali na oposição e outra coisa é você estar no Banco do Brasil, que é uma empresa estatal, e outra é você dizer: não, o fundo é que vai mandar no Banco do Brasil.
Fernando Pimentel: O que eu acredito é o seguinte: como eu disse a vocês, independentemente do poder que assuma, hoje a legislação é muito rigorosa nesse sentido. Normalmente as relações de poder foram determinadas por uma frase ou adágio popular que diz: “quem dota, vota”. Então é muito fácil quando você diz: não, eu vou gerir, mas quem paga é outro. Então, o que eu digo é o seguinte: o nível de responsabilidade hoje, e o que a legislação impõe, eu não acredito em situações dessa natureza ou de saia justa na gestão de uma Previ, por exemplo. Porque eu acredito no seguinte: primeiro, eu acho que o nível dos fundos de pensão – todos eles –, houve um amadurecimento muito grande dos gestores. Hoje a própria sociedade cobra, o próprio participante, só para você ter uma idéia, trimestralmente cada fundo de pensão tem que publicar para os seus participantes seu balanço aberto, onde é que está cada um dos recursos aplicados. Você tem, eu disse ainda neste programa, os órgãos fiscalizadores. Apresentamos 15 bilhões de informações. Tem um projeto aí no qual nós estamos trabalhando com afinco, por exemplo, tudo que um fundo de pensão faz via Cetip [Balcão Organizado de Ativos e Derivativos é uma sociedade administradora de mercados de balcão organizados, ou seja, de ambientes de negociação e registro de valores mobiliários, títulos públicos e privados de renda fixa e derivativos de balcão.], via mercado futuro, via todos os mercados de aplicação, isso nós estamos trabalhando num sistema de controle de portfólio, que seria administrado talvez por Cetip ou Andima [Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro], no sentido de tornar [acessível] em tempo real todas as aplicações que o fundo de pensão fez, [projeto] apoiados por nós. E isso aí seria gerido por terceiros, como eu disse, Andima ou Cetip. E isso aí, acrescido de informações de [...] aplicações imobiliárias e empréstimos a participantes, traria 100% para gestão de terceiros de todas as informações em tempo real, que estariam à disposição dos órgãos fiscalizadores. Então, eu digo a vocês que, além de prestação ao participante, aos órgãos fiscalizadores de governo, eu duvido que tenha qualquer organização que tenha um nível de controle, um nível de informação que os fundos de pensão hoje no Brasil disponibilizam.
Paulo Markun: Pergunta de Aníbal Crespo, que é economista no Rio de Janeiro e empregado há 27 anos de uma empresa privada com fundação própria. Ele quer saber se já está regulamentada a participação de representantes dos empregados nas fundações de previdência fechada das empresas privadas.
Fernando Pimentel: Hoje, o que você tem são duas leis, na realidade a lei 109, a Lei Complementar 109 e a Lei Complementar 108. A Lei Complementar 108 foi promulgada, e foi dentro desse espírito que até Lúcia me falou, que ela estabeleceu a paridade de gestão no Conselho e o voto de minerva na hipótese de eventual empate. Então, a lei 109, que é...
Paulo Markun: [A lei] 108 é para estatal?
Fernando Pimentel: [A lei] 108 é para as entidades patrocinadas pelas estatais, e a 109, das empresas privadas, diz que um terço dos gestores tem que ser representantes dos participantes.
Paulo Markun: Mas não está regulamentada?
Fernando Pimentel: Isso está regulamentado.
Paulo Markun: Está regulamentado; então, um terço tem que ser dos participantes?
Fernando Pimentel: Um terço é [preenchido por] representantes dos participantes. Em uma entidade como a minha, por exemplo, porque além da Abrapp, eu sou presidente da Sistel [Fundação Sistel de Seguridade Social]; lá, 100% dos meus conselheiros são representantes dos participantes.
Leonardo Attuch: Eu tenho uma questão para lhe colocar, Pimentel. Você falou que o PT não pode errar, citando o caso da Previ, mas os fundos já erraram bastante aí no passado. Se a gente for olhar o retrospecto, por exemplo, das privatizações, enfim, [os fundos] foram os maiores investidores em muitos casos e hoje estão em uma série de brigas jurídicas aí com vários sócios. Onde é que foi o erro, como isso pode ser resolvido? Como o senhor vê essa questão dos contenciosos das fundações?
Cláudio Gradilone: E, principalmente, só para acrescentar e embarcar um pouco na pergunta do Leonardo, a gente percebe uma grande ênfase, uma grande força numa iniciativa de se criar fundo de pensão de sindicato, fundo de pensão de prefeitura. Como é que a gente pode evitar outro show de horrores, outro circo de horrores como a gente tem, o que já existe hoje? Como a gente pode evitar um grande contencioso futuro? Porque esses fundos têm um problema de governança, sim, não é?
Fernando Pimentel: O que eu acredito é o seguinte: se você fizer uma pesquisa, você pode ver, hoje nós temos 1.300 dirigentes de fundos de pensão. Dos fundos que estão aí, somando as diretorias, mais ou menos uns 1.300. Você vê na história dos fundos de pensão, eventualmente, que a mídia identificou como maus gestores, seis pessoas; é isso que a gente vê na realidade. Lógico, maus gestores não têm só em fundo de pensão, isso você tem em todas as profissões e em todas as categorias. Nós defendemos não só a transparência, mas que seja punido aquele que errou. Agora, uma Abrapp, nenhum gestor de fundo de pensão tem o poder de polícia.
Leonardo Attuck: Mas isso [punir os maus gestores] não se faz com freqüência. Você pega o caso da Previ, por exemplo, não estão indo atrás dos ex-gestores, quer dizer, no caso dos investimentos.
Lúcia Rebouças: Quando você fala de seis gestores, [isso] representa um patrimônio de quanto, [o administrado por] esses seis gestores?
Fernando Pimentel: Não sei.
Lúcia Rebouças: Em geral, você tem poucos [gestores], mas que movimentam um volume grande.
Fernando Pimentel: Quais são os erros? Ainda hoje aqui me falaram – foi o Paulo – que no passado houve imposição de fundos de pensão, no tempo do governo Collor e da ministra Zélia, de comprar ações da Sade [Ações da companhia, em más condições financeiras, foram compradas por fundos de pensão quando da gestão de Fernando Collor na Presidência da República]. Então, naquela época, houve uma imposição nesse sentido. Se, naquela época, você pegasse uma ação de Sade com qualquer outra ação do mercado daquela época, você vai ver que condenamos a imposição, sim, mas nenhum fundo teve prejuízo por ter comprado ação de Sade, e com isso eu não estou querendo justificar...
[sobreposição de vozes]
Cláudio Gradilone: Naquela época, o departamento técnico do fundo disse que não era para comprar.
Fernando Pimentel: Eu sei, mas o que eu digo é o seguinte: na realidade, se há um mau gestor, defendemos que ele seja punido. “Se é ladrão, corte a mão”. Outro dia mesmo, até no regime da 4206, que é uma lei de punibilidade para gestores, estava sendo proposto e estabelecido se o gestor de um fundo de pensão poderia ter uma multa pecuniária personalística no valor de um milhão de reais. E eu digo sempre o seguinte: se você encontrar um dirigente que tenha disponibilidade de um milhão de reais próprio para pagar uma multa, prenda-o, porque se tem gestor que tem um milhão disponível, isso ele não recebeu de fundos de pensão. Então, o que eu digo dessa transparência, da responsabilidade do gestor, o que eu digo é o seguinte: você tem a nova PL-9, por exemplo.
Lúcia Rebouças: Já foi regulamentada?
Fernando Pimentel: Não, isso ainda está no Congresso.
Paulo Markun: O que é a PL-9?
Fernando Pimentel: A PL-9 é um projeto de lei complementar que trata dos fundos dos estados e dos municípios. Lá está proibido que haja gestão financeira própria; tem que ser de terceiros ou de agentes de mercado.
Lúcia Rebouças: Eu estava perguntando se já foi regulamentada a parte das punições, porque está previsto que o gestor pode ser preso, tem toda uma série de punições específicas para o gestor que cometa uma infração.
Fernando Pimentel: Essa parte não foi regulamentada ainda, porque a 4206 é um decreto, e você não pode, pela legislação brasileira, estabelecer uma penalidade ou uma multa sem que haja uma lei prévia. Então, o que a gente defende é que isso seja discutido no Congresso e não por decreto. Então, hoje até me perguntaram aqui: o regime é jurídico ou legal ou de tributação ou de regulamentação dos fundos abertos e fundos fechados? O fundo aberto, por exemplo, se não me falha a memória, a multa é de 17 mil reais; duplicando dá 34. No fundo fechado, é um milhão. Quer dizer, o gestor do fundo aberto [arcaria com uma multa de] 34 [mil reais] se ele tiver um ato ilegal ou ilícito, ou até que não seja nada disso, mas seja mal interpretado, ele paga 34 mil reais para se defender. Neste aspecto, se ele não tiver recurso, ele pode ir ao banco e pedir dinheiro emprestado. Agora, se um gestor de um fundo fechado foi inquinado até de algo que não tenha cometido, como é que ele vai pagar um milhão? Ou ele não vai se preocupar com isso, porque “um milhão eu não tenho mesmo” ou isso aí está de um tamanho ou de uma discriminação [exagerados]. O que a gente defende é que tributação, legislação, normatização tenham uma consistência, porque não adianta, por exemplo, eu sair de um fundo fechado usando a portabilidade e ir para um fundo aberto em que eu possa ter até prejuízo pelas características de fundos diferentes. Então eu acho que a gente está tendo um momento muito rico de responsabilidade de todos os gestores, de a gente procurar, dentro dessa normatização, estabelecer, na realidade, a tranqüilidade e a dignidade do trabalhador brasileiro na aposentadoria. Agora, temos que trabalhar? Temos sim. Temos dúvidas? Lógico que temos, porque o que se diz de fundo de pensão? É uma caixa preta, ninguém entende, ou um mau gestor que levou um recurso e se locupletou dele. Então, como você pode incentivar um empresário privado a dizer o seguinte: “meu amigo, você vai patrocinar um fundo de pensão”? Hoje a gente tem sete mil empresas brasileiras privadas com potencialidade de criar fundo de pensão, aí, numa atividade de fomento até da nossa própria associação da Abrapp, eu chego para o patrocinador ou para o empresário [e digo]: “Vamos criar um fundo de pensão”, então ele vê alguns casos na mídia que o deixam aterrorizado; o custo de um fundo de pensão com auditoria de gestão, auditoria previdencial, auditoria interna, auditoria externa, multas de um milhão, multas para os conselhos de curadores que normalmente são pessoas de responsabilidade. Qual é o incentivo que isso tem? Então, eu acredito no seguinte: transparência sim, a sociedade brasileira não admite de jeito nenhum que haja mais nada neste país sem transparência e sem credibilidade. É uma sociedade que tirou um presidente da República [refere-se ao impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992], por que não vai influenciar na transparência e na dignidade para o fundo de pensão do trabalhador? Então, eu acredito que a gente precisa hoje sim, maturidade. Vamos enxergar de frente o que precisa fazer. Agora, vamos tirar também os absurdos e as lendas. O que é que a gente vê aí? Tem um balanço social que não foi estudado por mim, foi estudado pela Fundação Getúlio Vargas, que disse que, no ano passado, só quatro entidades não tinham equilíbrio e que essas quatro entidades estavam sob intervenção do governo federal. Havia oito entidades que estavam mudando de plano BD [benefício definido] para CD [contribuição definida], para buscar seu equilíbrio, e o resto estava OK. Só que a gente tem aquele negócio de, hoje, o que é fundo de pensão no Brasil? Fundo de pensão hoje no Brasil representa 170 bilhões de reserva de poupança de trabalhador. Então, fundo de pensão não tem dinheiro não, fundo de pensão só tem passivo. É o passivo com o trabalhador, e como tem 170 bilhões, qualquer coisa relacionada com 170 bilhões, os senhores vão concordar comigo, isso dá notícia.
Paulo Markun: Tanto dá notícia que está dando no Roda Viva; nós voltamos daqui a pouco.
[intervalo]
Paulo Markun: Nós estamos de volta com o Roda Viva , hoje entrevistando Fernando Pimentel, presidente da Associação das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, a entidade que reúne os chamados fundos de pensão. Para participar do programa, você tem aí nosso telefone (011) 252-6525 e o fax (011) 3874-3454; o endereço do programa na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Tem várias perguntas aqui, senhor Fernando, sobre o Aeros, que é o fundo de pensão das companhias aéreas. Eu vou ler as várias perguntas que, no fundo, abordam a mesma questão. Francisco Assis Santos, de Fortaleza, diz o seguinte: como está a situação do Aeros e se é licito o desconto de manutenção da mantenedora que se encontra fechada, como é o caso da [companhia aérea] Transbrasil. Ele disse que é descontado entre 30 e 100 reais dos aposentados da Transbrasil e a empresa não está falida, só está fechada, e o aposentado daquela empresa pode arcar com o compromisso assumido entre o Aeros e a Transbrasil para essa manutenção. Ele diz que é beneficiário há dois anos e pergunta se ele pode migrar. Mônica Rauner, de Florianópolis, jornalista, [pergunta] o que pode acontecer com o fundo de pensão Aeros, tendo em vista a situação da Varig? Também é a mesma pergunta, falando que a Fundação Rubem Berta, que administra a Varig e o fundo de pensão complementar, vai deixar de patrocinar a sua parte. O que é que pode acontecer? Essa pergunta é de Ricardo, que é funcionário aposentado da Varig. E mais recentemente a SPC [Secretaria de Previdência Complementar] autorizou a redução da contribuição da patrocinadora Varig no fundo de pensão Aeros, qual será o grande prejuízo dos participantes no plano de benefício definido e de contribuição definida? Há alguma previsão, se é que é possível, de esses participantes de contribuição definida migrarem? Pergunta Francisco Castelo, que manda sua questão pela internet.
Fernando Pimentel: Bom, eu queria falar para esses telespectadores que a essa situação não é nova, não é dependendo da legislação atual, da Emenda Constitucional nº 20, da lei 109; isso vem desde o início da 6435, que foi a primeira lei que regulamentou o sistema. Eu acho lamentável a situação do Aeros, porque nós não gostamos de ver nenhum fundo de pensão em dificuldade. Houve o problema da Transbrasil, que era um patrocinador de grande porte, e o plano é de benefício definido. A própria lei 6435 estabelecia o seguinte: em qualquer das hipóteses, tem que ser assegurado o valor que o participante pagou. E isso tem que estar em todos os balanços, isso tem que ter uma regra de estabilidade, porque se esses valores não tivessem assegurados a própria Secretaria de Previdência Complementar já tinha determinado uma intervenção ou uma diretoria fiscal no Aeros. Se não está numa situação de intervenção, é porque esses valores estão no mínimo integralizados da reserva de poupança ou aquilo que o participante pagou. Agora, a futurologia, a própria lei diz o seguinte: quando você tem uma situação de dificuldade do patrocinador, se o patrocinador faliu ou se um patrocinador está temporariamente em inatividade como a Transbrasil, eu acredito que estando cumprida a parte dos participantes, a reserva de poupança totalmente integralizada, isso aí no mínimo lhe foi assegurado, aquilo que ele pagou. E vamos acreditar, porque eu acho que o próprio governo tem se preocupado, e em outras situações já aconteceu de contratar as dívidas com os patrocinadores. Eu acho que a Varig hoje – é notório, está nos jornais – tem um problema, empresarialmente falando. Então, eu acredito que, passando essa fase, não está se cogitando de liquidação de plano, porque ela tem os seus patrocinadores. Então, eu acredito que esses participantes devem ter um pouco de paciência e aguardar o que vai acontecer com a própria Varig.
Paulo Markun: Até porque também não tem outra alternativa, vamos ser bem francos.
Fernando Pimentel: Porque não tem outra alternativa.
Paulo Pinheiro: Eu quero fazer uma colocação. Vários participantes estão indo na Justiça e estão conseguindo repor nos seus saldos ou nos seus benefícios os expurgos por planos econômicos, quer dizer, os fundos privados, os próprios fundos acabam arcando com essa despesa. E no caso, volto a insistir, dos [fundos] estatais, qual é esse esqueleto, se a Justiça continuar dando ganho de causa para os participantes?
Fernando Pimentel: Paulo, eu agradeço muito a sua pergunta, porque até isso é uma preocupação que nos tem afligido muito. Eu vejo um novo governo, com 52 milhões de votos, governo mais do que legítimo, e o presidente Lula e seus interlocutores falando de pacto social. Se eu tivesse que lembrar de alguma coisa, no pacto social a gente não pode se esquecer o [poder] judiciário [para] participar dele também, porque veja bem nessa questão que você colocou. Os fundos de pensão na realidade receberam as contribuições que formam suas reservas com expurgo inflacionário ou com a inflação oficial. Os seus investimentos não tiveram o reconhecimento de expurgo inflacionário. Temos algumas decisões nos tribunais que reconhecem expurgo inflacionário aos participantes de fundos de pensão equiparando fundo de pensão com fundo de garantia, e não tem nada a ver uma coisa com outra. Se isso acontecer, numa simulação que eu fiz até na minha própria entidade, se eu for reconhecer os expurgos inflacionários, que eu não recebi nem de contribuição nem de receita, de aplicação do patrimônio, que garante o benefício do participante, isso dá 178%. De onde é que eu vou tirar esse dinheiro? Então, tem esqueleto sim, se esse absurdo prevalecer. Então, [quanto às] estatais, se as estatais representam 60% do PIB dos fundos de pensão, por exemplo, isso vai gerar um valor que vai ser o próprio governo que vai ter que pagar. Porque, como é que isso fica estabelecido se o fundo de pensão não trouxe de suas receitas, não trouxe da rentabilidade do patrimônio que está agregada ao compromisso, vai tirar de quem? Do patrocinador, dos participantes que permaneceram? Vai pagar aqueles que saíram, e quem ficou paga a conta? Então, eu acho que essa tese é um absurdo, porque na realidade você não tem nenhum elemento de comparação entre fundo de garantia e a reserva de poupança ou [entre] a capitalização e o fundo de pensão.
Paulo Pinheiro: Mas eles não tiveram os saldos corrigidos pelo índice de inflação na época.
Fernando Pimentel: Todos os fundos de pensão obedeceram ao índice oficial. Se foi INPC [Índice Nacional de Preços ao Consumidor], era o índice oficial e, se não me falha a memória, Paulo, o expurgo inflacionário foi proveniente de uma lei, de uma lei ordinária aprovada pelo Congresso, que não reconheceu a inflação no mês de janeiro de 91. Se eu não me engano, [uma inflação] de oitenta e poucos por cento. Então, isso é feito por lei ordinária. Todos os recursos de uma entidade como a minha aplicados, e cujos valores não foram reconhecidos, eu recebi líquido daquela inflação de 89%. Das contribuições dos participantes, que eram fruto de salário, também foi expurgada a inflação. Como é que hoje eu posso reconhecer esse expurgo inflacionário que eu não recebi de ninguém? Eu vou tirar de onde? Do próprio participante, do patrocinador? Vou entrar com ação regressiva contra o governo? Isso é um absurdo, por isso que eu espero que, no pacto social do novo governo, o nosso judiciário esteja sentado também.
Paulo Markun: Doutor Fernando, pergunta de Pedro Torres, de Florianópolis, que é da fundação Fundasef. Ele diz o seguinte: o trabalhador contribui para o INSS com contribuições sobre o salário máximo de 1.560 reais, em números redondos. Segundo o IBGE e o IPEA, esse salário atinge quase 95% dos trabalhadores registrados formalmente como empregados. Os fundos de pensão só abrangeriam, segundo ele, os interesses dos trabalhadores que ganham acima desse valor. Ou seja, menos de 5% dos empregados. Esses projetos de fundo de pensão não representam um objetivo de elite de uma minoria insignificante? Ou, pergunta ele: os fundos pretendem reduzir o valor desse teto máximo da previdência para progredir mais nas suas novas conquistas? Essa é a dúvida do Pedro Torres.
Fernando Pimentel: Não, eu acredito que você tem, como eu falei, a filosofia dos três pilares ou modelo dos três pilares. Se você tiver uma visão hoje [de que] a aposentadoria média que o INSS paga é de seiscentos e trinta poucos reais.
[...]: Anual, não é? Mensal, dá 300 e...
Fernando Pimentel: Anual. Então, eu digo que sempre haverá espaço para a previdência complementar, independentemente do nível de previdência básica que o trabalhador brasileiro vai receber. Inclusive com a possibilidade de hoje, nos CDs, como eu lhe disse, numa relação de alteração de capital e trabalho, eu posso fazer na minha entidade contribuições adicionais que eu puder poupar. A empresa é paritária comigo até o limite de 8%, a partir daí, se eu quiser fazer uma programação, eu posso pagar sozinho. Então, qualquer trabalhador pode programar até uma melhoria de renda na aposentadoria, independentemente do INSS ou qual seja o patamar do INSS. Então, não é de maneira nenhuma algo de elite, porque se você vislumbrar ou entender direitinho quais são esses planos, por exemplo, a maioria dos planos tem um pecúlio por morte que é dez vezes o salário ou a média salarial que ele recebeu.
Paulo Markun: Agora, para crescer, os fundos de pensão têm que, antes de mais nada, que se multiplicar, porque não adianta... hoje, na situação que está, você tem os 386 [fundos de pensão no Brasil]. Se [o trabalhador] estiver numa empresa [que faça parte] daqueles 386, tudo bem, agora se não estiver nesse grupo de um desses fundos, o trabalhador não pode optar pelo fundo de pensão. Ele pode sim optar pelo sistema de previdência complementar dos bancos e das seguradoras.
Fernando Pimentel: Eu acredito, Paulo, que é inexorável o crescimento, é inexorável o crescimento porque você vai ver hoje o seguinte: até a própria previdência básica tem que ser social, ela tem que ter universalização. Então, em média, o trabalhador está recebendo no máximo sete salários mínimos; então eu acredito que a previdência empresarial... uma coisa é quando você paga sozinho, e a outra coisa é quando o seu empregador ajuda você a pagar a dignidade da sua aposentadoria. Então, eu acho que o que falta na realidade para o crescimento e para abrangência da dignidade do trabalhador brasileiro são três requisitos básicos: primeiro, a estabilidade de regras, porque o empregador não quer surpresas, ele quer regras que durem pelo menos durante esse ciclo de responsabilidade que você tem; o tratamento tributário adequado; e todo mundo quer transparência. E aí, com esses três requisitos, você tem a credibilidade do sistema. E eu acho que está faltando a credibilidade.
Mara Luquet: O sistema não perdeu essa credibilidade nos últimos anos, enfim, ao longo dos anos, devido a uma série de erros de gestão? Hoje como ele faz para recuperar isso? Não está faltando governança para esses fundos? Porque o participante do fundo, por exemplo, quando ele recebe a demonstração de resultados, tem lá explicado para ele: olha, você teve uma perda aqui porque, por exemplo, nós tivemos problemas com a marcação a mercado e perdemos muito dinheiro com isso e isso alterou; nós temos uma carteira de ações com mais de sessenta ações aqui, e isso não é recomendável, e o limite seria menor, nós estamos desenquadrados; nós temos as empresas tais, tais, que são empresas...? Existe essa governança, quer dizer, quando ele recebe, ele sabe a situação em que está o fundo dele?
Cláudio Gradilone: Ou então, pior ainda, o fundo investiu na cota de um fundo imobiliário ou na fatia de um shopping center; começou rendendo muito bem e hoje está rendendo – como tem fundo imobiliário rendendo aqui em São Paulo – 0,2% a 0,3% ao mês. Como você apresenta essa conta para o contribuinte, para o trabalhador?
Fernando Pimentel: Eu queria dar um exemplo muito simples. Não é pelo fato de n [um número indefinido de] casais que a gente conhece ter se separado que a gente não vai acreditar na família. Então, eu digo o seguinte...
Paulo Markun: [interrompendo] Mas foi isso que gerou a lei do divórcio [risos].
Fernando Pimentel: Hoje, por exemplo – à tarde eu estava examinando –, a bolsa no Brasil este teve uma perda de 25%, foi a perda este ano. Então eu estou com a minha carteira de renda variável, o meu patrimônio diminuiu em 25%, só que tem um detalhe: eu sou um investidor de longo prazo, eu não realizei nada, eu perdi 25% este ano, mas eu posso recuperar nos anos subseqüentes.
Mara Luquet: Qual é a parcela de renda variável da Sistel?
Fernando Pimentel: A minha parcela de renda variável hoje deve estar em 30%.
Mara Luquet: O que você acha de uma fundação com uma parcela de 50% ou mais de renda variável? Ela está assumindo riscos acima do que deveria...?
Fernando Pimentel: Não, porque você veja o seguinte: foi todo um trabalho até de mercado, novo mercado, governança corporativa, você vê n trabalhos nesse sentido. A indicação dos fundos ou a direção dos fundos para só aplicar em papéis de empresas que tenham governança corporativa. Agora, por exemplo, hoje eu tenho uma participação até da minha própria entidade. Na Sistel eu tenho 20% da Embraer, e quando nós entramos na Embraer, ela estava pré-falimentar. Não era isso?
Mara Luquet: E quando você entrou na Embraer, você entrou com essa participação de 20%?
Fernando Pimentel: Entramos com 20%. Foi a Sistel, a Previ e o banco Bozzano Simonsen, então entraram três. Dois anos atrás, o que nós fizemos? Entendemos que deveria ter um parceiro estratégico, aí foram vendidos mais 20% à [empresa fabricante de aviões sediada na França] Dassault. Então, a Embraer tem governança corporativa? Tem, agora tem algumas instituições, por exemplo, eu tenho uma participação na Perdigão; agora eu também tenho uma participação na [empresa] Paranapanema. Enquanto nós não conseguirmos um parceiro estratégico para a Paranapanema, a situação da Paranapanema não é da melhor empresa brasileira; então eu acho que é isso que diferencia o investidor de longo prazo.
Cláudio Gradilone: Qual tem sido o resultado na média? Qual é o resultado anual dos fundos de pensão?
Mara Luquet: Eles não estão conseguindo completar a meta atuarial. No ano passado, de IGPM [Índice Geral de Preços do Mercado] mais 6%, uma boa parte não conseguiu completar a meta atuarial.
Fernando Pimentel: Tem anos que você consegue com sobra. Por exemplo, eu estava vendo um dado hoje, com base no IGP-DI [Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna], [segundo um] trabalho da Fundação Getúlio Vargas, a rentabilidade dos fundos de pensão nos últimos dez anos foi de 10,16%. Se eu tinha seis, tive dez, então eu supri isso aí. Então, por que eu sou investidor de longo prazo? Porque há anos melhores e anos piores, só que tem uma coisa que muito me preocupa. Por exemplo, a mensuração, o fundo de pensão, a carteira de renda variável de fundo de pensão é avaliada no último dia de pregão do mês. Digamos que seja um dia de boato, de boato ruim, aí a bolsa desceu 5%; só que eu não vendi nada e eu sou avaliado por aquilo ali. Se isso for no dia 30 de dezembro, aí eu tive uma perda patrimonial, aí, como eu disse a vocês, eu sou obrigado a ter uma reavaliação atuarial e aí vem meu atuário e diz: está com uma deficiência de x que tem que ser paga pelos patrocinadores e pelos participantes, digamos, dentro da paridade de uma fundação patrocinada por uma estatal. No dia 2 de janeiro as ações se recuperam porque não tem boato, então eu cobrei um dinheiro que na realidade eu não precisava, por isso que fundo de pensão tem essa terminologia de deficit técnico e superavit técnico, a gente não fala nem lucro nem prejuízo. Agora, eu posso ter prejuízo na venda de um papel e posso ter lucro na venda de outro. É o que eu sempre digo, isso não está em lei nenhuma, isso está na teoria do homem prudente, então você é fiduciário dos interesses de seus participantes; você, no mínimo, tem de ser exigido de você mesmo, como requisito seu, para ser gestor de um fundo de pensão a teoria do homem prudente. Você tem a sua disposição instituições hoje de mercado, você tem consultorias, você tem profissionais abalizados. Só erra, eu diria a vocês hoje, só erra quem quer. E se quer errar, pau nele.
Lúcia Rebouças: Voltando para prática então: a gente sabe, por tudo o que aconteceu no mercado financeiro, que os fundos não vão cumprir a meta atuarial este ano, assim como não cumpriram no ano passado. Isso pode fazer com que algum fundo deixe de pagar seus aposentados? Correm risco de não receber?
Fernando Pimentel: Lúcia, deixe eu lhe dar uma explicação que é muito peculiar deste ano. O Conselho de Gestão determinou que os fundos de pensão cumprissem padrões mínimos atuariais e estabeleceu que se usasse uma tábua de mortalidade, a AT49, que é uma tábua conservadora. Os fundos que tinham uma tábua menos conservadora e se aplicaram a ela e se adequaram a essa nova tábua juntamente, por exemplo, com os três últimos meses, que não foram meses bons de bolsa, é lógico que isso vai ter reflexo.
Lúcia Rebouças: Mas, por exemplo, a ABRAPP sabe de fundos que já estariam com problemas de não poder pagar e estariam tentando algum tipo de acordo?
Fernando Pimentel: Não, porque eu acho que isso aí, por um ano, jamais você determinará que um fundo não vai pagar, porque na realidade, como eu disse, você tem um ciclo de compromisso de cem anos. Quando o atuário calcula, ele diz: o valor presente do dinheiro que você precisa para aplicar a um indexador qualquer, inflação mais 6% ao ano, é o valor presente com que você vai cumprir todos os seus compromissos. Então, todo e qualquer desvio que haja, você sempre vai ter tempo para corrigir. Certo? Então, não há essa possibilidade de dizer: não pago. Ou [dizer que] tem fundos que não têm condições de pagar, porque eles sempre vão ter tempo para corrigir isso aí. Só para lhe dar um exemplo da minha própria entidade: com a aplicação da T49 e com o mercado em setembro, eu consumi do meu superavit 160 milhões, para me adequar a um padrão atuarial estabelecido pelo meu alto fiscalizador. Mas como tinha já 400, 500 milhões de superavit acumulado, esses 160 não me afetaram, está certo? Uma entidade pode até dizer: vou entrar em deficit este ano e, entrando em deficit este ano, é obrigado que o atuário diga como é que vai cobrir esse deficit no ano seguinte, não porque o atuário quer, [mas] porque a legislação assim o determina. Então, não há possibilidade de se dizer que um fundo não pague um benefício em razão de uma circunstância temporal de mercado ou de uma regra normativa mais rigorosa.
Paulo Markun: Essa explicação sua me lembrou uma frase que eu creio que é do [escritor] Fernando Sabino – se não for dele, ele que me perdoe –, mas foi assim que eu escutei: “No fundo, tudo acaba bem, se não acabou bem, é porque não chegou ao fundo ainda”. Minha pergunta, em uma palavra, porque o nosso tempo está estourado: qual é o pulo-do-gato nessa história dos fundos de pensão?
Fernando Pimentel: O pulo-do-gato é ter fé e credibilidade.
Paulo Markun: Fernando, muito obrigado por sua entrevista; obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa; e com fé, credibilidade e regularidade, estaremos aqui na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite, para mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até lá.