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Memória Roda Viva

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Antonio Carlos Biscaia

31/7/2006

Membro do Ministério Público, o presidente da CPI dos Sanguessugas defende a reforma política como forma de impedir que os corruptos continuem a se candidatar e se reeleger

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Paulo Markun: Boa noite. Quem já pensava ter visto de tudo em matéria de corrupção no Brasil se enganou. Menos de um ano depois do escândalo do “mensalão”, o Congresso Nacional voltou a ser notícia policial num esquema de corrupção ainda maior. Mais de cem parlamentares já foram apontados como envolvidos na “máfia dos sanguessugas”, um milionário esquema de venda de ambulâncias superfaturadas para as prefeituras com verbas federais aprovadas no Congresso em troca de propinas. Um assalto aos cofres públicos que já custou pelo menos 110 milhões de reais e uma nova medida da extensão e da profundidade da corrupção no poder legislativo. Nosso convidado de hoje chegou a dizer que a situação no Congresso é tão grave, que nem mesmo o Papa Bento XVI conseguiria fazer um governo de absoluta lisura e princípio. No centro do Roda Viva, o deputado Antonio Carlos Biscaia, do PT do Rio de Janeiro, presidente da CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] dos Sanguessugas. O escândalo dos sanguessugas é a mais nova e mais grave medida de como parlamentares podem transformar o poder legislativo em escritório particular ou sociedade de negócios escusos. O esquema vinha sendo investigado pela Polícia Federal há dois anos e funcionou, inclusive, durante o escândalo do “mensalão”, por sinal, com o denunciado envolvimento de deputados que também faziam parte do esquema do “valérioduto.” Desta vez, as investigações policiais reuniram previamente uma grande quantidade de indícios que foram abastecer a comissão de inquérito presidida pelo deputado Biscaia.

[Comentarista]: Antonio Carlos Biscaia é advogado, professor de direito processual penal, fez carreira no Ministério Público do Rio de Janeiro, onde foi procurador geral de Justiça por três mandatos. Tornou-se conhecido nos anos 80 e 90 quando comandou ações contra várias frentes no crime organizado no Rio, ofereceu as denúncias que levaram bicheiros cariocas à cadeia e também atuou na desarticulação e prisão de fraudadores da Previdência Social e da máfia da saúde no Rio de Janeiro. No mês passado, com a criação no Congresso da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Sanguessugas, Biscaia foi eleito presidente da comissão, que leva o nome da operação da Polícia Federal realizada contra o esquema da compra fraudulenta de ambulâncias. Mais de mil veículos comprados de forma irregular, desde 91, ao preço médio superfaturado de cem mil reais cada, muitos deles sem os equipamentos completos. A ação criminosa envolveu parlamentares e assessores, ex-parlamentares, funcionários do Ministério da Saúde, prefeitos, laranjas, empresas de fachada e a Planam, empresa de Cuiabá chefiada pela família Trevisan Vedoin, especializada na venda de ambulâncias e equipamentos médicos para prefeituras. O esquema foi montado inicialmente no Mato Grosso, depois se espalhou por outros estados, atingindo quase 500 municípios. Funcionava assim: primeiro a Planam procurava uma prefeitura e oferecia facilidades para compra de ambulâncias com verbas federais sem burocracia. O sinal verde era dado, e a Planam acionava o Congresso Nacional, onde deputados faziam emendas ao orçamento da União garantindo as verbas. Com lobby no Ministério da Saúde a Planam agilizava a liberação do dinheiro e, com licitações fraudadas, sempre ganhava o negócio. As prefeituras pagavam a compra das ambulâncias e, com o dinheiro na mão, a Planam pagava as propinas, em geral, de 10%. Com o escândalo desvendado, a Polícia Federal detonou operação e fez quase 50 prisões em maio, a mais importante delas foi de Luís Antônio Vedoin, um dos sócios da Planam que, em troca da delação premiada, contou tudo. Tinha todas as transações anotadas em livros, registros, recibos, material gravado em computador. Revelou que seu esquema corrompeu cerca de 60 prefeitos, 20% do Congresso e envolveu dois ex-ministros da Saúde do governo Lula, um deles que teve o nome incluído na lista da CPI, é o deputado do PMDB de Minas Gerais, José Saraiva Felipe, ministro da Saúde entre 2005 e 2006 e que deixou o cargo para disputar a reeleição na Câmara. Foi ele quem contratou como assessora a ex-funcionária da Planam, Maria da Penha Lino, tida como peça-chave do esquema dentro do ministério. As revelações de Luís Antônio Vedoin, também esbarraram no ex-ministro Humberto Costa, atualmente candidato ao governo de Pernambuco. Segundo Vedoin, foi no gabinete de Humberto Costa, no Ministério da Saúde, que a Planam começou a negociar a liberação de pagamentos atrasados do governo. Os dois ex-ministros negam as acusações. Com base nos documentos reunidos, e são muitos, a CPI dos Sanguessugas trabalha agora para definir a lista final dos acusados que serão indiciados. Os nomes serão enviados ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Depois, numa segunda fase, a CPI começa a investigar o poder executivo para saber como e quantos ministérios se envolveram no esquema.

Paulo Markun: A lista dos que tiveram nomes apontados na CPI dos Sanguessugas por suposta participação na compra irregular de ambulâncias já chegou a 120 pessoas: são 91 deputados, três senadores e mais 26 ex-parlamentares, estes 26 ainda não tiveram seus nomes oficialmente divulgados, mas os demais, 94, 91 deputados e três senadores que estão na ativa, foram publicamente apontados, e 57 deles já são alvo de inquérito no Superior Tribunal de Justiça, uma vez que a CPI reuniu indícios contra eles. A relação dos 94 parlamentares de onde são, e a que partidos pertencem está no site do Roda Viva. Para conferir a lista completa é só entrar no endereço www.tvcultura.com.br/rodaviva, clique no ícone “arquivo”, entre na página do programa com o presidente da CPI Antonio Carlos Biscaia, clique em “Veja a lista completa” e confira os nomes dos parlamentares investigados pela CPI dos Sanguessugas. Integrantes das CPI dizem que existem provas para pedir a cassação de 80% dos parlamentares investigados no escândalo de compra de ambulâncias. Para entrevistar o presidente da CPI dos Sanguessugas, convidamos Claudio Weber Abramo, diretor executivo da [ONG] Transparência Brasil; Gerson Camarotti, repórter de política do jornal O Globo em Brasília; Leonardo Souza, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília; Luiz Carlos Azedo, repórter especial do Correio Brasiliense; Alexandre Machado, comentarista de política da TV Cultura, e Rudolfo Lago, editor especial da revista Isto É, em Brasília. Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e os principais flagrantes do programa. Como você sabe, o Roda Viva é transmito em rede nacional de TV para todo o Brasil. Para participar, você pode usar o telefone, que é o (011) 3677-1310, manda sua pergunta, sua critica, sua sugestão, ou se quiser o fax, 3677-1311, e pela internet, você acessa o site do programa: www.tvcultura.com.br/rodaviva e manda o seu e-mail. Boa noite, deputado.

Antonio Carlos Biscaia: Boa noite.

Paulo Markun: Eu fico pensando, aqui, muito provavelmente este programa será de alguma maneira verificado daqui a vinte anos ou mais, pela internet, pelas fitas, pela transcrição, e a pergunta que eu faço para começar é a seguinte: que balanço que o senhor imagina que dê essa CPI daqui a vinte anos? Porque nós estamos vivendo o auge da onda, muitas outras CPIs, nós vivemos no auge da onda e depois, uma descida, assim, de surfista. O senhor acha que neste caso será diferente?

Antonio Carlos Biscaia: Eu tenho certeza de que sim. Veja, eu sempre considerei em CPMI [Comissão Parlamentar Mista de Inquérito] ou CPI, se fosse de uma das casas [nomenclatura alternativa para os órgãos do Parlamento], ela deveria ser uma investigação realizada no âmbito do Congresso, da Câmara ou do Senado. O que se tem verificado no decorrer dos anos é que muitas vezes elas se transformam num palco de disputa política e, outras vezes, num verdadeiro showmício: horas infindáveis de depoimentos, e os resultados não são concretos. Temos exemplos, aí, inclusive nesta legislatura. No momento em que essa CPMI se iniciou o trabalho já estava avançado, as investigações já vinham sendo feitas pela Polícia Federal, o Ministério Público Federal em Cuiabá já havia oferecido denúncia contra 81 pessoas envolvidas no esquema e não possuidoras ou detentoras de mandato parlamentar, e o procurador geral da República já tinha requisitado a instauração de 57 inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Com todo esse acervo de provas, a maioria delas com origem documental, a CPMI pôde iniciar seus trabalhos numa fase avançada e, desde o início, como o prazo que foi concedido era de 60 dias, era muito importante que nos debruçássemos em cima do que havia para ter uma CPI concreta no final: o deputado, o que ele fez, apresentou emenda? Ele está mencionado na gravação de interceptação telefônica? Ele está mencionado no depoimento de integrantes da quadrilha? Existe depósito em nome dele, de um familiar ou alguém do seu gabinete? Ele cedeu a senha para a quadrilha? Esses elementos todos já estão num arquivo por meio eletrônico e, aí, nós vamos apontar a conduta de cada um de forma efetiva. Não é apenas um indiciamento genérico, é, efetivamente, uma responsabilização detalhada e pormenorizada de cada um.

Paulo Markun: Mas o senhor mencionou, numa entrevista, que o depoimento do Vedoin era aterrador. Eu queria saber mais exatamente por quê?

Antonio Carlos Biscaia: O interrogatório que foi feito, o juiz Jeferson Chinaglia realizou um trabalho inédito e elogiável sobre todos os aspectos. No momento em que a negociação se operou, a delação premiada, quer dizer, Luís Antônio Vedoin estava preso há 60 dias, vendo o que era uma prisão. Aí, o juiz disse: “Olha, se seu interrogatório for efetivamente uma prova, se constituir numa prova segura, você poderá ter o benefício da delação premiada, uma liberdade provisória depois do interrogatório, além de uma possível redução e isenção de pena”. E assim foi feito. Esse interrogatório, Markum, iniciou-se no dia três de agosto e foi até o dia 12: onze dias de interrogatório, detalhado. Ele não só narrou toda a estrutura da organização criminosa, como ele parece que estava preparado para o caso de que, se acontecesse o que aconteceu, de ser apanhado, porque ele prestava depoimento e apresentava o documento! O juiz teve o cuidado, por exemplo, de todos os diálogos que a Polícia Federal interceptou com ordem judicial, têm número. Ele dizia: “Está lá no interrogatório, diálogo 32.050. O que o senhor quis dizer com isso, qual sua relação com este parlamentar?”. E aí, ele apontava detalhadamente. Então, ele é pormenorizado, ele tem detalhes e tem a comprovação documental. Então, não venham questionar que é um criminoso que está apontando nomes e pela delação premiada acusando indiscriminadamente. Não é essa a verdade. Pode-se admitir até que ele possa encobrir alguém, é possível que por uma relação, você percebe, talvez, num pequeno trecho do depoimento, que com relação a uma determinada pessoa, a um determinado parlamentar, ele não quer fazer uma carga no seu depoimento. Mas em regra geral, tudo o que ele aponta tem um cunho de veracidade e está comprovado documentalmente.

Gerson Camarotti: Quem ele quer proteger, deputado?

Antonio Carlos Biscaia: Não, eu não me lembro de detalhes, assim. Mas, se você for, Rudolfo, analisar, você vê. Porque eu li duas vezes o depoimento, mas tem um caso lá, outro, eu não quero aqui cometer um equívoco, mas você percebe que ele... – “Não, eu não conhecia bem... ele apresentou as emendas, eu iniciei a negociação, mas não chegou a haver pagamento...”. Então, você sente que aí, por alguma razão, ele não quis ser afirmativo. Em outros casos, ele foi. Então, por isso que eu digo, ele tem um interrogatório de absoluta credibilidade, o máximo que se pode admitir é que ele tenha eventualmente...

Gerson Camarotti [complementando]: Omitido.

Antonio Carlos Biscaia: ... omitido o nome de alguém.

Gerson Camarotti: Deputado, o senhor cita, aí, CPIs anteriores a essa CPI dos Sanguessugas. Eu queria, sabe, uma avaliação do senhor: o que, como essa CPI ou como isso pode resultar em que não haja uma "pizza" [tenha resultados que não levem a nenhuma punição], em relação a cassações na Câmara e no Senado? Haja vista o que aconteceu com a CPI dos Correios e que vários deputados, inclusive com comprovação com cheque, esposa de deputado indo pegar cheque lá no Banco Rural, sacar dinheiro, e mesmo assim vários deputados foram...

Leonardo Souza [complementando]: O deputado admitindo que levou dinheiro do governo.

Gerson Camarotti: Isso. E não foi, não houve condenação, ou seja, a pizza foi grande, como toda a imprensa noticiou. O que pode ser feito de forma diferente nessa CPI para que pelo menos tenha, aí, 91 parlamentares, 91 deputados e três senadores, pelo menos os que tenham casos comprovados, que todo mundo já avalia algo em torno de 40, 50, tenham uma punição efetiva?

Paulo Markun: Aliás, só para registrar, esta é a pergunta também de Steffany Oliveira, do Espírito Santo.

Antonio Carlos Biscaia: Qual é a finalidade de uma CPI? Como foram todas as outras? É você realizar uma investigação e concluir. O que eu considero de diferente nesse caso é que ela vai concluir com provas orais, depoimentos e prova documental segura, firme, consistente. Isso haverá, e a descrição da conduta. Agora, nós não podemos aqui ter condições de alguma forma saber qual vai ser o procedimento das casas. Isso, não... escapa ao nosso controle, não é?

Leonardo Souza: Há provas, assim, concretas, para 90? Ou isso foi superestimado?

Antonio Carlos Biscaia: Os 90. Os 90 são aqueles primeiros 57, que a juízo do Ministério Público Federal, o procurador geral da República afirmou pessoalmente, também: “Estes 57, para nós do Ministério Público, já existem elementos que justifiquem a investigação”, e outros 33, nós também obtivemos outros elementos que elevaram esse número a 90. O trabalho final, a conclusão final dessa avaliação já está pronta em Brasília, mas eu ainda não analisei esses dados.

Leonardo Souza: Se falou em 112 citados, e desses 112, haveria 80% com provas concretas para se encaminhar para a comissão, para o Conselho de Ética. Aí, daria esses 90 nomes. Dá para falar em 90 nomes ou seria menos do que isso com provas materiais, ali?

Antonio Carlos Biscaia: Essa referência numérica muitas vezes é feita por algum parlamentar, ele cita, né, esse número, com base em algum tipo de elemento que ela tenha. Mas, desses elementos de prova já coligidos, o número de 112 envolve parlamentares e ex-parlamentares. Nós temos 90, exatamente, parlamentares, até este momento. Depois, foram mais quatro, que ainda estamos examinando, mas, nada além disso. Ainda não há posição concreta, uma definitiva posição com relação a dois. Mas isso haverá no curso desta semana com absoluta segurança.

Leonardo Souza: Mas um número estimado, assim, o senhor viu a documentação...

Antonio Carlos Biscaia: Eu creio que dos 90, não mais do que dez, a meu juízo, né? Eu vou presidir a CPMI no momento da audiência, e o relatório vai ser submetido à votação. A meu juízo, talvez alguns exijam novas provas que ficariam para outro momento. Mas já poderíamos, cerca de 80, encaminhar para as mesas com pedido de cassação.

Claudio Weber Abramo: Deputado, o senhor, ao descrever como a CPI encontrou o caso dos sanguessugas, foi estendendo-se em observações sobre como o caso lhes chegou muito bem preparado pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela Justiça, né? Já que esses organismos de controle, seja a polícia, seja a Justiça, seja judiciário, já basicamente formaram culpa dos indivíduos implicados, para que serve a CPI? Do que a CPI exatamente precisa a mais? O que é necessário para se, por exemplo, oferecer uma denúncia contra um deputado na Comissão de Ética da Câmara ou, enfim, Senado, conforme for o caso, que já não esteja no processo? Para que serve a CPI?

Antonio Carlos Biscaia: Normalmente, uma CPMI, quando conclui, ela tem como destinatário o Ministério Público.

Claudio Weber Abramo: Sim, mas foi o contrário.

Antonio Carlos Biscaia: Sim, neste caso, recebemos elementos já de uma investigação realizada pela Polícia Federal, então, eu creio que essa condição de encaminhamento ao Ministério Público torna-se desnecessária. O objetivo, exatamente, objetivo concreto é o encaminhamento às mesas com pedido de cassação.

Claudio Weber Abramo: Mas não é necessário CPI para isso, não basta o caso da Justiça, que se apresenta...?

Antonio Carlos Biscaia: Eu sei, mas o Supremo Tribunal Federal, depois que os inquéritos estiverem concluídos, volta ao Ministério Público e poderá oferecer denúncia e, naquele momento, haver o encaminhamento. Mas isso poderá ser mais à frente.

Claudio Weber Abramo: Mas o processo político, dentro das casas, não é necessário que a denúncia venha de uma CPI? Pode vir de qualquer lugar.

Antonio Carlos Biscaia: Aí, eu estou de acordo. No momento em que esses elementos de prova chegaram às corregedorias das casas, era desnecessário, eu estou de acordo. Mas foi um movimento, um movimento que surgiu...

Claudio Weber Abramo: Mas o que a CPMI pode trazer de esclarecimentos adicionais que já não estejam nos autos?

Antonio Carlos Biscaia: Não, ela obteve documentos de várias origens aos quais naquele momento as corregedorias ainda não tinham tido acesso. A própria documentação do Supremo, isso foi obtido depois de diversas reuniões, solicitações que eu fiz à ministra [do Supremo Tribunal Federal] Ellen Grace e ao próprio relator, também, que foi designado. Então, foi um conjunto de provas que chegou à CPMI.

Luiz Carlos Azedo: Deputado, o senhor avalia que pelo volume de documentos e provas, e também pelos antecedentes em outros casos, outras denúncias que foram investigadas por outras CPIs, não se caracterizou, aí, uma espécie de padrão de financiamento da atividade política, ou dos próprios políticos envolvidos na Câmara? Quer dizer, não está ficando claro que existe uma parcela do Congresso que financia sua atividade política ou está na atividade política para financiar seus próprios negócios, e que é preciso, de alguma maneira, mudar o modo de funcionamento do Congresso, da relação do Congresso com o executivo para acabar com isso? Porque, em última instância, a sociedade está financiando isso, e esse padrão de financiamento, ele é ilegal? Pela extensão do... porque é um fio, é um novelo que se puxa, um fio, e ele não acaba mais!

Antonio Carlos Biscaia: Não tenho a menor dúvida de que a utilização criminosa das emendas individuais e até emendas de bancadas propiciaram essas conseqüências gravíssimas. O que você tem, claramente, aí, é uma indicação de que esses parlamentares, eles direcionavam as emendas, já depois de um acerto com o grupo Planam, para determinados municípios, e lá,o procedimento licitatório em regra era fraudulento. A Planam ganhava a licitação, muitas vezes os equipamentos não eram os adequados, quer dizer, então, você tem em todo esse caminho criminoso, diversas fraudes realizadas e, por último, em muitos casos, os prefeitos também recebiam benefícios pessoais. Então, não há dúvida de que alguma coisa tem que ser feita para alterar esse procedimento de emendas parlamentares. Até porque o que você percebe é que isso tem ocorrido ciclicamente. Aqui, o início é 2001, mas nós vemos que o procedimento, a quadrilha começou a se estruturar em Cuiabá em 99, mas as primeiras emendas do ano de 2001, 2002, 2003, ela [a Planam] foi se estruturando e se organizando e estava estendendo as suas ramificações já para outras áreas. Eu posso lhe dizer, Azedo, que no ano passado, por exemplo, nos jardins em frente à Câmara dos Deputados, eles [a Planam] colocaram lá um protótipo de um veículo de inclusão digital para atrair os parlamentares, mostrando que eles estavam diversificando suas atividades para esse tipo de veículo! E aí, nós já vemos diversas emendas na área de ciência e tecnologia, já da mesma maneira. Era lá, o veículo, com três computadores dentro, e as pessoas fazendo as apresentações, ali, na frente! Então, a corrupção é feita...

Luiz Carlos Azedo: Era um “salão da corrupção” ao ar livre!

Antonio Carlos Biscaia: Exatamente! Em frente à Câmara dos Deputados, com absoluta clareza e transparência. Então, esse procedimento tem que ser alterado. Não existem mecanismos para coibir que isso aconteça, nós temos que alterar isso substancialmente.

[VT com depoimentos de pessoas nas ruas]

Repórter: O que o senhor acha que deveria acontecer com esses parlamentares que estão sendo acusados?

Valdomiro Moraes (Porto Alegre/RS): Eles têm que ser cassados e presos.

Repórter: O senhor acredita nessa punição?

Valdomiro Moraes (Porto Alegre/RS): Só vendo para acreditar.

Dalton Gonçalves (Porto Alegre/RS): Atualmente, a gente não vê sendo punida nem a classe pobre, nem a média e, principalmente, os políticos, que é onde está mais escrachada a falta de punição.

Dirceu Tobinho (Porto Alegre/RS): Há uma conivência entre eles, é o medo que um diga o que o outro fez. Esse é o meu pensamento, se ele é verdadeiro, eu não sei, mas eu sei dizer o seguinte: é que um tem medo do outro, como diz na gíria, o “rabo preso”.

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, o nosso entrevistado desta noite é Antonio Carlos Biscaia, deputado do PT do Rio de Janeiro, presidente da CPI dos Sanguessugas. A lista completa dos parlamentares acusados nessa CPI e em todas as investigações está no site do Roda Viva. Basta entrar na página do programa, com o presidente da CPI Antonio Carlos Biscaia, e clicar em “Veja a lista completa”. As provas contra eles foram obtidas por inquérito da Polícia Federal e escuta telefônica autorizada. A Planam, empresa que comandava a fraude, oferecia às prefeituras facilidades para a compra de ambulâncias sem burocracia. Essa é a lista dos deputados que apresentaram emendas ao orçamento da União para garantir verbas e, portanto, o negócio da venda superfaturada, com uma propina em torno de 10%. Deputado, eu queria colocar a seguinte questão: todas as atividades do governo têm um grande número de emendas e de, vamos dizer assim, injeção de recursos à escolha dos parlamentares e das bancadas nos municípios, quer dizer, não é só porque o dinheiro é carimbado e vai tantos por cento para a educação, tantos para a saúde e tanto para a energia e assim por diante. É disso que vive o Parlamento. O senhor imagina que esse mesmo esquema, além desse “showroom” da corrupção, que o senhor já mencionou dos veículos de inclusão digital, possa ser multiplicado muitas vezes em outras atividades?

Antonio Carlos Biscaia: É perfeitamente possível, porque mesmo na área de saúde existem convênios, também, que são de valores superiores às emendas individuais. Esses convênios também estão sendo investigados pela Controladoria Geral da União. Cerca de três mil convênios, alguns referentes a emendas parlamentares e outros não.

Paulo Markun: Desculpe a expressão, mas isso é uma avacalhação geral!

Antonio Carlos Biscaia: É. É...

Paulo Markun: Quer dizer, nós estamos numa situação em que o Congresso deveria... pedir licença e sair de cena, né? Quer dizer, eu não consigo entender como é possível que o Parlamento aja dessa maneira. Não sei se minha indignação parece demagógica, mas não é.

Claudio Weber Abramo: Sua indignação, Markun, poderia ser ainda mais. Desculpe a intrusão aqui, mas poderá ser ainda mais amplificada quando a gente raciocinar que deputado não redige licitação, deputado não assina contrato e deputado não libera verba em ministério. Você tem nas duas pontas...

Paulo Markun: Sim, não está só no Congresso.

Claudio Weber Abramo: Claro. Quer dizer, esse ponto, todo mundo fica olhando para os deputados, vamos dizer que se cassem deputados. Isso não vai acontecer, imagina! Mas digamos que se cassem deputados. E daí? Se os mecanismos que estão em prática, que não são de hoje, na gestão dos municípios, e os mecanismos que estão em prática nos ministérios...

Leonardo Souza: Não tem nada que ver com legislação isso aí.

Claudio Weber Abramo: Não, não tem absolutamente nada que ver com legislação isso aí.

Leonardo Souza: Eu digo assim...

Claudio Weber Abramo: Absolutamente nada a ver com legislação. É gestão: gestão. Nada a ver. Pode ser emenda parlamentar ou não emenda parlamentar.

Leonardo Souza: Mas eu digo emenda parlamentar individual.

Claudio Weber Abramo: Não, isso não muda o fato de que...

Leonardo Souza: Que permite ao parlamentar direcionar a emenda para aquela empresa...

Claudio Weber Abramo: Mas quem faz a licitação é o município. No caso dos sanguessugas, ou estado né? Enfim, mas é o município, é o prefeito quem faz e independentemente de parlamentar. Isso desaparece com parlamentares. Havendo os repasses de recursos do Ministério da Saúde, da Educação, dos Transportes, do que seja, para o município, quem faz a licitação é o prefeito. É ali que se dá a falta de controle, e na outra ponta também, evidentemente, lá no ministério. Eu pergunto ao senhor, deputado, depois dessa, desculpe, se essa concentração de atenções que é obviamente devida, né, sobre parlamentares corruptos ou acusados de corrupção, ela é devida, se ela não tende a desviar a atenção do que é mais importante, que é para a ineficiência fundamental desses mecanismos de transferência de recursos dos ministérios para os municípios, sendo que nenhum dos dois controla nada?

Antonio Carlos Biscaia: Não, isso aí não é desviar a atenção de forma absoluta. Em primeiro, o início, a Controladoria Geral da União sorteou diversos municípios e foi a partir desse sorteio que se chegou a esse quadro da Planam, quer dizer, de forma evidente, beneficiada. Nós sabemos também que, dos 5.540 municípios de todo o nosso país, a grande maioria, talvez 5.200, no mínimo, só sobreviva com recursos federais, não é isso?

Claudio Weber Abramo: Oitenta e dois por cento.

Antonio Carlos Biscaia: Pois é, recursos federais, repasses da educação, saúde e assim por adiante. Então, é evidente que estas licitações na ponta da linha têm que ser fiscalizadas. Nesse caso concreto, o Ministério Público Federal já está instaurando inquéritos em cada uma das unidades federativas, aí sim, para responsabilizar os prefeitos.

Claudio Weber Abramo: Mas isso após o fato, deputado...

Antonio Carlos Biscaia: Eu concordo que o controle, o controle prévio, ele deverá ser feito para evitar que isso aconteça, também. Eu também estou de acordo.

Alexandre Machado: Dentro desse quadro, deputado, existe uma complicação adicional. Os políticos estão em campanha a partir de agora, então, isso dificulta ainda o andamento das CPI, em termos de prazos, cumprimento de prazo e da presença dos deputados. O senhor acredita que nesta legislatura dê para resolver essa fatura? Ou será necessário que a gente preste atenção nessa consulta do deputado Miro Teixeira para ver se o jeito de pegar esse pessoal vai ser depois da diplomação?

Antonio Carlos Biscaia: Essa comissão parlamentar, ela foi instalada com o objetivo de verificar e responsabilizar os parlamentares. E isso será feito. O prazo que nós fixamos é 30 mais 30. Dia dez de agosto, na próxima quinta-feira, teremos um relatório apontando. O encaminhamento às mesas será feito de imediato. A Câmara, com relação aos deputados, e Senado em relação a senadores, e o processo de cassação deva se iniciar. É lógico, a dificuldade para este ano, ela é intensa, porque aí sim, vamos ter um período em que você não tem sessão nas casas. Na Câmara, quando não há sessão, você não tem contagem de prazo para efeito de andamento do Conselho de Ética. Essas dificuldades todas existiram, mas de qualquer maneira, os processos têm que... eu defendo até que vão para a próxima legislatura. Um minutinho [dirigindo-se a outro entrevistador]. Vão para a próxima legislatura, além da próxima legislatura. Eu também sustento que o crime praticado nesta legislatura, ele deve trazer conseqüência numa eventual próxima legislatura, se eles [os políticos acusados] forem eleitos. Isso sem falar na nova tese do deputado Miro Teixeira, que ela é também uma boa tese, mas ela ainda não encontra um entendimento tranqüilo no poder judiciário.

Gerson Camarotti: Mas os partidos já poderiam fazer algo neste momento. Estão sendo omissos, o que você percebe é o seguinte, por exemplo, vários parlamentares, já existem provas concretas com relação... e os partidos poderiam afastar esses deputados que perderiam legenda já para a disputa agora, em outubro. E isso não está acontecendo. Como o senhor avalia? Inclusive, o que se percebe é que eles querem manter esses deputados para passar a cláusula de barreira [termo que refere à exigência de um número mínimo de votos para um partido ou coligação manter sua existência] e fazer bancada maior, e só depois tentar tomar alguma providência. Como o senhor avalia isso?

Antonio Carlos Biscaia: Bem, o primeiro controle efetivo deveria ser feito pelos partidos políticos, evidentemente, mas eles teriam uma responsabilidade nas suas nominatas para deputado federal ou estadual, e parece que não têm a menor preocupação para isso, não verificam critérios de idoneidade. No meu estado, agora mesmo, para deputado estadual, eu me insurgi contra o vereador Babu, que está incluído na nominata para deputado estadual. São coisas inaceitáveis. Agora, a maioria dos partidos não tem as cautelas adequadas para, neste momento, previamente, já contribuir cortando nomes de pessoas que não têm condições de figurar numa nominata de candidato a deputado estadual ou federal.

Luiz Carlos Azedo: O senhor pode esclarecer quem é vereador Babu?

Antonio Carlos Biscaia: O vereador Babu esteve envolvido numa rinha de briga de galo, foi preso em flagrante junto com o Duda Mendonça [publicitário brasileiro que participou da campanha presidencial de Lula em 2002 e que afirmou ter recebido dinheiro por intermédio do empresário Marcos Valério, indiciado pela CPI do Mensalão], mas esse talvez não seja o único fato grave. Existem outros. Este, foi preso em flagrante. É inaceitável que ele integre a nominata a deputado estadual do PT.

Leonardo Souza: Deputado, voltando à questão dos controles, só para complementar aqui a pergunta do Abramo...

Luiz Carlos Azedo: Só uma observação, assim, que... mas o voto dele soma para a legenda do partido...

Antonio Carlos Biscaia: Sim.

Luiz Carlos Azedo: ... e de certa maneira os eleitos, também se beneficiam do voto do vereador Babu.

Antonio Carlos Biscaia: Por isso mesmo que eu fui lá impugnar junto com deputado Alexandro Marlon, deputado estadual. Fomos os dois impugnar, fomos vencidos, evidentemente, recorremos, porque não aceitamos esse tipo de procedimento. Não aceitamos. E os partidos todos deveriam agir dessa maneira.

Gerson Camarotti: É um pragmatismo na política. Está cada vez maior esse pragmatismo, e está contaminando todos os partidos.

Luiz Carlos Azedo: Vamos supor que o senhor seja o último da lista dos eleitos pela legenda do seu partido e que isso só tenha sido possível por causa do voto do Babu que teria ficado numa primeira suplência. O senhor renunciaria ao mandato por causa disso?

Antonio Carlos Biscaia: Ele é candidato a deputado estadual.

Luiz Carlos Azedo: Numa situação hipotética, porque a lógica é mais ou menos essa, ela é perversa, quer dizer, o partido fica dependente daquele voto.

Antonio Carlos Biscaia: Todos os partidos, sim, todos. Eleição proporcional é isso.

Luiz Carlos Azedo: Essa é a lógica perversa. Estou levantando isso pelo seguinte, porque é uma engrenagem que está difícil de desmontar. Não tem financiamento público de campanha eleitoral. Os votos de legenda, quer dizer, o voto é de legenda, elege o parlamentar, mas ele não tem fidelidade partidária, e a eleição é, e o voto é nominal, quer dizer, é proporcional, você não tem lista, não tem voto em lista. O lobby não é regulamentado. O senhor há pouco estava descrevendo como funciona, seria até interessante o senhor relatar como funciona esse lobby, como é que uma empresa de Mato Grosso monta, entre aspas, um império no orçamento da União, comprometendo 20% da Câmara dos Deputados? Como é que é isso? Essa engrenagem, como é que se desmonta isso para melhorar o sistema político, os partidos, como é que é? Qual a solução que senhor tem para isso?

Antonio Carlos Biscaia: Estamos chegando à reforma política. É essencial a reforma. E a reforma política, que até este momento não avançou por razões, aí, que se compreendem exatamente. Temos que ter uma reforma política essencial na próxima legislatura, senão não vamos corrigir essas distorções. Com isso estamos plenamente de acordo.

Leonardo Souza: Deputado, ainda na questão do controle, o senhor é contra ou a favor das emendas individuais, ou seja, [que] permitem que o parlamentar escolha para que município ele vai direcionar o dinheiro?

Antonio Carlos Biscaia: Pelo que eu estou percebendo nessas investigações, eu tenho uma posição radical pelo fim das emendas individuais e pelas emendas de bancadas. Minha posição é essa, mas ela não vai prevalecer, eu não tenho ilusão de que se consiga aprovar.

Leonardo Souza: Esse é um caso reincidente.

Rudolfo Lago: Mas deputado, já é um caso reincidente, né? A CPI do Orçamento já tinha sugerido acabar as emendas individuais. Naquele momento já se sabia, quer dizer, é um recado aí de mais de dez anos que já está sendo dado, e o Congresso finge que não escuta, né?

Antonio Carlos Biscaia: Eu vou usar o argumento do [cientista político] Wanderley Guilherme dos Santos a respeito disso, que eu acho um argumento válido, né, que deve se ponderar. Reclama-se muito no Brasil de que o eleitor e o eleito são distantes. Que o eleitor tem pouco relacionamento, pouco comprometimento com o eleito e vice-versa. O indivíduo que é eleito, quando apresenta emendas ao orçamento ou tenta promulgar legislação que satisfaça sua comunidade de alguma maneira é uma forma de aproximação com o eleitor, faz parte da troca que o eleito faz com o eleitor: “Vota em mim, que eu boto aqui um posto de saúde”, ou coisa parecida. Propor o fim das emendas individuais, o senhor não acha que teria – é até um argumento do Wanderlei –, quer dizer, efeito de afastar ainda mais o eleito do eleitor? Associado a isso, liquidar com emendas, porque se se imaginar que a cessação ou o fim das emendas individuais levaria de alguma maneira à redução desse fenômeno que estamos falando, no caso dos sanguessugas. Explico: digamos que emendas não sejam individuais, mas sejam de bancadas, sejam do estado, coletivas, evidentemente, que os negócios se fariam nesse âmbito. Você assina aqui, assina ali, cada qual fica com um pedaço do bolo...

Leonardo Souza: Precisaria de conivência de vários outros, o que dificulta né?

Claudio Weber Abramo: Ué... conivência de 20% do Congresso, continuaria do mesmo jeito.

Leonardo Souza: É, mas aí é feito individualmente, ali. Seria mais fácil do parlamentar conseguir negociar ali, com o... corruptor.

Claudio Weber Abramo: [Já] Tem 20.

Leonardo Souza: No caso da Planam é claramente evidente que não é feito individualmente.

Claudio Weber Abramo: Como é que você vai pagar...

Leonardo Souza: É uma máquina.

Paulo Markun: Eu só poderia... Claudio e Leonardo, pra gente ouvir a opinião do deputado sobre essa questão.

Leonardo Souza: Desculpe, sim.

Antonio Carlos Biscaia: Sim, eu ainda considero que nós temos que adotar uma posição radical. Nós não podemos transformar o que já está sendo transformado e, muitas vezes, o deputado federal, vamos tomar exclusivamente o caso do deputado federal, ele está se transformando num vereador federal. Os parlamentares, com os graves problemas da nação, que têm que ser discutidos, reformas constitucionais, projetos de lei, propostas de fiscalização, representação digna... O que é que você vê num segmento considerável dos parlamentares? Passam os seus dias em Brasília nos ministérios, tentando aprovar suas emendas e obter dividendo político.

Claudio Weber Abramo: É exatamente isso, não é?

Antonio Carlos Biscaia: Como?

Claudio Weber Abramo: Isso é completamente contraditório. Agora há pouco o senhor falou: “Não temos voto distrital”. Voto distrital é a exacerbação da “vereadorização”, puxa vida, do deputado federal.

Antonio Carlos Biscaia: Mas eu não tenho posição favorável a isso.

Claudio Weber Abramo: Pois é, deputado. Até que ponto, deputado? Até que ponto...

Antonio Carlos Biscaia: Eu acho que existem questões da nação brasileira, as mais relevantes, que são da responsabilidade da Câmara Federal e do Senado, que têm que ser tratadas, e não a liberação de recursos para município.

Alexandre Machado: Deputado, voltando à dinâmica da CPI, porque nós temos que salvar o país, mas nós temos uma CPI que está em curso, agora, que existe um problema que é o seguinte, que é a criação dessa sub-relatoria que vai tratar da relação da CPI com o executivo. E, em torno dela, parece haver uma grande disputa política, já que foram mencionadas a possibilidade de que os ex-ministros Saraiva Felipe e Humberto Costa sejam chamados, e há uma queda de braço de pessoas que querem que o ministro José Serra seja chamado, também. E essa questão está em torno do relator, [senador] Amir Lando, que tem a sua posição um pouco contestada já publicamente por membros da própria CPI. Como é o que senhor acha que deve se encaminhar essa questão?

Antonio Carlos Biscaia: Eu tomei conhecimento hoje de que haveria uma sub-relatoria nessa linha. Veja, a sub-relatoria é responsabilidade do relator. Se ele designou relator com esse objetivo ou três relatores com esse objetivo, eu vou procurar saber exatamente o porquê. Porque na realidade, requerimentos de depoimentos dos ex-ministros Humberto Costa, Saraiva Felipe e José Serra já foram apresentados anteriormente. Eu não coloquei em votação e estou fazendo de tudo para que a CPMI não se transforme em um palco de disputa político-partidária num momento eleitoral. Quem pretende fazer isso está inviabilizando as investigações. Se nós, neste momento, aprovarmos esses requerimentos, nós vamos ter aquilo que eu tenho tentado evitar por toda forma, transformar em um showmício e em uma disputa eleitoral, e o resultado vai ser nenhum. Por isso que não compreendi, embora seja de responsabilidade do relator. Eu vou [procurar] saber qual foi a motivação, mas de qualquer maneira, eu espero que isso não atrapalhe o relatório a ser entregue agora, no dia dez. Nós temos para isso apenas dez dias.

[VT com depoimentos de pessoas gravados nas ruas]

Repórter: O que você está achando desse escândalo das ambulâncias?

Carlos Alberto (Belo Horizonte/MG): É uma vergonha, né? A CPI, eu acho que é mais assim, não é bem para investigar, mas para eles mesmos aparecerem, politicamente, né?

Geraldo Magela (Belo Horizonte/MG): É necessário que todos nós resgatemos a credibilidade nas instituições.

Luis Gustavo (Belo Horizonte/MG): Eu gostaria de saber o que vai ser feito para inibir que os próximos parlamentares cometam os mesmos erros.

Paulo Markun: A lista completa dos parlamentares acusados está no site www.tvcultura.com.br/rodaviva. Basta entrar na página do programa com o presidente da CPI e clicar em “Veja a lista completa dos deputados investigados”. Dez receberam presentes e 28 tiveram dinheiro depositado em conta corrente. A CPI deve entregar relatório final em até duas semanas, depois começa outra etapa da investigação para desvendar as ações da máfia dentro dos ministérios. Deputado, a propósito disso, pergunta de Cristovam Cordeiro, de Porto Alegre: a CPI vai investigar esquema de ambulâncias superfaturadas no período anterior ou vai ficar restrita ao governo Lula?

Antonio Carlos Biscaia: Não, o esquema teve início, como eu já afirmei, no ano de 2001. A quadrilha indica isso, e os depoimentos também são neste sentido, na investigação vai abranger todo esse período, a partir de 2001. Nós não estamos preocupados, aí, com quem era o titular do ministério. Estamos preocupados em saber quando o esquema criminoso passou a funcionar.

Paulo Markun: E por que estão tratando de maneira diferente quem é deputado atualmente e quem é ex-deputado ou quem é do executivo?

Antonio Carlos Biscaia: Não, porque a CPMI foi instalada para investigar os parlamentares, até porque os não parlamentares, alguns já estão sendo processados. Daqueles ex-parlamentares, pelo menos dez já estão respondendo a processo criminal em Cuiabá. Já estão. Agora, surgiu um novo grupo, este também ainda não foi divulgado, mas isso eu posso fazer perfeitamente esta semana, o nome dos ex-parlamentares que ainda não, quer dizer, que ainda não estão sendo processados criminalmente. Mas no relatório final, os seus nomes constarão também. Nós vamos apontar quais os parlamentares que, a nosso juízo, devam ser imediatamente encaminhados para a cassação, aqueles cujas diligências de apronfudamento das investigações serão necessárias e os ex-parlamentares, que aí sim, é o próprio Ministério Público que deve tomar as providências.

Gerson Camarotti: A Planam já está sendo bem investigada, já existem provas em relação à Planam e a essa máfia específica. A CPI vai avançar em relação a outras máfias que já começam a cruzar com estes depoimentos, com essas investigações?

Antonio Carlos Biscaia: Nós temos uma questão, aí, constitucional e jurídica. O que a Constituição diz é que a CPMI tem que ter um terço de assinaturas nas casas do Congresso num fato determinado. Então, por enquanto, nós estamos com investigação circunscrita àquele que é o objetivo. Não impede, entretanto, que mais à frente, quer dizer, eu quero apresentar, esse é nosso objetivo, dia dez, nós vamos estabelecer esse quadro aí, do envolvimento do parlamentares e ex-parlamentares. E, em seguida, evidente que nos quinze dias de agosto e setembro vai ser difícil qualquer coisa, mas, internamente, a CPMI vai prosseguir o seu trabalho. Logo depois das eleições nós continuaremos até o prazo final, que é 18 de dezembro, e aí, teremos um quadro mais amplo, inclusive com possíveis outros ministérios cuja fraude também já estava se implantando.

Rudolfo Lago: Agora, deputado, com relação aos ministros da Saúde, como o senhor falou, o esquema começou a operar em 2001, né? O senhor imagina, acha possível que esse esquema pudesse ter funcionado esse tempo todo sem o conhecimento dos ministros? Os ministros podem ser ignorantes disso, do que aconteceu?

Antonio Carlos Biscaia: Não há nada, até este momento, que comprove a responsabilidade de quaisquer dos titulares do Ministério da Saúde.

Rudolfo Lago: Mas é possível funcionar sem o conhecimento deles?

Antonio Carlos Biscaia: Isso... o que você percebe é que a relação da Planam era com algum tipo de servidor, evidentemente, e em alguns casos, eles obtiveram até as senhas dos parlamentares para elaboração dos pré-projetos, quer dizer, o pré-projeto de responsabilidade do prefeito que tem que encaminhar, a quadrilha elaborava o pré-projeto. Mas eu volto a insistir: não há nada que possa responsabilizar os ministros. Entretanto, vamos deixar para a segunda fase e, se for o caso, essa convocação pode até se concretizar. Neste momento, ela inviabiliza a CPMI e vai transformá-la em guerra política, o que não quero que aconteça.

Paulo Markun: O senhor acha que tem gente interessada, da oposição e do governo, interessada em inviabilizar a CPI?

Antonio Carlos Biscaia: Na medida em que o número está se ampliando, é possível que haja uma reação contrária. Mas, hoje, pelos integrantes da CPMI, nós teremos número de votos suficientes, quer dizer, são 36 membros, 19 parlamentares. Eu tenho convicção de que conseguiremos no mínimo 19 parlamentares que, no dia 10, aprovem o relatório de forma integral.

Gerson Camarotti: O senhor falou um pouco do esforço em não politizar a CPI. O governo de alguma forma tem mostrado preocupação em relação a isso. Chegou a ser noticiado numa reunião que seus colegas, lá, vazaram, [que] o senhor recebeu um telefonema do ministério das Relações Institucionais, do ministro Tarso Genro. O que é que o ministro falou com o senhor? Ele mostrou preocupação com o andamento da CPI?

Antonio Carlos Biscaia: Não. Em momento algum houve esse tipo de colocação. A preocupação é que as investigações sejam seguras e profundas. Não houve, por parte do ministro Tarso Genro, quando manteve um contato comigo, nenhum tipo de preocupação relacionada à isenção desse ou daquele parlamentar, em absoluto. Não era esse o procedimento e nem isso é possível com relação a mim. Eu sou imune a pressão dessa natureza.

Luiz Carlos Azedo: Deputado, qual é o desdobramento prático do trabalho da CPI com relação a esses parlamentares? Porque o senhor, às vezes, dá a impressão do seguinte, de que a CPI vai fazer seu trabalho e "entregar pra Deus" o resultado do trabalho. O senhor, às vezes, demonstra uma certa, vamos dizer assim...

Antonio Carlos Biscaia: Pra Deus?

Luiz Carlos Azedo: Entregar pra Deus, que eu digo, no sentido de que essa coisa, a CPI fez seu trabalho e pronto, acabou aí. O senhor acha que a Câmara e o Senado vão adotar um procedimento, vamos dizer assim, radical, no sentido das cassações desses parlamentares? Qual a avaliação que o senhor faz?

Antonio Carlos Biscaia: Eu tenho fé católica, cristã, mas eu não vou "entregar pra Deus". Eu vou entregar, dia 10, para Aldo Rebelo [deputado pelo PC do B, presidente da Câmara dos Deputados de 2005 a 2007], e vou entregar para Renan Calheiros [senador membro do PMDB que foi eleito, em 2006, como presidente do Senado federal]. Agora, o que eu digo é não tenho responsabilidade.

Luiz Carlos Azedo: O senhor acredita que haverá uma mobilização?

Antonio Carlos Biscaia: Eu espero que tenha.

Luiz Carlos Azedo: Liderada pelo presidente da Câmara e do Senado para cassar esses parlamentares?

Antonio Carlos Biscaia: Eu espero que sim.

Luiz Carlos Azedo: O senhor já conversou com eles sobre isso?

Antonio Carlos Biscaia: Aldo Rebelo está preocupado,  imediatamente encaminhará. Ele me disse.

Luiz Carlos Azedo: O senhor já conversou com ele sobre isso?

Antonio Carlos Biscaia: Com Aldo Rebelo, sim.

Luiz Carlos Azedo: O que ele falou sobre isso?

Antonio Carlos Biscaia: Que “imediatamente ao receber convocarei a mesa e encaminharei para o Conselho de Ética todos os nomes”. Agora, aí, volto à questão: será possível no mês de agosto você ter trabalhos legislativos para que os processos de cassação avancem?...

Luiz Carlos Azedo: Às vésperas das eleições é uma grande pizza no Congresso...

Antonio Carlos Biscaia: Isso não é pizza, não.

Luiz Carlos Azedo: Eu volto à minha pergunta original, a minha primeira pergunta, era essa uma grande pizza? Para que serve?

Antonio Carlos Biscaia: Isso é não pizza. A CPMI aponta, para a nação brasileira, que existem 75, 80, 83, não sei ainda, deputados, e mais 20 e tantos ex-deputados envolvidos com essa prova. Isso não é pizza, cassação não tem...

Rudolfo Lago: Não tem nem seis meses que uma outra CPI também apontou mais de uma dezena de deputados envolvidos no esquema e todos eles...

Antonio Carlos Biscaia: Escaparam.

Rudolfo Lago: Praticamente todos eles foram absolvidos. Por que que o senhor acha que vai ser diferente do que aconteceu na CPI do Mensalão?

Antonio Carlos Biscaia: Eu não acho que é diferente, eu estou dizendo que a CPMI vai apresentar elementos concretos, eu não tenho dúvida, a prova na maioria dos casos é inquestionável, sem dúvida alguma...

Rudolfo Lago: Quantos cargos são, deputado, só pra ficar bem claro pra gente?

Antonio Carlos Biscaia: ... agora, a cassação, você acha, vamos admitir, você acha que no mês de setembro, a um mês da eleição ou mesmo depois, quando a matéria for a plenário, os parlamentares vão votar 257 votos pela cassação? Isso é muito difícil, mas nós temos que nos mobilizar, ninguém acredita também na cassação das urnas. Será que o eleitor brasileiro, ele não vai saber quais são? Ele vai continuar elegendo todos eles? Eu também confio que o eleitor tenha discernimento nesse momento. Agora, nós não podemos, na CPI, assumir a responsabilidade quanto à cassação de mandato. Esse não é o nosso papel.

Leonardo Souza: Deputado, especificamente sobre a cassação...

Gerson Camarotti: No início da CPI, teve um constrangimento quando o líder do PMDB no Senado, que é o senador Ney Suassuna, que está citado desde o início nos relatórios e nos depoimentos, quando ele passa a indicar o relator da CPI, membros. Isso não está criando um constrangimento dentro da própria CPI?

Antonio Carlos Biscaia: Aí, não podemos também... o regimento da Câmara diz que o líder indica os membros. Então, se houve algum membro que foi citado, ele foi indicado pelo líder do seu partido. Quando eu tomei conhecimento disso, eu disse, “causa constrangimento, evidentemente, porque vai votar”. Agora, a CPI não tem poderes para afastar quaisquer de seus integrantes. Eu apenas declaro. Num dos casos, o deputado Marcondes Gadelha apresentou seu pedido de afastamento. Então, é isso que tem que ser feito. A gente não tem condições, dentro de uma CPMI, que é uma comissão parlamentar, de evitar esse tipo de indicação de natureza política.

Leonardo Souza: Deputado, só para ficar claro, porque no começo, ali, achei que houve uma certa confusão em relação aos números. Dos 90 que estão sendo investigados pela CPI, quantos, hoje, o senhor diria que há provas concretas, que seria possível encaminhar para o Conselho de Ética para um processo de cassação?

Antonio Carlos Biscaia: Veja, os 90 são aqueles que estão sendo, inclusive, foram notificados por iniciativa minha. A CPMI não precisava ouvir os 90 deputados. Eu disse: “Vamos ouvi-los”. “Mas como, vamos ouvir? Marcar audiência?”. Eu digo: “Vamos marcar audiência”. Nós íamos ouvi-los por escrito. Todos foram notificados, todos apresentaram suas defesas, e vão ser analisadas, também. Então, pelo que eu examinei, eu ainda não vi o resultado final, porque não estive em Brasília, hoje...

Leonardo Souza: Mas, hoje...

Antonio Carlos Biscaia: ... estarei, amanhã. Mas a minha percepção é que existem elementos suficientes para a incriminação em torno de 80 dos 90. Esta é a minha avaliação.

Leonardo Souza: Em torno de 80, dos 90. E os senadores? Esse número incluiu os senadores?

Antonio Carlos Biscaia: Incluiu os senadores porque nos 90, estão incluídos três senadores.

Leonardo Souza: Que tipo – não precisa citar nomes – mas que tipo de prova que o senhor considera, assim, irrefutável, até é um termo que está se usando na CPI, capaz de levar essa...?

Antonio Carlos Biscaia: A relatoria é de responsabilidade do senador Amir Lando. Ele convocou outros parlamentares e os designou sub-relatores, e eles estão colaborando para o trabalho dele. Agora, eu vou responder pela minha convicção.

Leonardo Souza: Isso, pela convicção do senhor.

Antonio Carlos Biscaia: Minha convicção pessoal: eu entendo que se há, entre os seis itens que nós colocamos, a emenda apresentada pelo parlamentar, ele é referido no depoimento, quer dizer, ele é conhecido da quadrilha e ele tem algum tipo de documento que o incrimine, para mim, é suficiente.

Leonardo Souza: Então, que tipo de documento que o incrimina, hoje? Eu acho que esse é o ponto, um exemplo...

Antonio Carlos Biscaia: Estou dizendo, eu já disse que depósito, os casos de depósito. É a certeza da impunidade! Porque chega a ser revoltante que um parlamentar tenha recebido em seqüência, por diversos meses, isso em sua própria conta-corrente, depósitos do grupo Planam. Esses casos, então, são prova absoluta.

Claudio Weber Abramo: Pode ser um empréstimo?

[risos]

Antonio Carlos Biscaia: Mas...

Claudio Weber Abramo: Não, não, desculpe , a pergunta não é...

Antonio Carlos Biscaia: O advogado pode querer dizer isso.

Claudio Weber Abramo: Como é que se vai estabelecer o nexo causal [em jargão jurídico, vínculo direto entre a conduta ilícita e o dano, elemento necessário para se configurar a responsabilidade civil do agente causador do dano] entre a emenda e o depósito? Este é um problema, naturalmente, de quem precisa condenar essas pessoas.

Antonio Carlos Biscaia: Eu sei, mas veja aí, quer dizer, aqui, a prova é mais que suficiente para a cassação do mandato. Esses argumentos que advogados vão utilizar, isso aí, vamos deixar lá...

Claudio Weber Abramo: Mas o senhor é advogado...

Antonio Carlos Biscaia: Eu sou advogado, mas eu sou membro do Ministério Público. A minha formação é essa. Os elementos são suficientes para responsabilizá-los. Eu não tenho a menor dúvida quanto a isso, só vou...

Leonardo Souza: Eu perguntei sobre o documento pelo seguinte, porque a gente sabe, ali, nos bastidores da CPI, pelo menos o que se diz, prova documental, assim, irrefutável não chegaria a esses 80. Que até alguns integrantes da equipe técnica falam que seriam uns 30, por exemplo, com depósito na conta. O senhor viu provas documentais capazes de atingir 80 investigados?

Antonio Carlos Biscaia: Cerca de 80, pode ser 78, mas eu não sei exatamente, essa é minha convicção. Essa questão de número, aí, aquela turma, alguns parlamentares vão, apresentam seu dados, uns falam em 130, outros querem reduzir o número. Eu não quero dar números exatos.

Leonardo Souza: Arredondaria, ali, para 80?

Antonio Carlos Biscaia: Eu tenho essa convicção, mas a relatoria não é da minha responsabilidade.

[depoimentos de pessoas, gravados nas ruas]

Repórter: Você acha que vai ter algum tipo de punição, ou não?

Márcia Cristina Esteves (São Paulo): [risos] Do que a gente vê por aí, né, eu ainda creio que sim. Eu quero acreditar que eles vão ser punidos. Eu quero crer nisso, que eles serão punidos.

Mário Faria (São Paulo): Devem ser cassados, devem repor o dinheiro que gastaram, e serem publicados os nomes deles para que não sejam mais reeleitos.

Paulo Markun: A lista completa dos parlamentares acusados pode ser vista também no site www.tvcultura.com.br/rodaviva. Para isso, você entra na página do programa com o nome do presidente da CPI, clica em “Veja a lista completa” e localiza ali os 91 deputados e três senadores com nomes, estados de origem e partidos por que atuam. A maioria faz parte da base governista, prerrogativa que facilitou ainda mais a aprovação das emendas que garantiram verbas para o negócio fraudulento. Deputado, a pergunta é de Bruno Maia, de Fortaleza: os parlamentares envolvidos no esquema dos sanguessugas poderão concorrer nas eleições de outubro? Existem meios ou tempo hábil para se impugnar essas candidaturas?

Antonio Carlos Biscaia: Lamentavelmente, a legislação eleitoral, a lei eleitoral só fala da inelegibilidade, ela dispõe que só serão inelegíveis aqueles condenados com decisão transitada e julgada. Aí, nós estamos tratando de pessoas que ainda vão ser investigadas, que ainda vão ter um processo de cassação, se for o caso, iniciado. Então, não há dentro da lei essa possibilidade de impugnação.

Paulo Markun: Mas o eleitor pode escolher quem ele quiser.

Antonio Carlos Biscaia: O eleitor pode, e aí vamos buscar outros caminhos. O deputado Miro Teixeira defende a tese do parágrafo 10, do artigo 14 da Constituição, que diz que qualquer mandato de qualquer candidato eleito, se comprovado abuso do poder econômico e prática de crime, ele pode ser impugnado num prazo, num momento em que haja, num prazo depois da diplomação...

Paulo Markun: Quinze dias depois da diplomação.

Antonio Carlos Biscaia: É. Ele está consultando o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] a esse respeito, sobre essa possibilidade. Vamos aguardar a consulta. Qualquer que seja o resultado, eu acho que tem que haver movimentação nesse sentido, porque é uma regra que, ao contrário da anterior, que também fala de improbidade no parágrafo nono, que depende de lei complementar, esse parágrafo não depende de regulamentação constitucional. Então, é possível que se vá ao judiciário no sentido de se impugnar esses eventuais eleitos.

Alexandre Machado: Deputado, só a propósito do que o senhor está falando, o senhor agora há pouco, quando eu mencionei essa consulta do deputado Miro Teixeira, o senhor disse que não sentia que houvesse uma boa recepção dessa proposta no judiciário. O senhor podia nos dizer por quê?

Antonio Carlos Biscaia: Porque já houve, anteriormente, tentativa. E o judiciário não foi muito receptivo porque considerou que não estava suficientemente comprovado aquele abuso do poder econômico. É aquela percepção que muitas vezes o judiciário tem de que o resultado das urnas não tem que ser questionado. Mas nós temos que insistir para que isso mude, né? O que você percebe, quem já teve algum tipo de relação com a Justiça Eleitoral, percebe que há esse entendimento, essa jurisprudência. Muitas vezes, você tem elementos que comprovam o abuso do poder econômico, uma fraude. “Não, mas as urnas já consagraram” ou elegeram, e acabam tendo decisão favorável àquele cujo mandato foi impugnado. Mas acho que é uma movimentação que tem que ser feita no sentido contrário, mobilização da sociedade, dos meios de comunicação, e o judiciário tem que compreender que tem que interpretar isso de forma diferente.

Alexandre Machado: Até porque nós corremos um risco, além da reeleição desses deputados, também, que prefeitos – já existe uma lista de 77 prefeitos que estariam envolvidos, também, com esses mesmos crimes ou parte dos mesmos crimes –, muitos deles também vão ser candidatos, né? Eventualmente, nós podemos substituir esses deputados de agora pelos prefeitos que estavam do outro lado da ponta, né?

Antonio Carlos Biscaia: Também é possível. Se eles, neste momento, estiverem se candidatando a cargos no legislativo, é possível.

Alexandre Machado: Esta consulta ao judiciário fica mais importante porque, de repente, você tem mais um elemento para barrar esse pessoal.

Claudio Weber Abramo: Mas a resistência quanto à consulta do deputado Miro Teixeira, que diz respeito ao artigo 14, parágrafo dez da Constituição, é que esse dispositivo constitucional é entendido como se referindo a um processo eleitoral: corrupção no processo eleitoral. Foi assim que foi aplicado, sempre. Passaram – inclusive, está no âmbito do dispositivo. É essa a resistência que se coloca, né? –, e o Miro pretende, é como, só que isso, como não está colocado explicitamente, né, não está com todas as letras, o deputado Miro Teixeira...

Paulo Markun: É esticar.

Claudio Weber Abramo: É esticar e interpretação. Agora, a resistência se dá por esse formalismo, esse negócio de dizer: “Não, não estava escrito”.

Luiz Carlos Azedo: Deputado, há uma certa, assim, um senso comum entre os políticos de que a eleição funciona como uma espécie de purgatório. O sujeito que perde a eleição vai para o inferno, o sujeito que ganha a eleição vai para o céu. E aí, zera o marcador, e ele volta para... por isso é que, por exemplo, é comum político sob investigação renunciar ao mandato para não ser cassado e não perder os direitos políticos, e ele tem a chance de ir para o purgatório e disputar eleição, e, se for eleito, volta para o céu. Está lá no Congresso. Então, essa aposta de “Bom, se a Câmara não cassar, o eleitor vai decidir” não é uma aposta, assim, perigosa, institucionalmente? Porque o fato objetivo é o seguinte: é que o Congresso, o Congresso Nacional está se desmoralizando perante a opinião pública e ele tem uma missão constitucional, um papel institucional relevante a cumprir. Quer dizer, um Congresso que não decide mais sobre grandes políticas, porque o governo legisla por medida provisória, e o orçamento é autorizativo, [por isso] o governo tem obrigação de executá-lo. E que ficou, vamos dizer assim, cuidando da “pequena política”, e a pequena política é isso aí, que está se descobrindo. O senhor não acha que é preciso, talvez, uma articulação de maior envergadura no plano político, das lideranças do Congresso, para enfrentar a situação? Porque nós corremos o risco sério, ainda mais se o país sair dessa eleição, aparentemente como vai sair, muito esgarçado pela disputa eleitoral, como o senhor vê isso, assim? Tirando a coisa imediata de que a CPI no dia 10 vai entregar o relatório e terminou seu papel. O senhor vai deixar de ser presidente da CPI e vai continuar sendo um deputado representando um estado importante que tem uma das bancadas mais comprometidas com isso que está acontecendo...

Antonio Carlos Biscaia: A maior bancada.

Claudio Weber Abramo: Mais comprometida com tudo isso que está acontecendo. Como é que o senhor vê isso?

Antonio Carlos Biscaia: Nós somos democratas, o regime democrático do direito exige que se tenha o poder legislativo, essa é a própria essência da democracia, nós temos que defender o legislativo como instituição. Nós não vamos nunca ter qualquer tipo de posição que seja aquela da ditadura: “Vamos fechar o legislativo!”. Não é esse o caminho. Vamos defender o legislativo como instituição. Essa sua preocupação é a mesma que eu tenho, e diversos outros parlamentares têm essa preocupação. Eu acho que é chegado o momento de se buscar um resgate do legislativo como instituição, independentemente da vinculação político-partidária daqueles integrantes que estão com essa preocupação. Então, já temos conversado sobre isso, diversos parlamentares, temos conversado sobre este tema. É importante que se busque na função legislativa aquilo que é interesse maior do país, o que não tem acontecido em determinados momentos. Além dessas questões que significam excesso de medidas provisórias, são, evidentemente, votações em que o interesse nacional, interesse público não é considerado. As disputas partidárias, elas prevalecem, e isso ficou evidente, por exemplo, no segundo turno, em que foi eleito o Severino Cavalcanti [apesar da pouca expressão, acabou eleito presidente da Câmara, tendo como base eleitoral deputados de pequenos partidos. Renunciou após denúncias de tráfico de influência]. As pessoas, aquelas que eu considero íntegras e de bem, votaram em Severino Cavalcanti para derrotar o candidato, que era o candidato do Partido dos Trabalhadores, que era candidato de preferência do presidente Lula. E aquilo foi uma questão inaceitável, quer dizer, levaram o legislativo àquele quadro todo por uma disputa política. É chegado o momento em que aqueles parlamentares de todas as siglas partidárias que têm princípios, valores, que têm compromisso, buscarem entendimento. Eu tenho defendido isso. Já aqueles que vierem a ser reeleitos, que tenham essa consciência, isso será possível. Se nós perdemos essa esperança, não sei qual vai ser a situação.

Paulo Markun: Deputado, o senhor não é, se não estou enganado, o senhor não é um político profissional, está na sua segunda legislatura e também não é petista histórico. Não é verdade? Não sei se o senhor é fundador do PT, creio que não.

Antonio Carlos Biscaia: Não, em absoluto. Eu era membro do Ministério Público, não exercia atividade política e partidária. Me filiei um ano antes, em 1997, um ano antes da minha primeira eleição em 98.

Paulo Markun: A pergunta que eu faço é a seguinte: como o senhor se sente como cidadão, em ser político, vivendo esse salseiro?

Antonio Carlos Biscaia: Eu já refleti muito. Veja, no momento em que eu deixei de ser procurador geral da Justiça, eu não quis ir para o tribunal. Era um caminho, mas eu achei que poderia colaborar numa atividade política. Optei pelo legislativo, acho que cumpro a minha função partidária. Agora, antes de acontecer de eu ser convidado pelo meu líder [deputado federal pelo PT-RS] Henrique Fontana, para integrar e presidir essa comissão, eu tinha cogitado de não concorrer novamente, né? É uma cogitação que foi uma decisão tomada com a família, eu estava pensando, eu estava refletindo se deveria ou não. Exatamente por essa série de fatos que estão acontecendo. Mas, no final, eu tomei outra decisão. Não quero entrar em detalhes, vocês sabem quais são as razões, aqui. Não se pode entrar em detalhes sobre isso neste momento. Mas de qualquer maneira, eu acho que é importante que as pessoas permaneçam na atividade política, com todas essas dificuldades. Porque senão, nós vamos ter, aí, o risco de se ter uma dita renovação para pior, na próxima legislatura. E o legislativo ele não é muitas vezes considerado, é outra percepção que não se tem. “Eu quero escolher o presidente da República”. “Qual o governador, qual é o prefeito?”. E as pessoas não querem nem saber [do legislativo]. No Rio de Janeiro, nas últimas eleições em 2002 - nós temos no Rio de Janeiro 12 milhões de eleitores e na ocasião, tínhamos 11 milhões - votaram para presidente da República e governador, 8 milhões. Cerca de quatro milhões, apenas, votaram no legislativo. Aí, você vê, Markun, o pouco caso que se tem. Quer dizer, então, é uma responsabilidade que atinge os eleitos, mas evidentemente ela também alcança os eleitores, isso é inquestionável.

Paulo Markun: Agora, deputado, nessa questão, também, há uma coisa é que é difícil para o cidadão comum que freqüentar o Congresso Nacional, compreender – eu demorei para entender isso, às vezes não entendo direito – é como a gente verifica figuras que são adversários políticos, que pensam completamente diferente, convivendo ali, no cafezinho, batendo papo, amigavelmente, disputando as coisas. Mas, enfim, é uma confraria. E, no entanto, essa mesma confraria se reproduz na CPMI dos Sanguessugas com algumas figuras de vários partidos que se uniram ali para fazer algum tipo de trabalho, e que têm feito até o momento, conseguido essas coisas, não entrar na disputa política, se manter um pouco distante dos holofotes, quer dizer, numa CPMI que tem menos holofotes, mas tem holofotes. Claro, mas muito menos do que a média das anteriores. Isso é o lado bom e o lado ruim do Congresso. O senhor enxerga isso como um dado positivo? Quer dizer, é possível disputar e ao mesmo tempo tomar café, bater nas costas e ser amigo?

Antonio Carlos Biscaia: Eu também tenho uma posição pessoal nisso. Eu... lá na Câmara, são 513. Eu tenho relação, independentemente dos partidos, eu tenho relação cordial, dou exemplos de pessoas, vou dar um exemplo de uma figura que é um exemplo de parlamentar, o deputado Roberto Magalhães, do PFL de Pernambuco. Eu procuro conviver com parlamentares, além dos meus partidos, de outros partidos, pessoas que tenham princípios e integridade. Eu me afasto, eu não tenho condições de conversar com algumas figuras. Isso é até uma dificuldade minha, sou até criticado por isso, porque isso não faz parte. O Parlamento, na própria acepção do que significa parlamento, ele exigiria que se parlamentasse com todos, indistintamente. Eu não tenho... eu tenho uma dificuldade absoluta. Em alguns casos, os fatos até revelaram que eu estava com a razão em não falar com algumas figuras que estão por aí, algumas das quais foram responsáveis por graves desvios de conduta e por esquemas de corrupção, que a gente já tinha conhecimento de longa data, só que parece que aqueles que negociaram com eles não os conheciam. Agora, nós os conhecíamos, já, pelo menos do Rio de Janeiro, muito bem.

Paulo Markun: Última pergunta, deputado, o senhor ainda é otimista, o senhor ainda acha que o próximo Congresso pode ser melhor que o atual?

Antonio Carlos Biscaia: Eu acho que não devemos perder o otimismo. Agora, há uma preocupação, porque com todo esse quadro, se os eleitores de opinião estão indignados e disserem que estão pregando voto nulo e outras alternativas, se isso crescer, lamentavelmente aqueles que ainda compram votos vão continuar comprando, e aí, você pode ter até um quadro pior do que esse, lamentavelmente. Não se pode descartar essa hipótese.

Paulo Markun: Deputado, muito obrigado pela sua entrevista. Obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa, e estaremos aqui na próxima segunda-feira, com mais um Roda Viva. Uma ótima semana é até segunda.

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