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Memória Roda Viva

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Juca de Oliveira

30/9/1991

O ator, diretor, escritor e autor de teatro fala de suas peças, do papel da crítica e das políticas de incentivo à cultura

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Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. Hoje vamos falar de teatro, televisão, cultura em geral e quem sabe até de política. No centro da roda está o ator, diretor e escritor, autor de teatro, Juca de Oliveira. Lembramos que o Roda Viva também é transmitido ao vivo pela TV Minas Cultural e Educativa; TVE do Ceará; TV Cultura do Pará; TVE da Bahia; TVE de Porto Alegre e TVE do Mato Grosso do Sul. Juca de Oliveira tem 56 anos, fez sucesso na televisão com vários personagens e no teatro especificamente com três peças que escreveu: Baixa sociedade, em [19]78, que teve cerca de 400 mil espectadores; Motel Paradiso, em [19]82, com 700 mil; e Meno male, que ficou quatro anos em cartaz e teve cerca de 2 milhões de espectadores. Agora, Juca de Oliveira está estreando uma nova peça, As atrizes, que ele considera uma homenagem às mães da dramaturgia brasileira. Para entrevistar o Juca de Oliveira, esta noite no Roda Viva, nós convidamos Alex Solnik, jornalista da revista Interview; Irene Ravache, atriz, diretora e produtora de teatro; Rinaldo Gama, sub-editor de artes e espetáculos da revista Veja; Luiz Fernando Emediato, jornalista; Jayme Martins, jornalista da TV Cultura; João Wady Cury, coordenador de nacional e política da sucursal de São Paulo do jornal O Globo; Annette Schwartsman, repórter da Folha Ilustrada, [caderno do jornal] Folha de S. Paulo e Aimar Labaki, jornalista, crítico de teatro da TV Bandeirantes, produtor e apresentador do programa Para teatro da rádio 89 FM. Você que está em casa, [s]e quiser fazer perguntas por telefone, pode chamar 252-6525, 252-6525; a Shizuka, a Cristina e a Viviane estarão anotando as suas perguntas. Boa noite, Juca.

Juca de Oliveira: Boa noite.

Jorge Escosteguy: Você estréia uma nova peça agora, depois do sucesso... o grande sucesso de Meno male, Você talvez seja uma das poucas pessoas que conseguem fazer muito sucesso em teatro estando longe da televisão. Aí caberia, de repente, aquela velha pergunta: qual é o segredo do seu sucesso?

Juca de Oliveira: Eu tenho a impressão [de] que o segredo do sucesso é exatamente a inexistência de segredo, não é? Eu tenho a impressão [de] que você nunca faz sucesso quando você parte na busca do sucesso. Sempre que você... que você projeta um resultado, você não chega lá. Eu acho que você faz sucesso quando você mergulha apaixonadamente no processo. Aí, então, naturalmente, você acaba enveredando por caminhos que você não percorreu antes, encontrando sendas um pouco desconhecidas, e aí você pode chegar a um resultado bom. Mas quando você projeta assim: “Agora eu vou ganhar dinheiro!”, você fracassa; “Agora eu vou ganhar o prêmio!”, você não recebe o prêmio, não é?

Jorge Escosteguy: Mas você seguramente não escreve ou não monta peças pensando em ter prejuízo...

Juca de Oliveira: Não, não, mas você não pode nunca projetar o resultado. O que comanda tudo isso são as deusas; os deuses do teatro é que comandam esse espetáculo de magia. E as deusas são rancorosíssimas para com os gananciosos. Então, se você projetar o resultado, entrou bem.

Jorge Escosteguy: Tudo bem. Por que é que essa peça As atrizes é em homenagem às mães da dramaturgia brasileira? O que é que você quer dizer com isso?

Juca de Oliveira: Não, não. Eu até estou estranhando. Não... a idéia não é essa.

Jorge Escosteguy: Foi uma entrevista que você deu...

Juca de Oliveira: É.

Jorge Escosteguy: ... para a revista IstoÉ.

Juca de Oliveira: Às mães talvez eu tenha... não sei. A idéia é a seguinte: quando... essa... essa peça nasceu até de uma... de uma sugestão da Irene Ravache, que está aqui conosco, quando nós fazíamos o De braços abertos [espetáculo de 1984 com texto de Maria Adelaide Amaral], ela sugeriu que eu fizesse uma peça sobre as atrizes. Eu achei uma excelente idéia, passei então a pesquisar muito a partir... evidentemente, primeiro da própria Irene, e depois na pesquisa de outras atrizes, lendo as biografias, pesquisando as entrevistas e tudo. E o que eu constatei aqui no Brasil e me deixou muito feliz - e um pouco perplexo - é que o que é surpreendente nas atrizes é exatamente o repertório das atrizes. O repertório das atrizes, [d]aquelas que fizeram o teatro brasileiro, é infinitamente mais significativo do que o repertório dos homens. Aquilo que compõe... o painel que compõe o repertório das atrizes é sempre... são os gregos, Sófocles [dramaturgo grego (496 a.C-406 a.C), autor de Antígona, Édipo rei e Electra, dentre outros textos], Eurípides [poeta trágico grego (485 a.C-406 a.C)]... aí você passa por Shakespeare, passa por... por todos os grandes, [como] Tchecov [(1860-1904) dramaturgo russo, entre os mais encenados em todo o mundo], Shaw, e assim vem até passar, chegando em Brecht e Lorca [Frederico García Lorca (1898-1936) poeta e dramaturgo espanhol]. E elas têm um repertório muito significativo, muito, muito importante. E não só o repertório, mas a reflexão das atrizes na pesquisa das entrevistas, daquilo que eu colhi nos jornais e nas autobiografias e biografias, é muito consistente... a reflexão das atrizes sobre problemas de cultura, problemas estéticos, problemas da arte. E eu fiquei... eu falei: “como [é] que o nosso repertório...? [como] nós, homens, produzimos um repertório menos significativo, de um modo geral mais frívolo, mais fútil – não é? - e elas produzem um repertório forte?”. E, discutindo outro dia com uma colega, ela me dizia, até de uma forma muito simpática, ela dizia assim: “Não, é o seguinte: é que vocês ainda têm uma deformação de chefes de família e não podem partir para um repertório de resultado econômico fortuito. Vocês têm que suprir a dispensa da casa...”...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Mas você chegou a alguma conclusão?

Juca de Oliveira: ... “e nós, nós, atrizes, ficamos mais livres.”. Eu não acho absolutamente isso. A minha conclusão é a seguinte: o teatro sempre antecipa-se um pouco à sociedade, e o que acontece é que o que caracteriza este momento [em] que nós vivemos é que, depois de três mil anos, nós estamos vivendo o fim... os últimos... os estertores do patriarcalismo, e as mulheres estão chegando para dar uma ordem na casa, né? Então é isso, quer dizer: no teatro está acontecendo aquilo que está acontecendo na sociedade.

Jorge Escosteguy: Alex Solnik, por favor.

Alex Solnik: Como é que você se relaciona com as atrizes? Eu digo do ponto de vista pessoal. Você já se apaixonou por alguma atriz [com] que[m] você contracenou? Você fez uma peça com a Irene [Ravache], por exemplo – né? - e nessa peça você fazia o papel do amante dela, não era isso? De alguma forma, essa analogia entre os papéis na vida real e o papel no teatro leva a algum tipo realmente de... de paixão? Você sentiu paixão, mesmo que fosse platônica, por uma atriz  com quem você estava contracenando?

Juca de Oliveira: Eu tenho a impressão que não. Eu tenho impressão [de] que o que leva... eu quero dizer que quando você faz profissionalmente não existe um envolvimento, não é verdade? Você está fazendo um trabalho a partir de quê? A partir da personagem que você busca dentro de você mesmo. E você procura recalcar aquilo que está mais à flor da pele e aflorar aquilo que está recalcado, para que você construa uma personagem parecida com essa criatura que você vai vestir, [a] que[m] você vai emprestar um pouco de você mesmo. Mas é evidente que é sempre você mesmo: você nunca consegue se descartar de você mesmo representando. Então a paixão, o amor circunstancial do fato de duas pessoas estarem juntas, eu acho isso, pelo menos no meu caso específico, não tem se dado assim, né? Eu não tenho me apaixonado pelas atrizes com quem eu trabalho. Eu me apaixono sim por elas no sentido de... e sou um grande apaixonado por Irene Ravache, não é Irene?

Irene Ravache: Estou tristíssima.

[Risos]

Jorge Escosteguy: Você tentou corrigir, mas ela não gostou.

Juca de Oliveira: Mas... Hein? Não. Mas eu acho que não há...

Alex Solnik: [Interrompendo] E das atrizes em relação a você? Você já sentiu algum...

Juca de Oliveira: Eu acho que...

Alex Solnik: ... sentimento da atriz em relação a você?

Juca de Oliveira: Não, não. Eu...

Alex Solnik: De alguma atriz?

Juca de Oliveira: Sabe o que acontece? De um modo geral, o que pode eventualmente acontecer - e isso acontece eu acho que não com relação aos atores ou às atrizes, isso pode acontecer com o relacionamento profissional de qualquer profissão -, o que pode acontecer é que um ator ou uma atriz  que tenha um determinado tipo de dificuldade profissional pode exercitar o seu fascínio pessoal para que seja aceita profissionalmente, ou aceito profissionalmente. Isso eventualmente pode acontecer, e a pessoa pode eventualmente acreditar ser apaixonada pelo parceiro. Mas isso são casos muito... [faz expressão indicando que sejam casos raros], né? O que tem se verificado pelo menos não é isso. Na minha área não conheço pessoas que tenham se apaixonado. Você tem se apaixonado muito pelos seus colegas, Irene?

Irene Ravache: Só por você, Juca.

[Risos]

Jorge Escosteguy: Aimar Labaki, por favor.

Aimar Labaki: Juca, nessa nova peça As atrizes você volta a um tema que não é recorrente na sua dramaturgia, mas é recorrente nas suas entrevistas, que é a diferença entre teatro e televisão. E uma vez, quando o Jardel Filho [ator carioca (1927-1983)] morreu, você comentou com o Jefferson Del Rios [crítico teatral (1943-)] que a televisão, ela não faz mal... é uma teoria que você teria [de] que a televisão não faz mal só do ponto de vista ideológico ou estético, mas faz mal fisicamente mesmo para o ator. Estaria ligado à energia que você gasta no palco, tudo aquilo. Eu queria que você falasse um pouquinho disso.

Juca de Oliveira: Bom, ...

Rinaldo Gama: [Interrompendo] Pegando uma carona aqui, Juca. Aproveitando aqui a pergunta do Aimar com [relação a] essa coisa da relação do teatro e da televisão: como é que você está vendo... como é que você viu, nesses últimos anos de sucesso das suas peças, a presença de gente de televisão no elenco? Assim, como uma forma... se isso foi bom para os atores ou as atrizes que eram de televisão, que foram fazer teatro com você, ou foi bom realmente para o próprio espetáculo no sentido de atrair pessoas para lá, porque, enfim, conheciam aquelas pessoas de novelas, cinema, às vezes, mas principalmente da televisão?

Jorge Escosteguy: Nessa peça que você está estreando, estreou em Curitiba, por exemplo, você tem a Lucélia Santos [atriz (1957-)], a Tônia Carrero [(1922-), uma das mais consagradas atrizes brasileiras, ver entrevista com Tônia Carrero no Roda Viva], o Osmar Prado [(1947-), ator] e o Mauro Mendonça [(1931-), ator com extensa carreira na televisão]; todos, de alguma forma, estão atuando na televisão, recentemente.

Juca de Oliveira: É. Bom, começando pelo Labaki, é o seguinte: uma ocasião... [n]uma ocasião nós lutamos muito para que nós tivéssemos uma regulamentação da... uma regulamentação do trabalho profissional, não é? Que tivesse condições de trabalho e, sobretudo, no que diz a respeito ao horário de trabalho, ao horário das gravações, à jornada de trabalho. E nós verificamos, no passado, numa ocasião, que os processos mecânicos e eletrônicos de fixação da imagem, eles se aceleram vertiginosamente à medida que a tecnologia avança, mas os processos de fixação da palavra, de memorização, eles são ainda os antigos, utilizados pelos gregos - né? - nós não encontramos outra forma de memorizar. E como nós gravamos cada vez mais cenas e mais cenas, e, portanto, teríamos que, em casa, memorizar mais e mais palavras, a ponto de, às vezes, memorizarmos 150 páginas numa semana, [o que acontecia com] aqueles que falavam muito. Eu lembro que a gente... eu fiz uma novela, por exemplo, com Regina [Regina Duarte (1947-), uma das mais requisitadas atrizes da TV brasileira] e que nós nos encontrávamos no começo da gravação, e nós aferíamos o que nós íamos falar não pelo volume de páginas, não, [mas] pelo peso [discretos risos gerais]. Ela tinha uma prancheta e eu tinha outra e eu falei: “dá licença um pouquinho. [gesticulando como se estivesse pesando algo com as mãos] Ih, você fala mais do que eu, está pesando muito, mais ou menos uns 800 gramas de palavras.”. E o que aconteceu numa época muito curiosa, eu era inclusive presidente do sindicato [Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated)], é que nós constatamos que um número grande de atrizes, todas baixaram no hospital: furúnculos e problemas de erupções cutâneas, e problemas de... uma série de coisas. E eu, em contato com, naquela época era... não sei se era o Passarinho  [Jarbas Passarinho (1920-), ministro do Trabalho e Previdência Social de 1967 a 1969] [ou se] era o Júlio Barata [(1905-1992), foi ministro do Trabalho e da Previdência Social de 1969 a 1974], o ministro do Trabalho, eu levei ao Ministério do Trabalho a necessidade urgente de nós estabelecermos um horário máximo de cinco horas de gravação, porque eu acreditava que o efeito da memorização do texto sobre os atores... nós... apesar de nós não termos ainda uma perspectiva científica sobre esse efeito, o fato concreto é que as atrizes estavam todas baixando no hospital. E eu... até hoje nós não temos um... nós não temos uma... um diagnóstico preciso, mas eu sou levado a acreditar que o trabalho da memorização do texto e a recitação, quer dizer, você decorar e recitar, decorar e recitar, provavelmente seja o trabalho mais cansativo que existe. Eu particularmente prefiro muito mais carpir café, porque você carpe, mas a sua... a sua imaginação voa, você começa a pensar em outras coisas. Eu acho mais tranqüilo carpir café do que decorar texto.

Luiz Fernando Emediato:  Ô Juca, você...

[Sobreposição de vozes]

Juca de Oliveira: Só deixa eu completar aqui, da...

Jorge Escosteguy: A questão do Reinaldo.

Juca de Oliveira: Eu acho que o quê acontece hoje, por exemplo - aí vou juntar as duas perguntas - no caso, por exemplo, da Lucélia, no caso da Tônia, do Mauro, é que hoje todos, todos os atores estão na televisão, a maioria absoluta dos atores estão na televisão. Depois de [19]64, com o efeito devastador da censura sobre o teatro, a maioria dos autores que não tinham condições de trabalho, [como é] o caso de Dias Gomes [(1923-1999), mais conhecido como autor de telenovelas - gênero que, assim como sua mulher Janete Clair, revolucionou -; ganhou notoriedade e projeção internacional com a peça de teatro O pagador de promessas], o caso de Guarnieri [Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), ator e dramaturgo nascido na Itália. Nos anos 1960 e 1970 lançou textos voltados à realidade nacional, discutindo, com densidade dramática, problemas sociopolíticos brasileiros. Ficou mais conhecido como ator, inclusive de televisão. Ver entrevista com Guarnieri no Roda Viva], de Plínio Marcos [(1935-1999), escritor e dramaturgo, ver entrevista no Roda Viva], de Paulo Pontes [dramaturgo (1940-1976)], de Vianinha, todos eles... Jorge Andrade [ator e dramaturgo (1922-1984)], todos eles encontraram uma forma de existência profissional na televisão. E na esteira dos autores foram todos os atores: eles foram indo. Os últimos baluartes, inclusive, foram, até recentemente, Paulo [refere-se provalvelmente a Paulo Autran (1922-2007), ator de renome no universo teatral, e que intensificou sua participação em programas televisivos - sobretudo novelas - a partir da década de 80] e Fernanda Montenegro [(1929-), uma das mais importantes e consagradas atrizes brasileiras]: os últimos que relutavam e acabaram também indo à televisão. Ocorre é que, cessadas as razões pelas quais eles tinham ido à televisão, os autores não voltaram e alguns atores também não voltaram ao teatro, e hoje todos os atores participam da televisão; os melhores atores brasileiros estão fazendo televisão. Então, hoje é muito difícil você fazer um elenco sem a participação dos atores de televisão. Agora, completando a outra pergunta, é o seguinte: não... nós constatamos ao longo desses anos todos fazendo teatro, não só em São Paulo mas pelo Brasil, que não é absolutamente o sucesso ou a popularidade de um ator que garante o sucesso de uma peça de teatro. Quando nós começamos a fazer isso alguns anos atrás, sim. Por volta de [19]66, [19]67, quando a estupefação dos espectadores era mais ou menos parecida com estupefação dos telespectadores portugueses hoje, com o aparecimento da telenovela lá, eles tinham sim um grande fascínio pelos seus ídolos, e eles iam vê-los sobre o palco. Às vezes, até mesmo assinando autógrafos. E, na esteira dessas apresentações, iam também as peças de teatro. Mas logo depois disso... Hoje, o público brasileiro, ele desencadeou... desenvolveu uma espécie de astúcia com relação a isso: hoje você nunca faz uma peça cujo público, no primeiro dia - em Curitiba ou em Porto Alegre, ou Salvador –, ele lote o seu espetáculo, ainda que todos os atores sejam líderes de audiência da novela das oito [horas, no chamado horário nobre da televisão]. Eles vão primeiro conferir: se for bom, vão, e se for ruim, não vão, independente de quem esteja.

Luiz Fernando Emediato: Você assiste teatro?

Jorge Escosteguy: Emediato, por favor?

Luiz Fernando Emediato: Juca, você... nas várias entrevistas que você dá, você sempre faz essas críticas duras à televisão. Você foi ator de telenovela, [trabalhou em] Nino – o italianinho [telenovela que foi ao ar de maio de 1969 a julho de 1970], novela de sucesso na TV Tupi [primeira emissora de televisão do Brasil. Sediada em São Paulo, esteve em atividade de 1950 a 1980], decorou lá essas toneladas de palavras. Agora, essa sua crítica à televisão, ela parece mais o trauma de um ator que foi obrigado a decorar textos e textos na televisão. Essa crítica é à televisão em geral ou é só à telenovela e ao trabalho do ator na telenovela? Ou você acha realmente que a TV é uma máquina de fazer doido, que não...? Aliás, hoje você está numa TV aqui, dando uma entrevista [...].

Juca de Oliveira: Exato. Eu não...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Desculpe. Por favor. O Roberto Silva Melo, de Embu, aqui em São Paulo, ele pergunta mais ou menos o que perguntou o Emediato: “Por que você não faz mais novelas? Por falta de convites ou por recusa de convites? Ou por causa dessa sua crítica em relação à televisão?”.

Juca de Oliveira: Olha, eu até não faço crítica assim... eu não faço... eu não teço grande juízo de valor em relação à televisão. Eu acho que... eu acho que a televisão é assim: a televisão, numa economia de mercado, tudo o que você faz nela é subproduto do intervalo comercial. Isso não é mal nem bom. É assim, não é? Ou é a telenovela...

Luiz Fernando Emediato: [Interrompendo] Você não vê nada positivo?

Juca de Oliveira: ... ou é...

Luiz Fernando Emediato: O Roda Viva está sendo exibido na televisão.

Juca de Oliveira: Sim. Aí...

Luiz Fernando Emediato: Você não vê uma coisa de positivo na televisão?

Juca de Oliveira: Acho ótimo, acho ótimo a TV. Eu gostaria que tudo...

Alex Solnik: [Interrompendo] É porque aqui ninguém decora nada.

[Risos]

Juca de Oliveira: Eu acho que tudo... eu gostaria que tudo... é claro que seria ótimo que tudo fosse TV educativa, não é? Mas infelizmente não é assim: existe a economia de mercado. Eu não acho ruim, acho bom fazer televisão. Eu acho... eu acho que a televisão, no meu caso específico, respondendo ao espectador que perguntou por que é que eu não tenho feito, uma [razão] é do compromisso que eu assumi com o próprio... com o teatro, não é? A gente fazia teatro, acabamos voltando para o teatro, de repente eu comecei a escrever e hoje eu já não tenho muito tempo mesmo para... para voltar à televisão. Mas não tenho nenhum problema em relação à televisão, acho que deve ser feita televisão. O que acontece é que hoje o trabalho na televisão, segundo o depoimento da maioria dos colegas, é muito pouco prazeroso: não há tempo para você refletir ou mesmo para você pesquisar um pouco o trabalho. Eu acho que hoje a coisa está mesmo pasteurizada.

Luiz Fernando Emediato: [Interrompendo] E além de pouco...

Juca de Oliveira: É um negócio de decorar e recitar, decorar e recitar.

Luiz Fernando Emediato: E além de pouco prazeroso é mal remunerado, porque uma coisa que o telespectador não sabe é que a maior parte dos atores e atrizes em televisão ganha uma... ganha muito pouco. Aí... e para você é muito mais negócio fazer as suas peças, com essa enormidade de público, do que trabalhar numa novela; porque, na verdade, nós sabemos - nós, que estamos no meio - que o ator ganha realmente é gravando comercial, fazendo alguma coisa fora da televisão. A televisão, na verdade, é um veículo apenas de popularização para que ele sobreviva de outras atividades.

Juca de Oliveira: Eu acho... Olha, eu defendo muito os atores que fazem televisão e tenho... não só os que fazem televisão como atores, mas aqueles que escrevem televisão, eu acho um trabalho fantástico que é desenvolvido e a televisão tem... a nossa televisão, inclusive, é uma televisão fantasticamente bem realizada. Houve... o que houve realmente com o monopólio das redes de televisão, houve um achatamento salarial brutal, não é? Se nós fizermos um parâmetro daquilo que nós ganhávamos por volta de 1970, 72, 73, 74 e o que os atores ganham hoje - não só os atores que trabalham como atores, não só os artistas que trabalham como atores, mas todos os demais profissionais - eu tenho a impressão que eles baixaram umas cinco, dividiram por cinco, ou seis vezes...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Agora você chegou a ser o segundo salário da [Rede] Globo uma época, não?

Juca de Oliveira: Sim.

Jorge Escosteguy: Era muito dinheiro?

Juca de Oliveira: [Reflete um pouco e responde] Não, nunca foi... Na verdade sempre nós ganhamos muito menos do que nós merecíamos, né?

Irene Ravache: Eu acho.

Juca de Oliveira: Sempre muito menos do que nós merecíamos.

[Sobreposição de vozes]

[...]: [...] no geral.

Juca de Oliveira: O que aconteceu é que baixou... O salário, ele baixou muito hoje, né? Quando se fala que o teatro remunera melhor, não é que o teatro remunera... é que a televisão começou a pagar muito pouco, não é? Hoje você... mesmo eu... eu levo em conta que mesmo os grandes atores, aqueles que fizeram a telenovela no Brasil e que são responsáveis, inclusive, pela construção de um patrimônio riquíssimo de grandes estúdios de televisão e redes de televisão, mesmo esses atores ganham pouquíssimo em relação ao que... ao trabalho que eles realizaram.

Jorge Escosteguy: Jayme Martins.

Jayme Martins: Diante de tantas manifestações de teatro experimental e de vanguarda, você reafirmaria ainda hoje a necessidade ou a importância da palavra como elemento transcendental na manifestação teatral?

Juca de Oliveira: Eu acho que sim. Eu acho que a substituição da palavra pelo gesto físico, o teatro psicofísico, psicodinâmico... eu acho que foi uma coisa que nós experimentamos por volta de [19]68, 69, 70 e hoje já não se coloca mais esse problema do teatro gestual, da substituição da palavra pelo gesto físico, o teatro binário. Eu acho... você veja, por exemplo, que mesmo nas manifestações do chamado teatro experimental, ou do teatro experimental mesmo, hoje, está toda... toda ela está sendo feita sobre os clássicos, não é? Você quer ver? Mesmo os nossos... os nossos diretores de teatro experimental que trabalham no sentido... da arte, no sentido de especulação e originalidade, eles estão todos assentados hoje sobre o texto clássico. Eu acho que nunca se fez tanto clássico no Brasil como atualmente, e principalmente pelos diretores do teatro alternativo.

Jayme Martins: E por falar dos clássicos, o que você está achando da subversão do texto dos clássicos?

Juca de Oliveira: Eu não tenho visto a subversão do texto clássico. Eu tenho...  os espetáculos que eu tenho visto não têm me parecido subversão do texto clássico.

Jayme Martins: Há liberdade com relação ao texto?

Juca de Oliveira: Não, eu acho que deve se ter liberdade. Eu acho bonito ter essa liberdade, eu acho... A vantagem de nós brasileiros em relação, digamos, aos ingleses, vamos dizer assim, é que nós não carregamos a tradição do teatro clássico como uma cruz, não é? Nós não temos essa tradição, então nós podemos colocar as raízes da nossa cultura e misturar essas raízes com o texto clássico. Eu acho... eu acho uma boa medida você...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Juca, ...

Juca de Oliveira: ... você inventar um pouco.

Jorge Escosteguy: Três telespectadores telefonaram: Sérgio Fernandes, de São Paulo; Tiago Monteiro, de Peruíbe e Nerci da Costa, também de São Paulo. Os três querem saber qual a sua opinião sobre a cultura hoje no Brasil, como o governo está tratando a cultura no Brasil. E eu acrescentaria: como você vê essa nova versão da Lei Sarney, o chamado plano... o Projeto Rouanet de apoio à cultura?

Juca de Oliveira: Bom, nós não sabemos ainda exatamente como é o projeto Rouanet, não é? Parece que vai ser até eventualmente sancionado pelo presidente da República por volta de novembro, e esse documento não foi discutido por nós. Há um problema terrível que é [o] de uma tal comissão que examinaria os projetos.

Jorge Escosteguy: Que aprovaria e daria chancela aos autores...

Juca de Oliveira:  Que examinaria e daria chancela. Isso...

Jorge Escosteguy:  ...se o projeto é ou não cultural.

Juca de Oliveira:  É. Isso, em princípio, nós somos rigorosamente contra, e olhamos com muita suspeição esse problema da nova lei. O fato concreto que nós estamos vivendo hoje é que nós estamos vivendo provavelmente um dos piores períodos para a cultura brasileira, em virtude da... do corte drástico aos subsídios, não é? Isso realmente... Outro dia mesmo, conversando com um colega, eu dizia assim: “nós estamos vivendo um período pior até mesmo  [do que] aquele da ditadura – né? - do ponto de vista cultural.”. Nós estamos vivendo um período muito ruim, e nós ainda não sabemos o efeito desse período de restrição à participação até mesmo da iniciativa privada na cultura; nós não temos condições de saber o resultado disso daqui a alguns anos.

Jorge Escosteguy: Você, quando veio o congelamento, quando veio o chamado confisco da poupança [diz respeito ao Plano Collor], você tinha uma produção em andamento? Perdeu dinheiro? Ficou com o dinheiro preso? Como foi?

Juca de Oliveira: Nós tínhamos uma sorte inacreditável naquele período [por]que nós estávamos em andamento com o Meno male, né? Mas os colegas que eu tinha...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Meno male, então. [brincando com a expressão italiana, que significa “menos mal”]

Juca de Oliveira: Meno male. Meno male que nós estávamos com o Meno male.

Alex Solnik: É dinheiro à vista todo dia, ali [...]...

Juca de Oliveira: Claro que nós tivemos prejuízo: nós fomos confiscados. Claro que nós sofremos os prejuízos que eu acho que toda a sociedade sofreu. Mas a maioria dos colegas que tinham projetos em andamento, esses, todos [enfatiza] esses projetos foram cancelados. As dificuldades foram, efetivamente...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Annette, por favor.

Annette Schwartsman: Eu queria voltar um pouco à questão da palavra no teatro. Eu não sei se você assistiu agora, semana passada, [a] um grupo romeno que apresentou a trilogia Antica [composta por Medéia, Electra e a As mulheres de Tróia, textos escritos por Eurípedes]. A reação que provocou... Foi um sucesso absoluto e as pessoas não entendiam uma palavra, porque as peças todas eram faladas em grego e latim. Eu queria que você falasse sobre isso.

Irene Ravache: Juca, ...

Juca de Oliveira: Sim.

Irene Ravache: ... completando isso, explica um pouco por que é que às vezes você até entende o idioma, um pouco mais do que o grego e o latim, sei lá, você vai para França, vai para a Inglaterra, vai para a Alemanha, uma ou outra palavra sempre se pega, e às vezes as montagens não tocam como essa montagem do [diretor romeno,  Andrei] Serban tocou tão profundamente as pessoas. Quer dizer, explica a diferença só da palavra, solta, como ela acaba sendo até vulgarizada pela televisão, em que cada frase o ator necessita da muleta e diz  “Sabia”, no final, porque ele não sabe falar uma frase [risos discretos], e da palavra falada com conteúdo?

Juca de Oliveira: É. Esse espetáculo do Serban é uma coisa... Bom, primeiro que eles estavam elaborando sobre temas mitológicos - não é? - que fazem parte da nossa cultura ancestral, esses mitos povoam a nossa imaginação, fazem parte do geneticamente programado em nós. Aquilo bate de uma forma contundente. O segundo problema é que a análise do texto, quer dizer, o aprofundamento daquilo que foi realizado pelo Serban - a meu ver, não é? - quando eu vi a... - o curioso é que eu não sabia disso -. Eu vi a Orestíada [trilogia de obras dramáticas escritas por Ésquilo (525 a.C – 456 a.C), da qual fazem parte Agamenon, Coéforas e Eumênides] do Peter Stein [crítico e diretor teatral alemão (1937-)], na Alemanha, por volta de 1980 e poucos, e eu não sabia que a... na verdade, esse espetáculo do Serban, parece que a descendência direta da Orestíada do Peter Stein vem daí. Mas o que leva você a se... não só o Serban, não só o Peter Stein, mas também o Tadeus Kantor [(1915-1990), artista polonês, pintor, cenógrafo, encenador e criador de performances] - não é? - você... mesmo falado em latim, ou falado em polonês - no caso de Tadeus Kantor – e você não ter nenhum tipo de conotação, de conhecimento da linguagem, você acaba se envolvendo através da emoção, não é? O que você... o que você tem que trabalhar... e o curioso é que todos esses grandes criadores, e que levam você a se apaixonar pelos espetáculos e compreendê-los, é através da participação do intérprete, ...

Irene Ravache: Ah, é...

Juca de Oliveira: ... é sempre através do grande intérprete. Nunca você consegue ver um espetáculo que te apaixone, um espetáculo desses grandes espetáculos, não sei se experimentais, sem a participação dos grandes intérpretes, porque esses... esses acabam dando a você uma conotação de uma verdade emocional da qual você não consegue se desvencilhar em nenhum momento. Você persegue o trajeto da criatura, do mito, sem nenhuma dificuldade de entender, e o espetáculo do Serban foi... a comoção foi exatamente essa, porque em todos os momentos, em todos, não só na primeira, na segunda, na terceira [peça]... Na Medéia [tragédia grega escrita em 431 a.C.], a simplicidade, mas o aprofundamento da análise psicológica e a necessidade de o ator mergulhar profundamente dentro dessa verdade e encontrar lá dentro dele, acocorado num canto, de uma profunda análise, uma criatura com a qual ele se identificasse; sem isso seria rigorosamente impossível aquele recitar em latim, ou recitar em grego, sem que você compreendesse absolutamente. Quer dizer, na verdade, não há necessidade de você falar a língua quando você fala a língua da emoção do teatro, não é?

Jayme Martins: Ô Juca, a reação das pessoas...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Rinaldo, por favor. [...].

Luiz Fernando Emediato: A reação das pessoas diante do espetáculo de Serban era de profunda emoção: houve quem chorasse e tudo. E você disse uma vez que o teatro é uma forma de arte que não... de uma peça não se faz uma revolução, ninguém sai de um teatro para fazer uma revolução, por exemplo. Mas o teatro... você disse que transforma as pessoas. Esse exemplo do Serban, isso é um exemplo de como a arte pode ser transformadora. O que é que você quis dizer quando você disse que o teatro pode transformar as pessoas?

Juca de Oliveira: Eu acho que todos nós que fazemos teatro... o objetivo nosso é de transformar a sociedade, né? Eu tenho a impressão [de] que ninguém faz teatro, você não se mete nesse tipo de atividade...

Luiz Fernando Emediato: [Interrompendo] A sociedade ou as pessoas?

Juca de Oliveira: Todos nós que fazemos teatro, né? Você não se mete nesse tipo de trabalho, tão angustiante, tão aflitivo, sem o objetivo de você transformar a sociedade.

João Wady Cury: Você tem conseguido?

Juca de Oliveira: Não, a gente tenta. Não sei se conseguimos. O que você tem que fazer é... Por que é que você faz isso? Qual a razão de nós fazermos isso? É porque nós queremos tornar as pessoas, evidentemente, um pouco melhores. Hoje, menos predadoras, mais afetivas, menos intolerantes, né? Esse que é o objetivo da arte, essa é a razão pela qual nós fazemos. E num... às vezes você consegue, às vezes você não consegue. Hoje, particularmente, nós estamos vivendo um período terrível.

João Wady Cury: Quando você sabe que conseguiu? Quando você sabe que não conseguiu?

Juca de Oliveira: Eu acho que quando você consegue tocar uma velhinha, à direita, meio sonolenta, na última fila do seu teatro, e que depois do espetáculo ela diz: “Eu fui um pouco que varada por essa experiência estética.”, você acaba achando que você conseguiu. Mas eu vou lhe dizer uma coisa: nunca [enfatiza] nós deixamos de conseguir quando trabalhamos com obstinação, com uma certa consciência. Nós nunca somos iguais, nós fazemos uma peça e nos modificamos. Quando você faz uma peça, você termina e você é diferente. Assim como os intérpretes se modificam, as pessoas se modificam também. Você vai... as pessoas que foram assistir o Serban, por exemplo, não são iguais, elas são diferentes, elas têm uma visão um pouco, digamos, mais generosa da humanidade, um pouco mais afetiva, sem dúvida nenhuma. Nós nos modificamos.

Irene Ravache: Quando nós falamos palavras de... Ah, ele [referindo-se ao fato de, pela ordem, ser a vez de outra pessoa fazer a pergunta]... Quando nós falamos palavras que você está usando, eu digo nós [os] artistas, tipo: prazer, afeto, tentar modificar; como é que você acha que isso soa para as outras pessoas? Soa como se você fosse um idealista, um mentiroso, um bobo, ou você acha que as pessoas entendem? Você sente... Como é que você acha que as pessoas ouvem isso? Eu, às vezes, tenho bastante pudor em falar isso.

Juca de Oliveira: Da transformação das pessoas?

Irene Ravache: De dizer determinadas coisas que são diretamente ligadas à profissão do ator, e que são coisas muito bonitas.

Juca de Oliveira: Bom, eu acho...

Irene Ravache: [Interrompendo] Por exemplo: você fala que o seu trabalho no teatro... você fala do prazer. Mas aí quem ouve diz: “Não, é pouco.”. Bom, evidentemente que não é só o prazer, não é? Existe uma certa preocupação. É porque a pessoa não recebeu bem a palavra prazer [e] aquilo não bateu nela, ou porque ela não dá valor à palavra prazer, ou porque ela duvida de que isso realmente mova você.

Juca de Oliveira: Talvez duvide, mas o fato concreto é que nós somos um pouco mágicos, né? Esse que é o problema. É por isso que nós fazemos. É um pouco... é uma espécie de condenação mesmo. O que é um espetáculo de teatro? Não é um ato de magia?

Irene Ravache: É de uma grande exposição.

Juca de Oliveira: E de uma exposição...

Irene Ravache: Você conhece algo mais exposto?

Juca de Oliveira: Na verdade não é... é curioso isso, quer dizer: por que é que as pessoas vão ao teatro hoje, sobretudo hoje que nós vivemos na crise? Elas vão ao teatro... elas vão ao teatro...

Alex Solnik: [Interrompendo] Só os políticos se expõem tanto, como os atores.

[Sobreposição de vozes]

Alex Solnik: Como uma exposição... [abre os braços e demonstra dúvida]  

Juca de Oliveira: Elas vão ao teatro... Elas vão ao teatro... As pessoas vão...

Irene Ravache: Não, mas eles não... Você acha que a exposição, por exemplo, de um político, é a mesma que a exposição de um ator?

Juca de Oliveira: É completamente diferente.

Alex Solnik: É maior: ele discursa, ele dá entrevistas, ele é criticado, ele faz campanha.

Irene Ravache: Mas ele não está pondo a alma dele. [Irene sorri]

Juca de Oliveira: É diferente, olha.

Luiz Fernando Emediato: Mas a exposição do ator também, no palco, é também um exercício de vaidade, ...

Juca de Oliveira: Não, é diferente. Sabe por quê?

Luiz Fernando Emediato: ... não é verdade? Não é uma exibição?

Juca de Oliveira: É diferente.

Luiz Fernando Emediato: Não é uma coisa que gratifica o ego, que te faz feliz?

Juca de Oliveira: É diferente, sabe por quê? O que é uma peça de teatro? Um ritual primitivo de indígenas em torno de uma fogueira é uma peça de teatro, representada inclusive com figurino: tem a máscara do tigre, a lança, eles estão vestidos, pintados, maquiados e iluminados pela fogueira para uma peça de teatro. O que é que eles fazem ali? Eles estão conjurando os demônios e pactuando com os deuses para que no dia seguinte a guerra seja benfazeja, que dê certo a caça ao tigre ou a luta entre as tribos. Não há nenhuma diferença entre esse ritual e aquilo que nós estamos fazendo hoje: é idêntico! Esse ato de magia continua sendo rigorosamente igual, e as pessoas vão ao teatro diferentemente do que elas vão ao supermercado comprar o eletrodoméstico: elas vão ao teatro como vão ao templo, e nós realizamos um ato de magia e estamos pactuando com os deuses e conjurando os demônios daquele momento. Só que não é mais a guerra, mas é a guerra do trânsito, a guerra da miséria na qual estamos envolvidos, a caça ao salário um pouquinho mais digno, quer dizer, é isso que nós estamos... O que é que nós estamos tratando? Por que é que as pessoas vão ao teatro? Por que é que nós temos 300 canais de televisão a cabo nos Estados Unidos, com uma programação fantástica e as pessoas vão ao teatro? Por que é que as pessoas vão ao teatro hoje, assistir espetáculos de teatro numa crise tremenda, não ficam nas suas casas vendo filmes maravilhosos? Por que é que a... ? Porque elas têm uma, elas carecem de uma satisfação espiritual, não resta dúvida nenhuma.

Jorge Escosteguy: Agora, Juca, você diz que as pessoas...

Juca de Oliveira: [Interrompendo] As pessoas saem diferentes, varadas pelo espírito do gênio, diferenciadas, afetivas, um pouco mais generosas.

Jorge Escosteguy: Você falou que as pessoas vão ao teatro. O César Belandisa, aqui de São Paulo, do Paraíso, ele telefonou e levantou aquela velha questão: “O que pode ser feito para o teatro ficar menos elitista e mais perto do povo?”. Porque ele ainda é uma coisa elitista.

Juca de Oliveira: É. O teatro é... tudo é elitista, né? Numa sociedade como a nossa, tudo: o jornal é elitista, as pessoas não têm acesso à revista, à poesia, à universidade, tudo é elitista e, conseqüentemente, o teatro também é elitista. Isso a gente procura... há temporadas populares, baixamos os preços, há tentativas de teatro alternativo a preços baratos, há algumas manifestações muito curiosas. Por exemplo: no Rio de Janeiro, através da Fundação Banco do Brasil, que tem feito espetáculos fantásticos a preços... Enfim: o que é que o artista gostaria de fazer? Ele gostaria de se comunicar com um número maior de pessoas a preços evidentemente... baratos. Quando nós fazíamos no Centro Popular de Cultura, por volta de 1962, 63, a gente fazia em sindicatos e circos e tudo, e era uma coisa fantástica.

Alex Solnik: Mas eu acho que não é tanto o preço, porque se você for ver ,o preço do ingresso é equivalente ao preço do futebol. No entanto o sujeito vai ao futebol na quarta-feira, no sábado e no domingo, e não vai ao teatro. Uma numerada de futebol custa quatro mil [cruzeiros]. Uma arquibancada, que é mais barato, custa dois mil. Você vai pagar quanto numa peça: três mil, quatro mil [cruzeiros]? Quer dizer, não é nem o preço que elitiza o teatro: é a falta de hábito. São outros costumes, não é? Aqui se vai ao samba, ao carnaval e ao futebol, e não se vai ao teatro...

Juca de Oliveira: É tudo mais...

Alex Solnik: ... tanto quanto deveria ir.

Juca de Oliveira: Alex, é tudo proporcional, né?

Alex Solnik: [Interrompendo] Não se lê tanto quando se deveria ler.

Juca de Oliveira: Mas é proporcional. Eu acho que existe... O teatro está na exata medida em que está a universidade, está o livro - né? - que está a revista. Eu acho que a proporção é a mesma [faz gesto de balanço e calibragem com as mãos], e é uma proporção... sob certo aspecto não é ruim, se você levar em conta o que nós estamos vivendo em termos de megatendências, né? É o apogeu das artes... Eu acho que nós estamos vivendo uma coisa interessante nesse sentido.

Irene Ravache: Tem outro aspecto também a ser considerado, que é o seguinte: o teatro, ele é um campo de reflexão, e num país [em] que, de alguns anos para cá, o pensar, o refletir, isso foi quase que considerado... foi não... [corrigindo-se] quase não, foi considerado subversivo, isso não foi incutido no banco escolar; é muito difícil que você crie o hábito também. Já o samba, o show... você fica meio entorpecido, né?

[...]: Deixa eu só pegar uma carona nisso aqui, que tem a ver...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] O Rinaldo está querendo fazer uma pergunta, já pela quarta tentativa, e ele não conseguiu. Então eu vou dar a palavra a ele.

Irene Ravache: Ah, desculpa, e eu...

[Risos]

Jorge Escosteguy: Por favor.

Rinaldo Gama: Eu queria voltar a essa questão da dramaturgia. Você falou aqui que o país inteiro tem clássicos sendo montados, não é? A gente percebe também uma tendência muito grande a comédias de autores brasileiros, quer dizer, começa com você e grandes sucessos de bilheteria hoje são de... são comédias escritas por autores brasileiros. E eu me lembro [de] que uma vez você disse que só escrevia comédia o sujeito que não tinha mais esperança. Então eu queria perguntar o seguinte: unindo essas duas coisas, quer dizer, essa procura, essa ansiedade da... pelos clássicos, e essa tendência de sucesso de bilheteria, de autores brasileiros curiosamente serem de... comediantes, como é que você vê a falta então... uma espécie de divórcio, de carência mesmo, do autor trágico brasileiro? Houve um período [em] que as comédias eram, quer dizer, o forte do autor brasileiro. Depois dessa fase - [de] que você participou - década de 50, engajamento etc, toda... foi se deslocando esse eixo do autor brasileiro, tão integrado à comédia. Agora parece que... Agora não, de um tempo para cá parece que volta, não é? Os autores brasileiros mais citados hoje são autores de comédia. Quer dizer, o escritor brasileiro não sabe mais fazer a tragédia ou ele perdeu a esperança, como você tinha dito um dia que o sujeito que faz comédia é porque não tem mais esperança em nada?

Juca de Oliveira: É. De um modo geral, aqueles... os que acreditam - não é? - os que têm a aventura humana em grande conta, escrevem tragédias, né? E o... quem faz comédia, de um modo geral é uma espécie de desesperançado. É curioso isso. Agora não existe tragédia, porque a tragédia... o que é que é uma tragédia? A tragédia é uma história contada a respeito de quem? A respeito de um... de um semideus, ou de homem de grandes qualidades morais, de tão excessivas qualidades que, às vezes, a sua falha consiste até mesmo no excesso dessas qualidades morais. São reservas morais, éticas, da sociedade, que compõem o painel dos grandes trágicos, desde o Édipo [Édipo rei: tragédia escrita por Sófocles por volta de 427 a.C], que persegue a sua própria tragédia, até... passando por todos os grandes, até por... pelo Hamlet [tragédia escrita por Shakespeare entre 1599 e 1601], pelo Macbeth [tragédia também escrita por Shakespeare, entre 1603 e 1606], pelo... por todos os trágicos. Ocorre que... o que é a comédia? A comédia é a história dos homens, não desses valores, mas dos homens defeituosos. Então o que acontece é o seguinte: é que a realidade não mostra a você a possibilidade de você escrever sobre um homem de qualidade.

Rinaldo Gama: Mas e o drama? O drama que, de alguma maneira, [...]...

Juca de Oliveira: Exatamente... Essa mescla... Quando você fala da realidade, você está... Você pode pegar qualquer jornal e, se você chega no palco de um teatro e  você lê o jornal, as pessoas começam a rir. É muito curioso nós checarmos isso, por exemplo, no Meno male. O Meno male... o Luis Gustavo [ator (1940-), conhecido por interpretar personagens marcantes em telenovelas, como Beto Rockfeller e Mário Fofoca], depois o Osmar Prado - que trabalhava conosco, fazia um papel magnífico - lia. E qualquer manchete suscitava riso - né? -, porque a realidade é engraçada; não é engraçada, ela é tristemente engraçada.

Irene Ravache: [Em meio à fala de Juca de Oliveira] Tragicômica.

Juca de Oliveira: Então você começa a escrever e fica uma comédia. Agora, falando mais sério sobre esse tema, o que eu acho que nós temos que discutir é exatamente o que é que é... onde... o que é que está acontecendo com o nosso teatro, com a nossa cultura. Nós não temos um projeto cultural. Não está... ninguém está discutindo esse projeto cultural. Aliás, de resto, não está se discutindo nem o projeto do próprio país, né? Se nós somos um país à deriva e sem projeto, não seria mais ou menos lógico você pensar que isso acabe desaguando também no caso do teatro? Nós também estamos um pouco à deriva, e é isso que nós estamos tentando rediscutir agora.

Aimar Labaki: Juca, ...

Jorge Escosteguy: Juca, antes de passar - desculpa Aimar, só para pegar uma caroninha aqui... você falou em um país à deriva. Quando os telespectadores fizeram a pergunta sobre a cultura em geral você passou meio ao largo do governo. Então o Sérgio Fernandes e a Carla Coimbra telefonaram, e perguntaram especificamente a sua opinião sobre o atual governo brasileiro.

Juca de Oliveira: Bom, eu acho que é cansativo você dar a sua opinião. Eu acho que nós estamos vivendo talvez a... né?  Nós estamos vivendo a pior crise da nossa história. É uma crise política, institucional, econômica; desde as capitanias hereditárias provavelmente esta é a pior de todas elas.

Jayme Martins: Já é mais que o um tango argentino.

Juca de Oliveira: Não é verdade? Nós estamos vivendo um momento trágico. Eu acho que esse problema, por exemplo, da corrupção, da ética, que nós estamos vivendo e que é uma coisa que faz parte de todos os editoriais de todos os jornais e de todas as revistas, e também [está] no corpo da matéria de todos os editoriais... [corrigindo-se] no corpo da matéria de todos os jornais e revistas, isso é uma coisa triste, não é? Nós estamos também legando a filhos etc uma coisa bárbara. Eu acho que a nós, que fazemos teatro... Hoje... sobre o que escreve o autor hoje? Eu, por exemplo, estou começando, agora que terminei uma peça, eu estou alinhavando algumas idéias para começar a escrever. Você não consegue pensar em nada a não ser [n]o problema da corrupção, não é verdade?

Alex Solnik: Tem também os pistoleiros...

Juca de Oliveira: Não é verdade?

Alex Solnik: ... tem os seqüestros, tem outros problemas que a gente sabe...

Juca de Oliveira: Tudo o que você... fica absolutamente defasado e fora da realidade onde você está vivendo você escrever alguma coisa que não diga respeito a esta tragédia que nós estamos vivendo.

Irene Ravache: E se, neste momento, Juca, por parte do governo, alguém chega e diz assim: “Nós temos um projeto, ou um projeto cultural, ou um projeto ligado a qualquer tipo de amparo ou de amplificação para qualquer área, e nós precisamos da sua ajuda.”. Como é que fica, neste momento, o artista emprestar a sua imagem para um projeto do governo?

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Eu dou... desculpe, eu dou uma contrapartida ao que a Irene perguntou. Quando eu perguntei para você sobre a Lei Rouanet, você disse que não conhece a lei. Não tem uma falha na contrapartida de você não ter no mínimo a obrigação de conhecer a lei, se interessar por ela...

Irene Ravache: [Durante a fala de Escosteguy] Mas é tão difícil mesmo de conhecer, de entender, né?

Jorge Escosteguy: ... e no mínimo oferecer um debate para criticá-la?

Juca de Oliveira: Não, mas... Eu acho o seguinte, por exemplo: eu acho que a lei tem que ser... ela tem que ser remetida aos sindicatos e tem que ser remetida àqueles que fazem a cultura no Brasil.

Jorge Escosteguy: Sim, mas se ela não for remetida e vai, de certa forma, gerir os destinos de uma boa parte da classe teatral...

Juca de Oliveira: [Interrompendo] Não, não... Mas nós não estamos sendo convidados a discutir a lei, não é?

Jorge Escosteguy: Sim, o governo não convida a discutir as medidas que ele toma.

Juca de Oliveira: Sim.

Jorge Escosteguy: Mas eu me sinto, como cidadão, na obrigação de dar o meu palpite, a minha opinião, ou fazer alguma coisa.

Juca de Oliveira: Sim, mas, quando nós conhecermos, eu tenho a impressão [de] que isso vai ser discutido, que é...

Irene Ravache: Vai ser falado.

Juca de Oliveira: ... que o texto dessa lei será divulgado e discutido. Eu suponho que chegue ao meu sindicato de classe, para que o meu sindicato remeta para mim uma cópia e que nós nos reunamos em algum lugar e discutamos como é que é essa lei, se é que nós podemos dar uma opinião. Eu suponho que sim. O próprio secretário Rouanet [Sérgio Paulo Rouanet (1934-), secretário da Cultura que foi responsável pela criação da lei de incentivos à cultura, a chamada Lei Rouanet] esteve recentemente nos bastidores do nosso teatro, durante o ensaio, conversando conosco, e disse que teria um interesse muito grande em nos dar uma lei provavelmente melhor ainda do que a antiga Lei Sarney. E nós queremos exatamente uma lei melhor do que a Lei Sarney, mas, se não fosse possível, que fosse a Lei Sarney.

Jorge Escosteguy: A questão da Irene, por favor.

Irene Ravache: Então, como é que ficaria, Juca? Chegam para você e dizem assim: “Olha, Juca, eu tenho esse projeto, é um projeto muito bonito.”. E aí você lê e você diz assim: “Não, realmente o projeto é bonito.”. [E o governo então propõe]: “E eu preciso da sua imagem para viabilizar, para colocar esse projeto no ar, para estimular as pessoas.”. Como é que fica nesse momento um artista diante de um governo como esse?

Juca de Oliveira: Bom, eu acho que o artista tem uma posição política, não é verdade? Ele tem uma posição política e, às vezes, até uma participação político-partidária, né? Nós participamos de todo esse movimento pela liberação, Diretas Já, o fim da ditadura, nós participamos de todo esse movimento e temos uma posição muito clara. Alguns até são filiados a partidos políticos. Ora, é evidente que, por exemplo, se perguntam a mim, que não sou filiado ao partido do governo, evidentemente eu não posso participar desse projeto: eu tenho uma outra... eu sou oposição no momento, não é verdade? Eu não posso, eu não posso sancionar um projeto do PRN [Partido da Reconstrução Nacional], não é o meu caso. Provavelmente, se for do meu partido, então sim.

Irene Ravache: Mas e como é que a gente pode... mas a gente pode aproveitar uma lei que veio deste governo?

Juca de Oliveira: Não, eu acho que o governo tem a obrigação de nos dar subsídios à cultura. Isso nós não estamos pedindo, isso é obrigação do governo no mundo todo, não é verdade? Se não tivesse subsídio, não teriam pintado a cúpula da [capela] Sistina [residência oficial do papa, no Vaticano, construída entre 1475 e 1483, em cujo teto estão as mais famosas pinturas de Michelangelo], ele [Michelangelo] não poderia ficar lá pintando, não é verdade? Aquilo foi subsidiado por alguém.  [Irene sorri e concorda] Alguém pagou. A cultura tem que ser subsidiada. Não é... Não é... É um dever do Estado, não é um...

Irene Ravache: Não é um favor.

Juca de Oliveira: Não, não é um favor: tem que dar, tem que dar! Eu até prefiro que o governo seja de oposição ao meu partido para que você peça [enfatizando], porque quando ele é do seu partido pode parecer até um pouco de... - não é? - um pouco de nepotismo: “Ah, está dando porque é do seu partido.”. O pessoal do PT [Partido dos Trabalhadores] fica desesperado porque às vezes tem que pedir as coisas para o governo do PT, e fica desagradável. É bom, a gente que... Porque tem que dar. Então é bom tirar [enfatizando]... é bom tirar da oposição. [É] até melhor, porque você vai lá, briga [e diz] “Eu quero!”, bate o pé; é melhor do que pedir para o seu próprio partido.

Jorge Escosteguy: Juca, nós voltamos a esse assunto em seguida. O Roda Viva precisa fazer agora um rápido intervalo e volta daqui a pouco, entrevistando hoje o ator, escritor de teatro e diretor Juca de Oliveira. Até já.

[intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o ator, escritor e diretor de teatro Juca de Oliveira. Lembramos ao telespectador que quiser fazer perguntas por telefone, pode chamar 252-6525, 252-6525. Juca, desculpe, eu vou voltar a insistir um pouquinho naquela questão do primeiro bloco, que, de certa forma, não me convenceu um pouco. Eu vou insistir, porque na semana passada, por exemplo, esteve aqui o senador, [corrigindo-se] o ex-governador do Ceará, Tasso Jereissati [governador do Ceará de 1987 a 1991 e de 1995 a 2002, quando passou a atuar como senador], e aí se discutia a questão do Brasil, ele fez mais ou menos - com outras palavras - o diagnóstico  que você fez sobre a situação brasileira, e as pessoas lhe perguntaram: “Bom, mas e o papel do PSDB, do seu partido: porque é que o seu partido não apresenta um programa, não apresenta uma solução etc?”. E ele, de certa forma, dizia: “Mas esse não é o meu papel, porque eu não sou governo. O governo tem que sugerir e nós temos que discutir se gostamos ou não.” Então você, de certa forma, disse a mesma coisa. Você disse: “A lei não é minha, eu espero que a lei vá para o meu sindicato, o sindicato me mande uma cópia e eu vou discutir se a lei é boa ou não.” Agora, se a lei não for para o seu sindicato – dificilmente vá, até - e o seu sindicato não lhe mandar uma cópia, você vai ficar simplesmente parado? Ou seja, não é um pouco isso o que acontece com o Brasil: as pessoas estão esperando que o seu sindicato, a sua igreja, a sua escola, o seu trabalho lhe digam alguma coisa para que eles possam reagir? Não é o papel das elites, no bom sentido, das elites culturais, políticas, empresariais etc, ...

Juca de Oliveira: Eu acho ...

Jorge Escosteguy: ... tomar, de certa forma, a iniciativa?

Juca de Oliveira: Eu acho que nós estamos fazendo; absolutamente nós continuamos fazendo. Eu tenho a impressão [de] que todos estão fazendo alguma coisa e nós, de teatro, eu acho que nós estamos fazendo no limite do que nós podemos e vamos continuar fazendo, independentemente de lei. Na verdade, quer dizer, o subsídio à cultura é necessário, mas se não tiver o subsídio à cultura nem por isso nós vamos deixar de fazer teatro, né? Nós vamos continuar fazendo. Eu acho que o problema grave que nós estamos vivendo, eu acho que é um problema... Quando eu... quando eu fico discutindo o que é que eu vou escrever no momento, eu acho que o problema é ético: é esse que é o problema gravíssimo. Eu acho que o problema da vergonha é uma coisa que... que é uma coisa que nos atinge. Quando você vai escrever, por exemplo, sobre o problema da corrupção, que é o tema inevitável para o escritor de agora... quer dizer, eu vou escrever sobre a corrupção, não resta dúvida nenhuma. Qualquer peça, todo  tema que eu desenvolvo, que eu esquematizo, eu encaminho para a corrupção. Não é uma peça só sobre corrupção, sobre as várias formas de corrupção na sociedade: as empreiteiras, o problema dos editais, o problema da comunicação através do jornal, a participação da imprensa... como é que é? Você fica pesquisando e você coleciona calhamaços e calhamaços de revistas e jornais, milhares [enfatiza] de páginas sobre corrupção e você fica até um pouco indeciso sobre que caminho pegar, de tão grande que é a manifestação da corrupção no homem brasileiro, não é? Todos nós estamos um pouco envolvidos e coniventes com essa corrupção. Eu acho que deve se falar sobre a corrupção e vai se falar, mas o problema é que nós temos que procurar reverter esse quadro. É curioso, mas as pessoas... mas você tem que falar sobre o problema ético: é uma palavra que foi considerada horrível de se falar.

Alex Solnik: Juca, deixa eu voltar um pouco ao tema pessoal. Eu sei que a gente está falando de coisas muito importantes, mas você disse que os atores dificilmente se apaixonam pelas atrizes, né? Só que os espectadores se apaixonam, sim. Eu me apaixonei, por exemplo, por uma atriz, que eu fiquei com muito ciúme de você, porque você trabalhou ao lado dela, que é a Sandra Mara [atriz de telenovelas que foi eleita Miss Brasil em 1973]... que eu a conheci em uma peça infantil [e] daí eu ia toda semana à peça infantil só para ver a Sandra Mara. E depois ela trabalhou com você em Meno male – não é? - e teve um grande papel em Meno male etc. Então eu queria saber se você não chegou a ter um sentimento em relação a ela um pouco além do profissional etc. É uma mulher bonita, talentosa, muito boa atriz, está na Itália hoje - não é? -, ganhou um prêmio, me parece, na Itália, e tal: você chegou a sentir alguma coisa platônica? Eu sei que você é fiel, você é casado etc [Juca ri], mas alguma coisa platônica, assim?

Juca de Oliveira: Não, eu não senti não. A Sandra Mara é uma menina fantástica e uma grande atriz, e quando ela foi para a Europa nós lamentamos profundamente, apesar de nós termos ganho a sua substituta que era a Marcela Rafea, que é uma paixão de menina também. Mas não me apaixonei por ela, não fiquei envolvido emocionalmente por ela, se é isso o que você quer dizer [risos]. E acho que ela é uma pessoa apaixonável, até dou parabéns a você. [Corte na entrevista] E acabou? Você não tem se comunicado com ela?

[Risos]

Alex Solnik: Não. Não, porque ela está na Itália, não é? Porque você, [ao] invés de segurá-la aqui...

Juca de Oliveira: Eu tentei, mas...

[Sobreposição de vozes]

Alex Solnik: ... na peça, você deixou ela escapar para a Itália.

Juca de Oliveira: ... não foi possível.

Aimar Labaki: Eu queria que você falasse de três lados da sua vida que são menos conhecidos: primeiro, [que] falasse da tua militância no Partido Comunista, que eu acho que é uma história pouco conhecida; segundo, que falasse do Juca militante do sindicalismo, presidente do sindicato, inclusive daquele episódio da sua saída do sindicato; e terceiro - que talvez seja o mais interessante - eu estou vendo que você está com um cinto country aí, tem um lado country aí, você mexe com gado, com cachorro, o que é que... ?

Irene Ravache: [Interrompendo] Leite, abelhinhas...

Aimar Labaki: Leite, abelhinha. Eu queria que você falasse um pouco dessas três coisas.

Irene Ravache: Um dia ele apareceu todo picado de abelhas no teatro. [risos]

Jorge Escosteguy: Quer dizer que você vai a dois guichês em Brasília: do Rouanet e do Cabreira [referência ao então ministro da Agricultura Antonio Cabreira]?

[Risos]

Juca de Oliveira: Eu vou falar primeiro do Partido Comunista. Era tão fantástico aquilo que nós fazíamos – né? -, porque nós militávamos... Primeiro militávamos nos sindicatos: eu era bancário, militava no Sindicato dos Bancários, pertencia à luta sindical e...

Aimar Labaki: [Interrompendo] Você entrou no partido pelo banco?

Juca de Oliveira: Através do Sindicato dos Bancários. E depois, na luta política [e] cultural, nós também militávamos politicamente no Teatro de Arena – né? -, através da militância política que nós desenvolvíamos aquele trabalho fantástico que foi o teatro do Centro Popular de Cultura, por volta de [19]61, 62, 63, e aquilo foi realmente... uma das maiores perdas da cultura brasileira foi o início, quer dizer, a chamada revolução e o início do Estado autoritário, e a destruição de todas as manifestações do Movimento de Cultura Popular. O Movimento de Cultura Popular, os teatros populares, a dramaturgia popular, a cerâmica popular, os pintores, os cantadores, os poetas, a literatura de cordel [tipo de literatura popular na qual os textos - poemas - são impressos em folhetos que são postos à venda pendurados em cordéis] e o teatro que se fazia, através do Teatro Popular de Cultura, era uma coisa que era a participação do povo na feitura da sua própria cultura: as pessoas, o povo, os sindicatos, as associações de bairro, elas participavam da feitura do seu próprio... da sua própria cultura.

Aimar Labaki: E por que é que você se afastou?

Juca de Oliveira: Ocorre que, quando houve a ditadura... quando houve a ditadura, nós nos transformamos não mais em... não em protagonistas dessa história, mas em espectadores, não é? E o pior: em telespectadores dessa história. Não, a gente... a gente continuou fazendo isso, isso foi sendo feito ao longo do tempo.

Aimar Labaki: Sim, mas você se afastou do partido em que momento?

Juca de Oliveira: É, o partido...

Irene Ravache: Foi num momento de lucidez?

[Risos]

Juca de Oliveira: Não.

Irene Ravache: Que pena.

Juca de Oliveira: Não, porque aquilo que nós fazíamos em termos de teatro de grupo político era uma coisa rigorosamente fantástica, porque existia o sonho, né? O que é que nós queríamos na época? Nós queríamos uma sociedade, uma sociedade igualitária, uma sociedade equânime, uma distribuição de riqueza; era o sonho que todos nós alimentávamos. E esse sonho não abandona você, isso que é curioso, né? Quer dizer, as melhores pessoas que eu conheço ainda são os comunistas, né? Os grandes amigos meus ainda são comunistas. A gente ainda se encontra... É curioso isso, né? O...

Irene Ravache: [Interrompendo] Só que não precisava sofrer tanto, né? Eu acho que hoje é que vocês pensam assim.

Juca de Oliveira: É. Foi... É verdade, realmente...

Irene Ravache: [Interrompendo] “A gente podia fazer...” – né? -...

Juca de Oliveira: ... foi um grande sofrimento.

Irene Ravache: ... porque era...

Juca de Oliveira: Mas é claro que uma pessoa que deseja para a humanidade uma paz, e que deseja a distribuição de bens, e que todas as pessoas sejam felizes... evidentemente, o projeto não pode ser um projeto tão mau, não é verdade? É curioso isso. Agora, com relação a...

Aimar Labaki: [Interrompendo] Sindicato?

Juca de Oliveira: Com relação ao sindicato, eu trabalhei nove anos no sindicato, foi uma... Fizemos a regulamentação da profissão, foi uma briga tremenda, uma luta e está aí: está feito. E com relação à fazenda, que você perguntou, é curioso que durante 17 anos eu fui um pobre pecuarista – né? -, um...

Jorge Escosteguy: Por que todo pecuarista diz isso, Juca?

Juca de Oliveira: Hein?

Jorge Escosteguy: Eu não conheço nenhum pecuarista que diz que está numa boa, que é rico...

Juca de Oliveira: [Interrompendo] Pois é. Mas olha aqui: durante 17 anos... durante 17 anos eu tirei leite de algumas vacas. Eu não sou... eu sou pobre, né? Apesar de ter investido tudo o que... tudo na minha vida eu investi no sonho de uma fazenda, durante 17 anos eu tive prejuízo, mas pude manter. Agora eu estou desativando, e aí é... ainda a resposta ao Plano Collor. Agora não deu. Então eu estou desativando pela primeira vez, e é com grande angústia que você chega à conclusão [de] que você tem que parar com o seu projeto de tirar leite, porque você não consegue. Mas não... A tragédia não é porque eu [enfatiza] não consiga. Eu agora fiz uma viagem pelo Brasil todo com o Meno male, e sobretudo por São Paulo e Minas [Gerais], e constatei, através dessa pesquisa que fiz, que a maioria dos pecuaristas brasileiros abandonaram a pecuária.

Aimar Labaki: [Interrompendo] Agora Juca, como é que... ?

Juca de Oliveira: E com certeza nós, daqui a dois, três anos, nós estamos - já estamos importando leite - mas vamos importar leite mesmo [enfatiza], porque nós não temos mais pecuária no Brasil.

Jorge Escosteguy: Jayme Martins.

Jayme Martins: Já que iniciamos aqui uma retrospectiva da vida do Juca, para que os telespectadores conheçam melhor a sua formação, como é que foi a sua vida, assim, desde menino? Trabalhando muito... você passou aí, creio que na sua infância e adolescência, por umas dez profissões ou [por] atividades profissionais diferentes. Depois, assim, a sua propensão, a sua tendência a ser ou engenheiro, ou capitão, ou general, ou advogado, ou médico... Como é que você acabou sendo ator, diretor e autor de teatro?

Juca de Oliveira: Eu vou contar essa história rapidamente, porque é uma história que eu já contei muitas vezes. Eu sou ator por vocação, e sou [ator] por vocação porque eu fiz um teste vocacional, né? Eu estava muito confuso, não sabia se fazia engenharia, advocacia ou medicina, acabei fazendo um teste vocacional em 1956, e no teste deu que eu devia - para meu espanto - que eu devia ser ator. E eu apliquei mecanicamente o teste, acabei entrando numa escola dramática, faculdade de direito, e me tornei ator. Por isso que eu sou ator por vocação: porque eu fiz um teste vocacional.

João Wady Cury: Você falou três vezes durante a entrevista em deuses: deuses do teatro; e citou uma vez semideus. Quem são esses deuses?

Juca de Oliveira: Bom, os deuses são os deuses do teatro, né? Eu não sei...

João Wady Cury: [Eles] Têm nomes?

Juca de Oliveira: São as musas – né? - as musas, Dionísio [divindade grega do êxtase e do entusiasmo], Apolo [deus da luz, da forma, da poesia e da música], esses são os deuses do teatro; esses são os deuses: são entidades que você... que comandam o seu trabalho sobre o palco. Todos nós atores acreditamos. Uns fazem com que... pensam que acreditam, e outros acreditam piamente nisso. Eu sou um dos que acreditam piamente. Os deuses estão sempre sobre o palco do teatro, comandando aquilo que está sendo feito no palco. E sem a... sem o beneplácito dos deuses nada é possível.

Luiz Fernando Emediato: Ô Juca, já te fizeram duas ou três perguntas aqui sobre política e você escorregou. O Meno male... na peça Meno male você traça um perfil muito pouco lisonjeiro do político. Tem lá um personagem que é secretário de Estado, é um safado, um corrupto, um malandro. Na semana passada 36 deputados da Paraíba - que é um estado, um dos mais pobres do Brasil - aumentaram os seus salários para 5 milhões e 700 mil cruzeiros mensais. Na Paraíba, um professor de escola primária ganha 24 mil e 400 [cruzeiros ao mês]. Ele precisaria então trabalhar 19 anos e meio para ganhar o que um deputado ganha lá em um mês. Já te perguntaram do governo, você escorregou. Você trata de política nas suas peças de maneira muito cáustica e você também escorrega. Por que é que você não faz agora uma análise dessa crise no Brasil? Não só do lado do Executivo, mas também do Parlamento que hoje está... está muito desmoralizado, o Congresso, os empresários, no seu egoísmo, na sua recusa em colaborar também para um entendimento, o próprio entendimento em si; vamos... pára de escorregar um pouquinho e vamos analisar isso que está acontecendo. Você trata disso nas peças com muita ironia e é uma das razões do sucesso do Meno male, por exemplo, não é? As pessoas gostam muito do Meno male não só pela comédia, mas também pelo fato de que, pelo humor corrosivo, você ridiculariza os políticos em geral.

Juca de Oliveira: Sabe o que é que é, Emediato? Esse tema é um tema difícil de você tratar. Eu estava dizendo...

Luiz Fernando Emediato: [Interrompendo] Mas você está cuidadoso demais.

Juca de Oliveira: Eu estava dizendo antes que quem faz comédia, de um modo geral... Quem faz tragédia acredita na aventura do homem, e quem faz comédia tem muito em pouca conta a aventura do homem sobre a Terra. E eu participo um pouco disso. Essa é a razão pela qual eu não gosto muito de tocar nesse tema...

Luiz Fernando Emediato: [Interrompendo] Mas você toca nas peças.

Juca de Oliveira: Mas eu vou tocar nesse tema. Sabe o que é que é? Eu... A gente acaba acreditando um pouco apenas no varejo, mas no atacado você não acredita, sabe? Eu acho... eu acredito que quando você analisa com uma certa... com um certo cuidado, porque quando você escreve sobre um tema você procura aprofundar esse tema às últimas conseqüências; você apenas não toca sobre a superfície. Esse tema, por exemplo, dos deputados que aumentaram o seu salário - né? -, isso passa muito por uma coisa que é difícil você falar. Mas eu tenho muito  em pouca conta a aventura do homem, eu acho que não deu muito certo a aventura do homem sobre a Terra. Eu acho que não deu certo, sabe? Eu acho que deve ter existido uma falha, que eu não sei exatamente onde, não sei se é uma falha de ordem genética, mas eu sou muito levado a acreditar que nós não demos certo. Então,...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Você tem filhos, Juca?

Juca de Oliveira: Tenho. Não deu certo por uma razão curiosa: eu não sei se é... Nós procuramos discutir, por exemplo, o problema da moralidade em relação à coisa pública, o problema da delinqüência, o problema da ecologia, o problema da violência, mas eu não sei se, na verdade, nós... Frustrou essa nossa... essa nossa existência, não é?

Jorge Escosteguy: Você teve filhos antes ou depois de achar que o homem não deu certo, Juca?

Juca de Oliveira: Não, eu venho pensando nisso todos os dias, isso faz parte da minha reflexão cotidiana, né? Por exemplo... Obrigado [pega um lenço de papel que alguém lhe dá e enxuga o suor da testa]. Por exemplo, nós somos os únicos que estupramos, nós temos a volúpia do sangue, matamos sem motivo, seviciamos as fêmeas, torturamos; nenhum outro animal superior exercita com tal crueldade isso que nós fazemos. Então é uma coisa curiosa você chegar a uma conclusão tão terrível quanto é essa, né? Então é essa a razão pela qual as coisas... Quer dizer, quando você chega a uma conclusão de que não deu muito certo... O Konrad  Lorenz [etólogo nascido na Áustria  (1903-1989), vencedor do Prêmio Nobel de fisiologia/medicina em 1973], por exemplo, diz uma coisa - e [ele] desgraçadamente morreu outro dia - que a única possibilidade seria de nós colocarmos outra vez as crianças em contato com o início do nascimento das coisas, em contato com a natureza, que elas aprendessem, por exemplo, como é que polinizam as flores, como é que concebem os animais, como é que as... e talvez houvesse possibilidade de revertermos um quadro, que... talvez não haja mais tempo de reversão desse quadro. Isso é uma coisa tristíssima de você constatar, e isso é triste porque você discute, discute e fica uma coisa meio banal você falar às vezes sobre o problema da moralidade do deputado, porque você não acredita efetivamente que ele melhore.

Jorge Escosteguy: Juca, ...

[Sobreposição de vozes]

Irene Ravache: Mas fala mais sobre isso, fala. Fala mais sobre isso, porque eu acho que aqui o ponto... Eu acho que todos nós aqui concordamos com a imoralidade disso aí. Mas é... Então, uma vez que todos nós concordamos, por que não fazemos nada, não é? Então por que é quê... ? por que é quê no fundo... ? Será que todos nós não acreditamos que possa haver uma melhora? Será que é por aí, Juca?

Juca de Oliveira: Pois é. Olha, é claro... é claro, por exemplo, que, quando você escreve, você tem uma tendência a passar, através da sua fé, de que alguma... de [que] alguma forma isso reverta, esse quadro se reverta. Mas... O Konrad Lorenz diz uma coisa tão bonita, ele diz o seguinte: que algumas espécies, elas... Algumas borboletas, por exemplo, elas... a natureza as cumula de cores muito vistosas para ela atrair o macho, para que haja então a concepção, a perpetuação da espécie dela. Mas isso é uma faca de dois gumes, porque também atrai o predador, não é? Mas o curioso é que ela tem, evidentemente, uma margem de segurança para esse vôo. Mas algumas espécies, mesmo sabendo que estão transgredindo essa margem de segurança, elas continuam nesse vôo: elas ficam como que embevecidas por esse devaneio, como se fosse uma volúpia de liberdade, e partem para serem devoradas pelo predador. Mas são... Olha que fantástico isso! Será que não é isso que faz com que nós continuemos a fazer? Quer dizer, nós artistas, que temos uma... quer dizer, uma consciência de que a coisa é muito mais trágica do que nós discutimos no editorial, por exemplo, do jornal diário, e que a gente continua na esperança de que, talvez, nesse devaneio a gente encontre uma saída... Eu não sei. Eu vejo muito mal...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Ô Juca, o Rinaldo tem uma pergunta. Por favor; depois a Annette.

Rinaldo Gama: Tem um pouco a ver com isso que a gente estava falando: é sobre o partido que você vota,  [em] que você acredita, que é... em nenhum momento aqui foi falado, né? Quer dizer, os telespectadores devem estar se perguntando: “Bem, ele foi do PC [Partido Comunista], citou aqui o PT agora há pouco...”. Eu queria que você falasse um pouco do partido em que você vota, e como você está vendo a atuação dele dentro desse quadro caótico que a gente desenhou aqui, de corrupção...

Juca de Oliveira: Não... Eu votei... até as últimas eleições eu votei no PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro]. No PMDB, né?

Jorge Escosteguy: A Mariângela Contreras, daqui de São Paulo, faz a mesma pergunta: "Qual é o seu partido? Em quem você vota?".

Juca de Oliveira: É, eu votei no PMDB.  Eu analiso politicamente... a cada passo você está analisando aquilo que está acontecendo na sociedade: a participação política, a corrupção, tudo isso é uma coisa que nos afeta, quer dizer, nós subimos no palanque para lutar pelas Diretas Já, e nós vamos brigar... Eu não tenho um compromisso eterno com nenhum partido: eu tenho um compromisso com a minha consciência.

Alex Solnik: [Interrompendo] Você acha que a corrupção afeta o PMDB também?

Juca de Oliveira: Hein?

Alex Solnik: A corrupção afeta o PMDB?

Jorge Escosteguy: O presidente do PMDB, por exemplo, tem sido alvo de...

[Sobreposição de vozes]

Alex Solnik: Ou seja, há PMDBistas...

Juca de Oliveira: Eu acho que... Eu acho que a corrupção atinge todas as pessoas. Eu acho que a corrupção acaba... Quer dizer, nós estamos todos envolvidos pela corrupção, né? Todos nós estamos...

Alex Solnik: [Interrompendo] Não, mas espera aí. Tem gente que realmente, quer dizer, paga propina, recebe comissão... não é o nosso caso aqui, por exemplo.

Juca de Oliveira: Sim.

Alex Solnik: Então, há envolvimentos e envolvimentos.

Juca de Oliveira: Sim, claro.

Alex Solnik: Tem gente do PMDB... inclusive tem o governador do Paraná [Roberto Requião (1941-)] que acusa o presidente do PMDB de corrupção mesmo, e são dois PMDBistas né?

Juca de Oliveira: Sim. Quer dizer, no caso... no caso do... no caso do artista, eu não tenho... Evidentemente, nós vamos discutir a política partidária, se o presidente do PMDB, ele é conivente com o secretário que... Quer dizer, isso não é uma coisa que nós particularmente não... É uma coisa...  né? Eu não sou político no sentido do militante político que vai ao palanque, ou que me filio ao partido: eu sou um artista que participo da política, mas não sou um militante político.

Jorge Escosteguy: Annette, por favor.

Juca de Oliveira: Nesse sentido,...

Annette Schwartsman: Eu vou mudar um pouco de assunto [...].

Juca de Oliveira: Não, eu queria... eu queria só esclarecer, para que não fique vago.

Rinaldo Gama: Não, não. Ok. Quer dizer: você acha que o PMDB também, quer dizer, você acha...

Juca de Oliveira: Eu acho que é suscetível de...

Rinaldo Gama: ... suscetível? Você está vendo com alguma preocupação, pelo menos, que um partido [em] que você votou,  [em] que acredita, não tem dado [as] respostas...

Juca de Oliveira: Sim, claro.

Rinaldo Gama: ... que você esperava.

Juca de Oliveira: Com extrema preocupação, claro. Se nós estamos discutindo o problema... o problema da participação do PMDB na corrupção, eu vejo com apreensão isso. [É] Evidente.

Rinaldo Gama: Mas você continua achando que é o partido que faz mais a linha do que você pensa para o Brasil?

Juca de Oliveira: Não sei, não sei. Neste momento eu não sei o que eu diria. Não sei neste momento, não é?

Irene Ravache: Você sabe?

Juca de Oliveira: Não sei.

Irene Ravache: Você [enfatizando] sabe? [dirigindo-se a Rinaldo Gama]

Rinaldo Gama: Sei.

Irene Ravache: Que bom...

Jorge Escosteguy: Annette, por favor.

Annette Schwartsman: Eu queria saber...

Juca de Oliveira: Você sabe?

Rinaldo Gama: Sei, claro.

Annette Schwartsman: Eu vou mudar um pouco de assunto. Quando você escreveu a sua primeira peça, você disse que não queria trabalhar nela como ator, que você acha que o ator e o autor têm pontos de vista diferentes. Hoje em dia, além disso, você também dirige teatro. Eu queria que você falasse sobre isso. Essas coisas são compatíveis? Não são? Como [é] que você...?

Juca de Oliveira: Olha, você escrever é completamente diferente de você representar. O processo, inclusive, é diferente. O processo é inverso: você representa através de um processo de análise, e você escreve por um processo de síntese. Nunca esses caminhos se encontram. Só por acaso que aquele que representa escreve, né? Tanto é verdade que eu só descobri isso depois que acabei entrando por um tremendo cano fazendo a minha primeira peça, porque eu acreditava que eu sabia mais que os atores porque eu tinha escrito a peça. Na verdade, não é verdade isso. Na verdade você tem que procurar a pesquisa exatamente no nível dos atores. Tanto é que, quando você improvisa, você não diz as palavras que você escreveu, e sim as palavras que você diria como intérprete; o processo é outro. Então, uma coisa não tem nada com a outra: é sempre pior, é penoso você trabalhar na sua própria peça. Existe...

Annette Schwartsman: [Interrompendo] Mas, depois disso, em Meno male, você atuou como ator também.

Juca de Oliveira: Eu atuei como ator, mas aí eu já sabia disso e entrei pesquisando no nível dos próprios atores, né? Agora você [me] citou como diretor: eu não sou diretor. Eu dirigi agora As atrizes - não é? -, com a Tônia [Carrero], a Lucélia [Santos], o Mauro Mendonça, o Osmar Prado e a Márcia Cabrita [atriz e humorista fluminense (1964-)], porque eu fui convidado. O Luiz Arthur Nunes [dramaturgo e diretor teatral (1946-)], que era o diretor, acabou não dirigindo e me chamaram para dirigir, e eu fui dirigir. Mas eu não sou diretor. Eu sou, primeiro, ator, e segundo, escritor de teatro.

Alex Solnik: Você se acha um bom diretor? Responda o que você respondeu naquele intervalo. [risos]

Juca de Oliveira: Não; eu me acho péssimo diretor. [risos]

Jayme Martins: Juca, depois do fenomenal sucesso do Meno male, você ainda acha que há preconceito contra a comédia no Brasil? Onde? Como?

Juca de Oliveira: Não, eu acho que há preconceito contra a comédia no Brasil sim. Há contra...

Annette Schwartsman: E contra o teatro?

Juca de Oliveira: Existe [preconceito] contra a comédia... existe contra a comédia. Eu acho que isso é um problema cultural, eu acho que nós somos...

Irene Ravache: [Interrompendo] Mas esse preconceito é de quem? Parte de quem?

Juca de Oliveira: Eu acho que quando você lê os teóricos, quando você lê aqueles que discutem sobre teatro, existe sempre uma visão assim: “Não, porque o pessoal está fazendo comédia... porque a comédia...”, e, na verdade, o teatro é representado... o teatro é representado por duas máscaras, uma rindo e outra chorando. O que compõe o drama é a participação da comédia na tragédia – né? -, porque é evidente que Aristófanes [(445-385 a.C), dramaturgo grego tido como o maior representante da Comédia Antiga, escreveu peças carregadas de sátiras e críticas a grandes momentos da história, como a Guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta, e temas diversos, como educação, filosofia, política e sociedade] não é inferior - pelo menos no meu ponto de vista, e do ponto de vista de Aristóteles [Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), filósofo grego - tido como um dos maiores de todos os tempos - cujos estudos mais conhecidos foram reunidos pelo filósofo Andrônico de Rodes e por ele intitulados Metafísica, que trata do estudo da filosofia primeira, das causas e dos princípios da existência, do ser enquanto ser, distinguindo diferentes graus do conhecimento, como o empirismo, a ciência e a arte] - não é inferior a Ésquilo, né? Eu não acho que as comédias de Shakespeare sejam piores que as tragédias de Shakespeare, e nem que Molière seja inferior a Racine [Jean Racine (1639-1699), poeta trágico, historiador e dramaturgo francês]; só no Brasil que acontece isso. Mas o problema não é nem esse: o problema grave com relação à comédia é que nós não estamos discutindo a... nós não estamos discutindo o problema da dramaturgia brasileira nesse sentido. Existe apenas o preconceito, mas nunca se discute seriamente esse tema, esse tema da comédia, esse tema... né? Eu, por exemplo, fico me perguntando assim: “quem sou eu?”. Você fez uma preleção, disse que eu fiz algumas peças e não sei o quê, pessoas riram... Eu não sou considerado, inclusive pela... pelo menos pela crítica especializada,  sequer um autor. Eu não sou considerado um autor, eu não sou. Eu sou considerado um... não sei! Eu fico perplexo, porque eu fico sempre me perguntando. Eu não sou considerado ninguém pela crítica especializada, em termos de... E eu escrevi algumas peças que fizeram um relativo sucesso. Isso não me incomoda – né? -, em absoluto, porque eu já não leio crítica há muito tempo. A crítica, como dizia Cacilda Becker, ela atinge um pouco os jovens no começo da sua carreira, depois ela não atinge mais. Eu fico um pouco preocupado...

Luiz Fernando Emediato: [Interrompendo] Mas você não lê, nem de curiosidade?

Juca de Oliveira: Hein?

Luiz Fernando Emediato: Essa coisa de falar que não lê. Lê sim, né?

Juca de Oliveira: Você sabe que não? Você sabe que não? Por exemplo: agora, em As atrizes... [A gente] fez um espetáculo, fizemos uma estréia, e teve um jornalista do... um crítico do  Jornal do Brasil [que] desceu o cacete impiedosamente.

Luiz Fernando Emediato: Então essa você leu, não é?

Juca de Oliveira: Não, não li! Aí que está: não li. Quem me telefonou foi uma menina até, a Márcia Cabrita, que telefonou para a minha casa dizendo... O que me magoou é o seguinte: ele sequer citou a Márcia Cabrita que, por acaso, como as demais atrizes - mas sendo uma atriz menos conhecida - faz um excepcional sucesso na peça, um escandaloso sucesso na peça! Não foi citada. Isso sim é uma coisa que me incomoda, por causa... Mas não a... Falar mal da... Mas o que é uma coisa preocupante é o seguinte: a situação... onde é que se situa o escritor - né? -, como é que é... como é que é essa cultura... como é que é essa dramaturgia que está sendo feita... como é que é... você, como [é] que você se afere, né? Isso que é uma coisa que me preocupa.

Irene Ravache: Agora, Juca, o Sérgio Jockymann [(1930-) poeta, jornalista, romancista e dramaturgo], que é um autor de teatro, ele dizia, assim, que a crítica é o nosso piolho. Você acha que chega a ser o nosso piolho? Quer dizer, então ele dizia assim: “O dia em que passar uma máquina zero acabaram os críticos, porque eles têm que viver grudados na gente.”. Como é que é isso?

Aimar Labaki: [Interrompendo] Ou seja, a crítica é o parasita da arte?

[Sobreposição de vozes]

Juca de Oliveira: Eu acho...

Irene Ravache: Não, não. Ele [o crítico] tem que viver grudado, quer dizer...

Juca de Oliveira: Eu acho...

Irene Ravache: ... se não tem o ator, se não tem o cabelo, não tem o piolho. [risos]

[Sobreposição de vozes - todos ao mesmo tempo]

Aimar Labaki: Eu acho que deve incomodar para caramba, não é?

Irene Ravache: Não, o Sérgio Jockymann dizia isso.

Juca de Oliveira: Não, eu acho... O exercício da crítica eu acho excepcional, tenho o maior respeito pela crítica.

[...]: Mas não lê.

Juca de Oliveira: O maior respeito pela crítica.

Irene Ravache: [Interrompendo] E o estilo da crítica, Juca, por exemplo?

Juca de Oliveira: Hein?

Irene Ravache: Porque da mesma forma... Não está escrito no jornal? Não foi publicado? Porque tem uns que, não é que eles escreveram mal de você: eles escrevem mal. Mal, é ruim o que escreve. Como é que...? Você não acha que às vezes a gente... a gente também fica numa impotência? O artista fica numa impotência, porque você também não tem aquele lugar para dizer assim: “Escuta, meu amigo, passa a escrever pelo menos de uma forma que dê um certo gosto de alguém ler, você escreve mal!”. Como é que fica essa impotência do artista, essa exposição? Ou o próprio fato de você estar exposto, você já... já tem que... ?

Juca de Oliveira: Não. Você sabe, eu tenho uma visão da seguinte forma: eu sou extremamente aberto, pode falar o que quiser, eu li muita crítica, depois deixei de ler porque eu acho que existe no Brasil...

Irene Ravache: [Interrompendo] E é meio previsível: a gente já sabe mais ou menos o...

Juca de Oliveira: ... um problema muito curioso. Sabe o qual é o problema?

Irene Ravache: ... o que eles vão escrever.

Juca de Oliveira: Eu acho que a crítica não é profissional, a crítica não é profissional.

Aimar Labaki: Toda ela, não há exceção?

Juca de Oliveira: Não, há exceções. Sempre. Tudo o que eu disser evidentemente tem exceções, claro.

Irene Ravache: Graças a Deus, né?

Juca de Oliveira: A crítica não é profissional.

Irene Ravache: Graças a Deus.

Juca de Oliveira: Ela se comporta muito como fã. Ela é uma espécie de fã do artista. Então ela fica zangada com o artista, briga com o artista, diz que esperava que ele fizesse uma outra coisa e não aquilo: “Como uma pessoa tão importante quanto ele - ou quanto ela -, que poderia fazer isso, de repente fez essa porcaria!”; é um negócio meio... é como fã. Mas eu digo que ela não é profissional por uma razão: eu acho que a crítica, ela tem... ela pode ser exercida no sentido de uma elevação de cultura, quer dizer, você vai discutir as correntes estéticas e por que é que este tipo de espetáculo não se insere em tal corrente estética. Mas aí...

Irene Ravache: [Interrompendo] Mas aí não se subentende que a pessoa que está escrevendo tenha que ter conhecimento?

Juca de Oliveira: Mas aí, sabe o que é que é? Aí é um outro departamento. Por exemplo: você vai assistir ao espetáculo... eu, por exemplo, gosto brutalmente de Tadeus Kantor – né? -, que desgraçadamente faleceu, vi todos os espetáculos dele, gosto de Peter Stein, gosto de Bob Wilson [diretor e dramaturgo de vanguarda norte-americano (1941-)]... Aliás, até prefiro o Bob Wilson... até... os espetáculos dele aos meus espetáculos: eu gosto... [É] Evidente que eu prefiro o Peter Stein a mim; é óbvio. Porque eu não sou bobo, não é verdade? Eu gosto mais deles. Mas isso não pode... não exclui o fato de que eu vá ver um espetáculo e ache que esse espetáculo, a despeito de ser um espetáculo não nos termos do Tadeus Kantor, seja igualmente bom. Ocorre que a crítica, de um modo geral, ela se comporta como se todo o espetáculo que não tivesse algum compromisso com a vanguarda, com o teatro experimental, ele fosse todo um monte de lixo, não é verdade? O que é curioso de você verificar na crítica profissional é que... Uma coisa que eu fiquei espantado um dia; eu estava vendo o Walter Kerr [escritor, crítico e diretor teatral norte-americano (1913-1996)], por exemplo, que é um crítico e foi crítico durante muito tempo do [jornal americano The] New York Times, ele escrevia muito bem, críticas fantásticas a respeito de Neil Simon [dramaturgo e roteirista norte-americano (1927-)] etc e tal, e [dizia]: “Fizeram um espetáculo maravilhoso, muito bem realizado, uma comédia muito agradável, vocês vão gostar desse espetáculo e tudo.”. E quando eu fui ler o Walter Care, tem uma peça curiosa dele, “How not to write a play” [Como não escrever uma peça], que é uma peça fantástica, que ele fala exatamente sobre a well done play [peça bem feita], ele odiava [enfatiza] com todas as forças do seu ser exatamente o Neil Simon! Mas por quê? Ele fazia uma crítica profissional que não tem nada a ver com o gosto pessoal dele como crítico. Agora, o que é que ele faz? O leitor do  [The] New York Times sabe que vai encontrar naquela comédia do Neil Simon um espetáculo que o agrada: essa é a razão pela qual as pessoas, lendo o [The] New York Times, e sendo [a peça] condenada pelo [The] New York Times, eles não vão ao teatro. Não é que haja uma ditadura do crítico: isso é absolutamente falso [enfatiza e faz gesto de negação]! Não há nenhuma ditadura do crítico nos Estados Unidos: apenas o crítico é profissional. Então ele exerce uma crítica no sentido de esclarecer ao leitor do [The] New York Times que aquele espetáculo, ele é realizado de uma forma que eventualmente agradará o gosto daquele público alvo que vai à Broadway  [região de Nova Iorque onde acontecem grandes produções teatrais, sobretudo as que possuem caráter mais comercial] ou que vai ao teatro off Brodway, ou [ao] off off Broadway. E não que ele escreva o espetáculo, diz assim: “Eu gosto de Tadeus Kantor.”, então tudo o que não for Tadeus Kantor, ou pelo menos transar via Tadeus Kantor, é um lixo. Isso aí é que eu acho que... entende? Isso não pode ser discutido assim.

Jorge Escosteguy: João Wady, por favor, uma pergunta.

João Wady Cury: Já que você falou em lixo, eu estou inconformado que até agora você só falou contra instituições: políticos, governo, crítica. Eu quero nomes: com quem você não dividiria uma cena no Brasil?

Juca de Oliveira: Olha, eu não falei sobre instituição. Eu falei sobre o homem, eu falei sobre mim, eu falei... Eu até disse que eu não tenho nem fé na aventura do homem.

João Wady Cury: Não, mas a minha preocupação é outra: eu quero nomes, vamos falar mal das pessoas.  [Com] Quem  [é] que você não divide o palco no Brasil? Com quem você se recusa a dividir o palco?

Irene Ravache: Deixa eu ver se eu sei...

Juca de Oliveira: Com ninguém. Eu divido o palco com qualquer ator, com qualquer atriz, com qualquer técnico, com qualquer diretor: não tenho nenhum preconceito, e, aliás, não tenho nada contra nenhum dos diretores e nenhum dos atores. É incrível lhe dizer isso, até você pode dizer assim: “É um negócio meio – né? - maroto dele...”. Não!

Alex Solnik: Ô Juca, aconteceu alguma coisa no fim do Meno male, [com o] elenco? Teve alguma briga, alguma coisa? Vocês tiveram uma temporada enorme do Meno male e tal, aí acabou a temporada, aí vocês fizeram uma montagem no Rio [de Janeiro] com algumas modificações no elenco e tal. Aconteceu alguma coisa? Brigas?

Juca de Oliveira: Nada, absolutamente nada. Nós fizemos uma temporada muito bonita, durante muito tempo... O Meno male é um fenômeno no teatro: ficou cinco anos [em cartaz], apesar de a crítica não considerar. O curioso é que Meno male.. É fantástico esse negócio do Meno male. O Meno male ficou cinco anos em cartaz, foi visto por um milhão e meio de espectadores, e você sabe que nesse negócio de – como é? – Mambembe [diz respeito ao Troféu Mambembe: prêmio criado em 1977 pelo Ministério da Cultura, e pelo qual concorrem espetáculos da cidade do Rio de Janeiro e São Paulo], que fazem de... O Meno male não teve um voto de nenhum crítico, de ninguém no Meno male, nem a Bibi [Bibi Ferreira (1922-), é atriz, cantora, diretora e dramaturga], nem o Tatá [apelido do ator Luis Gustavo].

Luiz Fernando Emediato: Fala mal deles, então.

Juca de Oliveira: Ninguém! Ninguém! De quem? Dos críticos? Não. Pra quê?

Luiz Fernando Emediato: Mas teve pelo menos uma crítica boa, eu me lembro de uma.

Juca de Oliveira: Teve?

Alex Solnik: Foi você Emediato?

Luiz Fernando Emediato: Teve, teve uma boa. Não fui eu não.

Juca de Oliveira: O Emediato fez uma matéria fantástica.

Luiz Fernando Emediato: Mas teve uma crítica boa.

Irene Ravache: Mas o Meno male não acabava mais. Um dia eu liguei para ele e perguntei: “parece o Jason [temido personagem Jason Voorhees, da série de filmes de terror intitulada Sexta-feira 13, conhecido por sobreviver a qualquer tipo de agressão], aquele personagem da Sexta-feira 13 que sempre...”; você acha que morreu e ele volta.

Juca de Oliveira: E o curioso é que durante todo o período do espetáculo, eu não sei se porque existe o...  -sabe? - existe a permanência, a imanência dos deuses do teatro sobre o palco e a gente acredita piamente nisso, nunca houve um conflito entre nós durante todo esse tempo.

Alex Solnik: Então por que é que você trocou o elenco no Rio?

Juca de Oliveira: Não, aí é o seguinte: no final, quando nós voltamos para São Paulo, o Luis Gustavo - por exemplo - teve uma filha, quer dizer: ele casou, concebeu, teve uma filha...

Jorge Escosteguy: A mulher do Luis Gustavo teve uma filha.

[Risos]

Juca de Oliveira: ... a filha ficou com um ano e seis meses e ele continuava com o Meno male viajando pelo Brasil. Ele nem conhecia a filha. Então, como nós permanecíamos aqui, ele voltou para o Rio de Janeiro e o Osmar Prado o substituiu. E quando nós fomos para o Rio de Janeiro, aí nós levamos... o Osmar Prado era do Rio de Janeiro e o elenco foi substituído, aí por uma... por interesse do próprio elenco. O Fúlvio Stefanini [ator paulistano (1939-) com extensa carreira na televisão] não quis ir...

Jorge Escosteguy: Jayme Martins, por favor.

Jayme Martins: Ô Juca, você que passou por ela tão intensamente, como é que avalia a contribuição da Escola de Arte Dramática [centro de formação de atores ligado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo] ao nosso teatro?

Juca de Oliveira: Eu acho que foi decisiva a influência da Escola de Arte Dramática, sobretudo naquele período fantástico... eu acho que hoje ainda: eu acho importantíssimo a Escola. Eu acho que deve-se fazer escola, eu acho que a melhor porta para o teatro é a escola, né? Eu acho que o ator deve buscar a porta através da Escola de Arte Dramática e não através dos corredores da televisão, para que ele fique esperando eventualmente que alguém o coloque em uma ou noutra pontinha, ou que ele fique – né? - naqueles corredores...

João Wady Cury: Você é a favor de diploma para ser ator?

Juca de Oliveira: Não, não. Não, absolutamente. Eu acho que não... Aliás, eu sou contra o diploma. Até... Em princípio eu sou contra o diploma. Eu acho que não precisa ter diploma.

Jorge Escosteguy: Juca, ...

[...]: É muito difícil você vencer vida...

João Wady Cury: Mas você fez isso... Mas você fez alguma coisa quando você era presidente do sindicato, para derrubar essa lei?

Juca de Oliveira: Não, não: eu lutei profundamente... eu lutei durante o... enquanto eu fui presidente do sindicato, e quando nós instituímos que... quando nós trabalhamos pela formulação da lei, eu redigi até um artigo que dizia o seguinte: são considerados institucionais os egressos da Escola de Arte Dramática oficialmente reconhecidas etc e tal. E, posteriormente, eu mudei de opinião. Chegou um certo momento da minha vida profissional, analisando dentro do palco, do tablado, em contato com os colegas, eu vi que essa posição era falsa e mudei a minha posição.

João Wady Cury: Hoje?

Juca de Oliveira: Hoje...

Irene Ravache: [Interrompendo] Mas a escola dá um...

Juca de Oliveira: Sim, sim, claro mas...

Irene Ravache: Norteia bem, não é? Dá uma consciência.

Juca de Oliveira: Sim, eu acho ótimo que se faça escola.

Irene Ravache: O cara fala uma frase...

Juca de Oliveira: Mas não acho...

Irene Ravache: ... com sujeito, verbo e predicado, pelo menos. Não confunde Shakespeare, com Sweepstake [espécie de sorteio, aposta ou loteria na qual o ganhador, tendo arriscado um valor para concorrer ao prêmio, recebe como prêmio a soma de tudo o que foi aplicado pelos outros apostadores], por exemplo...

Juca de Oliveira: Mas não acho que deva, que as pessoas devam...

Irene Ravache: ... que é um negócio que acontece.

Juca de Oliveira: ... fazer escola...

Luiz Fernando Emediato: Juca, uma coisa...

Juca de Oliveira: ... eu não acho que deve se estudar e só as pessoas formadas na Escola de Artes Dramáticas devam representar. E isso eu acho... Sou absolutamente contra.

Luiz Fernando Emediato: Juca, com escola ou sem escola, é muito difícil vencer na vida como ator? Eu me lembro, por exemplo, que você, num certo período da sua carreira, você chegou a fazer até filme pornográfico: chamava Perdido em Sodoma ou em Gomorra.

Irene Ravache: [Interrompendo] Você ficou pelado?

Luiz Fernando Emediato: Ficava nu [...].

Irene Ravache: Você ficou pelado? Ele tem vergonha de ficar pelado. Eu o convidei para fazer [...], [e ele disse]: “Se tem que ficar pelado eu não...”.

Luiz Fernando Emediato: Que tipo de concessão alguém tem que fazer nessa carreira... [risos]

Juca de Oliveira: Eu, quando eu fiz Otelo [Otelo, o mouro de Veneza: tragédia escrita por Shakespeare por volta de 1603]...

Luiz Fernando Emediato: ... para chegar até onde você chegou: tem que ficar pelado no cinema?

Juca de Oliveira: Quando eu fiz Otelo, o secretário de Cultura prometeu dois milhões de cruzeiros, dois mil cruzeiros naquela época, que era até o... Nome, de quem é o nome? Eu lembrei de um nome... Quem foi?

João Wady Cury: Aqui, estou aqui.

Juca de Oliveira: Cunha Bueno [Antonio da Cunha Bueno (1949-), político e empresário]. Cunha Bueno que [falou]: “Ah, eu vou dar dois milhões...” etc e tal.

João Wady Cury: Hoje ele é monarquista, não é?

Juca de Oliveira: É. Não deu os dois milhões e não deu também o teatro de... o [teatro] Sérgio Cardoso para nós fazermos Otelo. E eu só faria Otelo...

Irene Ravache: [Interrompendo] Ia dar por quê? Para você ficar pelado?

Juca de Oliveira: Não. Eu só... Eu vou chegar na...

[Sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: Por favor, o Juca responde, porque nós estamos chegando ao fim do programa.

Juca de Oliveira: E aí, tive realmente que... Ah, e fiquei devendo, tive que emprestar dinheiro do Banespa [Banco do Estado de São Paulo, comprado, depois, pelo Grupo Santander], o Eduardo Pereira de Carvalho [economista (1938), foi ministro da Fazenda entre 1980 e 1981] me emprestou 2 milhões, que ficou cinco milhões e 700 [mil], e eu acreditando que a Secretaria de Cultura fosse pagar. Tive que pagar até o último tostão, vendi tudo o que tinha e passei a fazer os filmes pornográficos. Não foi só Perdido em Sodoma, fiz [também] Deu veado na cabeça [pornochanchada de 1982, dirigida por Bentinho].

[Risos gerais]

Irene Ravache: Por quê? Você era a cabeça ou era o veado?

Juca de Oliveira: Perdido em Sodoma; [risos gerais] A cangaceira sapatona [fazendo a contagem nos dedos]; tem mais, tem mais um...

[Risos]

[...]: Qual é o outro?

[Sobreposição de vozes]

Alex Solnik: Que ano foi A cangaceira sapatona? Que ano foi?

Juca de Oliveira: Quando foi?

Alex Solnik: Não tem nada que ver com a realidade de hoje, não é?

Juca de Oliveira: É. É. Não! É...

Alex Solnik: Faz tempo.

Juca de Oliveira: Faz tempo.

Jorge Escosteguy: Ô Juca. Ô Juca.

Juca de Oliveira: E aí eu fiz tudo isso...

Irene Ravache: [Interrompendo] E em qual deles você mais se encontrou, Juca?

Juca de Oliveira: Não, eu fazia o seguinte: “faço, mas não fico pelado.”.

[Risos]

Jorge Escosteguy: Juca, eu vou fazer aqui um pequeno comercial, porque três telespectadores telefonaram: Cira Santos, de São Paulo; Katia Mazolin de São Caetano e Marinho da Rocha, também de São Paulo. Eles perguntam o que você acha dos atuais programas infantis na televisão, e [pediram] que [você] falasse um pouco da sua experiência de sucesso na  Vila Sésamo [seriado infantil de televisão - baseado no norte-americano Street Sesame - e que foi exibido entre 1972 e 1977], aqui na TV Cultura.

Irene Ravache: Você fez Vila Sésamo?

Juca de Oliveira: Acho que eu não fiz Vila Sésamo.

Irene Ravache: Não, foi Bogus [Armando Bogus: ator paulistano (1930-1993) que vivia em Vila Sésamo o personagem Juca]: está confundindo.

Juca de Oliveira: Aracy [Aracy Balabanian (1942-), atriz] - não é? - que fez.

Irene Ravache: Bom, mas ela não confundiu você com a Aracy.

[Risos]

Jorge Escosteguy: Tem três telespectadores confundindo você, dizendo: fale sobre os programas infantis ...

[Sobreposição de vozes]

Irene Ravache: Com o Bogus.

Juca de Oliveira: Olha, eu não sou bom para falar nesse tema porque eu não assisto... Eu assisto muito pouco televisão.

Alex Solnik: Fala da Xuxa [(1963-), apresentadora de programa infantil da televisão brasileira desde 1983] , então.

Juca de Oliveira: Não, eu não assisto, eu não assisto.

Alex Solnik: Nem a Xuxa?

Irene Ravache: Mas uma vez você pegou a sua filha vendo a Marta Suplicy [política e psicóloga (1945-), apresentou na década de 80 um quadro a respeito da sexualidade em um programa televisivo chamado TV Mulher], lembra? Quando ela era pequenininha... [risos]

[Sobreposição de vozes]

Jayme Martins: O teatro brasileiro hoje... Ô Juca, já que estamos no final, o teatro brasileiro hoje, numa palavra...

Juca de Oliveira: Já que está chegando ao final eu quero falar da minha peça As atrizes, hein!

Jayme Martins: Tá na hora.

Jorge Escosteguy: Já está quase na hora. O Jayme, por favor.

Jayme Martins: Não, não: vamos à sua peça.

Juca de Oliveira: À minha peça?

Jayme Martins: Isso.

Jorge Escosteguy: O seu comercial.

Juca de Oliveira: Não, eu não vou falar... não vou fazer um comercial, eu vou falar...

Irene Ravache: [Interrompendo] Eu faço! Você quer que eu faça?

Juca de Oliveira: Sim.

Irene Ravache: Eu conheço a peça, a peça é ótima, muito bem escrita, é uma boa peça, deve estar sendo muito bem interpretada lá no Rio de Janeiro... É uma boa peça, viu, Juca de Oliveira? Você escreveu bem.

Juca de Oliveira: Bom, As atrizes está em cartaz no Teatro Villa Lobos, no Rio de Janeiro, com a Tônia Carrero, com a Lucélia Santos, com o Mauro Mendonça.

Irene Ravache: Osmar Prado.

Juca de Oliveira: Osmar Prado, Márcia Cabrita, o meu assistente de direção Antônio Gilberto, não é? Bom, foi um espetáculo fantástico, está lá no teatro, foi muito bom - né? -, a estréia foi ótima e estamos lá esperando o pessoal para assistir.

Jorge Escosteguy: Juca, uma última pergunta, da telespectadora Rafaela Prado, aqui de São Paulo. Você diz que o homem ... [que] não acredita no homem, que o homem deu errado etc. Então ela pergunta, em síntese: "Você considera o suicida uma pessoa mais racional?" e "Você se considera, portanto, um suicida em potencial?".

Juca de Oliveira: Não.

Annette Schwartsman: Um niilista [referência ao niilismo, que considera que as crenças e os valores tradicionais são infundados e que não há qualquer sentido ou utilidade na existência]?

Juca de Oliveira: Vamos até o fim, né? Não vamos abreviar.

Jorge Escosteguy: Nós agradecemos, então, a presença, esta noite aqui no Roda Viva, do ator, escritor e diretor de teatro, e infelizmente pecuarista quebrado, Juca de Oliveira [discretos risos gerais] - vai vender as suas... [risos] -, e [a presença] dos amigos que ajudaram a fazer a entrevista e dos telespectadores, lembrando que as perguntas que não puderam ser feitas ao vivo serão entregues depois do programa ao Juca de Oliveira. O Roda Viva fica por aqui, e volta na próxima segunda-feira às 9h da noite. Até lá e uma boa noite a todos.

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