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Memória Roda Viva

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Tasso Jereissati

27/10/1997

O político cearense aponta avanços na área social de seu estado, defende as ações do governo federal e fala sobre reeleição

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Heródoto Barbeiro: Boa noite. Além de figura importante no destaque político nacional, ele governa pela segunda vez o estado do Ceará. No centro do Roda Viva, [está] o governador Tasso Jereissati.

[Comentarista]: Tasso Ribeiro Jereissati, 49 anos, é casado e tem quatro filhos. Nasceu em Fortaleza, formou-se em administração de empresas e foi empresário antes de se dedicar à política. Governa o Ceará pela segunda vez e ainda não decidiu se vai disputar a reeleição, embora lidere as pesquisas no estado. Durante o primeiro mandato, de 1986 a 1990, Tasso Jereissati procurou equilibrar as finanças públicas, e o Ceará, apesar de ser um dos estados mais pobres do país, acabou apontado como exemplo de boa administração pelo governo federal. Tasso ganhou projeção dentro do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] e presidiu o partido de 1991 a 1994. Foi ele quem levou o convite tucano [refere-se ao PSDB] ao então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso para disputar a Presidência da República. O ex-governador Ciro Gomes virou ministro da Fazenda, apoiou Tasso Jereissati para a sucessão do Ceará e a eleição foi tranqüila. Em seu novo mandato, Tasso tem dado destaque à industrialização, investindo em obras de infra-estrutura e oferecendo incentivos fiscais às empresas interessadas em se instalar no estado. Foi assim que o Ceará atraiu novas indústrias e tem crescido acima da média do país, embora continue com graves problemas sociais. No plano político nacional, Tasso apoiou a emenda da reeleição e tentou convencer o amigo descontente Ciro Gomes [ver entrevistas de Ciro Gomes no Roda Viva] a continuar no PSDB. Não conseguiu. Ciro foi para o PPS [Partido Popular Socialista] e busca uma coligação com o PSB [Partido Socialista Brasileiro], para disputar a Presidência da República. Mesmo em partidos diferentes, Ciro e Tasso continuam aliados no plano estadual, tendo em vista a próxima sucessão cearense.

Heródoto Barbeiro: Bem, para entrevistar o governador Tasso Jereissati, nós convidamos os jornalistas: Fernando Mitre, que é diretor de redação do Jornal da Tarde; Josias de Souza, secretário de redação da Folha de S.Paulo; Cida Damasco, coordenadora de "Política" do jornal O Estado de S. Paulo; Luciano Suassuna, redator-chefe da revista Isto é; Marcelo Pontes, diretor de redação do Jornal do Brasil e Rodolfo Fernandes, editor-chefe adjunto do jornal O Globo. O programa Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros além de Brasília. Governador, boa noite.

Tasso Jereissati: Boa noite.

Heródoto Barbeiro: Governador, indiscutivelmente, o grande assunto do dia é esse abalo nas bolsas de valores internacionais  [crise asiática] e os possíveis reflexos que isso possa ter no Brasil, não só nas bolsas, mas na economia como um todo. Não sei se o senhor sabe, mas hoje o México desvalorizou sua moeda em 10% e elevou suas taxas de juros. É algo que está sendo recomendado, de certa forma, para países emergentes, como o México e o Brasil. A equipe econômica diz que, no Brasil, não há esse problema, está tudo tranqüilo. Eu gostaria de saber se o senhor compartilha dessa segurança da nossa equipe econômica de que não há necessidade nem de se desvalorizar a moeda brasileira e nem de aumentar a taxa de juros para impedir a saída de capital brasileiro para o mercado internacional. [Com a intensificação da crise asiática, quando as pressões sobre o mercado de câmbio determinaram significativa perda de reservas, as taxas de juros brasileiras foram elevadas. Além disso, o Banco Central apresentou medidas para estimular a captação de recursos externos]

Tasso Jereissati: Boa noite. Bom, evidentemente que a preocupação hoje é grande, já que o problema globalizou-se a partir da crise da Bolsa de Hong Kong. Pelas notícias que tenho, praticamente todas as bolsas do mundo, mesmo dos países que têm economias mais fortes, como os Estados Unidos e os da Europa, também sofreram quedas recordes na sua bolsa. Não tenho condições de dizer se existem ou devem ser tomadas algumas medidas desse tipo. Acredito que falar em desvalorização cambial é bastante prematuro neste momento no país. É preciso que haja uma observação bem mais profunda, durante um prazo de tempo maior, para ver quais as medidas que devem ser tomadas preventivamente, porque, em uma crise global, o país não está isento.

Fernando Mitre: Governador, nós falamos de bolsas, e eu gostaria de falar do real. O real garantiu a candidatura de Fernando Henrique, levou-o ao poder, está lhe garantindo uma popularidade alta, o que é até surpreendente depois de dificuldades tão grandes. No entanto, o real não foi além de si próprio. O presidente disse algo brilhante no seu último discurso: "Até hoje, nós cuidamos do real. Agora, é o real que vai cuidar das pessoas". Mas isso ainda não começou. Nós temos, pelo contrário, algumas informações que mostram que os investimentos nas áreas de saúde e educação foram menores do que se esperava e se anunciava. Então, o que eu pergunto ao senhor é o seguinte: as reformas tributária, previdenciária e administrativa, que seriam a "salvação da pátria", estão muito distantes. Como o senhor vê essa perspectiva para agora?

Cida Damasco: Governador, o que o PSDB tem a dizer na próxima campanha eleitoral? O real deve permanecer como está ou deve mudar?

Tasso Jereissati: O real deve permanecer como está. Evidentemente, em todos os momentos, nunca se colocou o real como um fim em si mesmo, mas sim como uma premissa básica para que se alcançasse desenvolvimento econômico e social. Sem o real, sem a estabilidade da moeda, não é possível alcançar nenhum tipo de política social ou econômica com alguma consistência. O que acontece é que o Brasil, ao meu ver, estava mais desorganizado do que parecia, por conta da alta inflação. E o real, de repente, trouxe à tona todas as ineficiências do serviço público e da iniciativa privada do país. Fui governador na época da inflação e estou sendo governador agora, no tempo do real. Diria a você que a circunstância é completamente diferente. Era muito mais fácil, do ponto de vista financeiro, administrar o estado durante o período de inflação, pois agora, com o real, qualquer ineficiência do estado aparece. Então, problemas de saúde, educação, dos sem-terra [MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra], saneamento básico etc já existiam no país e com muito mais profundidade. Mas agora eles estão vindo à tona...

Fernando Mitre: Seguramente, esse é o diagnóstico. Agora, qual é a cura, qual será o próximo passo? As reformas, segundo a retórica oficial e insistente do governo, seriam fundamentais para os próximos passos. Eu quero dizer que essas reformas, nós todos sabemos, estão muito distantes. Que possibilidade o senhor vê de que algo aconteça, antes que essas reformas sejam aprovadas?

Tasso Jereissati: Eu acho que muita coisa vai acontecer, vamos separar as reformas em duas: as reformas constitucionais, que estão no Congresso Nacional, e que, de alguma maneira, pararam lá...

Fernando Mitre: [interrompendo] E vão continuar paradas, governador! Temos uma eleição pela frente, os próprios projetos estão muito reduzidos e prejudicados. Mesmo se forem aprovados, não serão grandes soluções.

Tasso Jereissati: Eu espero que não, claro. Mas tudo que se ganha já é alguma coisa. Eu sou mais otimista do que você, espero que esses projetos que estão no Congresso ainda sejam votados, pelo menos até o fim do ano que vem. Tenho essa expectativa.

Heródoto Barbeiro: Governador, queria perguntar o seguinte: uma série de coisas vieram à tona, como o senhor citou, com o Plano Real. Mas também veio à tona a questão do desemprego, nunca se viu tão claramente o desemprego como agora...

Tasso Jereissati: Lógico, o desemprego sempre existiu. Temos crescido a uma média de 4% desde o início do real para cá. Não é um crescimento maravilhoso, mas não é medíocre, é um bom crescimento. Se você comparar com a década de oitenta, é um crescimento bem melhor. No entanto, o real obrigou o país a fazer reajustes, tanto no setor público como privado. Na iniciativa privada, seja no setor financeiro ou produtivo, a inflação ia disfarçando todos esses problemas. Uma empresa industrial, por exemplo, jogava no preço a sua ineficiência. Hoje não dá mais para fazer uma coisa semelhante. Se você jogar junto disso a abertura da economia e a maior competitividade com o mercado internacional, o país passa por um profundo reajuste. Isso é uma reforma que já está acontecendo, independentemente da reforma constitucional. O Brasil de hoje, com certeza, já é mais eficiente, principalmente no setor privado. Ele vai ser mais eficiente nos próximos anos, obrigatoriamente. A estrutura do setor público está sendo profundamente modificada como, por exemplo, no setor de telecomunicações e elétrico [refere-se aos processos de privatização de empresas brasileiras, acentuado no governo Fernando Henrique]. Vamos mudar profundamente a cara do país, não só em termos de eficiência, mas em geração de empregos e relação política. Os hábitos políticos vão mudar muito com esse processo de privatização.

Marcelo Pontes: Governador, isso é um ponto. O seu amigo Ciro Gomes critica muito o presidente por ter ficado preso exatamente a uma prática política clientelista. Esse fator e também a ênfase excessiva do governo à emenda da reeleição não seriam as causas da paralisação das reformas?

Tasso Jereissati: Olha, no Brasil de hoje, com a estrutura política do Congresso, com a estrutura do Estado, duvido que alguém vá governar o país sem ter que, obrigatoriamente, se entregar a uma negociação. Eu não digo negociação com dinheiro, mas no Congresso, caso a caso. Isso é absolutamente impossível no país. Primeiro, não existe nenhum partido que tenha maioria absoluta para governar sozinho...

Marcelo Pontes: [interrompendo] Por que o presidente disse que não se submeteria a isso e acabou se submetendo?

Tasso Jereissati: Ele não se submeteria, ele não daria a estrutura clientelista como espinha dorsal do governo e não o fez. A estrutura clientelista necessita de um Estado cada vez maior. Essa é a base do clientelismo.

Rodolfo Fernandes: Essa negociação com o PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] agora, governador, o senhor acha que o governo ganha ou perde, se metendo nesse jogo com um partido que praticamente não existe mais como partido nacional? O senhor acha que o governo tem algo a ganhar ou o desgaste é maior do que o benefício eventual de um apoio do PMDB? [o presidente Fernando Henrique buscou apoio do PMDB para a reeleição, em 1997]

Tasso Jereissati: Olha, não é uma questão de desgaste. Eu, quando era presidente do partido, defendi veementemente uma coligação com o PFL [Partido da Frente Liberal. Foi extinto em 2007, quando alguns integrantes formaram a agremiação Democratas] para ganhar a eleição e mais do que isso, para poder governar. Nós tínhamos acabado de sair do governo Collor e precisávamos de ajuda para fazer algo andar neste país.

Rodolfo Fernandes: É, mas foram negociações com muitos partidos, o que gerou um certo desgaste na própria ação do governo.

Tasso Jereissati: É, não tenho dúvida que haja desgaste nisso. Se o presidente desse um murro na mesa e dissesse: "Não negocio mais com esse Congresso e vou fazer o que bem entender!", ele não sairia do lugar, ficaria muito tempo bem com a opinião pública - porque a opinião pública gosta disso - mas as reformas fundamentais de médio e longo prazo não sairiam.

Marcelo Pontes: Mas também não saíram do lugar...

Cida Damasco: Governador, mas a discussão da reeleição como prioridade em relação às reformas constitucionais não complicou também o andamento dessas reformas?

Tasso Jereissati: Não.

Rodolfo Fernandes: O senhor preferiria um outro momento para votar a emenda da reeleição?

Tasso Jereissati: É difícil dizer hoje qual seria o melhor momento. Na época, eu achei que não era o momento apropriado. Depois mudei de idéia, porque quando o assunto da reeleição veio à tona, ele tomou de tal maneira a cena pública e a própria imprensa, que só se falava em reeleição. Eu mesmo participei de vários programas, de várias entrevistas, e só se falava da reeleição, porque ou se votava a reeleição ou se paralisava o país todo. Então, a determinação foi votar a reeleição para continuar o processo. O que eu queria dizer é o seguinte: existe uma reforma profunda em andamento e que muda a estrutura do Estado. Ao mudar essa estrutura, dá-se o primeiro passo para mudar a relação clientelista. O governo está constantemente lutando e cedendo em determinados momentos para poder aprovar aquilo que é essencial ao país.

Marcelo Pontes: O senhor disse que há essa relação clientelista no plano federal. O senhor tem relação clientelista com sua assembléia legislativa?

Tasso Jereissati: Eu não disse que tenho essa relação. Digo que, em um país como o Brasil, para se fazer passar alguma coisa e poder governar, é inevitável que aqui ou ali haja essas negociações.

Heródoto Barbeiro: Governador, o telespectador Eliá Bezerra Duarte, do Ceará, pergunta: "O que o senhor tem feito para evitar os cortes que o presidente Fernando Henrique tem feito na verba para a saúde no Ceará, inclusive para o programa Agentes de Saúde [refere-se ao Programa Agentes Comunitários de Saúde do Ceará, institucionalizado em 1987 e expandido para todo o país em 1991. Em 1994, passou a integrar o programa nacional de atenção básica Saúde da Família, do Ministério da Saúde] ?". Isso procede, governador?

Tasso Jereissati: Não.

Heródoto Barbeiro: Esse corte de verba não procede?

Tasso Jereissati: Não, não procede. Não existe esse corte. Pelo contrário, nós devemos ter agora um aumento de 15% nos recursos federais de saúde para o Ceará. Inclusive, o Ceará é um dos únicos estados, talvez o único, que começou esse programa. É o estado que banca o programa Agentes de Saúde, não havendo repasse de verba federal para isso.

Heródoto Barbeiro: Josias.

Josias de Souza: Governador, o senhor falou de alguns pontos positivos do governo Fernando Henrique, como o Plano Real, sua avaliação benevolente sobre o clientelismo...Queria que o senhor, sem perder de vista o fato de que é um aliado, fizesse uma análise dos pontos negativos do governo. O que o governo Fernando Henrique está fazendo de errado?

Tasso Jereissati: Eu diria que é justamente isso. Em função da necessidade urgente, vital das reformas constitucionais, o governo foi obrigado a ter um leque de apoio do Congresso tão amplo, que sai completamente fora do controle. É obrigado a ceder em determinados momentos para que o mais importante para o país seja conseguido. Eu acho que esse é o principal problema do governo Fernando Henrique.

Luciano Suassuna: Então, ao mesmo tempo, é virtude e defeito, é isso?

Tasso Jereissati: [interrompendo] Não, eu não falei que é virtude nem que é defeito.

Luciano Suassuna: Mas o senhor acha isso?

Tasso Jereissati: Não, eu não acho nem que seja virtude, nem que seja defeito. Eu acho que é impossível, não tem outro jeito de se aprovar reforma constitucional no país dentro do sistema que nós estamos vivendo, sem que haja algum tipo de negociação. Acho que o governo federal, no momento em que diminuir e deixar de ser uma instituição capaz de dar benesses,  vai perdendo essa força...

Josias de Souza: O senhor não está sendo muito benevolente, governador? Se o governo diminui sua estrutura, o Congresso não vai mudar. O Congresso é esse e o governo vai ter que ceder em outras coisas. Os parlamentares vão pedir outros tipos de coisas, e é até mais perigoso.

Tasso Jereissati: Não, não. Mas o mais perigoso, pelo que você coloca, não acontece. Isso no governo Fernando Henrique com certeza não acontece, porque...

Josias de Souza: [interrompendo] Teve caso de compra de voto, governador! Está mal explicado, precisa ser investigado, mas até isso teve. [Em 1997, o processo de reeleição do presidente FHC foi relacionado a uma suposta compra de votos à emenda, dentro do Congresso Nacional. Conversas telefônicas reveladas pelo jornal Folha de S.Paulo apontaram que quatro deputados haviam ganhado duzentos mil reais cada um para votarem a favor da reeleição. A oposição de FHC acusou-o de envolvimento. O caso foi levado à CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito - mas nunca se comprovou a participação direta do presidente]

Tasso Jereissati: Mas não envolve o governo federal, não envolve.

Josias de Souza: Mas não foi investigado, infelizmente a gente não pode fazer afirmações peremptórias, porque a investigação não existiu.

Tasso Jereissati: Mas eu garanto a você que não envolve o governo federal. O que eu quero dizer é que a grande disputa que existe dentro do Congresso e nas assembléias legislativas é em torno de cargos e verbas. No momento em que o governo federal diminuir drasticamente o número de cargos e o seu poder de dar verbas, principalmente em áreas fundamentais, esse tipo de negociação tende a diminuir drasticamente, porque o governo não tem o que dar, a não ser que passe para outro campo. Não acredito que o governo brasileiro vá fazer isso. Fernando Henrique, eu não tenho dúvida, mas nenhum outro governo vai fazer. Do outro lado, se amarra isso com a reforma política. Se, por exemplo, se estabelecer uma reforma política em que haja fidelidade partidária, você praticamente encerra esse ciclo..

Fernando Mitre: O candidato Fernando Henrique defendia com grande entusiasmo a reforma política. Houve um momento, até aqui no Roda Viva mesmo, em que ele disse que a reforma política era a mais importante, devia ser a primeira. Ele assumiu o poder, ainda defendeu a reforma política no seu discurso de posse. Depois, mudou de assunto. Deixou para o Congresso e não se toca mais nisso. Uma vez eu fiz uma perguntei a ele, em um daqueles programas rápidos de entrevistas, porque ele não bancava a reforma política. Ele me disse: “Porque eu poderia ir a nocaute”. Nunca mais se falou sobre isso. Qual é sua versão pessoal?

Tasso Jereissati: Não, estamos falando sobre isso...

Fernando Mitre: [interrompendo] Não, sobre o presidente bancar a reforma política, não. Ele não banca mais, ele fala que é do Congresso Nacional!

Tasso Jereissati: É uma reforma difícil de ser feita, até por causa disso.

Fernando Mitre: Quando ele descobriu que não deveria mais bancar essa reforma, já que ele a defendeu durante toda a campanha eleitoral?

Tasso Jereissati: E eu acho que continua defendendo...

Fernando Mitre: Não.

Tasso Jereissati: Continua defendendo!

Fernando Mitre: Não, o que ele diz de mais radical é que esse é um assunto do Congresso.

Tasso Jereissati: A reforma política deve ser a mais difícil de todas. Em seguida, a administrativa...

Rodolfo Fernandes: [interrompendo] Então não deveria ser a primeira, se ela é difícil. O senhor esqueceu da tributária, governador. Não subestime a reforma tributária porque essa também não vai ser feita por esse Congresso.

Josias de Souza: Se a gente for adiar o que é difícil, não se faz nada!

Tasso Jereissati:  Eu estou colocando que ela é difícil nos seguintes termos: a reforma administrativa e a reforma política atingem diretamente os interesses dos congressistas. Não estou generalizando, é evidente que há congressistas e congressistas. Mas se você tira na reforma política o poder que o congressista tem, durante uma determinada votação ou projeto, de ir ao Ministério e achar que está lutando pelos seus interesses e fazer valer o seu poder, ele praticamente está perdendo esse poder. Então, você está jogando diretamente com interesses de pessoas ali de dentro. Já a reforma tributária, que é teoricamente mais complicada e profunda, vai ser uma questão discutida em tese, sem atingir diretamente o cotidiano das pessoas envolvidas. Dentro da "psicologia" do Congresso, a  reforma mais difícil é aquela em que você atinge diretamente o interesse do congressista.

Fernando Mitre: Reforma política.

Luciano Suassuna: Sobre a reforma política, algumas coisas já poderiam ser postas em prática, sem que necessariamente houvesse uma lei ou uma reforma na Constituição. Por exemplo, a fidelidade partidária era algo que o PSDB sempre defendeu. No entanto, o partido cresceu, ganhou quase trinta deputados que não se elegeram pelo partido e vieram para o PSDB agora. Não seria o caso de o PSDB ter barrado essas pessoas para que ficasse coerente com seu discurso em favor dessa reforma política?

Tasso Jereissati: Não, não. Você tem que jogar de acordo com as regras do jogo.

Rodolfo Fernandes: Não acha que o partido tem que ter um limite?

Tasso Jereissati: Tem que ter um limite, sem dúvida nenhuma. Agora, as regras do jogo são essas.

Luciano Suassuna: Esse limite de trinta pessoas é tolerável?

Tasso Jereissati: Não, não é o limite de trinta pessoas. Acho que é o limite da qualidade das pessoas.

Fernando Mitre: Concordo plenamente com o senhor, o limite é de qualidade. Mas cerca de 60% dos que foram para o PSDB vieram de partidos considerados de direita, conservadores. Aí estamos falando de limite de qualidade. Qual é esse limite, afinal? Até o ministro Serjão [(1940-1998) Sérgio Motta, ministro das Comunicações do governo FHC. Foi um dos fundadores do PSDB. Ver entrevista com Motta no Roda Viva], que obrigou o cumprimento da lei no começo da história do PSDB no governo e queria um partido mais amplo, ficou escandalizado.

Tasso Jereissati: Eu acho que deve haver um limite. Eu, junto com o ministro Serjão, lutei muito para que não fosse permitida a...

Luciano Suassuna: [interrompendo] Governador, vocês já não perderam o controle do partido, a partir do momento em que o ministro Sérgio Motta, então secretário geral do PSDB, anuncia que não quer permitir a entrada de um determinado deputado ou senador, mas esse político entra no partido e, como resultado, há a saída do secretário geral? Quando isso acontece, não significa que as pessoas que queriam um partido doutrinariamente mais puro e alinhado com as idéias do presidente já perderam o comando?

Tasso Jereissati: Pode ser. O que nós temos que fazer é lutar para recuperar o controle do partido, se isso for verdade. Esse fato significa, com toda clareza, que nós tínhamos dentro do PSDB os chamados cardeais do partido, mas que hoje não têm a mesma força do passado. O partido cresceu e já não tem a mesma força. Temos a obrigação de tentar recuperar isso.

Heródoto Barbeiro: Governador, eu tenho aqui perguntas de uma série de telespectadores, mas as resumi em uma única: se o Ciro Gomes for candidato à Presidência da República, o senhor vai votar nele?

Tasso Jereissati: Não, meu candidato é Fernando Henrique Cardoso, do meu partido PSDB.

Cida Damasco: Governador, o Lula classificou ontem o ex-ministro Ciro Gomes como apenas um dissidente do governo, e não um oposicionista. Como é que o senhor classifica o ex-ministro Ciro Gomes? Ele ainda está na linha dos dissidentes ou foi definitivamente para a oposição?

Tasso Jereissati: Eu espero que ele esteja na linha dos dissidentes. Sou, como todos sabem, muito amigo do Ciro Gomes, gosto muito dele, sou admirador do seu talento, do que ele pode dar para o país. No entanto, acho que ele entrou agora em um caminho equivocado. Portanto, espero que ele seja um dissidente e volte ao nosso ninho, que é o seu lugar.

Fernando Mitre: Quais seriam as condições em que ele poderia voltar? Ele é candidato a presidente. Se voltar ao PSDB, ele poderia ser candidato a quê, por exemplo?

Tasso Jereissati: Ele pode ser candidato ao que ele quiser.

Rodolfo Fernandes: [ironizando] Ele, indiretamente, está prestando um bom serviço ao governo, apesar de dissidente, porque depois que ele virou dissidente, a esquerda começou a discutir se aceita o Ciro ou não, e nunca mais se discutiu um programa de governo. Parece que ele dividiu o campo da oposição, inclusive...

Tasso Jereissati: Não foi só por causa disso, não. É porque, na verdade, nenhum tem um programa alternativo de governo. Essa é a questão. É muito fácil criticar o Plano Real, a falta de verbas, as dificuldades do Congresso, sem ter uma alternativa para o país. O que está acontecendo hoje é que está faltando uma alternativa concreta para o país.

Josias de Souza: O senhor acha que o presidente Fernando Henrique hoje é uma pessoa imbatível?

Tasso Jereissati: Não, eu não o considero imbatível.

Josias de Souza: O senhor considera que o Ciro Gomes tem condições de fazer sombra ao presidente?

Tasso Jereissati: Olha, não considero que o presidente Fernando Henrique seja imbatível. Acho que ninguém no Brasil é imbatível e eleição é sempre uma incógnita. No entanto, acho que o presidente Fernando Henrique é o franco favorito às eleições presidenciais, e acho difícil, por maior apreço que eu tenha ao Ciro Gomes, que ele possa, hoje, competir de fato com o FHC.

Luciano Suassuna: Governador, o senhor teve várias conversas com Ciro Gomes quando ele ficou naquela de sair ou não do PSDB. Por que não deu para segurá-lo?

Tasso Jereissati: Bom, não deu para segurá-lo porque ele estava absolutamente convencido de que sua missão política nesse momento era lançar-se à Presidência da República, dentro de um arco de alianças que ele se acha capaz de construir, além de discordar de alguns pontos do governo Fernando Henrique.

Rodolfo Fernandes: Objetivamente, ele tem alguma grande questão que faz oposição ao governo ou são só problemas pontuais?

Tasso Jereissati: Acho que quem tem condições de responder melhor essa pergunta é o próprio Ciro...

Fernando Mitre: Ele se excedeu nas críticas ao governo, não é?

Tasso Jereissati: Ele defende uma maior rapidez para as reformas. No entanto, o seu campo de aliados - e eu discuti isso com ele - é basicamente contra as reformas.

Rodolfo Fernandes: Embora ele, pessoalmente, seja a favor.

Tasso Jereissati: Pois é, uma das maiores críticas que o Ciro faz ao governo Fernando Henrique é a lentidão no processo de aprovação das reformas.

Marcelo Pontes: Governador, dificilmente essa base de aliança do governo com o Congresso vai sustentar numa campanha eleitoral. Agora, tudo indica que a base vai ser mesmo entre PSDB e PFL. Essa relação deve mudar ou não?

Tasso Jereissati: Eu acho que a aliança PSDB e PFL, no governo, tem funcionado muito bem. Ela tem tido problemas menores, problemas circunstanciais, uma discussão ali, uma briga de líderes acolá...No essencial, na aprovação das reformas, na linha política, no programa de governo, ela tenha atuado de uma maneira impecável.

Josias de Souza: Doutor, houve o episódio do Ciro Gomes, que resultou na saída dele. Uma das coisas que ele diz com muita freqüência é que ele sentia que não havia mais interlocução dentro do partido para ele. O presidente não conversava com ele desde que ele saiu do ministério, não houve contato. Recentemente, o governador Mário Covas também abriu mão de sua candidatura, disse que não ia disputar a reeleição e, entre as queixas que fez, estava também a falta de contato entre o Palácio do Planalto [sede do governo federal] e o Palácio dos Bandeirantes [sede do governo estadual paulista]. Queixou-se de que o presidente dava mais atenção a Paulo Maluf [político e empresário paulistano, principal adversário - político e ideológico - de Covas na disputa pelo  governo de São Paulo nas eleições de 1998] do que a ele próprio. É difícil essa convivência interna no PSDB? O presidente Fernando Henrique, de fato, está dando mais atenção a esses novos do que aos seus companheiros de outros tempos do partido, ou isso tudo é balela?

Tasso Jereissati: Eu estive recentemente aqui em São Paulo, com o governador Covas, com o próprio presidente Fernando Henrique, num longo jantar, e não existe essa dificuldade de interlocução. Evidentemente, existem posições diferentes. O governador Covas, com toda a razão, defende os interesses de São Paulo, que são, em determinados pontos, divergentes da equipe econômica. A equipe econômica tem sido muito rígida na defesa dos seus pontos e isso tem trazido atritos. Agora, isso é natural no Brasil e em São Paulo. A diferença é que quando São Paulo tem um problema no banco, ele é um problema nacional. É um problema macro que atinge toda a política econômica nacional. E se o Ceará tem um problema, isso é mais fácil de resolver, porque a magnitude é menor. Então, acho que a interlocução entre o governador Mário Covas e o presidente Fernando Henrique flui muito bem.

Fernando Mitre: Mas, governador, aquele jantar secreto entre o presidente e o Paulo Maluf não influiu profundamente nas relações do Mário Covas com o presidente, o partido e sua própria candidatura?

Josias de Souza: Se o senhor estivesse na posição do presidente Fernando Henrique, não daria ao menos um telefonema para o Covas, dizendo: "olha, vou receber aqui seu inimigo. Dentro das atribuições que tenho como presidente, acho que é razoável que o receba"?

Tasso Jereissati: Eu não sei se é porque eu sou um estado menor, um governador mais humilde, mas o presidente Fernando Henrique recebe constantemente o Antonio Paes de Andrade, que é o presidente do PMDB e nosso arquiinimigo no Ceará...

Luciano Suassuna: [interrompendo] E não telefonava para o senhor?

Tasso Jereissati: Nunca me deu uma satisfação!

[risos]

Fernando Mitre: Aqui foi um pouco diferente, foi um jantar secreto, não se comunicou nada a ninguém. A divulgação do jantar ficou por conta do Paulo Maluf. É evidente que aquilo foi, não digo uma desconsideração óbvia, mas um passo político difícil de ser engolido pelo governador, ainda mais com o temperamento que ele tem.

Tasso Jereissati: Olha, pelo que eu conheço da relação do governador Mário Covas com o presidente Fernando Henrique Cardoso, isso pode ter até causado um mal-estar momentâneo. Mas o relacionamento dos dois é tão forte, tão sólido, que dificilmente levaria a algum tipo de desconfiança ou preocupação.

Fernando Mitre: O senhor acha que o Mário Covas será candidato ou não?

Tasso Jereissati: Olha, vocês estão fazendo umas perguntas difíceis...

Fernando Mitre: O senhor acha que ele vai ser candidato?

Tasso Jereissati: Eu, se fosse paulista, estaria torcendo para o Mário Covas ser candidato.

Josias de Souza: Por quê, governador?

Tasso Jereissati: Porque ele ajeitou esse estado de uma maneira absolutamente correta e, para ele, sacrificada. Nos dois primeiros anos de governo, ele se envolveu de corpo e alma naqueles problemas. Vou contar rapidamente uma historinha...Na primeira vez em que fui governador, a primeira providência que fiz foi fazer um estágio aqui em São Paulo, com o Franco Montoro [(1916-1999) André Franco Montoro, político paulista, foi senador e governador do estado de São Paulo]. As finanças e a organização administrativa eram absolutamente exemplares. Saí daqui tão impressionado com o que eu vi, que achei que era impossível fazer coisa parecida no Ceará, pois cheguei à conclusão que o nível econômico levava a uma diferença cultural tão grande e o que acontecia aqui em São Paulo nunca aconteceria lá e vice-versa. Quatro anos depois, vi o Ceará indo relativamente bem e o estado de São Paulo praticamente quebrado. Para estragar São Paulo, é preciso fazer muita força. Agora, para consertá-lo, é muito mais difícil. E o governador Mário Covas está fazendo isso.

Heródoto Barbeiro: Quando o senhor fez uma referência ao Ceará, dizendo que depois de quatro anos, o estado está relativamente bem, Maria de Nazaré Antero não concorda com o senhor. Ela é de Fortaleza. Ela quer explicações sobre o aumento no número de miseráveis e o índice de mortalidade infantil no Ceará.

Tasso Jereissati: Bom, com certeza a telespectadora está muito mal informada sobre o que acontece no Ceará. Ainda é um estado muito pobre, com problemas sociais e econômicos seríssimos, estamos longe de resolver todos os problemas, mas ele está bem em relação ao que estava o governo de São Paulo. Agora, o índice de mortalidade infantil do Ceará hoje é o mais baixo de toda a história, graças a Deus. Nós estamos chegando praticamente na média brasileira, quando o Ceará era recordista de mortalidade infantil neste país.

Heródoto Barbeiro: Bom, nós então vamos fazer um intervalo e voltamos daqui a pouquinho. Nós estamos conversando com o governador Tasso Jereissati. Até já.

[intervalo]

Heródoto Barbeiro: Bem, nós voltamos com o Roda Viva que está entrevistando hoje o governador do Ceará, Tasso Jereissati. Governador, queria fazer uma pergunta para o senhor a respeito do resultado da eleição na Argentina, onde os opositores do presidente Carlos Menem levantaram uma bandeira de justiça, trabalho e educação, dizendo que eles querem algo mais além da estabilidade para o seu país. Eles querem emprego etc, uma situação que parecia o Brasil. E, de certa forma, isso coincide com uma pergunta enviada pelo ex-deputado federal do PT, Djalma Bom: "A Argentina hoje é o Brasil de amanhã? O presidente Menem hoje é o presidente Fernando Henrique de amanhã?". E ele gostaria que o senhor falasse um pouco a respeito disso, obviamente em função da derrota, pelo menos legislativa, que o presidente Menem sofreu nas eleições de seu país.

Josias de Souza: [interrompendo] Posso acrescentar um detalhe?

Heródoto Barbeiro: Pode acrescentar, Josias!

Josias de Souza: O senhor concorda com declarações do Sérgio Motta, logo no início do governo, de que este é um governo para vinte anos?

Tasso Jereissati: Deixa eu responder primeiro a questão dele. Tenho a impressão que o nosso Djalma Bom, deputado do PT, já está reconhecendo a reeleição do Fernando Henrique, porque se o Menem hoje é o Fernando Henrique amanhã, é bom lembrar que o presidente Menem já foi reeleito e está no meio do seu segundo mandato. Isso é muito bom. Agora, acredito que o presidente Fernando Henrique é muito mais preparado, sem nenhuma gafe diplomática, mas é um homem muito mais preparado para o exercício de poder do que o presidente Menem. Acho que tem um projeto do governo que passa bastante além do real, e nesse próximo governo que se projeta e que vai aparecer, nós vamos ter um país diferente no próximo governo. Vamos ter uma estrutura de governo bem mais enxuta, menos ministérios, um governo menos influente nas decisões políticas e muito mais presente na área social. Temos um fundo de valorização do magistério que vai ser implantado a partir do ano que vem, quando se fala em educação. Nós podemos apostar em acabar com o analfabetismo infantil nos próximos dois ou três anos. E acredito, para responder sua pergunta, que quando o ministro Sérgio Motta falou em um projeto de vinte anos, não seria necessariamente com o mesmo presidente.

Josias de Souza: Não o mesmo presidente, mas com os mesmos partido e sistema.

Tasso Jereissati: A continuidade, um projeto, o mesmo sistema de vinte anos...querendo dizer que um projeto de reestruturação de mudança de um país não se faz em quatro ou oito anos. É um projeto de longo prazo.

Luciano Suassuna: Governador, eu queria falar justamente sobre esse problema. Em 1986, o Ceará elegeu o senhor no primeiro mandato. Quatro anos, depois veio o Ciro Gomes, que foi uma continuidade administrativa do senhor. Saiu o Ciro, voltou o senhor novamente, quer dizer, são onze anos que o Ceará está sob uma  administração que tem um certo projeto, que virou justamente um modelo tucano de governar. O senhor é apresentado como uma vitrine desse modelo. E a grande questão que se coloca em relação a esse governo é o pagamento da dívida social. Isso basicamente se reflete na educação e no emprego. Em relação à educação, quando o senhor assumiu, o número de analfabetos representava 46% da população do Ceará. Hoje, dez anos depois, o índice é 36%. Caiu bastante, mas ainda continua em 36% de analfabetos. O senhor disse agora que em dois, três anos, é possível erradicar esse analfabetismo infantil. Se o senhor, em dez anos no Ceará, com a continuidade administrativa, mal conseguiu acabar isso, por que acha que no país inteiro a gente vai acabar em dois anos?

Tasso Jereissati: Porque agora se criaram as condições objetivas para isso. Com esse fundo de valorização do magistério do presidente Fernando Henrique, foram criadas as condições para se colocar todas as crianças brasileiras, principalmente dos pequenos municípios, dentro da sala de aula. No Ceará, por exemplo, o primeiro grande problema foi reformular toda a máquina da educação, que era muito centralizada. É praticamente impossível pegar uma máquina cheia de problemas, altamente ineficiente, que trazia no seu bojo mais de trinta mil professores contratados sem concurso público e despreparados para o exercício do magistério e reestruturar isso, fazer com que isso funcionasse.

Luciano Suassuna: [interrompendo] Desculpe, mas essa realidade não mudou.

Tasso Jereissati: Essa realidade muda a partir desse projeto, em que você municipaliza o ensino básico. Você dá toda a prioridade ao ensino básico, descentraliza o ensino básico e dá condições ao município de pagar bem o professor. A receita do município vai depender diretamente do número de professores que ele tenha à disposição dos alunos em proporção ao seu...

Luciano Suassuna: [interrompendo] Isso, por exemplo, o senhor já poderia ter feito nesse governo ou no anterior.

Tasso Jereissati: Não, não poderia ter feito, porque nós estamos presos à estabilidade do servidor público. Temos um número enorme de professores, foi muito difícil fazer o censo desses profissionais no Ceará. Agora, temos o quadro todo desenhado no estado: onde falta sala de aula, onde falta o professor...com um mecanismo capaz de fazer uma descentralização concreta e uma parceria entre municípios. Com isso na mão, nós temos condições de derrubar significativamente o analfabetismo. E isso já tem acontecido.

Luciano Suassuna: E por que o senhor acha que isso vai acontecer nos 27 estados?

Tasso Jereissati: Eu acredito que, no estado do Ceará, hoje, em função dessa continuidade administrativa, nós já estamos mais prontinhos para fazer isso. Nesse caso, houve amento de 16% no número de matrículas públicas no ensino básico, contra um crescimento da população de 1,9%. Então, é bastante significativo e acelerado o crescimento de matrículas. Agora, fundamentalmente, esse projeto do Ministério da Educação dá a todos os estados e municípios as condições para isso. E mais, não dá só as condições, ele praticamente obriga. Vai haver, obrigatoriamente, uma corrida entre o município e o estado no sentido de oferecer mais vagas, porque suas receitas vão depender diretamente das matrículas que eles oferecerem naquele ano.

Luciano Suassuna: Agora, não corre o risco de termos muitos alunos matriculados, mas com os mesmos professores não tão bem capacitados?

Tasso Jereissati: Corre, corre o risco.

Luciano Suassuna: Não seria o caso de começar por um programa de melhoria dos professores?

Tasso Jereissati: Dentro do próprio fundo de valorização do magistério, há um programa de reciclagem obrigatória. Há restrições aos chamados professores leigos, aqueles que não têm formação mínima necessária para que exerçam o magistério. Então, você também é obrigado a melhorar a qualidade dos seus professores.

Rodolfo Fernandes: Governador, qual a opinião do senhor sobre o projeto de renda mínima Bolsa-Escola [programa educacional brasileiro, cujo objetivo era pagar uma bolsa às famílias de jovens e crianças de baixa renda como estímulo para que eles freqüentassem a escola regularmente. O programa foi implementado em 2001 pelo governo FHC e, em 2003, foi incorporado ao Bolsa Família, no governo Lula], que está sendo aplicados em outros municípios e estados?

Tasso Jereissati: Olha, é um projeto bom para regiões ricas, onde há bolsões de pobreza. Em regiões onde a pobreza é generalizada, ele não é suficiente. É preciso investir em outras estratégias.

Rodolfo Fernandes: Não seria aplicável em nível nacional?

Tasso Jereissati: Onde existem bolsões de pobreza, sim.

Fernando Mitre: Governador, há algum tempo, houve um certo escândalo quando os grandes jornais publicaram um levantamento que mostrava professores, no interior do Maranhão, ganhando trinta reais por mês.

Tasso Jereissati: Isso.

Fernando Mitre: No Ceará, nós temos professores nessa situação?

Tasso Jereissati: Nos municípios, sim.

Fernando Mitre: Ainda ganhando isso?

Tasso Jereissati: Ainda sim.

Fernando Mitre: Quer dizer, quando se fala em reciclagem desse professor, é um sonho...

Tasso Jereissati: Não. Com esse projeto, você tem recursos para reciclar, é obrigado a reciclar. Você tem recursos necessários para pagar a esse professor um salário médio de trezentos reais.

Josias de Souza: Uma pessoa que recebe hoje trinta reais...É o caso de aumentar o salário desse professor ou de substitui-lo?

Tasso Jereissati: De ser reciclado.

Fernando Mitre: Ele é reciclável?

Rodolfo Fernandes: Todo mundo é reciclável.

Tasso Jereissati: Boa parte é reciclável. O ideal seria que você tivesse um mecanismo de aproveitar os que fossem recicláveis, mediante testes. Os que não fossem recicláveis seriam retirados da sala de aula. No entanto, pela Constituição, isso não é possível.

Heródoto Barbeiro: Governador, um esclarecimento. Nossa telespectadora do Ceará, Simone Sabóia, diz que é funcionária pública e está, há dois anos e três meses, sem nenhum aumento. É verdade isso?

Tasso Jereissati: Tem algo de errado com os telespectadores do Ceará!

[risos]

Josias de Souza: Acho que o Ceará que está vendo o Roda Viva é o Ceará desinformado...[risos]

Tasso Jereissati: Mas, realmente há algum tempo estamos sem reajuste para os funcionários públicos, com exceção feita aos professores quando, em novembro do ano passado, demos aumento de 19% para todo o magistério. Isso é verdade em praticamente todo o funcionalismo público, com exceção do magistério.

Heródoto Barbeiro: Então procede a ...

Tasso Jereissati: [interrompendo] Sim, exceto os professores.

Josias de Souza: Governador, eu queria fazer uma pergunta para o senhor de importância menos factual e mais historiográfica. Há um raciocínio, não me lembro de quem é, que diz que um fato político comporta pelo menos três versões: a minha, a sua e a verdadeira. Há um fato, em especial, que é aquele convite feito na fase final do governo Collor para que o PSDB ingressasse no governo. Ele comporta uma série de versões e eu queria ouvir a sua. Uma delas, conhecida, foi que quando o presidente te convidou para ministro da Infra-Estrutura e o presidente Fernando Henrique para o Itamaraty [Ministério das Relações Exteriores], o PSDB fez uma carta com exigências muito duras para que o presidente não aceitasse. Mas o presidente Collor, na hora "H", aceitou aquelas exigências, algumas delas até humilhantes para ele. Hoje, o Collor diz que numa conversa que teve com o senhor e o presidente Fernando Henrique, aceitou todas as exigências, mas o presidente Fernando Henrique, então senador, teria dito a ele que não dava para participar do governo que tinha como aliado Antonio Carlos Magalhães [ACM], por exemplo. Outra versão é que o governador Mário Covas foi quem impediu a ida do PSDB para o governo Collor. Hoje, tucanos expressivos contestam, dizem que não é bem assim. O que há de verdade e o que há de fantasia nesse episódio?

Tasso Jereissati: Na verdade, como você disse, existem três versões sempre, mas eu espero estar contando a versão verdadeira, já que participei de todos esses fatos. Na verdade, Mário Covas sempre foi contra. Nós fizemos uma reunião da [área] executiva, em que ela se dividiu: sete eram a favor de não aceitar o convite do presidente Collor, mas de pelo menos ir ao gabinete conversar, os outros sete não admitiam nem a possibilidade de ir ao gabinete do presidente Collor conversar com ele sobre o convite. Foi dada então, a mim e ao presidente Fernando Henrique, a carta branca para irmos ao gabinete e  trazermos a resposta para a executiva sobre o nosso sentimento. Não é verdade, em momento algum, que o presidente Fernando Henrique tenha dito que não daria para participar do governo que tem Antonio Carlos Magalhães, não é verdade isso...Foi uma conversa muito longa,  o presidente Collor fez apelos dramáticos para a nossa participação, mas dentro do contexto que nós colocávamos, percebíamos claramente que ele queria nossa grife, a assinatura PSDB, mas não mudar o governo e nos dar uma participação mais efetiva.

Josias de Souza: Quando ele aceitou as exigências todas, o que os senhores disseram a ele?

Tasso Jereissati: Ele não aceitou as exigências todas, ele leu a carta e não falava sobre os assuntos da carta. Ele dava a carta como uma coisa sem maior importância. Podia ser até que ele estivesse aceitando. Mas, com certeza, nós não sentimos, naquela conversa, a confiança necessária para participar do governo.

Fernando Mitre: Governador, aproveitando a oportunidade, um pouco antes, segundo uma narrativa pública, o senhor foi convidado pelo presidente José Sarney para assumir o Ministério da Fazenda, aceitou, e, antes de assumir, o doutor Ulysses Guimarães interferiu e vetou. Isso é verdade?

Rodolfo Fernandes: Com uma frase, né? Vetou com uma frase!

Fernando Mitre: Qual era a frase?

Rodolfo Fernandes: [interrompendo] "Perguntem ao cidadão José Sarney".

Tasso Jereissati: Na verdade, isso aconteceu bem antes. Eu era recém-eleito governador do Ceará, tinha quatro meses de governo, quando o presidente Sarney me fez uma sondagem. Eu fiquei bastante surpreso, não esperava aquele convite e coloquei ao presidente Sarney que não tinha a menor condição de assumir o Ministério da Fazenda. Primeiro, porque tinha acabado de ser eleito governador do Ceará, numa eleição...

Josias de Souza: O senhor viu o erro que o senhor cometeu, porque depois o Fernando Henrique assumiu [o Ministério da Fazenda] durante o governo Itamar Franco [1993-1994] em condições bem mais difíceis e agora é presidente da República!

Tasso Jereissati: [risos] Pois é!

Fernando Mitre: E não foi por falta de previsão, porque antes da posse do Fernando Henrique no Ministério da Fazenda, o governador Tasso Jereissati disse que ele seria presidente da República!

Tasso Jereissati: Nessa ocasião, ficou claro na primeira conversa que nós tivemos que não seria possível. Primeiro, por causa da minha eleição histórica no Ceará, porque nós estávamos mudando toda a estrutura histórica e política do Ceará e aquilo seria inaceitável. Segundo, porque eu não tinha preparo naquele momento para ser o ministro da Fazenda, nunca tinha pensado nisso na minha vida. Para assumir o Ministério da Fazenda, tem que haver preparação não só em termos de idéias, planos e projetos, mas em termos de gente.

Fernando Mitre: Como o doutor Ulysses entrou nessa história?

Tasso Jereissati: O doutor Ulysses, na verdade...

Rodolfo Fernandes: [interrompendo] Ele entrou com a frase!

Tasso Jereissati: Entrou mais do que com a frase.

Luciano Suassuna: Entrou com uma tremenda articulação de bastidores!

Tasso Jereissati: Não, não, porque aconteceu o seguinte: naquela época o doutor Ulysses sempre entregava ao presidente Sarney uma lista dos ministeriáveis. Ele já tinha dado o nome de quatro ministeriáveis, como José Serra, que foi imediatamente vetado pelo governador de São Paulo na época, que era o Orestes Quércia. Além dele, havia nomes como Celso Furtado, Rafael de Almeida Magalhães e o Bresser Pereira. Era a maneira de fazer política do doutor Ulysses. [Ver entrevistas com Serra, Quércia, Furtado e Pereira no Roda Viva]

Luciano Suassuna: Isso era para garantir a transição democrática.

Tasso Jereissati: Depois, o doutor Ulysses conversou várias vezes comigo, explicando que não tinha vetado, mas ele se sentiu naquele momento traído pelo presidente Sarney, já que tinha entregue a lista de quatro e o presidente Sarney estava convidando um "estranho no ninho".

Josias de Souza: O presidente estava cometendo a ousadia de convidar alguém que estava ausente da lista dele! [risos]

Rodolfo Fernandes: Mas seguindo essa linha histórica que começou e fez tanto sucesso, o ministro Ciro Gomes contou outro dia sobre a reunião em que o presidente Fernando Henrique reuniu o senhor, o Ciro e o Covas para comunicar que seria candidato a presidente da República. Segundo o relato do Ciro, ele virou para os três e falou: "Eu gostaria de ser candidato a presidente da República, alguém mais é?". Ninguém falou nada e ele falou: "Então eu sou!". Foi assim realmente que aconteceu?

Tasso Jereissati: Aí é a história que comporta várias versões...Essa reunião foi convocada por mim, eu era presidente do PSDB, já estava chegando o momento de decidir uma candidatura, se nós íamos ter candidatura própria ou aliança. Convoquei essa reunião com os quatro nomes que eram falados dentro do partido, que era o próprio Ciro, Fernando Henrique, Mário Covas e eu. Fizemos um jantar em Brasília, cujo objetivo era justamente deixar bem claro que aquele que tivesse melhores condições, no momento, teria o apoio total e integral dos outros três. E foi o que aconteceu.

Heródoto Barbeiro: Governador, gostaria que o senhor respondesse um e-mail aqui do nosso telespectador, Fabrício, que é de Piracicaba. Ele pergunta se a sina do PSDB é consertar estados e municípios e na hora do "filé mignon" vem outro e leva. O que falta para o PSDB conquistar o mandato seguinte? Isso aqui está, de certa forma, intercalado com as outras questões que foram colocadas sobre sua reeleição lá no Ceará.

Tasso Jereissati: Olha, no caso de São Paulo, me dá uma dor no coração achar que o Covas vai fazer o que fez e entregar para outro que possa vir a estragar tudo de novo. E não é só por partidarismo não, é porque São Paulo é muito importante para o país. Quando São Paulo vai bem, as outras coisas nos outros estados, o relacionamento até de investimentos do governo federal com as unidades da federação também vai melhor. Então, eu tenho muita esperança que o Covas seja candidato novamente, acredito sinceramente na sua reeleição. No meu caso, eu não sou candidato à reeleição. Já fui com mais ênfase. Eu tinha uma expectativa dentro do Ceará de ter o Ciro como companheiro e achava que ele seria o candidato natural. Agora, continuo não querendo me candidatar, porque já sou governador pela segunda vez, mas prefiro aguardar até fevereiro para tomar uma posição mais definitiva.

Josias de Souza: O senhor iria para o Senado, é isso?

Luciano Suassuna: E o senhor já tem candidato para o lugar do senhor ou não?

Tasso Jereissati: Não, só a partir de fevereiro é que nós vamos...

Rodolfo Fernandes: [interrompendo] Saindo do Ceará e chegando no plano nacional, não haveria um certo atrito com o ex-ministro Ciro Gomes, já que ele também está disputando um espaço nacional?

Tasso Jereissati: Não, eu não disputo espaço com ninguém. Minha carreira política toda foi sem precisar dar cotovelada em ninguém para ocupar determinado espaço, e se o espaço não aparece, não apareceu.

Luciano Suassuna: Governador, o senhor deu umas cotoveladas na PM [Polícia Militar] do seu estado. Enfim, o senhor foi o único governador que acabou reprimindo a manifestação das PMs e a greve. O sindicato deles, na época, divulgou algumas informações que pareciam razoavelmente justas: uma delas era que se pagasse o salário mínimo a um policial militar, porque alguns ganhavam menos que um salário mínimo. É verdade que há policiais lá ganhando menos que um salário mínimo? O senhor pretende dar algum aumento agora, o que vai acontecer com a PM do seu estado?

Tasso Jereissati: É ilegal ganhar menos que um salário mínimo. Ninguém ganha menos do que um salário mínimo, é ilegal, não pode. Os soldados lá no Ceará não são bem pagos. Agora, estamos vivendo dentro de uma realidade do estado. Nós estamos fazendo uma grande reestruturação na política e na polícia. Pretendemos fazer um novo plano de cargos e salários que leve a uma melhoria salarial e de qualidade. Não vai dar para dar ganhos extraordinários, mas com certeza vai melhorar o nível salarial de hoje. Um soldado hoje no estado do Ceará deve ganhar, em média, quinhentos reais.

Luciano Suassuna: E os coronéis ganham quanto?

Tasso Jereissati: Os coronéis ganham três mil e quinhentos reais, por aí. Já os aposentados ganham vinte, vinte e cinco mil reais.

Luciano Suassuna: E o senhor continua pagando, não conseguiu ganhar na Justiça?

Tasso Jereissati: Não, perdi todos os casos contra coronéis aposentados na Justiça. Esse é um dos problemas que temos na polícia.

Heródoto Barbeiro: Governador, o senhor Celso Lopes é um empresário de Campinas, interior de São Paulo, e a pergunta dele vale para vários empresários espalhados pelo país. Ele diz que tem uma fábrica de lingerie com duzentos funcionários. Ele sabe que algumas empresas de várias regiões do Brasil têm fechado e ido para o Ceará. Ele quer saber que tipos de incentivos os empresários recebem do governo do Ceará para montarem suas fábricas lá.

Tasso Jereissati: Nós temos uma política de atração de incentivos bastante agressiva. Ela passa por incentivos fiscais, por treinamento de mão-de-obra, por infra-estrutura de excelente qualidade e por um acompanhamento logístico do governo. Além disso, hoje estamos vivendo um momento em que a própria empresa que se instalou lá se tornou propagandista do estado, porque nós temos uma mão-de-obra excelente. Pelo menos 80% das empresas que se instalaram no Ceará têm uma produtividade-homem maior do que fora do estado do Ceará.

Fernando Mitre: E a isenção de impostos?

Tasso Jereissati: Eu falei, é uma política de incentivos fiscais bastante agressiva. Hoje já não é a mais agressiva, mas já foi a mais agressiva do Brasil.

Fernando Mitre: O governo de São Paulo tem uma posição um pouco crítica em relação a esses atrativos todos.

Luciano Suassuna: Eu ia perguntar isso: o senhor vê grandes vantagens nessa guerra fiscal?

Tasso Jereissati: Olha, teoricamente, eu sou contra a guerra fiscal.

Luciano Suassuna: Mas o senhor foi um bom pioneiro nesse processo.

Tasso Jereissati: Fui pioneiro. O que eu faço para levar indústria e emprego para o estado do Ceará, pelo menos para começar? No momento em que todos estão dando [apoio], isso se iguala e a guerra fiscal não leva a nada.

Luciano Suassuna: Não, mas fazendo as contas, dez anos depois, como o senhor faz a análise desse processo, se ganhou ou perdeu?

Fernando Mitre: A questão é saber se o país ganhou ou perdeu, não é, governador?

Tasso Jereissati: Com certeza, não é uma conta simples. Ao longo do programa, nós acabamos de falar de justiça social. E justiça social no Brasil passa pelo desnível de renda regional. No dia em que você tiver um Nordeste que tenha as mesmas condições, os mesmos níveis do centro-sul, o desnível de renda no Brasil vai cair barbaramente. O foco gerador do desnível de renda no país é o desnível de renda regional. Quando nós estamos gerando empregos e renda no Ceará, estamos dando um ganho para o país. Sem dúvida, estamos ganhando do ponto de vista econômico, mas essa não é a grande conta. A grande conta é a seguinte: nós temos um estado disciplinado fiscalmente, com um superávit fiscal, mas o que quer dizer isso para o estado do Ceará? Então nós temos, obrigatoriamente, enquanto fazemos uma série de ajustes nacionais, partir para uma política de emprego, porque nós não podemos deixar a população simplesmente morrendo de fome.

Rodolfo Fernandes: A proposta de reforma tributária do governo acaba com a possibilidade desse tipo de guerra fiscal.

Tasso Jereissati: E eu sou favorável, desde que haja uma política industrial nacional que estimule a desconcentração.

Cida Damasco: Governador, o senhor falou na questão de emprego. No momento, a equipe econômica tem evitado muito entrar nessa discussão, na necessidade ou não de uma política ativa de emprego, e fica tratando mais das discussões sobre índices, sobre métodos, se tal índice é melhor que aquele, se a questão do desemprego é concentrada no centro-sul...e foge um pouco dessa questão. O senhor acha que é necessária uma política ativa de emprego? Como o senhor vê esta questão?

Tasso Jereissati: Acho. Eu acho que passa por uma política industrial nacional, necessária até para acabar com a guerra fiscal e para promover uma desconcentração de renda. Eu vou dar um exemplo - eu sei que, para os economistas, é uma heresia se falar nisso, mas acho que alguma fórmula tem que ser pensada - hoje, cada vez mais, a tendência das indústrias é ter faturamentos altíssimos e um número de empregados baixíssimo. As empresas que estamos levando para o Ceará, por exemplo, são normalmente de uso intensivo de mão-de-obra. Só uma fábrica de calçados no Cear tem dez mil empregados. E elas são as grandes responsáveis pela contribuição à previdência social. A previdência social vive disso, mas a tendência é o contrário, é você ter menos gente e faturar mais. Como eu disse, eu sei que é uma heresia falar algo agregado ao faturamento, mas também era uma heresia se falar de CPMF [Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira, que vigorou entre 1997 e 2007, incidindo sobre os débitos lançados nas contas correntes  bancárias de toda a população]. Falava-se que o CPMF traria um efeito inflacionário imediato de não sei quantos por cento etc, e isso não aconteceu. Dentro dessa visão de política de emprego e de melhoria salarial, alguma fórmula nesse sentido tem que ser pensada para estimular o emprego e aumentar a receita da previdência social, com a tendência atual de aumentarmos o faturamento e diminuirmos o número de mão-de-obra.

Josias de Souza: Governador, o senhor falou há pouco sobre as vantagens da concessão de isenções fiscais. Recentemente, o jornal Folha de S.Paulo noticiou algumas coisas esquisitas sobre isso. Um exemplo foi a fábrica da Coca-Cola que, na região Norte do país, tem isenção para fabricar xarope de Coca-Cola. Talvez o Brasil seja o único país do mundo que dê isenção fiscal para xarope de refrigerante. E há uma tese do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, que aponta que a isenção não deveria existir, não se deveria dar isenção para o empresário. O ideal seria cobrar impostos e fazer a correção das desigualdades regionais via orçamentária, mandando mais dinheiro para onde precisa e menos dinheiro para onde é mais desenvolvido. O senhor não acha que essa tese é, em primeiro lugar, defensável, e que é demais dar isenção fiscal para a Coca-Cola?

Tasso Jereissati: Vamos por partes. Primeiro, a tese do secretário Everardo é inteiramente equivocada. Pode estar certa, desde que haja uma política nacional de estímulo à desconcentração industrial. Porque se eu tiver uma infra-estrutura...

Josias de Souza: [interrompendo] É o que ele defende.

Tasso Jereissati: Mas isso não existe, eu vi a entrevista dele.

Josias de Souza: Não existe, até porque o nível de concessão em isenção fiscal a que se chegou no país não permite que exista. Seria uma alternativa, não é?

Tasso Jereissati: Você viu o levantamento feito pela Folha?

Josias de Souza: Vi. Há um aspecto que mostra que a isenção é muito discutível: havia indústrias que foram incentivadas pela Sudene [Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste], e no momento em que venceu o período da isenção fiscal, elas não permaneceram no Nordeste. Hoje há esqueletos de empresas.

Rodolfo Fernandes: A renúncia fiscal hoje é um elemento de concentração de renda, não é?

Tasso Jereissati: É, mas ela é alimento, porque houve uma grande distorção naquela época do caso da Folha. Houve uma grande distorção. Quando você concentrou a reportagem em cima de empresas que falharam no Nordeste e no Norte, dá a impressão que o grosso dos incentivos fiscais está lá. Mas, na verdade, não chega a um bilhão de incentivos fiscais...

Rodolfo Fernandes: [interrompendo] O senhor vai me perdoar, mas a reportagem falava de São Paulo, não é Norte nem Nordeste.

Tasso Jereissati: Falava de São Paulo, mas quando deu ênfase a esses exemplos, dá a impressão que não existiram casos como esse, por exemplo, em São Paulo. O grosso dos incentivos fiscais é de cerca de quinze bilhões no país. Desses quinze bilhões, um bilhão é Nordeste, dois bilhões é Norte e o restante está no centro-sul do país. Então, hoje, o que existe é uma política de renúncia fiscal, de concentração de renda, e não de desconcentração de renda.

Josias de Souza: O que é mais um elemento em favor da revisão desse modelo de concessão de benefícios ou até da sua extinção, porque...

Tasso Jereissati: Mas eu estou falando de renúncia fiscal federal, que está totalmente distorcida e não obedece a um critério de estímulo à desconcentração industrial. Faz com que os estados mais pobres tenham a sua própria política de incentivo fiscal. Quem está abrindo mão de incentivo fiscal, de receita, é o estado do Ceará, não é a União.

Josias de Souza: Em última análise, não é o estado do Ceará. É o cidadão que está no Ceará e poderia ter, em tese, aquele recurso de imposto aplicado...

Tasso Jereissati: [interrompendo] Não, porque não haveria esse imposto. Essa indústria não existiria se não houvesse essa isenção. Eu estou abrindo mão de um imposto que não existe, porque a empresa não está lá e não iria para lá se não houvesse esse tipo de isenção. Nós, em nenhum momento, estamos abrindo mão de imposto que já existe. Nós estamos atraindo empresas e ficando sempre com resíduos desses impostos.

Josias de Souza: Eu quero saber o que o senhor acha da concessão de incentivo para a Coca-Cola.

Tasso Jereissati: A concessão de incentivo para a Coca-Cola não tem sentido, mas foi feita em Manaus para que ela se instale. É uma política do governo federal.

Josias de Souza: O senhor acha correto?

Tasso Jereissati: Não quero nem discutir. Eu acho que o incentivo à Zona Franca de Manaus [principal centro financeiro e industrial da região Norte do Brasil. A isenção alfandegária da área favoreceu a formação de um expressivo distrito industrial, composto principalmente por montadoras de produtos com tecnologias estrangeiras] é exagerado, mas está dentro das regras do jogo. Eu faria diferente. Veja até a proporção da população do Nordeste e a população do Norte, o que há de redução fiscal federal no Nordeste e no Norte do país...

Cida Damasco: Governador, há uma forte discussão hoje nos estados sobre limites e regras para a aplicação do dinheiro da privatização. Pensa-se até em colocar alguns limites, tentando impedir que alguns estados, basicamente aqueles que não tenham renegociado a dívida, usem a maior parte dos recursos da privatização para obras e não para a dívida. Como o senhor vê essa questão? O senhor acha que isso deve ficar a cargo dos governadores, tem que haver limites nessa aplicação de dinheiro, ou não?

Tasso Jereissati: Eu acho que isso é um absurdo. Tem que ficar a cargo dos governadores! Todos os governos têm sido obrigados a renegociar a sua dívida. Agora, o problema maior é que uma série de estados já receberam esses recursos, já aplicaram da maneira que queriam. Acho que é um cerceamento ao governador que, ao fazer a sua privatização, é obrigado a aplicar recursos do seu estado dessa ou daquela maneira. Então, acho que deve ser dado ao governador. Ele foi eleito,  tem uma delegação da população do seu estado para usar os recursos. Se usar errado, a população que o rejeite!

Heródoto Barbeiro: Governador, eu tenho aqui um e-mail da nossa telespectadora cearense, Iara, dizendo o seguinte: "Da mesma forma que o senhor acha que o governador Mário Covas não deve entregar a outro o governo de São Paulo por estar desenvolvendo um bom trabalho, muitos cearenses acham o mesmo ao seu respeito".

Tasso Jereissati: Muito obrigado, Iara! Até que enfim uma boa...

[risos]

Heródoto Barbeiro: José Valdei, que é bancário, quer saber o que o senhor vai fazer com o Banco do Estado do Ceará [BEC].

Tasso Jereissati: O Banco do Estado do Ceará é um problema, porque tem uma estrutura difícil, de futuro difícil por causa do seu porte. Dentro desse novo quadro da economia brasileira, a sobrevivência dele é difícil. Eu pensei em privatizá-lo, mas é difícil por causa da sua estrutura. É um banco relativamente grande em número de agências, mas concentrado numa região pouco interessante para os banqueiros. Por outro lado, se ele não se reestruturar imediatamente, que é o que nós estamos fazendo, apesar de ser um banco financeiramente em boa situação, ter uma boa liquidez, vai entrar em prejuízo em pouquíssimo tempo. [o Banco do Estado do Ceará foi privatizado em 2005 e passou a fazer parte do Bradesco]

Heródoto Barbeiro: OK. Governador, vamos chegando ao fim do Roda Viva. Agradecemos sua gentileza e participação aqui conosco. Muito obrigado.

Tasso Jereissati: Obrigado a vocês.

Heródoto Barbeiro: Bem, nós queremos agradecer também aos entrevistadores que estiveram conosco nesta noite e a você que está em casa. Todas as perguntas que vocês nos passaram, por telefone ou fax, chegarão às mãos do governador. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite. Até lá, boa semana e muito obrigado.

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