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Memória Roda Viva

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Maílson da Nóbrega

5/2/1990

Numa época de enorme inflação, o então ministro da Fazenda explica o que fez para tentar conter esse "dragão" e fala das suas expectativas para o futuro da economia brasileira

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Jorge Escosteguy: Boa noite, estamos começando mais um Roda Viva. Este programa é transmitido ao vivo pelas TVs educativas de Porto alegre, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É ainda retransmitida para mais quinze emissoras que formam a Rede Brasil, através da TVE do Rio de Janeiro. O convidado desta noite é o ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. Para entrevistá-lo, nós convidamos os seguintes jornalistas.  Pedro Cafardo, editor do jornal O Estado de S. Paulo; Fernando Mitre, editor de jornalismo da TV Bandeirantes; Carlos Alberto Sardenberg, editor do Jornal do Brasil; Luís Roberto Serrano, editor de economia da revista Veja; Luis Nassif, editor da coluna "Dinheiro Vivo", do jornal Folha de S.Paulo; José Márcio Mendonça, editorialista do Jornal da Tarde; Frederico Vasconcelos, editor do "Painel Econômico" do jornal Folha de S. Paulo e Stephen Kanitz, comentarista de economia do Jornal da Cultura.  O ministro Maílson da Nóbrega assumiu o comando da economia brasileira em um momento de crise e implementou o Plano Verão, a política de "feijão com arroz"  com tentativas estratégicas para conter a inflação e reduzir os gastos públicos. Ele tem 47 anos, é economista e nasceu em Cruz do Espírito, no estado da Paraíba. Filho de camponeses, começou sua carreira como funcionário do Banco do Brasil, entrou para o Ministério da Fazenda durante o governo Geisel [Ernesto Geisel (1907-1996) governou o Brasil entre 1974-1979, durante a ditadura militar] e reassumiu o posto em janeiro de 1988, sucedendo o ministro Bresser Pereira [Luiz Carlos Bresser Pereira - ministro da Fazenda entre abril e dezembro de 1987, durante o governo Sarney. Foi o idealizador do Plano Bresser]. A dez dias de deixar o governo, o ministro Maílson da Nóbrega já tem planos para o futuro. Pretende trabalhar na iniciativa privada e quem sabe filiar-se a um partido político e até disputar um cargo eleitoral. Boa noite, ministro.

Maílson da Nóbrega: Boa noite.

Jorge Escosteguy: Ministro, se o senhor hoje, em lugar de estar a dez dias de sair do governo, estivesse a dez dias de entrar, qual seria sua primeira providência com ministro da Economia?

Maílson da Nóbrega: Pergunta difícil! Eu acho que, em primeiro lugar, me cercaria de um bom conjunto de pessoas qualificadas, que tivessem uma visão abrangente da vida brasileira e não apenas da economia, que tivessem experiência no setor público e que, acima de tudo, estivessem à disposição para a grande empreitada de trabalhar no Ministério da Fazenda. O projeto visa a redução dos desequilíbrios da economia, partindo do pressuposto de que, por detrás de tudo, haveria um esquema de suporte político capaz de viabilizar a aprovação das medidas impopulares, mas necessárias, para combater o principal inimigo do Brasil: a inflação.

Jorge Escosteguy: Que medidas impopulares seriam essas?

Maílson da Nóbrega: É difícil dizer, mas todas elas contrariam interesses, rompem com certas estruturas que estão encasteladas especialmente no Estado. Há interesses que se sobrepõem e que conseguem mobilizar a sociedade brasileira em seu favor. São minorias que conseguem apoio, paradoxalmente, até dos segmentos que sofrem com sua ação. E não há possibilidade de promover essa ruptura, sem uma grande coalizão de forças no campo político, necessária à aprovação dessas medidas no Congresso Nacional. Agora, o detalhamento disso vai depender da equipe, da visão que tenha, do diagnóstico que faça.

Jorge Escosteguy: O senhor não adotou essas medidas durante a sua gestão porque não havia esse bloco de apoio político?

Maílson da Nóbrega: Olha, é interessante essa observação. Nós temos, no Brasil, uma idéia que vem um pouco da distorção do período autoritário, de que a situação do país depende de uma só pessoa, geralmente do ministro da Fazenda, e que ele sozinho é capaz de resolver todos os problemas do país. Não, a solução dos problemas não depende apenas de um homem, ele pode ser importante no contexto, na medida em que ele é o comandante de um ministério importante. Mas, a solução dos problemas brasileiros é tarefa da sociedade brasileira com um todo.

Luis Nassif: Nos últimos anos, há a convicção em todos os segmentos, um pouco também em função do fracasso dos planos econômicos, que basta resolver o problema do déficit público [fenômeno econômico em que o valor das despesas do governo é maior do que a receita] para que se resolva o problema da inflação. Minha convicção ficou muito forte. O que pode acontecer se vier um plano fiscal e acabar com o déficit público e as pessoas se derem conta que não era apenas isso o necessário para resolver a questão econômica?

Maílson da Nóbrega: Olha, pode haver a frustração de alguns, mas certamente vamos ter caminhado um pouco mais...

Luis Nassif: [interrompendo] O senhor concorda com esse caminho do ajuste fiscal, do aumento da carga tributária, que está sendo proposto pela sua equipe?

Maílson da Nóbrega: Bom, eu não sei se eles vão aumentar a carga tributária, mas eu estou convencido de que o ajuste fiscal tem que passar por um aumento da carga tributária e por uma redução das despesas, combinando essas duas coisas. Realmente, o déficit público não é a única causa da inflação no Brasil, mas é a principal, é a matriz de um conjunto de problemas. Por trás do déficit público, está o interesse da burocracia, do cooperativismo, do subsídio, do incentivo, quer dizer, em torno do déficit, gravitam muitos interesses. No entanto, é evidente que o fenômeno inflacionário brasileiro é muito mais complexo, tem a ver com questões de natureza cultural, de como nós industrializamos o país, o que conduziu à formação de oligopólios, monopólios etc. A indústria brasileira forma seus preços, não pelo mercado, mas pelos custos de produção, o que consagra o princípio do monopólio e do oligopólio na própria cabeça dos funcionários que controlam os preços no Brasil. Portanto, atacar a inflação brasileira é atacar um conjunto de causas, entre elas, a básica, que é o déficit público. Mas, por exemplo, se o déficit público desaparecer por encanto, ainda ficará a questão de uma economia fechada, cheia de reservas de mercado, que faz com que segmentos do empresariado possam transferir sua ineficiência para os consumidores ou impor a recuperação rápida dos seu capitais às custas do consumidor. Então, como já disse, é preciso romper com vários interesses, só assim será possível combater a inflação.

[sobreposição de vozes]

José Márcio Mendonça: O senhor começou falando das dificuldades e também enumerou algumas das providências que o senhor tomaria se fosse o ministro que assumisse agora. Eu lhe pergunto o seguinte: entre essas providências, estaria também escolher um presidente da República e companheiros de governo que não lhe criassem tantos problemas, como o senhor teve nesses anos todos?

Maílson da Nóbrega: Não, o presidente é o início do processo da equipe do governo. Não é o ministro que determina o presidente, mas o presidente que escolhe o ministro. É claro que, para que um governo atue de forma coordenada e coesa, você tem que ter toda a equipe e o comando voltados para o mesmo objetivo. Isso para atacar com coragem, determinação, firmeza, as causas fundamentais dos problemas que afligem o brasileiro. Hoje, o [principal]  problema é a inflação. Eu tenho a impressão que, na sociedade brasileira, hoje, já não se pensa na questão do desenvolvimento. A questão da inflação é tão angustiante, que a sociedade brasileira, eu tenho essa convicção, estaria disposta a renunciar a um certo período de crescimento desde que esse mal fosse debelado. É claro que o homem do povo não tem essa percepção clara do economista, do homem de classe média, que faz o editorial como você, mas, no fundo, ele sabe que existe um negócio chamado carestia, que o dinheiro não dá no fim do mês, e cada vez menos ele tem possibilidade de progredir. O que importa hoje, para o Brasil, é reunir todas as forças possíveis, ainda que nós sejamos adversários dessa ou daquela corrente, para combater a inflação.

Fernando Mitre: Ministro, quando o senhor fala em reunir todas as forças possíveis, está se referindo a um pacto social. Aliás, recentemente, em uma entrevista, o senhor disse que a única medida que não foi tentada por esse governo foi exatamente a de fazer um pacto social e implantá-lo. O senhor acredita que agora ele seja possível? Quais foram as grandes dificuldades do seu caminho durante esse tempo em que o senhor sonhou com esse pacto social e ele não foi possível?

Maílson da Nóbrega: Olha, na verdade, nós tentamos muito pouco em termos de pacto social, porque não é uma coisa tão simples, se você pensar que pacto social é um acordo para distinguir perdas no caso de um país em processo de inflação elevadíssima, como é o caso brasileiro. Se você pensar na Espanha, nos anos setenta, eles elaboraram o Pacto de Moncloa [amplo acordo de reforma econômica espanhola,  com a presença de representantes de todos os partidos políticos, que aconteceu no Palácio de Moncloa, em 1977]...

Fernando Mitre: [interrompendo] É um pacto político.

Maílson da Nóbrega: É um pacto político, mas teve apoio dos sete partidos que subscreveram o pacto para um programa de estabilização duríssimo que implicava na adoção de medidas duras nos campos fiscal e monetário. Além disso, da parte dos trabalhadores, deveria haver uma renúncia a um reajuste de salário pela inflação, quer dizer, o trabalhador espanhol se dispôs a reajustar o seu salário pela inflação futura, que era abaixo daquela que se previa.

Fernando Mitre: [interrompendo] Ele aceitou perdas.

Maílson da Nóbrega: Ele aceitou perdas, porque estava sentindo que também haveria perdas em outros segmentos.

Fernando Mitre: O senhor acha que o brasileiro também aceitaria perdas agora?

Maílson da Nóbrega: Acho que o trabalhador brasileiro tem razões para desconfiar de qualquer programa de ajuste, porque ele sente que, nos outros, ele acabou pagando um preço muito elevado. Sobre a discussão de pacto social, por exemplo, em novembro de 1988, tivemos uma experiência interessante. O trabalhador estava disposto a assinar um pacto em que o salário dele seria reajustado por uma inflação projetada, pré-fixada, mas desde que, naquele pacto que estávamos negociando, ficasse provado que o sistema funcionaria. Essa foi a posição dos trabalhadores naquela época.

Luís Roberto Serrano: Há alguma maneira de as empresas garantirem um pacto desse tipo? É meio vago confiar na palavra. Existe maneira de controlar isso sem cair no congelamento, que todo mundo diz que não funciona?

Maílson da Nóbrega: É muito difícil, principalmente no nível de inflação que nós temos hoje e em uma economia tão complexa como a brasileira. A economia brasileira tem custos que independem de uma pré-fixação do governo. Por exemplo, vamos pensar no petróleo, que é um insumo básico fundamentalmente importado. Se houver aumento de preços do petróleo acima daquele que estava previsto no pacto, vamos presumir que o preço do petróleo vai estar constante em termos de dólar. Portanto, se ele aumenta em termos de dólar, já se desequilibrou o processo.

Luís Roberto Serrano: Mas aí nós estamos diante de um fato externo que pode até ser reconsiderado...

Maílson da Nóbrega: Pode.

Frederico Vasconcelos: [interrompendo] Eu queria contribuir um pouco com essa questão. Qual é o peso que o senhor dá, por exemplo, à questão da credibilidade para que esse acordo seja obtido?

Maílson da Nóbrega: É fundamental.

Frederico Vasconcelos: No discurso da futura ministra [Zélia Cardoso de Mello], a questão da credibilidade está sendo colocada como ponto básico. O senhor, por exemplo, teve essa dificuldade, negociando em um governo realmente desacreditado. Será que realmente essa dificuldade consegue convencer esses agentes desses setores a renunciarem?

Maílson da Nóbrega: Olha, eu acho que eles só renunciarão se tiverem uma convicção muito profunda de que aquilo que o governo está falando vai funcionar ou vai dar certo, uma confiança quase absoluta. No Brasil, há ilusão de que o empresário concorda em reduzir seus preços na base do discurso ou do chamamento ao patriotismo. Isso é tolice. É próprio do capitalismo: o sucesso do empresário é medido pelo lucro de sua empresa. O empresário só reduz seus lucros quando isso é imposto por alguém, nunca é de sua iniciativa. Só há três hipóteses para acontecer isso: pela tributação, controle de preço ou pelo mercado.

Frederico Vasconcelos: Na medida em que uma instituição, por exemplo, como o Banco do Brasil - que está hoje com o resultado operacional abaixo dos custos das despesas - passa a ser o cobrador generoso da dívida das empresas, o processo de imaginar que o empresário vá chegar a esse ponto de aceitar pelo discurso, concordo que também não vai acontecer. Como o senhor vê essa questão da dificuldade do Banco do Brasil, por exemplo, em executar uma grande empresa? Mas ele tem facilidade para executar um pequeno devedor...Eu posso citar três ou quatro casos.

Maílson da Nóbrega: Não, não é tanto assim. Todo banco prefere um bom acordo a um mau processo de execução judicial... Olha, o Estado vai ter que intervir sempre até para fazer com que o mercado funcione, mas essa intervenção exagerada do Estado empresário, não é preciso mais, porque as pessoas vão se dar conta de que é melhor que seja dirigido pelo setor privado do que pelo Estado. Isso porque cada empresa tem um sistema de auditoria interna, tem assembléia de acionistas, tem o conselho de administração, tribunal de contas. Na verdade, o Banco do Brasil não tem imposição da minha administração para fazer alguma coisa. A Fazenda pode interferir no Banco do Brasil em questões macro, por exemplo, agora no caso da caderneta de poupança: o Banco do Brasil estabeleceu um limite de duzentos e cinquenta mil cruzados novos e eu interferi junto à diretoria financeira para elevar aquilo pelo menos ao que os bancos privados estavam aceitando. Uma das dificuldades de uma instituição financeira pública é de transacionar. Por exemplo, o Estado não pode chegar para um contribuinte e dizer assim: "Você deve cem, mas eu acho que você pode pagar oitenta e eu vou te descontar vinte", não pode, a lei proíbe isso, em defesa do próprio contribuinte. Isso é diferente em outras culturas, como no imposto de renda francês. Lá, o fiscal pode dispensar um contribuinte do pagamento de imposto, se ele verificar que, naquele ano, ele teve uma despesa grande com familiares, etc. Aqui é um risco muito grande colocar isso na mão de um fiscal. Agora, se o Banco do Brasil fizer uma transação dessas, ele vai ter que pensar que vai ter um tribunal de contas e, às vezes, ele deixa de perdoar uma parte da dívida, porque há dificuldade de transacionar e justificar isso perante a opinião pública, é difícil. O empresário privado faz isso porque está transacionando com o seu dinheiro.

[sobreposição de vozes]

Luis Nassif: Sem querer que o senhor avance além do que o senhor considere conveniente sobre a política do novo governo, está sendo proposta uma pré-fixação que teria funcionado no México. No México, essa pré-fixação de preços funcionou porque o câmbio ajudou a ancorar parte dos preços e acabou com parte das reservas também. Nós não temos reservas no caixa para fazer com que o câmbio segure uma pré-fixação. Então, para convencer o empresário a baixar os preços, não poderia haver os fatores de mercado. Eu lhe pergunto: pela experiência que o senhor acumulou, qual é o tamanho da recessão que seria necessária para tentar manter com eficácia um processo de pré-fixação de preços? O Brasil comporta essa recessão?

Maílson da Nóbrega: Olha, em primeiro lugar, o processo de pré-fixação de preços é uma política de rendas, que visaria interferir em preços e salário de maneira negociada por impostos ao invés de indiretamente.  Nenhuma política de renda funciona se você não tiver controle da redução de déficit, de taxa de juros, uma política monetária restituída e assim por diante. Se se tentar uma política de rendas no Brasil, seja o nome que se dê, sem um controle da demanda por parte do governo, as possibilidades de fracasso são muito grandes. Acredito que a pré-fixação visaria, justamente, promover a redução rápida da inflação com o mínimo de redução da atividade econômica, de modo que eu não saberia qual é a recessão, mas certamente o governo teria que ter um controle. No primeiro mês ela pode fracassar, e aí toda a credibilidade que será renovada com o novo governo poderá ir embora.

Pedro Cafardo: Ministro, desde que se começou o governo Sarney sempre se fala em demissão do funcionalismo público. Eu queria entrar nesse assunto, porque ele também está previsto no plano do presidente Collor. Nós vimos uma notícia que falava que, embora o Sarney quisesse demitir, contratou cento e quarenta mil funcionários. O senhor acredita que o governo Collor demita  funcionários públicos?

Maílson da Nóbrega: Deixe-me fazer só uma correção, Pedro...

Pedro Cafardo: Sim.

Maílson da Nóbrega: O governo não contratou cento e quarenta mil funcionários. No governo de João Figueiredo [período entre 1979 e 1985, último governo da ditadura militar no país], houve uma contratação muito grande, de cem mil pessoas. No começo do mandato do presidente Sarney, a situação de todos foi regularizada, eles passaram a ser funcionários públicos efetivos, o que aumentou o número de funcionários do ponto de vista estatístico. Agora, essa questão da demissão é muito mais complicada do que se imagina, envolve uma questão cultural muito profunda. Desde Portugal, se você olhar por volta do século XIV, o nobre português não era feudal, mas sim funcionário da corte. Já vem daí essa história da grande segurança para qualquer cidadão que é funcionário público. Nunca, na história do Brasil, se demitiu funcionários, a não ser por improbidade. Eu acho que nós chegamos a um ponto em que a sociedade só acredita em um programa de estabilização, se ele realmente contrariar interesses, mexer com estruturas estabelecidas pelo governo.

Pedro Cafardo: O senhor acha que a redução de custos do governo nessa área é fundamental?

Maílson da Nóbrega: Não. Na época do Plano Verão, a gente calculava que, se fossem demitidos da administração direta todos os funcionários com menos de cinco anos de serviço, isso daria uma economia de 6% na folha de pagamento. Era mais uma medida com efeito exemplar do que financeiro. E a gente precisa também trabalhar com exemplos, mostrar que o governo adota medidas. Isso porque 6% aqui, 3% lá, 10% lá, no conjunto, ajudam em uma redução importante.

[sobreposição de vozes]

Carlos Alberto Sardenberg: O senhor tocou na questão cultural do funcionalismo público, a tendência nacional de se ancorar no Estado. O Nassif havia colocado, há pouco, a questão do déficit público. Todo mundo reclama que o governo gasta. Agora, o governo gasta porque as pessoas querem que ele gaste. O senhor se lembra de alguma audiência privada, de alguém que foi lá aconselhar o senhor de como economizar dinheiro? Ou todo mundo foi lá pedir um favor, um crédito especial, um privilégio? O senhor fala de interesses...quais são esses interesses? Quem, no país, representa esses interesses poderosos que devem ser mexidos para controlar a inflação?

Luís Roberto Serrano: Pegando uma carona, o senhor acredita que algum deputado, à véspera da eleição, vote a favor do corte por uma vantagem do financiador de sua eleição?

Maílson da Nóbrega: Olha, eu acho que o Sardenberg e o Serrano colocaram dois pontos importantes. Lá, no Ministério da Fazenda, há audiências de empresários para discutir assuntos da sua associação, como exportação, a taxa de câmbio, a manutenção de créditos. Mas, são poucos os parlamentares que me procuraram para discutir, por exemplo, o orçamento e a questão da dívida externa. Geralmente, o deputado que procura o Ministério da Fazenda leva o interesse clientelístico e, às vezes, é muito mais grave do que isso. Recebi um certo parlamentar uma vez e ele começou com a história da seguinte maneira: "Ministro, o senhor sabe que eu fui eleito para defender o interesse do povo, o que não quer dizer que eu também não defenda os meus"...

[risos]

Maílson da Nóbrega: E "mandou brasa" no interesse que ele queria, que era arquivar um processo da Receita Federal. Nós chegamos a esse cúmulo no Brasil!

Jorge Escosteguy: O senhor arquivou?

Maílson da Nóbrega: Não!

[risos]

Maílson da Nóbrega: As pessoas procuram o cargo eletivo, não para representar o povo e defender idéias, mas sim para exercer influência, resolver problemas particulares. Nesses casos de Receita Federal, por exemplo, você vai ver que em 100% dos casos, a Receita Federal tem razão. Infelizmente, nesses casos, a lei não permite que o ministro da Fazenda transacione. O brasileiro tem que meditar, nós todos temos que refletir sobre isso: a maneira como certas pessoas chegam ao Congresso Nacional. E é por isso que na classe política ainda, infelizmente, prevalece o arcaísmo.

Stephen Kanitz: Eu queria perguntar sobre o Plano Verão, que fracassou. A impressão que eu tive era que, mais uma vez, não se cuidou da parte mais crítica do congelamento, que é o descongelamento. Havia um algoritmo de descongelamento, mas que não deu para aplicar ou simplesmente se fez um congelamento sem ter uma clara idéia de como se descongelar?

Maílson da Nóbrega: Olha, você sabe que essa é a parte mais complexa de um plano que envolve congelamento. Qual é o problema do congelamento? É que, na hora em que você começa, ele pode explodir, se você não tiver controle de demanda. Você tinha que ter duas coisas fundamentais: o controle da demanda e uma renovação de credibilidade. Na época do Plano Verão, fizemos um grande esforço no sentido de obter essa credibilidade, fazendo coisas inéditas, como acabar com cinco ministérios, demitir noventa mil pessoas, extinguir entidades, estabelecer uma regra de só gastar o que se arrecada, etc. Infelizmente, essa última parte não foi cumprida. Além disso, o Congresso aprovou apenas a medida provisória do congelamento, mas não a da privatização.

Luis Nassif: Gastar o que tem não é prerrogativa do executo? Essa determinação de se gastar o que se arrecadava não dependia do Congresso, mas de uma vontade política do presidente. 

Maílson da Nóbrega: Não, pois de acordo com a Constituição brasileira, o Orçamento [da União] fixa a despesa e estima a receita. A rigor, se houver votação, você pode gastar. No serviço público brasileiro, você até pode controlar o caixa, apesar da votação...mas nós queríamos mesmo uma lei! Isso protegeria o Tesouro Nacional. Muitos Tesouros de outros países funcionam, porque acima deles está a lei. No Brasil, muita gente pensava que bastava o ministro da Fazenda ser forte.

Stephen Kanitz: O presidente Sarney queria fazer um último congelamento para entregar para o Collor um país com inflação zero. Podia até ser uma boa idéia no sentido em que o Collor usaria sua credibilidade do voto para essa fase crítica na hora do descongelamento. Mas o senhor foi contra um congelamento de última hora. Por quê?

Maílson da Nóbrega: Não é verdade sua afirmação. Por volta de junho ou julho, tivemos uma discussão com o presidente da República sobre esse assunto e pensamos em um congelamento de preços e salários, mas seria um desastre. Desde o mês de julho, quando a inflação disparou de novo, pensamos em esforços para evitar a desorganização da economia, pois o presidente estava convencido de que o congelamento não seria eficaz.

Stephen Kanitz: Mas, com a inflação de 70%, é até difícil congelar, porque a disparidade dos preços relativos é muito grande.

Maílson da Nóbrega: É muito grande...

Jorge Escosteguy: Ministro, o Fernando Mitre tem uma pergunta.

Fernando Mitre: Ministro, o senhor falou aqui em corporativismo como um dos grandes inimigos do governo e um dos grandes desafios dessa luta contra a inflação. Nós assistimos, durante a Assembléia Nacional Constituinte, a um desfile corporativista e o resultado foi a Constituição que está aí, que acabou produzindo uma série de gastos, sem produzir a receita necessária. Eu pergunto se é possível fazer um combate sério à inflação sem modificar essa Constituição.

Maílson da Nóbrega: Não. A Constituição brasileira nasceu atrasada. Ela tem avanços indiscutíveis do direito do cidadão, é a primeira Constituição a ter um capítulo sobre meio ambiente. Nesse ponto, ela é moderna, mas é cheia de contradições. Ela é competente, por exemplo, no capítulo orçamentário, que é um dos melhores e mais conhecidos do mundo, apesar de que os deputados arranjaram um jeitinho e conseguiram ampliar despesas mesmo contra a Constituição. Porém, a Constituição tem coisas que olham para trás. Por exemplo, há preceitos constitucionais sobre o monopólio do petróleo, monopólio das telecomunicações e a distorção da isonomia. [A Carta Magna estabelece o princípio da isonomia em vários artigos, isto é, a igualdade de todos perante a lei. Diante do legislador, ou do próprio executivo, na edição de leis, atos normativos e medidas provisórias, o princípio impede que eles tratem diferentemente  pessoas que se encontram em situações idênticas.  Também estabelece a obrigatoriedade da autoridade pública de aplicar a lei sem diferenças em razão do sexo, religião, raça, classe social, convicções filosóficas e/ou políticas, etc.] Esse último criou um verdadeiro nó, que ainda não sei como será desatado...A isonomia é uma praga na administração pública brasileira, porque tudo se equipara, coisas que são meramente assemelhadas se equiparam. Você consegue equiparar o Banco do Brasil ao Banco do Central, quer dizer, coisas que não têm nada a ver. O Brasil é, talvez, o primeiro país em que a Justiça e o Ministério Público propõem seus salários diretamente ao poder legislativo, sem saber se o executivo tem o dinheiro para pagar. E, quando o poder executivo veta o projeto do judiciário aprovado pelo legislativo, o legislativo derruba o veto! Pelo princípio de isonomia, quando você aumenta o salário do judiciário, o executivo quer também. Então, nós estamos promovendo uma verdadeira festa em família, contra o contribuinte. Ou muda isso ou o Brasil vai arrecadar todos os impostos só para pagar o funcionalismo. Se não reformarmos a Constituição, o Brasil não consegue estabilizar sua economia. Alguns políticos acham que não, mas isso precisa ser dito. A Constituição brasileira nasceu desatualizada em vários aspectos.

Fernando Mitre: Seria possível até que, se a Constituição fosse elaborada neste ano, fosse diferente...

Maílson da Nóbrega: Se tivesse tido a influência das mudanças [constitucionais] de outros países, certamente. Para te dar um exemplo, se você chegar nos países europeus, nos Estados Unidos, no Japão, a grande preocupação dos dirigentes é com o emprego. No Brasil, no capítulo da ordem econômica, está assim: "A ordem econômica brasileira é baseada nisso, nisso, nisso, nisso, pelos seguintes princípios: número um, soberania nacional...". Isso tem um pouco de discurso populista, mas são dez princípios e o emprego é o penúltimo!

Jorge Escosteguy: Os telespectadores Miguel Apolônio, Gilberto Véa, Mauro Marcos Filho e João Birmânio da Cunha, todos aqui de São Paulo, perguntam se o senhor acredita na equipe econômica do novo governo e se o projeto é viável.

Maílson da Nóbrega: Bom, eu faria duas observações. Em primeiro lugar, eu acho que a economista Zélia Cardoso de Mello é competente. Ela se cercou de um grupo qualificado de pessoas, o que é uma qualidade. Por outro lado, o discurso do presidente eleito é um discurso moderno, liberal, fala na privatização, na revisão do papel do Estado, na reforma do setor público e na integração competitiva do Brasil com a comunidade internacional. Portanto, se você tiver um discurso na direção correta e uma equipe econômica que pode conduzir um programa, já é um grande caminho andado. Agora, nada disso funcionará, se não houver apoio político. É assim com a sociedade democrática. Se não houver base parlamentar capaz de apoiar um programa de reforma que implica em contrariar interesses, não adianta ter uma grande equipe econômica.

Frederico Vasconcelos: Eu queria voltar um pouco na questão do Banco do Brasil. Realmente, o funcionalismo do Banco do Brasil é privilegiado...Em 1989, a receita operacional do banco foi inferior à despesa da folha de pessoal, quer dizer, se não houvesse aquele recurso contábil, o banco teria fechado "no vermelho". Minha questão é a seguinte: qual é o peso real da folha de pagamento nesse problema? O Banco do Brasil vem, nos últimos anos, perdendo essa capacidade de receita?  Como o senhor prega essa questão do funcionalismo se ganha o salário mais alto do Banco do Brasil sem trabalhar no banco? Isso é desconfortável para o senhor?

Jorge Escosteguy: Dois telespectadores também telefonaram perguntando sobre o Banco do Brasil. O Raimundo Nonato de Souza, aqui de São Paulo, pergunta sobre as questões salariais dos funcionários do Banco do Brasil e dos bancos privados. O Antônio Carlos Santos, de Porto Alegre, que diz que é funcionário do Banco do Brasil e pergunta se o senhor não fica preocupado em deixar o atual presidente do Banco do Brasil com seus bens pessoais protestados judicialmente pelos acionistas minoritários [União Nacional dos Acionistas Minoritários do Banco do Brasil] do banco, quando se sabe que ele apenas cumpria ordens dada pelo senhor. O senhor não se sente desconfortável diante da situação atual do Banco do Brasil, apresentando o pior resultado da sua história?

Maílson da Nóbrega: Em primeiro lugar, do ponto de vista estrutural, a folha de pagamento é um problema para o Banco do Brasil. Levantamentos recentes mostram que, na média, o salário do funcionalismo do Banco do Brasil é o triplo dos outros bancos. Segunda questão, se eu me sinto desconfortável em receber o salário do Banco do Brasil sendo ministro da Fazenda? Não, porque a lei me assegura isso. Nunca escondi e tenho um salário determinado pela legislação, não inventei.

Pedro Cafardo: [interrompendo] E quanto é? É difícil saber, mas em fevereiro já dá para saber.

Maílson da Nóbrega: [hesitando na resposta] O meu salário em...

[...]: O senhor não sabe quanto o senhor ganha?

Maílson da Nóbrega: Eu não sei de fevereiro, mas em janeiro, o meu salário no Banco do Brasil foi 106 mil cruzados...

Pedro Cafardo: [interrompendo] Mais 50%...

Maílson da Nóbrega: No Ministério, eu ganho o que eles chamam de pró-labore.

[sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: Só um minutinho. O ministro vai responder, mas antes vamos precisar fazer um intervalo.

Maílson da Nóbrega: Só um minutinho, qual é a outra?

Jorge Escosteguy: Se o senhor não fica preocupado em deixar o atual presidente com seus bens pessoais protestados pela União Nacional dos Acionistas Minoritários.

Maílson da Nóbrega: Em primeiro lugar, essa associação não representa os acionistas minoritários, está certo? Essa é uma associação, dentre outras que foram criadas no Banco do Brasil, dentro do corporativismo imperante. Isso é ruim para o futuro do Banco do Brasil, eu sou contra essas oligarquias e vou ser contra até morrer, porque estou defendendo os interesses do Banco do Brasil, e não dessas minorias ativas e agressivas. A Associação dos Acionistas Minoritários do Banco do Brasil é um grupo de cinco ou seis pessoas que vive daquilo e dá entrevista à imprensa. Eles são funcionários do Banco do Brasil, não são acionistas minoritários coisa nenhuma, compraram algumas ações, mas... Qual é a representatividade dessa associação para bloquear os bens do presidente do Banco do Brasil? Nenhuma! Isso é uma coisa ridícula, só o sujeito que está lá dirigindo essa associação acredita, ou aqueles que ingenuamente servem de instrumento para sua ação. Essas oligarquias tomaram conta não apenas do Banco do Brasil, mas da Petrobras, da Eletrobrás, enfim, de todas as empresas estatais, são oligarquias que buscam obter privilégios. Estão contra a maioria, que é o povo e contra o próprio processo político, porque usam esse poder de mobilização contra o desenvolvimento democrático do Brasil.

Jorge Escosteguy: Ministro, nós vamos precisar fazer um rápido intervalo. O Roda Viva volta daqui a pouco, entrevistando hoje o ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. Até já!

[intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. Ministro, um telespectador daqui de São Paulo, Agostinho Vaz, disse que o admira demais e que gostaria de apoiá-lo caso o senhor se candidatar a algum outro cargo público. Ele dá telefone, endereço etc [risos]. O senhor tem intenção de se candidatar a algum cargo eletivo? Em caso positivo, com seria sua campanha, já que, como ministro da Fazenda, pegou uma inflação de pouco mais de 20% e entregou com um pouco mais de 70%?

[...]: Mui amigo, ministro!

[risos]

Maílson da Nóbrega: Em primeiro lugar, não está decidido se eu vou tentar um cargo eletivo. Quero continuar participando da vida pública, vou me filiar a um partido político e estou considerando a hipótese de concorrer a um cargo eletivo, que poderia ser até mesmo em meu estado, Paraíba.

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Que partido, ministro?

Maílson da Nóbrega: Também não escolhi. A escolha do partido tem que levar em conta a coerência do meu discurso, das minhas idéias. Eu não quero chegar, se for o caso, à Câmara dos Deputados só porque escolhi um partido conveniente para a eleição.

Jorge Escosteguy: O senhor pode me dizer em quem votou para presidente da República?

Maílson da Nóbrega: Não, o voto é secreto.

Jorge Escosteguy: Nem no primeiro e nem no segundo?

Maílson da Nóbrega: Não...Sobre a questão do telespectador, que eu seria um derrotado...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Desculpe, ministro, quem colocou essa idéia fui eu. O seu admirador não tem críticas. Ele disse que vai apoiá-lo e dá telefone e endereço.

Maílson da Nóbrega: Está certo! Bom, comecei com inflação de 20% e estou terminando com 70%, mas não me sinto um derrotado. Tenho certeza que fiz o que estava ao meu alcance, com entusiasmo. Busquei colocar todas as minhas energias, o meu conhecimento, a minha experiência, a minha força, tudo, para evitar uma desorganização da economia que poderia por em risco o próprio processo eleitoral em curso. E acho que conseguimos isso com o esforço da equipe do Ministério da Fazenda, da Seplan [Secretária de Estado do Planejamento e Desenvolvimento] e do Ministério do Trabalho. Não posso dizer que sou um vitorioso, porque não há vitórias na situação em que o país está.

Frederico Vasconcelos: Que nota o senhor dá, de um a dez, para sua administração?

Maílson da Nóbrega: Não, os outros é que têm que me julgar. Eu quero que eles reconheçam que, nas circunstâncias em que operamos e com restrições de natureza política, fizemos o que poderia ser feito.

Luis Nassif: Eu queria falar um pouquinho sobre isso. Todo mundo aqui é testemunha do processo quase heróico que foi "segurar a peteca" do governo, impedindo problemas maiores. Em relação ao Plano Verão, queria esclarecer algo com o senhor. Foi feito o processo de congelamento da OTN [Obrigações do Tesouro Nacional], o que provocou críticas. Naquela ocasião, a diretoria de fiscalização do Banco Central soltou uma resolução querendo que a dívida das liquidações extra-judiciais fosse convertida por aquela OTN [Obrigações do Tesouro Nacional] congelada. Esse processo está caminhando internamente. Isso foi submetido ao senhor?

Maílson da Nóbrega: Olha, por ora, o que existe é um estudo do Banco Central que recomenda a mudança do indexador nos processos de liquidação em curso, em que a dívida da instituição perante o Banco Central seja corrigida pelo IPC [Índice de Preços ao Consumidor]. Isso realmente dá uma grande diferença, se você considerar qual foi a taxa de juros praticada de junho para cá. Mas, essa matéria não obteve o consenso dentro do Ministério da Fazenda e, portanto, não foi levada à consideração do Conselho Monetário Nacional. Nós devolvemos a matéria ao Banco Central para reexame. Portanto, não é uma matéria decidida em caráter final.

Stephen Kanitz: Eu queria discutir a questão da dívida externa. O Brasil está pagando um juro real de 3% ao ano sobre sua dívida externa, é um juro extremamente barato. Durante o Plano Verão, se pagava isso ao dia, o que consumia três bilhões de dólares, quando nós tínhamos superávit de 16 bilhões. Como se explica que, apesar desse juro real muito barato, o senhor não conseguiu convencer os banqueiros...Nossa capacidade de pagamento é cinco vezes o juro real e, portanto não havia nenhum risco, nenhuma necessidade de jogar o Brasil como devedor incobrado e incapaz de pagar uma dívida que custa relativamente pouco.

Maílson da Nóbrega: Mas o diálogo com os banqueiros, pelo menos no meu período, não foi difícil, impossível.

Stephen Kanitz: Mas não veio nenhum dinheiro novo para o Brasil, apesar de termos um superávit que mostrava capacidade.

Pedro Cafardo: [interrompendo] O senhor considera que o acordo o senhor fez foi bom?

Maílson da Nóbrega: Considero. Em momento algum disse que esperava dinheiro novo dos bancos.

Stephen Kanitz: Mas se nós estamos com um superávit que é quatro vezes a nossa capacidade de pagar o juro real...

Maílson da Nóbrega: [interrompendo] Eu sei que o senhor é um estudioso desse assunto. Vivi a experiência de banqueiros, você sabe, fui diretor de um banco em Londres, que tinha 1,3 bilhão de dólares emprestados na América Latina, dos quais 75% estavam no Brasil. Banqueiros não vão mais emprestar [dinheiro] aos países de Terceiro Mundo nos termos que emprestaram na década de setenta, porque não era correto fazer aquilo. Eles passaram a financiar pontes, estradas, usinas nucleares, instalações hidroelétricas etc, mas a função de um banco comercial em um país de Terceiro Mundo sempre foi financiar o fluxo de comércio. Isso não vai mais acontecer. A negociação da dívida externa de 1988 terá que ser vista no contexto. Em primeiro lugar, o Brasil era um único grande devedor do Terceiro Mundo que ainda não tinha feito um acordo multi-anual e tinha que negociar sua dívida todo ano. Então, nós fizemos um acordo multi-anual de vinte anos. Vocês conhecem os detalhes. Em segundo lugar, o acordo multi-anual era um passo necessário para o programa de redução da dívida, um caminho para solucionar essa questão.

[...]: É verdade que a dívida está em 91 bilhões de dólares?

Maílson da Nóbrega: 99 [bilhões].

Pedro Cafardo: Ela chegou a cento e vinte...está diminuindo?

Maílson da Nóbrega: Não, quando se fala em dívida externa de um país, se fala na dívida de médio e longo prazo.

Fernando Mitre: [interrompendo] A curto prazo, dá quase cento e vinte, não é?

Maílson da Nóbrega: Por aí, não chega a isso, acho que é cento e dez.

Fernando Mitre: Aquela conta que o Sarney deu para o Collor não incluía a dívida de curto prazo.

Maílson da Nóbrega: Não, espere aí. Houve redução de aproximadamente 25 bilhões de dólares.

Fernando Mitre: [interrompendo] Entre conversões etc?

[...]: E sobre a inflação de dólares?

Maílson da Nóbrega: Isso é a conjugação de três coisas. Quanto à variação cambial do dólar em relação a outras moedas, houve realmente a desvalorização do dólar. Segundo lugar, é um processo de conversão de dívida e, em terceiro lugar, um bilhão de dólares de dívida externa que foram trocados por dívida interna.

Luis Nassif: Ministro, o senhor acha que é correto pegar uma dívida estável e sem inflação, que é a divida externa, e jogá-la para uma outra dívida, que é explosiva, que pode provocar inflação?

Maílson da Nóbrega: Não, não é correto. A dívida externa brasileira é menos de um terço do PIB [Produto Interno Bruto]. Em termos relativos, a dívida interna brasileira provavelmente é a mais baixa da América Latina. No Uruguai, a dívida externa é de 90% do PIB, no Chile era mais de 100% e agora reduziu um pouco, na Argentina é 80%, no México é 70%. Então, a dívida não é realmente o problema do Brasil. Agora, a redução da dívida pela conversão é um mecanismo adequado para reduzir o estoque da dívida desde que você crie internamente um espaço na política fiscal para evitar um endividamento maior. Qual é o país que obteve o maior sucesso com o programa de conversão? O Chile, porque fez uma política fiscal de contenção e a expansão provocada pela conversão não causou problema. Tivemos problemas porque não houve abertura de espaço na política fiscal. Quando nós lançamos o programa de conversão, a idéia era reduzir o déficit e ir abrindo espaço para uma redução da dívida negociada no mercado secundário com investidores, com empresas do Brasil. Enfim, você obteria um resultado positivo da redução da dívida, sem criar problemas de expansão monetária no mercado.

Carlos Alberto Sardenberg: O senhor falou que fez esforço para que a economia não se desorganizasse. A gente deve admitir que não foi fácil. O senhor tinha adversários de todos os lados da sociedade, pessoas que não queriam que gastasse, as corporações, o próprio [legislativo] pressionando contra o executivo. Como o senhor se sentia nesse clima? Houve algum momento em que o senhor temeu pelo pior?

[risos]

Maílson da Nóbrega: Olha, houve vários momentos. Houve um momento, no mês de maio de 1989, quando a inflação disparou e nós estávamos sem um instrumento de indexação e houve uma necessidade de relançar um instrumento, que foi o BTN [Bônus do Tesouro Nacional, criado para prover o Tesouro Nacional de recursos necessários à manutenção do equilíbrio orçamentário ou para a realização de operações de crédito por antecipação de receita. Foi extinto em 1991], então surgiu a dúvida: "Será que depois de termos destruído o OTN, o BTN vai pegar?". E o grande esforço foi no sentido de fazer com que isso "pegasse" e jogar todo o peso da nossa credibilidade para isso. Na verdade, havia uma demanda por otimismo na sociedade brasileira. Então, se você lançar o BTN, as pessoas não vão para o dólar, porque estão querendo algo que lhes dê alguma segurança, abrigo, mas sem a incerteza do dólar. Não deu outra, a BTN "pegou" rápido.

Luis Nassif: Ministro, o Plano [Verão] não tinha algumas inconsistências do ponto de vista conceitual? Eu citaria duas para o senhor dar uma analisada. A primeira é jogar todo o esquema de credibilidade em um processo de demissão de funcionários, que o senhor mesmo disse que é quase impossível. Além disso, não foi um erro de concepção jogar as taxas de juros nos níveis que foram jogados com o plano ?

Maílson da Nóbrega: Não, a taxa de juros se torna positiva a partir de junho [de 1989].

Luis Nassif: Ela é violentamente alta desde o primeiro momento do Plano.

Maílson da Nóbrega: Não. Se você considerar os 20% a 25% que praticamos logo em seguida com a taxa do IPC [Índice de Preços ao Consumidor] é realmente, mas considere que o IPC [Índice de Preços ao Consumidor] tinha um vetor.

Luis Nassif: Não, mas veio o vetor, veio o congelamento e a taxa de juros estava acima de uma inflação pós-vetor.

Maílson da Nóbrega: Não, mas não é assim que o poupador raciocinou. Se você olhar 1989 como um todo e desfracionar pelo IPC [Índice de Produtos ao Consumidor] do mês seguinte, que é o correto do ponto de vista dos custos efetivos, a taxa de juros praticada no ano passado foi de 17% acima da inflação.

Luis Nassif: Sim, mas não pode considerar...

[sobreposição de vozes]

Maílson da Nóbrega: Voltando à questão do Sardenberg, houve aqui outro momento em que nós fomos ganhando tréguas. Em julho, reunimos vocês da imprensa em Brasília e em São Paulo, para provar o seguinte: não há agravamento de desequilíbrio básico que justifique essa expansão que se pensa que haverá nos preços. Aquilo acalmou as pessoas. Eu acho que a economia brasileira foi desmentindo um certo grau de catastrofismo de alguns segmentos. Sua vitalidade é extraordinária. Imaginar que uma economia consegue funcionar com taxa de inflação de 70%, é realmente notável! É uma coisa extraordinária que mostra que a sociedade brasileira pode voltar à economia.

[sobreposição de vozes]

José Márcio Mendonça: Qual é o limite que a sociedade brasileira pode suportar com essa inflação subindo? E outra, o senhor acha que todos os setores da sociedade brasileira estão preparados para o fim da inflação?

Maílson da Nóbrega: Essa é uma questão complicada, é difícil estabelecer esse limite. Trabalho no setor público há quase trinta anos, dos quais quase a metade no governo federal, em vários ministérios. Todo mundo dizia: "No dia em que a inflação chegar a 25%, esse negócio explode". Chegou e não explodiu. Aí o índice foi subindo até chegar a 70%, e ainda não explodiu. Agora, uma coisa é certa: nenhuma sociedade se mantém organizada por um longo período de tempo com inflação desse tipo, porque ela vai  minando, corroendo as bases, os valores da sociedade, sendo uma ameaça à estabilidade social e política do país.

Fernando Mitre: Estamos no limite. É isso que o senhor quer dizer?

Maílson da Nóbrega: O que eu quero dizer é que foi possível esperar. É como se a sociedade brasileira encontrasse  um mecanismo de convivência com esse desequilíbrio, porque há a presunção de que a eleição trará um presidente com legitimidade, possibilidade de renovação, de credibilidade para fazer as reformas e aí sim, acabar com a inflação. Segunda questão, esse é um problema dos mais sérios, como dizem os economistas: como apagar a memória inflacionária? Temos gerações inteiras no Brasil que se habituaram à inflação. Eu conto a história de um amigo meu, que estava no território de Alagoas. Na cidade, não tinha saneamento básico e a água era transportada em burros com tonel. O transportador aumentou o preço da água e ele disse: "Por que o senhor aumentou o preço da água?". E ele disse: "Porque aumentou a gasolina", e ele falou: "Mas o teu burro é movido à capim". O sujeito respondeu: "Sim, doutor, mas com o aumento da gasolina, vai vir o aumento do pão, vai vir o aumento disso...". Então, o homem do interior já raciocina, está com a cabeça feita para a indexação. É preciso que consigamos uma redução drástica e permanente da inflação e que isso se mantenha permanentemente, seja pra valer.

Jorge Escosteguy: O Pedro Cafardo tem uma pergunta para o senhor.

Pedro Cafardo: O senhor já confessou que foi ingênuo ao pensar que pudesse colaborar com o governo que vai entrar nessa fase pós-eleitoral, mas já houve alguns favores ao futuro governo. Hoje, por exemplo, o presidente Sarney mandou uma mensagem nomeando o futuro presidente do Banco Central, um favor para o Collor. Há outros favores que podem ser feitos, como por exemplo, uma maxidesvalorização? O que o governo pode fazer para evitar que essa situação fique muito grave até a posse?

Maílson da Nóbrega: Certamente, não haverá maxidesvalorização, não se tomará nenhuma medida na área cambial antes da posse do novo governo. Isso porque nós temos um nível confortável de reservas internacionais que não vão se exaurir em sete dias úteis, que é o que falta para o início do novo governo. Nós vamos ter uma queda de reserva internacional maior do que a gente pensava, porque com a expectativa da desvalorização cambial, alguns exportadores resolveram arriscar. O nível de exportação da balança comercial de fevereiro não é a catástrofe que também se previu. Podemos dar um superávit comercial em torno de quinhentos, seiscentos milhões de dólares. Portanto, não haverá maxidesvalorização. Agora, essa questão do Banco Central é uma questão de lógica. O presidente Collor pediu ao presidente Sarney e hoje eu encaminhei ao Senado Federal uma instrução com nomes de quatro brasileiros: um para presidente, três para diretores do Banco Central. Esses nomes serão apreciados e eles poderão tomar posse rapidamente, logo após a posse do próprio presidente eleito.

Jorge Escosteguy: Falando em Banco Central, o telespectador João Manoel dos Reis, de Mogi das Cruzes, pergunta como o senhor encara alguns escândalos envolvendo o governo ao qual o senhor serve, entre eles o do Banco Central?

Maílson da Nóbrega: Olha, em primeiro lugar, isso está sendo julgado. O presidente do Banco Central foi exonerado a partir do momento em que corretora sua é dirigida pelo seu filho, que se envolveu naqueles problemas da Bolsa de Valores. Não tenho conhecimento de nada que não tenha vindo a público. Na área do Ministério da Fazenda, não conheço nada que desabone a conduta das pessoas que hoje estão dirigindo o Ministério.

Fernando Mitre: Ministro, gostaria de voltar à questão do corte sobre o gasto do governo, esse é o grande tema, inclusive do povão, a que o senhor se referiu no começo do programa. O senhor disse também que a dívida externa não é o maior problema, e não é mesmo. O maior problema, certamente, é o equilíbrio das contas e o corte dos gastos. Esse corte é a grande expectativa do país, é uma grande esperança, talvez até uma ilusão. O senhor disse aqui que o corte possível na folha de pagamento do funcionalismo não é tão representativo assim, é mais uma medida exemplar. O corte de subsídios e incentivo também não é uma grande coisa, parece que é um pouco mais de 1% do PIB, uma coisa assim. O processo da privatização é uma coisa lenta, sofrida e difícil, quer dizer, todas essas três possibilidades são difíceis e, mesmo assim, não resolvem o problema de imediato ou a médio prazo. Como realmente cortar gastos, ministro?

Maílson da Nóbrega: Em primeiro lugar, é possível aumentar a receita através de uma tributação adicional ou de um combate mais sistemático à sonegação. Temos que rever a Constituição também, ela transferiu 25% da receita da União para os estados e municípios...

Fernando Mitre: Quer dizer, é um processo lento...Agora, com a nova ministra da Fazenda, haverá congelamentos? Quer dizer, qual é o caminho que justifica essa esperança?

Maílson da Nóbrega: Olha, temos que ter a presunção de que vai funcionar e temos que ajudar para que isso ocorra. Eu acho que é provável que, no início, um grande impulso à redução seja dado via arrecadação de impostos, porque o corte das despesas é uma coisa muito difícil.

Fernando Mitre: Quer dizer, na visão do senhor, o caminho é aumentar impostos?

Maílson da Nóbrega: Em um curto prazo, sim.

Luís Roberto Serrano: É imediato ou precisa de lei do Congresso?

Maílson da Nóbrega: Não, não. Precisa de lei ou medida provisória. Há o princípio da anterioridade, não é assim que funciona.

Luís Roberto Serrano: Exatamente, é isso que eu ia dizer...Para aumentar o imposto, é só no outro ano. Então, não há possibilidades!

[sobreposição de vozes] Maílson da Nóbrega: Essa é uma questão básica e todos nós temos que refletir sobre ela: a rigidez da estrutura da despesa pública no Brasil. Hoje, nós temos três grupos de despesas: gastos de pessoal, transferências para os estados e municípios e a dívida pública. Juntos, dão mais do que a receita tributária da União. É uma coisa complicada

Stephen Kanitz: Ministro, pensando no seguinte cenário: passados seis meses, a Zélia não dá certo e o Collor liga na sua casa e lhe convence a aceitar o cargo. Para que solicitará carta branca?

Maílson da Nóbrega: Bom, todos nós devemos trabalhar com o princípio de que a Zélia vai dar certo...

Stephen Kanitz: [interrompendo] Tem que dar certo.

Maílson da Nóbrega: Em segundo lugar, nenhum brasileiro que tenha vivido uma experiência do setor público pode recusar o serviço no governo, ainda que no posto de sacrifício como é do ministro da Fazenda. Eu voltaria a trabalhar como ministro da Economia ou da Fazenda, dependendo da situação, dependendo do presidente e dependendo, sobretudo, da situação política. A solução dos problemas de um país complexo, com uma dificuldade tamanha em que a gente vive, não é tarefa de um homem só, é tarefa de um grupo muito grande de pessoas, é tarefa da sociedade como um todo.

Stephen Kanitz: Então não está na hora de por administradores, financistas e não só economistas?

Maílson da Nóbrega: Não, não é isso. O problema brasileiro é político. Existem soluções econômicas apresentadas até por várias universidades. A questão é como a gente vai implementar esses programas...

Pedro Cafardo: Ministro, eu quero fazer uma pergunta que não é muito da sua área. Nesse momento, milhares de pessoas estão com o carro na garagem, sem álcool, sem gasolina, porque não podem encostar no posto para encher o tanque. Isso não aconteceu por irresponsabilidade do governo, por falta de autoridade?

Maílson da Nóbrega: Assim é muito fácil, o governo é o culpado! Não é bem assim....Evidentemente, a situação tem algo a ver com a atuação do governo, mas no sentido amplo, envolvendo os três poderes. Essa é uma percepção que a gente deve ter. Na medida em que o país entrou em um desequilíbrio forte, causado  por decisões e erros do executivo, legislativo e judiciário, você vai controlar aquilo que você pode controlar... Nesse contexto, distorções são criadas. Todos temos culpa na questão da distribuição [de álcool].

[sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: Inclusive aquele que comprou o carro a álcool?

Maílson da Nóbrega: Não, eu também tenho carro a álcool e sofro do mesmo problema, já entrei em fila em Brasília, na semana passada.

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Mas o senhor é uma autoridade do governo...O cidadão contribuinte que comprou o carro a álcool  também é culpado por isso?

Maílson da Nóbrega: Não, quando eu digo todos, são aqueles que têm responsabilidade no processo.

Stephen Kanitz: Ministro, dizem que os problemas do álcool começaram quando o governo começou a segurar o preço do álcool para combater à inflação, no começo do governo Sarney e que durou a gestão inteira. Essa é uma parte do Ministério da Fazenda.

Maílson da Nóbrega: Essa é uma das razões, sem dúvida. Mas também há o fato de se ter autorizado uma exportação de açúcar, que poderia ter sido convertido em álcool. Vamos falar francamente! O programa do álcool [Pró-Álcool] tem que ser entendido como estratégia. Foi importante e ainda é importante como válvula de segurança, mas olhando de outro lado, ele é um problema, pois o preço do álcool está sendo influenciado pelo aumento de salário, pelo aumento de certos componentes, pelo custo de implantação de uma destilaria de álcool e assim por diante. Já o custo do petróleo depende do mercado internacional. Então sempre vai haver esse problema. O Pró-Álcool era viável no início, porque se imagina uma ascensão do preço do petróleo até chegar algo como cinquenta dólares por barril. Portanto, você não pode abandonar o programa, não só pela frota que a gente criou, mas pelos interesses legítimos em todo o programa, de destilarias, produtores etc. O programa vive uma fase difícil, decorrente da dificuldade do governo em elevar os preços do álcool, da cana a níveis compatíveis com rentabilidade que o setor achava razoável.

Frederico Vasconcelos: Ministro, o senhor está conseguindo chegar ao final do governo, mas houve, em um determinado período, uma pressão muito forte para que o senhor deixasse o ministério. Nunca vi o senhor falar abertamente sobre essa questão...

Maílson da Nóbrega: Frederico, em duas ocasiões, eu realmente pedi demissão do cargo, as pressões foram muito grandes. No entanto, foram dificuldades que puderam ser superadas, tanto é que fiquei no ministério até hoje.

Frederico Vasconcelos:O senhor não detalharia um pouco essa pressão?

Maílson da Nóbrega: Não, isso eu vou deixar para um livro.

[...]: Mas a sua queda chegou a ser manchete de jornal, ministro!

Maílson da Nóbrega: Eu sei...

Jorge Escosteguy: Ministro, nós agradecemos a sua presença hoje, aqui no Roda Viva, agradecemos aos nossos colaboradores, jornalistas convidados e telespectadores que fizeram perguntas por telefone. Muito obrigado, boa noite e até segunda-feira que vem, às nove e meia da noite. Até lá!

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