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Memória Roda Viva

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Sérgio Cabral

27/8/1990

Escritor, pesquisador de MPB e farejador de talentos musicais, o jornalista e vereador carioca fala de samba, política e futebol

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[Programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Rodolfo Konder: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. O convidado desta noite é o jornalista, escritor e vereador Sérgio Cabral. Para entrevistar Sérgio Cabral, estão conosco Kleber de Almeida, editor do Caderno de Sábado do Jornal da Tarde; João Carlos Botezelli, o Pelão, jornalista e produtor musical; Maria Luiza Kfouri, diretora da Rádio Cultura; Jimi Joe, editor de música do Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo; Roberto Ethel, diretor da revista Voice, e Ziraldo, cartunista e escritor. Sérgio Cabral Santos é carioca e tem 53 anos. Jornalista desde os 19 anos, especializou-se em música popular brasileira e foi um dos integrantes da patota do Pasquim. Seu interesse pela música começou com uma coleção de discos de Orlando Silva [(1915-1978), conhecido como o “cantor das multidões”, foi uma das mais belas vozes masculinas que o Brasil já teve], que pertencia a um tio. Mais tarde, estudou violão e piano e tornou-se compositor. Em 1982 candidatou-se a vereador no Rio de Janeiro e foi eleito. Sérgio Cabral também tem um extenso arquivo com vários documentos raros da música popular brasileira, entre eles, contratos do início da carreira de Noel Rosa. Sérgio Cabral acaba de lançar No tempo do Almirante: uma história de rádio e da MPB [Música Popular Brasileira], um livro que recupera os acontecimentos musicais do nosso país, desde a década de 1920. Boa noite, Sérgio Cabral.

Sérgio Cabral:
Boa noite.

Rodolfo Konder: Falamos aqui da sua atividade também como compositor. Quais foram suas músicas mais bem sucedidas como compositor?

Sérgio Cabral: Bom, a minha obra de compositor é pequena. Eu me tornei compositor graças a Rildo Hora [violonista, cantor, compositor, arranjador e produtor. É considerado o principal produtor-arranjador de samba e responsável pelos grandes sucessos de Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Grupo Fundo de Quintal, Beth Carvalho, Dudu Nobre, Dona Yvonne Lara e  outros grandes sambistas], que é um grande músico, um grande compositor, que aliás tem um filho chamado Ziraldo, em homenagem ao próprio, que está aqui. E o Rildo me convidou para ser parceiro e fizemos algumas músicas. Eu devo ter umas vinte músicas gravadas, a mais conhecida é uma chamada “Os meninos da mangueira”. [Começa a cantar]: “Um menino da mangueira recebeu pelo Natal, um pandeiro...

Ziraldo:
[interrompendo] Mas não é a melhor, hein. A melhor é aquela inédita, esqueceu?

Sérgio Cabral:
É, tenho, modéstia à parte, algumas boas, mas essa realmente foi um grande sucesso. Esta música – “Os meninos da mangueira” – foi a música mais executada no ano de 1976, disputando com “Moça” de Wando. E eu acho que nós ganhamos, não sei.

Kleber de Almeida: Sérgio, além de compositor, de pesquisador de música popular brasileira, você é também um dos mais conhecidos jurados dos desfiles de escolas de samba do Rio de Janeiro, portanto, uma das autoridades no assunto. Há alguns anos atrás, você deu uma entrevista ao Jornal do Brasil, se não me falha a memória, dizendo-se meio chateado com o ambiente das escolas de samba. Você chegava até a dizer que ela já era minada pela contravenção e já estava começando a ser minada também pelas drogas. Você continua pessimista com relação à escola de samba ou esse ambiente já melhorou? Qual é a sua opinião hoje?

Sérgio Cabral: Não, essa entrevista não era pessimista não, pelo contrário, é até otimista. E só uma retificação: eu nunca fui jurado de escola de samba...

Kleber de Almeida: [interrompendo] Dos desfiles de escolas de samba.

Sérgio Cabral: Não, eu nunca fui. Eu trabalho normalmente em televisão, cobrindo o desfile de escola de samba. Aliás eu sou o jornalista que há mais tempo cobre escola de samba em televisão. Eu cubro escola de samba na televisão desde 1962, com a antiga TV Rio, e cubro para jornal desde 1958.

Kleber de Almeida: Tem o Estandarte de Ouro [Troféu criado em 1972 pelo jornal O Globo para premiar os grandes destaques dos desfiles das escolas de samba do carnaval carioca] também, não é, de que você fez parte?

Sérgio Cabral: Fiz parte do Estandarte de Ouro, mas do júri propriamente oficial, eu nunca fiz parte. Naquela entrevista eu estava falando de um problema que a cidade do Rio de Janeiro estava enfrentando e que afetava a escola de samba. A propósito de uma pergunta sobre os bicheiros que estavam comandando as escolas, eu disse que os bicheiros comandavam algumas escolas, até a minoria e que... E eu recusava a esse bicheiro, autoridade para pontificar sobre samba como eles estavam pontificando, como estão pontificando; eles não têm essa autoridade, a não ser financeira. E eu estava preocupado realmente com a interferência do negócio do tóxico, porque a entrada do tóxico nesse mundo da marginalidade e tal quebrou um... Ela mudou a qualidade da história, mudou a qualidade de uma série de coisas. O tóxico acabou, por exemplo, com uma certa ética que havia entre a marginalidade, esse tipo de marginalidade e as instituições populares. Então, havia uma ética, por exemplo, entre o marginal e a escola de samba. O marginal poupava a escola de samba e até a protegia, como patrimônio do povo. O cara do tóxico não tem esse respeito, não tem essa ética, e a minha grande preocupação era essa realmente. E aí entra não só na escola de samba como de um modo geral... Enfim, é uma atuação muito desagregadora, terrível.

Maria Luiza Kfouri: E você acha que isso está interferindo na qualidade dos desfiles, dos sambas?

Sérgio Cabral: Não, felizmente não. Não chega a esse ponto. Não há nenhuma escola de samba que seja dominada por traficantes; isso não é verdade, não existe isso. Em certas escolas, por exemplo, os traficantes às vezes adotam um determinado samba, na briga pelo samba-enredo; adota por alguma razão que eu nunca entendi por quê,  já que não vai vender mais tóxico com aquele samba, não é? Ou enfim, porque querem o compositor...

Maria Luiza Kfouri: E esse samba costuma ser o samba escolhido ou não?

Sérgio Cabral: Não.

Maria Luiza Kfouri:
Não?

Sérgio Cabral: Não, e até é uma boa pergunta. Eu diria que não, não sei de nenhuma vitória deles nessa área, não.

Jimi Joe: Sérgio, está falando de samba, vamos continuar falando de samba. Quando eu tinha com uns 14, 15 anos, por aí, eu ganhei um disco de um tio meu, que chamava Rosa de Ouro, que tinha uma contra-capa escrita por você, assinada e tal. E foi o meu primeiro contato com o samba verdadeiro, que eu reconheci como um samba verdadeiro e autêntico. Eu queria saber de você em que pé está o samba atualmente no Brasil, como é que está o nosso samba?

Sérgio Cabral: Está bem, quer dizer, os grandes sambistas estão aí, estão fazendo samba e até estão se renovando, estão surgindo novos valores. Tem um cara chamado Zeca Pagodinho que é fantástico. Aliás, eu fico impressionado como a mídia brasileira é burra em relação aos acontecimentos culturais e musicais brasileiros. É impressionante como os jornais do Rio – eu vou falar só do Rio – só dão valor a esses caras, que realmente não tem, são os caras que fazem sucesso, a maioria de classe média e tal. E como esnobam um cara como o Zeca Pagodinho, que é rigorosamente um talento, é um sujeito de entusiasmar, fantástico! É um Noel Rosa dos anos 90. Fantástico! Além de cantar, é um carioca na acepção mais romântica, mais lírica, mais poética, mais musical da palavra. Mas tratam o Zeca Pagodinho como, sei lá, um suburbano e tal. Então o samba continua, os velhos sambistas estão lá produzindo e tal. Porém há um contraste entre a produção, a criatividade e a mídia. A mídia tem outros interesses, eu não vou nem discutir, não vou aqui bancar o idealista. Devia mudar [fala engrossando a voz]! É claro que devia mudar, mas eles têm outros interesses, eles precisam, enfim, (...) de lucro imediato, sei lá... E são burros, [fala com ênfase] são muito burros! Dos mais antros da burrice brasileira, estão as gravadoras.

Ziraldo: Ah, pensei que fosse o jornalismo, porque o jornalismo é que não divulga.

Sérgio Cabral: Não, o jornalismo também não sabe o que é.

Ziraldo: Tinha que investigar, tinha que pesquisar.

Sérgio Cabral: É verdade. Aliás não tem na imprensa carioca mais o... não tem mais o Sérgio Cabral, não tem. O cara que vai cobrir, não tem mais não.

Ziraldo: O cara que [...], não tem mais?

Sérgio Cabral: Não tem mais não, portanto está desempregado.

Ziraldo: De release.

Maria Luiza Kfouri: Sai no jornal o que chega em release, na mesa do jornalista.

Ziraldo: E o interesse. Quando é fofoca, esculhambação, eles adoram, mas para construir...

Sérgio Cabral: É verdade, nós estamos vivendo uma crise aí... Mas essa é uma das crises brasileiras, uma das muitas crises brasileiras.

Ziraldo: Primeiro, eu gostei muito de você ter usado, [o termo] recuperar em vez de resgatar, eu tenho pavor a essas palavras [...].

Sérgio Cabral: Ai, que bom! Eu também.

Ziraldo: Se mandar você resgatar, eu digo: eu e o Sérgio Cabral não resgatamos nada. Ele pega e sai. O negócio é o seguinte. Você falou que o samba está bom, aquele negócio todo, que os compositores estão aí. Essa coisa da ditadura da mídia, do jornalismo, que não descobre o Zeca Pagodinho. Por exemplo, o Márcio Souza [escritor amazonense, ver entrevista com Márcio Souza no Roda Viva] lançou um livro [O empate contra Chico Mendes] agora, há dois meses, sobre o Chico Mendes [(1944-1988), líder sindical e seringueiro, transformou-se em símbolo de luta pela preservação da Amazônia, o que lhe custou a própria vida], um livro importantíssimo. Aí tem um japonês que chegou aí agora, já deu vinte e tantas páginas de entrevista, ninguém sabe quem é, não tem a menor importância para a cultura brasileira. A Bienal está sendo coberta em cima desse sujeito, ele tem um livro chamado Onde está o Wally [série de livros para o público infanto-juvenil, criada pelo ilustrador britânico Martin Handford], quando 60% da renda da venda da Bienal do Livro é de livro infantil no Brasil e tal. Eles não descobrem. É aquela coisa: tem que vir com o aval do colonizador. Mas essa coisa da mídia mudou a história do carnaval brasileiro. Nós nos lembramos da época das grandes marchas: tinha o disco de meio de ano e o disco de carnaval. Você acha que o samba de carnaval e a marcha de carnaval – “A jardineira” [de Benedito Lacerda e Humberto Porto] e “Eu assisti de camarote ao seu fracasso” [O nome do samba é “Fracasso”, de Demônios da Garoa] – esses grandes sambas – “A Amélia” [“Ai que saudades da Amélia”, de Mário Lago] – estão mortos para sempre, perderam para sempre a guerra para o samba enredo?

Sérgio Cabral:
Não, eles não perderam para o samba-enredo, eles perderam antes do samba-enredo. Na verdade houve um.... Enfim para cada termo que vocês me perguntam, tem uma resposta que seria muito longa, eu vou tentar ser o mais breve possível. Na verdade houve uma crise na música de carnaval, já no início dos anos 60, 61. Você pode ver que já a partir desses anos, por exemplo, "Mamãe eu quero" passa a ser a música mais cantada.

Maria Luiza Kfouri: Acho que o último grande sucesso de carnaval feito assim foi o “Máscara Negra” [composição de Zé Keti], não é?

Sérgio Cabral: Foi o “Máscara negra”, em 1966, por aí.

Maria Luiza Kfouri: 1967.

Sérgio Cabral: É, foi a marcha-rancho, 1966, 1967, por aí. Mas houve poucas músicas junto com “Máscara negra”. Ainda na década de 50, eram lançadas mil, 1500 músicas em cada carnaval. Houve uma crise...

Ziraldo: [interrompendo] Mil músicas?

Sérgio Cabral: É. Houve uma crise, principalmente de divulgação, o funil apertou muito e aí os compositores se afastaram, porque entrou mutreta, entraram parcerias escusas. E os grandes compositores foram saindo do carnaval, e a música carnavalesca foi entrando em decadência. O samba-enredo só foi gravado no final da década de 60 e sem fazer sucesso. Na verdade o sucesso começa na década de 70 e aí ocupou realmente o lugar da música de carnaval.

Ziraldo: [interrompendo] Mas não foi imposto não, não é?

Sérgio Cabral: Não. O primeiro disco de samba-enredo gravado foi do Museu da Imagem e do Som. Era um disco de caráter cultural, de 1968, mais ou menos. Até porque havia um estatuto não escrito, que dizia o seguinte: “O samba-enredo não deve ser divulgado antes do carnaval”. Ainda na década de 50, as escolas de samba escondiam o seu samba para que as outras não soubessem. Então só depois... Todo o samba que era lançado em um ano fazia sucesso no outro ano. Só no início da década de 70 que lançavam o disco antes do carnaval, e aí a música carnavalesca já estava em decadência. Há muita gente que pensa que acontece isso, até velhos compositores acham isso.

Ziraldo: Mas a marcha e o samba de carnaval tomaram [...] não é? A marcha, nunca mais?

Sérgio Cabral:
Eu acho que não, eu acho que estão hibernados, eles vão voltar.

Ziraldo:
Essa é uma boa notícia.

[risos]

Sérgio Cabral: Eu tenho esperança.

Roberto Ethel:
Bom, fazendo a junção de samba e carnaval, você não acha que além da falta de compositores de samba carnavalescos, existe uma falta de novos intérpretes, tanto para cantar samba de carnaval, como samba em geral?

Sérgio Cabral: Não, o intérprete foi incrível, houve uma crise. Com a bossa nova, o compositor começou a cantar. Antigamente era só Ataulfo Alves e o Dorival Caymmi; eram os únicos compositores que cantavam e, mais antigamente, o Noel Rosa. Mas com a bossa-nova, eu não sei bem por quê, os compositores começaram a cantar e diminuiu o número de intérpretes. E você pode ver que são poucos; da década de 60 para cá, foram poucos os intérpretes brasileiros: Emílio Santiago, Jair Rodrigues. Com homens a gente tem dificuldades, mas com mulher não, mulher surgiu uma porção, mas homens foram muito poucos. Agora cantar carnaval é uma arte, não é qualquer um não.

Ziraldo: Mas tem bons cantores por aí.

Sérgio Cabral: Exatamente, exatamente. Mas não é qualquer um.

Ziraldo: No Brasil inteiro tem.

Sérgio Cabral: Aliás, houve tentativas, ainda na década de 60, de se lançar discos de carnaval com cantores modernos, e não dava certo, porque é uma arte. Aquilo tem que ser Emilinha Borba [(1922-2005), cantora que iniciou sua carreira na década de 1930 e fez parte do grupo dos cantores da chamada "era do rádio", fazendo enorme sucesso durante décadas]. Tem que saber cantar junto com o povo, é uma arte, isso aí não é para qualquer um não.

Pelão: Boa noite, Sérgio Cabral.

Sérgio Cabral: Grande Pelão.

Pelão: Cadê aquele menino que saiu de Cavalcante, filho da dona Regina e do seu Zé e virou um grande jornalista, virou um cozinheiro razoável, de poucos pratos, mais ou menos.

Sérgio Cabral: Não é verdade, não é verdade, sou um bom cozinheiro.

Pelão: Um homem de televisão, do show, vereador eleito pela segunda vez e que menininho saiu de Cavalcante e venceu o mundo. Soube por amigos nossos que você não é mais candidato à reeleição; soube outra coisa: você é o candidato a prefeito do Rio de Janeiro nas próximas eleições. Esse menino de Cavalcante vai tomar conta da cidade, como até hoje tomou conta das outras coisas muito bem?

Sérgio Cabral: Olha, Pelão, antigamente, se você tivesse feito essa pergunta há 15 anos, eu diria assim: é uma pena essa televisão não ser em cores, para ver como eu estou corado, [risos] de emoção por essa pergunta do Pelão. Eu quero dizer o seguinte. Eu não sou candidato realmente nesta eleição, o candidato é meu filho, Sérgio Cabral Filho, que é muito melhor que eu, mas dá de dez a zero.

Ziraldo: É verdade.

Sérgio Cabral: Está aí o Ziraldo que não me deixa mentir. Ele é muito mais competente, tem muito mais gosto, é muito melhor que eu.


Ziraldo: [interrompendo] Ele é melhor que o Serginho, ele fica danado da vida quando eu falo isso, mas...

[risos]

Pelão:
Não, mas ele é candidato agora?

Sérgio Cabral: Ele é candidato a deputado estadual agora.

Pelão: Não para prefeito.

Sérgio Cabral: Prefeito vai ser em 1992. Olha, Pelão, eu vou lhe falar. A minha intenção é... eu estou pensando o que eu vou fazer da minha vida. Eu, às vezes, penso em voltar ao jornalismo inteiro e largar a política. Mas o Rio de Janeiro é minha paixão e qualquer resposta que eu dê vai parecer que eu estou já fazendo campanha eleitoral para 1992, de maneira que eu prefiro encerrar por aqui.

Rodolfo Konder: Sérgio, nós estamos já recebendo vários telefonemas aqui, vamos dar um espaço aqui para os telespectadores. Inclusive há algumas perguntas sobre a sua atividade política. Por exemplo, o Jaime de Souza Marcos, do Jardim Bonfiglioli em São Paulo, pede para você explicar como, em menos de cinco anos, você passou por três partidos diferentes?

Sérgio Cabral: [rindo] É verdade, é verdade. Aliás ele foi econômico, na verdade são quatro [risos]. Eu fui, durante a ditadura ainda, na barra pesada, eu era do Partido Comunista Brasileiro, partido clandestino e pertenci a ele muito tempo. Aí veio a eleição de 1982 e eu me candidatei pelo PMDB, que era uma frente e tal, fui eleito pelo PMDB. Em 1985 surgiu o PSB [Partido Socialista Brasileiro], um grupo de pessoas com as quais eu tinha bastante identidade, e fui para o PSB. Em 1989, houve a eleição presidencial e foi candidato o Mário Covas, uma pessoa por quem eu tenho uma profunda e grande admiração, e, então, eu fui para o PSDB, estou nele e não saio mais, não adianta que eu não saio mais, não saio do PSDB [falando com ênfase].

Rodolfo Konder: Adriano Morato, de Perdizes, São Paulo, pergunta o que levou você a se candidatar. Foi basicamente a vontade de restabelecer a cultura carioca?

Sérgio Cabral: Olha, eu diria que foi. No avião, quando eu vim para cá, na ponte aérea, eu estava conversando com um grupo de pessoas, e a gente estava falando sobre Hong Kong. Por acaso um cara que estava lá tinha ido a Hong Kong e, como eu conheço essa cidade, fomos conversando sobre ela. Uma coisa que me apavorou em Hong Kong, quando você chega de avião, é que o avião vai descendo, aí você olha e você vê a Baía de Guanabara, é igualzinha, igualzinha ao Rio [de Janeiro]. E atrás da Baía de Guanabara, você vê a montanha que é o [morro de] Santa Teresa, só que o Santa Teresa de Hong Kong está coberto de prédios. É um horror! Parece um cemitério de arranha-céus – para usar uma antiga expressão, arranha-céus. E aí eu falei: “meu Deus do céu, isso aí pode acontecer com o Rio de Janeiro”. Então apresentei um projeto, que hoje é lei, que tornou Santa Teresa área de proteção ambiental. Não se pode mais mexer em Santa Teresa, porque tem uma lei que eu fiz e tal. Para fazer esse tipo de coisa é que eu fui, sou vereador, sem dúvida, sem dúvida.

Rodolfo Konder: Hélio Ribeiro, de Guaratinguetá, aqui de São Paulo, pergunta o que você acha da campanha da vereadora Regina Gordilho, objetivando – segundo ele – moralizar a Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Sérgio Cabral: Olha, eu nunca participei desse affair [caso] Regina Gordilho. Quero dizer que, na minha opinião, a Regina Gordilho foi uma péssima presidente da Câmara dos Vereadores, não fez nada para moralizar a casa. Na verdade ela preferia dar entrevista falando sobre isso, o que plenamente fazia. Até por questão de ética, eu não posso nem me aprofundar muito, porque eu estou em uma comissão de inquérito agora, que vai apurar uma série de coisas que ela andou fazendo e tal. Mas a minha opinião é que a Regina Gordilho não é isso que a mídia diz; a Regina Gordilho é uma invenção da mídia.

Rodolfo Konder: Irídio Soares, de Santo Amaro, São Paulo, pergunta o que você acha que está acontecendo com o Rio de Janeiro?

Sérgio Cabral: O Rio não é uma ilha da fantasia no Brasil. Houve uma crise no Brasil, resultado do modelo econômico, da ditadura, essa coisa toda que nós sabemos, e essa crise estourou no Rio. Por quê? Porque o Rio estava em um processo de esvaziamento em decorrência de atos que vão desde a mudança da capital até a fusão arbitrária e aquela loucura que fizeram. E o Rio recebeu muita gente. Para você ter uma idéia, em 1964, no ano do golpe, o Rio tinha quatrocentos mil favelados; agora o Rio tem mais de dois milhões de favelados. Isso é o quê? São pessoas que foram para o Rio de Janeiro que já não tinha condições, não tinha serviços para recebê-las. A qualidade de vida da cidade caiu muito. Mas eu lhe garanto que isso não é culpa dos cariocas, isso é culpa do Brasil. O Rio de Janeiro é uma vítima do Brasil, do modelo econômico que foi feito aí, que foi imposto e que acabou estourando na nossa querida e maravilhosa cidade.

Rodolfo Konder: Arnaldo Levi, do Bom Retiro, São Paulo, pergunta sobre a experiência do Pasquim. Por que não deu certo? É porque a imprensa de esquerda não tem espaço no Brasil? Eu até aproveito a pergunta dele, para pedir a você para contar aquela história que eu acho fantástica, do general que foi lá se encontrar com vocês para implantar a censura no Pasquim. [risos]

Sérgio Cabral: Eu não sei se o Ziraldo se lembra disso, mas é...

Ziraldo: [interrompendo] Mas como não deu certo?

Sérgio Cabral:
Não, o Pasquim deu certo, o Pasquim está aí até hoje...

Ziraldo: [interrompendo] Como é que não deu certo?

Sérgio Cabral: Está aí, aliás a primeira resposta é essa. O Pasquim está aí até hoje, está firme, graças a uma série de coisas, e principalmente pela ação do nosso general da banda, que é o nosso líder, o Jaguar [Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe (1932-), cartunista carioca e um dos fundadores do Pasquim]. Ele realmente está levando aquele jornal com grande paixão e grande talento. Mas essa história foi o seguinte. Na época da ditadura, época da censura e tal, nós tínhamos uma censora, uma senhora que foi afastada porque a censura lá achou que nós tínhamos embrulhado a mulher e tal. Na verdade tínhamos, não é, Ziraldo? [risos]

Ziraldo: Tinha envolvido.

Sérgio Cabral: Tínhamos envolvido a mulher. E aí nomearam um general...

Ziraldo: [interrompendo] Dona Marina [referindo-se à censora].

Sérgio Cabral: Dona Marina. Aí eles nomearam um general para tomar conta do Pasquim. Ele nos convocou para ir à Polícia Federal para falar sobre o assunto: censura. Aí fomos eu, o Ziraldo aqui presente e o Jaguar.

Rodolfo Konder: Que horas eram?

Sérgio Cabral: Oito horas da manhã. Naquela época nós não éramos de acordar cedo, mas fomos.

Rodolfo Konder: Agora vocês são, acordam cedo.

Sérgio Cabral: Bom, agora por obrigação, depois que virei político, eu sou obrigado a acordar cedo. Aí chegamos lá, e o general chamava-se Juarez Paes Pinto – ele já morreu –, ele era pai dessa moça que inspirou a música "Garota de Ipanema," a Heloísa [Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, mais conhecida como Helô Pinheiro]...

Ziraldo: [interrompendo] A verdadeira garota de Ipanema.

Sérgio Cabral: A verdadeira garota de Ipanema. E aí sentamos lá, eu, o Ziraldo e o Jaguar, veio o general, fechou a porta e falou assim: “Olha aqui, há duas coisas que eu sei fazer muito bem” – e nós olhando. “A primeira, montar a cavalo [risos]. Eu sou de cavalaria, mas eu, aos cinco anos, já montava a cavalo”. E desfilou lá o seu... e nós olhando. “A segunda coisa é trepar [risos]. Ainda ontem... e começou a contar uma história lá, e nós três ficamos olhando, nós...

Ziraldo: [interrompendo] A moça até chorou, lembra, ela chorava de emoção.

Sérgio Cabral: É exatamente, a moça chorava, exatamente.

Ziraldo: Ela chorava de emoção. [risos]

Sérgio Cabral:
Ela chorava de emoção.

Ziraldo: Ele era a cara do Steve McQueen [ator norte-americano].

Sérgio Cabral:
Exatamente, parecia general de filme americano, aquele bonitão e tal...

Ziraldo: [interrompendo] Lindíssimo.

Sérgio Cabral: Nós fomos à casa dele... De vez em quando eu ia lá para levar a matéria para censurar rapidamente, e na parede dele tinha uma porção de fotografias de mulher nua e tal. A última vez que eu vi esse general foi em uma fila de cinema. Eu estava com a minha mulher, ele veio e falou assim: “Você poderia comprar um ingresso para mim?”. Eu disse: “pois não, claro”. E comprei.

Maria Luiza Kfouri: Sérgio, vamos falar do livro?

Sérgio Cabral:
Vamos falar do livro.

Maria Luiza Kfouri:
Quanto tempo você passou escrevendo esse livro?

Sérgio Cabral:
Esse livro eu escrevi de maio de 1989... [retificando] Não, eu comecei a escrever em junho de 1989 a setembro, junho a setembro.

Maria Luiza Kfouri:
Era um projeto que a Livraria Francisco Alves bancou ou você fez sozinho e depois...?

Sérgio Cabral: Exatamente, eu escrevi sem ter idéia de que editora iria editar. Aí um dia, o Anselmo do Informe JB me ligou, querendo saber: “Como é, tem alguma novidade?” De vez em quando ele me pega ver se tem alguma notícia e tal. E aí eu falei: "ih, rapaz, estou sem nenhuma, agora eu só estou pensando no meu livro”. Ele falou: “Ah, você está escrevendo um livro?” Eu disse: “estou. O livro vai ser assim, assim....” Aí ele deu uma nota. Ele falou: “Já tem editora?” Eu falei: “não”. Aí saiu: “Sérgio Cabral está escrevendo um livro e não tem editora”. E a Editora Francisco Alves apareceu. Foi ótimo, estou felicíssimo nessa minha relação com a editora. E foi um livro que eu me apaixonei, sabe, me apaixonei. É um livro que me consumiu. Eu fico até sem graça de falar, eu gosto tanto desse livro. É porque eu mergulhei fundo; eu trabalhava de madrugada, eu... por várias razões, primeiro porque o Almirante...

 Ziraldo: [interrompendo] Você o conheceu primeiro?

Sérgio Cabral: É um cara que eu conheci pessoalmente e tal...

Maria Luiza Kfouri: [interrompendo] Só um minutinho. Você fala que de fato não faz isso no livro, isto é, que não coloca o Almirante em um pedestal, que ele é um ser humano, que você coloca na sua devida dimensão. Mas que ser humano, não é, Sérgio?

Sérgio Cabral:
Pois é. Há um tempo atrás, eu vim aqui na TV Cultura e dei entrevista ao [programa] Metrópolis. E aí me perguntaram sobre o Almirante, aí eu falei até do pai do Rodolfo Konder, de uma imagem do pai do Rodolfo Konder, que é uma grande figura chamada Valério Konder. O Valério Konder, pai do Rodolfo, que está aqui presente, era um cara que quando conversava, falava pausadamente; ele era catarinense e falava assim. Quando se empolgava, [começa a falar mais pausadamente] ele falava quase como se estivesse fazendo um discurso, mas falava assim. Então uma vez ele estava contando para mim e para o Maurício Azêdo [jornalista, foi repórter, redator, cronista, editor, chefe de reportagem, editor-chefe e diretor de redação de vários jornais, como Diário Carioca, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, entre outros], que hoje é meu querido amigo e colega vereador, o julgamento do Gregório Bezerra [líder pernambucano do Partido Comunista Brasileiro, preso durante a ditadura militar]. Porque o Gregório Bezerra foi preso e acusado de ter [causado] um incêndio, e ele foi preso no dia anterior ao incêndio, enfim, é um.... Bom, ele estava preso... Então, do julgamento, dizia o Valério Konder: “Estava eu e Azêdo e mais ninguém, estávamos nós dois, no fundo do tribunal, no corredor, quando surgiu a figura de Gregório Bezerra. E a cada passo que ele dava, ele ia crescendo, e dava o passo e crescia, e mais um passo e crescia, e cresceu tanto que quando chegou na sala do tribunal, era um gigante diante dos seus pigmeus acusadores”. E eu e o Azêdo ficamos tão empolgados que ficamos aplaudindo [bate palmas]. Pois bem, o nosso querido Almirante foi isso para mim. Porque o Almirante eu o conheci quando fui fazer uma reportagem com ele, no Jornal do Brasil em 1960; ele tinha sofrido um derrame cerebral e eu fui lá entrevistá-lo. Daí em diante passamos a ter contato. Eu recorria ao arquivo dele para fazer matéria, aquela coisa toda, fomos colegas no Museu da Imagem e do Som, no Conselho de Música Popular. Ele me honrou, em 1977, me convidando para ser autor do prefácio do livro dele sobre o Noel Rosa. Eu achava que o Almirante era uma grande figura, então, cheguei lá e, enfim, era aquilo que eu conhecia. Aquilo já era bastante para mim para eu fazer um livro. Mas, ao escrever o livro, aconteceu isso que o Valério Konder falava do Gregório Bezerra. A cada página, ele foi crescendo, foi crescendo, foi crescendo, foi crescendo, aí quando terminou era um gigante, diante do seu pigmeu biógrafo, era uma figura.

Ziraldo: Palmas [batendo palmas e rindo].

Sérgio Cabral: Eu fiquei tão fascinado por ele, que houve um dia, eu me lembro bem, uma madrugada, de domingo para segunda, eu saí da televisão, do programa de esporte que eu fazia lá no Rio, cheguei em casa e fui escrever. Qualquer tempo que eu tinha, eu ia escrever. Aí, eu estou escrevendo o livro e tal e me ocupo exatamente do momento em que ele sofreu um derrame cerebral. E esse derrame cerebral foi terrível, porque o derrame cerebral deixa as pessoas meio tortas, essas coisas; o dele não, mas atacou a fala, que era o seu único instrumento de trabalho. Aí, então, eu escrevi: “e acabou ali a carreira do maior radialista de todos os tempos, ponto”. Bom, quando eu escrevi isso – ponto – eu comecei a chorar, mas sem parar, e não parava; eu estava sozinho, a Magali estava dormindo, e não tinha mais ninguém em casa, e eu andava para lá e para cá, eu dizia: “meu Deus do céu, porque é que eu estou chorando? O homem já morreu, que loucura!” E eu ia para o banheiro, lavava o rosto, mas não parava de chorar. Eu até, tempos depois, encontrei com o João Ubaldo Ribeiro [(1941-), jornalista, escritor e roteirista de cinema. É autor de obras como O sorriso do lagarto e Viva o povo brasileiro] e contei essa história para ele, e o João Ubaldo disse: “Não, não liga não, eu choro até com morte de personagem meu”. Mas era uma paixão que eu estava, sabe, de ver ali, acabar a vida... E eu acho até que esse derrame cerebral foi um dos momentos mais ricos do livro, porque eu não digo isso, não afirmo, não ouso afirmar, mas eu acho que seria – abre aspas – um derrame cerebral cultural. Eu acho que o rádio dele estava acabando e ele percebia isso e eu dou os dados, de que ele percebia isso. Ele sofria muito com isso e acabou... Sabe, aquilo de atacar a fala é muito sintomático... Sei lá, mas eu não tenho muita base científica para entrar fundo nisso.

Maria Luiza Kfouri: Mas você teve a sorte de ter o próprio arquivo do Almirante para recorrer, durante...

Sérgio Cabral: [interrompendo] Sem dúvida, tive o...

Maria Luiza Kfouri: A gente que trabalha com música brasileira – eu trabalho fazendo programas sobre intérpretes e tudo mais – a dificuldade que a gente tem aqui no Brasil para fonte...

Sérgio Cabral: [interrompendo] Eu tenho experiência. Esse é meu quinto livro. Eu escrevi um livro sobre escolas de samba; a escola de samba então era uma loucura. Mas é muito difícil. Eu tive essa sorte, o Almirante se preparou para fazer a biografia de todo mundo, tanto que ele queria fazer um dicionário de músicos brasileiros. Fez um arquivo e se preparou também para ser biografado. Então ele guardou tudo, ele anotou tudo, e eu tive a ajuda da viúva dele, dona Ilka [Braga Foreis], que é uma pessoa emocionantemente bela, maravilhosa! Ela foi maravilhosa para mim, então isso me ajudou muito. Tem um negócio do livro, por exemplo, que é bem sintomático do cara que se prepara para ser biografado, que é o episódio dele com o Flávio Cavalcanti [jornalista e apresentador de rádio e televisão]. Ele brigou com o Flávio e tal, invadiu o programa do Flávio, porque era ao vivo, e esculhambou o programa do Flávio todo. Tinha um roteiro lá; orquestra, locutores, mulheres, cantores, aquele negócio todo, júri. E ele entrou no programa e ficou brigando, disputando o microfone, ele já com derrame. E ele teve o cuidado de gravar esse programa, porque na época não tinha vídeo cassete, ele gravou só o som, e eu tenho esse programa, está no livro esse programa. Mas ele queria ser bem... ele queria guardar tudo e me ajudou bastante. [Almirante defendia que o samba “Pelo telefone” era uma criação coletiva de sambistas que eram amigos, e não somente de Donga, que freqüentavam a casa da Tia Ciata, tradicional ponto de encontro de personagens do samba carioca, na Praça Onze (RJ). Flávio Cavalcanti, por sua vez, teimava que o samba era de autoria de Donga]

Ziraldo: Arquivista.

Sérgio Cabral: É arquivista.

Rodolfo Konder: Sérgio, tem algumas perguntas aqui em relação a sua atividade como cronista esportivo. O Elias Júnior, por exemplo, de Perdizes, São Paulo, pergunta quando o jornalista esportivo Sérgio Cabral vai derrotar o político Sérgio Cabral? Eu vou ler as perguntas, as quatro perguntas na área esportiva e depois você responde. Nelson Oliveira, de Santa Cecília, São Paulo, pergunta: “Como é possível tirar do futebol brasileiro os maus dirigentes?”. Norberto Correia, do Alto da Lapa, São Paulo, pergunta: “Como um grande vascaíno como você tem o sonho de algum dia vir a ser o presidente do Vasco, ou se você pretende fazer algo para melhorar o esporte brasileiro?”. E ainda temos aqui, também na área de futebol, Jorge Vider, dos Jardins, de São Paulo, a pergunta: “O que você achou daquele vexame da volta ao campo, e o que acha da atitude do Eurico Miranda em relação às tradições vascaínas?”

Sérgio Cabral: Bom, aí tem resposta para burro, vou ser o mais resumido [possível]. A primeira pergunta do Elias Júnior, será que é o nosso Elias Júnior, repórter da TV Bandeirantes?

Rodolfo Konder: Eu acho que sim.

Sérgio Cabral: Maravilha, um beijo [manda um beijo para ele], Elias, maravilha. Bom, o jornalista não tem conflito com o político, está tudo bem. Os dois convivem muito bem, de maneira que não se preocupe, Elias. Agora você [falando com Rodolfo Konder] tem que me lembrar... O negócio dos cartolas...

Rodolfo Konder:
[interrompendo] Como se livrar dos maus dirigentes?

Sérgio Cabral:
A gente projeta um Brasil ideal, um Brasil que tenha políticos ideais, que tenha cartolas ideais. Mas lamentavelmente, meu querido, nós somos assim, a nossa sociedade é assim. Esse Brasil que a gente pensa, um Brasil que tenha só políticos honestos... Um dia eu estava num lugar e um sujeito me perguntou: “Por que é que esses calhordas vão todos para a política?”. Ele falou de um jeito que me pareceu agressivo, inclusive em relação a mim. Eu falei: “rapaz, a minha visão da política é da Câmara de Vereadores do Rio. Lá tem calhorda, tem gente honesta, tem trabalhador, tem gente séria, tem gente competente, tem canalha, tem desonesta. Vocês todos estão representados”. Não é verdade? A gente pensa que...  E vou dizer mais, agora eu vou fazer uma afirmação difícil de ser feita: tem cartola direito, tem cartola honrado, tem cartola que quer trabalhar, tem cartola respeitável, tem cartola que a gente pode discordar até dele, da atitude, mas são pessoas que não estão lá enriquecendo, estão lá porque gostam de esporte...

Rodolfo Konder:
[interrompendo] E em relação ao Vasco, você tem algum sonho em relação à direção do Vasco? E o Eurico Miranda...

Sérgio Cabral: [interrompendo] Olha, o Vasco é o seguinte. Eu costumava dizer que o meu sonho de vida era o seguinte: ser prefeito do Rio de Janeiro e presidente do Vasco.

Ziraldo:
[interrompendo] Não, quando você era menino era ganhar na loteria para comprar o maior time do mundo para o Vasco. [risos]

Sérgio Cabral: Exatamente. Aí eu podia morrer, sendo prefeito do Rio de Janeiro e presidente do Vasco, tudo bem, já posso morrer. Mas em relação à loteria, que o Ziraldo lembrou, é verdade, eu sonhava que comprava time, comprava time para o Vasco. Mas acabou esse sonho, porque uma vez a Cotinha
, que foi mulher do Zé Carlos Azevedo, fez meu mapa astral – foi uma coisa longa, minuciosa – e concluiu o seguinte. Ela disse que quando eu morresse, [retificando] quando eu morrer – estou parecendo até o Roberto Marinho, “quando eu morresse” – que acha que não vai morrer [risos] – quando eu morrer. Aliás o Roberto Marinho que disse: “Se eu morrer”.

Ziraldo: [interrompendo] Se eu morrer, é.

Sérgio Cabral:
“Se um dia eu faltar”, citando Roberto Marinho. Mas quando eu morrer, vou estar muito bem de vida e rico. E isso aí, no lugar de ser uma boa notícia, foi uma péssima notícia, porque eu passo a associar dinheiro com a morte. Então eu não quero dinheiro, eu não quero, eu não quero, não adianta, não jogo em loteria e tal. Eu sou condenado a ser um político honesto, não quero, não adianta, não quero dinheiro, tenho o meu salário e tal. O meu sonho de consumo agora é ter um sitiozinho para plantar...

Rodolfo Konder: E quanto à volta ao campo do Vasco, o que você achou?

Sérgio Cabral: Aquele é o lado que eu não gosto de futebol, porque é um lado que vai além do próprio jogo, vai além da disputa. Não é bem o jeito que eu gosto, eu gosto de futebol. Aí quando entra o negócio da justiça, que o regulamento diz isso, o regulamento diz aquilo, eu não gosto, eu acho tudo uma besteira. Sobre isso aí eu não tenho nem o que dizer.

Pelão: Sérgio Cabral, qual é a sua escola de samba?

Sérgio Cabral: Em Cima da Hora, [do bairro carioca] Cavalcante.

Pelão: Está certo, depois de Zuzuca [Adil de Paula, conhecido como Zuzuca do Salgueiro] e de Jair [Rodrigues] e Evaldo Gouveia, o samba-enredo acabou?

Sérgio Cabral: Não, entrou em crise. Agora, particularmente, está em crise...

Pelão: [interrompendo] Entrou da época?

Sérgio Cabral:
Não. [mostra-se hesitante] Entre esses sambas e a data de hoje, foram lançados alguns bons sambas. "Os sertões", por exemplo, é de 1976, depois desses sambas. Mas, hoje, há um apressamento no andamento do samba, que está tirando dele todas as sutilezas, tanto na gravação, quanto no desfile, principalmente no desfile, e aí é um horror.

Roberto Ethel: Você acha que esse apressamento tem a ver com a transmissão da TV? Você acha que as TVs estão forçando isso?

Sérgio Cabral: Essa é uma boa pergunta. Não sei. Será? A aceleração do andamento não tem a ver com a TV não, tem a ver com aquilo que o Ziraldo falou. Quando o samba enredo substitui a música de carnaval, ele substitui o samba e a marcha. Há samba enredo aí que você acompanha no ritmo de marcha, não é?

Roberto Ethel: Porque a percussão está cada vez mais forte, não é?

Sérgio Cabral: Mais forte e menos sutil. Você não vê na bateria da escola de samba mais, desapareceu o pandeiro, você não ouve mais, a cuíca desapareceu.

[sobreposição de vozes]

Maria Luiza Kfouri:
Dá a sensação de que, daqui a algum tempo, eles vão entrar com a bateria eletrônica.

Sérgio Cabral: O tamborim mesmo só tem aquela batida, tá, tá, rá, rá... tá, tá, rá, rá .... tá, tá, rá, rá, sabe aquela coisa, tudo igual, todas as escolas de samba fazem isso.

Roberto Ethel:
Tem aquelas varas de tamborins, fica uma...

Sérgio Cabral: É, então isso...

Maria Luiza Kfouri: E o samba não está muito grande também, muito extenso, para atender às diversas varas, o tamanho da escola.

Sérgio Cabral: Já era grande, antigamente ele era grande.

Maria Luiza Kfouri: Ultimamente eu o acho maior do que era.

Sérgio Cabral: Alguns são, mas não é o tamanho não; alguns são maiores e outros menores, o tamanho do samba não alterou muito não. A aceleração do andamento é que... A transformação do samba-enredo em marcha é um crime contra a música popular brasileira e contra o Rio de Janeiro.

Jimi Joe: Quando é que começou isso aí assim mais exatamente?

Sérgio Cabral:
Isso foi uma coisa da década de 80.

Rodolfo Konder: Sérgio, o Juca Kfouri [importante jornalista esportivo], o nosso querido Juca Kfouri...

Sérgio Cabral: Grande Juca.

Rodolfo Konder: ... telefonou.

Sérgio Cabral: Que honra!

Rodolfo Konder: ... para pedir a você...

Sérgio Cabral: Telespectador ilustre.

Rodolfo Konder: ... contar duas histórias. Ele diz primeiro para você contar o caso da visita do Antônio Maria [(1921-1964), jornalista, compositor, cronista, locutor esportivo e produtor de rádio. De sua grande produção musical, na maioria canções tristes de dor-de-cotovelo, destaca-se "Ninguém me ama"] 
ao Ary Barroso, que estava morrendo, e depois pediu para você contar a história de quando o Brasil perdeu da Itália em 1982, na Espanha, o que foi que o menino de Barcelona disse para você?

Sérgio Cabral: Grande Juca.

Ziraldo: O Sérgio é um grande contador de caso, ele segue só contando caso, é um tipo que está acabando um caseur.


Sérgio Cabral: É, eu sou um sujeito que gosta de contar caso, adoro contar, até porque os guardo. Mas esse do Antônio Maria com o Ary Barroso... O Ary Barroso, vocês sabem, é um sujeito que tem um mau humor engraçadíssimo. Tem até o Ruy Castro que está fazendo sucesso, está com um livro agora, que fala sobre o bom humor do mau humor [O melhor do mau humor]. O nosso Ary Barroso é muito engraçado. Ele se queixava da vida e você caía na gargalhada. Ele era muito engraçado, muito espirituoso. E ele não perdoava o Antônio Maria, pelo sucesso "Ninguém me ama," porque ele achava um horror. O Ary Barroso, então, teve cirrose. Imagine, o Ary Barroso, mau humorado e ainda com cirrose, na cama, magrinho, barrigudinho, de pijama, deitado. O Antônio Maria foi visitá-lo, sentou-se na cabeceira, e o Ary Barroso disse assim: “Maria, na sua opinião, qual é o meu maior sucesso?” O Antônio Maria falou: “Sei lá, "Aquarela do Brasil”. “Então canta "Aquarela do Brasil”. "Sei lá, Ary, que besteira eu vou cantar? Eu, hein...” “Canta, atende o pedido de moribundo!” “Tá legal. [cantando] Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato...”. “Está bom, está bom. [imitando o jeito e a voz de Ary Barroso] Agora pergunta para mim qual é o seu maior sucesso?” “Está bem, qual é o meu maior sucesso?” “Ninguém me ama. Agora peça para eu cantar”. “Canta, Ary”. “Não sei”. [risos] [Ary Barroso] Planejou tudo na cama.

[risos]

Ziraldo: Crueldade.

Sérgio Cabral: E a outra história é a do...

Rodolfo Konder: [interrompendo] Do menino de Barcelona.

Sérgio Cabral: Do menino de Barcelona. Isso eu vivi, convivi lá com o Juca, eu estava junto lá. Faltava um minuto para acabar o jogo, a Itália vencendo, o Brasil eliminado e eu arrasado, porque eu era encantado por aquela seleção, eu estava certo de que o Brasil seria campeão do mundo. E aquilo foi um golpe violento, foi como perder um amigo querido, foi realmente uma dor danada. E eu saí do campo, o hotel na época era do Globo, a redação do Globo era dentro do hotel, e a gente estava lá perto, dava para ir a pé. E eu fui andando e me vi sozinho, o jogo ainda estava acabando lá, eu já estava livre da multidão, me vi sozinho e chorei. Falei “ninguém está me vendo”, e eu estou chorando. E chorava mesmo, chorava sem nenhuma vergonha.

Ziraldo: Chorão.

Sérgio Cabral: Chorão, eu sou chorão. Eu tinha um crachá aqui [aponta para o lado esquerdo do peito], todo mundo via que eu era brasileiro, porque nele tinha as cores verde e amarelo. Aí um garoto – eu nem vi o garoto – me chamou, e quando olhei, ele falou assim: “Olha, não chora não, vocês tem o melhor café do mundo”. Aí ele mostrou um outdoor que tinha o Pelé com o IBC assim, “Café do Brasil”. [risos] Eu falei “tá, obrigado, gracias".

Rodolfo Konder: Bom, vamos agora fazer um pequeno intervalo e voltamos em seguida com o Roda Viva.

[intervalo]

Rodolfo Konder:
Voltamos aos estúdios aqui da TV Cultura, apresentando mais um Roda Viva. O convidado desta noite é o jornalista, escritor e vereador Sérgio Cabral. Sérgio, vamos dar segmento aqui a algumas perguntas dos telespectadores. O Roberto Simão, por exemplo, de Pirituba, São Paulo, pergunta o que é que você acha das perspectivas do carnaval em São Paulo, agora com a construção do sambódromo.

Sérgio Cabral: Eu queria conhecer mais, eu conheço pouco o carnaval de São Paulo. Eu morei em São Paulo em 1972. Inclusive, a partir daí, eu passei a ter até contatos com o pessoal de escola de samba daqui, tenho alguns amigos, inclusive o Pelão me ajudou muito nesses contatos. Mas eu não conheço bem o negócio de sambódromo aqui. A escola de samba, na verdade, se transformou. O que é a escola de samba? A escola de samba é um agrupamento, é uma forma de brincar o carnaval. Há várias formas de se brincar o carnaval; você pode brincar o carnaval no salão, pode brincar na rua; tem os ranchos carnavalescos em que se podia brincar, tem os cordões, os blocos e tinha a escola de samba. A escola de samba foi absorvendo todas as coisas das outras manifestações, ela pegou das grandes sociedades, que é uma manifestação centenária, no Rio de Janeiro, surgiu lá em 1860 e pouco, e pegou as alegorias, os carros alegóricos, pegou a estrutura dos ranchos e agora pegou a música do carnaval. Pegou todo o carnaval, sintetizou e foi acrescentado pelo trabalho dos chamados carnavalescos, dos artistas. O artista de escola de samba é uma figura tradicional no carnaval; Joãozinho 30 [famoso carnavalesco, começou sua carreira no Salgueiro, passando depois por várias escolas de samba como Beija-Flor - onde consolidou sua fama - Viradouro e Vila Isabel] não é uma invenção de agora não, a primeira escola de samba tinha o seu carnavalesco, aliás acabou por causa de uma briga com o carnavalesco. Então aquela manifestação puramente carnavalesca foi se transformando – e eu digo sem nenhum medo de estar exagerando – em uma linguagem de arte. Eu acho que é uma nova maneira de você mostrar arte na escola de samba. É um conjunto de coisas que tem dança, música e tem aquela beleza visual, aquela criatividade, uns melhores, outros piores etc. Então isso se transformou em um grande espetáculo que acontece no carnaval. São Paulo tem escola de samba, tem uma boa escola de samba, por sinal, tem gente que sabe fazer música, tem tudo, tem todos os ingredientes. Enfim pode ser um grande acontecimento, pode ser uma coisa que vai animar o carnaval de São Paulo, sem dúvida nenhuma, até porque, como dizia Vinícius de Moraes [(1913-1980) poeta, cantor e compositor de inúmeras canções de amor, foi um ícone da boemia carioca], num samba chamado, “Mulher carioca”, o paulista tem a "erva" não é? Ele tem grana, então vão fazer, realmente, sem dúvida, um espetáculo.

Ziraldo: Não é mais o trio?

Sérgio Cabral: Não, depois ele se corrigiu, o Vinícius se corrigiu.

Ziraldo: O Sérgio está falando de escola de samba e tudo mais, mas eu queria que ele falasse mais de si mesmo. Eu sei tudo da vida dele, eu sou compadre dele e tal, mas eu gostaria de mostrar mais, de exibir um pouco mais o Sérgio para os meus amigos. Eu queria perguntar: Sérgio, honestamente, quem que é mais moderno: Sérgio Cabral ou Sérgio Cabral Filho?

Sérgio Cabral: [risos] Bom, é o Sérgio Cabral Filho, sem dúvida é o Sérgio. Aliás o Sérgio Cabral Filho tem a seguinte qualidade: ele é um jovem, tem o comportamento de qualquer jovem, tem a reação de qualquer jovem, mas tem um amadurecimento que eu nunca tive. Ele vê as coisas, ele é um sujeito muito sensato para ver as coisas, ele é grave ao analisar as coisas, sem perder a jovialidade. E é um cara que olha para frente e tal, o Sérgio Cabral Filho é um grande brasileiro.

Jimi Joe: Aproveitando esse mote da modernidade que o Ziraldo levantou aqui, eu queria saber qual é a sua visão sobre a MPB [Música Popular Brasileira], no caso. Eu acompanho seu trabalho há muitos anos também, e sempre foi uma coisa que eu notei que era diferente um pouco daquela visão que o [José Ramos] Tinhorão [expressivo historiador da música e cultura brasileira.Ver entrevista no Roda Viva] tinha. Teve uma época em que o Tinhorão tinha o famoso radicalismo exacerbado [criticava tudo que tinha influência externa e, por isso, levantou barreiras contra os movimentos musicais dos anos 60 e 70, que ele considerava contaminados pela cultura norte-americana, como a bossa nova e o tropicalismo].

Maria Luiza Kfouri: [interrompendo] O Tinhorão era o agente da CIA, não é? [risos]

Sérgio Cabral: Aliás, foi uma pergunta sobre nossa amizade, eu e o Tinhorão somos amicíssimos, mas ele aproveita um momento qualquer e diz: “Você um dia disse que eu era agente da CIA”. [risos]

[risos]

Ziraldo:
Por que isso, Sérgio Cabral?

Sérgio Cabral:
Depois eu te conto.

Jimi Joe: Como é a sua visão da MPB atual, do panorama que está agora? Você acusaria, vamos dizer, o rock ou a lambada, alguma coisa assim, de estar ...

Sérgio Cabral: Outro dia eu fui ver um show de uma moça chamada Itamara... Qual é o sobrenome?

Ziraldo: Taxman?

Sérgio Cabral: Taxman, não, Taxman é atriz. Ela é cantora, Itamara... Qual o sobrenome? Co... Cococ.... [tentando lembrar-se] Bom, então você não conhece, ela é nova.

Ziraldo: Eu não conheço.

Sérgio Cabral: [fala com bastante ênfase] Olha, não percam, não percam que é fantástica, fantástica! Eu fui ver um show dela num bar chamado Mistura Fina.

Ziraldo: É no Rio?

Sérgio Cabral: É. [com ênfase] Fantástica, fantástica! Canta bem, se coloca bem no palco, é bonita, é simpática, tem empatia. Tem um repertório sensacional porque, além das músicas que canta normalmente, ela pegou todas as músicas feitas pela dupla sensacional Guinga e Aldir Blanc. Sensacional!

Ziraldo: [interrompendo] Um pequeno detalhe, hein. Essa moça está feita na vida, porque toda a vez que Sérgio Cabral descobriu alguém – Martinho da Vila, Paulinho da Viola – são por aí as pessoas das quais ele foi o primeiro a falar. Você está feita, hein, minha filha!

Sérgio Cabral: Mas aí eu falei para ela: “Olha, meu amor, eu não escrevo sobre música popular, não produzo crítica e tal, desde 1979. Você está me dando vontade de escrever. Então, você pergunta assim: “o que é que você acha destas músicas: rock, lambada. Essas músicas não me dão vontade de escrever. É uma música que não tem nada a ver comigo, eu não conheço, não gosto, não gosto nem desgosto, é uma coisa que tem aí. Eu nem ouço rádio mais, porque eu não gosto, a música não me diz nada. Agora essa moça, Itamara, eu gostaria, eu estou sendo tão sincero, estou esquecendo o sobrenome dela, que é...

Ziraldo: [interrompendo] Ary Barroso uma vez expulsou o cantor, hein.

Sérgio Cabral: C, O, O, C, O, K, ... [soletrando]  Itamara, você me perdoe, meu amor. Esqueci o sobrenome dela.

Ziraldo: Ary Barroso olhou para o cara e disse: “E o autor?”. Ele disse: “Esqueci”. E o Ary: “Então não vai cantar”.

Sérgio Cabral: Aliás, do Ary Barroso tem uma história do sujeito que chegou lá e disse assim: “Vou cantar tal música”. “De quem é?” “Vinícius de Moraes”. Aí ele perguntou: “E o Tom [Jobim]?” O cantor responde: “Dó maior”.

Maria Luiza Kfouri: Você acompanha música instrumental, essas gravações independentes, ou essas gravações que saem pela Kuarup, a [
...]?

Sérgio Cabral: Depende, quando posso, eu acompanho. Eu gosto muito, eu tenho esse defeito, sabe? Eu sou, o negócio de brasileiro, essas coisas... Eu gosto muito de choro. Choro para mim é tudo. Se me dissessem: só vai restar uma música para você ouvir, agora. Está proibido, está preso e só pode ouvir um tipo de música. Qual você quer? Eu diria: eu escolho o choro.

Kleber de Almeida: Eu acho que você é um grande conhecedor de jazz e de música clássica também.

Sérgio Cabral: Adoro, adoro.

Kleber de Almeida: Mas esse tipo de música não ocupa?

Sérgio Cabral: Ocupa muito. Aliás eu ouço, eu sou um ouvinte de discos agora. Eu não ouço muito rádio. A rádio FM inclusive me dá um... essa rádio FM de moda, que está na frente na audiência, essas são insuportáveis, porque as músicas são americanas, ou quando não são americanas, são americanas cantadas em português e os locutores estão falando inglês! [fala com ênfase] Até a primeira vez que eu ouvi, eu pensei que fosse um novo método de ensinar inglês. Eu vi que era um método assim, áudio-colonial, um método novo aí deles. Um horror! Então eu ouço discos, ouço essa música, ouço muito de jazz, eu gosto muito de jazz.

Maria Luiza Kfouri: Se você pegar a Cultura AM aqui de São Paulo, vai ouvir música que você gosta.

Sérgio Cabral: Cultura AM?

Maria Luiza Kfouri: É.

[sobreposição de vozes]

Ziraldo: [...], a universidade tocando hoje chorinho no rádio também, Rádio Universidade.

Sérgio Cabral: Eu ouço muito a Rádio Jornal do Brasil.

Pelão: O Sérgio, voltando ao seu querido livro, fantástico livro, aquele rádio que nós tínhamos do [Geraldo] Casé [(1928-2008), profissional do rádio, produtor, diretor de espetáculos infantis, escritor, compositor e cartunista. Foi o diretor da série “Sítio do pica-pau amarelo”, adaptada para TV, da obra de Monteiro Lobato],
e de tantos outros, só ficou uma pessoa aí para nos contar, inclusive a história, e está no arquivo até, hoje, que é o nosso querido Paulo Tapajós [(1913-1990), cantor, compositor, radialista e pesquisador de MPB]. Quem mais? Conte como era aquele clima que tinha o Casé, que num dos programas dele – só para humilhar um pouco e para quem não comprou o livro ainda querer comprar para ler.

Sérgio Cabral: Não, aliás, um dos capítulos que eu mais gosto no livro, é um capítulo que eu fiz sobre o programa Casé, que é um levantamento. Eu entrevistei o Ademar Casé, ele está com 88 anos, saudável, bela figura, que é pai de Paulo Casé, Geraldo Casé, avô da Regina Casé. Mas o programa dele inovou muito o rádio, na década de 30, foi a TV Globo dos anos 30, no rádio do Rio de Janeiro. E foi a primeira manifestação, o chamado rádio broadcasting, o rádio de grande elenco, e que foi o rádio que reinou durante muitos anos, teve a sua grande expressão na Rádio Nacional, que era uma rádio com grandes orquestras, grandes atores, rádio-atores, apresentadores etc. Aquela crise a que eu me referi no início e que resultou, provavelmente, no derrame cerebral do Almirante, foi exatamente o fim desse rádio. Mas era um rádio extremamente criativo, esse rádio produziu criadores, que eu não conheço. Claro, eu não vou ficar saudosista aqui, dizendo que hoje não tem mais, claro tem; tem uns caras que fazem novelas, são uns craques, eu não vou nem negar.

Pelão: [De] Novela, Lamartine [Babo (1904-1963), cantor e compositor carioca de humor refinado e irreverente, autor de marchinhas de carnaval e de hinos de diversos times de futebol do Rio de Janeiro].

Sérgio Cabral: Não, criadores, produtores de rádio lançaram. Haroldo Barbosa [jornalista, compositor e humorista], Sérgio Porto [
cronista, escritor, radialista e compositor brasileiro, mais conhecido por seu pseudônimo Stanislaw Ponte Preta] Antônio Maria, o próprio [humorista] Chico Anysio [ver entrevista com Chico Anysio no Roda Viva], Paulo Tapajós...

Pelão: [interrompendo] Paulo Gracindo [(1911-1995), ator de radionovela e telenovela. Celebrizou-se com sua atuação na série “O bem amado” da Rede Gloco de Televisão].

Sérgio Cabral: Paulo Gracindo. Esse tipo de... eu não vejo... quer dizer, pelo menos não me chama a atenção um time tão... Max Nunes [médico de formação, acabou tornando-se um dos maiores humoristas brasileiros], rapaz! Max Nunes é... Quem ganhar do Max Nunes tem que ser estátua, porque ele é um craque, é um sujeito extremamente competente, talentoso. Isso é produto do rádio, de maneira que... Mas mudou, o rádio hoje mudou, não está nem pior nem melhor, não vou nem dizer, mas o rádio mudou.

Roberto Ethel: Você acha que esse rádio que você colocou no livro faria sucesso hoje, esse tipo de fazer rádio, esse modo de fazer rádio?

Sérgio Cabral: Não, eu creio que não. Eu acho que ele acabou, porque chegou a hora dele. A televisão o absorveu. Tanto é que, em 1958, quando o Almirante teve o derrame, esse grupo de que eu falei, Sérgio Porto, Antônio Maria, Max Nunes, Haroldo Barbosa, esse time já estava na televisão, ela já tinha absorvido esse pessoal.

Roberto Ethel: Porque hoje, mais que nunca, a tecnologia eletrônica que as rádios têm à disposição daria para fazer grandes programas, mais do que nunca, e isso não é feito.

Sérgio Cabral: Não com essa...

[...]: Com essa criatividade.

Roberto Ethel: Com essa estrutura.

Kleber de Almeida: Sérgio, poderíamos falar talvez sobre um outro programa que o Almirante tinha no rádio, que era um programa fantástico para a divulgação do folclore brasileiro.

Sérgio Cabral: O Almirante foi um dos maiores divulgadores do folclore. O Almirante possivelmente... Eu vou lhe fazer a seguinte afirmação: o Almirante foi um dos cinco maiores folcloristas brasileiros. Sabe por quê? Porque ele recolheu – aliás um dos programas dele era chamado Recolhendo o folclore. E ele aproveitava a força do rádio... Aliás o segredo do Almirante foi este: os programas dele eram feito com a ajuda dos ouvintes, sempre, todo o programa dele tinha a ajuda dos ouvintes. E no negócio do folclore, ele recolheu um manancial de informação, de manifestação, que é o maior! Porque quem lê o livro, vê o... [Luís da] Câmara Cascudo [(1898-1986), grande ensaísta com mais de cem títulos entre livros, traduções, opúsculos e artigos, destacando-se, ainda, como o antropólogo das superstições, etnólogo dos costumes, sociólogo do açúcar e historiador dos gestos] recorria a ele. Eu estou falando do maior folclorista da história do Brasil, que recorria a ele. Renato de Almeida [pesquisador do folclore e da música brasileira], outro luminar, recorria a ele, perguntando: “Vem cá, Almirante. Isso quer dizer isso?”. Perguntando mesmo, considerando o Almirante como mestre. E o Almirante era muito cuidadoso, ele reproduzia isso com muito cuidado, com muita exatidão. Eu até digo no livro, naquela época não tinha fita cassete, as pessoas que mandavam coisas, mandavam música escrita. Imagine se fosse possível agora ele fazer isso, com fita cassete e tal; fita cassete não, agora é com vídeo. Que levantamento fantástico desse acervo que o Brasil tem e que é desprezado, que é a manifestação do povo, musical, das danças.

Maria Luiza Kfouri: Inclusive a história da autoria da [canção] “Luar do sertão”  foi ele que botou nos devidos lugares, não foi?

Sérgio Cabral: Foi ele quem botou, exatamente.

Rodolfo Konder: Sérgio, você vai fazer o lançamento do livro, agora, na Bienal?

Sérgio Cabral: Eu vou à Bienal amanhã, estarei lá às oito horas da noite. Aliás, eu queria convidar meus amigos aqui de São Paulo, vão lá, eu quero ver vocês, vão lá ver, amanhã às oito horas da noite, no stand 51, é o stand da Francisco Alves. Estarei lá autografando o livro No tempo de Almirante: uma história do rádio e da MPB.

Rodolfo Konder: Sérgio, você falou há pouco no Tinhorão. O Pedro Acir Filho, de Jacareí, São Paulo, pergunta qual é a sua opinião sobre o Tinhorão.

Sérgio Cabral: Aliás no Pasquim desta semana tem a minha opinião sobre o Tinhorão. Eu já briguei muito com ele, mas por questão estética. A gente tem discordância sobre se tem [...] a coisa boa; eu adoro o Tom Jobim, ele detesta, e outros mais.


Ziraldo: Por que ele detesta o Tom Jobim?

Sérgio Cabral: Porque é uma teoria, só ele para explicar. Primeiro porque ele acha que música feita por quem ganha mais de dois salários mínimos não interessa [risos], é do povo mesmo.

Pelão: Ganha mais do que dois dentes, né? [risos]

Sérgio Cabral: Ele é um historiador da nossa música...

Maria Luiza Kfouri: Ele conhece.

Sérgio Cabral: ... sem igual! O livro do Tinhorão, contando a história da música popular brasileira... Olha, está ali, naquela obra, uma parte fantástica da história do povo brasileiro e muito bem contada.

Maria Luiza Kfouri: Sérgio, você falou do Jobim, você fez um trabalho, um livro lindo que eu tenho...
 
Sérgio Cabral: Você tem esse livro?

Maria Luiza Kfouri: ... o privilégio de ter o livro e o álbum duplo, o disco. Como é que foi esse trabalho? Por que esse trabalho não sai publicado assim em uma edição um pouco mais modesta.

Sérgio Cabral: Pois é, eu estou pensando em fazer... Esse livro do Tom Jobim... Eu tenho cinco livros, eu já escrevi cinco livros. Um sobre escola de samba foi o primeiro [As escolas de samba - o que, quem, onde, como, quando e porque"]; depois eu escrevi uma biografia do Pixinguinha, que ganhou o concurso da Funarte [Fundação Nacional de Artes], chama Pixinguinha: vida e obra], está esgotado, os dois estão esgotados.

Maria Luiza Kfouri: Mas essa está naquele... foi uma coisa... um disco também lançado pela TV.

Sérgio Cabral: Foi lançado pela TV Globo, no final de ano 70, foi utilizado também ali. E tem um chamado ABC do Sérgio Cabral [subtítulo: um desfile de craques da MPB], que foi invenção desse pessoal do Pasquim, que reuniu lá os meus artigos, fizemos um livro. Esse do...

Maria Luiza Kfouri: Esse do Jobim [o livro chama-se Tom Jobim] você fez junto com ele, ou não?

Sérgio Cabral: Do Jobim eu fiz como encomenda de dois amigos, a Vera Alencar e o Jairo Severiano, que têm uma empresa que atende outras empresas que querem fazer discos ou livros e tal, para negócio de brinde de fim de ano. E eu fiz para o Norberto Odebrecht, uma biografia sobre Tom Jobim, porque era um ano de aniversário dele, ele fazia...

Maria Luiza Kfouri: Sessenta anos.

Sérgio Cabral: Sessenta anos.

Maria Luiza Kfouri: Até na revista Veja saiu que ele estava fazendo um disco para a gravadora alemã, Odebrecht
, era essa a matéria de capa da revista. [risos]

Sérgio Cabral: Que maravilha, que maravilha! Então eu escrevi esse livro e gostaria muito de reescrevê-lo, aliás, porque tem um erro nesse livro, eu até chamo a atenção, porque o Tom Jobim não me perdoa. Ele fala assim: “Você errou! Você disse que o meu avô era cearense, mas na verdade era por parte de mãe”. Enfim é uma confusão qualquer que eu fiz lá, que eu preciso endireitar rapidamente, senão ele vai reclamar a vida toda. E quero ampliar mais o livro e gostaria de lançar, é um livro que eu...

Maria Luiza Kfouri: [interrompendo] Porque é uma judiação ser uma coisa tão limitada, não é? Tanto o livro quanto o disco.

Rodolfo Konder: Sérgio, ligou um telespectador para lhe ajudar. Ele diz que o nome da cantora é Itamara Koorax.

Sérgio Cabral: Grande telespectador! [com ênfase] Muito obrigado, meu amigo. Itamara, feita justiça a você, Itamara Koorax.

Rodolfo Konder: Agora, Dalva Andrade, de Santa Cecília, pede para você falar um pouco de Dolores Duran.

Sérgio Cabral: Dalva Andrade, aliás, é nome de cantora também. Dolores Duran, eu conheci pouco. Eu comecei a ser jornalista em 1957 e comecei a entrar no negócio de música por aí, 1958, 1957. A Dolores era a grande estrela da noite carioca, da noite brasileira, e estava se revelando, estava explodindo como compositora e já era uma cantora extremamente musical, uma cantora de quem os músicos gostavam muito. E ela captou, sintetizou um sentimento da época maravilhosamente nas letras que ela fazia, ela era uma poetisa fantástica e era uma figura admirável. Eu estive com ela na vida umas três vezes e babava com a inteligência dela; com a inteligência e com a irreverência. A Dolores falava palavrão, por exemplo, aquilo me assustou um pouco, aquela estrela e tal. Mas era muito inteligente, uma pessoa realmente encantadora e, sem dúvida, uma grande compositora. E em par com o Tom Jobim mesmo, algumas das letras que ela fez com o Tom Jobim foram “Por causa de você”, por exemplo...

Ziraldo: [interrompendo] Aproveita e fala, sem modéstia aí, dos seus afilhados, as pessoas que você descobriu, como por exemplo essa coisa de Paulinho da Viola. Conta umas quatro ou cinco histórias. Eu sou testemunha de pelo menos três deles que eu vi nascer sob a sua sombra.

Pelão: Do Martinho da Vila, fala aí.

Ziraldo: Do Paulinho [da Viola].

Roberto Ethel: Paulinho da Viola, ele que deu o nome.

Ziraldo: Ele deu o nome. Sabe aquele show [Unidos do Pujol], Sérgio, de você com o [Luiz Carlos] Miele [produtor, diretor, humorista, apresentador e intérprete], como é que chamava aquela menina?

Sérgio Cabral: Era eu e o Albino Pena.

Ziraldo: Como é que chamava a menina?

Sérgio Cabral:
Tinha a Leci Brandão [cantora e compositora, foi a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores de uma escola de samba (Mangueira)]. Aliás foi o primeiro show de Leci Brandão e Dona Yvonne Lara [cantora e compositora reconhecida no Brasil e internacionalmente]

Ziraldo: Exatamente.

Sérgio Cabral: Foi a primeira vez que a Yvonne Lara cantou.

Ziraldo: Claro, claro, descoberta sua.

Pelão: Aliás, foi você que produziu o primeiro disco da Leci.

Sérgio Cabral: Primeiro disco da Leci.

Ziraldo: Mas ele descobriu a Leci também, ele a inventou, o Martinho... Conta aí, vai, fala uns quatro.

Sérgio Cabral: Sobre o Paulinho da Viola, eu era da Folha de S.Paulo, eu trabalhava na sucursal do Rio da Folha, e o Zé Kéti [nome artístico de José Flores de Jesus (1921-1999), carioca, cantor e compositor de samba, começou a atuar nos anos 40 na ala dos compositores da Portela] todo dia ia conversar comigo lá, nós tínhamos uma convivência fraterna, nós nos encontrávamos sempre. E começou no Zicartola [restaurante que o compositor Cartola e sua mulher Zica, exímia cozinheira, abriram no sobrado da Rua da Carioca, 53, que funcionava como um ponto de encontro de compositores e cantores], e o Paulinho da Viola era Paulo César; ele queria tocar violão no Zicartola. O Paulinho trabalhava em frente à gente, trabalhava no Banco Nacional. Então, a gente saía da Folha, pegava o Paulinho e ia para o Zicartola. Um dia o Zé Kéti falou assim: “Vem cá, Paulo César não é nome de sambista não, vamos arranjar um nome para ele”. Eu falei: “vamos”. Eu sempre gostei do nome Mano Décio da Viola [compositor de samba e um dos fundadores da escola Império Serrano], eu acho esse nome fantástico. Então eu falei: “viola”; aí o Zé Kéti falou: “Paulo da Viola”. Aí eu falei: “Não, Paulinho da Viola”. De modo que eu o Zé Kéti somos os inventores desse apelido que está aí.

Ziraldo: E o Sargento, como é que vocês descobriram o Sargento?

Sérgio Cabral: Quem? O Martinho não, o Martinho não é descoberta minha. As primeiras manifestações dele que eu vi, que eu me lembro, eu acho que foi em um show, eu não me lembro agora, eu me encantei com ele e aí passei a escrever sobre ele. Na verdade sempre me consideraram pioneiro, porque eu fui o primeiro provavelmente a escrever bastante. Eu me lembro que no Pasquim tinha uns caras que não gostavam dele; tinha um sujeito que o chamava de "Mortinho da Vila", só que Mortinho não é o Martinho não. Isso faz vinte anos e ele está aí no primeiro lugar da parada de sucesso.

Jimi Joe: Sérgio, eu queria que você falasse do Pasquim agora, aproveitando que a gente está com o Ziraldo também aqui, para retomar essa coisa do Pasquim. Uma curiosidade que eu tenho sobre o jornal é como é que foi aquela crise que houve no Pasquim uma época, houve uma briga, pelo que eu soube, foi uma briga com o Tarso [de Castro], com o Millôr [Fernandes - ver entrevista no Roda Viva], com vocês, com o Jaguar. Como é que foi isso aí?

Sérgio Cabral: O Pasquim era uma festa, uma festa louca. Mas aquela complicação é o seguinte. Deixa eu ver, deixa eu dar um resumo...

Ziraldo: [interrompendo] Se fosse americano, já tinha livro, já tinha álbum duplo, tinha filme.

Sérgio Cabral: Exatamente, tinha filme meu, show na Broadway e tal...

Pelão: [interrompendo] O [...]
que na época era a cabeça, era centralizadora.

Sérgio Cabral: O Pasquim fez um sucesso que a gente não esperava e provavelmente nem merecia, um sucesso muito grande. Aí teve uma contradição entre empresa e jornal; nós fomos extremamente incompetentes para administrar a empresa, porque ninguém estava querendo administrar a empresa, a gente era jornalista e tal. Inclusive quando eu saí do Pasquim, tinha gente que achava até que eu estava com o dinheiro, mas não estava não. Aliás, o Pasquim não me deu dinheiro nem para comprar uma bicicleta, quanto mais um automóvel. Mas tinha certas questiúnculas, umas besteirinhas e tal, não eram graves. Essas brigas afetaram muito pouco as relações pessoais, acho que briga, só o Millôr e o Tarso que não se falam mesmo. Tem mais algum ou não?
 
Ziraldo: Só.

Sérgio Cabral: Não tem mais ninguém.

Ziraldo: Só o Millôr e o Tarso.

Sérgio Cabral:  Não tem mais assim, não houve nada...

Jimi Joe: E no nível editorial, como é que foi isso aí? Como funcionou essa coisa?

Ziraldo: É, fala de você, de como é que você mudou completamente o tipo de cartas, da imprensa brasileira, [...] a linguagem de entrevista. A imprensa moderna, na minha opinião, herdou todos os defeitos do Pasquim, nenhuma das qualidades.

Sérgio Cabral: É verdade.

Ziraldo: Todo mundo é fofoqueiro, quer falar mal dos outros, todo mundo é...


Roberto Ethel: Continuando no tema Pasquim, acho que a penúltima edição está muito corrosiva em relação a São Paulo, não é?

Sérgio Cabral: É.

Roberto Ethel: Inclusive você escreveu um artigo humorado, mas corrosivo.

Jimi Joe: Isso é uma coisa histórica do Pasquim, essas coisas...

Sérgio Cabral: Aliás, eu vou lhe contar a relação Pasquim, São Paulo. O Pasquim, quando surgiu, vendeu 14 mil exemplares, aliás, tirou 14 mil exemplares. No primeiro dia, o distribuidor mandou editorar porque tinha esgotado. Então foi um sucesso, foi um sucesso. Aí nós reparamos que o Pasquim vendia no Brasil todo, menos em São Paulo. Em São Paulo vendia pouco. Aí o Tarso fez uma coisa que espinafrou São Paulo, e começou a crescer em São Paulo. Então eu falei “se começou a vender em São Paulo, deixe eu espinafrar São Paulo.

Ziraldo: Aí você exagerou que vendia muito mais aqui do que lá [Rio de Janeiro].

Sérgio Cabral: Vendia muito mais, vendeu. Aí era essa briga, São Paulo e tal...

Ziraldo: Era tudo invenção, a gente [...]

Sérgio Cabral: Essa edição agora, que a gente provocou São Paulo na época em que o Pasquim estava em crise, aliás o autor da manchete está aqui presente... Da outra manchete, não dessa.

Ziraldo: [...] dizendo isto: “Todo paulista é bicha?

Sérgio Cabral: Não, todo paulista é babaca. Mas só com uma coisa no meio assim [faz o gesto de quem está escrevendo no ar]

Ziraldo: [...]

Sérgio Cabral: Mas isso provocado pela matéria da Folha, porque a Folha de S.Paulo teve comportamentos com o Rio de um mau gosto, de uma besteira...

Roberto Ethel: Aquela pesquisa, aquela edição especial?

Sérgio Cabral: ... uma coisa mal feita, ruim e rancorosa. Também o Rio tem lá sua crise e tal, mas não é assim que a Folha está falando não. Não é isso, não.

[sobreposição de vozes]

Roberto Ethel: Mas a Folha está querendo vender bem no Rio, não é?

Sérgio Cabral: Pode ser isso, é verdade. Mas eu tenho uma amiga que cancelou a assinatura.

Roberto Ethel: Chegou até isso.

Sérgio Cabral:
A Gisele. Ela me disse que ia cancelar a assinatura, ficou com raiva da Folha. Aí o Jaguar falou assim: “Vem cá, vamos espinafrar São Paulo, a Folha é que provocou a gente”. Então fizemos aquilo. A minha crônica era um diálogo entre um carioca e um paulista na ponte aérea. É o carioca falando mal de São Paulo e o paulista falando mal do Rio. Evidentemente naquela crônica o carioca ganha. O carioca ganha, aliás é bom para falar nisso...

Ziraldo: [fala ao mesmo tempo que Sérgio Cabral] A gente não pode ganhar por causa disso, o carioca não pode ganhar por causa do cacófato [referindo-se à ambiguidade fonológica causada pela pronúncia de "carioca ganha", especificamente da última sílaba de carioca e a primeira sílaba de ganha]. [risos]

Rodolfo Konder: Sérgio, ligou Luiz César, de Belo Horizonte, para pedir a você para falar um pouco do João Saldanha [(1917-1990), conhecido também como “João sem medo”, pelo seu espírito combativo, era jornalista e foi treinador de futebol, levando a Seleção Brasileira a classificar-se para a Copa do Mundo de 1970].

Sérgio Cabral: Grande João!

Pelão: Bem lembrado.

Sérgio Cabral: Grande João! Eu participei quinta-feira de uma mesa redonda sobre ele, sábado fizemos uma homenagem a ele, na rua, lá em Botafogo. É uma figura extraordinária, o João era um grande brasileiro; era uma das maiores personalidades que eu conheci na minha vida. Era um sujeito muito inteligente, muito competente, muito corajoso, muito irreverente, mas principalmente muito talentoso. Ele era um sujeito muito fiel, fiel a Botafogo, ao Partido Comunista, àquelas coisas que ele amava, em que ele acreditava, e fiel a sua profissão. O João viajou comigo, nós fomos no mesmo avião para a Itália, e eu vi em que circunstâncias ele foi. Foi uma coisa... Ele quase morreu no avião, coitado, ele tinha um enfisema pulmonar e faltava ar. Então no avião, enfim, foi uma coisa terrível, mas ele foi e lá ele fez um esforço para trabalhar; ele foi contra a opinião de todo mundo, os patrões dele, inclusive, não queriam que ele fosse. Ele tinha problemas pulmonares sérios e estava em crise, mas o próprio médico dele, Pedro Henrique, falou assim: “É melhor ele ir, porque se for para morrer, ele prefere morrer lá do que aqui, ele quer fazer a Copa, ele quer trabalhar”. E foi até o final, infelizmente eu voltei com ele também no mesmo avião.

Rodolfo Konder: E ele era um homem também de uma grande coragem física, não é? Contam muitas histórias dele.

Sérgio Cabral: Outro dia, lá na Câmara dos Vereadores, outro dia não, na época da Lei Orgânica, tinha um negócio de briga, aí o Azêdo, o nosso querido Maurício Azêdo, que você conhece muito bem, falou assim: “Olha, briga, como diz o João Saldanha, não tem regra”. Ele falou isso sabe por quê? Porque uma vez, na última hora, o Botafogo venceu o Flamengo, e o João é botafoguense e chegou no Maracanã feliz, e o Azêdo...

Rodolfo Konder: O Azêdo que é Flamengo...

Sérgio Cabral: ... que é Flamengo doente, e tão estourado quanto o Saldanha, provocou o Saldanha, e ali houve uma discussão e uma briga que foi logo separada, acabou a briga. O Azêdo foi trabalhar, [estava] fazendo a coluna dele [faz o gesto de quem está digitando], a matéria, estava sentado, e veio o João por trás, pegou uma máquina de escrever [faz o gesto como se estivesse com a máquina na mão, prestes a jogá-la sobre alguém] e quando vai jogar
, o Azêdo grita: “Ai, segura ele!” Seguraram, tiraram o João de lá e falaram: “O que é isso, João? Você vai pegar o cara por trás?” Ele falou assim: “Briga não tem regra”. [risos] E dele próprio, do João, teve uma briga dele, briga de trânsito, em que o cara saltou do outro carro com uma barra de ferro. Quando ele viu o cara com a barra de ferro, disse “Pô”, mas você! Eu sou magro, você é forte, e ainda com uma barra de ferro, é covardia. Vem na mão”. O cara se sentiu meio [...], jogou a barra de ferro para lá e partiu para cima dele. O João pegou a barra de ferro e “pein”, quebrou o cara. [risos]

Ziraldo: Sérgio, aproveita e fala desse negócio de você ser testemunha ocular da história e das grandes convivências da sua vida. Lúcio Rangel [(1914-1979), jornalista, pesquisador da música brasileira, cujos artigos e reportagens apresentaram grandes artistas para um público mais amplo. É lembrado por ter apresentado Vinicius de Moraes a Tom Jobim], Lúcio Cardoso [(1912-1968), escritor, dramaturgo, jornalista e poeta. Realizou, com Paulo César Saraceni, o primeiro longa-metragem do Cinema Novo], Carlos Drummond de Andrade [(1902-1987), poeta mineiro, ícone do Modernismo brasileiro], Flávio Rangel [(1934-1988), um dos principais nomes do teatro brasileiro no século XX, foi diretor de teatro, cenógrafo, jornalista e tradutor], Pixinguinha, os monstros sagrados do samba...

Sérgio Cabral: Prudente de Morais Neto [(1904-1977), crítico, jurista, cronista e poeta. Como jornalista, trabalhou na Folha Carioca, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, dentre outros].

Ziraldo: Prudente de Morais Neto que a gente amava de paixão.

Arnaldo Cohen: O Prudente e o Lúcio Rangel foram os pais que eu não tive, porque quando meu pai morreu, eu tinha três, quatro anos de idade.

Ziraldo: Filho do Serjão!

Sérgio Cabral: Então eram um pouco... Rangel era o meu segundo pai, Prudente de Moraes, uma figura inesquecível. Lúcio Rangel era meu mestre, o Lúcio era um pouco isso, não tanto; o Lúcio Rangel era, digamos, o irmão mais velho, mas era um pouco isso.

Pelão: Mário Cabral [crítico literário, escritor, poeta].

Rodolfo Konder: E o Pixinguinha?

Sérgio Cabral: Aliás, o Mário Cabral, a quem eu chamava de tio, e ele me chamava de meu sobrinho. Pixinguinha, sobre quem eu tenho um livro, vou lhe contar só uma história, já que eu sou contador de história. De madrugada Pixinguinha chegava em casa, ele tinha uma vida muito... acordava cedo, ia na rádio Roquette Pinto, assinava o ponto e tal, depois ia para o bar Golveia, onde já tomava uísque às dez horas da manhã. Aliás a essa hora só tinha "profissional" lá. Tinha uns coroas que bebiam para burro! Tinha um que chamavam de coronel, acho que era coronel mesmo o cara. Ele chegava lá, enchia o copo de uísque, aí pegava um cinto que tinha sobressalente, amarrava nessa mão [faz o gesto como se estivesse passando o cinto na mão direita, levando a outra ponta em direção à cabeça] aí fazia assim ó, aí segurava e puxava aqui ó [vai tremendo a mão direita, fechada em forma de copo, como se ela estivesse sendo levantada pelo cinto imaginário, até chegar à boca], aí bebia e já ficava calmo [risos]. Então o Pixinguinha ia para esse bar, ficava lá, depois almoçava, ia para a casa dormir, à noite saia e tal. Uma noite ele saiu, bebeu bastante, voltou para a casa, e o Pixinguinha morava na rua Pixinguinha. Você imagina, morar, modéstia à parte, na rua Pixinguinha. Aí saltou do ônibus na esquina, foi andando, às três horas da madrugada, quando dois assaltantes pegaram ele. Pá, revólver aqui [gesticula como se estivesse com uma arma na mão, apontando-a ao seu pescoço], e começaram a limpar o Pixinguinha e tal. Aí o cara que estava com o revólver aqui [no pescoço de Pixinguinha] olhou e falou assim: “Ih, é o Pixinguinha!”. “Eu sou o Pixinguinha”. E o rapaz: “Pô,  Pixinguinha, desculpe. Devolve o relógio dele”. Aí devolveram tudo. “Pô, seu Pixinguinha, o senhor me desculpe. Está escuro, a gente não viu que era o senhor”. Aí o Pixinguinha disse: “Vocês não querem ir tomar uma cervejinha lá em casa não?” Aí pegou os dois, foi para a casa, acordou a mulher – Beti que me contou essa história – ela foi servir os ladrões. Aí Beti foi fritar uma carne assada que tinha sobrado do jantar, para fazer um tira-gosto e tal, preparou. E o Pixinguinha ficou lá a noite toda com os ladrões batendo papo, “é a vida”. Pegou o saxofone [faz gesto e som como se estivesse tocando o instrumento] e tocava lá para os ladrões, até que foi clareando, e um ladrão falou assim: “Ô, Pixinguinha, eu tenho que ir porque essa hora o ladrão não pode dar sopa não”. “Então, tá, tchau. Vocês não querem um trocadinho para a passagem?”. Disseram: “Não, obrigado”. E saíram.

Ziraldo: Perdeu a noite o Pixinguinha.

Sérgio Cabral: Não é fantástico isso?

Maria Luiza Kfouri: E o Jacob do Bandolim [(1918-1969), Jacob Pick Bittencourt, maior referência brasileira no instrumento que virou parte de seu nome, colocou definitivamente o bandolim como instrumento solista, dando-lhe um lugar de honra na música brasileira]?

Sérgio Cabral: Jacob era outro, do Jacob também eu tenho uma...

Ziraldo: É outra convivência dele.

Sérgio Cabral: ... visão, uma lembrança filial dele. Eu não quero fazer fofoca, mas a dona Adylia [Freitas] está viva aí hoje, felizmente, a Elena [Freitas Bittencourt], filha dele, que é a minha dentista, elas estão aí para provar. O Sérgio [Bittencourt, filho de Jacob] curtia um certo ciúme até dessa minha relação com o Jacob. Ele era uma figura... Jacob era um homem que impunha respeito, um homem sério, tinha aquele vozeirão, tocava bandolim. [com ênfase, gesticulando muito] Para mim o Jacob é o maior músico que o Brasil já teve em todos os tempos! O maior instrumentista que o Brasil já teve. Um gênio no bandolim e tinha uma alma de criança, que poucas pessoas percebiam, mas ele era meio criança, tinha umas brincadeiras. Por exemplo, ele era escrivão da Justiça, do tribunal lá, vara não sei das quantas. Então ele mandava intimação para mim, eu recebia, eu olhava, não sabia do que se tratava, “comparecer à vara”. Eu ia lá, morrendo de medo, chegava lá era o Jacob. Ele falou. “Mas você some, pô, cadê e tal”. E me dava uma bronca. [risos]
 
Ziraldo: Intimava mesmo?

Sérgio Cabral: Ele intimava, era intimação. Não é uma coisa infantil? E o Jacob teve enfarte, depois se recuperou. O Jacob foi a pessoa que mais fumou que eu já vi, das que eu conheci era a que mais fumava.

Rodolfo Konder: Ainda bem que você deixou, não é?

Sérgio Cabral: É, ainda bem que eu deixei. Ele se recuperou do enfarte e tal, estava conversando com o médico, ia lá se tratar, e o médico puxou um cigarro e perguntou assim: “Jacob, que cigarro você fuma?”. Ele disse: “Minister”. “Quantos maços de Minister você fuma por dia?”. O Jacob: “Sei lá, uns cinco”. Ele disse: “Jacob, não pode, cinco Minister. Faz o seguinte: passa a fumar um maço por dia de Minister. Está legal?”. Ele disse: “Está legal”. Aí ele foi embora e comprou um de Minister, um de Hollywood, um de não sei o que lá, um de tal [risos]. Aí o médico perguntava assim: “Quantos Minister, senhor?”. Ele dizia: “Um maço”. Não é um negócio de criança? É uma pena que ele morreu logo em seguida...

Ziraldo:
Sérgio, quando é que sai o livro, quando é que sai os "Causos do Sérgio Cabral"?

Sérgio Cabral: Pois é, não sei...

Pelão: Sérgio, a gente falou aqui do João Saldanha, eu me lembro há anos atrás, o João quase saiu candidato a prefeito do Rio.

Sérgio Cabral: Vice-prefeito.

Pelão: E uma das justificativas dele era que o Rio não tinha nada na Prefeitura, ele ia ser Prefeito da Comlurb [Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro], coisa assim.

Sérgio Cabral: Ele tinha até umas teorias assim boas. A Lagoa Rodrigo de Freitas é do estado, só é do município quando os peixes morrem e a Comlurb vai lá para recolher os peixes.

Pelão: Imagine você, com esse seu sonho de se tornar prefeito um dia do Rio, você que pensa mais ou menos igual ao João. Não é só o Comlurb?

Sérgio Cabral: Não, o Rio tem muita coisa para ser feita, muita, muita. O Rio é um manancial de problemas e soluções. Aliás, eu me lembrei uma [história] agora do João Saldanha. Faz uns dois anos isso, num debate, um negócio de feminismo, e o João está lá, junto com intelectuais, enfim. E aí perguntaram ao João o que ele achava de futebol feminino. Ele falou: “Eu sou contra”. Foi um espanto. “Mas por que você é contra, afinal de contas, mulher e tal”. Ele falou: “Sabe por quê? Imagine: um cara tem um filho, aí arranja uma namorada, aí o filho vai apresentar a namorada a ele, que pergunta para ela assim ‘o que é que você faz, minha filha’? ‘Eu sou zagueiro do Bangu’. Não pega bem".

Jimi Joe: Você estava falando do Pixinguinha bebendo e tal, eu quero saber se você ainda é fiel àquele... Tinha um lema do Pasquim, no começo do Pasquim, lá pelos anos 70, eu me lembro, que dizia assim: “O intelectual não vai à praia, o intelectual bebe”.

Sérgio Cabral: Eu não sou muito de praia não. [risos] Bebo razoavelmente, mas não sou também um grande bebedor não, eu tenho cara de bêbado.

Kleber de Almeida: O que não deixa de ser sorte também, não é?

Sérgio Cabral: É, mas às vezes isso me complica. Eu bebo muito pouca cerveja, porque ela me dá azia. Então, quando eu vou na casa de uma pessoa, e ela tenta me agradar: “Eu sabia que você ia vir aqui, botei [uma cerveja] no congelador para você”. E se eu disser que... aí é um horror, então eu bebo. Aí tem muitos [que dizem]: “vamos tomar um chope ali em tal lugar”. Aquilo me dá azia. Então eu bebo um uisquinho e tal. Mas eu tenho cara de bêbado.

Ziraldo: O nosso representante para todo esse fim é o Jaguar, esse vai e banca todas.

Sérgio Cabral:
Ele é um craque, é um profissional.

Rodolfo Konder:
Sérgio, o Cláudio Semer, de Taubaté, São Paulo, perguntou se está prevista alguma comemoração dos dez anos da morte do Cartola
[um dos maiores compositores de samba, autor de "As rosas não falam", "Tive sim", "Autonomia", entre muitas outras composições de sucesso], no final do ano lá no Rio, se tem alguma coisa sendo programada?

Maria Luiza Kfouri: Tem os dez anos da morte do Almirante também, em dezembro, não é?

Sérgio Cabral: Dezembro tem a morte também do Almirante. Aliás, morreu um perto do outro; morreu também Nelson Rodrigues [(1912-1980), importante e polêmico dramaturgo, jornalista e escritor brasileiro] nessa... Olha, eu vou contar uma coisa... Cláudio, não é?

Rodolfo Konder: Cláudio.

Sérgio Cabral: Cláudio, quando o Cartola fez setenta anos, eu andei atrás de patrocínio para comemorar os setenta anos de Cartola, foi uma grandeza. Fui a empresas,[procurei] amigos meus, não consegui. Mesmo que a gente tenha feito um show, um show não, uma festa na Mangueira e no peito. Sei lá, eu acho que... é muito difícil. Vamos ver quem vai... isso aí... vamos homenagear, eu escrevo sobre o Cartola e tal, faço. Eu acho que o Cartola merece ser cultivado, ser homenageado sempre, mas é preciso de ajuda.

Rodolfo Konder: Como vereador, você tomou alguma iniciativa, pergunta Helena Dalde, do Jardim Paulista, de São Paulo, pela música e pela memória cultural do Rio?

Sérgio Cabral: Eu tenho algumas iniciativas, como homenagear determinadas figuras, criar o dia da música e tal. Mas eu confesso que ainda não fiz um troço de que eu gostasse mesmo em defesa da nossa música popular.

Rodolfo Konder: Roberto Vinete, de Fortaleza, ligou do Ceará, e Hugo Cunha, de Uberaba, Minas Gerais. Ambos perguntam sobre o Brizola. Um pergunta se a ascensão do Brizola é o resultado de uma boa administração anterior; o outro pergunta se o maior problema do Rio não é o Brizola envolvido com o crime organizado?

Sérgio Cabral: Olha, eu não sou anti-brizolista. Deixe eu bater aqui na madeira, mas se houvesse um golpe de direita no Brasil, o Brizola ia em cana [para a prisão], eu ia em cana, isto é, nós estaríamos no mesmo barco. Não é meu inimigo. Eu discordo do Brizola em certas... enfim, o comportamento partidário dele, o jeito dele. Eu acho o Brizola meio chato, na verdade eu acho ele meio chato. Mas o Brizola é um fenômeno eleitoral no Rio de Janeiro, que eu gostaria de entender. Eu ainda não entendi, por que, por exemplo, o Brizola faz tanto sucesso no Rio e por que ele não faz nenhum sucesso em São Paulo. E deve ser pelas mesmas razões, que eu ainda não entendi. O Pelão, com quem eu estava conversando outro dia sobre isso, acha que é uma tradição em São Paulo, de que aqui o PTB [Partido Trabalhista Brasileiro] não vingou, o Getúlio, ainda tem o negócio da Revolução de 32 [confronto armado entre as forças estaduais paulistas e as do governo federal, à época do chamado Governo Provisório de Getúlio Vargas] e tal, aquela coisa. Não sei, mas há esse mistério, às vezes o cara não acerta aqui e acerta no Rio de Janeiro. É um fenômeno eleitoral impressionante, ele não está nem fazendo campanha agora, ele está com cinqüenta e tantos por cento na pesquisa e nem campanha está fazendo, porque ele sabe que está uma barbada e tal. Eu não gosto dele como governador, eu acho que ele não entende o Rio de Janeiro, não administra o Rio de Janeiro, com o conhecimento de um sujeito que devia conhecer os destinos da cidade, quais são as suas vocações, o estado. Mas também não foi um governo catastrófico, eu acho que ele tem qualidades, como por exemplo, essa questão de dar prioridade às camadas mais modestas da população, o povo. Ele dá prioridade, isso é verdade, o investimento do governo dele é feito para o mais pobre, e eu acho que é isso que um governo grande tem que fazer. Mas enfim, não é o governador dos meus sonhos não.

Rodolfo Konder: Sérgio, infelizmente o nosso tempo está chegando ao fim.

Sérgio Cabral: Já?

Rodolfo Konder: Uma hora e meia.

Sérgio Cabral: Puxa!

Rodolfo Konder: E eu queria, em nome da TV Cultura, agradecer muito a sua presença aqui, agradecer a presença dos nossos convidados que vieram nos ajudar a fazer a entrevista, agradecer ao trabalho da Bernadete, da Cristina e da Carla e a atenção dos telespectadores, inclusive aqueles que nos mandaram as suas perguntas.

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