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Augusto Nunes: Professor Thomas Skidmore, o senhor costuma dizer que, quando vem ao Brasil, na primeira semana o senhor entende tudo, na segunda semana o senhor fica meio confuso e na terceira o senhor acha tudo muito complicado. Há quanto tempo o senhor está no Brasil?
Thomas Skidmore: Estou aqui já na segunda semana.
Augusto Nunes: Quer dizer, está um pouco confuso.
Thomas Skidmore: É, está começando a ficar muito confuso [sorri].
Augusto Nunes: Em meio a esse começo de confusão, o senhor esteve hoje, agora há pouco, no Palácio do Planalto com o presidente José Sarney durante uma hora. É isso?
Thomas Skidmore: Sim.
Augusto Nunes: Pois bem, que tipo de esclarecimentos ou de contribuições à confusão o presidente José Sarney deu ao senhor?
Thomas Skidmore: Muito bom. Ele... foi uma conversa muito simpática, ele é um homem muito aberto. Ele já arranjou dois almoços nos Estados Unidos para os chamados brasilianistas. Um foi em 1985, quando o presidente viajou para fazer um discurso nas Nações Unidas, e convidou uns quarenta, cinqüenta brasilianistas. Um almoço lá muito simpático. Ele ofereceu um brinde para os brasilianistas que estão contribuindo para entender o Brasil. Eu achei muito simpático isso, porque, às vezes, estou estarrecido com a paciência dos brasileiros em ficar aqui recebendo todas as informações dos estrangeiros, dos "gringos" chegando aqui, não é? Mas, na conversa com o presidente, ele levantou alguns aspectos interessantes.
Augusto Nunes: Por exemplo, professor?
Thomas Skidmore: Por exemplo, sobre a política externa. Falou que para ele foi um objetivo muito importante evitar uma corrida nuclear, uma corrida de armas nucleares entre o Brasil e a Argentina. E o destino dessa tentativa de aproximar-se da Argentina era exatamente para evitar esse tipo de coisa, porque a integração econômica também é importante. Fala-se pouco sobre isso no momento, porque agora todo mundo está falando sobre mandato e Constituição. É um aspecto que eu achava interessante...
Augusto Nunes: [Interrompendo] O senhor conversou com ele sobre a situação política interna do Brasil?
Thomas Skidmore: Um pouco, quer dizer, sim [assente com a cabeça].
Augusto Nunes: O senhor achou ele muito otimista? O senhor achou que ele está entendendo o quadro que o senhor viu nesses primeiros dias de Brasil, ou não?
Thomas Skidmore: Acho que sim. Acho que a preocupação dele é mais ou menos garantir a chegada do Brasil a um estado de democracia, plena democracia até o fim do mandato dele, que é uma obra difícil. O fato é que o Brasil agora tem, mais ou menos, uma plena democracia. Não tem censura. Tem grupos, inclusive da esquerda, que sempre foram ilegais no Brasil e que são agora partidos legais. Eu acho que isso é um indicador da madureza do sistema. Mas, além disso, tem esses problemas grandes, como a economia. Ele acha que um problema muito fundamental do sistema político é o sistema de voto proporcional [sistema de eleição de deputados e vereadores, segundo o qual os candidatos mais votados de cada partido preenchem tantas cadeiras quantas são determinadas pela proporção dos votos que o partido obteve]. Isso foi muito discutido aqui no Brasil, mas ele acha que isso cria um problema: enfraquece os partidos. Os partidos, realmente, são partidos de um Estado e não partidos nacionais.
Augusto Nunes: Ele é a favor do voto proporcional.
Thomas Skidmore: Não! Ao voto distrital [sistema em que cada estado é dividido em distritos, nos quais deve haver distribuição equivalente do número de eleitores, e o candidato mais votado em cada distrito é eleito para uma das cadeiras do legislativo].
Augusto Nunes: Ao voto distrital. Perfeito. Rodolfo Konder.
Rodolfo Konder: Professor, o senhor disse que chamou a sua atenção a questão da política externa. Eu me pergunto se não é mais um elemento, uma afinidade entre o governo Sarney e o governo João Goulart, já que, sob muitos aspectos, a política externa do presidente Sarney tem muitos elementos, ainda, da política externa do presidente João Goulart. O senhor veria algumas outras afinidades e, entre elas, o risco de um chamado retrocesso político nessa comparação?
Thomas Skidmore: Não, é difícil. Para o historiador, situações diferentes sempre são diferentes. Nós temos uma preocupação profissional de diferenciar as épocas ou as etapas históricas. Eu acho que tem algumas semelhanças. Inflação, por exemplo, que é muito alta, mas, ao mesmo tempo, tem a correção. Eu entendo que todo mundo tenha renda que está sendo reduzida. Quem está em frente eu não consegui descobrir, quem está em frente da inflação, mas não é a situação como em [19]64, quando não houve nenhuma correção monetária. Eu acho que, também, esse consenso a favor da democracia é fundamental. Ninguém está falando na lei ou "na marra", aquela coisa que foi falada em 1964. E também, ambos, na esquerda e na direita, naquela época, houve a idéia de pegar armas ou pelo menos fazer uma pressão que não era democrática. É uma segunda diferença entre [19]64 e agora. A semelhança é a balança de pagamentos [registro de transações econômicas e financeiras entre um país e o exterior]. Esse é um problema muito grave, não é?
Augusto Nunes: [Interrompendo] Paulo...
Thomas Skidmore: Sim.
Augusto Nunes: Por favor, pode completar a resposta.
Thomas Skidmore: Ok. Não, não. É só isso.
Augusto Nunes: Paulo Sérgio Pinheiro.
Paulo Sérgio Pinheiro: Como você gosta de dizer, sempre que vem ao Brasil eles preparam alguma coisa especial para você. Você veja que nesta madrugada [abre um jornal, mostrando a notícia sobre a qual comenta] o exército acabou com uma greve na Cia Siderúrgica de Volta Redonda[/RJ]. Como você sabe, nesse período da Nova República nunca se usaram tantos tanques urutus [blindados de transporte de tropas, com diversas versões e possibilidades de incorporação de equipamentos, utilizados pelo Exército e pelos fuzileiros navais] para lidar com o problema do conflito social. Não é a primeira vez que se termina greve com tanques. Uma semana atrás, para assegurar a posse de um diretor do manicômio Juliano Moreira, também usaram urutu. Tudo isso para perguntar a você o seguinte: como é que você vê essa convivência de militarização dos conflitos sociais e transição democrática?
Thomas Skidmore: É uma boa pergunta. Ao lado desse processo, por exemplo, arranjar um diálogo com o urutu [sorri], que é bastante difícil, tem também o processo de negociação. Quer dizer, mudou bastante em alguns setores, especialmente na grande São Paulo. O processo de relações entre sindicato e empregador, empresários, ao mesmo tempo tem o problema das fábricas e das firmas que são nacionais, de modo que tem ainda essa combinação. O Brasil não encontrou ainda um sistema de relações industriais que é moderno. Mas eu acho que o avanço nisso é o fato [de] que tem um representante do Dieese [Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, criado em 1955 pelo movimento sindical brasileiro para o desenvolvimento de pesquisas que fundamentem as reivindicações dos trabalhadores], sempre, nas negociações, ou, geralmente, nos debates. Isso é muito construtivo, muito melhor do que em [19]64, quando houve os termos, porém, muito mais radicais. Mas isso nós estamos esperando para um novo sistema realmente ser elaborado.
Augusto Nunes: Fernando Mitre.
Fernando Mitre: Professor, os urutus também são usados como argumento nas negociações políticas, com relação a...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Pois é. Ameaça de prisão.
Fernando Mitre: Pois é.
Thomas Skidmore: Isso é verdade.
Fernando Mitre: Mas, professor, o senhor esteve hoje com o presidente e ele deve ter falado sobre a questão do mandato. Na quinta-feira [1º junho de 1988], muito provavelmente, a questão do mandato será decidida. Tudo indica que vai dar cinco anos. Eu gostaria que o senhor nos explicasse, no seu entendimento, qual é a diferença que o senhor vê entre o mandato de quatro anos para presidente e o de cinco anos? O que um tem de positivo e de negativo e o outro também?
Thomas Skidmore: É, bom... isso é meio difícil. Eu acho que é difícil se houver a cada ano uma eleição - eleições importantes -, é difícil de governar, porque os políticos estão, obviamente, pensando em eleições. Com o mandato de quatro anos você tem a vantagem, porque seria a eleição "Diretas Já". Quer dizer, a transição desde... Quando foi a campanha para [eleições] diretas, foi em [19]84, né? Estamos no ano de [19]88, mais quatro anos. E tem uma frustração grande. Eu acho que é por isso que o público se desinteressa pela política. Talvez isso estimularia mais interesse do público no processo, porque agora tem um desalento grande. Mas eu acho que a favor de [um mandato] de cinco anos, talvez, do ponto de vista do governo, dá um pouco mais de tempo para o novo ministro da Fazenda, realmente, arrumar, não ter mais moratória...
Fernando Mitre: [Interrompendo] Do ponto de vista do governo, certamente. E do ponto de vista do país?
Thomas Skidmore: Bom, eu acho que tem que arranjar um acordo com os bancos, que está saindo agora. Provavelmente, um fator a favor - provavelmente - é o fato de que o mandato vai ser de cinco anos. Dá mais estabilidade, “chamada” [faz um sinal de aspas com as mãos].
Augusto Nunes: André Singer. Depois para a banca de cá [aponta para o lado].
André Singer: Professor, eu queria perguntar como o senhor vê essa peculiaridade da história brasileira em que nós temos mais tempo de transição do que propriamente de regime autoritário? Podemos caracterizar o regime autoritário como tendo prevalecido, fortemente, entre 1964 e 1974, [19]75. De lá pra cá, nós vivemos um lento processo de abertura política e de transição em direção à democracia, que já dura quatorze anos.
Augusto Nunes: [Interrompendo] Aqui nós temos as gerações da "transição já".
André Singer: As gerações da transição.
[Risos]
Thomas Skidmore: É verdade.
André Singer: E como é que o senhor, que analisou todo esse período e é um espectador externo e, portanto, tem certa distância que nós talvez não tenhamos por estarmos muito envolvidos com o processo, como é que o senhor vê essa transição tão curiosa, tão peculiar?
Thomas Skidmore: É curiosa. Eu tentei explicar no meu livro, mas eu vou tentar agora fazer um resumo. Eu acho que o Brasil tem a vantagem de sair do sistema autoritário, gradualmente, em comparação com o Uruguai, Argentina. Obviamente houve mais repressão nos outros países, no Uruguai, na Argentina, em termos humanos - mortos, aquela coisa toda. O Chile não saiu ainda. O Brasil conseguiu uma transição gradual. Eu acho que é bom para equilibrar de novo. O papel das Forças Armadas, por exemplo. Todo mundo ficava preocupado com isso, e com razão, porque as Forças Armadas têm um papel muito importante na história do Brasil, têm possibilidades de fazer intervenções a qualquer hora. Tudo bem. Tem a ver, aqui também, com o famoso instinto de conciliar do político brasileiro. Aquela coisa de conciliação. Quer dizer, o Tancredo Neves seria o homem para fazer a transição e, de fato, ele era um PSD [Partido Social Democrático] mineiro, que era o mais cívico do espírito conciliador. Não sei exatamente, [mas] eu acho que tem essa revolução contra os exageros. O consenso a favor da democracia faz parte do processo, mas o perigoso é que a gente vai ficar desiludido. Tanto tempo, aí está o problema.
Paulo Sérgio Pinheiro: Então, você não acha, voltando àquela questão dos cinco anos, que esses aspectos positivos que você levantou nos cinco anos não agravam, justamente, esse desânimo, essa... mais um ano de governo sem a legitimidade popular?
Thomas Skidmore: É bem possível. É bem possível. É um perigo.
Augusto Nunes: Vamos jogar aqui para outra bancada. Pedro Del Picchia.
Pedro Del Picchia: O Brasil tem um ministério... existem pelo menos seis ministérios reservados a oficiais generais das Forças Armadas: o Ministério do Exército - salvo engano, se tiver mais algum, alguém me lembre -, Exército, Marinha, Aeronáutica, o ministro-chefe do SNI [Serviço Nacional de Informação] - o general -, o ministro-chefe da Casa Militar, e o ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
Thomas Skidmore: Pois é.
Pedro Del Picchia: Isso mostra uma forte presença militar na estrutura de poder real no Brasil. É possível fazer democracia com essa presença militar?
Thomas Skidmore: Eu acho que sim. Eu acho que sim. Quer dizer, vai depender da opinião dos militares, mas não tem uma opinião homogênea. O fato é que o pensamento militar mudou com as gerações. E isso, para mim, por exemplo, é impressionante a legalização do Partidão ou PCB [Partido Comunista Brasileiro], do MR8 [Movimento Revolucionário Oito de Outubro, organização de esquerda contra o regime militar e pelo socialismo no Brasil, que atuava por meio de militância armada. A data que dá nome ao movimento é da captura do guerrilheiro argentino Che Guevara pela CIA, na Bolívia], e todos aqueles grupos sem grandes repercussões. E, também, o voto [do] analfabeto, que era uma coisa que não se podia falar em [19]64. Foi muito controverso. Mas isso vai depender do espírito cívico dos militares.
Augusto Nunes: [Interrompendo] Professor, desculpe. Os livros do senhor são perpassados pela teoria de que o Brasil ainda se encontra sob a tutela dos militares. O senhor esteve hoje com o presidente José Sarney. O senhor saiu com a impressão de encontrar um homem tutelado pelos militares?
Thomas Skidmore: Não. Acho que não.
Augusto Nunes: Mas, então, isso contraria a teoria do senhor. Ele é independente em relação às Forças Armadas?
Thomas Skidmore: Independente não, mas [ser] tutelado [com o dedo em riste] é outra coisa.
Augusto Nunes: Então, eu queria que o senhor qualificasse, com exatidão, o presidente José Sarney em relação às Forças Armadas.
Thomas Skidmore: [Thomas ri] Vamos ver.
Augusto Nunes: [Sorrindo] Como o senhor sabe, nós vivemos uma democracia, então o senhor pode falar.
Thomas Skidmore: [Risos] Eu posso falar de qualquer coisa, não é? Bom... Primeiro, o fato é que falta...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Até por ter cidadania americana. [risos]
Thomas Skidmore: [Rindo] É perigoso isso também, não é?
[Risos]
Thomas Skidmore: Mas o certificado, eu tenho aqui, que sou cidadão americano. Vou guardar [faz gesto como se guardasse o certificado no bolso]. Tudo bem. Essa coisa da situação do presidente... o José Sarney nunca foi pensado como presidente do Brasil, e nem se falou sobre isso. Era o vice. O vice? Ninguém liga para o vice. Nos Estados Unidos é uma piada o vice, para o homem, o [...]. Bom, [isso em] primeiro [lugar]. Segundo, falta base política. Quer dizer, ele vem do Nordeste, ele sabe isso, ele acha que, às vezes, o centro-sul não faz justiça ao nordestino. Ele está muito sensibilizado sobre isso. Terceiro, o partido do governo chamado, não é o partido dele, o PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro]. A herança da época militar era a herança de um partido grande, da oposição, contra o governo. De repente, quem está na presidência é aquele representante do PDS [Partido Democrático Social] antigo, era o presidente da comissão nacional, não é? De modo que ele fica aqui [mostra com as mãos uma linha na altura de seus ombros], mais ou menos no ar. Obviamente, uma coluna aqui para ele são as Forças Armadas. Sem dúvida nenhuma. Mas eu acho que ele também tem o temperamento, a intuição de um político; a coisa é negociar. O problema é que ele não tem base forte para negociar...
Augusto Nunes: [Interrompendo] [Base] Política. Ricado Noblat.
Ricardo Noblat: E aí, no caso, professor, para o senhor que estudou aí nesse período da transição, poderia dar seu testemunho - ou não - sobre isso, o mais indicado não teria sido um mandato menor, mais curto, de quatro [anos] ou de menos tempo, para gerir essa transição do que continuar com um presidente que, de certa forma, foi o representante de um partido político que apoiou o regime anterior e que não tem base política, como o senhor disse? O senhor não acha que, no caso, não teria sido mais conveniente ou seria mais conveniente que se desse um mandato menor?
Thomas Skidmore: Eu conheço gente que fala em [mandato de] três anos [sorri].
Ricardo Noblat: Bom, já passou.
Thomas Skidmore: Já é um pouco tarde. Não, talvez. Mas estamos aqui com um fato que é - quase -, de fato, que ele vai ser [presidente] por cinco anos. Seria melhor não ter? Não sei. Em termos históricos, o melhor teria sido o PMDB assumir a presidência, a responsabilidade. Agora, o PMDB tem a responsabilidade. Está lá na Constituinte, mas não tem a responsabilidade para, por exemplo, implantar a política econômica, fazer acordo com o Fundo [Fundo Monetário Internacional]. Quem está fazendo é o presidente. O problema é que ele não é do partido grande, o partido que ganhou tudo, o Ulysses [Ulysses Guimarães], aquela cruzada contra os militares. Ironicamente não são eles. Eles estão aqui tentando criar um novo partido. Não sei se...
Augusto Nunes: Ricado Carvalho, depois Luciano Ornellas, que acabou de chegar e já está entre a gente.
Ricardo Carvalho: Professor, o seu primeiro livro, De Getúlio a Castelo engloba mais ou menos 34 anos: de 1930 a 1964. O seu segundo livro, De Castelo a Tancredo, 20 anos. O seu terceiro livro: [se chamará] De Tancredo a... quem? E quanto tempo vai demorar para ser escrito?
Thomas Skidmore: [Rindo] Ah, não sei, sabe?
Ricardo Carvalho: O que eu quero dizer é o seguinte: essa transição, ou esse período histórico que foi marcado aqui nos seus livros, de Getúlio a Castelo e de Castelo a Tancredo, e o Tancredo como um marco. Qual é o próximo marco que o senhor entende que dá para escrever um livro?
Thomas Skidmore: Estou pensando em desistir desses livros. Sabe por quê?
[Risos gerais]
Thomas Skidmore: Por que eu cheguei aqui e perguntei a um amigo meu: "quais são os presidenciáveis do Brasil?". Ele falou: “Leonel Brizola, obviamente, e outro fantasma da década de [19]50 que é o prefeito Jânio Quadros”. Eu disse: "não é possível." [coloca as mãos na cabeça, admirado]. É [...] político do que eu já vi.
Augusto Nunes: Acho que está entrando na máquina do tempo. [risos]
Thomas Skidmore: Pois é. É difícil saber.
Ricardo Carvalho: Se o senhor tiver que escrever De Tancredo a Brizola ninguém vai entender nada. É verdade ou não?
Thomas Skidmore: [Rindo] Talvez...
Ricardo Carvalho: Mas, quanto tempo o senhor acha que pode durar essa próxima transição?
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Transição? Já é campeão.
Ricardo Carvalho: [Continuando] Ou esse período histórico, [para] que o Brasil volte firme ou venha a se firmar politicamente?
Thomas Skidmore: Suponho que vá até [19]89. A eleição de [19]89 vai ser [19]90 mais dois anos para o novo presidente ser eleito e inaugurado.
Pedro Del Picchia: O senhor falou do espírito democrático das Forças Armadas. O senhor é um estudioso...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] [...].
Pedro Del Picchia: ... da nossa história e da história das Forças Armadas no Brasil. Se o Brizola ganhar a eleição, na sua opinião, ele será o presidente e implantará de fato a democracia no país, e daí adiante ele...
Ricardo Carvalho: [Interrompendo] Ou, por partes. Ele assume a presidência?
Rodolfo Konder: [Interrompendo] Entrando de carona na pergunta do Ricardo. Então aí o senhor poderia escrever De Tancredo a Getúlio e fechava o ciclo. Porque o Brizola não é o herdeiro do Getúlio? [risos] Fazer um... [movimenta a mão em círculo] ... negócio redondo.
Thomas Skidmore: [Rindo] A história gaúcha.
Augusto Nunes: [interrompendo] Professor, por partes: O Brizola assume? O que o senhor acha? Se ele for...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Bom. Todo mundo fala sobre isso. Ao meu ver é especulação pura. Eu estou aqui há oito dias, não falei com nenhum ministro, militar, nenhum general...
Ricardo Carvalho: Mas falou com o presidente da República.
Thomas Skidmore: Não, mas...
Augusto Nunes: Que é o comandante chefe...
Thomas Skidmore: Mas nesse assunto tem menos importância.
[Risos]
Thomas Skidmore: Mas eu acho que o Brizola, a meu ver, é populista. Quer dizer, o governo dele, aqui no Rio, foi um governo mais ou menos populista. Quer dizer, ele jogou tudo em cima da educação, os "brizolões" aquela coisa toda, um pouco aquilo do “socialismo moreno” [conforme o respeitado cientista social e um dos dirigentes do PDT na década de 1980, Darcy Ribeiro, seria uma proposta de socialismo adaptada à realidade do Brasil e de seu povo moreno, conjugada com o trabalhismo varguista]. Mas foi um grito populista. E não acho que isso vá criar grandes problemas para os militares. Grandes problemas.
Fernando Mitre: O senhor não acha que um confronto entre populistas, como Brizola e Jânio Quadros, poderia criar alguma situação muito complicada neste país?
Thomas Skidmore: Pode.
Fernando Mitre: Que complicações seriam essas?
Thomas Skidmore: Bom, o problema é que a reação a Brizola é muito forte. Eu acho que isso melhorou um pouco, tem mais possibilidades de se pensar como presidente o Brizola. Porque o Brizola era o primeiro a criticar o Plano Cruzado. A posição dele, em termos da eleição presidencial, é uma posição boa. Ele pulou para o outro lado, ao começo do Plano Cruzado. E agora todo mundo está lembrando daquilo. Além disso, eu acho que o governo dele no Rio [de Janeiro] não foi um governo subversivo ou mesmo radical. Era aquela coisa de ser “tudo pelo social”, vamos dizer. A reação contra ele é o que a gente pergunta. Sobre a chance de o Brizola ganhar, isso é outra coisa. Outra coisa. Eu duvido, no segundo turno, que o Brizola ganharia.
Fernando Mitre: [Interrompendo] O Jânio ganharia?
Augusto Nunes: [Interrompendo] De quem?
Ricardo Carvalho: [Interrompendo] De quem?
Fernando Mitre: Entre o Jânio e o Brizola, o senhor acha que o Jânio ganharia? [rindo] Como é que o senhor vê essas possibilidades?
Thomas Skidmore: Não estou falando sobre Jânio. Estou falando sobre...
[Sobreposição de vozes, câmara focada em Thomas Skidmore]
Augusto Nunes: Brizola contra qualquer candidato.
Ricardo Carvalho: Mas no segundo turno ele não ganharia, professor? Ou disputando com quem?
Augusto Nunes: Contra qualquer candidato, presumo.
Thomas Skidmore: Quércia.
Ricardo Nunes: Quércia?
Thomas Skidmore: [Com uma expressão de dúvida] Não sei. Mas eu estou dizendo que o Brizola tem a fortaleza dele no Rio Grande do Sul e Rio. Só. Foi muito votado como deputado federal nas eleições de [19]72, no Rio, não é? Duvido que o apoio dele...
Augusto Nunes: [Interrompendo] [19]62.
Thomas Skidmore: ... aqui em São Paulo é tão grande. Ele vem para cá a cada oportunidade para estimular a coisa. Em Minas Gerais, não tem...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Professor, vamos completar a roda. Luciano Ornellas, do jornal O Estado de S. Paulo.
Luciano Ornellas: Professor, por analogia, para que o telespectador faça uma diferença entre o seu país e o nosso. O senhor não acha que se o caso de Watergate [o caso Watergate foi o escândalo político ocorrido na década de 1970 nos EUA que, ao vir à tona, acabou culminando na renúncia do presidente americano Richard Nixon. Watergate, de certo modo, tornou-se um caso paradigmático de corrupção] tivesse acontecido no Brasil, os jornalistas já estariam presos?
Thomas Skidmore: Como é?
Luciano Ornellas: Os jornalistas aqui [no Brasil] já não estariam presos?
Augusto Nunes: Se o caso... repete, acho que ele não ouviu a primeira parte.
Luciano Ornellas: Se o caso de Watergate tivesse acontecido no Brasil, o senhor não acha que os jornalistas iriam pra cadeia?
Augusto Nunes: Os jornalistas.
Thomas Skidmore: Aqui no Brasil?
Augusto Nunes: É.
Thomas Skidmore: [Olha fixamente para Luciano Ornellas e sorri] Está com medo?
[Risos e sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Acho que vale a pena até a gente se estender sobre essa pergunta. O que existe, professor, é uma sensação de profundo desencanto em relação à disposição da máquina judiciária, ou da máquina do executivo em apurar casos de corrupção. Um caso desse tamanho - presumo que seja isso - envolvendo o governo brasileiro [enfatiza], o senhor acha que geraria as conseqüências que o caso Watergate gerou ou o tiro sairia pela culatra?
Thomas Skidmore: Mas o jornalista dos Estados Unidos não foram para a cadeia.
Augusto Nunes: Pois é, mas o Luciano está dizendo é que aqui o tiro sairia pela culatra, como dizem os brasileiros, os jornalistas é que iriam para a cadeia.
Thomas Skidmore: Não sei. A tradição jornalística no Brasil é muito forte, tem muitos anos. Eu acho que mesmo durante o governo militar, essa tradição continuava. A minha impressão atual é que não tem essa tendência. Se houver emergência, alguém vai chamar para estado de sítio [suspensão temporária dos direitos e garantias constitucionais dos cidadãos acionada pelo chefe de Estado, mediante autorização do Congresso Nacional, em casos extremos, como: agressão por forças estrangeiras, grave ameaça à ordem constitucional democrática ou calamidade pública. Em estado de sítio, os poderes legislativo e judiciário submetem-se ao executivo], aquela coisa toda, é possível, claro. Inclusive gringos... [risos] Me chamaram [apontado para si] para a polícia uma vez...
Augusto Nunes: Professor, eu vou insistir nesse filão que o Luciano Ornellas descobriu agora. O senhor certamente deve estar ouvindo muitos relatos sobre... envolvendo casos de corrupção, quase todos ligados a funcionários do governo. São casos de corrupção que envolvem grandes cifras, sobretudo para os padrões brasileiros. O senhor acha que, primeiro, o nível de corrupção é semelhante nos Estados Unidos e no Brasil? Segundo, a corrupção nos Estados Unidos é tão impune quanto parece ser aqui no Brasil?
Thomas Skidmore: Isso é difícil de dizer. Eu não fiz pesquisa sobre isso, não é? Mas a impressão que eu tenho é que no Brasil as instituições não funcionam no mesmo nível do que nos Estados Unidos. Por exemplo, nós temos o General Accounting Office [Escritório Geral de Contabilidade dos Estados Unidos], que é, realmente, o centro onde eles fazem a contabilidade de todo o governo. É independente, subordinado ao Congresso e tem independência. E ninguém vai subornar o General Accounting Office. Tenho a impressão [de] que no Brasil isso não existe. Quer dizer, ainda tem muito para fazer nesse assunto.
Augusto Nunes: Professor, antes de... Desculpe. Em seguida, Paulo Sérgio Pinheiro. Alguns telespectadores, entre os quais Vicente Bianchi, do Campo Limpo e César Brigante, desculpe, Sérgio Pinto Dias, de Alphaville, eles querem saber se o senhor acha que o Brasil...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Só para fazer uma... Nós [Estados Unidos] temos também corrupção [risos]. Bastante.
Augusto Nunes: Perfeito. Se o senhor acha que o Brasil, visto à distância, é um país sério? O senhor certamente sabe da frase que foi atribuída, parece, a Charles De Gaulle [(1890-1970) general e estadista francês que liderou as forças francesas livres durante a Segunda Guerra Mundial], segundo a qual o Brasil não seria um país sério. É?
Thomas Skidmore: Eu acho que sim. Inclusive, nos meus cursos nos Estados Unidos, quando eu vou fazer conferência lá, tem muito interesse no Brasil. Geralmente começa com a música brasileira. Todo mundo conhece. Depois disso tem outras coisas, tem sobre a Amazônia, sobre o sistema político, sobre futebol, sobre samba, sobre... e depois a gente fica aqui com outras coisas. Mas eu acho que o Brasil é um país sério. Às vezes, o nosso país é sério demais.
Paulo Sérgio Pinheiro: Voltando ainda a essa questão da corrupção. Graças ao que o Luciano lembrava, talvez a visibilidade da transição, nunca a corrupção foi tão explícita no país. Você, que conhece a longa duração republicana, por que essa resistência? Você já deu uma explicação, o problema das instituições.
Thomas Skidmore: Sim.
Paulo Sérgio Pinheiro: Mas você não acha que, numa transição política, esses temas da corrupção, que, evidentemente, interessam à população e aos eleitores, por que é que eles não têm uma conseqüência ao nível dos governantes?
Thomas Skidmore: Eu acho que entra aqui também o sistema partidário. O sistema partidário, que está funcionando bem, quem controla, em certo sentido, é a oposição. Com esse sistema que não funciona bem, que alguém que está no governo não tem oposição realmente para criticar, isso só deixa a imprensa para fazer controle, para fazer investigação. Eu acho que isso seria melhor com um sistema partidário melhor organizado. Inclusive, muitas vezes, tem corrupção que é disciplinada pelos partidos. Corrupção é inevitável, muitas vezes. Porque o que um chama de corrupção, para outro é renda, porque, talvez, o salário dele seja muito baixo, e funciona, nessa base. Mas, precisa de um sistema que discipline. Quando não tem sistema partidário bem organizado, bem montado, eu acho que isso é maior. E também tem a mentalidade que "Vamos pegar o 'nosso' rapidamente, porque não tem mais chance.". É a nossa única oportunidade.
André Singer: Professor, eu gostaria de perguntar justamente sobre o sistema partidário, que o senhor levantou. O regime militar instaurou um bipartidarismo seguindo o modelo norte-americano. Esse bipartidarismo...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Pensando que foi.
André Singer: Pois é. Mas esse bipartidarismo sobreviveu durante algum tempo e depois se desfez numa certa etapa da transição. Hoje o senhor está assinalando que há um sistema partidário pouco estruturado. Eu gostaria de saber a sua opinião. Se num país como o Brasil a tendência é o sistema partidário se estruturar ao redor de dois grandes partidos - um do governo e outro da oposição - ou o multipartidarismo e esse certo esfacelamento partidário que está ocorrendo hoje é a tendência natural? E, gostaria, também, de agregar a isso a observação feita pelo próprio presidente Sarney, de que não existem partidos nacionais, nós temos partidos por Estado. E mencionar que a Assembléia Constituinte aprovou novamente o voto proporcional e não o voto distrital. Quer dizer, o senhor acha que o sistema partidário brasileiro tende a se estruturar por onde? Qual é o modelo que o senhor enxerga?
Thomas Skidmore: Bom, o experimento com o bipartidarismo, a meu ver, foi ingenuidade do presidente Castelo Branco. Ele achava que o segredo da democracia americana, e também a inglesa, era o bipartidarismo. O fato é que bipartidarismo é um mito. No nosso país sempre houve alguns outros partidos. Também na Inglaterra. Agora, por exemplo, a Tatcher [Margaret Thatcher] tem a maioria tremenda, mas a votação dela, popular, é menos do que 50%. De modo que não é verdade que eles precisam... a verdade histórica é que sempre houve mais partidos, conosco também.
André Singer: Mas nos Estados Unidos, predominantemente, há dois partidos, não é?
Thomas Skidmore: Predominante, é. Às vezes tem variações. Ao meu ver, seria melhor para o Brasil - especulação minha - ter o sistema de voto distrital em termos de fortalecer os partidos e com isso articular partidos nacionais, que precisam, que vai distribuir. Quer dizer, tem a máquina governamental que cresceu tremendamente durante o governo militar, não é? É um monstro que fica lá dividindo as coisas, seguindo a opinião dos tecnocratas, sem a influência ou pouca influência dos políticos. O que precisa é articular os partidos com o poder, com o governo central e também descentralizar bastante, para os estados. E eu acho que isso estimularia muito o sistema político brasileiro. O fato é que você vai ter conflitos setoriais, ou de classe, isso é inevitável. Mas com partidos bem articulados, nacionais, tem a possibilidade de negociar, negociar o acordo, coisa que agora não tem.
Fernando Mitre: Professor, o senhor se refere no seu livro ao enorme talento que as nossas elites têm para passar ao largo das questões fundamentais relativas à justiça social e econômica, como o senhor diz. E ainda com relação ao quadro partidário, o nosso quadro partidário não é nitidamente ideológico. Então, o eleitor quando vota não sabe muito bem em que programa ele está votando. Agora, o senhor acha possível, num país com as diferenças sociais do Brasil, se aplicar eficientemente uma democracia política sem cuidar da democracia social? Quer dizer, com essas disparidades?
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Eu acho que não. Eu acho que não é possível.
Fernando Mitre: Não é possível. Então, podemos concluir que nós estamos ainda praticamente na estaca zero na construção da democracia. Porque estamos cuidando de problemas institucionais ainda. E o problema social, este está distante, muito longe ainda. Seria isso? Estamos tão longe assim então de uma democracia plena?
Thomas Skidmore: Bastante distante. Bom, primeiro, os fatos políticos ainda são fatos vindos do sistema militar, do governo militar. O que houve durante o governo militar? Dois partidos: um partido do governo, que tinha que ganhar, e a oposição, que não podia ganhar. E o governo militar manipulou o sistema. O que aconteceu? O MDB [Movimento Democrático Brasileiro] se tornou o grande partido do Brasil. E a bandeira era, exatamente, liberdade contra a repressão e também justiça social. Isso fica muito claro nos manifestos. Em [19]82, nas campanhas para governadores, foi muito bem articulado lá, e também quando o presidente Sarney convidou o Hélio Jaguaribe [(1923-) sociólogo, cientista político e escritor. Durante o governo de Sarney, em 1985, coordenou o Projeto Brasil 2000, que resultou em livro intitulado Brasil 2000: para um novo pacto social. Em 1988, o segundo volume do projeto foi publicado - Brasil: reforma ou caos - e Jaguaribe auxiliou a fundação do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira)], sociólogo, para fazer aquele estudo sobre o Brasil democrático e os seus problemas, estava tudo lá, uma radiografia do problema social no Brasil, sem dúvida nenhuma.
Paulo Sérgio Pinheiro: Mas o presidente não fez nada, ele preferiu jogar no lixo. [Thomas ri]
[...]: Professor, ...
Thomas Skidmore: Mas eu acho que é essencial fazer isso. Não tenho a menor dúvida. O Brasil tem essa divisão que é muito grande. É a preocupação com mudanças institucionais...
Fernando Mitre: [Interrompendo] O senhor acha que a Nova República não caminhou nessa direção por enquanto?
Thomas Skidmore: Muito pouco.
Fernando Mitre: Quer dizer, o “tudo pelo social” do Sarney é mais uma frase?
Thomas Skidmore: Eu não conheço profundamente o orçamento, mas duvido [sorri].
Fernando Mitre: Então quer dizer que o PMDB...
Augusto Nunes: Cláudio, ...
Thomas Skidmore: Houve uma coisa que era o Plano Cruzado... quando começou o Plano Cruzado
Fernando Mitre: Mas que não era também para distribuir renda. Aquilo foi...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Foi no começo. Eles aumentaram os salários, houve um rush, uma euforia de prosperidade, muita gente de baixo... Lembro-me muito bem o Pazzianotto [Almir Pazzianotto Pinto (1936-) foi ministro do Trabalho no Brasil, de 1985 a 1988. Depois de promulgada a Constituição de 1988, Pazzianotto foi indicado pelo presidente Sarney para o Tribunal Superior do Trabalho, do qual foi ministro vitalício até 2002, quando se aposentou] dizendo: "Mal dá para o operário aqui comprar um par de sapatos".
Fernando Mitre: Naquele momento, trinta milhões de brasileiros que não conheciam o mercado de consumo chegaram lá, mas parece que já voltaram.
[Sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Professor, só pra estabelecer um pouco de ordem...
Thomas Skidmore: Pois não.
Augusto Nunes: É o Paulo Sérgio, depois o Rodolfo, depois o Luciano Ornellas.
Thomas Skidmore: Ok.
Paulo Sérgio Pinheiro: Voltando a essa questão dos partidos, você acha que o poder fez mal ao PMDB, quer dizer, essa degenerescência que hoje nós assistimos ocorrer no PMDB, você acredita que, mal ou bem, eles estiveram no poder, apesar dessa Nova República vir sendo governada por decreto-lei? [risos] Você sabe, o presidente Sarney só governa por decreto-lei. Você acha que o poder fez mal ao PMDB, a todas essas bandeiras que você se referia: da liberdade, da democracia, do projeto social?
Thomas Skidmore: O problema é que o Tancredo teria sido a ponte entre o sistema antigo e os problemas atuais, não é?
Augusto Nunes: [Interrompendo] Aliás, professor...
Thomas Skidmore: Pois não.
Augusto Nunes: Desculpe interromper, eu quero aproveitar esse assunto levantado pelo Paulo Sérgio para dizer o seguinte: vários telespectadores têm muita curiosidade em saber que tipo de paralelo o senhor estabelece entre o Sarney e o Tancredo. Então, por exemplo, o Rui Santana, que é meu conterrâneo, de Taquaritinga, pergunta se, levando em conta que o Tancredo sequer tomou posse, se é legal ou legítima a situação do presidente José Sarney. O José Augusto de Vasconcelos, de Campinas, ele entende que a maior obra do governo Sarney, até agora, foi a própria consolidação do seu governo, porque ele acha que isso configura uma guinada conservadora, na medida em que provocou um desvencilhamento progressivo dos compromissos que Tancredo Neves havia assumido com setores progressistas. Ele pergunta como é que o senhor vê esse período do governo Sarney. César Brigante, de São Carlos, interior de São Paulo, ele acha que com o Tancredo no governo a transição estaria encerrada... aliás, ele pergunta ao senhor se com o Tancredo no governo a transição estaria encerrada em quatro anos e se o PMDB estaria no poder. Eu queria que o senhor juntasse a pergunta do Paulo Sérgio, que fala do PMDB, também, e essas perguntas dos telespectadores que estão curiosos quanto a uma comparação entre o Tancredo e o Sarney, que o senhor falasse desse assunto.
André Singer: Augusto, eu poderia tomar uma carona e acrescentar só mais uma coisinha? O senhor, no seu livro, se refere ao Tancredo como um peessedista.
Thomas Skidmore: Mas, você já leu o livro? [risos]
André Singer: [Rindo] Eu li partes do livro. O senhor se refere ao Tancredo Neves como um peessedista de centro-esquerda.
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Em [19]85.
André Singer: Eu gostaria de perguntar se o senhor acha que realmente esse era o perfil dele, porque muitos o vêem como um homem de centro e até como um conservador e, também, num outro momento do seu livro, o senhor diz que o presidente Tancredo eleito era o presidente que teve maior legitimidade de todos os presidentes [que já foram] eleitos. Eu lhe pergunto se isso não é um pouco contraditório com o fato de que, apesar de ele ter sido eleito com certo apoio popular, ele foi eleito por um colégio eleitoral limitado, que era determinado pela constituição militar, do regime militar [Thomas assente com a cabeça]. Enquanto houve na história do país alguns presidentes eleitos diretamente pelo voto. Essa atribuição de presidente com maior legitimidade de todos os presidentes eleitos no país, não seria contraditória com esse fato?
Thomas Skidmore: É possível. É possível, mas a votação foi espantosa. Bom, o Tancredo tinha uma posição contraditória, porque o primeiro ministro da Fazenda que ele escolheu era o Dornelles [Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo Neves, foi ministro da Fazenda entre março e agosto de 1985], que é um homem da política bastante ortodoxa, não muita coisa de justiça social. Aconteceu que houve, durante os dois primeiros anos do governo Sarney, que o crescimento econômico foi bastante bom, cresceu bastante a economia, coisa que o governo não notou quando começou em março, de modo que houve muitas contribuições nas posições do Tancredo. Mas naquele momento, o espírito, o apoio, o alívio emocional foi uma coisa incrível! Quando ele morreu o luto foi uma coisa incrível. Em certo sentido, ele também tinha a vantagem da reação contra o outro candidato presidencial naquela época, que era o governador Paulo Maluf, uma reação tremenda contra ele. A meu ver, um pouco da reação contra o Maluf era um pouco contra as Forças Armadas, mas ele era o bode expiatório, em certo sentido. De modo que o Sarney está enfrentando as dificuldades que também o Tancredo teria encontrado, sem a menor dúvida. O problema é que o Sarney representa outra tradição, que é a do Nordeste, que é a do bastião [fortaleza, bastião do coronelismo político] do eleitorado durante o governo militar. [Já] O Tancredo tinha outras ligações, por isso que foi mais difícil para o Sarney. Mas também o Tancredo é do PMDB, e se tornou o representante do partido que era de grande oposição ao governo.
[Sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Rodolfo Konder.
Rodolfo Konder: É sempre bom lembrar, professor, que, apesar de todos esses rótulos - isso é só para deixar um registro -, o Tancredo nunca esteve do lado do "cabo do chicote", em mais de cinqüenta anos de vida pública. Isso eu sempre gosto de recordar.
Thomas Skidmore: Sim.
Rodolfo Konder: Inclusive, a alguns amigos meus de esquerda que gostavam de criticar o Tancredo, eu sempre gosto de lembrar que o Tancredo nunca esteve do lado da repressão. Agora, a minha... eu queria também trazer o senhor para uma questão que nos envolve mais diretamente aqui em São Paulo. O senhor disse que todo historiador é um mau profeta, então eu gostaria de aproveitar o seu conhecimento na avaliação do passado, já que em relação ao futuro o senhor é muito cauteloso...
[Risos gerais]
Rodolfo Konder: ... mesmo com essa sua irreverência. [Thomas põe as mãos na cabeça e ri] A idéia... veja bem... O senhor falou da candidatura Jânio Quadros e esse é um problema que nos aturde a todos. Eu gostaria que o senhor relembrasse um pouco para este país, para os nossos telespectadores que vivem num país de memória curta, quem é o senhor Jânio Quadros e o episódio da renúncia. Que papel ele desempenhou no episódio da renúncia, que é uma coisa que as pessoas parecem que já se esqueceram.
Thomas Skidmore: É... Não, eu me lembro muito bem. Eu cheguei no Brasil, a primeira vez foi em [19]61, dois meses depois da renúncia de Jânio. Era uma desilusão tremenda, um desalento, um repúdio aos políticos, em geral. Entre [19]61 e [19]64, muitas vezes, eu encontrei pessoas e conversávamos sobre o golpe de [19]64, e “o culpado”, muitas vezes o brasileiro diz: “Foi o Jânio”, porque ele renunciou ao mandato que não foi cumprido. Houve aqui falta de compreensão, [porque] o Jânio tinha prometido explicar toda a coisa. Muitas vezes. Eu tenho em casa milhares de recortes sobre as explicações, que nunca chegaram.
Rodolfo Konder: Era o grande mudo, como o senhor lembrou.
Thomas Skidmore: É. O grande mudo. De modo que é um sinal, talvez, da falta de memória. Também a situação aqui era partidária, quer dizer, houve uma divisão entre os candidatos e ele se elegeu com 33%. Mas a renúncia foi um soco [faz o gesto do soco e sorri] no estômago do brasileiro.
André Singer: Professor, eu gostaria de saber se o senhor concorda com a tese de que a renúncia do Jânio era a tentativa de um golpe, pelo menos de um golpe que daria poderes, ao estilo De Gaulle para fazer a Quinta República na França. Eu queria saber o que o senhor acha dessa tese que, em seu livro, o senhor passa por ela, mas não deixa muito claro qual é o seu entendimento desse episódio.
Thomas Skidmore: Ninguém sabe. O fato é que ninguém sabe, porque ele viajou imediatamente de Brasília e não deixou contatos. Quer dizer, foi impossível, logo depois da renúncia, entrar em contato com ele, praticamente. Falava-se na época disso: que ele queria mais poderes. Decreto-lei, coisa a que ele chegou. [Thomas sorri]
André Singer: É o precursor.
Thomas Skidmore: [Risos] É o precursor.
Augusto Nunes: Professor, nós vamos fazer agora um pequeno intervalo. O programa Roda Viva com o brasilianista Thomas Skidmore volta já, já.
[intervalo]
Augusto Nunes: Retomamos aqui nossa conversa com o brasilianista Thomas Skidmore. Skidmore é professor de história do Brasil e história da América Latina na Universidade de Wisconsin, e autor de dois livros: Brasil: de Getúlio a Castelo, e outro que está sendo lançado agora Brasil: de Castelo a Tancredo. Professor Thomas Skidmore, a Francisca de Castro Moura, da cidade de Rio Claro, interior de São Paulo, gostaria de saber do senhor se é verdade que os Estados Unidos teriam patrocinado o golpe militar de [19]64. O Roberto Soares, de Pinheiros, que leu o seu livro [Brasil:] de Getúlio a Castelo, disse que nesse livro o senhor nega a participação dos Estados Unidos no golpe de [19]64. Ele pergunta se, diante das revelações contidas em arquivos americanos recentemente divulgados, o senhor manteria a sua opinião. Em seguida, a pergunta do Luciano Ornellas. Professor Skidmore [aponta para ele].
Thomas Skidmore: Pois não. Eu acho que... eu pus um apêndice no meu livro: “o papel dos agentes nos arquivos João Goulart ”. No primeiro livro, Brasil: de Getúlio a Castelo. Naquela época não houve a documentação do arquivo do Johnson [Lindon Johnson, sucessor da presidência dos Estados Unidos, depois da morte de John Fitzgerald Kennedy, em 1963], em Texas. O que foi revelado naquela documentação e foi publicado em livro aqui no Brasil, também, de Phyllis Parker [Parker, Phyllis R. 1964: O papel dos Estados Unidos no golpe de Estado de 31 de março. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977], mostra que houve uma preocupação grande do governo americano. Além disso, houve... o governo americano tinha mandado uma frota para o Brasil de dois petroleiros, com a idéia de que, com as forças rebeldes, ia faltar petróleo para eles.
Augusto Nunes: Iam decretar um território livre.
Thomas Skidmore: Exatamente. Exatamente. Os Estados Unidos iriam fornecer petróleo, combustível para eles. Aconteceu que a resistência contra o golpe foi muito fraca, quase não houve. De modo que não houve necessidade de pedir aos americanos para fornecerem combustível. Nesse aspecto, não houve participação. Mas o fato é que a posição do governo americano foi claríssima. Não tenho a menor dúvida de que o papel do embaixador americano Lincoln Gordon [(1913-), nova iorquino nomeado embaixador no Brasil em agosto de 1961, cuja efetivação foi adiada pelo governo norte-americano até a solução da crise causada pela renúncia do presidente Jânio Quadros - em agosto de 1961 - e pela recusa dos ministros militares em permitir a posse do vice-presidente João Goulart, então em visita à China. Goulart foi empossado em 7 de setembro de 1961 e no mês seguinte Gordon tornou-se embaixador efetivo] era o de apoiar os governadores da oposição, como, por exemplo, o governador Lacerda, que foi muito bem financiado para as obras públicas do estado de Guanabara. Além disso, houve... provavelmente houve financiamento para políticos brasileiros, que é muito comum com a CIA [Central Intelligence Agency; serviço de inteligência dos Estados Unidos da América cujas atribuições são: coletar informações de fontes humanas; correlacionar e avaliar inteligência ou informações relativas à segurança nacional americana, divulgando-as de forma apropriada; fazer outras funções de inteligência (informações e contra-informações) ligadas à segurança nacional que o presidente decidir] Já foi feito... O Gordon, ele confessou isso nas eleições de [19]62. Financiamento americano. Mas eu acho que participação direta não houve. O importante é reconhecer que houve um golpe militar brasileiro [enfatiza] com o apoio civil. Muito importante. Quer dizer, muito bem preparado.
Augusto Nunes: Luciano Ornellas.
Luciano Ornellas: Professor, como estudioso das coisas brasileiras, relembrando o passado recente e o presente, o senhor vê alguma diferença entre o PDS do regime militar e o PMDB da Nova República?
Thomas Skidmore: [Risos] Acho que sim. Espero que sim. O PDS era sustentado, completamente, pelos militares, e sem o apoio militar não teria sido possível, realmente, [se] eleger. A prova disso foi a eleição de [19]70. Na eleição de [19]70, o governo ganhou muito bem no Brasil. Aconteceu que, na véspera da eleição de [19]70, houve, pelo menos, cinco mil prisões. De modo que saiu tudo bem. Aqui no Brasil, também, alguns diplomatas estrangeiros diziam: “Não. O Médici, o presidente Médici [Emílio Garrastazu Médici foi presidente do Brasil de 1969 a 1974. Seu governo ficou conhecido como "os anos de chumbo da ditadura", período de forte repressão policial aos movimentos estudantil e sindical, em que se deram muitos desaparecimentos políticos e práticas de tortura nos DOI-CODIs, órgãos governamentais de repressão política], tem tudo aqui na mão, não tem problema nenhum.” Em [19]74, quando o Geisel [Ernesto Geisel, presidente da República a partir de março de 1974, representando o triunfo dos castelistas, que queriam redemocratizar o Brasil gradativamente. Seu governo se estendeu até março de 1979 e foi marcado pelo fim do chamado milagre econômico e pela forte e crescente insatisfação popular com o regime militar] deixou o pessoal da oposição chegar à televisão, foi o contrário, completamente. De modo que eu acho que realmente o PMDB é o herdeiro desse papel da oposição. O problema é que fica agora na ambigüidade: está no poder ou não está no poder.
Paulo Sérgio Pinheiro: [Interrompendo] Só insistindo nessa pergunta do Luciano. Você acha que o procedimento do PMDB no governo, por exemplo, no governo federal, você acha que o fisiologismo do PMDB foi diferente do fisiologismo do PDS?
Thomas Skidmore: São políticos pegando dinheiro dentro [faz gesto de pegar], favores, influências. Isso é...
Pedro Del Picchia: Fisiologismo de esquerda.
[Sobreposição de vozes e risos]
Thomas Skidmore: O problema é que com a democracia todo mundo sabe, e com o regime militar ninguém sabe, porque tem censura.
Augusto Nunes: [Interrompendo] Desculpe-me, professor, antes de passar ao Pedro Del Picchia, por falar em pegar dinheiro, já se sabe hoje, com as revelações ligadas à época, que muitos políticos brasileiros receberam dinheiro da CIA. Hoje, o senhor acredita que essas contribuições continuam?
Thomas Skidmore: Não sei. É bem possível.
Augusto Nunes: Pedro Del Picchia.
Pedro Del Picchia: Queria voltar...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Só um minuto. Houve aqui um empresário americano, muito famoso, que construiu a estrada de ferro na Amazônia: [Percival] Farquhar [(1864-1953) explorou diversos empreendimentos ferroviários no Brasil, sobretudo no sul do país; também construiu o porto de Belém. Atuou com empreendimentos em outras partes do mundo], o nome dele, muito famoso. Ele se queixou que aqui no Brasil você dá dinheiro para o político brasileiro e ele não entrega, quer dizer, ele trai. [muitos risos]
Thomas Skidmore: Muitas vezes, o político não é honesto.
Augusto Nunes: [Interrompendo] É que eles são independentes. [risos] Nem sempre é dando que se recebe, às vezes, só recebe e não dá.
[Sobreposição de vozes e risos gerais]
Thomas Skidmore: O corrupto não tem, quer dizer, ele fica lá sem graça...
Pedro Del Picchia: O senhor me permite, eu queria voltar um pouquinho para trás. O senhor estava falando aí do período da revolução, do movimento de 1964, que teve apoio popular, em sua opinião.
Thomas Skidmore: Apoio civil.
Pedro Del Picchia: Apoio civil. Teve apoio civil. E que os Estados Unidos não tiveram uma participação direta. O argumento que se usou, a justificativa que foi usada na ocasião é que o governo João Goulart estava conduzindo o Brasil para o comunismo. Pergunto ao senhor: o senhor acha que se não tivesse havido o golpe de [19]64 e João Goulart, se ele tivesse concluído o seu mandato, nós teríamos ido para um regime comunista?
Thomas Skidmore: [Silencia alguns instantes e diz:] Ah... isso eu duvido.
Pedro Del Picchia: Seria a eleição?
Thomas Skidmore: A política não. Ninguém estava preparado para isso, nem o Partidão [Partido Comunista Brasileiro]. Ninguém.
Pedro Del Picchia: Haveria eleição, portanto?
Thomas Skidmore: Bom, isso é especulação. Mas o comunismo era quase ridículo, na época, com as divisões tremendas. Inclusive o Partidão não estava em condições, era muito cauteloso com o governo Goulart. Houve aquela euforia na esquerda: os populistas, o pessoal da Igreja [Católica]. Mas não... acho que não houve... Para o americano, para o governo americano é outra coisa; falar em comunismo quer dizer um governo que vai escapar do controle ou vai criar núcleos de resistência na América Latina às políticas norte-americanas. Mas a fumaça [passa as mãos em círculos diante de si, aludindo à fumaça] é sempre sobre o comunismo.
[Sobreposição de vozes chamando o professor Thomas Skidmore]
Augusto Nunes: Professor, o João Luis Batista, do Ipiranga, relembra uma velha bandeira das esquerdas brasileiras, hoje um tanto em desuso, mas que fez muito barulho há alguns anos, que é do imperialismo americano. E ele pergunta ao senhor: "De que forma o imperialismo americano atinge, se manifestou ou se manifesta no Brasil?". Faz sentido essa bandeira do ponto de vista da esquerda?
Thomas Skidmore: Bom, isso foi, para muitos brasileiros, sinônimo de presença econômica. Você vai para o Citibank... Houve aquele panfleto muito famoso, faz vinte e cinco anos, Um dia na vida do brasileiro: que acorda e pega a...
Augusto Nunes: Um dia na vida do brasileiro.
Thomas Skidmore: ... pasta dental, que é a Colgate, depois come flocos Kellogs's, e depois anda no Volkswagen, aquela coisa toda que é a presença estrangeira na economia. Bom, tem que analisar isso: o que é e o que dá conseqüências boas para o Brasil, e não o que não dá, nao é? Tem que analisar friamente. Outra coisa é a pressão americana ou de outro país na política externa, e o Brasil já sofreu isso muitas vezes. Neste assunto o Brasil está em melhores condições agora de articular uma política externa que não seja subordinada aos Estados Unidos. Um país muito mais maduro, inclusive quanto às condições econômicas. A política externa é muito mais diversificada agora e, muitas vezes, simplesmente não responde aos Estados Unidos.
André Singer: Professor, voltando, ainda, a [19]64, eu me surpreendi que no seu livro o senhor trata o movimento militar por revolução, que é o nome que esse movimento se "auto-deu". As revoluções, normalmente, são entendidas como processos de mudanças culturais...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Mudanças sociais.
André Singer: Mudanças culturais na sociedade. O senhor acha que, de fato, o movimento militar de 1964 foi [realmente] uma revolução?
Thomas Skidmore: Não, em termos de mudanças sociais obviamente não. Obviamente não. Mas não houve simplesmente um golpe de um grupo de oficiais, aquilo foi articulado lá atrás. O movimento militar era um movimento de uma grande parte da burguesia. Mostrou isso no livro o René Dreyfuss [(1905-1993) cientista político PhD pela universidade de Oxford, autor de numerosas obras, entre as quais 1964: a conquista do Estado. Foi professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)], que realizou a articulação. Eu tive uma entrevista, foi no ano passado - eu acho - com o Golbery. Ele falou sobre a rede de legalidade de [19]61, a tentativa de evitar a sucessão de Jango, mas com aquela mobilização com o Brizola que montou muito bem aquela coisa toda, o Terceiro Exército, não foi possível. O Golbery disse: “Bom, nós tínhamos aprendido muito com isso”. Exatamente a mobilização civil para apoiar. Mas não foi uma revolução em termos sociais, como em Cuba, e mesmo, obviamente, como na Rússia ou na China.
André Singer: O senhor distingue o movimento militar de [19]64, aqui no Brasil, dos outros golpes militares na América Latina, professor? O senhor acha que tem um caráter inteiramente diferente do que houve na Argentina, no Uruguai e do que houve no Chile?
Thomas Skidmore: Não inteiramente, mas tem algumas semelhanças entre... Tem semelhanças. Tem uma onda aqui [na América Latina] de golpes: na Argentina, no Uruguai... No Chile foi o mais dramático, o país mais democrático da América Latina foi o último a sair do sistema autoritário. O Brasil, em certo sentido, conseguiu alguma coisa. Em termos, vamos dizer, da tecnocracia. Diversificaram as exportações, por exemplo. A coisa do "leão" no Brasil: em 1961, o imposto de renda foi uma piada aqui no Brasil. Ninguém ligava, como na Itália, na França, não é? [Dizia-se:] "A Gina Lollobrigida [(1927-) atriz de cinema e fotógrafa italiana, famosa por seus papéis sensuais no cinema, ganhou o título de "a mulher mais bela do mundo" após interpretar a cantora lírica Lina Cavalieri no filme La donna più bella del mondo, em 1955], ela não paga a multa.", aquela coisa toda. Mas uma coisa que funciona aqui no Brasil, é impressionante, é o "leão".
Pedro Del Picchia: [Interrompendo] Professor, amanhã, nós vamos...
[Sobreposição de vozes]
Thomas Skidmore: Pois é, pois é. Isso é a coisa menos brasileira que eu vi. Isso é conseqüência, pelo menos, do governo tecnocrata.
Rodolfo Konder: Só uma caroninha na pergunta do André.
Augusto Nunes: Em seguinda, Ricardo Noblat. Rodolfo Konder.
Rodolfo Konder: O senhor falou das semelhanças entre esses golpes: no Brasil, Argentina, Chile, e todos eles se dão na década de [19]60 e começo da década de [19]70, talvez como uma resposta à Revolução Cubana de 1959 [movimento de guerrilha iniciado em 1956, liderado pelo advogado Fidel Castro, contra o ditador de Cuba, Fulgêncio Batista, a revolução culminaria com a destituição do ditador em 1959. Seus objetivos eram conduzir Cuba à democracia, à libertação social e à autonomia nacional. Com o tempo, Fidel deu à revolução uma orientação marcante de socialismo de Estado].
Thomas Skidmore: Sem dúvidas. Sem dúvida nenhuma.
Paulo Sérgio Pinheiro: Só uma notinha de rodapé. Outra personagem muito querida nesse período é o atual embaixador na ONU, o general Vernon Walters [ex-embaixador dos Estados Unidos na ONU e um dos expoentes da política e diplomacia norte-americana no século 20].
Thomas Skidmore: [Interrompendo] O nosso amigo. [risos]
Paulo Sérgio Pinheiro: É, o nosso amigo.
Thomas Skidmore: Tem que aparecer.
Paulo Sérgio Pinheiro: Ele escreveu as memórias, que você conhece, As missões silenciosas, imagina o falastrão.
Thomas Skidmore: Fala demais.
Paulo Sérgio Pinheiro: Você acha que ele fala demais ou que, efetivamente, ele teve um papel importante na articulação, na interligação entre os golpistas de [19]64?
Thomas Skidmore: Tem a ver. Não há duvidas que ele estava articulando isso. Ele já conhecia o general Castelo Branco da Itália, e o papel dele era exatamente o de informar o governo americano sobre isso. Mas ele não mandou. Não tenho a menor dúvida de quem mandou foi o grupo de conspiradores militares brasileiros. Mas ele alertou o Gordon. O Gordon tinha um problema para viajar, naquela época, e ele tinha dito para o Walters: "I dont want any surprises.", “Não quero nenhuma surpresa!” [risos]
Paulo Sérgio Pinheiro: [Interrompendo] Não é pra já! O golpe não é logo.
[Risos]
Thomas Skidmore: “Você fala para mim”, ele falou. De modo que ele foi muito bem informado, e isso eu falei lá. Obviamente a indicação era a tremenda ajuda econômica dos Estados Unidos, que veio logo do USAID [Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional]. [Foram] 100 milhões de dólares no primeiro ano. Sustentou muito o governo.
[Sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Depois, eu queria assegurar a palavra, aqui, do...
Rodolfo Konder: O senhor estava falando do Citibank e interrompeu. O Citibank teve, também, um papel nisso?
Thomas Skidmore: O Citibank? No golpe?
Rodolfo Konder: Nessa ajuda financeira aos elementos que conspiraram.
Thomas Skidmore: Não. Eu acho muito pouco para a época. Os bancos comerciais, naquela época, não tinham nada para [...]. Isso é uma coisa posterior. Muito posterior.
Ricardo Noblat: Professor, em resposta à uma pergunta anterior, o senhor descartou, praticamente, o risco de que caminhávamos para um regime comunista ou quase isso...
Thomas Skidmore: Em [19]64.
Ricardo Noblat: É. Em [19]64. A seu ver, quais as verdadeiras causas do golpe militar de 1964?
Thomas Skidmore: Falou muito bem...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Aliás, desculpe professor, ...
Thomas Skidmore: Pois não.
Augusto Nunes: Só para incorporar à pergunta do Noblat, a preocupação do José Antônio Rodrigues, do Ipiranga, que diz o seguinte: “O senhor afirma que os americanos não tiveram influência direta no movimento militar de [19]64. Então, como é que o senhor explica a seqüência de movimentos semelhantes em outros países como Uruguai, Argentina, Chile?”. O senhor identifica as origens às quais se referem o Noblat, e em seguida responde a essa pergunta.
Thomas Skidmore: Sim. Bom, o que houve? Depois da Revolução Cubana houve uma preocupação muito grande nos Estados Unidos com a possibilidade de uma onda comunista na América Latina. Todo mundo falava: “A revolução vem aí”, aquela coisa toda. Então, os exércitos latino-americanos notaram que a primeira instituição liquidada em Cuba foi o exército, não é? E, também, o governo americano começou a dar ajuda no treinamento. O Brasil já tinha ligações antigas vindas desde a Segunda Guerra Mundial. Treinamento no Panamá. Inclusive, um programa chamado de segurança pública. A idéia era, na época do Kennedy, “vamos com a Aliança para o Progresso” [programa, criado por Kennedy, de ajuda norte-americana aos países da América Latina, objetivando alcançar uma situação de desenvolvimento econômico, social e político que se contraporia às "vantagens" do comunismo] quer dizer: crescimento econômico, reforma social, democracia. Só isso. Se não der certo, nós temos aqui as boininhas verdes [refere-se aos boinas verdes, forças especiais do Exército dos Estados Unidos], que é outra resposta ao problema, quer dizer, contra a insurgência. O que predominou nos exércitos latino-americanos e em alguns setores civis, também, era a preocupação com a necessidade de [se ter] uma resposta militar, de modo que os reacionários trabalharam muito bem com isso, em todos os países. De modo que o golpe militar era a resposta às crises econômicas.
Ricardo Carvalho: Mas o senhor acha que se os Estados Unidos não tivessem dado o apoio, talvez não muito explícito, mas implícito, aos golpistas, os golpes existiriam?
Thomas Skidmore: Não. Isso tinha um papel importante.
Ricardo Carvalho: O apoio dos Estados Unidos.
Thomas Skidmore: O apoio. O apoio implícito que era financeiro. Tremendo. E também técnico. Eles mandaram para cá, por exemplo, o [Dan] Mitrioni [agente da CIA (o serviço secreto americano), que durante três anos organizou os cursos de inteligência e técnicas de interrogatório a policiais civis e militares no comando da Polícia Militar, acusado de incluir a tortura em suas aulas, Dan Mitrioni, dava nome a uma rua no Bairro Industrial, em Belo Horizonte, até 1983], que foi morto no Uruguai. Toda a tecnologia, a segurança pública [...].
Ricardo Carvalho: Quer dizer, os Estados Unidos não colocaram os marines aqui, mas o apoio houve, com certeza, em todos os países. E sem o apoio não haveria golpe?
Thomas Skidmore: Não. Ironicamente não houve nenhum [sorrindo] movimento guerrilheiro no Brasil. Precisava criar depois.
Ricardo Carvalho: Mas eu digo do Cone Sul: Chile, Argentina, Uruguai e Brasil.
Thomas Skidmore: É, mas foi necessário justificar depois, [porque] o golpe no Brasil foi o primeiro, o precedente da América Latina e, os Estados Unidos apoiando, obviamente, era a indicação para os outros. Eu acho que houve, depois, uma certa desilusão. A Revolução Cubana não espalhou. Tem a Nicarágua, que não é uma coisa muito parecida. O fato é que os comunistas não estão aqui batendo às portas. A coisa é muito mais complicada. O general agora, que era o capitão, o major antigamente, ele não acha mais que o pessoal do PC do B vai tomar conta do país, que é coisa de louco. Mas é uma visão um pouco mais sofisticada da democracia. De modo que [é] outro momento. Mas a orientação anticomunista era conseqüência, também, da influência americana que marchava com a idéia da “Aliança para o Progresso”.
Augusto Nunes: Pedro Del Pichia.
Pedro Del Picchia: Quando o senhor falou que não havia guerrilha antes de [19]64, depois o senhor...
Thomas Skidmore: Aqui, no Brasil.
Pedro Del Picchia: ... foi necessário justificar depois. O que quer dizer exatamente isso? O senhor acha que, de alguma forma, a extrema direita contribuiu para que se instaurasse a guerrilha no Brasil, depois?
Thomas Skidmore: Não. Estou dizendo que a segunda seção do exército, que é uma coisa de inteligência... eles fizeram "batidas", e não houve nenhum... [sorrindo] Eram muito poucas armas no Brasil. No Nordeste tem ligas camponesas, mas não armadas. Tem pouca coisa. Foi difícil para eles justificar a coisa. Quer dizer, tinha que superestimar o movimento... Inclusive, todo mundo na época esperava pelos IPMs [Inquérito Policial Militar, mecanismo de poder destinado a operacionalizar a Grande Estratégia da Doutrina de Segurança Nacional. Comissões especiais de inquérito foram criadas em todos os níveis de governo, em todos os ministérios, empresas estatais, universidades federais e em entidades ligadas ao governo federal, com o objetivo de identificar e expurgar da estrutura governamental as pessoas identificadas como "subversivas"] Eu tenho os IPMs que foram publicados, pouca coisa. E começaram a falar em corrupção. Outra coisa é o Juscelino, de modo que foi difícil. Veio depois o movimento guerrilheiro que justifica a repressão, mas a repressão chegou primeiro.
André Singer: Professor, eu queria perguntar ainda sobre esse período - é rápido. Se na sua interpretação desse período o presidente João Goulart estava disposto a alimentar a idéia de um golpe militar, não de uma sublevação civil, não de uma sublevação social, mas de um golpe militar com os eventuais apoios que ele tivesse. Essa é uma das versões que o golpe de [19]64 teria sido um golpe preventivo contra um golpe em andamento do próprio João Goulart.
Thomas Skidmore: Sim, sim.
André Singer: Qual é o seu entendimento desse episódio?
Thomas Skidmore: Eu acho que ele tinha razão, porque o presidente Goulart estava promovendo generais fora do lugar. Ele estava tentando criar um "generalato" favorável à política dele. Isso foi bem notado no Exército, de modo que, também, houve o incidente de novembro de [19]63, uma mobilizaçãozinha, a tentativa de um golpe, talvez, do governo contra... quer dizer, criar um tipo de regime militar com o Jango como presidente. Eu acho que entra aqui também a ameaça à hierarquia das Forças Armadas. É que tem, talvez...
Fernando Mitre: [Interrompendo] A própria rebelião dos marinheiros.
Thomas Skidmore: Talvez a pessoa mais interessante do que os outros seja o próprio cabo Anselmo [José Anselmo dos Santos (1942-), conhecido por cabo Anselmo, ex-militar brasileiro líder do episódio conhecido por "revolta dos marinheiros", em 1964. Expulso da Marinha, entrou na clandestinidade, sendo preso pelo Dops, em 1971. Logo depois trocou de lado e começou a colaborar com a represssão, denunciando muitos companheiros da luta armada contra a ditadura militar].
Fernando Mitre: Não sei se o senhor leu tudo, mas esta semana saiu uma crítica numa revista de São Paulo, a Veja, dizendo que o senhor não tratou adequadamente a questão da revolta dos marinheiros.
Thomas Skidmore: Sim.
[Sobreposição de vozes]
Fernando Mitre: O senhor passou ao largo daquela questão como causa desencadeante, mas não fundamentou.
Augusto Nunes: [Interrompendo] E mais ainda, professor, desculpe: como é que o senhor vê a figura do cabo Anselmo? Respondendo ao Mitre.
Thomas Skidmore: Pois não. Primeiro, sobre a crítica na Veja, o problema é que eu já tinha publicado um livro sobre isso, [risos de Skidmore], que é outro livro. Não é justo pedir ao resenhista ler o outro livro. Mas o fato é que eu tratei muito do assunto naquele outro livro. Deixei ali por acidente. Um capítulo da introdução para explicar a origem. O cabo Anselmo: que caso curioso. Como é que um cabo vai chegar lá e vai montar o [...]? Como é? Aquela película da Revolução Russa? [Skidmore leva as mãos à cabeça, indigando] Um cabo arranjou isso? Não tinha vídeo, na época, como é que ele vai arranjar toda a película? Que coisa louca.
Fernando Mitre: E depois, ele surgiu como um elemento ligado a CIA.
Thomas Skidmore: [Interrompendo] E [inclusive] tem dois livros sobre ele. Que coisas incríveis! Eu acho que ele estava exagerando também...
Fernando Mitre: [Interrompendo] Mas ele era um agente provocador, ou não?
Thomas Skidmore: Pois é. Ele denunciou toda aquela gente em Pernambuco... liquidou a resistência. Ficou sinistro.
Fernando Mitre: Ele era um agente provocador, professor?
Thomas Skidmore: Em [19]64? Eu acho que talvez foi.
Fernando Mitre: Quando ele levantou os marinheiros, ele estava a serviço de quem?
Thomas Skidmore: Exatamente. Eu acho que...
Rodolfo Konder: [Interrompendo] Ele diz que se tornou um agente depois.
Thomas Skidmore: Depois. Em Cuba, em Cuba.
Rodolfo Konder: Eu estive com o cabo Anselmo em 1964 na embaixada no México, e ele já tinha todas as características de um agente provocador.
Fernando Mitre: [Interrompendo] Ele já estava envolvido com o...
Thomas Skidmore: É. Exatamente.
Augusto Nunes: Ricardo Carvalho.
Ricardo Carvalho: Eu tenho uma curiosidade a respeito do papel do brasilianista. Durante um bom tempo os brasilianistas eram vistos como agentes infiltrados, se falava muito isso neste país. O senhor, como brasilianista, o senhor encontra dificuldades nas suas pesquisas? Já encontrou mais? O senhor, por acaso, não seria consultado pelo governo norte-americano que, todos sabemos, é muito cioso na coleta de informações sobre os países, particularmente, da América Latina. Além do Departamento do Estado, tem subsecretarias e todos aqueles outros departamentos. Como é o papel do brasilianista, e o que leva um... ?
[Risos]
Augusto Nunes: [Interrompendo] Aliás, professor, até antes de responder ao Ricardo, eu pediria que o senhor explicasse por que é que o senhor começou a se interessar pelo Brasil.
Ricardo Carvalho: Exatamente. O que levou o professor a se interessar pelo Brasil e pela América Latina?
Thomas Skidmore: Essa é uma velha história que eu contei várias vezes, inclusive a Veja não gostou.
[Risos]
Thomas Skidmore: Eu fiz uma conferência na UNB [Universidade de Brasília], eu acho que foi em [19]74, saiu uma reportagem na Veja: “Música na Unb”, porque era lá numa aula de música. Eu não sabia na época, mas era a primeira conferência geral permitida pelo reitor José Azevedo. Eu [já] contei essa história. Toda a minha orientação e formação era orientada para a Europa. [Eu] me formei em uma universidade em Ohio, que é meu estado natural, depois eu fui para a Inglaterra, para Oxford, obviamente tem aqui a [...], que é aquele charme, aquela atração. Fiquei lá estudando filosofia, que [não tem] nada a ver com nada. Eu me interessei pela Alemanha. Eu achava a Alemanha um país fascinante, porque você tem os altos e os baixos: você tem aqui o [...] e o [...]. Como enigma histórico é fascinante. Eu voltei para Harvard e fiz o meu doutoramento lá. Escrevi uma tese sobre um chanceller [alemão] que veio depois de Bismark [Otto von Bismarck, chamado de chanceler de ferro, é considerado o mais importante estadista da Alemanha do século XIX. Lançou as bases do II Reich (1871-1918), que levaram o país a superar a existência de mais de 300 entidades políticas diferentes e a instituir pela primeira vez um Estado Nacional único. Bismarck desprezou os recursos do liberalismo político, como o consenso ou o voto das maiorias, apostando numa política de força (dita de sangue e ferro) para moldar assim o novo Estado alemão dentro da blindagem do antigo sistema autoritário prussiano]. É um homem que ninguém conhece o nome dele. Ele merece ser completamente esquecido.
Augusto Nunes: [Interrompendo] O senhor gosta de temas complicados.
Thomas Skidmore: O nome dele é Caprivi [Leo von Caprivi (1831-1899), ocupou o cargo de chanceler alemão de 1890 a 1894] É. Essa tese fica lá numa estante em Harvard e ninguém a tocou. [risos] Nunca. [enfaticamente] Eu mesmo nunca reli a tese. Tudo bem. Mas era a formação indicada. Eu comecei a dar aulas em 1960. Acontece que houve um mau entendimento em Cuba. O Fidel [Castro, líder da revolução cubana, em 1959, governou o país até 2008. Ver entrevista com Castro no Roda Viva], estava tomando conta de tudo, inclusive do Jardim Botânico de Harvard. Isso é demais: um revolucionário vai pegar o nosso jardim?! Em Harvard tinha poucos professores na época fazendo especialidade na área da América Latina. Eles acharam que era necessário criar mais elementos. Mas como? Houve excedente [...] aqui da Alemanha e mudo para a América Latina, e eles me ofereceram uma bolsa de três anos.
Ricardo Carvalho: Quem ofereceu?
Thomas Skidmore: Harvard, na época. Salário e viagens. Eu não conhecia nada, nem português, nem espanhol, nada da América Latina. América Latina era o México, aquela coisa do bang-bang.
Ricardo Carvalho: Mas o senhor sabia onde era o Brasil?
Thomas Skidmore: Mais ou menos. Vagamente. [risos] Quer dizer, [sabia que era] ao sul do México [faz gesto de rebaixamento com as mãos].
Ricardo Noblat: Como capital Buenos Aires.
[Risos]
Thomas Skidmore: Não. O problema era como começar. Na época, um professor de português, muito bom, ele me pegou e disse: “Skidmore, se você começar com o espanhol, o seu português vai ser ruim. Começando com o português, o espanhol depois vai ser razoável”. Tudo bem. Eu tinha que fazer um curso de verão em [19]61. A aula de espanhol era às oito [horas] da manhã; a aula de português, às onze. A combinação da teoria com a prática, obviamente, era em português. Na época, houve poucos especialistas no Brasil. Eu fiz uma viagem ao Brasil por dois meses, gostei tremendamente, e achava um país interessante...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Sobre a pergunta do Ricardo. Por favor, Pedro.
[Sobreposição de vozes]
Ricardo Carvalho: Só complementando. Durante um bom tempo os brasilianistas foram muito mal vistos, até pelos intelectuais brasileiros, particularmente pela esquerda, obviamente.
Thomas Skidmore: Sim, sim.
Ricardo Carvalho: O senhor se sentiu, durante algum tempo [em que fazia] as suas pesquisas, olhado de soslaio, com desconfiança em relação ao senhor? E [sentiu] se o governo norte-americano do Departamento de Estado chega a consultar brasilianistas ou especialistas em América Latina?
Thomas Skidmore: Muito pouco. Muito pouco. Eu tinha boas relações com o embaixador [James] Clement [Dunn] [(1890-1979) diplomata norte-americano que foi embaixador dos Estados Unidos na Itália, na França, na Espanha e no Brasil]. Na época, ele é que estava aqui e tinha boas relações com os brasilianistas. Mas, em geral, o governo americano não liga muito para os que estão fora. Muito pouco. Nessa pergunta sobre a situação de pesquisa no Brasil, não. Naquela época, o brasilianista tinha uma vantagem tremenda [por]que era financiado e também era livre, mais ou menos, para fazer o que quisesse. Se eu falasse uma gafe, iria viajar para a América do Norte. O brasileiro não, ele tem que ficar. Houve uma certa rivalidade: “Você tem dinheiro, você tem acesso, você tem tudo isso”. E eu acho isso completamente compreensível. Apesar disso, eu tinha, e tenho ainda, muitos amigos brasileiros que me ajudaram naquele tempo.
Ricardo Carvalho: E na relação dos governos militares com as suas pesquisas, o senhor chegou a ser pressionado, houve algum fato [que o fez pensar em dizer]: “Até logo, vou para os Estados Unidos”, alguma coisa?
Thomas Skidmore: Não. Mas houve um caso: Caio Prado Junior [(1907-1990) historiador, geógrafo, escritor e político brasileiro] ficou preso em [19]70, e eu assinei um manifesto, um protesto contra isso, que saiu no New York Review Books. No mesmo ano, a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] tinha me convidado para dar um seminário e o visto foi negado pelo governo brasileiro, sem explicação. Eu fiquei muito bem na minha [...] porque os alunos da esquerda diziam: “O Skidmore é perigoso. Que coisa! Nós achávamos que ele era um liberal, não é que não tem nada, deve ser outra coisa.”. Mas no ano seguinte, em [19]71, me convidaram para participar de um seminário em São Paulo, o governo de confissões. Obviamente eu fui seguido por aqui, aquela coisa toda, telefonemas e...
Ricardo Carvalho: Ah! O senhor foi seguido?
Thomas Skidmore: Sem dúvida nenhuma.
Fernando Mitre: Professor, a verdade é que o senhor é uma obra do Fidel Castro, porque se não houvesse a revolução.
Thomas Skidmore: Pois é! Eu sou filho [dele].
[Risos]
Fernando Mitre: Professor, o senhor se refere, nesse último livro, quando fala da questão agrária, sobre aquela teia de relações que existe... o senhor localizou nessa questão do campo - mas eu imagino que está em toda a sociedade brasileira - aquilo que amortece os conflitos de classe, quer dizer, o patrão é padrinho do empregado etc. O senhor diz até que esse retardamento de um movimento coletivista no campo se deve em parte a isso. Aqui na cidade, nas relações de classe entre... fora o ABC [região paulista, formada por cidades industriais e onde surgiu o moderno sindicalismo brasileiro que deu origem ao Partido dos Trabalhores e às centrais sindicais] que é uma exceção no Brasil, mas o senhor não acha que esse tipo de amortecimento tende a diminuir? Ou ele vai permear ainda essas relações...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Existe ainda, mas eu acho que está atenuando nas grandes cidades. Isso é uma mudança importante. Mesmo durante o governo militar, essa mobilização da sociedade civil é importante. Não é uma coisa que vai dominar tudo, mas os CEBs [Comunidades Eclesiais de Base, da Igreja Católica], o novo sindicalismo, quer dizer, uma dinâmica que é mais autônoma.
Fernando Mitre: Mas essa teia de relações tem ainda uma função por muito tempo?
Thomas Skidmore: Tem. Eu acho, sem dúvida nenhuma.
Augusto Nunes: Professor Skidmore, o Eduardo Cajias, da Chácara Santo Antonio e vários telespectadores fazem duas perguntas ao senhor: “Em quem o senhor votaria para presidente da República no Brasil, quem o senhor acha que seria um bom presidente para o Brasil? E em quem o senhor vai votar para presidente dos Estados Unidos, caso se mantenham as candidaturas do Bush [Geroge H. W. Bush (1924-), do Partido Republicano, fora o anterior vice-presidente dos Estados Unidos] e do Michael Dukakis [(1933-) do Partido Democrata]?”. [nessas eleições, realizadas em 8 de novembro de 1988, Bush venceu com maioria do voto popular e do colégio eleitoral]
Thomas Skidmore: Tudo bem. No caso do Brasil não sou eleitor, não tenho cartão de eleitor. Nos Estados Unidos eu sou, nos nossos termos, um professor que é liberal, que é aquela coisa aqui do centro, um pouquinho para a esquerda. Um pouquinho. Para Dukakis, obviamente. Não tenho dúvida nenhuma.
Paulo Sérgio Pinheiro: Professor, eu li o seu livro, e Rodolfo e eu estávamos conversando sobre isso. Você mostra um traço importante dessa nossa transição que é, apesar da tortura aos presos políticos ter terminado, mas a tortura e a violência - você mostra isso muito claramente - continuam em plena transição democrática. Na semana passada mesmo, o relatório do Americas Watch mostrava que em São Paulo e no Rio de Janeiro a tortura é uma prática endêmica nos distritos policiais do Rio e de São Paulo.
Thomas Skidmore: Sim.
Paulo Sérgio Pinheiro: Você acha que - nessa linha que o Mitre colocava - tanta violência é necessária por quê? Para manter esses 70% de miseráveis, pobres e indigentes ou porque a classe dominante, mesmo democrática, só sabe lidar através da violência com as classes populares? Como é que você explica esse traço que você mostra?
Thomas Skidmore: Você aqui vai até o coração, quer dizer, até a essência da sociedade, falando sobre isso.
Fernando Mitre: E, ao mesmo tempo, existe aquele mito da não-violência. Uma contradição.
Thomas Skidmore: Pois é. Isso combina, isso é muito poderoso, Mitre. Primeiro, você tem em todos os países, inclusive no meu país, você tem sadistas que gostam de torturar. Aqueles que dizem: “Nós estamos ganhando muito pouco, mas, outra renda emocional é a oportunidade de bater no outro". Isso existe. Bom, a questão é o controle sobre isso, quem vai ser contratado. Sabe que eu não sei. Essa coisa da sociedade patriarcal: “sim senhor”, “não senhor”, isso é uma coisa que não temos. Hoje, falando com o presidente, eu não consegui falar "o senhor" [risos], falei você, e depois eu fiquei chateado. Não pode, [porque] é com o presidente. Mesmo na linguagem tem todo esse sistema nas esferas.
Fernando Mitre: O professor Roberto Da Mata [autor de diversas obras de referência na antropologia, sociologia e ciência política, aborda a distinção entre indivíduo e pessoa em seu original trabalho sobre a pergunta: "Você sabe com quem está falando?"], que o senhor cita no começo do livro, ele cita esse tipo de relação...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] É. “Você sabe com quem está falando?”.
Fernando Mitre: É. Exatamente.
Thomas Skidmore: Provavelmente a violência ajuda. Porque todos nós sabemos, com a experiência do regime militar, sobre o medo que você pode impor... não reprimindo todo mundo, não é? Os torturados, quantos foram? Cinco, dez mil? E a população é de 120 milhões. O autocontrole é a coisa. Não sei se a violência é necessária para isso. Duvido. Mas o problema é democratizar a sociedade, incentivar a participação. Mas isso é muito conveniente para as classes dominantes.
Rodolfo Konder: O senhor faz uma referência à experiência do José Carlos Dias [(1939-), advogado e político, foi secretário da Justiça de São Paulo no governo Franco Montoro e ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. Defendeu centenas de presos políticos nos anos de ditadura, tendo sido, ele mesmo, preso por três vezes], aqui da Secretaria da Justiça. Quais, em sua opinião, são os principais obstáculos que, no caso, levaram ao fracasso da tentativa do secretário José Carlos Dias de impor uma política mais humana ao pessoal do...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Eu não conheço de perto a história, mas me parece que, primeiro: o José Carlos Dias era um dos poucos advogados que defendeu os presos políticos. Era um homem corajoso, e muito, porque na época foi muito perigoso; segundo: tem essa citação dentro das forças de segurança que é “Nós contra todo mundo”. Qualquer advogado que chega e vai mexer: “Ah! Isso não pode. Isso é nosso campo.”. Eles ficam acima da violência. Também, na repressão, é um tipo de uma tribo, quase, primitivo. Você tem o athos de iniciar, que é matar, bater, ou qualquer coisa. Fica aqui uma fraternidade e, quando entra o outro, especialmente um político que tem um passado de liberar os presos políticos, já é uma dificuldade muito grande. Também a sociedade não gosta de pensar sobre isso. Nós [os americanos] também. Temos casos tremendos sobre Attica [prisão nova iorquina onde ocorreu o maior e mais violento motim da história penitenciária dos Estados Unidos]: rebelião de prisão, o Tom Wicker [repórter que acompanhou os acontecimentos em Attica e escreveu um livro sobre o episódio] estava lá, os jornalistas, e eles não conseguiram evitar a invasão da polícia, e mataram muita gente. Por quê? Porque a pressão social foi grande. “Eles merecem ser esmagados, pois são os perdidos. Vamos!”. Essa reação, com a resistência das forças de segurança, é difícil. Houve rebelião, talvez, incentivada pelos guardas.
Augusto Nunes: Professor, o Ismael Pfifer, do Butantã, depois de lembrar que o senhor admite que o movimento militar de 1[96]4 foi apoiado pelo governo norte-americano, pergunta se uma suposta eleição... de uma hipotética eleição do ex-governador Leonel Brizola, causaria alguma inquietação ao governo americano, hoje. O senhor acha que isso ocorreria?
Thomas Skidmore: Ah, acho, sem a menor dúvida. Já deve ter alguns trabalhos no Departamento de Estado sobre isso. Por exemplo, o fato de o deputado Fernando Lyra [(1938-), um dos principais articuladores da candidatura de Tancredo Neves à presidência; foi ministro da Justica por onze meses, no governo Sarney. Em 1989 foi candidato a vice-presidente na chapa de Leonel Brizola] estar trabalhando, fazendo a articulação para o Brizola, é interessante, isso vai mudar um pouco o entendimento do Departamento de Estado, porque o Fernando Lyra é o ex-ministro da Justiça. Como pode?
Fernando Mitre: Está procurando um tancredista para ser vice do Brizola.
Thomas Skidmore: Pois é. Vai criar preocupações, sem a menor dúvida.
Ricardo Carvalho: O senhor disse que já deve existir trabalhos no Departamento de Estado sobre isso. O que quer dizer isso? [sorri]
Thomas Skidmore: Estou especulando.
Ricardo Carvalho: Um tipo de estudo sobre isso?
Thomas Skidmore: Claro.
Ricardo Carvalho: E eles correspondem à realidade?
Thomas Skidmore: Não sei. Não li. [Thomas ri discretamente]
Ricardo Noblat: [Interrompendo] Por que essa preocupação com o Brizola, o que ele representa, visto de lá?
Thomas Skidmore: A preocupação é aqui no Brasil, porque a preocupação é da imprensa com o Brizola, ou das classes dominantes com o Brizola. É a mesma coisa. É o "homem" que parece que é um líder. O único que é carismático, que tem a capacidade, no momento, de realmente de falar. Eu estive aqui no ano passado, participei aqui do Roda Viva com o Leonel Brizola, e foi impressionante a capacidade de se comunicar que ele tem. Em termos comparativos é impressionante.
Paulo Sérgio Pinheiro: Mas [durante] todo o período que ele passou lá no Hotel Roosvelt, ele pareceu tão bonzinho, era uma pessoa tão simpática. Ele não virou social-democrata?
Thomas Skidmore: Eu acho que essa é a posição dele.
Paulo Sérgio Pinheiro: Mas isso ainda inquieta? Um social-democrata brasileiro ainda inquietará o Departamento de Estado, hoje, da administração de hoje?
Thomas Skidmore: Mas tem aqui também o passado, a ficha dele.
Paulo Sérgio Pinheiro: E o passado condena?
Thomas Skidmore: Não, não. Eu estou explicando. Não sou um membro do Departamento de Estado. [risos] Não escrevi nada sobre isso, mas eu estou tentando explicar. [Paulo Sérgio ri]
Paulo Sérgio Pinheiro: Você acha que o passado dele o condena?
Thomas Skidmore: Não, condenar não, mas porque ele era...
Paulo Sérgio Pinheiro: [Interrompendo] Na perspectiva do governo americano?
Thomas Skidmore: Vai provocar preocupações, sem dúvida nenhuma. E também ele era um nacionalista. Isso já... O que ele vai nacionalizar? No Rio Grande do Sul ele nacionalizou o Bond & Share [truste que detinha a Companhia Rio-Grandense de Eletricidade, nacionalizada por Leonel Brizola em 1959, quando de suas encampações contra as multinacionais no Brasil].
Thomas Skidmore: Pois é.
Ricardo Carvalho: Que políticos brasileiros na presidência da República não preocupariam o Departamento de Estado?
Augusto Nunes: Que políticos espalhariam a tranqüilidade?
[Risos]
Ricardo Carvalho: A boa vizinhança...
Thomas Skidmore: Eu acho que outros são considerados melhores. Aqui no Brasil todo mundo fala sobre isso. O que são...
Ricardo Carvalho: [Interrompendo] Mário Covas...
Thomas Skidmore: Não, quer dizer, ninguém... A impressão que você tem aqui com a imprensa é que não tem candidato forte.
[Sobreposição de vozes]
Fernando Mitre: O partido que está nascendo dentro do PMDB, que perspectiva que o senhor vê para ele?
Thomas Skidmore: Que não tem nome ainda?
Fernando Mitre: É, que não tem nome ainda, mas tem: o José Richa, Mario Covas, Fernando Henrique, Montoro, Euclides Scalco e tantos outros. São nomes nacionais. Seria um Partido Social Democrata. Essa linha do social-democrata, do...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] A meu ver, você tem um aspecto ideológico. Eles estão pensando em criar um partido com mais coerência saindo da maior máquina partidária do Brasil, que é a máquina do PMDB aqui em São Paulo. Dividindo São Paulo? É difícil; é muito difícil. Quer dizer, se houver a candidatura do Quércia, a dissidência vai ficar aqui fora. É difícil. Provavelmente precise [se] fazer isso, já se falava há muito tempo. Você se lembra sobre a divisão do PMDB: uma ala da esquerda, uma ala da... O Partido Popular em certo sentido foi a tentativa de... Quer dizer, o Brasil não tem partidos que são coerentes agora [faz um gesto de cisão com as mãos, levando uma para cada lado], e precisa. Mas, pensando na eleição presidencial, ...
Augusto Nunes: Luciano Ornellas, professor.
Luciano Ornellas: O senhor já foi assessorado no Brasil em [19]84, se eu não me engano, disseram que o senhor não podia falar sobre os nossos problemas políticos por causa da lei dos estrangeiros. Como é que o senhor vê essa sua experiência fantástica? [risos]
Thomas Skidmore: Assim, não tem problema [Thomas sorri]. Meu problema é que, naquela época, eu falei uma coisa na televisão, e é mais perigosa a televisão. Porque falando com jornalista aqui, se ele publicar alguma coisa, eu posso dizer: “eu não disse isso.”.
[Risos]
Augusto Nunes: Aqui está gravado. Mas a culpa é da imprensa, né? [risos]
Thomas Skidmore: [Eu poderia dizer:] “Aquele lá é um alucinado, não entendeu meu português mal mastigado.”. [risos] Na televisão não pode, porque está na fita.
Augusto Nunes: Professor, para que o senhor não deixe nenhuma resposta incompleta, o Antonio Carlos, de Campinas, ele pede mais explicações sobre dois assuntos: primeiro, ele quer saber por que o senhor diz... mais exatamente, por que o senhor qualifica o Tancredo Neves como uma ponte entre os dois governos; depois, ele pergunta com que objetivos a CIA enviou ou envia dinheiro para os políticos brasileiros.
Thomas Skidmore: No caso do Tancredo, ponte no sentido de que houve o partido da oposição, o grande PMDB, e também os elementos de dentro, quer dizer: os militares, o pessoal, também, do PDS. Ele tinha a capacidade de dialogar com todo mundo. Era a forma dele. Foi isso, esse aspecto, né? Segundo, sobre a CIA...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Com quais objetivos a CIA enviou e envia dinheiro aos políticos brasileiros?
Paulo Sérgio Pinheiro: [Interrompendo] Augusto, eu poderia pegar uma caroninha nessa sua pergunta...
Augusto Nunes: Última pergunta do programa, então.
Paulo Sérgio Pinheiro: Nessa sua rica metáfora, se o presidente Tancredo era uma ponte, o presidente Sarney seria o quê? O fosso?
[Risos]
Thomas Skidmore: Não sei. [risos]
Paulo Sérgio Pinheiro: Um buraco negro.
Thomas Skidmore: Não sei. Essa é especulação minha. Quer dizer, agora você tem...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Não, especulação não. Com certeza enviou-se dinheiro. Comprovadamente. Com quais objetivos?
Thomas Skidmore: Às vezes, estão pagando por informações. Por exemplo, o general Noriega [Manuel Antonio Noriega (1938-), ex-líder militar ligado ao golpe de Estado que derrubou o governo de Arnulfo Arias, no Panamá. Treinou-se em contra-espionagem na CIA e envolveu-se com o tráfico de drogas. Em 1982, passou a chefiar o Estado Maior, autopromovendo-se ao posto de general, com o poder absoluto sobre o Exército e atuando despoticamente, como presidente do país. Governou o Panamá entre 1983 e 1989], no Panamá, era pago pela CIA. Provavelmente, para dar informações e também para ficar ao lado dos Estados Unidos. Por isso que tem problemas tão grandes agora. [...] Ele está criando problemas.
Ricardo Noblat: O Noriega não foi correto, não foi honesto?
Thomas Skidmore: Não foi correto. O corrupto tem que...
Ricardo Noblat: Tem que ser correto nessas coisas.
Thomas Skidmore: Ser correto e bem comportado.
Pedro Del Pecchia: O senhor falou em político, depois o senhor falou em general.
Augusto Nunes: Pedro, então, você faça a última pergunta.
Pedro Del Pecchia: No Brasil, o senhor tem notícias de algum general que tenha recebido algum dinheiro da CIA?
Thomas Skidmore: Não. Graças a Deus. [risos] Senão, eu teria que viajar imediatamente.
Augusto Nunes: Professor, nós agradecemos a sua presença aqui no programa Roda Viva, a paciência e a clareza com que o senhor respondeu às nossas perguntas durante uma hora e meia.
Thomas Skidmore: [Interrompendo] Eu também quero...
Augusto Nunes: Principalmente as perguntas relacionadas com o passado.
Thomas Skidmore: Pois é. Eu quero também agradecer a paciência dos telespectadores que mais uma vez escutaram um brasilianista falando tanto sobre o Brasil.
Augusto Nunes: Muito obrigado [dirigindo-se ao professor Skidmore]. Muito obrigado aos entrevistadores que colaboraram na entrevista com o professor Thomas Skidmore, que é autor de Brasil: de Getúlio a Castelo, e Brasil: de Castelo a Tancredo, livro que está sendo lançado nestes dias no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agradecemos, também, aos telespectadores que nos telefonaram, encaminhando perguntas ao professor Skidmore, e também à presença dos convidados da produção. O Programa Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às 9h25min. Boa noite.
[Thomas Skidmore voltou ao Roda Viva nos anos de 1992, 1997 e 2005]