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Memória Roda Viva

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Thomas Skidmore

23/6/1997

Skidmore discute as grandes questões de governo no Brasil e ainda analisa as relações sociais e raciais no país hoje

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Matinas Suzuki Jr: Boa noite! Ele é um dos estrangeiros que mais conhecem o Brasil. No centro do Roda Viva, o professor americano Thomas Skidmore.

[Comentarista]: O mais famoso dos brasilianistas se formou em Oxford na Inglaterra e fez doutorado em Harvard. A obra de Skidmore é um extenso e consistente painel sobre a história e política nacionais, compostos com análises rigorosas e reveladoras. Começou a estudar a política brasileira em 1960 e publicou, já no fim daquela década, Brasil: de Getúlio a Castelo. O livro, uma análise dos fatos que resultaram na deposição do presidente João Goulart pelos militares, se tornou logo um clássico. Depois, em Preto no branco, Skidmore examinou o racismo no Brasil, comparando-o com os Estados Unidos. A política brasileira voltou a ser o assunto do professor em Brasil: de Castelo a Tancredo, um estudo do regime militar e da oposição que levou o país a nova República de Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e José Sarney. O último dos livros do brasilianista dedicado ao nosso país é Brasil visto de fora, reunião de idéias e ensaios sobre identidade nacional, populismo, política, economia e o mito da democracia racial. Com autoridade de quem observa a sociedade brasiliera com distanciamento e argúcia ao longo de quase quatro décadas, o professor Skidmore visita o país com frequência para pesquisas, conferências e entrevistas. Hoje ele acha que o presidente Fernando Henrique Cardoso, na situação, e o movimento do trabalhadores sem terra, na oposição, se beneficiam do vácuo político verificado no país. Critica o sistema eleitoral, que considera o mais anárquico do mundo. Skidmore acredita que Fernando Henrique vai se reeleger por absoluta falta de alternativas para o eleitorado. E entende que, apesar de não ter dinheiro para resgatar a enorme dívida social, o governo precisa investir na modernização do país.

Matinas Suzuki Jr: Bem, para entrevistar essa noite o brasilianista Thomas Skidmore nós convidamos o Paulo Henrique Amorim, que, aliás, você acabou de ver aí fazendo a campanha da prevenção da tuberculose e que é do Jornal da Band, da Rede Bandeirantes de Televisão; o Fernando Mitre, diretor de redação do Jornal da Tarde; a jornalista Daniela Hart, correspondente no Brasil da revista Time; o Ricardo Setti, diretor de redação da revista Playboy; Fernando Canzian, da Folha de S. Paulo; Heródoto Barbeiro, apresentador do programa Opinião Nacional, da TV Cultura e diretor de jornalismo da Rádio CBN e o Luís Felipe de Alencastro, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e do Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento].

Matinas Suzuki Jr: Boa noite, professor Skidmore!

Thomas Skidmore: Boa noite!

Matinas Suzuki Jr: Professor, eu gostaria de começar pela palavra brasilianista, que parece que é uma palavra que foi criada para a obra do senhor a princípio. O senhor gosta dessa palavra? Já se acostumou com ela? Como ela apareceu? Será que o senhor poderia explicar um pouquinho para a gente de onde veio o brasilianista?

Thomas Skidmore: Eu acho que quem inventou essa palavra era Chico Barbosa, quer dizer, Francisco de Assis Barbosa [(1914-1991), jornalista, ensaísta e biográfo], que fez o prefácio do meu primeiro livro, e ele tinha passado um semestre conosco na Universidade de Wisconsin nos Estados Unidos, de modo que ele ficou muito impressionado com o surgimento dos especialistas nos Estados Unidos e era homem de muita criatividade; foi ele que inventou essa palavra. Depois, a gente ficou amigo da palavra, isso não é tão feio, eu acho.

Matinas Suzuki Jr: Está certo! Quer dizer que o senhor gosta da palavra, não tem problemas com ela?

Thomas Skidmore: Não, não.

Matinas Suzuki Jr: Está certo! 

Thomas Skidmore: O único problema, na época quando começou a idéia do brasilianista... houve uma reação aqui no Brasil por causa dos sentimentos nacionalistas. E houve a idéia de que o brasileiro tinha que aprender inglês para compreender a história do Brasil, que era uma coisa muito feia, eu acho. Na época, o Élio Gaspari [(1944- ), jornalista e escritor, autor da série Ditadura envergonhada; Ditadura escancarada; Ditadura derrotada e Ditadura encurralada] publicou um artigo muito famoso na Veja, dizendo que o brasileiro tem que fazer exatamente isto: aparecer nas livrarias em Washington para comprar os livros. Isso agora é completamente exterminado, quer dizer, o Brasil, nós temos aqui hoje um dos historiadores melhores no Brasil, Luiz Felipe de Alencastro, de modo que o Brasil agora tem uma cabeça muito grande para estudar a história. Agora, a contribuição dos americanos, dos brasilianistas, é muito menor, como deve ser. 

Matinas Suzuki Jr: Professor, depois de Getúlio a Castelo, de Castelo a Tancredo, o senhor trabalha num "Tancredo a Fernando Henrique" ou, como dizem as más línguas, de "Fernando Henrique a Fernando Henrique"? [risos] 

Thomas Skidmore: [risos] Faltou a coragem. Quando eu terminei aquele livro com a morte do Tancredo e a tentativa de Sarney de construir de novo a democracia brasileira eu fiquei um pouco desiludido. Também houve aqui no Brasil um pessimismo muito grande, quer dizer, gente saindo do Brasil e ficando fora do Brasil, no Japão, nos Estados Unidos, e parecia que o Brasil tinha perdido a esperança, no final da década de 1980, no começo da década de 90. E também, com o impeachment do presidente Collor, era um momento de depressão, eu acho, de modo que eu abandonei um pouco a história política e estou tentando agora terminar, já terminei o manuscrito de um livro que é uma história do Brasil em um volume.

Matinas Suzuki Jr: Está ok. Heródoto!

Heródoto: Professor, eu gostaria de fazer uma pergunta ao senhor, não relacionado diretamente com a sua pessoa e o Brasil, mas com seu país e o nosso, haja vista que o relacionamento do seu país com o nosso sempre foi um relacionamento de um país hegemônico com um país que não tinha a mesma força para enfrentá-lo. E no século passado se falou muito da extensão dos Estados Unidos... a sua influência aqui na América Latina, especialmente no Brasil, mais ou menos em 1923, com a Doutrina Monroe. E agora se volta a falar novamente que essa Doutrina Monroe estaria ressurgindo, estaria renascendo com essa proposta que os Estados Unidos fazem ao Brasil, aos países da América Latina através da ALCA [Área de Livre Comércio das Américas, proposta inicialmente no governo Bill Clinton. O objetivo é promover uma área de comércio livre nas Américas, exceto em Cuba. O acordo, no entanto, ainda não foi aprovado devido aos conflitos de interesse entre os países envolvidos], a Associação de Livre Comércio Americano. Eu gostaria de saber se o senhor compartilha que, de certa forma, isso é uma projeção da Doutrina Monroe do século passado agora para o século XXI.

Thomas Skidmore: Não sou especialista no comércio exterior, mas a minha impressão aqui é esse, é o problema das relações comerciais entre o Brasil, entre a América Latina e os Estados Unidos, é uma coisa que tem que ser negociada e tem uma certa rivalidade no momento entre Mercosul [Mercado Comum do Sul, área de livre-comércio entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, assinado em 1991. A Venezuela está prestes a entrar nesse tratado] e o NAFTA [Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio, assinado em 1994 entre México, Estados Unidos e Canadá]. Mas, em geral, para os Estados Unidos a América Latina sumiu do mapa, porque o mais importante é a Europa, Japão, China. E essa visita do presidente Clinton, nesse ano, na América do Sul, eu acho que é importante porque geralmente é difícil de pegar atenção do pessoal da Casa Branca para qualquer assunto da América Latina, de modo que eu acho que isso parece mais importante do ponto de vista do brasileiro do que do ponto de vista do governo americano. 

Ricardo Setti: Professor, com essa política do presidente Fernando Henrique de inserção do Brasil na comunidade internacional, participação maior na globalização, abertura do mercado etc, o senhor diria que essa percepção do Brasil mudou um pouco nos Estados Unidos ou esses fatores que o senhor mencionou se sobrepuseram e de fato o Brasil...mudou?

Thomas Skidmore: Mudou, mudou, o sinal mais óbvio é o interesse dos banqueiros e também do pessoal que está aqui para arranjar fundos de investimento para os americanos, porque têm muita liquidez no momento, nos Estados Unidos, na Europa. E o momento da ala é de "ôba-ôba" de investimento, não é? Mas ainda o Brasil não fica muito claro, nos Estados Unidos; o Chile é muito mais claro, por causa de todas as reformas, a reforma da Previdência. E obviamente o México que é...

Ricardo Setti: Pela vizinhança... 

Thomas Skidmore: ...Que é tão perto, e o risco é muito maior com o México. Mas eu acho que as companhias americanas têm mais interesse no momento e estão investindo mais. A única coisa que me preocupa, se eu fosse brasileiro, pegando o jornal de hoje e sendo... brasileiro, a lista de remessa de lucros para as companhias estrangeiras e as companhias, quer dizer, o Brasil está mandando US$ 3 bilhões de remessas para cá: ...  Coca-Cola, Nestlé, coisas que não têm nada a ver com tecnologia, que é a coisa mais importante para o Brasil. O que me preocupa é a intensidade da economia de consumo do momento no Brasil, que é muito popular [sendo interrompido pelo mediador]. 

Matinas Suzuki Jr: [Interrompendo] Professor...

Thomas Skidmore: ...Que é muito popular. Mas,infelizmente,o investimento, você está sofrendo..

Fernando Canzian: Eu queria perguntar justamente isso para o senhor.O senhor acha que o Brasil está tentando se inserir de alguma forma neste mundo globalizado. Agora,é um país que tem um nível de educação muito baixo comparado com as economias globalizadas e é um caminho pela frente enorme,que não consegue sequer aprovar reformas necessárias aí, em dois anos de governo já, dois anos e meio. O senhor acha que... qual é o contexto que o Brasil vai se inserir nesse mundo globalizado, quer dizer, vai ser um lugar onde empresas e bancos virão a ganhar dinheiro até quando for possível e acabam saindo, como o senhor está bem colocando aí, os royalties [importância cobrada pelo proprietário de uma patente de produto, processo de produção, marca, entre outros] e o pagamento de empresas de consumo? 

Thomas Skidmore: Eu acho que tem dois aspectos: primeiro, o Brasil tem que aumentar as exportações, porque a única maneira de pagar esse dinheiro que o Brasil está levando de Nova York... são exportações. E o índice, nesse momento, nas exportações, é muito pouco. Geralmente não fala ou fala sobre as barreiras fora do país contra o suco de laranja, o minério de ferro, esse tipo de coisa; esse é o primeiro. E o câmbio, supervalorizado, a meu ver, e também os juros altos estão também desincentivando investimento em exportações. Segundo, o Brasil ainda é um país de grandes desigualdades; a meu ver o que precisa depois da estabilização é um programa, algum tipo de programa de emergência, exatamente para as áreas demasiadas no Brasil. O Relatório das Nações Unidas do Índice de Desenvolvimento Humano mostra as diferenças muito grandes, e o Brasil pode continuar aqui em São Paulo aqui com todos esses carros. Eu fiquei impressionado desta vez com os carros policiais novos, táxis novos aqui em São Paulo. Mas Alagoas, Piauí... você tem quarenta milhões de pessoas num mundo diferente. 

Fernando Canzian: Pois é, o senhor não acha que é muita pretensão do Brasil querer entrar para esse mundo tão rapidamente? 

Thomas Skidmore: Não, não. Acho que é necessário para levar a tecnologia, não tem escolha realmente. Tem que entrar, mas tem que controlar o tipo de inserção, isso é importante.

Fernando Mitre: Professor, o senhor disse que há dúvidas nos Estados Unidos sobre as reformas no Brasil. Há dúvidas talvez maiores aqui dentro mesmo sobre essas reformas, o governo luta com grandes dificuldades para provar isso aí e fica cada vez mais difícil; fala-se até num congresso revisor que seria algo bastante discutível. Mas eu noto, nas suas entrevistas, que o senhor é muito preocupado com a reforma política, o senhor considera talvez a reforma política a mais... talvez que devesse preceder as outras para criar as condições políticas adequadas a uma articulação mais eficiente. Eu também acho. Essa reforma política, no entanto, ela não ocorre porque o presidente não banca, evidentemente, e o Congresso... individualmente todos os congressistas estão...[sendo interrompido]

Thomas Skidmore: A curto prazo não interessa a ninguém! 

Fernando Mitre: Exatamente! Isso que eu ia dizer. Quer dizer, estamos pedindo àqueles que se beneficiam do sistema de poder para mudar esse sistema de poder. Isso é impossível!

Thomas Skidmore: Em detrimento dele, não é?

Fernando Mitre: Exatamente, em detrimento dele. Então, é uma pergunta quase ingênua, uma expectativa quase ingênua que está neste momento submersa. Mas continua sendo necessária essa reforma. Que perspectiva o senhor vê nisso aí? Como sair dessa? 

Thomas Skidmore: Eu estou completamente de acordo, especialmente a lei eleitoral, quer dizer, para criar partidos mais responsáveis. Nós temos aqui um fato inédito na história da república brasileira, em que o presidente quer... o presidente provavelmente vai ser reeleito para o segundo mandato. Por quê? Em grande parte por falta da continuidade das instituições. Por que o partido do PSDB não tem outra pessoa que seja capaz de ser presidente? Todo mundo está dizendo para mim: não, mas não tem outro, é um vácuo, não sei o quê, o Fernando Henrique, precisamos de...Eu acho...que é muito pouco, mas isso exatamente é o dilema do sistema institucional.

Fernando Mitre: Há vários vácuos, não é?

Thomas Skidmore: Vácuos, não é? E isso eu acho que é muito perigoso. 

Paulo Henrique Amorin: Professor! 

Thomas Skidmore: Sim. 

Paulo Henrique Amorim: Eu gostaria de colocar um pouco de incredulidade numa premissa que o senhor vem repetindo aí já há algum tempo. Eu morava nos Estados Unidos quando acabou a Guerra do Golfe, do Golfo, não do Golfe [risos] e...[risos] ...E o presidente, a certa altura o presidente Bush voltou lá de um fim de semana em Kandavid [Montes Kandavi], ali pertinho da Casa Branca, e foi recebido ali naqueles jardins bonitos, aquele gramado muito bonito ali por uma platéia devidamente montada, e uma senhora, uma velhinha lá, provavelmente do Wisconsin, com um cartaz muito bonito, que tinha um... [sendo interrompido] Uma puritana e tal, que tinha um cartaz muito bonito com um número que, se não me engano, era oitenta e dois por cento. Naquela altura, no final da Guerra do Golfo, o presidente Bush [George Herbert Walker Bush (1924- ), presidente dos Estados Unidos entre 1989-1993. Seu governo é marcado pela Guerra do Golfo. Em 2001 seu filho George W. Bush assumiu a presidência do mesmo país] tinha uma aprovação popular na ordem de 82%. Quem falasse no nome de Bill Clinton, naquela altura, provavelmente era um irresponsável, era um, enfim, uma pessoa desprovida de qualquer senso de oportunidade política. O senhor tem certeza de que essa eleição já está resolvida aqui no Brasil? 

Thomas Skidmore: Não, claro que não! Como historiador, eu sou um mau profeta, eu sou profeta do passado [risos]. Mas, como disse o nosso amigo, o grande presidente estadista Richard Milhous Nixon [(1913-1992), presidente dos Estados Unidos entre 1968-1972. Estava diretamente envolvido no caso de desvio de dinheiro e corrupção para suas eleições que ficou conhecido como o escândalo Watergate], você lembra dele? Ele sempre disse que a pesquisa... o mais importante é a votação, quer dizer, pesquisas não valem nada. Mas no momento parece que não tem um esqueleto para fazer oposição aqui no Brasil; o presidente está com muita habilidade, manipulando, falando com Itamar Franco [(1930- ), político do PMDB, foi vice-presidente de Fernando Collor de Mello e teve que assumir a presidência do país depois do processo de impeachment do presidente em 1992]... desse, quer dizer, seria interessante ser governador de Minas, não sei, gosto de Minas, é muito mais interessante do que o Brasil, não é? E para o Paulo Maluf [Paulo Salim Maluf (1931 ), político do PP, foi prefeito e governador do estado de São Paulo durante o regime militar. É presidente do Partido Progressita (PP) e deputado federal. Responde a vários processos civis por corrupção e desvio de verbas públicas]: "Paulo Maluf, você não quer ser presidente do Brasil, é chato, você vai fazer obras em São Paulo, aquela coisa toda". Com a habilidade que eu acho que você... fazer uma comparação entre George Bush e Fernando Henrique Cardoso, eu acho que o... [interrompido] 

Fernando Henrique Amorim: [Interrompendo] O Bush tinha acabado de ganhar uma guerra!

Thomas Skidmore: Mas isso não ajudou na hora da eleição por causa da economia.

Paulo Henrique Amorim: Como o senhor me explica que a oposição no Brasil não se una?

Thomas Skidmore: No Brasil eu acho que tem uma tradição política ...com o governo, não é? Eu me lembro uma vez eu cheguei na Bahia, eu entrei num hotel na Bahia, o rapaz que carregou a mala, eu perguntei para ele:"Você votou em quem?" 

Fernando Henrique Amorim: Antonio Carlos!

Thomas Skidmore: ACM, ele disse. "Não adianta votar em perdedor" [risos]!

Fernando Mitre: Professor, o senhor acha mesmo que o presidente tem sido tão hábil assim nessas articulações com Paulo Maluf, com Itamar... porque ele está criando dificuldades com seus aliados locais, quer dizer. 

Thomas Skidmore: Com Maluf é um mar de tubarões.

Fernando Mitre: Exatamente! Mas em Minas também ele tem problema com o governador que é tucano. Quer dizer, o senhor acha tão hábil isso? 

Thomas Skidmore: Mas a dificuldade é o seguinte, que o PMDB, eu estive em Brasília faz duas semanas e fiz uma conferência lá para a Fundação Pedroso Horta, porque o PMDB está tentando encontrar uma orientação política nova e eles são perdidos, são perdidos, o partido está completamente dividido, maior partido no Congresso, quer dizer, você tem membros do PMDB que estão aderindo ao governo, esses dois recentemente e, além disso, não têm idéias. E o mais importante é que não é só o vácuo político, mas o vácuo intelectual. Como é que você vai enfrentar o neoliberalismo? É muito difícil; começa a falar em crescimento... Ah! Você é a favor da inflação, baderna. O Delfim Netto [Antônio Delfim Netto (1927- ), economista, professor universitário e político brasileiro] tinha uma coluna muito importante sobre isso, de modo que é muito difícil, a gente está desarmado, quem está ganhando com isso é o ACM, Antonio Carlos Magalhães, a Companhia Magalhães, pai e filho; eles estão ficando muito bem no Nordeste, o Fernando Henrique precisa do Nordeste e, além disso, você não tem organização, não tem idéias, esse é o problema.   

Heródoto Barbeiro: Professor, a oposição ideológica aí, no caso, não seria um socialismo nacionalista como, por exemplo, certas áreas do PT, do PDT estão defendendo hoje como forma de se antepor a esse avanço? 

Thomas Skidmore: Mas é mais difícil porque, sempre... geralmente, defendem as idéias que são ultrapassadas; quer dizer, defendem estatais, empresas estatais que são ineficientes, então muita gente que não trabalha, que não está dando dinheiro para o país... defender isso por quê? Mas defender o papel do Estado na educação, na saúde, na habitação, isso é lugar para defender o papel do Estado, a meu ver. A idéia de voltar para o socialismo, para o papel muito grande do governo, isso... ninguém liga para isso mais. 

Heródoto Barbeiro: O senhor concorda com a expressão "utopia regressiva" do presidente Fernando Henrique?

Luiz Felipe de Alencastro: Eu tinha uma pergunta também, professor. Depois de tudo que foi dito aqui o subtítulo do seu livro De Getúlio a Castelo [Brasil: de Getúlio a Castelo] era um experimento em democracia. O senhor acha que ainda há experimento na democracia? 

Thomas Skidmore: Nós temos mais um [risos]. Falhou aquele outro, não é? Falhou. Não, eu acho... veja você, a votação para Jânio Quadros [(1917-1992), presidente do Brasil em 1961]. Renunciou ainda no primeiro ano de mandato. Em seu lugar, assumiu o vice João Goulart, em 1960, era mais ou menos seis milhões e a votação agora é mais ou menos 95 milhões de pessoas, quer dizer, o Brasil agora de repente tem uma democracia de massa, que é uma coisa muito nova, e para disciplinar a democracia de massa geralmente precisa um sistema de partidos. Mas essa democracia agora é muito jovem, é muito jovem ainda e também com influências como a mídia, televisão, é uma coisa nova. 

 Fernando Mitre: Um sistema de partidos que não temos, não é professor? 

 

Thomas Skidmore: Como é? 

Fernando Mitre: Um sistema de partidos que não temos.

Thomas Skidmore: Que não temos. 

Fernando Mitre: Não temos o sistema adequado. Então, o senhor está prevendo aí grandes problemas...

Thomas Skidmore: É, eu acho, mas não interessa para ninguém no momento fortalecer os partidos; nesse sentido, eu acho perigosa a reeleição do Fernando Henrique porque vai mascarar esse problema, ele vai ficar lá como homem indispensável.

Paulo Henrique Amorim: Eu gostaria de fazer agora, para mudar um pouco, uma pergunta sobre os Estados Unidos. Quando os presidentes se reelegem nos Estados Unidos, eles costumam fazer aquilo que não conseguiram fazer no primeiro mandato? 

Thomas Skidmore: Geralmente, não [risos]. O segundo mandato, nos Estados Unidos, você sabe, geralmente é um desastre. E o nosso presidente...[sendo interrompido] 

Paulo Henrique Amorim: [Interrrompendo] Eu não sei disso, não. É uma afirmação sua [risos]! Eu não conheço a história americana como o senhor conhece. 

Thomas Skidmore: Mas o Clinton, coitado, está buscando agora uma idéia para o segundo mandato. 

Paulo Henrique Amorim: O que eu me lembro é que o Nixon caiu no segundo mandato. 

Thomas Skidmore: Caiu, caiu, mas era arrogância, no caso dele era uma arrogância tremenda. Estava realmente interessado em manipular a máquina do governo. Mas, geralmente, o segundo mandato é um desastre [todos falam junto].

Heródoto Barbeiro: Mas há exceção, professor!

Thomas Skidmore: Como é? 

Heródoto Barbeiro: Há quem teve um excelente segundo mandato e tentou um terceiro e só não conseguiu porque morreu, não é verdade? Presidente Franklin Roosevelt. 

Thomas Skidmore: O segundo dele falhou também, realmente. O que salvou os estados Unidos foi a Segunda Guerra Mundial; tirou a economia americana da depressão [referência à grande depressão de 1929]. E a retórica dele foi ótima durante o segundo mandato, mas na realidade ele conseguiu pouca coisa.

Ricardo Setti: Professor, lendo um material que a TV Cultura manda para os jornalistas, a gente faz uma lição de casa antes, um "catatau" assim de recortes, eu pude observar que o senhor tem oscilado nos últimos anos entre pessimismo e otimismo em relação ao Brasil; a cada dois anos mais ou menos é um gráfico que sobe ou desce.

Thomas Skidmore: Por que a gente mandou esse material para vocês [risos]? 

Ricardo Setti: Nesse momento, apesar desses nós que o senhor mencionou e está enxergando no panorama brasileiro, por exemplo, a reforma política, a questão da balança comercial que o senhor já mencionou em outras entrevistas, o senhor está pessimista ou otimista em relação aos próximos cinco anos do Brasil? 

Thomas Skidmore: Eu sou razoavelmente otimista porque acho que tem muita coisa que está melhorando no Brasil, isso não se pode negar. Por exemplo: eu participei no ano passado de um seminário em Brasília que chama Relações raciais no Brasil e a forma de ação. Forma de ação. Quando recebi o convite... porque forma de ação no Brasil é palavrão! Não pode falar isso! E isso foi patrocinado pelo ministério da Justiça e houve lá um seminário muito interessante, com especialistas americanos e brasileiros, e o presidente Fernando Henrique Cardoso apareceu, fez um discurso e condenou clara e veementemente a discriminação racial no Brasil. E é um fato inédito na história do Brasil. Nenhum presidente fez isso, realmente a fala sobre o Brasil era "felizmente, nós somos uma exceção", aquela coisa toda. E, segundo... isso...isso é um passo adiante; segundo, a indenização das famílias dos mortos... dos desaparecidos e mortos nas barracas e casernas militares, uma coisa que o Chile não fez, a Argentina não fez, o Uruguai não fez, quer dizer, o reconhecimento da responsabilidade da sociedade... que isso, moralmente... eu acho que isso são dois sinais de uma mudança que eu acho bem importante. E, além disso, na minha experiência aqui no Brasil, eu tinha notado, aparecem muito mais freqüentes as pessoas de cor, mulatos e negros, no comércio. Na Varig, por exemplo, no balcão do meu hotel no Rio, tem um rapaz lá que é preto mesmo e ele ia enfrentar o público, cada dia, e isso não teria sido possível em 1961 quando eu cheguei ao Brasil. Talvez, mais importante, é a estabilização, porque eu achava que a estabilização no Brasil ia ser impossível, uma das minhas previsões geniais [risos]. Quando ao Fernando Henrique foi oferecido o ministério da Fazenda eu disse: "Fernando Henrique, não, não faça isso, é impossível, você tem um presidente como o Itamar, um congresso que não funciona, o povo cínico, é impossível". E deu certo.  

Ricardo Setti: Ainda não está consolidada a estabilização, mas depende do Congresso, depende dessa turma toda ainda. 

Thomas Skidmore: Depende, depende, mas em comparação com as outras, não é? Eu acho que é um dos planos de estabilização dos mais inteligentes, dos mais bem aplicados. Eu fiz estudos desses planos de estabilização na América Latina de 1945 e esse é quase que o único que melhorou o ingresso dos estados mais baixos da população; cesta básica que caiu de preço, melhorou o padrão de vida do pessoal aqui embaixo, isso é muito incomum, não aconteceu na Argentina, nem no México, nem no Chile. De modo que eu acho que são sinais que... 

Fernando Mitre: E ele ganhou a eleição por isso e agora vai ganhar de novo em relação ao...

Thomas Skidmore: Ganhou, ganhou.

Matinas Suzuki Jr: Eu gostaria de fazer algumas perguntas dos telespectadores, mas antes eu vou perguntar se a Daniela, que ficou quietinha até agora, quer fazer alguma pergunta. 

Matinas Suzuki Jr: Por favor, então, Daniela.

Daniela Hart: O senhor mencionou agora a questão das cotas [cotas raciais], que agora está começando a ser discutido no Brasil, por exemplo, nas universidades se discute isso, justamente no momento em que, nos Estados Unidos, começa-se a abandonar esse programa. O senhor acha que no Brasil um programa desse tipo teria alguma chance de melhorar a discriminação racial, por exemplo, nas universidades ou no emprego? 

Thomas Skidmore: A palavra cota é velha também nos Estados Unidos, ninguém usa essa palavra; a palavra é alvo, alvo é aumentar o número das minorias. É verdade que, nas cotas, eles fazem uma distinção entre os programas que eles dizem que tem que ser vinte, trinta ou quarenta. É um programa que incentiva a aplicação, ajuda o pessoal, aquela coisa toda; isso ainda é legal nos Estados Unidos. Tem um exemplo aqui em São Paulo, na USP, é o programa pré-vestibular para negros, porque o problema é que o negro geralmente não tem a formação para passar num vestibular e eles estão fazendo um curso só para eles, para fazer o caminho legítimo, entrar na universidade. Isso eu acho que é legal, não é? 

Daniela Hart: Mas muitas pessoas dizem que, bom... duas coisas: que o problema na verdade não é de negros, mas a discriminação é econômica, digamos que os negros não chegam à universidade por uma questão...

Thomas Skidmore: Mas isso foi publicado claramente nos censos, nos dados. Uma coisa que me impressiona no Brasil é a capacidade da intelectualidade negar o fato sobre a discriminação racial, são os fatos que aparecem nos censos, pessoa de cor, pessoa branca com a mesma preparação, tudo o mesmo, homem branco, mulher branca ganha mais; isso é claro no censo, nos PNAD's - Plano Nacional de Domicílios, aquela pesquisa das... amostras não é? De modo que ainda existe discriminação no Brasil. O que felizmente não existe no Brasil é o ódio; esse é o nosso problema, eu falo para você, nos Estados Unidos nós temos esse problema, negrofobia, que não existe no Brasil. 

Matinas Suzuki Jr: Professor, a nossa telespectadora Laura mandou-nos aqui um e-mail que diz aqui o seguinte: "O Brasil foi definido pelo senhor, a propósito deste assunto, como uma sociedade multirracial e os Estados Unidos como uma sociedade bi-racial. O senhor ainda... essa classificação ainda persiste? E se não, mudou... o que mudou nelas?" 

Thomas Skidmore: Está mudando, é interessante. Nos Estados Unidos agora essa coisa de bi-racial era sobre branco e negro, mas nós temos hispânicos, latinos, como é que a gente vai defender o latino, o hispânico... pelo menos três, o japonês... asiáticos, o pessoal da descendência asiática, é muito importante na Califórnia, por exemplo. De modo que nós estamos, eu acho, caminhando mais para uma sociedade multirracial, e o Brasil, talvez — eu escrevi um artigo sobre isso, está no terceiro livro e o telespectador pode comprar [risos]—, mas no Brasil agora os demógrafos estão falando de brancos e não-brancos, quer dizer, um sistema binomial, que é interessante, dizendo que a diferença entre negro e mulato... as condições econômicas no mercado são muito pequenas; a grande diferença é entre branco e não-branco, de modo que é possível que esta situação esteja mudando. 

Matinas Suzuki Jr: Professor, a Cristina Araújo, que é do bairro do Limão, vendedora do bairro do Limão, aqui na cidade de São Paulo, o Adilson de Campos, que é do Rio de Janeiro, e a Marta Guedes, que é professora em Salvador, todos eles estão preocupados com a volta do presidente Collor à política e perguntam se o senhor leu a entrevista da Veja, se o senhor tem alguma observação a propósito da idéia ou do desejo do ex-presidente de retomar os direitos políticos antes do prazo e se candidatar aí já nas próximas eleições.   

Thomas Skidmore: Eu tenho um problema com o ex-presidente Fernando Collor. Eu sempre achava que não era um homem sério. Quando ele entrou na presidência, eu fui convidado para conhecer o presidente Collor, em Washington, na embaixada, e eu respondi para a embaixada: "No, thanks, não, obrigado, eu vou esperar o próximo" [risos]. Eu tinha um sentimento de rejeição tão grande, pessoal. Agora falando com meus amigos brasileiros, têm muitos que dizem: "Ah, tudo bem, Collor tinha coisas ruins, tinha coisas boas como, por exemplo, abrir a economia". 

Matinas Suzuki Jr: Abertura da economia.

Thomas Skidmore: Mas eu achava que ele estava desacreditando aquele processo pelo comportamento pessoal e político dele, mas eu acho que o Collor é uma ilustração. Uma coisa que tem na história do Brasil é o político drácula, que é aquele drácula que não morre, não é? Você tem que matar assim no coração, senão ele reaparece. 

Paulo Henrique Amorim: Professor, o senhor estuda o Brasil sistematicamente desde Getúlio. Existe um traço que acompanha a história brasileira desde Getúlio eu acredito que é o padrão de injustiça social no Brasil: com inflação, sem inflação, um pouco mais, um pouco menos, Collor, Itamar, governo militar, Delfim, tem uma característica na nossa história recente ou mais antiga que é a questão da desigualdade entre ricos e pobres. Por quê? 

Thomas Skidmore: Eu acho que é uma questão aqui de cultura, não é? E também de sentimento de culpa. Os meus amigos brasileiros geralmente não têm sentimento de culpa sobre os pobres. Passa aqui na rua, tudo bem, vou dar alguma coisa para eles, não sentem nenhuma culpa no caso deles. O negro, por exemplo, o movimento de direitos civis nos Estados Unidos dos negros foi feito em cima do sentimento da culpa dos brancos, uma coisa que eu acho que na cultura brasileira... a gente subir na vida não tem essa forma, é uma formação diferente. Vou dar um exemplo: John Rockefeller [John Davidson Rockefeller Nixon (1839-1937), considerado um self-made man, foi o fundador da primeira companhia petrolífera dos EUA, a Standard Oil, que virou a Esso. Em 1913, criou a Fundação Rockefeller], ele ganhou bilhões de dólares; um belo dia o pastor dele, batista, chegou para John Rockefeller e disse para ele: "John"... provavelmente foi: "Mister Rockefeller, você vai diretamente para o inferno" [risos] e ele ficou estarrecido e disse: "Por quê?" E o pastor disse: "Porque você não está dando dinheiro para os outros". 

Matinas Suzuki Jr: A diferença é que, no Brasil, a igreja pede para ela e não para os outros. [risos] 

Thomas Skidmore: E o John Rockefeller começou, ele fundou a indústria de Chicago, fundou várias corporações, fundações... essa idéia de que você tem uma responsabilidade. 

Paulo Henrique Amorim: Mas, professor, como não é uma questão pessoal, não é uma idiossincrasia de pessoas mais sensíveis à pobreza ou menos sensíveis, quer dizer, o fato de nós não termos milionários que se assustem com pastores batistas... Mas o senhor não acha que tem alguma coisa mais profunda nas raízes do país que faz com que essa característica não mude, isso é uma coisa que nos assusta há tanto tempo, que nos envergonha há tanto tempo e seja lá qual for o tipo de regime do ponto de vista político, seja lá qual for, qual seja o ponto de vista econômico, com mais abertura, menos abertura, com mais protecionismo, mais Estado, menos Estado, isso é uma característica nossa, como o samba, o futebol...

Thomas Skidmore: Foi muito falado, mas eu acho que é perigoso pensar isso, sabe por quê? Porque você pode caminhar para um tipo de inevitabilidade, e essa coisa sobre brasileiro, o brasileiro é bonzinho, o brasileiro é isso, aquilo, brasileiro, mulher, cachaça e futebol e não sei o quê, há explicação para tudo. Mas, veja você, aqui na cidade de São Paulo nunca acharam que seria possível aplicar a lei do cinto do automóvel e os paulistas estão obedecendo melhor que os americanos, muito melhor [risos]. 

Daniela Hart: Professor, qual o incentivo que teria...[sendo interrompida] 

Thomas Skidmore: Eu acho que as coisas estão mudando. 

Daniela Hart: Continuando nessa pergunta, qual o incentivo que teria um governo para mudar essa questão de desigualdade social na medida em que o senhor mesmo falou que o sonho, hoje em dia, no Brasil e talvez no mundo, é o sonho do consumo? Aquele sonho de algumas décadas atrás, de um mundo melhor, mais justo, na verdade, não tem mais essa pressão. Tem o sonho do consumo que é o real [moeda], uma estabilidade, até que a gente compra bombom importado tal, então, tudo bem, e na verdade os excluídos... o sistema econômico não precisa mais de muitos excluídos nem como mão-de-obra barata, eles estão mais dispensáveis. Então, de onde que viria a motivação para um governo realmente mudar essa distribuição de renda?

Thomas Skidmore: Isso é... Eu acho que tem que ser uma obrigação moral; tem que ser moral, não tem outra explicação. O PSDB foi fundado com essa idéia, não é? E agora continua nas mãos do ACM. 

Matinas Suzuki Jr: Agora, professor... [sendo interrompido]

Thomas Skidmore: É uma obrigação moral, é moralidade! 

Daniela Hart: Mas existe na história de outros países, não sei no Brasil, onde simplesmente uma pressão moral é suficiente para fazer transformações tão imensas? Não precisa também de uma outra...[sendo interrompida]

Thomas Skidmore: [interrompendo] Você precisa de crescimento econômico também, não é? E você... e os regulamentos que ajudam, ao meu ver, o mais importante é a educação pública que está em ruínas no Brasil.

Matinas Suzuki Jr: Professor... [todos falam juntos] 

Heródoto Barbeiro: Eu fiquei aqui com a impressão de que o senhor acabou de dizer que essa desigualdade social é menor nos Estados Unidos do que no Brasil porque lá os capitalistas são altruístas e aqui não são, é isso [risos]? Foi isso o que eu entendi. Porque eu imaginava que a acumulação do sistema capitalista americano tinha se dado de forma diferente da acumulação que se dá no Brasil. Enquanto lá se dá uma acumulação de bens patrimoniais em cima da própria moeda, aqui não, aqui a acumulação foi uma acumulação em cima de bens ipatrimoniais, o que é muito mais difícil de distribuir do que eu ir, por exemplo, na universidade e dar uma fazenda de presente que sempre foi a forma de acumulação no Brasil, durante... 

Thomas Skidmore: Isso é verdade, isso é verdade! 

Heródoto Barbeiro: Não é verdade? Do que nos Estados Unidos em que essa acumulação foi feita de forma fiduciária [confiável, que gerou um legado].

Thomas Skidmore: Sim, ao meu ver um instrumento mais importante é a educação, educação pública. 

Heródoto Barbeiro: Sim, mas onde é que entra o altruísmo que o senhor acabou de dizer agora há pouco?

Thomas Skidmore: Altruísmo muitas vezes é pessoal pagando imposto de renda para apoiar a escola quando não tiver crianças; isso é um problema conosco agora. Os idosos que não querem pagar impostos, que não têm crianças na escola.

Heródoto Barbeiro: Então, mas o senhor citou um exemplo, aí, de capitalistas americanos, entre eles citou Rockefeller, entre outros e outros, que dividiram as suas fortunas com universidades, instituições etc., o que... o mesmo não aconteceu no Brasil. Agora, esse altruísmo americano me parece que não é o responsável por essa maior distribuição da riqueza como é aqui. 

Thomas Skidmore: Não, mas é responsável muitas vezes para melhorar, para reduzir as desigualdades. O mais importante é o crescimento e também o declínio na taxa de natalidade. Talvez vai ser o fator mais importante nas próximas décadas. Mas também você precisa crescimento, você tem alguém que está deixando aqui atrás. E o que você vai fazer por essa pessoa que está deixada atrás? Rio Grande do Sul está indo bastante bem agora pelo índice de desenvolvimento humano; Piauí não, você deixa dizendo que um belo dia eles vão enfrentar uma fábrica de automóveis no Piauí. Isso vai ser uma coisa... 

Fernando Mitre: Professor, o senhor não acha que a ética protestante [referência ao livro de Max Weber Ética protestante e o espírito capitalista. Neste livro, Weber desenvolve a tese de que a ética e as idéias puritanas influenciaram o desenvolvimento do capitalismo] teve um peso especial nessa produção e distribuição de riqueza americana?

Fernando Mitre: E aqui nós trabalhamos com outros elementos históricos religiosos? 

Thomas Skidmore: Na Espanha, na França, na Alemanha, você tem populações muito grandes de religiões católicas também. 

Fernando Mitre: Os próprios Estados Unidos! 

Thomas Skidmore: É um sentimento de... não é só altruísmo, é também alto interesse, por exemplo, quem é pobre não vai comprar o seu produto. 

Fernando Mitre: No mercado, não é? 

Ricardo Setti: Professor, esse fenômeno que o senhor está mencionando, essa questão da diferença dos Estados Unidos com o Brasil tem alguma coisa a ver com algo que o senhor disse numa das entrevistas anteriores sobre a capacidade de sofrer do brasileiro, chama a sua atenção a capacidade de sofrer do brasileiro, que é superior a de outros povos que o senhor observa, tem alguma coisa a ver com isso?

Thomas Skidmore: Ora, ora [risos]! É um horror, não é? Eu me lembro quando estava aqui John Walters, o famoso, em 1964, e Lincoln Gordon [embaixador dos Estados Unidos no Brasil entre 1961 e 1966], embaixador, também muito famoso perguntou a Walters: "Vai sair aqui uma revolução?" E Walters disse: "Olha aqui, embaixador, o brasileiro não é assim!" Ele começou a falar com o prefeito de uma aldeia do interior, mas eu acho isso, é impressionante a capacidade do ... Isso é herança do sistema de escravidão, sem dúvida nenhuma. O Brasil preservou a escravidão até o fim do século passado e essa coisa de "sim, senhor", "o senhor que sabe"," tudo bem", "sabe quem está falando?", "aquela coisa toda". Eu acho que é uma descendência do sistema.

Fernando Mitre: Mas durou vinte anos. Depois da abolição dos Estados Unidos durou vinte anos no Brasil. Mas professor...

Thomas Skidmore: Mas é similar no sul dos Estados Unidos. 

Fernando Mitre: Professor, o senhor não acha que há sinais de que pressões muito fortes podem estar surgindo no Brasil, violentando um pouco essa história de subserviência, de aceitação? 

Fernando Mitre: Por exemplo, vou dar um exemplo e gostaria que o senhor analisasse. O Movimento Sem-Terra [MST, movimento social brasileiro criado em 1984 por pequenos agricultores, cuja principal revindicação é a reforma agrária], que se explica também pela fragilidade do quadro partidário, que era perfeitamente possível que um movimento como esse fosse assimilado pelo sistema partidário brasileiro. Não é, está naquele vácuo de que o senhor falava há pouco tempo. Mas o que o senhor vê nesse movimento dos sem-terra em termos de protesto e reivindicação? 

Thomas Skidmore: Bom, eu acho que é um sinal importante, mas não sei, o problema do historiador... o historiador sempre está influenciado pelas tendências do passado, não é? A minha resposta é a seguinte: na história do Brasil tem quase nenhum movimento de êxito na história da reforma agrária. Em comparação com o Chile, com México, por exemplo, a oligarquia aqui no Brasil, o rol domina tão bem com as ligações, com as lideranças urbanas e o exemplo maior é a Assembléia Constituinte. Se lembra quando a esquerda, tão poderosa, tentou introduzir a reforma agrária, entrou aqui a UDR [União Democrática Ruralista, entidade criada em 1985 por ruralistas no interior do estado de São Paulo com o objetivo de preservar o direito a propriedade], não é? Com leilão de bois, não é? Eles liquidaram imediatamente, ninguém falava mais de reforma agrária, e isso foi votação com gente da cidade, de modo que eu duvido da capacidade do público urbano simpatizar muito com o MST. O MST está aqui no vácuo de notícias. Tem pouca coisa, não é?

Matinas Suzuki Jr: Professor, eu vou pedir licença para o senhor e nós vamos fazer um rápido intervalo e a gente volta daqui a pouco, com a segunda parte da entrevista com o professor Thomas Skidmore. Até já! 

[intervalo]

Matinas Suzuki Jr: Nós voltamos com o Roda Viva que entrevista esta noite o brasilianista Thomas Skidmore. Professor, eu gostaria de fazer duas perguntas para o senhor: como a globalização está influindo na vida acadêmica americana? Há alguma mudança? Os objetos de pesquisa estão se transformando com a globalização? E a segunda questão é se o Brasil... o interesse pelo Brasil também está mudando nos círculos acadêmicos americanos, se o senhor pode detectar algum tipo de mudança. 

Luís Felipe Alencastro: Eu queria anexar uma pergunta talvez também nesse sentido, no século XIX os brasilianistas eram os viajantes, eles eram geralmente franceses e o público deles era o público externo, aqui, realmente... O Debret [Jean-Baptiste Debret (1768-1848), pintor e desenhista francês, responsavél pela Missão Francesa no Brasil] foi um fracasso na França, a publicação das gravuras dele hoje é sucesso no século XX, mas enfim o objetivo dele era vender livro na França. E o senhor? A sua carreira, como de outros colegas, como há pouco nós estávamos falando de Joseph Miller, que é o grande especialista de Angola, não tem chance nenhuma de sucesso em Angola... O senhor hoje, passando a fase da Revolução Cubana que deu o boom nos estudos sobre a América Latina, o senhor acha que a tendência é continuar declinando o interesse sobre estudos da América Latina e não sobre o México, que é um problema doméstico da política americana, mas da América do Sul e do caso do Brasil? 

Thomas Skidmore: Bom, eu acho que não, mesmo, como foi na época do Castro [Fidel, presidente cubano], não é? Por sinal, continua. Mas o interesse acadêmico em pesquisas sobre o Brasil continua, sempre estou perguntando pelos meus amigos, ah! O Skidmore na verdade o Brasil está esquecido, nos Estados Unidos não tem mais pesquisa, você é uma espécie em extinção, aquela coisa toda. O fato não só não... quer dizer, nós temos muita gente que está fazendo trabalho, fazendo livros, por exemplo, o autor do livro, o melhor livro sobre Brasília, que se chama Holston [James Holston, antropológo, autor do livro A cidade moderna: uma crítica de Brasilia e sua utopia], ele é ótimo americano, sociólogo, antropólogo, esse livro é excelente, saiu aqui numa tradução da Companhia das Letras; Waren Dean [(1932-1994), historiador brasilianista da Universidade de Nova Iorque, autor de livros fundamentais para a compreensão da história do Brasil, como A industrialização de São Paulo e Rio Claro: um sistema brasileiro de "plantation" e que acaba de publicar um livro sobre a mata atlântica [A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira], que é um livro fundamental para entender o Brasil, quer dizer, a cada ano a minha estimativa seria de vinte ou vinte e cinco livros sobre o Brasil publicados nos Estados Unidos. 

Fernando Mitre: Professor, é verdade que o senhor escolheu o Brasil por acaso, que o senhor chegou na universidade ... 

Thomas Skidmore: Não, isso não é verdade! 

Fernando Mitre: Isso eu li em algum lugar. 

Matinas Suzuki Jr: Professor, a Edna do Nascimento gostaria de saber o que levou o senhor a estudar o Brasil e a se dedicar aos estudos brasileiros.

Thomas Skidmore: Eu peço a licença dos telespectadores que já conhecem essa história, mas é o seguinte: eu fiz o meu doutorado da história da Alemanha, é um assunto muito chato, eu terminei a tese, em 1960, sobre o político que sucedeu o Bismarck, ninguém lembra o nome dele, mas isso foi em 1960, quando Fidel Castro estava criando problemas no cargo. A universidade na época minha era Harvard. E Harvard achava que havia uma falta de professores de gabarito especializados na América Latina. Tudo bem. A solução era contratar professores jovens da mesma universidade, de Harvard, para mudar a especialidade. Tudo bem. Eles me ofereceram uma bolsa de três anos de pós-graduação — e eu falava francês e alemão na época, não falava espanhol nem português— e eu tinha que escolher qual seria a língua para aprender primeiro. E a escola, no curso de verão, era espanhol às oito da manhã e o português às onze [risos].

Fernando Mitre: O senhor resolveu levantar mais tarde... [risos] 

Fernando Canzian: Professor, eu queria fazer uma pergunta para o senhor relacionada aos Estados Unidos nessa reunião do G7 [mais conhecido como G8. É um grupo internacional que reúne os sete países mais industrializados e desenvolvidos economicamente do mundo, mais a Rússia. Durante as reuniões, os dirigentes máximos de cada Estado membro discutem questões de alcance internacional. Recebe críticas internacionais, na medida em que toma decisões sem transparência ou legitimidade] que houve em Denver nesse fim de semana. Os Estados Unidos demonstraram uma vontade imensa ali em ditar alguns rumos, inclusive conseguiram ali uma supervisão no processo de abertura de algumas áreas no Japão. O senhor acha que os Estados estão interferindo demais, de novo, nos processos do mundo como fizeram no consenso de Washington, que acabou levando alguns países para o buraco e outros estão se ajustando até hoje, que é o caso do México, é o caso do Brasil, o senhor acha que é uma interferência, o senhor concorda com essa interferência? 

Thomas Skidmore: Não, sabe como é que é...[risos] o caso do Japão é incrível, cada governo americano enfrenta aqui um déficit na balança comercial, o que vamos dizer, uns sessenta milhões de dólares anuais, e dizem que é o problema... o problema é que os japoneses não deixam entrar os produtos americanos. Amazonas mandaram uma missão que vai falar forte para os japoneses, não é? Acontece que essa missão, todo mundo que é membro da missão é novo, não entende nada do Japão. No Japão, a equipe já tem muitos anos de experiência recebendo essas missões americanas e não sai nada, termina em pizza.

Fernando Canzian: Mas, e no caso dos outros países, porque o que os Estados Unidos estão dizendo agora é que eles têm um mercado flexível, globalizado, perfeito etc, e que esse modelo poderia ser importado por outros, quer dizer, querem ter a batuta ali para regular. 

Thomas Skidmore: O brasileiro é muito bom, brasileiro é bonzinho, o brasileiro gosta de consumir produtos americanos, o japonês não gosta [risos]. É berço, não é? De modo que nós estamos sempre lá pregando "You shall spend more..." ("Vocês têm que consumir mais") e o japonês disse que "não, tem que poupar".

Fernando Henrique Amorim: Professor, o senhor viu O que é isso, companheiro [filme produzido em 1997 e dirigido por Bruno Barreto baseado no livro homônino de Fernando Gabeira sobre o sequestro do embaixador norte-americano pela milícia armada MR-8 durante o regime militar]?

Thomas Skidmore: Não, ainda não! Deve ser muito bom.

Heródoto Barbeiro: Professor, eu gostaria de fazer uma pergunta ao senhor do seu livro. Obviamente o senhor fala de uma passagem que é o aparecimento do anticandidato, um deles foi Ulysses Guimarães [Ulysses Silveira Guimarães (1916-1992), professor de direito, político de renome, foi presidente da Assembléia Constituinte organizada em 1986].  O outro foi um militar, numa tentativa de apresentar alguém que pudesse... ainda que, dizer, vou perder a eleição, mas nós vamos tentar dizer alguma coisa, ocupar algum espaço político no país. Recentemente, o Lula esteve aqui na TV Cultura no ...Opinião Nacional e eu fiz uma pergunta para ele, porque eu estou provavelmente... é uma impressão pessoal minha, mas a imprensa o está colocando como se ele fosse um anticandidato, ou seja, alguém que está saindo sem chance de enfrentar o Fernando Henrique Cardoso, na eleição que está marcada para o ano que vem. E o Lula disse que não, rechaçou imediatamente, até dizendo que isso não é verdade, que nós estamos aqui tentando costurar uma aliança dos partidos políticos de esquerda que deverão apresentar um candidato único, provavelmente ele, para disputar então. Então ele diz assim : "Assim como o presidente Fernando Henrique tem o PSDB, o PFL etc, eu estou juntando aqui a minha turma" e a impressão que se teria é que nós teríamos, na verdade, ao invés de vários candidatos no ano que vem, apenas um encontro de dois grandes candidatos; um representando a oposição, que pode ser o Lula, e o outro, certamente, o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, por exemplo, o senhor acha que cabe essa rotulação de anticandidato ao Lula que ele rechaçou imediatamente, ou não? 

Thomas Skidmore: Eu acho que cabe. Por exemplo, você tem notícias nos jornais que estou lendo, que é do PT, acho que é o presidente do PT, que é necessário apresentar a candidatura de Lula para ajudar os outros candidatos do PT, para crescer, para o partido crescer. O importante não é "nós vamos perder a eleição", ao mesmo tempo, vamos fortalecer o partido, eu acho que é um ...sentido de antipartidário, anticandidato. 

Heródoto Barbeiro: Mas o senhor não acha um fato inédito, por exemplo, um homem como Leonel Brizola [Leonel de Moura Brizola (1922-2004), fundador do PDT, já foi presidente de honra da Internacional Comunista. Grande opositor do regime militar, concorreu as eleições presidenciais em 1989, mas foi derrotado no primeiro turno] que o senhor retrata também aí no seu livro e sempre foi rival do Lula nessa esquerda brasileira, disputando, abrir mão da sua candidatura em favor do Lula?

Thomas Skidmore: É possível, parece que ele vai, ele falou sobre alguma coisa barbudo [Brizola chamou Lula de sapo barbudo].

Heródoto Barbeiro: Isso foi no passado! 

Thomas Skidmore: Não, eu acho que é bem possível. 

Heródoto Barbeiro: Antes... de uma eleição para outra, o sapo barbudo virou príncipe encantado. 

Thomas Skidmore: Não, não, eu acho que o Brizola é capaz de apoiar o Lula, não é? Suponhamos que o Fernando Henrique vá ganhar a eleição, mas é possível, por exemplo, não quero prever, mas aumentar a taxa de juros nos Estados Unidos pode criar problemas imediatos para o plano, esse plano agora. 

Paulo Henrique Amorim: Por isso então eu gostaria de perguntar uma coisa para o senhor, se houver qualquer indício ali de elevação da taxa de inflação dos Estados Unidos e o Greenspan [Alan Greenspan, na época presidente do Federal Reserve, o banco central norte-americano] resolver aumentar a taxa de juros lá, o que o senhor acha que acontece com o Plano Real? 

Thomas Skidmore: Não, o problema é que todo esse dinheiro quente (hot money) é capaz de sair do Brasil, porque está aqui por causa da diferença entre a taxa de juros aqui e a taxa de juros de Nova York.

Paulo Henrique Amorim: O senhor tem dinheiro aplicado aqui, não? [risos]

Paulo Henrique Amorim: Devia, professor, devia [risos].

Thomas Skidmore: Sabe que eu sou muito ingênuo? Eu sou como... Não sou o Rockefeller, porque eu sempre achava, eu sou puritano [referente a religião protestante, puritanismo], que sendo estudioso do Brasil seria um conflito de interesse investir dinheiro no país. Por enquanto, estou perdendo muito dinheiro [risos].

Paulo Henrique Amorim: O senhor já examinou a taxa de juros? [risos]

Ricardo Setti: Quer dizer que os especialistas de história americana e americanos têm que investir na Suíça?

Paulo Mitre: Professor, o senhor tem lamentado aí nas suas entrevistas a questão da distribuição de renda no Brasil e parece que o senhor não vê... o senhor tem se colocado mais otimista nas últimas entrevistas, apesar disso o senhor não vê grandes perspectivas de mudança do quadro da distribuição de renda no Brasil e o senhor já antevê a vitória de Fernando Henrique. Isso significa que a estabilidade monetária que garantiu a vitória de Fernando Henrique... garante a próxima vitória sem que ele toque na questão social de maneira conseqüente? Quer dizer, o senhor não prevê, aí, até por questões eleitorais, uma fase de realizações na área social? 

Thomas Skidmore: Sabe o que vai ser? [gesticulando] Asfalto! 

Fernando Mitre: É por esse lado de obras? 

Thomas Skidmore: Tapar buracos! O presidente já disse que ia tapar todos os buracos dentro de 100 dias, eu acho que vai ser uma enxurrada de asfalto, para mostrar que o governo tem interesse no interior, aquela coisa toda, que é uma tradição. Eu acho que eles têm a idéia... quem manda no governo ao meu ver é o Banco Central, não é? E o Gustavo Franco [(1956- ), economista, foi presidente do Banco Central entre 1997-1999] e os outros que estão fazendo a política, o Fernando Henrique está indo com eles e dizendo para ele: "Nós vamos continuar com exatamente a mesma política até o dia da eleição. Mesmo câmbio e mesma taxa de juro". O que eles precisam, além disso, não sei, mas acho que vai ser pouca coisa, não tem grana e não precisa. 

Fernando Mitre: Não precisa, porque não tem adversário, é isso que o senhor quer dizer. 

Thomas Skidmore: Não tem adversário e ninguém tem... Como é que o Lula vai aparecer e dizer que ele vai construir duas mil escolas?! [sendo interrompido] Sim! 

Matinas Suzuki Jr: Essa onda democratizante da América Latina, com algumas exceções, o senhor acha que ela é duradoura? 

Thomas Skidmore: É perigoso prever isso, não é? Já temos alguns fracassos, por exemplo, o Peru. Eu acho que, em certo sentido, o caso do Fernando Henrique... ao meu ver, ninguém está de acordo comigo, mudar a Constituição em benefício do presidente atual não é muito democrático, ao meu ver. Mostra a independência das instituições. Mudar para outro candidato seria outra coisa, de modo que eu acho que é muito frágil, muito frágil. E talvez o mais importante é que toda onda de prosperidade que existe aqui no momento é conseqüência de uma onda de prosperidade mundial. De liquidez. É bem possível que, quando não houve essa liquidez esses modelos econômicos, que são os mesmos, México, Chile, Argentina, Brasil, que são feitos com dinheiro estrangeiro... se houver corte no dinheiro estrangeiro [encena um movimento de suicídio] é outra coisa. Eu acho que o destino da democracia está muito ligado à economia. 

Paulo Henrique Amorim: O senhor acredita realmente que a mudança econômica, essa estabilização feita depois da crise da dívida do Brasil no México e na Argentina, isso seja tudo farinha do mesmo saco, o senhor não vê nenhuma distinção? Eu acho que, por exemplo, colocar a experiência brasileira ao lado da experiência mexicana é um pouco de injustiça com o Brasil, o senhor não acha, não? 

Thomas Skidmore: Não, eu estou de acordo, tem muitas diferenças, mas em geral você tem alguns traços em comum, que são privatização, baixa de tarifas, enxugar o Estado, atrair investimento estrangeiro, isso é comum para todos e encoraja o comércio exterior. Mas houve diferenças bastante grandes nos casos, porque houve diferenças nas circunstâncias. Por exemplo, o Chile é o caso mais citado, às vezes, foi feito por uma ditadura. 

Paulo Henrique Amorim: Professor, um minutinho aqui! Eu tenho um amigo que ele é... ele tem uma fazenda de café no norte do Paraná, tem café adensado ali na região de Barreiras na Bahia, ele mexe com negócio de gado ali no sul do Pará e toda vez que vem, por exemplo, do Chile ele costuma usar uma expressão que eu acho muito feliz que é o seguinte: se ele pegasse todas as fazendas dele e botasse assim no comprido dava um Chile. Eu prefiro trabalhar com coisas do mesmo tamanho, o México, a Argentina... o senhor, eu acho, por exemplo, a estrutura produtiva que tem no Brasil, a agricultura mexicana, o senhor conhece algum produto agrícola do México? 

Thomas Skidmore: O Brasil não tem nada a aprender com o Chile! O Chile fica fora do mapa. 

Paulo Henrique Amorim: Não estamos falando de proporções diferentes. O consumo na Argentina do Chile é menor do que o... [interrompido por Skidmore] É a segunda vez que o senhor me diz que eu estou fazendo...relações perigosas aqui [risos]. O consumo da Argentina no Chile é a mesma coisa que São Paulo, professor. Mas, veja só, o senhor acha que a capacidade do Brasil de resistir a uma elevação da taxa de juros é a mesma do que a capacidade que tem o México e que tem a Argentina? 

Thomas Skidmore: Provavelmente é melhor.

Paulo Henrique Amorim: O Brasil pode resistir melhor. 

Thomas Skidmore: Economia mais integrada, e tem mais capacidade industrial, muito mais que a do México. O Chile desmantelou completamente. Tem capacidade o Brasil, isso é verdade, mas não para crescer da maneira atual.

Paulo Henrique Amorim: Como assim, o Brasil deveria crescer mais? 

Thomas Skidmore: Estou dizendo agora com a estabilização muito bem feita e também com liquidez internacional a taxa de crescimento é só 3,9%, que dá para manter o sistema atual. Se houver problemas de liquidez internacional estou dizendo que é bem possível cair, como no caso da década de 1980. O problema na década de 1980 era exatamente financiamento externo.

Daniela Hart: Professor, na história do Brasil o senhor acha que esse governo atual... ele é uma continuidade de uma direita no poder, uma elite no poder que, num certo momento, viu que para continuar tudo igual tinha que ter uma mudança e ter alguém de fora ou o senhor acha que tem alguma coisa de novo acontecendo? O senhor mesmo mencionou o PSDB como um partido que veio com mais ética, começou com mais moralidade, um Fernando Henrique, um acadêmico, uma pessoa não-corrupta... Tem alguma coisa nova no Brasil ou é uma continuidade do regime...[interrompida]?

Thomas Skidmore: Não, eu acho que mesmo com continuidade da elite política você tem mudanças, melhoramentos, especialmente nas regiões desenvolvidas, quer dizer, capacidade. Você pega, por exemplo, a porcentagem de casas com cano, com água interna, você pega analfabetismo, você pega índice de mortalidade infantil, todos esses índices estão melhorando, o que mostra que o padrão de vida está melhorando sem a menor dúvida. Mas o problema é que você deixa esses bolsões que não estão participando do processo.

Daniela Hart: ... que nunca participaram....

Thomas Skidmore: Nunca participaram e... outra coisa é que a pobreza está indo do campo para a cidade, tem um estudo recente da pobreza agora, metade da pobreza está nas grandes regiões metropolitanas.

Daniela Hart: Quer dizer, tem essas melhoras que o senhor está falando, pequenas melhoras, mas não tem uma mudança de direção significativa que mudaria essa situação, esses bolsões, essa situação de pobreza?

Thomas Skidmore: Falando em hábitos culturais isso é uma coisa que leva muito tempo, os hábitos políticos têm uma quase uma regressão. Eu acho que o grande problema é como organizar a vida política brasileira. Quando chegou o general Castelo Branco [Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1900-1967), primeiro presidente do regime militar instaurado no Brasil em 1964], ele tinha uma idéia, idéia que foi vendida para ele: era criar o bi-partidarismo. Tudo bem, bi-partidarismo, e se houver dificuldade manda o SNI [Serviço Nacional de Informações, criado em 1964 com o objetivo de supervisionar e coordenar atividades de informações nacionais e internacionais no Brasil], o Dops, para fortalecer, então o PFL é resultado do fortalecimento da Arena [partido de sustentação político-parlamentar dos governos militares pós-1964]. 

Fernando Mitre: Professor, por falar em regressão política no Brasil, como é que o senhor analisa essas três pragas, nas palavras do próprio presidente, as três pragas da nossa política, que são o corporativismo, o clientelismo e o fisiologismo, sendo que evidentemente no governo dele tem muito disso? Mas eu gostaria que o senhor analisasse, nesTe momento como, estão essas três pragas no Brasil. 

Thomas Skidmore: Bom, o clientelismo quer dizer democracia, porque representantes políticos...[interrompido]

Fernado Mitre: Estados Unidos têm também...

Thomas Skidmore: Nós temos também, também, por exemplo, porque Lyndon Johnson, porque o Lyndon Johnson era líder do senado, e devia ter ficado na Flórida, mas por causa da influência do Johnson ficou lá no Texas, isso é uma coisa em todos os sistemas, você têm isso, né? Patrimonialismo é outra coisa...

Fernando Mitre: Fisiologismo, que tem a ver com... patrimonialismo. Fisiologismo, não é, que no caso pode ser o... [interrompido]

Thomas Skidmore: Fisiologismo também aquele, você quer o... Eu acho que fisiologismo, em certo sentido, é conseqüência da falta de emprego. Eu vou dar um exemplo: eu sou congressista americano e eu tenho aqui emprego no meu escritório, vinte, eu vou buscar pessoal de talento, aquela coisa toda. Sou congressista brasileiro, tenho vinte lugares, eu vou dar esse lugar para um estrangeiro? Quando meu genro está sem emprego? Mas isso é desumano! Não pode, não é? 

Fernando Mitre: Só que isso atinge proporções absurdas. Na época de votação de uma matéria importante, por exemplo, as barganhas chegam a ponto...

Thomas Skidmore: Isso é verdade. Isso é verdade!

Fernando Mitre: Mas e o corporativismo no Brasil que talvez seja o principal...[sendo interrompido] 

Thomas Skidmore: O corporativismo está saindo, está saindo. Veja você, um amigo meu citou o caso da CUT [Central Única dos Trabalhadores]. A CUT... 70% dos diretores da CUT são do funcionalismo público e eles são contra a privatização, quarenta por cento são do setor privado. O setor privado, os empregados são a favor da privatização de modo que a CUT não conseguiu formar uma posição, uma política sobre privatização porque não tem esse conflito e o mais importante é que você tem o pensamento privado particular que é novo. Ou também no caso da indústria siderúrgica. Se lembra da venda, os empregados eram a favor, contra os nacionalistas, socialistas.

Fernando Mitre: Contra as centrais sindicais.

Thomas Skidmore: Eles ganharam, não é? 

Fernando Mitre: Quer dizer, a prática vai removendo o clientelismo, o corporativismo. 

Thomas Skidmore: Eu acho que tem sinais do corporativismo; está cedendo, vamos dizer, à economia de mercado. 

Heródoto Barbeiro: Professor, me surpreendeu bastante quando o senhor, em um de seus artigos, fez uma comparação do presidente Fernando Henrique Cardoso com Getúlio Vargas. 

Thomas Skidmore: Ah, eu sei!

Heródoto Barbeiro: Eu acho que era a última pessoa que eu imaginava que o senhor ia identificar, o presidente Fernando Henrique.

Thomas Skidmore: Felizmente eu estou viajando terça-feira [risos]. 

Heródoto Barbeiro: Depois eu vi que, entre outras coisas, o senhor diz o seguinte: bom, o presidente Fernando Henrique assim como Getúlio Vargas são incapazes, ou é o presidente Vargas no passado e ele no presente, incapazes de dizer não. Eles dizem qualquer coisa, menos a palavra não. Agora, como é que se pode fazer essa comparação, acho até que é uma comparação cruel, porque recentemente o presidente Fernando Henrique fez um discurso dizendo que estava enterrada a Era Vargas, o senhor se lembra disso? 

Thomas Skidmore: Me lembro muito bem. 

Heródoto Barbeiro: O senhor conhece muito bem. Está enterrada a Era Vargas, certo? Muito bem, agora eu pergunto o seguinte: como é que se pode fazer uma comparação entre dois homens que têm formações políticas-ideológicas tão diferentes quanto Vargas, que era um homem de direita, um homem identificado com o fascismo, o nazismo e por aí afora, com o presidente Fernando Henrique que sempre foi um homem de esquerda, que foi um marxista-leninista, hoje eu não sei se é mais ou não. Mas como é que pode pegar duas pessoas de pensamentos tão opostos e dizer que eles são parecidos? 

Thomas Skidmore: Primeiro, não tenho sempre confiança na palavra dos políticos. Mas eu quero fazer uma comparação só entre a situação do Getúlio entre 1930 e 1935 ou 1937, quando Getúlio estava jogando, manipulando, tudo foi feito com representantes do estados e ninguém sabia exatamente as intenções, quer dizer, eu estou dizendo... e também mudando as regras, o Getúlio mudou as regras, não é? E que o Fernando Henrique está fazendo também. É o Congresso que está votando. 

Heródoto Barbeiro: Só que um era representante da oligarquia, no caso do Vargas, não me parece que o Fernando Henrique seja um representante das oligarquias. 

Thomas Skidmore: Mas eu estou falando sobre estilo político, a maneira de manipular os membros do Congresso. Não é em todos os sentidos que há uma comparação, mas só naquele período que eu acho que tem uma similaridade. 

Heródoto Barbeiro: Sim, mas nesse período o Vargas era um representante das chamadas oligarquias dissidentes do Brasil. 

Thomas Skidmore: Não, ele fez a revolução de 1930 contra as oligarquias. 

Heródoto Barbeiro: Com as oligarquias dissidentes, professor! Ué, tem mais gente aqui que conhece a história do Brasil ou será que...[risos] Professor, ele fez uma revolução contra as oligarquias tradicionais com o apoio dos oligarquistas... 

Thomas Skidmore: Contra a oligarquia paulista, por exemplo, contra a oligarquia paulista. 

Heródoto Barbeiro: Sim, entre outros, mas com o apoio de oligarquias dos chamados estados menores do país, quer dizer, de certa forma ele continuava representando uma parte do setor oligárquico do Brasil. 

Thomas Skidmore: É o caso do Fernando Henrique Cardoso com o oligarquismo no Nordeste, ele está representando também ou não? 

Heródoto Barbeiro: O senhor diz as oligarquias atuais? De certa forma está. 

Thomas Skidmore: Você acha? 

Heródoto Barbeiro: Ele não tem o apoio do PFL? Pois então, pela lógica parece que está.

Thomas Skidmore: Uma semelhança, mas semelhanças sempre são perigosas, não é? 

Ricardo Setti: O senhor falou que... [sendo interrompido].

Thomas Skidmore: Olha, eu estou aqui para provocar...[risos] 

Ricardo Setti: O senhor usou a expressão que o Fernando Henrique era refém do PFL... o senhor usou essa expressão mais de uma vez ao longo dos últimos tempos, que o Fernando Henrique era refém do PFL, o senhor usaria essa expressão ainda hoje, acha que a situação é exatamente essa? 

Thomas Skidmore: Eu acho. 

Ricardo Setti: Mas isso não é um pouco contraditório com essa faceta de manipulador, esperto, que o senhor também identificou nele? Quer dizer, ele manipula, ele é manipulado, ele é refém do PFL, mas ele manipula também de acordo com o interesse, por exemplo, da reeleição. 

Thomas Skidmore: Mas a base eleitoral que ele tem, não tem dúvida sobre isso... É o Nordeste, não é? E o PFL que é o "bastião" [emblema] do ACM. 

Ricardo Setti: Mas eleitoral ou a base no Congresso? Porque eleição... ele teve votação espetacular em São Paulo, no Paraná, no Rio de Janeiro, quer dizer, talvez a dependência dele esteja maior em votos no congresso. 

Thomas Skidmore: No Congresso e também nos que estão dirigindo o Congresso, os relatores, não completamente, mas eu acho que ele não pode fazer coisas...Vamos fazer o seguinte, vamos fazer o seguinte... [sendo interrompido]

Ricardo Setti: [interrompendo] Contra a vontade do PFL... 

Thomas Skidmore: O Fernando Henrique Cardoso não tem a possibilidade de fazer qualquer reforma agrária radical, isso vai receber o veto do PFL e, nesse sentido... não quer dizer que ele quer fazer isso, mas nesse sentido ele é um refém. O ACM tem certos vetos em cima do Fernando Henrique, coisa que ele não pode fazer. 

Fernando Mitre: Mas só um detalhe: o presidente Fernando Henrique não acredita em distribuir terras.  Existe um livro esgotado que tem o prefácio dele onde ele diz isso claramente. Então, ele está mais apresentando esse plano de 280 mil assentamentos... mais por razões políticas e por pressão, é uma resposta parcial que ele dá a uma pressão muito grande, mas ele não acredita nisso, não.

Paulo Henrique Amorim: Embora o Ministério da Reforma Agrária tenha publicado uma pesquisa na Veja de hoje... de ontem, mostrando que os assentados têm um padrão de vida melhor do que tinham antes. 

Fernando Mitre: Alguma coisa está acontecendo. 

Luís Felipe Alencastro: Professor, eu ouvindo o senhor aqui ao longo da noite estava me lembrando da sua carreira como brasilianista. E houve uma fase durante a ditadura em que o senhor era considerado conservador pelos intelectuais brasileiros porque o senhor tinha, embora sempre com a oposição moral à truculência da ditadura... o senhor, digamos, tinha uma certa condescendência na compreensão da política ou do desdobramento político, da estratégia política da transição, enquanto os intelectuais brasileiros estavam todos na oposição. Agora, eu ouvindo o senhor, estou achando o senhor... ao contrário, uma posição mais progressista, mais de esquerda digamos, não será porque aqueles intelectuais agora estão todos governistas? [risos]

Thomas Skidmore: Não, exijo mais dos democratas, o nível é mais alto para o governo democrata. 

Luís Felipe Alencastro: Quer dizer, então o senhor está de acordo que, justamente, o presidente Fernando Henrique, eu ia dizer o professor Fernando Henrique, é um democrata e se deve exigir muito mais dele?

Thomas Skidmore: É claro, claro. Do que o general João Batista, foi o Figueiredo, não é? 

Fernando Canzian: Professor, se fosse para fazer um ranking, onde é que o senhor colocaria o presidente Fernando Henrique, e nos presidentes que o senhor descreveu... sobre qual seria o ranking aí na história brasileira dos melhores presidentes, Fernando Henrique se encaixaria onde? 

Thomas Skidmore: Não, eu acho que do século XX ou desde trinta [1930] é claro que eu acho que o melhor, o mais importante, o mais feliz... [sendo interrompido] 

Paulo Henrique Amorim: Ele é melhor presidente que o Juscelino Kubitschec? [silêncio de 20 segundos...]

Thomas Skidmore: Preciso responder? Prefiro Juscelino, não é? Realmente, porque tinha uma visão, qual é a visão do Fernando Henrique Cardoso? Ser responsável, administrar a estabilização, mas... e a visão? Eu acho que não tem, realmente não tem uma visão, é muito competente, é muito inteligente, tem muito charme, mas a visão dele qual é? Não, não sei... 

Fernando Mitre: Professor, é bom lembrar que o Juscelino... o Juscelino, que foi um presidente de visão, evidentemente, ele não fez mudança alguma, ele não fez nenhuma mudança estrutural; ele não tocou na questão da terra, ele nem falava no negócio de reforma agrária, ele não queria nem ouvir.

Thomas Skidmore: Eu sei ...eu sei.

Fernando Mitre: Ele articulou aquela base parlamentar dele, o PTB, PSD de uma maneira tão brilhante, que havia um conflito potencial ali... que explodiu quinze dias depois que ele saiu do poder, né? Ou, digamos, alguns meses depois. Nem a reforma administrativa ele fez, ele criou grupos paralelos, os famosos grupos paralelos... É, aliás, eu li há muito tempo o seu livro, mas eu devo estar citando. Então ele não fez mudança nenhuma e, no entanto, o senhor está colocando Juscelino num patamar acima de um presidente que está tentando fazer uma grande mudança estrutural na área administrativa, na área da previdência, na área... Eu não estou defendendo o presidente, estou só colocando a questão para o senhor responder. 

Thomas Skidmore: Sim, sim. 

Fernando Mitre: Mas que o senhor quer mudança! 

Thomas Skidmore: Obviamente houve um grande surto aqui na industrialização não é? No governo Juscelino, também houve o...[interrompido] 

Fernando Canzian: Um endividamento externo brutal, também! 

Fernando Mitre: Digamos, o Juscelino criou a inflação, o Fernando Henrique acabou com a inflação...

Thomas Skidmore: Muito bem... Mas uma coisa que, pelo menos, ele aumentou no Brasil foi a esperança, a esperança, uma coisa que precisa no Brasil, especialmente no momento; a década de 1980 era... Eu sempre divido a esfera do poder dos brasileiros entre dois polos: ufanismo e derrotismo; ufanismo, tudo bem, o Brasil é o melhor do mundo, não sei o quê ... E derrotismo. Vou dar um exemplo, derrotismo é o seguinte: estava no aeroporto John Kennedy, uma fila para um vôo da Varig e alguém pulou numa porta de emergência, veio o alarme e na minha frente um homem disse: "Deve ser um brasileiro" [risos].

Matinas Suzuki Jr: Professor...[interrompendo]

Thomas Skidmore: Qualquer coisa que está indo ruim. Eu acho que o Brasil precisa um pouco de esperança, visão, isso é essencial. 

Fernando Mitre: Isso o Juscelino deu ao país. 

Thomas Skidmore: Deu isso, também, cinqüenta anos de inflação em cinco, isso é verdade [risos]. 

Matinas Suzuki Jr: Professor, o João Carlos Moraes pergunta se a política externa do Brasil e as viagens do presidente Fernando Henrique ao exterior têm sido eficazes do ponto de vista internacional? 

Thomas Skidmore: Provavelmente... Provavelmente, porque a impressão é importante, a impressão pessoal é importante na política externa e também ele tem um talento muito grande, aquela coisa dos brasileiros ficarem estarrecidos, o nosso presidente fala português, francês, inglês e espanhol. [sendo interrompido] Ahn? 

Matinas Suzuki Jr: Na Itália falou italiano. 

Thomas Skidmore: Italiano também, não é? De modo que, provavelmente, eu acho que seria um... se foi necessário escolher um homem para mandar para fora do Brasil eu acho que deve ser o Fernando Henrique, mesmo não sendo presidente.

Fernando Canzian: Professor, o senhor concorda com alguns métodos que o governo vem usando? Há aí uma... o senhor deve ter acompanhando, há algumas semanas, uma denúncia de compra de votos; tem também as denúncias de barganhas pesadas aí com várias bancadas para aprovar as reformas. O senhor acha que isso faz parte do jogo democrático ou acontece, como o senhor disse, até nos Estados Unidos? Mas o senhor acha que o grau não está um pouco elevado para um presidente que foi eleito diretamente, que tem um passado de esquerda etc.? 

Thomas Skidmore: Bom, aconteceu também nos Estados Unidos, nas outras democracias, no século XVIII, no século XIX, nós tínhamos problemas muito graves. 

Fernando Canzian: Cem anos atrás, não é? 

Thomas Skidmore: É, mas acontece que... Isso também é conseqüência da fraqueza do sistema partidário, você pode comprar um deputado, dois deputados... porque ele não está sob a disciplina do partido. É mais fácil de comprar. Mas é deprimente, você abre o jornal e tem um artigo lá dizendo que tem 33 e não sei quantos deputados acusados de crimes comuns, a justiça está pedindo para tirar a imunidade, é um pouco deprimente. 

Fernando Mitre: Mais deprimente ainda que o Congresso não libera para o processo, o Congresso mantém a imunidade sempre. 

Thomas Skidmore: Mantém. 

Fernando Mitre: Essa é a tradição. 

Thomas Skidmore: Mantém. Isso é o corporativismo! 

Fernando Mitre: Professor, quer dizer que, pelo que o senhor está dizendo aí, nós vamos continuar assistindo a esse descalabro de compra de votos, de corrupção e tal, eternamente, enquanto não houver uma reforma política, que pelo jeito não está no horizonte. 

Thomas Skidmore: Eu acho que isso ajudaria muito.

Matinas Suzuki Jr: Professor, o senhor acha que o presidente Fernando Henrique tem dado a sua contribuição para desmantelar o sistema partidário brasileiro de vez? 

Thomas Skidmore: Eu acho que ele está cooperando, ele está ajudando o processo, ou pelo menos a curto prazo... para ganhar a vantagem a curto prazo, o resultado é enfraquecer mais o sistema partidário, eu posso entender por que ele está fazendo isso.

Paulo Henrique Amorim: Professor, o senhor acha que foi uma boa idéia ter estudado o Brasil? 

Thomas Skidmore: [risos] Sabe que é muito melhor que a Alemanha!?

Paulo Henrique Amorim: E o  senhor acha que..., desde que começou a estudar o Brasil...[risos]

Thomas Skidmore: Sabe que é muito melhor que a Alemanha?

Paulo Henrique Amorim: E o senhor acha que nós brasileiros devíamos estar nos sentindo melhor ou pior do que quando o senhor... 

Thomas Skidmore: Melhor, muito melhor! 

Paulo Henrique Amorim: Melhorou? Melhorou em quê? 

Thomas Skidmore: Melhorou, só para pegar o meu setor, que é história, quando eu cheguei em 1961 no Brasil, pesquisa histórica no Brasil foi fraquíssima. A idéia de buscar documentos nos arquivos era achado bizarro, de modo que houve aqui história ensaios, ensaios bonitos. 

Paulo Henrique Amorim: E a imprensa brasileira melhorou?

Thomas Skidmore: A imprensa sempre tinha um bom nível eu acho.

Paulo Henrique Amorim: Não, eu estou perguntando se melhorou? [silêncio]

Thomas Skidmore: Acho que sim. 

Daniela Hart: Como que o senhor vê...[sendo interrompida] 

Paulo Henrique Amorim: O senhor confia mais na imprensa hoje do que a imprensa que havia lá no tempo... 

Thomas Skidmore: É mais disciplinada, é menos partidária, Tribuna da Imprensa [jornal de oposição ao governo Vargas criado pelo jornalista Carlos Lacerda em 1954.], eu me lembro... Tribuna da Imprensa...

Paulo Henrique Amorim: Não, mas ali era o jornal do Lacerda, que queria ser presidente da República e tal. Estou falando dos órgãos de imprensa a que o senhor recorre como historiador. Hoje, as informações são mais confiáveis do que eram? 

Thomas Skidmore: Eu posso responder com uma anedota? 

[falam juntos ]: Claro!

Thomas Skidmore: O presidente Fernando Henrique Cardoso estava visitando os Estados Unidos faz uns três anos e houve uma recepção para ele no [...] que é o bastião da sabedoria, Wall Street, aquela coisa toda, não é? E eu estava lá falando com meus amigos e eu participei de um seminário na parte da tarde. O presidente tinha marcado chegar às sete, oito, e não podia esperar pela chegada do presidente, tinha que pegar o vôo para Previdence, recebi o próximo número da Veja. E a Veja contou a conversa do Skidmore com o presidente Fernando Henrique Cardoso no [...] e uma conversa bastante brilhante, não é? Que nunca houve! [risos]

Matinas Suzuki Jr: Professor, eu tenho aqui duas perguntas parecidas, uma no nosso e-mail e outra aqui do Mario Celso de Moraes, que é corretor de imóveis aqui na Lapa. Ele diz o seguinte: se o senhor tivesse um título de eleitor brasileiro o senhor votaria pela reeleição de Fernando Henrique Cardoso? 

Thomas Skidmore: Felizmente, não tenho título, mas não posso dizer agora, viu? Tem que me perguntar no ano que vem que não é ano eleitoral [risos]. 

Fernando Mitre: Professor, o que o senhor acha da ética pessoal do presidente Fernando Henrique fazendo esses conchavos todos com Maluf?

Thomas Skidmore: Ética?!

Fernando Mitre: Ética, da ética pessoal, quer dizer até onde vai a ética da responsabilidade do político que é um pouco mais liberal do que a ética de um pai de família, do cidadão comum etc, mas ele não anda ferindo limites aí no seu entendimento, quer dizer, quando ele se encontra secretamente com Paulo Maluf, quando ele aconselha o Itamar ou incentiva uma intenção do Itamar de ser candidato contra um correligionário do presidente em Minas, quando ele...[sendo interrompido]

Thomas Skidmore: [interrompendo] Mas isso já... tudo isso já está dentro do jogo, não é? Eu fiquei um pouco estarrecido, um pouco surpreendido...

Fernando Mitre: [interrompendo] O jogo é estarrecedor. 

Thomas Skidmore: ...Um pouco surpreendido quando ele pediu o segundo mandato, mas eu acho que isso não é irregular com os políticos, o político quer poder e democracia é disciplinar, impedir ditadura, impedir abusos, aquela coisa toda, mas eu acho que ele está... 

Fernando Mitre: Quer dizer, o senhor diz que é um jogo que às vezes choca, mas é o jogo. 

Thomas Skidmore: É o jogo! 

Heródoto Barbeiro: Professor, essa questão de nós nos orgulharmos dos nossos presidentes, o senhor falou, pelo fato do presidente ser... [interrompido] 

Thomas Skidmore: Sempre surge essa questão, não é? 

Heródoto Barbeiro: Nós já tivemos aí casos, por exemplo, no passado de uma pessoa que tentou a presidência da República e não conseguiu, Rui Barbosa, mas que era também, vamos dizer assim, "iluminado" aqui porque falava fluentemente francês na época, recebeu um título honorífico e por aí afora. 

Thomas Skidmore: Pois é, era... iluminado na época, não é? 

Heródoto Barbeiro: Pois é, a minha curiosidade é o seguinte: os Estados Unidos também tem sido bastante incentivador disso. O caso, por exemplo, do presidente Fernando Collor de Melo, quando esteve nos Estados Unidos foi recebido assim de uma forma extremamente importante, muito aberta, muitos empresários, muitas reuniões, o que nos deixou a mim pessoalmente assustado com a recepção que ele teve lá, e depois ele ter ganhado um título me parece o Indiana Jones brasileiro, não foi isso? 

Thomas Skidmore: Foi, foi à prova do Bush, aquela coisa de voar, de motocicleta... 

Fernando Mitre: Eu não sei se era um elogio, não, né, professor. O senhor acha que é um elogio? 

Thomas Skidmore: É romântico, né? É romântico e simpático também porque é Harrison Ford [(1942- ) ator americano que interpretou o personagem de Indiana Jones]; Harrison Ford é simpático, não é? 

Heródoto Barbeiro: Eu digo, mas isso sempre pesou nas relações entre os dois países porque aquilo significava também um encontro com empresários americanos, a possibilidade de investimento no Brasil, quer dizer, atrás daquilo, obviamente, tinha todo o interesse econômico de aproximação... 

Thomas Skidmore: Chegou nos Estados Unidos dando a fala, exatamente a fala que os americanos quiseram. Eu estive aqui na época e tinha esse aluno meu, era embaixador americano, eu tinha falado com ele e era 200% apoiando o Collor de Melo até o fim. E a embaixada em geral, o governo americano também, até 1992, talvez seis meses de 1992. Mas ele, o Collor, sabia manipular a imprensa americana exatamente como ele manipulava a imprensa, a mídia brasileira. 

Fernando Canzian: Mas o discurso dele interessava também aos Estados Unidos, estava abrindo o mercado para os produtos americanos. 

Thomas Skidmore: Exatamente, os interesses dos americanos.

Luís Felipe Alencastro: Professor, tenho uma pergunta de historiador, se daqui a cinqüenta anos alguém for fazer, fizer uma pesquisa e uma tese sobre os brasilianistas, ele vai descobrir que Thomas Skidmore não contou tudo o que sabia nos livros, que o senhor esteve com Vernon Walter em 1964, Castelo... 

Thomas Skidmore: [risos] Preciso confessar! 

Luís Felipe Alencastro: Não, o essencial está lá, o essencial do que o senhor sabia da ditadura militar e da política brasileira está nos seus livros ou o senhor guardou mais alguma coisa para uma obra póstuma ou para as memórias. 

Thomas Skidmore: Não, eu acho que história social não está, pouca coisa da história econômica e a história verdadeira da situação, por exemplo, dentro do militares... muito complicado porque houve muitas cassações dos militares em 1964 e 1965, houve uma luta, dentro do exército, que não é fácil de entender, mas eu não sei se nós vamos encontrar muitos outros. Geralmente o autor não quer fazer revisões no livro, it´s better, é melhor deixar para o leitor original do livro. 

Matinas Suzuki Jr: Professor, nós estamos no finalzinho do programa, então eu gostaria de fazer uma última pergunta um pouco no sentido da pergunta do Alencastro também. Se eu fosse, por exemplo, o editor da Paz e Terra e convidasse o senhor para fazer uma biografia de um brasileiro, que biografia o senhor escolheria? 

Thomas Skidmore: Ah, Getúlio Vargas, facilmente! 

Matinas Suzuki Jr: É o personagem mais fascinante do ponto de vista do senhor. 

Thomas Skidmore: Nós não temos uma biografia, ninguém tem coragem. 

Heródoto Barbeiro: Tem um livro chamado Retrato do velho [Faria, Antonio Augusto; e Barros, Edgar Luis de. Editora Atual: São Paulo,1984], o senhor conhece? 

Thomas Skidmore: Como é? 

Heródoto Barbeiro: Um livro chamado Retrato do velho, feito por dois historiadores aqui de São Paulo; não é uma obra completa, mas ampla. 

Thomas Skidmore: Não é uma biografia ampla, uma coisa como a biografia do Nelson Rodrigues, por exemplo, que nós temos. Eu acho isso tudo muito difícil e outra coisa que tem documentação demais porque a net [internet] está lá com toda documentação e você não pode escrever sem entrar naquele labirinto enorme. 

Matinas Suzuki Jr: Professor, eu gostaria muito, então, de agradecer a sua presença aqui e só passar um recado do José Elias da Silveira, que é um fazendeiro de Goiás, parabenizando o senhor por dar uma lição de brasilidade aos próprios brasileiros e principalmente ao Congresso Nacional. Gostaria muito de agradecer a sua presença aqui esta noite, agradecer a presença dos nossos entrevistadores, da nossa bancada de entrevistadores, agradecer a sua atenção e a sua participação.

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