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[programa ao vivo]
Paulo Markun: Boa noite. O Roda Viva retorna a Brasília, para o centro da crise, que também nesta semana ganhou componentes novos ampliando sua dimensão e tornando mais complexa a discussão de possíveis saídas políticas. O debate se alarga na medida da ampliação das investigações, mas começa também a incorporar a partir de agora um conteúdo político novo. A Comissão de Constituição de Justiça do Senado aprovou hoje o projeto de mini-reforma política que prevê cadeia em caso de uso de caixa dois, e também obriga os partidos a baixarem os custos das campanhas eleitorais.
[VT com Sibá Machado]: [...] uma campanha mais transparente, uma campanha onde o candidato é obrigado a explicitar o máximo aquilo que está fazendo, e a redução dos custos de campanha, isso está posto na idéia e eu espero que ela seja acatada.
[VT com José Jorge]: Você ter programas de televisão com marqueteiros etc, tudo isso foi proibido e, portanto, a campanha tem condição de cair para 50% do preço atual.
Narração de Rinaldo de Oliveira: A chamada mini-reforma política reduz de 90 para 60 dias a campanha nas ruas. No rádio e na TV, o tempo cai de 45 para 35 dias antes da votação. Ainda para diminuir custos, ficam proibidos efeitos especiais nos programas políticos, showmícios, brindes e outdoors.
[VT com José Agripino]: Deixa o candidato dependente do eleitor; o compromisso do candidato passa a ser fundamentalmente com o eleitor.
Narração de Rinaldo de Oliveira: É uma mini-reforma porque não trata de temas polêmicos, como fidelidade partidária, voto distrital e financiamento público de campanhas, mas regula a transparência nas contas. Pessoas jurídicas poderão doar até 2% do faturamento do ano anterior. Pessoas físicas, apenas 10% do rendimento. Ficam proibidos de fazer doações: empresas públicas, entidades beneficentes sem fins lucrativos, ONGs e clubes de futebol. A mini-reforma política também exige transparência dos partidos. A atualização das contas terá que ser em tempo real na internet. Candidatos e tesoureiros serão responsáveis pela campanha. E o caixa dois pode ser punido com até três anos de prisão. A reforma precisa ser aprovada na Câmara até o dia 30 de setembro e depois sancionada pelo presidente da República para valer já nas eleições do ano que vem. Se entrar em vigor, é claro que o eleitor pode estranhar um pouco o formato do programa, mas será a chance de ficar frente a frente com o candidato, com menos truques e com mais transparência.
[VT com José Jorge]: É um caminho novo que nós vamos tentar. Vai ser uma campanha bem mais chata, mas bem mais honesta.
Paulo Markun: Para o debate desta noite, aqui no Roda Viva, em Brasília, nós convidamos o deputado federal Eduardo Paes, do PSDB do Rio de Janeiro, membro da CPMI dos Correios; Raul Jungmann, ex-ministro do Desenvolvimento Agrário e atualmente deputado federal pelo PPS de Pernambuco, ele é vice-líder do partido na Câmara e faz parte da CPI do Mensalão; Paulo Delgado, deputado federal pelo PT de Minas Gerais, que está na quinta legislatura e é presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara; também participa do programa o deputado federal Moroni Torgan, do PFL do Ceará, onde já foi vice-governador; está conosco também o senador José Jorge, do PFL de Pernambuco, líder do bloco da minoria no Senado, integrante da CPI do Mensalão e relator desse projeto de min-rreforma política que foi aprovado hoje na Comissão de Constituição e Justiça; o deputado federal Chico Alencar, do PT do Rio de Janeiro, membro efetivo das comissões de Educação e Reforma Política da Câmara; e o senador Pedro Simon, do PMDB do Rio Grande do Sul, onde também já foi governador. Está em seu terceiro mandato no Senado Federal e é membro da CPMI dos Correios. O Roda Viva, você sabe, é transmitido para todo o Brasil pela TV Cultura. Para participar, você pode fazer perguntas pelo telefone 3252-6525 ou o fax 3874-3454, e ainda o endereço eletrônico do programa, que é rodaviva@tvcultura.com.br. Bom, eu queria começar e já dar a palavra ao senador José Jorge, tentando entender o seguinte: se é possível, se há condições políticas no Congresso, porque isso depende também da Câmara dos Deputados, para que essa pequena modificação, já definida e aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, seja aplicada ainda nas próximas eleições.
José Jorge: Eu acredito que sim, Paulo. Em primeiro lugar porque, na realidade, essa é uma reforma que no Senado foi aprovada por consenso. Em segundo porque ela não é propriamente uma reforma política, nós chamamos de reforma eleitoral. Porque a reforma política, na verdade, todos aqueles itens o Senado já aprovou, pouco a pouco, e estão agora sendo discutidos na Câmara. Terceiro: nós temos um prazo de até 30 de setembro para que essa reforma, sendo aprovada, vigore ainda nessa eleição. Nós, na semana que vem, vamos mandar o projeto para a Câmara, porque ele tem que passar um prazo para cumprir algumas burocracias. Aí ele vai para a Câmara e, estando na Câmara, eu imagino que os deputados terão também todo o interesse em aprová-lo o mais rápido possível. Esse projeto entrou não faz nem duas semanas, então na Câmara tudo é mais difícil, porque tem muito mais deputado do que senador. Mas, de qualquer maneira, eles vão ter praticamente cinco semanas para aprovar o projeto e eu imagino que eles poderão fazer isso.
Paulo Markun: Eu queria perguntar se algum dos presentes acha que não tem perspectiva de esse projeto ser aprovado. Senão, a gente passa a bola adiante; eu queria lembrar que houve um pequeno engano na nossa matéria, que o senador me apontou, que são cinco anos o prazo para a prescrição, não é isso?
José Jorge: Sobre essa questão da penalização, atualmente a penalização era de até cinco anos. Eu estive conversando com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e ele deu uma sugestão de que nós botássemos de três a cinco anos, por quê? Porque se você botar até cinco, a pena mínima é sempre um ano, e um ano não se cumpre. Então, de três a cinco anos não só aumenta o prazo de prescrição, porque o prazo de prescrição do processo depende da pena mínima. Eu, por exemplo, não sabia disso, [mas] ele depende da pena mínima. Então, quando você não bota a pena mínima, o prazo é de quatro anos, e botando de três a cinco, o prazo é de oito. Então ele considerou que isso ficaria muito bem.
Paulo Markun: Então, eu repito a pergunta.
Raul Jungmann: Olha, eu acho que pode-se, mas hoje a Câmara vive talvez o seu pior momento, Paulo. Ela se encontra, eu diria assim, muito machucada, muito desestruturada. Pode-se produzir uma maioria? Pode-se, e seria até bom, porque esse projeto é louvável. Entretanto, eu acho que ele não vai ao cerne da questão; por exemplo, ele nada interfere na questão do mensalão [escândalo do mensalão], que é a crise que está aí, embora ele tenha aspectos louváveis, mas, afinal, com o que ele contribui para que – só para dar um exemplo – não aconteça compra de deputados por outros partidos? Eu trocaria grande parte dessa mudança que está aí, para concluir, Paulo, se nós tivéssemos a criminalização do corruptor, porque você tem a criminalização do deputado. E o corruptor? O que financiou por fora, pelo caixa dois, vai continuar sendo um crime fiscal em que ele paga e fica tudo por isso mesmo? Então, a exemplo também do financiamento de campanha, eu costumo dizer que o financiamento de campanha é a legalização do financiamento público, porque o financiamento termina sendo diretamente ou indiretamente público. Muitas vezes, as pessoas não se dão conta disso, porque aí você faz um acerto em que alguém lhe dá por fora, mas pensando lá na frente em uma obra, em um serviço, em uma licitação e assim por diante. Por isso que eu costumo dizer que é melhor ter a legalização do financiamento público do que tê-lo como ele existe atualmente. Então, para concluir, é louvável sim, mas não vai ao cerne, e infelizmente a gente tem que tomar muito cuidado para não vender aquilo que o projeto não é. Ele é um avanço, mas não resolve os nossos problemas graves do sistema eleitoral e político.
Paulo Markun: Moroni.
Moroni Torgan: Eu acho que o senador José Jorge colocou com muita felicidade, dizendo que é uma reforma eleitoral e não uma reforma política. Eu discordo um pouquinho do Raul, porque [se trata de] uma mini-reforma, sem dúvida. Eu discordo um pouquinho porque eu acho que esse dispositivo, dando três anos de prisão para o caixa dois vai atuar um pouquinho nisso, vai pelo menos acabar com a desculpa de que: “Não, isso não era mensalão, isso era caixa dois e tal”. Vai acabar um pouco essa desculpa. Concordo que temos que ter instrumentos melhores, inclusive, para chegarmos aos corruptores. Aliás, nós já vimos CPI do PC, CPI do Orçamento, CPI... E sempre o lado de cá [dos políticos] é punido, e o lado de lá, que é o que corrompe, fica rindo à toa. E nós realmente queremos, na CPI do Mensalão, eu vejo essa disposição de chegar nos corruptores também, da mesma forma que queremos chegar nos que foram corrompidos. Então, eu acredito que ajuda, simplifica, sem dúvida nenhuma, a campanha. Ela evita gastos exorbitantes. Tem alguns outros gastos que ainda que não são evitados aqui, como aquele acerto pessoal, como fizeram por exemplo PT e PL, de dar 10 milhões, de dar 15 milhões. A isso aí não tem como se chegar, é uma fiscalização apropriada, eu acho que deveria ter alguma coisa nesse sentido. Porque fica ridículo um partido ficar comprando outro partido, dando tanto de entrada; comprando a união com outro partido. Então, eu acho que nós podemos avançar também nesses fatos para que possamos coibir isso que está acontecendo.
Paulo Markun: Chico Alencar.
Chico Alencar: Markun, nós temos que ter uma preocupação quando o senador José Jorge diz que a campanha vai ficar bem mais chata, mas será mais honesta. Isso me preocupa, porque a política tem que ser buliçosa, tem que ser alegre, tem que ser conflitante, tem que ser dispendiosa dentro da probidade e do controle. Não vamos economizar com a democracia. Eu, por exemplo, quero discutir lá na Câmara, e nós temos que começar a produzir discussão política lá na Câmara, porque ela está paralisada do ponto de vista do seu plenário, é ou não é? Muitos líderes estão aí meio...
Paulo Markun: Na clandestinidade.
Chico Alencar:...em um momento difícil. Tem líder ali que está acuado, então o colégio de líderes ainda não se reconstituiu plenamente. Mas, por exemplo, reduzir em dez dias a presença na televisão numa sociedade de massa como agora, tudo bem, a mídia privada, a televisão vai gostar bastante: é mais anunciante, a novelinha que não é atrapalhada, mas eu não simpatizo com a idéia. Acho que poderia ter o tempo de campanha junto com o tempo da propaganda de rádio e TV, equilibrar mais isso. E também, isso é preciso marcar, foi ótimo o Senado ter feito isso, mas essa mudança em aspectos da legislação eleitoral não é a esperada reforma política...
[...]: E que não vai ser pacífico na Câmara.
Chico Alencar:...que devia ser a primeira. Um dos grandes erros do nosso governo foi não ter feito, não ter dado primazia à reforma política. Boa parte da tragédia que a gente vive hoje, do fisiologismo, da compra de deputados, deriva de não se ter alterado essa estrutura totalmente decadente, onde cada deputado é dono do seu mandato e cada mandato é um negócio. Isso, eu espero que a reforma política, além dessas medidas para 2006, avance. Agora, a reforma política mais estrutural, até setembro é impossível.
Paulo Markun: Eduardo Paes.
Eduardo Paes: Eu quero botar um pouco de lenha nessa fogueira. Eu acho que o Congresso está sempre reagindo às crises. Aí, sem menosprezar o trabalho do senador José Jorge e do senador Bornhausen, que foi o autor desse projeto, mas nós estamos sempre reagindo. Por exemplo, você tem uma chacina em algum lugar, a gente aprova uma legislação para mudar o Código de Processo Penal, para prender por mais tempo, enfim, é sempre assim que a gente age. Eu acho que a gente nunca vai lá no cerne da questão. Primeiro: essa é uma mini-reforma eleitoral, senador, mas ela é mini, mini, porque ela vai só às campanhas majoritárias, ela não age em relação às campanhas proporcionais. Tempo de televisão e marqueteiro, para deputado, é absolutamente irrelevante.
Chico Alencar: Mas camisetas não...
Eduardo Paes: Enfim, os brindes, eu não estou aqui querendo dizer que não tenha aspectos positivos, é claro que tem e eu acho louvável, mas eu estou querendo aprofundar um pouco mais. Então, ela age basicamente nas candidaturas majoritárias. O grande problema das candidaturas proporcionais hoje, na vida de deputado, de vereador, de deputado estadual, é o dinheiro que se precisa para a chamada compra de voto. Hoje, por exemplo, o Chico Alencar sabe disso, a cidade do Rio de Janeiro tem 55 vereadores; sei lá, 35, 40 desses vereadores têm centros sociais, que é o que faz com que eles precisem de recursos, de dinheiro vivo para poder bancar... não sei se vocês sabem o que é centro social. O sujeito vai lá e tem aula de tai chi chuan, corte de cabelo, curso disso, curso daquilo, é o que sustenta...
[...]: Centro social do vereador?
Eduardo Paes: Do vereador, [que mantém] a própria clientela, a compra de voto, a clientela. Esse é o grande problema dessas eleições proporcionais nos dias de hoje. Portanto, eu acho que nós temos que começar... Aí eu também diria que a discussão da reforma política, Chico, só pela reforma política, a gente precisa começar a discutir um pouco na política brasileira a questão mais comportamental. Primeiro: o dinheiro conta ou não conta no processo político? Ele é relevante ou não é relevante no processo político? Porque todos nós aqui, e eu me lembro, senador Pedro Simon, do dia em que o deputado Roberto Jefferson [Roberto Jefferson Monteiro Francisco] foi lá na CPI e, estabelecendo um padrão "jeffersoniano" de gastos de campanha por deputado...
Chico Alencar: Um milhão e meio para ser deputado federal.
Eduardo Paes: Mas é uma coisa que todos os parlamentares, todos os políticos têm um pouco de inibição, de vergonha de falar: a campanha custou tanto, porque é tanto dinheiro, comparado com a realidade do brasileiro, que a gente não consegue enfrentar essa questão, quer dizer, o dinheiro conta ou não conta no processo eleitoral? Como é que a gente vai enfrentar isso? Eu acho que essa é a discussão, discussão comportamental. Nós vamos começar a incorporar isso, assumir isso? A campanha custou tanto, foi tudo por dentro, mas ela custou tanto, quer dizer, a gente não consegue assumir isso. Portanto, eu acho que é muito mais profunda a discussão.
Chico Alencar: Markun, só um detalhe. O Roberto Jefferson falou que não se elege um deputado federal por menos de um milhão e quinhentos mil reais e sem distribuir menos do que 300 mil camisetas. Isso não é verdade, para ele [talvez seja], deve ser o padrão Jefferson e de alguns outros, mas é uma demasia.
Paulo Markun: Paulo Delgado.
Paulo Delgado: Primeiro, o fundamento do projeto é positivo; para mim, é a natureza da boa lei. Depois tem o pé no chão: não quer simplesmente resolver o problema brasileiro todo, porque se isso fosse possível, nós tínhamos feito isso na Constituinte e não conseguimos, não havia ambiente mais favorável para fazer a reforma política do que na Constituinte; no entanto, nós consolidamos a reforma de abril na Constituinte. Nós ampliamos os estados fictícios; aumentamos o número mínimo de deputados, de quatro para oito; não aumentamos o máximo. Hoje você tem que diminuir o número mínimo para quatro ou três e fixar o máximo, para que você possa ensinar na escola quantos são os políticos brasileiros. Hoje não é possível ensinar, porque cada legislatura é um número. Eu acho então, senador, que a iniciativa do Senado é positiva, porque é simples, é simples e é facilmente compreendida, porque hoje a publicidade é inimputável. Qualquer candidato pode falar o que quiser na campanha e o marqueteiro não é preso se ele não cumprir o que falou. E, na verdade, muitas campanhas são entregues ao publicitário.
Paulo Markun: Desculpe, mas será que tem que prender o marqueteiro ou o candidato?
Paulo Delgado: Não, é evidente, ele não pode falar o que o marqueteiro manda falar, isso não pode. Hoje, por exemplo, o único contrato brasileiro que não tem registro é o contrato eleitoral. Você, para casar, tem que assinar um contrato, para comprar um negócio, para vender uma coisa, para abrir uma conta bancária, para comprar um bem. Agora, para pedir ao eleitor para representá-lo, você não assina nada. Então, você fala uma coisa na campanha e faz outra depois de eleito.
[...]: Dá o calote.
Paulo Delgado: Essa fraude, a fraude que a urna eletrônica resolveu muito, foi transferida para a fraude do comportamento político. Aí eu acho se nós simplificarmos a campanha, que era uma velha idéia do PDT, o [Leonel] Brizola falava nisso, e o Brasil não quis fazer isso porque se confundia com a chamada Lei Falcão. Aliás, a reminiscência, a memória de que o regime autoritário foi responsável por todas as idéias negativas tirou do Congresso uma certa capacidade de entender que nem tudo o que você repete é exatamente porque você é igual ao regime autoritário. O regime autoritário impunha, [mas] você pode decidir simplificar a campanha política, sim. E acho que tem de ser de 30 dias, não tem sentido, você só colhe se plantou, não pode plantar no período eleitoral, você tem que plantar durante os quatro anos do seu mandato, [daí] com 30 dias você tem condição de realizar.
Eduardo Paes: Mas em uma candidatura majoritária, o sujeito que não é conhecido sai em uma desvantagem enorme.
Paulo Delgado: Mas aí nós temos que evoluir para uma reforma política, Lei Orgânica dos Partidos, ou seja, você ter progressivamente formas de entrar no sistema nacional. Por que você tem que entrar direto do município para o sistema nacional? Então, se você crescer no município, você pode entrar no sistema estadual e ser governador. Se você cresceu no Estado, você pode entrar no sistema nacional. Nós tínhamos que ter uma gradação para o crescimento dos partidos... eu sou a favor de 5% dos votos nacionais para o sistema nacional, mas ele não é necessariamente para o sistema municipal, onde deve ser amplamente livre.
Paulo Markun: Senador Pedro Simon.
Pedro Simon: Eu acho que, se nós analisarmos, nós vamos verificar que o Senado tentou fazer uma reforma mais profunda, inclusive política. Nós aprovamos, por unanimidade, fim para a troca de partidos; fidelidade...
[...]: Fidelidade partidária.
Pedro Simon:...programa ao vivo na televisão; financiamento público de campanha...
[...]: Lista.
Pedro Simon: E ficou na Câmara. Eu até entendo que lá é mais difícil, mas parou na Câmara. Agora, o que aconteceu é o seguinte: nós não podemos ir para essa eleição sem fazer alguma coisa; nós não podemos. Eu, por exemplo, pretendo, se o PMDB do Rio Grande do Sul me der a legenda, me candidatar ao Senado. Agora, o que eu vou dizer, qual é a fórmula com que eu vou me apresentar depois dessa bomba que caiu no Brasil inteiro? Então, o que a gente tentou fazer, e tem mérito, porque foi por unanimidade, para você reparar como é impressionante, lá na Comissão de Justiça, o presidente era o chefão Antônio Carlos [ACM]; o autor era o [Jorge] Bornhausen, presidente do PFL; e o relator era o José Jorge, líder do PFL; e houve unanimidade, porque estavam ali, não houve sentido partidário. O PT estava lá, o [Aloizio] Mercadante aprovou; eu estava lá e aprovei. Quer dizer, houve um sentido do entendimento daquilo que é possível fazer. Por exemplo, eu fiz questão de dizer: eu continuo a favor do financiamento público de campanha, eu não mudei de voto, eu não mudei a minha posição; só estou sentindo que não dá para fazer financiamento público até dia 30 de setembro, então vamos fazer alguma coisa que dê.
[...]: Está pronto para ir para o plenário, já está no plenário, aliás, senador. Lá na Câmara já foi aprovado na comissão e está pronto para ser votado no plenário.
Pedro Simon: Tu disseste uma coisa correta, Chico, eu acho que o José Jorge não precisava dizer... ele foi franco demais [ao dizer que] a campanha vai ser chata. Até pode ser, [mas] não precisava falar assim como tu falaste. A campanha não vai ser o espetáculo do [marqueteiro] Duda Mendonça, que é uma maravilha. Quando o Duda Mendonça fez a campanha do [programa] Fome Zero, eu vou dizer com toda a sinceridade, eu fui dormir, foi uma das noites em que eu fui dormir mais feliz da vida, porque eu estava convencido de que, dentro de um mês, era fome zero no Brasil. O programa foi fantástico; o Lula é que não foi junto com o governo: o governo não estava à altura da propaganda. É o que aconteceu na campanha do Lula. Eu me lembro que, na campanha do Lula, houve momentos em que o publicitário aparecia muito mais do que o Lula. A imprensa começou a divulgar o pensamento dele, e ele explicando por que ele ia transformar o Lula em “Lulinha paz e amor”: “Vou sim, vou fazer por causa disso, disso e daquilo”. E transformou. Ele disse que ia fazer, não teve nem a sensibilidade de não dizer; poderia ter dito que o Lula mudou, que o Lula se adaptou para uma nova realidade, não, ele disse que ia mudar o candidato, e vendeu para nós o candidato. Agora, vamos ser francos: quem decidiu as eleições nos Estados Unidos? Até começar os quatro debates dos dois candidatos, cara a cara, o [candidato George W.] Bush estava em segundo lugar, todo mundo dizia que o democrata ia ganhar. E o que é que aconteceu? O Bush foi o que ele era, falou na televisão, enviado de Deus para combater o demônio... Iraque, vai fazer, fazer... disse o que tinha que dizer. E o democrata começou a se esconder, não teve coragem de dizer nada, nem se era a favor do aborto, nem se era contra o aborto. E esse negócio do Iraque: “Ah, pois é, vou ver, não sei o quê”. O povo se irritou, e terminou preferindo um cara que falava o que dizia do que um cara que não dizia o que [achava]. Então, nós achamos que a televisão tem que ser ao vivo, porque aí o candidato pode até ser mais chato, mas é o candidato que vai falar, quer dizer, eu vou saber em quem eu estou votando. Porque hoje, esses programas espetaculares de televisão, que são uma maravilha, escondem a figura do candidato.
Moroni Torgan: Tem uns que não deixam nem o candidato falar.
Pedro Simon: Tem uns que não falam mesmo.
Paulo Markun: Não é o caso do Roda Viva. Eu só vou cortar o nosso debate agora, porque nós temos que fazer um rápido intervalo, lembrando que a edição especial deste programa poderá ser encomendada em DVD a partir de amanhã, como aliás todos os programas da série Roda Viva, pelo site www.culturamarcas.com.br ou pelo telefone 3081-3000. E o Roda Viva, como você sabe, não tem maquiagem. A gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Bem, estamos de volta com este Roda Viva especial, ao vivo de Brasília, discutindo a crise política, e hoje iniciando pela mini-reforma eleitoral, que já foi aprovada hoje na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, e foi o tema do bloco inicial. Nós vamos seguir mais um pouco sobre esse tema. Eu queria ler alguns e-mails e mensagens de telespectadores, são perguntas e até observações que dão uma idéia do que o público está achando da questão. Kleber de Oliveira, de São Paulo, do bairro da Vila Maria, pergunta: “Como serão as próximas eleições em relação aos partidos? Muda alguma coisa essa mini-reforma?”. Ildemar Cassias Pereira, de Florianópolis: “Como ficará a proporcionalidade do tempo na TV e no rádio entre partidos pequenos e grandes partidos? Será o mesmo para todos os candidatos ou se mantém o que está na regra atual?”. José Tadeu Peixoto, da cidade de Araras, interior de São Paulo, que é engenheiro mecânico, diz o seguinte: “Tem se discutido a reforma política como forma de evitar a corrupção, mas não seria necessária uma reforma moral da classe política?”. E, finalmente, Aristides Ribeiro Neto, de Bauru, interior de São Paulo, que é representante comercial, cita aqui uma frase do Rui Barbosa, que ele pede que seja comentada pelos presentes, particularmente pelo senador Pedro Simon, que é para quem ele encaminha a pergunta, que é uma frase célebre, que eu acho que tem todo o sentido ser repetida hoje em dia: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. E aproveito a frase lembrada pelo Aristides Ribeiro Neto para colocar isto, quer dizer, tudo bem, vamos fazer essa mini-reforma eleitoral, mas isso resolve o cenário para que os atuais parlamentares cheguem às próximas eleições, pleiteando a sua reeleição? Começo pelo senador José Jorge.
José Jorge: Olha, eu acho que não; na realidade, o problema ético independe da estrutura legal de se fazer política. Quer dizer, não há estrutura legal que se possa montar que não dê margem para que aqueles corruptos e corruptores possam agir. O que você pode é minimizar isso através dessas mudanças. Em relação à questão da outra pergunta, sobre a diferença do tempo de televisão, nesse projeto foi aprovada um artigo dizendo o seguinte: que o tempo de televisão será definido usando-se o resultado eleitoral, quer dizer, mudança de partido não conta para o tempo de televisão, conta o resultado eleitoral.
Paulo Markun: Atualmente conta?
José Jorge: Atualmente conta. Depois que se fez a mudança...
Paulo Markun: Quer dizer, o mensalão, se existe, favoreceu aqueles partidos que cresceram e que teriam mais tempo na televisão.
José Jorge: Exatamente. Atualmente, se eu não me engano, é do dia da posse.
Moroni Torgan: Do dia da posse.
José Jorge: Do dia da posse. Agora vai ser do dia da eleição, porque ainda tem gente que muda entre a eleição e a posse.
Moroni Torgan: Da eleição até a posse é a mudança, mas depois da posse não conta mais.
[...]: Teve um pré-mensalão... uma proposta de mensalão.
[...]: Nessa época, não é?
José Jorge: Exatamente. Outra coisa é em relação à questão da cláusula de barreira, quer dizer, essa é a primeira eleição que nós vamos ter a chamada cláusula de barreira: os partidos, para terem representação no Congresso, terão que ter 5% dos votos nacionais. Então, isso vai vigorar nessa eleição. Outro aspecto, em relação ao que disse o deputado Jungmann, é sobre a criminalização das pessoas que doam recurso pelo caixa dois. Na verdade, a idéia era colocar isso também nesse projeto, mas esse é um tipo de crime que já está tipificado no Código Penal, no Código Tributário, e que tem pena, pena de prisão, inclusive, e é por isso que nesse caso não se colocou.
Raul Jungmann: Para mim, até onde eu conheço, esse é um crime fiscal que o sujeito resolve pagando três vezes aquilo que desviou.
José Jorge: Não, é crime fiscal...
Raul Jungmann: Agora, se é penal, por favor, alguém me ajude.
Paulo Delgado: Eu acho que a gente tem que ter o seguinte: no momento em que há maquiagem no setor financeiro, torna-se penal.
José Jorge: Claro que é penal também.
[sobreposição de vozes]
Raul Jungmann: Por favor, eu só queria deixar bem claro, até para ajudar, me permita, Paulo. Eu acho louvável, é positivo e nós temos que estar todos aqui batendo palmas para esse projeto. O que eu quero dizer é o seguinte: primeiro, preste atenção, nós estamos satanizando o marqueteiro, o fazedor de santinho e camiseta e o pesquisador, ou seja, nós estamos simplesmente satanizando o que não é central na relação da corrupção, está certo? Então nós estamos simplesmente [dizendo] “Olha, o bandido é o marqueteiro, o bandido é o mordomo...”.
Paulo Markun: [interrompendo] Estão "tirando o sofá da sala".
Raul Jungmann: Agora, a relação essencial, que é o financiamento de campanha... eu costumo dizer que existe uma "santíssima trindade" da corrupção, dela fazem parte: o caixa dois, não mexemos nele, de maneira nenhuma, nem roçamos; os cargos, a distribuição dos cargos para você montar o caixa dois das campanhas ou fazer as grandes negociatas, não mexemos neles. Mas isso não é – volto a dizer, Zé –, não é um problema do seu projeto, é o nosso problema, o seu projeto está na linha correta para a gente se entender e não ser injusto. O que eu não quero, Paulo, é vender a ilusão, em uma hora grave como essa, em que nós tínhamos que estar dando outro tipo de resposta, mas não somos capazes, é a nossa impotência que aqui está exposta. Está certo? E o terceiro é o problema das emendas. A santíssima trindade, grosso modo, recapitulando, é o problema do caixa dois, do financiamento, intocado; o problema dos cargos, intocado; o problema das emendas, que é aí onde você constrói a maioria, intocado; o problema que gerou o mensalão, intocado. E eu concluo, para não me alongar: nada disso que é bom, que é positivo, nos garante que a futura safra de representantes populares não venha contaminada por tudo isso que aconteceu agora. Ou seja, não é pela redução, é positivo, mas nós só aqui demonstramos, volto a dizer, que é o meu sentimento de impotência, embora reconheça que o projeto – e não se trata de dizer o contrário – é efetivamente bom. Agora, o Congresso, nesse sentido, andou de lado, ele não foi ao cerne do problema. Aliás, CPI das empreiteiras, que o senador andou pedindo, e ficou rouco, que é exatamente para você poder ir ao centro, onde se dá a privatização do Estado, o "ovo da serpente" durante a campanha.
Paulo Markun: Paulo Delgado.
Paulo Delgado: O problema é o seguinte: nós estamos no presidencialismo, Raul. A iniciativa para fazermos mudanças, mudar a quinta República - que é isso, partilha de cargo para fazer base política, que isso foi criado pela quinta República - é do executivo. O PT perdeu a chance de modernizar o Estado. Não vai ser o parlamento, no presidencialismo, que vai conseguir. Agora, se nós abandonarmos essa chance e simplificar a eleição, simplificar, a eleição não pode ser um fenômeno sofisticado como virou no Brasil, em que o custo da campanha se dá pelo custo da publicidade da campanha, e isso não é idéia, não é proposta, não é slogan, não é nada.
Paulo Markun: Agora, eu só queria interromper e fazer um parêntese aqui, não é muito a minha função nesse tipo de debate, mas como eu tenho alguma vivência dessa história, eu diria o seguinte: eu tenho a impressão que os marqueteiros não são contra essa proposta, porque nenhum candidato com chances vai deixar de ter um marqueteiro como assessor, sentado do lado dele no estúdio, ganhando muito bem para orientá-lo no que ele vai dizer, nem toda essa eficiência...
[...]: Muito mais do que a imagem, o conteúdo do que ele diz...
Paulo Markun: O conteúdo continuará sendo... não é "um banquinho e um violão", não será isso que vai mudar, eu tenho a impressão.
Paulo Delgado: Pesquisa, ela muda, barateia, eu não tenho dúvida. A publicidade brasileira é a mais cara do mundo. Não tem sentido, isso contaminou o governo, não falo o nosso, isso é uma tradição dos governos do período "publicitário" brasileiro.
José Jorge: Petrobras.
Paulo Delgado: A Petrobras vende o quê? Óleo, gasolina. A Petrobras não vende governo.
José Jorge: A Petrobras é monopolista.
Paulo Delgado: O Correio vende correspondência, aliás, leva sedex, sei lá o quê, o Correio não vende governo. Quem é que virou essa publicidade total, esse totalitarismo publicitário, que no Brasil tem mais do que a França, gente. É só ir à Europa, não existe isso na Europa. O governo total, toda hora onde você entra tem uma propaganda do governo, mas não é educativa, é proibida a propaganda pessoal do governante. Eu sou inclusive o autor dessa lei na Constituição. Antigamente os prefeitos punham o nome dos prefeitos, hoje tem que por: administração de ano tal. Nós temos que evoluir nisso, o projeto, então, é simples, eu concordo com o Raul, ele é incompleto, mas nós não estamos na Finlândia. Lá na Finlândia tem um princípio que diz o seguinte: se você quiser ser político, você é proibido de ser político. Porque não pode uma pessoa querer ser política. A política é um cargo de representação. Se nós não fizermos uma lei para os jovens de 16 anos entenderem: “Poxa, política é idéia, é ideologia, política é princípio, é valor, não é esse 'sabonete' que virou a política”, ninguém vai entrar na política.
Paulo Markun: Moroni.
Moroni Torgan: O que eu acho nisso tudo também, nós estamos falando de reforma política para combater a corrupção. Eu acho que reforma política, em si, vai ter alguns ingredientes, mas não vai combater. O que vai combater é uma reforma institucional, porque o Brasil não pode ficar sempre a reboque de CPI para se moralizar. O Brasil deveria se moralizar com as instituições que tem...
Eduardo Paes: [interrompendo] Fingir que se moraliza.
Moroni Torgan:...com o fortalecimento do Ministério Público, com o fortalecimento dos instrumentos policiais, com o fortalecimento do judiciário, com um processo penal mais enxuto. Por que é que CPI chega onde o judiciário tem tanta dificuldade de chegar, onde o Ministério Público tem tanta dificuldade de chegar? Porque o nosso processo penal é um enredo só.
Pedro Simon: Por que a CPI apura, encontra, cassa o mandato, mostra o delito, e com o procurador, na justiça, não acontece nada? Ninguém vai para a cadeia.
Moroni Torgan: É esse o fato. Se nós não fizermos uma reforma para fortalecer institucionalmente o país, nós vamos ficar debatendo aqui o "sexo dos anjos". Não adianta, nós temos que ter o fortalecimento e nós não podemos ter esse combate à corrupção, por mais que critiquem o legislativo, mas quem é que está à frente desse combate? É o legislativo.
[...]: Há 20 anos.
Moroni Torgan: E não devia estar. Quem devia estar era o Ministério Público, era o judiciário, e eu não estou criticando aqui Ministério Público e o judiciário, eu estou dizendo que tem que se fortalecer essas instituições para o legislativo legislar, representar o povo, buscar novas opções e não ficar fazendo o trabalho de outras instituições.
Paulo Markun: Chico Alencar.
Chico Alencar: O Zé Tadeu, o telespectador de Araras, no interior de São Paulo, fala da reforma moral, assim como o Aristides...
Paulo Markun: Isso.
Chico Alencar:...se eu não me engano, de Bauru, traz aí o grande Rui Barbosa, a vergonha de ser honesto no meio de tanta desonestidade. Aí eu entendo que nós temos que combinar esses mecanismos institucionais de controle social e transparência cada vez maior... isso tem avançado no Brasil, a percepção da corrupção aumentou, o que não significa necessariamente que a corrupção aumentou. Talvez na ditadura militar a corrupção fosse muito maior do que hoje. Agora, a gente está vendo, a ferida fica exposta, reputações caem da noite para o dia, e cínicos viram arautos da moralidade, também tem esse reverso. Mas, de qualquer forma, tem um processo educativo e cultural em curso aí. Reforma moral, eu não acho que a questão é de rearmamento moral, campanhas desse tipo, inclusive porque a ética da política não é a ética pura, abstrata do profeta – hein, senador? – que clama contra a injustiça e tem o pescoço cortado. A ética da política combina a responsabilidade, a ação, a conjuntura, com valores e princípios. Então, tem também um processo educativo aí, fundamental. Na medida em que o nosso povo vai sendo tirado da marginalização, da desinformação e da ignorância, eu entendo que a moralidade pública avança também. Nesse sentido, a gente consegue ser otimista em alguns momentos.
Paulo Delgado: Mas aí, Chico, eu acho que a ética manifesta o ridículo da estética. E o Brasil está ficando reflexivo, eu não sei como o Congresso não está percebendo isso. O povo brasileiro está transitando da paixão absoluta pela política, que ainda existe em muitas campanhas, especialmente no interior, para a reflexão sobre projetos e programas políticos, isso está crescendo a cada vez. O conflito entre políticos carismáticos e políticos profissionais tem sido cada vez mais o debate brasileiro, no município, no estado. Você vê, vai concentrando o final da eleição entre dois tipos de candidatos. É sempre um carismático, populista... essa eleição de 2004 revelou muito isso nas disputas municipais.
[...]: E um profissional, não é?
Paulo Delgado: Um profissional.
Eduardo Paes: Paulo, me deixe só fazer um comentário aqui: eu não consigo ter esse otimismo, quer dizer, eu não vejo isso, Chico, infelizmente.
Paulo Delgado: É porque você é jovem.
Eduardo Paes: Não, talvez eu pudesse ser mais otimista, mas eu não consigo ver...
Chico Alencar: Você não viveu em um tempo [que foi] página infeliz da nossa história.
Eduardo Paes: Eu não consigo...
Chico Alencar: "Tenebrosas transações". [referência à música "Vai passar", de Chico Buarque de Hollanda]
Eduardo Paes: Eu não consigo, Chico, ver, e eu estou no meu segundo mandato, eu não consigo ver as pessoas mais conscientes do papel do poder legislativo, ou mais compreensivas, ou compreendendo melhor o papel do poder legislativo, para que serve um parlamentar. Eu confesso que essa legislatura é muito pior que a legislatura anterior, o Paulo estava aqui, o Moroni estava ao lado falando da Câmara dos Deputados.
[...]: Mas isso é o vaticínio do doutor Ulysses: a seguinte é sempre pior que a anterior.
Eduardo Paes: É isso, é isso. Quando o nosso telespectador fala da mudança moral, não sei se é uma coisa de mudança moral, é um pouco de mudança comportamental, enfrentamento de certas questões que a gente não enfrenta. A gente continua adiando sempre, quer dizer, diz-se que a política tem uma ética própria. Nós vivemos em uma sociedade capitalista em que o poder econômico tem uma influência muito grande. Será que essas medidas e mudanças que nós tomamos interromperão o poder econômico, a ação do poder econômico sobre os agentes públicos, sobre os agentes políticos? Será que não é hora de a política brasileira pensar um pouco como, em determinado momento, a política americana enfrentou essa questão dos agentes econômicos agindo em cima dos políticos? Para fazer valer os seus interesses, e aí falo dos interesses legítimos, não falo dos interesses escusos, privilégios, mas dos interesses legítimos. Então, eu acho que é essa questão que nós precisamos discutir. Agora, não discutimos, nós vamos mudando aqui e ali uma legislaçãozinha e vai piorando.
José Jorge: Uma questão que eu gostaria de colocar, que eu acho que é importante aqui no Brasil, comparando com os outros países, é o individualismo político que nós temos aqui, a forma como nós elegemos os nossos deputados, que vira aqui uma eleição quase pessoal. Eu estive levantando o número de candidatos da última eleição de 2002, deputado federal e estadual, no Brasil todo, são 16.800 candidatos.
Eduardo Paes: Mas cada vez mais no mundo inteiro é assim, hoje as pessoas acompanham a gente pela internet, on-line.
José Jorge: Mas na hora da eleição, você tem uma eleição partidária, [mas] aqui não, aqui qualquer deputado que mudar de partido, pelo menos lá em Pernambuco...
Moroni Torgan: [interrompendo] [...] a influência do partido é mínima nas eleições.
Eduardo Paes: Mas no mundo inteiro é cada vez menor. Quem ganhou a eleição na Inglaterra não foram os trabalhistas nem o seu projeto, foi o Tony Blair; quem ganhou nos Estados Unidos foi o Bush [...]. Apesar disso, há cada vez mais uma tendência... isso que a gente precisa entender.
José Jorge: Eu não terminei ainda o que eu estava dizendo. É o seguinte: eu estou falando no voto proporcional: você tem 16.800 candidatos, isso não tem em lugar nenhum do mundo; tem Blair, tem Bush, mas não tem isso. [Desses] 16.800 candidatos, cada um abre uma conta, cada um é obrigado a ter um CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas], e são 16.800 campanhas individuais. Você e ele [Eduardo Paes e Chico Alencar] são do Rio de Janeiro, são do mesmo estado, cada um faz a sua campanha. Dentro do partido dele, cada um faz a sua. Então, o que eu quero concluir com isso é que, na realidade, você termina gerando um sistema financeiro de tal monta, que ou nós mudamos isso ou nós não conseguimos nunca operá-lo.
Raul Jungmann: [...] Só quero dizer isso: 16.00 ou 20.000 contas são inauditáveis, ou seja, seria um neologismo, não tem como auditar. Daí a necessidade de você fazer uma mudança estrutural no sistema, onde você vai para o financiamento público de campanha; daí a necessidade de mexer, seja a Quinta República, seja como for, para você ir para um voto distrital, porque não adianta o eleitor, na ponta, ser cúmplice, quer ele queira quer não, do que aí está. Porque se de 60% a 70% dos eleitores, Paulo, passados dois ou três meses, não lembram em quem ele votou, evidente que na outra ponta deve estar, pode estar, um parlamentar corrupto, porque não tem relação...
Paulo Delgado: [...] com oito deputados federais em Rondônia ou Roraima, tem sempre um traficante.
Paulo Markun: Deixe-me ouvir o senador Simon para a gente encerrar aqui a rodada.
Pedro Simon: Eu diria apenas uma questão que eu considero fundamental: o grande problema da política brasileira é o problema da sociedade brasileira. E o grande problema da sociedade brasileira se chama impunidade; o Brasil é o país da impunidade. Ladrão de galinha vai para a cadeia; quem rouba um pão vai para cadeia, mas para quem tem um bom advogado e rouba bastante não acontece nada. Então, isso é um exemplo que todo mundo segue. As novelas de televisão mostram isso, e que isso é o correto, que isso é maneira de ser. A primeira coisa que nós devemos fazer é uma legislação que bote na cadeia o vigarista, bote na cadeia o vigarista.
Paulo Markun: Mas já não tem essa lei suficiente para isso?
Pedro Simon: Não, não tem, porque leis no Brasil, pode até ter, mas um processo penal leva dez anos...
Moroni Torgan: É muito burocratizado.
Pedro Simon:...leva a vida inteira. Eu, por exemplo, com todo respeito ao Moroni, eu defendo que tem que terminar com o processo policial. Nós tínhamos que fazer como é nos Estados Unidos, como é na Europa, como é na Itália, quer dizer, o policial pertence à mesma classe que o procurador, à mesma classe que o promotor, à mesma classe política, e o processo é um só. E aí já dá rapidez. Essa rapidez, de um lado, e a condenação, de outro lado, fazem com que o exemplo arraste. No momento em que a gente vê... o que vai acontecer hoje? Eu tenho certeza de que o Senado e a Câmara vão se reunir e vão cassar muita gente, [mas] nós não temos certeza de que um cara vai para a cadeia.
[...]: Eu também não tenho, senador.
Pedro Simon: Eu não tenho certeza de que um cara vai para a cadeia. Nós cassamos 14 da última vez; cassamos 14 parlamentares, [mas] nenhum foi para a cadeia, nenhum foi para a cadeia.
Raul Jungmann: Senador, o senhor sabe quantos deputados e senadores foram ouvidos até agora pelas três CPIs? Um: Roberto Jefferson. Mas não quero interromper o senhor.
Pedro Simon: Então, eu acho que, começando a combater a impunidade, botando na cadeia, o que é importante, é a maneira de você começar a existir. Se o Lula tivesse – quando nós pedimos a CPI do Waldomiro [o caso Waldomiro foi investigado na CPI dos Bingos] –, se o Senado tivesse aceito aquela CPI, há dois anos e dois meses atrás, e se o doutor Lula tivesse demitido aquele senhor Waldomiro [Diniz, subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, acusado de concussão, corrupção passiva e gestão fraudulenta], nós não estaríamos como estamos hoje. Foi o fato de o presidente não ter limpado, e ainda está hoje lá o presidente do Banco Central [Henrique Meirelles], processado no Supremo Tribunal Federal por corrupção, por tudo que é crime, e está na presidência do Banco Central. Como é que eles vão querer seriedade por parte de alguém?
Chico Alencar: É, o Banco de Boston e Bahamas, tudo a ver.
Pedro Simon: Aliás, estão dizendo agora que esse presidente do Banco Central não caiu na presidência do Banco Central: ele já tinha ligações quando o presidente do Banco de Boston...
Paulo Delgado: Mas esse descompasso, senador, entre o poder e a política, que está gravado no nosso governo, porque o poder se deslocou da política para a economia, se deslocou para a estabilidade monetária, se deslocou para a política externa, para a política comercial de exportação ou de importação, ou seja, esse processo em que você não dá ao agente político a força para que você faça mudança cria na sociedade a ilusão de que a política é desnecessária, que é inútil. E aí o poder no presidencialismo brasileiro se agrava. Eu, se tivesse dinheiro, eu só botava num país em que o presidente do Banco Central pudesse ser preso, porque aí esse país é bom. Num país em que ele não pode ser preso...
Pedro Simon: Até aí, o Congresso prendeu o presidente do Banco Central, não durou muito tempo, mas prendeu, prendeu e levou para a cadeia. Daí o Supremo, na mesma hora, correndo, soltou o presidente do Banco Central. Pela única vez no Brasil em que o presidente do Banco Central foi para a cadeia, foi lá... foi o Congresso que o mandou para a cadeia.
Paulo Markun: Senador, eu tenho que fazer um intervalo, e eu acho que no próximo bloco nós já temos aí desenhado o tema para ser discutido, e eu vou revelar logo depois do intervalo. Lembro que você que está em casa e está acompanhando este debate pode encomendá-lo por DVD a partir de amanhã, bem como todos os outros programas da série Roda Viva – são 18 anos de programa –, pelo site www.culturamarcas.com.br ou pelo telefone 3081- 3000. A gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Bem, estamos de volta com o Roda Viva especial desta noite, ao vivo de Brasília, discutindo a crise política e também o primeiro desdobramento que começa a se desenhar, que é a possibilidade de uma reforma política. Mas eu queria colocar em debate algo em que foi falado aqui no final do bloco anterior, que é a perspectiva de cassação de parlamentares, e a gente já tem conhecimento, já existe uma lista de 19 políticos acusados e chamados a fazer sua defesa. Vamos ver a reportagem.
[inserção de vídeo]
Narração de Paulo Markun: A CPMI dos Correios começou a notificar 19 políticos acusados de receber dinheiro de Marcos Valério. Eles deverão se defender até a semana que vem. A questão será encaminhada à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, que vai decidir se abre processo na Comissão de Ética ou se envia os documentos para a CPI do Mensalão. Na lista, além do ex-deputado Valdemar Costa Neto, que renunciou ao mandato, constam um deputado do PFL, Roberto Brant; três do PL: Carlos (Bispo) Rodrigues, Sandro Mabel e Wanderval Santos; um do PMDB, José Borba; quatro do PP, José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e Vadão Gomes; dois do PTB, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz; e sete deputados do PT: José Dirceu, Josias Gomes, João Magno, João Paulo Cunha, José Mentor, Paulo Rocha e Professor Luizinho. O senador Eduardo Azeredo, do PSDB, também foi citado durante as investigações, mas o relator da CPMI dos Correios, Osmar Serraglio, diz que o caso dele é diferente.
Osmar Serraglio: Porque não é competência do presidente da Câmara Federal, que nós estamos encaminhando nesse primeiro momento. É restrita a parlamentares que poderão ser examinados dentro do âmbito da Câmara Federal.
[fim do vídeo]
Paulo Markun: Bem, enquanto a reportagem estava rolando, o deputado Raul Jungmann estava dizendo que já não é bem isso. Já não é essa lista que está rolando?
Raul Jungmann: Veja bem, em um primeiro momento o relator se dispôs a enviar os 18 nomes, com indícios muito fortes, ou de quem existiam provas, para a Comissão de Ética. Num segundo momento se decidiu não enviar para a Comissão de Ética para que ela abrisse os processos para julgamento, cassação, punição etc. Deveria ir para a presidência da Mesa. Mesmo essa iniciativa – e me corrijam os que são lá da CPMI dos Correios –, também ocorreu recuo. Então, isso preocupa muito, porque eu dizia aqui um pouquinho antes, e o Paulo Delgado prestou atenção, que na verdade o centro dessa questão está, numa ponta, a origem do dinheiro, está certo?
José Jorge: Que é o executivo.
Raul Jungmann: Que é o executivo. E nós temos que ver, temos que saber... Por exemplo, só a título de comentário: eu não entendo por que, senador Pedro Simon, o presidente do BMG e o presidente do Banco Rural não foram depor até agora. É apenas um mistério a ser esclarecido. Na outra ponta, quem recebeu dinheiro para comprar e vender mandato. E, evidentemente, os intermediários dessa situação, não é, Chico? Bom, eu acho que se você prestar a atenção, do lado das origens dos dinheiros, digamos assim, você teve um número razoavelmente grande de depoimentos, senador, de intermediários: está aí o senhor Marcos Valério e mais outros também.
Paulo Delgado: É só o governo, do lado de cá; empresas públicas, algumas, no caso do Correio...
Raul Jungmann: Privadas, eu citei dois bancos que são privados.
Eduardo Paes: A empresa privada dá o dinheiro porque ela tem o benefício do governo...
Paulo Delgado: No caso da Usiminas, o Roberto Brant, por exemplo, e o João Magno dizem que receberam da Usiminas, que usou o Marcos Valério para passar o dinheiro. Por que a Usiminas não assume que deu [dinheiro] para eles?
Eduardo Paes: Mas eu estou me referindo ao esquema do mensalão.
Raul Jungmann: O que eu quero chamar a atenção para isso é o seguinte: nós ainda não começamos a caminhar na direção da punição que nós temos que estabelecer...
Paulo Markun: [interrompendo] Alguém vocês vão ter que punir, senão a opinião pública vai...
Chico Alencar: Tem uma informação de ordem técnica: no caso da Câmara dos Deputados, o órgão próprio para julgar procedimentos que firam o decoro parlamentar, e esse tendencialmente é o caso, é o Conselho de Ética e Decoro. Nós temos lá, em curso, quatro processos disciplinares.
Paulo Markun: [interrompendo] Apresentados pelo PL, que vão...
Chico Alencar: Contra o deputado Roberto Jefferson, contra o deputado José Dirceu, Sandro Mabel e Romeu Queiroz, isso está caminhando. Agora, a gente depende de presidente de partido ou da Mesa Diretora da Câmara, da presteza do doutor Severino [Cavalcanti] para receber outros processos, senão fica tudo parado.
Raul Jungmann: Só um instantinho, eu quero concluir rapidamente. Eu quero chamar a atenção para uma característica da natureza dessa crise. Nós temos uma crise que lavra de uma maneira extraordinariamente grande dentro do legislativo, mas nós temos também uma crise no executivo. Essa crise, que alcança os dois poderes, só torna muito mais difícil o resultado e a solução da crise que aí está. Quando nós tínhamos a crise lá atrás do chamado Collorgate, nós tínhamos um Congresso em condições de atuar, e o fez. Quando inversamente surge a crise dos anões do orçamento, nós tínhamos o [ex-presidente] Itamar [Franco] no início do mandato e com altíssimo respaldo. Pela primeira vez nós temos uma crise que acontece nos dois poderes e acontece de uma forma muito abrangente. Só para dar um exemplo, a reforma política, de que nós tratávamos agora há pouco, Paulo Markun, ao que me consta, ela não caminha por quê? Exatamente os partidos que estão ou estariam mais contaminados por esse processo, PL, PP, PTB praticamente chantagearam o governo do PT, dizendo: não mexe nisso, porque essa regra do jogo nos é altamente favorável.
Eduardo Paes: Nós vimos na sala do João Paulo, na época da CPI do Waldomiro [...].
Raul Jungmann: Então, só para concluir, viu, senador Simon, eu não sou tão otimista. E quero por último dizer o seguinte: do Collorgate para cá, mudou a natureza e a dinâmica da comunicação. Essa é a primeira grande crise através da internet. Ela acontece 24 horas por dia; eu diria até brincando: essa vai ser a primeira crise do blog, que acontece 24 horas por dia em tempo real.
Paulo Markun: Que talvez seja um dado positivo.
Raul Jungmann: Isso é positivo pelo seguinte, para concluir, por quê? Porque ela não permite que o acordo ou a pizza aconteça.
Eduardo Paes: Ela mudou os parâmetros do acordo político...
Raul Jungmann: Claro, mas por que você não pode fazer o acordo? Porque para ter um acordo, é preciso ter alguém fora da crise. E dada a velocidade e as fontes, quem está fora pode estar dentro. Então, o Sacro Colégio que antes se formava, ele pode estar amanhã na condição de réu, o que dá uma imensa velocidade. Por tudo isso, a crise não está estabilizada, não tem fronteira.
Paulo Markun: Moroni.
Moroni Torgan: Eu acho que também tem um ponto nisso tudo, porque muitas vezes parece que a crise está só no Congresso. Quero deixar bem claro: quem é que ganha com o mensalão, por exemplo? Quem é que ganha com isso? Ganha talvez o deputado que recebeu o mensalão; ganha talvez o acordão lá de empresários, que bancou o mensalão; e ganha o governo: por que existiu o mensalão? Para o deputado votar de acordo com o governo. Aí chega um momento, parece que tiraram o governo de lado e deixaram toda a crise para o Congresso. A crise é do Congresso, sim, mas o Congresso estava sendo, se estava sendo comprado, estava sendo comprado para votar no governo. Quem estava sendo beneficiado por essa votação era o governo. E a penalização, eu sei que vai acontecer, eu tenho certeza, acho que no Conselho de Ética está se tentando com a maior seriedade fazer isso, mas que penalização está tendo nos outros? Que penalização está tendo naqueles que tiveram vantagem como...
Eduardo Paes: [interrompendo] Já caíram uns 50 no governo depois que o Roberto Jefferson começou a falar.
Moroni Torgan: Sim, mas eu quero saber que penalização... A única penalização é dizer: eles saíram. É a única penalização. Que penalização tem, por exemplo... Que penalização teve o fundo de pensão que aplicou no Banco Santos, que faliu? Onde é que está a penalização?
Eduardo Paes: Moroni, um parêntese rápido, para o telespectador, senão a gente fica sempre sendo acusado de pizza, sem estar fazendo pizza.
Moroni Torgan: Não, não tem pizza, vai ter. Eu não quero que tenha pizza dos outros lados.
Eduardo Paes: Deixe só eu concluir. Uma coisa é a cassação política, outra coisa é você punir o sujeito depois, você instruir corretamente o processo judicial que vai ter como conseqüência de tudo o que se apurar na CPI. Portanto, essas pessoas que estão no poder executivo que já caíram, a CPI nesse momento junta elementos, provas contundentes para permitir que depois, além de demitidos, eles sejam punidos pelo poder judiciário. Senão o que acontece... por exemplo, o caso do Collor, todo mundo dizia: o Collor fala o tempo todo: “Fui absolvido de todos os meus processos”. Por quê? Porque acabou naquela coisa basicamente do julgamento político, não se conseguiu montar as provas e os elementos necessários...
Moroni Torgan: A burocracia do processo penal.
Eduardo Paes: Não, não é a burocracia...
Moroni Torgan: Foi, foi a burocracia do processo penal.
Eduardo Paes:...não se conseguiu juntar as provas e os elementos necessários que permitissem uma condenação posterior da via judicial.
José Jorge: Eu gostaria de dar a minha opinião. Eu acho o seguinte: o Congresso, pelo menos toda a minha experiência lá, de deputado por 16 anos, agora de senador, o Congresso vai punir e vai cassar os mandatos. E a dificuldade que nós temos é exatamente nos processos judiciais, por tudo o que já foi falado aqui.
Pedro Simon: Alguém vai para a cadeia?
José Jorge: É isso que eu digo, depois de punido [pelo Congresso], aí isso vai para a Justiça. Sai do Congresso, aí ele entra nessa tal burocracia judiciária que a gente conhece. Então, a gente não pode dizer se vai ou não vai para a cadeia, nem o ex-deputado, nem o ex-ministro, nem o ex-presidente disso ou daquilo. Agora, que o Congresso vai punir e pode punir muita gente... eu vejo lá, só para dar uma informação, uma coisa interessante: se esses caras que distribuíram o dinheiro, o tal do [João Claudio] Genu [assessor do PP na Câmara], o [Jacinto] Lamas [tesoureiro do PL], ou o próprio Jefferson, que recebeu aqueles quatro milhões e outros dinheiros, se eles abrirem a boca, tem muita gente; agora, se eles não abrirem a boca...
Paulo Markun: Sim, mas qual seria a vantagem de eles serem punidos, alguns dos que têm mandatos serem cassados, outros enfrentarem processos, e ficarem calados e não contarem a história?
José Jorge: Esses todos serão processados. Agora, esses não têm mandato, tirando o Roberto Jefferson, os outros não têm mandato. Esses irão para a Justiça, cuja punição é mais lenta dentro desse processo todo. Agora, os parlamentares, esses que já estão citados, que tiveram e pegaram dinheiro etc, esses eu não tenho dúvida de que vão ser cassados. Agora, o problema é como abrir... existem três caixas pretas: a caixa preta do Genu, que pegava o dinheiro do PP; a caixa preta do Lamas, que pegava o dinheiro do PL; e a caixa preta do Jefferson. Se esses três abrem, aí o número aumenta muito. Por enquanto, estamos nessa ordem de grandeza.
Moroni Torgan: O que eu quero dizer é que, se tinha podridão no Congresso, tinha podridão no Planalto também. É esse o negócio que parece que todo mundo de repente se esquece, parece que a podridão ficou só aqui.
Chico Alencar: [...] Você vai ficar feliz, vem um Ibope aí que, pelo menos do ponto de vista político...
Moroni Torgan: Eu não fico feliz; eu votei nele [Lula] para mudar isso.
Chico Alencar: Pois é, mas a população não está pensando que...
Eduardo Paes: [interrompendo] Quem vai ficar feliz com isso são os tucanos.
Chico Alencar: Mas depois podem ficar com o bico mais calado, porque a lama é tão grande que pega todo mundo.
Eduardo Paes: Mas não pegou, Chico; há uma tentativa, mas não pegou. Olhe que estão fazendo um esforço enorme.
Chico Alencar: Só um detalhe que me impressionou muito ontem, quando a gente fala assim: o Genu, o Lamas e não sei mais quem, eles não vão abrir; o [tesoureiro do PT] Delúbio [Soares] está ali sorumbático, não diz nada além do que já disse. Só que o processo de investigação é um processo também psico-político que vai caminhando. Você viu o Maurício Marinho [ex-funcionário dos Correios, em 2005 foi acusado de receber propina de empresários interessados em participar de uma licitação]? Na Polícia Federal agora, ele deu um depoimento novo que abriu muito mais coisas. Então, nós vamos apurar muita coisa para o bem do Brasil. É evidente que quando a gente fala da disputa política, isso é muito menor do que a tarefa que nos une de tentar reestruturar as instâncias políticas deste país.
Paulo Markun: Paulo Delgado.
Paulo Delgado: Eu acho que, primeiro, ninguém se beneficia disso, ninguém. Rolar na lama não é a melhor maneira de limpar ninguém, é uma tragédia para o Parlamento isso que está ocorrendo e é uma tragédia se nós não conseguirmos sair disso com regras. Não que façam o eleitor eleger gente honesta, porque disso aí os partidos têm culpa, a justiça tem culpa, os cartórios têm culpa. Mas se um desonesto for eleito, ele não conseguir ser desonesto no Congresso. Nós temos que ter regra para que a pessoa não tenha possibilidade de ser delinqüente. Tem que acabar com a agenda dilinqüencial no Congresso e sair dela com boas leis. A CPI do Orçamento saiu com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Nós avançamos, o Ponte, que criou a Lei de Licitações, o deputado lá do Rio Grande do Sul, nasceu dos anos 90, de crise de representação, de compras irregulares. Então, nós podemos sair com boas leis. O que eu estou vendo nessa crise são duas coisas que me parecem graves: primeiro, é uma crise dos partidos, fortemente da relação do executivo com os partidos. No [caso] Collor e no [caso do] orçamento, os partidos estavam sólidos. Então, nós conseguimos encontrar soluções partidárias para a crise, dentro da Constituição Brasileira. É a primeira vez que a crise atinge em cheio o sistema de representação. É isso que faz o presidente ter a ilusão da democracia direta, porque o fundamento da democracia é democracia direta e democracia representativa, que somos nós. A direta também faz parte da democracia, tanto que existe iniciativa popular constitucionalmente prevista. Mas o presidente tem que levar em conta que isso só se resolve dentro do parlamento. E aí tem um outro dado perigoso dessa crise: é que tem colegas nossos ali que não respeitam os seus julgadores, porque ali é uma situação em que o juiz convive com a parte, uma hora ele é juiz, a outra hora ele é parte, ele muda de posição. E se você não acredita e não confia na pessoa que o está julgando, aí é melhor renunciar ao mandato do que submeter a democracia brasileira a isso. É a desconfiança do juiz; eu estou vendo isso ali.
Paulo Markun: Eduardo Paes, algo a acrescentar?
José Jorge: Teve alguns deputados que se recusaram a responder a tal intimação que o relator fez.
Paulo Delgado: Isso que é grave.
José Jorge: Isso é grave, e eu não me lembro de ter acontecido antes.
Paulo Delgado: Eu nunca vi. Eu vi gente aqui desonrada, aqui nesses vinte anos que estou no Parlamento, eu vi gente desonrada, acusados de crimes que praticaram, mas que se abalaram com a denúncia política. Porque a ética das relações políticas é diferente da das relações pessoais. Nas relações pessoais, eu não posso desconfiar de uma pessoa; mas na relação política, eu sou obrigado a desconfiar. Por quê? Porque eu desconfio e protejo o meu eleitor, porque ele também desconfia. Por isso que o ônus da prova é invertido na política. Se alguém chama um político de desonesto, é ele que tem que provar que é honesto, porque ele representa a população. E eu não estou vendo isso hoje na média do Parlamento. Esse é o medo que eu tenho.
Paulo Markun: Eduardo.
Eduardo Paes: O que eu acho nesse processo todo, primeiro: você tem um tempo aí de dois meses em que várias denúncias, que até então eram denúncias só do testemunho do deputado Roberto Jefferson... você tem que lembrar um pouco essas coisas. E aí as pessoas diziam: “Ah, ele não tem provas”. O testemunho dele não valia nada. Daí, há cerca de, sei lá, três semanas atrás, a CPI quebra o sigilo e começa a encontrar o tal do depósito. Alguns dos depósitos, você nem identificava para quem era, para uma corretora, para uma trading, para não sei o quê, para isso, para aquilo. A verdade, Markun, é que você tem um processo de direito contraditório; os elementos se montaram nesta semana... Eu quero fazer a defesa do relator, porque primeiro: o processo não é simples; você não tinha os elementos todos montados; essa lista não está concluída; nós temos pelo menos na CPI dos Correios, senador, Pedro Simon, umas duas mil operações do Banco do Brasil e umas tantas 500 lá no Rural, cujos destinatários ainda não foram identificados. Portanto, esse processo pode demorar mais tempo do que a gente imagina, dada a dificuldade de análise de todos esses documentos. Portanto, eu acho que a gente tem que ter serenidade, sim; acho que o ideal é que isso fosse direto ao Conselho de Ética; confesso que não sei quais as razões que levaram o relator a tomar a decisão que tomou, de encaminhar ao presidente; acho que todos nós temos que estar muito atentos a esse processo, sob pena de sairmos todos muito, mas muito mal dessa história.
Paulo Markun: Pedro Simon.
Pedro Simon: Eu não sei, eu não tenho a preocupação do Raul com relação à punição dos parlamentares. A minha experiência me mostra que o Congresso vai se sair bem nessa parte. Até de certa forma, quando começou a CPI, a primeira delas, que foi a dos Correios, eu me assustei e falei inclusive na comissão: “Eu estou muito preocupado, porque em CPI nós nos transformamos em um tribunal judiciário. Está certo que somos políticos, cada um tem o seu partido, mas nós temos que decidir como juízes, de acordo com a nossa consciência, [mas] eu estou vendo aqui fanatismo do PT e fanatismo do PSDB”. Hoje não está acontecendo isso; hoje as coisas já estão avançando. Eu vejo pessoas do PT que eram agressivas, hoje estão magoadas, machucadas; o PSDB também recuou. Hoje há um ambiente, eu sinto que há um clima.
Eduardo Paes: A guerrilha passou.
Pedro Simon: É, passou. É um clima no sentido de buscar... Então, eu estou tranqüilo nessa parte. Punição de parlamentares, eu não tenho preocupação. O medo que eu tenho é que, mais uma vez, nós não botemos o dedo na ferida: a origem do dinheiro. Esses fundos de pensão são um escândalo...
[...]: É isso aí.
Pedro Simon: Porque o fundo de pensão, na hora de [...], é um fundo público, é um dinheiro público, mas na hora de aplicar, é privado. O cidadão faz o que quer com aquele dinheiro, faz e aplica como ele bem entende.
[sobreposição de vozes]
Pedro Simon: [...] Eu aqui não estou nem preocupado com o PT em si, porque esse fundo de pensão vem de longe, isso vem de longe. Nós temos que analisar os fundos de pensão nas privatizações, como é que foram entregar, como é que o BNDES entrou nas privatizações. Então, eu acho que...
Moroni Torgan: [interrompendo] Quem vai pagar as contas são os pensionistas.
Pedro Simon: Essa eu acho que é a grande preocupação que nós devemos ter, é ver a origem do dinheiro, o corruptor. E falando nisso, só vou dizer uma coisa que me preocupou em tudo isso que está acontecendo: a votação do salário mínimo, 380 [reais], tem que rejeitar, e o governo, com um bilhão, paga novamente as emendas dos parlamentares. Estamos repetindo a mesma coisa, no meio do negócio, no meio do negócio. Não tem nem o princípio de "guardar o luto dos sete dias"; no meio do negócio, está lá um bilhão, e os caras votaram da maneira que votaram [...].
José Jorge: Senador, só uma observação: e o nível do presidente do conselho da Previ [Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil]? Esse cara, o [Henrique] Pizzolato [diretor de Marketing do Banco do Brasil], um nível primário.
Eduardo Paes: Não sabia de nada, não lembrava de um número da Previdência...
José Jorge: E o nível primário até de raciocinar.
Paulo Markun: Bom, nós vamos fazer mais um rápido intervalo. Voltamos para o último bloco deste programa especial daqui a instantes. A gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Bem, estamos de volta com o ultimo bloco do Roda Viva especial desta noite, e um minuto para cada um dos participantes. Eu coloco uma questão que certamente não se resolve em um minuto. Eu tenho consciência disso, que é a seguinte: saber se esse processo que está instaurado chegará ao presidente Lula, na eventualidade de se identificar algum crime de responsabilidade, algum envolvimento concreto do presidente, ou se a tentativa de blindar o presidente se resolverá aí em um acordo político entre governo e oposição. E começo pelo senador Pedro Simon.
Pedro Simon: Por que eu?
Paulo Markun: Para inverter o jogo [risos].
Pedro Simon: Vou ser muito claro. Em [19]54 houve um golpe de Estado: os militares, a UDN, Lacerda [Carlos Lacerda], a grande imprensa esquematizaram para derrubar o doutor Getúlio; “mar de lama” [expressão usada por Lacerda para acusar de corrupto o governo Getúlio Vargas] é uma mentira. Em [19]64, houve um golpe de Estado, quer dizer, não queriam deixar o Jango assumir em 61; derrubaram-no em 64; o mesmo Lacerda, os mesmos militares, a mesma UDN, de dentro para fora. No [governo] Collor, houve PC Farias [escândalo PC] com as sobras de campanha que estavam aqui se arregimentando, e o Collor participou de maneira ingênua: dinheiro comprando carro, dinheiro do senhor PC Farias comprando um automóvel no nome do presidente. Dessa vez, não tem direita, não tem grande imprensa, não tem ninguém, não tem golpe de Estado, não tem nenhuma trama, tudo nasceu de dentro do governo. Começou com o amigão do presidente, para quem ele assinava um cheque em branco. Olhe que assinar um cheque em branco é coisa brava. Pois ele assinava um cheque em branco ao senhor Jefferson, 15 dias antes de ele denunciar. E tudo está dentro do governo. Mas uma coisa que é importante: não há um movimento para derrubar o senhor Lula; não há um esquema para atingir o senhor Lula; isso não quer dizer que, amanhã ou depois, não apareça algo de concreto e de objetivo, e nós não vamos botar para debaixo do tapete, essa é a verdade. Então, o que está acontecendo é uma confusão tão intensa, e o que a gente está querendo dizer é o seguinte: o coitado do Lula, na verdade, por incapacidade, por incompetência ou coisa que o valha, está meio à margem do que está acontecendo. Movimento para nos unir, para esconder, não vai existir. Determinar a obrigatoriedade: queremos derrubá-lo a qualquer preço, não vai existir.
Paulo Markun: Chico Alencar.
Chico Alencar: Não há um movimento na sociedade pela destituição do presidente Lula. Nós temos os mecanismos democráticos funcionando, com todas as debilidades das instituições. Essa apuração é normal; o que não é normal é vir isso a partir dessa era Lula, tão esperançosa em termos de transparência, moralidade pública. Mas o Lula não é o Collor, ele é fruto de um processo social muito mais rico. O PT, com toda a sua crise profunda, trágica, não é o PRN [Partido da Reconstrução Nacional, pequeno partido ao qual Collor estava filiado quando foi eleito presidente em 1989], não é um partido inventado para ser biombo de um grupo meio aventureiro. E mais: as chamadas elites viram no Lula, na sua política econômica ultra-ortodoxa, uma grata surpresa. Então, não há o poder econômico, não há o movimento social para destituir e impedir o presidente da República. Eu também creio que o Lula delegou demais; o grande erro dele foi a omissão. Delega: “José Dirceu, por favor, precisamos da governabilidade, você é o articulador político, garanta isso”. Ao outro lá: “Aja assim: se tem dívida de campanha, isso não é comigo, eu quero governar”. E aí o Valério entrou no esquema. Então, teve o erro de omissão; para mim é muito evidente isso. Se tem uma ligação direta, se ele soube do negócio de dez milhões para cá ou para lá, acho difícil que se prove. Agora, o desgaste político já está evidente aí. Mas daqui a um ano estaremos no processo eleitoral com as regras novas aí, que modificam um pouquinho. Há um clamor da sociedade por uma nova política, e esse processo não vai acabar, não. Então, eu entendo que, na destituição do presidente Lula, que tem ainda uma grande densidade popular, os Silvas do Brasil [pessoas com sobrenome, de origem portuguesa, "Silva", muito comum no Brasil] se identificam muito com o presidente, isso é difícil atingi-lo.
Paulo Markun: Eduardo Paes.
Eduardo Paes: Você sabe que eu fico observando: essa é a minha primeira crise política, a primeira crise política a gente não esquece. Eu fico observando o senador Pedro Simon, e eu digo o seguinte. Primeiro: eu acho que essa crise política tem esse avanço da sociedade à informação, que faz com que ela não tenha muitos limites traçados. Eu acho que ninguém hoje tem condições de dizer onde isso vai terminar. O que nós temos é o seguinte: entendemos que o processo de impedimento do presidente não é um processo só jurídico, tem um aspecto político, e essencialmente político. Para mim, está claro o envolvimento do presidente, seja por omissão, por convivência, por ter participado. Eu acho que é óbvio, se nós tivermos algo muito concreto, sei lá, uma imagem, filmado, o Lula, Delúbio e Marcos Valério em uma sala, juntos, contando dinheiro, imagine, aí não tem jeito [risos].
Pedro Simon: O Dirceu estaria junto.
Eduardo Paes: Hein?
Pedro Simon: O Dirceu estaria junto.
Eduardo Paes: Certamente. Enfim, claro que estou aqui usando aqui uma linguagem figurada, isso certamente não aconteceu. Se nós tivéssemos algo tão concreto assim, é óbvio que ninguém segurava um processo desses. Agora, o que é importante ficar claro é que todos os atores nesse processo, esses que o presidente Lula tem desrespeitado tanto, a oposição, as elites, os atores econômicos e principalmente os Silvas, Chico Alencar, esses não estão conspirando em nenhum momento contra o presidente da República, em nenhum momento, e nunca conspiraram. Pelo contrário, depositam até esse momento muita fé no presidente da República para que ele possa conduzir o seu governo até o final. Inclusive os da oposição. Quem conspira contra o governo, infelizmente, é a própria atitude do presidente da República e a atitude de seus amigos ou companheiros mais íntimos dentro do Partido dos Trabalhadores.
Paulo Markun: Raul Jungmann.
Raul Jungmann: Indo direto ao ponto, eu acredito que o presidente tem responsabilidade por ação ou por omissão. Não há como fugir dessa realidade. Acho, entretanto, e aqui eu queria me dirigir ao senador Simon: mesmo que nós cassemos um número que eu não acredito que venha ser cassado de parlamentares, ainda que, Moroni, a gente leve esse processo de purgação para o executivo, ainda assim, o tamanho da crise que afeta o sistema político será maior. Nós não temos aqui uma crise restrita a parlamentares ou ao executivo, nós temos uma crise do sistema. E o que é muito grave: o PT se transformou, em alguma medida, uma certa âncora, um certo imaginário de mudança, e praticou o inimaginável, que foi exatamente o assalto ao Estado. A gravidade disso faz com que a desconfiança popular sobre o sistema, e agora não apenas sobre o PT, embora ele hoje vá pagar por isso, seja muito maior e muito mais profunda sobre todos nós. O que nos leva a refletir na possibilidade, nas próximas eleições, de nós termos uma avalanche de votos nulos ou abstenção, a perda de credibilidade da política e dos políticos...
Pedro Simon: [interrompendo] Em 70, o MDB perdeu para votos em branco: primeiro, Arena; segundo, voto em branco; e terceiro, MDB.
Raul Jungmann:...requer, portanto, ir muito além do que nós estamos colocando aqui, está certo? Então, nesse sentido, hoje, eu acho, para concluir, que a oposição não quer e a sociedade não quer, embora elementos existam para abrir esse processo de impeachment. Também não posso dizer que nós vamos ser coniventes com essa situação, além do que é possível sê-lo, para não agravar a profunda crise do sistema político que nós estamos vivendo hoje.
Paulo Markun: Paulo Delgado.
Paulo Delgado: Eu acho que o que preserva o presidente são os fundamentos da democracia brasileira. E esse é o maior período, é o período mais longo da democracia brasileira em toda a sua história. O PT é o principal produto da democracia brasileira, o principal beneficiário dela, embora às vezes até não tenha ajudado a consolidá-la: fez "contrismo", era contra tudo nos anos 90, e hoje é um pouco "cipó de aroeira", está levando da maneira que bateu, porque em muitos casos...
José Jorge: Menos, bem menos.
Paulo Delgado: Não sei, eu acho que nós poderíamos ter o benefício da dúvida se nós tivéssemos dado a alguém, e nós poderíamos ter um outro tipo de processo de investigação. O presidente não está obstruindo a investigação, isso é um excelente sinal de que ele respeita o fundamento da democracia. E eu tenho certeza de que o presidente não está envolvido nisso. Mas ele deveria dizer quem são os traidores, porque a traição em política é boa, porque nós não estamos diante de líderes religiosos, que você não pode trair. Na política é bom trair; a traição do Roberto Jefferson foi boa para o governo, porque limpou o governo de um crime que ele estava praticando.
José Jorge: Foi boa para o Brasil.
Paulo Delgado: Foi boa para o Brasil. A traição do [publicitário] Duda [Mendonça] foi boa para nós, porque simplesmente mostrou que o custo de uma publicidade maior que a nossa história era impossível pagar por meios legais. Nós não precisávamos daquele preço todo, quer dizer, o partido do [publicitário ligado ao PT] Carlito Maia [(1924-2002) cujo perfil profissional pouco tinha a ver com o de Duda Mendonça] gastar essa fortuna toda não tinha sentido. E se ele [Lula] acha que no PT tem traição, ele tem que indicar quem são os traidores do PT, porque o pragmatismo dessa base homogênea sem horizontes programáticos é que produziu a crise do Congresso. E nós fizemos uma péssima gestão quando presidimos a Câmara [refere-se à presidência do deputado João Paulo Cunha, entre 2003-2005], e que deu origem a isso.
Paulo Markun: Moroni Torgan.
Moroni Torgan: Olhe, a impressão que dá é que quando não se indicam os traidores, é porque está comprometido com eles. E aí não tem como indicar os traidores, porque vai aumentar o rolo. O que eu quero dizer é todo esse sentimento. Eu acho que é unânime o sentimento; não existe orquestração para coisa nenhuma. A orquestração existiu ali naquele rol de irregularidades e ilicitudes que foram praticados. E a investigação desses ilícitos é que pode levar, sim. Eu vejo, inclusive, uma omissão assim enorme, porque até agora ele [presidnete Lula] não disse que o Roberto Jefferson não tinha dito para ele em janeiro da existência desse esquema. E, de janeiro até junho, quando o Roberto Jefferson resolveu denunciar na televisão, não houve uma atitude para punir qualquer pessoa. Não houve uma atitude, de janeiro a junho, quando o presidente soube, não se tomou nenhuma atitude. O que eu acredito é que não se possa... eu acho que o maior mal que nós vamos fazer à democracia é se nós quisermos passar a mão por cima de qualquer coisa. Tudo deve ser investigado às claras, e o nosso povo deve participar. Eu acredito que no andamento de tudo o que está acontecendo, ele vai participar e vai exigir de todos os poderes uma atitude favorável à honestidade, para que aquele ditado seja contraditado e que a honestidade valha a pena.
Paulo Markun: José Jorge.
José Jorge: Eu gostaria de dizer o seguinte. Primeiro: nós, da oposição, não temos nenhum acordo para preservar o presidente Lula.
[...]: Nem para cassar.
José Jorge: E nem para cassar.
[...]: Nem impedir.
José Jorge: Nem impedir. Em segundo lugar: se nós olharmos os dez maiores personagens dessa crise, todos são do governo: ou dos partidos da base do governo, ou internamente dentro do governo. A idéia nossa é que nós temos que investigar tudo, investigar tudo o que for possível. Se tiver que chegar próximo do presidente, nós devemos investigar. E, ao mesmo tempo, nós rezamos, nós torcemos para que isso não chegue ao presidente, porque é um trauma muito grande você ter agora um processo de impedimento do presidente da República que gerou tantas esperanças no país. Então, nós não somos a favor disso, nós esperamos que não chegue [a isso]. Mas nós também não podemos parar no meio. A última coisa que eu queria dizer é que nós nos preocupamos... eu, por exemplo, me preocupo mais com o PT do que com o governo do presidente Lula. Porque o governo do presidente Lula, bem ou mal, nós vamos nos livrar dele rápido, falta um ano e pouco, e o PT – eu trabalhei muito em formação de partido, sou do PFL há muito tempo –, o PT é uma das coisas mais importantes que se fizeram em termos de estrutura partidária. Então, ele é importante para a democracia do Brasil; é preciso que ele tome decisões, não que ele fique com essas notas. O Delúbio não perde uma votação dentro do PT ainda. Então, na realidade, a nossa opinião é essa, nós vamos investigar e vamos rezar para que não atinja o presidente Lula.
Eduardo Paes: O Chico de bicicleta e o Delúbio com seu carro moderno.
Paulo Markun: Bom, eu queria agradecer a presença de todos aqui – a rodada foi completa – e queria deixar só como registro que eu acho que, de alguma forma, esse debate [foi] o primeiro em que a gente consegue avançar alguma coisa no sentido de raciocinar sobre a crise. Outro dia me perguntaram do que eu tinha medo em relação ao futuro do Brasil. Eu disse que tinha medo de duas coisas, primeiro: de que a sociedade desacreditasse da democracia, e a segunda coisa: que as minhas netas – nem falo dos meus filhos –, que as minhas netas não encontrassem um país um pouco melhor do que a gente tem hoje. Eu espero que a gente possa, com esse tipo de debate, a gente que eu digo são os participantes desta mesa, que são parlamentares e homens públicos, possam contribuir para que esses dois medos não aconteçam. Uma ótima semana e até segunda-feira, quando teremos no horário normal do Roda Viva o presidente nacional do PT, Tarso Genro. Até lá.