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Memória Roda Viva

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Mário Covas

2/1/1989

O engenheiro e político paulista, que concorreria à Presidência da República em 1989, defende uma revolução educacional no Brasil e a redefinição do papel do Estado

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[programa ao vivo]

Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. Este programa é transmitido ao vivo pela rádio Cultura AM e pelas TVs Educativas do Piauí, Ceará, Bahia, Porto Alegre e TV Cultura de Curitiba. É ainda retransmitido pelas TVs Educativas do Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo. O convidado do Roda Viva desta noite é o senador Mário Covas, do PSDB, o Partido da Social Democracia Brasileira. Você que está nos assistindo e quiser encaminhar perguntas ao senador, pode telefonar para 252-6525. Para entrevistar o senador Mário Covas esta noite, nós convidamos: Carlos Alberto Sardenberg, editor do Informe Econômico do Jornal do Brasil; Alex Solnik, repórter do jornal Folha da Tarde; Rodolfo Konder, escritor e jornalista da revista Afinal; Melchíades Cunha Júnior, subeditor de política do Jornal da Tarde; Rick Turner, correspondente do The Economist; Luiz Gonzalez, editor de projetos especiais da TV Globo; José Paulo Kupfer, secretário de redação do jornal O Estado de S. Paulo; Hugo Studart, repórter de política da revista Veja. Para registrar os melhores momentos do Roda Viva, também está conosco o cartunista Paulo Caruso. Na platéia, assistem ao programa convidados da produção. O senador Mário Covas tem 58 anos, é santista e engenheiro civil. Elegeu-se deputado federal pela primeira vez em 1962, pelo PST, e depois se transferiu para o MDB. Foi cassado em 68, mas define o papel das Forças Armadas como positivo para a transição política do Brasil. Em 86, elegeu-se senador pelo PMDB com a maior votação da história e, no ano passado, durante a Constituinte, foi um dos fundadores do PSDB. No partido de muitas personalidades, o senador Mário Covas é apontado como um dos candidatos à Presidência da República. Entre outras condecorações políticas, ele carrega no peito duas pontes de safena e uma ponte de mamária. Senador, o senhor, já tido e definido praticamente – faltando apenas a chancela oficial do seu partido – como candidato à Presidência da República, deve estar pensando agora no seu vice. O vice do PSDB sai do próprio PSDB ou vai se buscar uma composição com outros partidos? Fala-se, por exemplo, no governador Tasso Jereissati, do Ceará, que por coincidência também é um safenado.

Mário Covas: Bem, em primeiro lugar, me permita dizer boa noite. Na realidade o PSDB está preocupado com uma coisa: fazer a sua proposta de governo. Essa é a primeira etapa do PSDB, é a que ele está tentando cumprir, não apenas como um compromisso com aquilo que nos parece uma demanda do momento em que vivemos, uma aspiração que está muito presente na sociedade, uma leitura correta daquilo que a gente viu nas duas últimas eleições e, mais do que isso, porque esse é o nosso compromisso com a militância. Quando o PSDB se formou – e eu preciso lembrar que esse partido nasceu quatro dias antes do prazo em que se encerravam as filiações partidárias para participar da última eleição –, nós assumimos com a militância, na medida em que tivemos que inscrever no Tribunal Regional Eleitoral, para satisfação da lei eleitoral, um estatuto, um manifesto e um programa, que nós, ao longo do começo deste ano, faríamos um congresso para rediscutir esse programa. Ora, nesse instante nós temos um calendário com esse objetivo. Até o final do mês de janeiro, a direção nacional terá discutido essa proposta de governo. Durante o mês de fevereiro, ela será discutida em nível das direções estaduais, com a sociedade civil, e no mês de março nós teremos então um grande congresso nacional para definir e ultimar essa proposta de governo. Apenas então o PSDB considerará problemas dessa ordem, ou problemas de eventuais alianças, ou de acordos, ou eventualmente até mesmo problemas de composição de chapa. Neste momento, nós estamos interessados em caminhar no sentido de formular uma proposta, uma proposta que possa ser transparente, nítida, concreta, que possa conter o nosso tipo de verdade, e que possa sobretudo ter a dimensão da exeqüibilidade, que possa ser possível de ser realizada. Isso nos parece uma aspiração muito presente, e é em torno dela que nós operaremos. De forma que nós nem estamos considerando, neste instante, qualquer fator relativo à formulação de chapa. Como você disse, o partido ainda tem duas etapas para constituição da sua candidatura. A primeira delas será definitiva, etapa de natureza jurídica e formal, que é a convenção, onde todos os partidos – isso normalmente é entre 180 dias e 90 dias antes da eleição – escolherão seus candidatos. Previamente, porque o PSDB se impôs esse tipo de conduta, ele vai escolher o seu candidato através de uma eleição primária que ocorrerá no mês de abril. Mas não posso negar que houve, sobretudo a partir do presidente do partido, o governador Montoro, uma sugestão à direção nacional, e essa sugestão apontou para a minha direção, e se tiver que ocorrer dessa maneira, a gente enfrenta a parada, mas por enquanto o partido detém essas etapas para a construção da sua candidatura, e preliminarmente a constituição do seu programa de governo, em cima do qual qualquer outro passo será dado.

Jorge Escosteguy: Nessa questão presidencial, senador, tem-se discutido muito a possível polarização entre um candidato de direita e um candidato de esquerda num segundo turno. Fala-se, por exemplo, em Jânio Quadros, ou Lula, ou Brizola, mas ao mesmo tempo começa-se a discutir muito no Brasil também a necessidade de se ter uma opção, vamos dizer assim, de centro-esquerda. O PSDB seria esse partido de centro-esquerda? Teria essa opção?

Mário Covas: Não é que se fala de uma necessidade, é porque se lê corretamente aquilo que o povo tem dito nas eleições. Acho que as últimas eleições sobretudo, somadas às anteriores, desmistificaram alguma coisa [por exemplo] a afirmativa de alguns renitentes que teimam em dizer que o povo não sabe votar. Nós vivemos numa sociedade muito pouco organizada, numa sociedade onde [...] social é extremamente tênue, onde alguns homens contribuem para desarticular a sociedade, como o prefeito que acabou de passar por São Paulo [refere-se a Jânio Quadros], mas, enfim, onde o povo normalmente só tem um instante em que ele se afirma politicamente, e isso é tão verdade que no interior é costume se dizer o seguinte: “Nós estamos na época da política”, época da política é época de eleição, porque é o instante único em que o povo supõe, ou se supõe, que esteja fazendo uma afirmação de natureza política.

Jorge Escosteguy: E qual foi a afirmação que o povo fez, no entender do senhor, nessas últimas eleições?

Mário Covas: Eu não falei nas últimas, eu falo nas últimas e nas penúltimas, que eu acho que elas foram as mesmas. De forma diferente, o povo apontou na mesma direção: ele apontou na direção de mudanças; ele apontou na direção da modernização; ele apontou na direção da modificação; ele apontou na direção da aprovação na eleição de 86, e da aprovação direcionada exatamente para quem tinha um discurso de mudança; e da desaprovação na eleição de 88, sustentada em cima de quem aparecia com esse mesmo discurso, ou quem traduzia melhor uma indignação de natureza popular contra a inexistência de mudança. Então me parece que, em 1989, vai ocorrer coisa absolutamente semelhante. Em 1986 foi nítida e clara a vontade do povo em votar a favor de mudança. Como é que ele votou? Ele votou na tentativa de traduzir o que ele via no Plano Cruzado, uma mudança específica, e havia naquele instante uma aliança de poder, o fato é público, notório, chamava-se Aliança Democrática, constituída de dois partidos, o PMDB e o PFL. Todavia, a votação concentrou-se num dos dois partidos, por quê? Se ela era direcionada para uma ação de governo, a rigor ela deveria se distribuir entre os partidos que sustentavam esse governo, todavia ela se direcionou para o PMDB, que fez naquela eleição 22 dos 23 governadores. Houve quem dissesse naquele instante que o povo votou ao centro. O povo não votou nem ao centro, nem à direita, nem à esquerda, ele votou na mudança, ele votou no que ele identificou como mudança, e foi além: ele buscou, dentro daquela aliança, quem melhor traduzia a mudança que ele via no próprio Plano Cruzado. Votou no PMDB, não apenas porque o Dílson Funaro era filiado ao PMDB, ele votou no PMDB porque o discurso do PMDB se compatibilizava com aquela mudança. Agora, ele votou contra a não-mudança, ele votou, ao contrário do que muita gente pensa, nada prático, nada desinteressado, ele deu o seu recado com inteireza, ele votou indignado. E ele buscou em cada lugar – algumas vezes à direita, algumas vezes à esquerda –, ele buscou em cada lugar quem interpretava melhor, quem canalizava melhor esse sentimento. No caso específico de São Paulo, o PT acabou por canalizar esse sentimento [refere-se à eleição de Luiza Erundina para prefeita de São Paulo em 1988], até por uma conduta, por uma determinada coerência de natureza política, por uma determinada ética de natureza partidária, que muitas vezes até não é a melhor característica do PT, um certo isolamento, a oposição em todos os níveis etc, mas que se casou muito bem com esse sentimento que hoje traduzia essa indignação. E em alguns outros lugares, escolheu a direita. Veja, por exemplo, que os dois lugares onde o PMDB tem os governadores mais à esquerda, exatamente ganharam candidatos à direita.

Jorge Escosteguy: Luiz Gonzalez, por favor.

Luiz Gonzalez: Eu queria que o senhor avaliasse por que o PSDB na última eleição não encarnou esse espírito de mudança no entender do eleitorado. Ele ganhou a eleição em Belo Horizonte, uma eleição apertada com o PT, o PT vinha subindo, e a proposta clara, nítida, nesse caso não funcionou. Eu quero saber como é que o senhor avalia a entrada do PSDB nessa campanha presidencial, tendo o Lula num espectro mais à esquerda; o Brizola, digamos, um pouco à direita do Lula, mas ainda à esquerda; e o senhor sendo jogado para a direita, tendo de fazer composições talvez a sua direita.

Mário Covas: Eu não tenho que fazer composições em lugar nenhum, para começar. Em segundo lugar, eu acho que há uma preliminar que você coloca que precisa um pouquinho mais de discussão. [Charge de Caruso: Covas caminha segurando uma placa onde se lê: “Centro”. Ele fala: “Mudança, é o que eu sempre disse!”] Quando o PSDB foi fundado, nós sabíamos que íamos correr um determinado risco, porque nós recebemos um registro provisório – fiz questão de assinalar isso quando comecei a falar – quatro dias antes de terminar o prazo para filiação partidária para concorrer à eleição municipal. Se nós tivéssemos que escolher um instante para fazer um partido político, certamente aquele seria o instante menos indicado. Todavia, nós escolhemos aquele instante porque você não faz um partido quando você quer, você faz quando você sente necessidade de fazer. Naquele instante, um agrupamento, a maioria vinda do PMDB, outros vindos de outros partidos, resolvemos nos associar e fazer um partido. E acabamos recebendo o registro provisório, volto a insistir, quatro dias antes de terminar o prazo de filiação partidária, tanto que nós não tivemos nenhum candidato que fosse mero filiado, via estado ou via município. Todos os nossos candidatos, no Brasil inteiro, são fundadores do partido. Tivemos que nos registrar em Brasília; nós temos 11.044 fundadores. Bem, nós concorremos com candidatos a prefeito em 89 municípios no Brasil. Fizemos algumas alianças em outros lugares, candidato a vice, em alguns lugares com chapas de vereadores, mas com cabeça de chapa nós concorremos em 89 municípios e fizemos 17 prefeitos. Eu não acho que foi uma performance má.

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O senhor esperava mais, senador?

Mário Covas: Imagine o PMDB, que na outra eleição fez 22 dos 23 governadores, eu não sei se ele fez 20% dos municípios onde disputou eleição, [mas] nós fizemos, e fizemos 20% disputando em seis capitais, das quais ganhamos uma significativa, sem dúvida nenhuma, Belo Horizonte; ganhamos em cinco municípios em São Paulo.

Luiz Gonzalez: A questão não é essa, senador, a questão é a seguinte: o senhor considera que o PSDB encarnou esse espírito de mudança, esse voto indignado que o eleitorado deu?

Mário Covas: É muito provável que não, e isso nos obriga... Mas não é por causa do posicionamento de natureza ideológica, é por uma série de fatores, entre os quais, em alguns casos, até mesmo não importa se está certo, se está errado, até mesmo a nossa separação do PMDB não ficou clara. Por quê? Nós somos um país onde a informação caminha muito devagar, ela demora muito para chegar na... Há certas faixas da opinião pública que não se valem da notícia vinda do jornal, porque entre comprar o jornal ou pagar o transporte coletivo, ela opta pelo transporte coletivo, porque [...] ao emprego. Ou se você pegar a região metropolitana de São Paulo, os números são bastante alentadores: há cerca de 94% dos domicílios que têm televisão, mas normalmente se faz programa de natureza política num horário em que a área trabalhadora praticamente não participa.

Luiz Gonzalez: Por que o Congresso votou esse horário, senador? Por que o Congresso não optou por um horário...?

Mário Covas: O Congresso não vota o horário desse programa. O Congresso votou o horário gratuito. Esse foi um horário acessível: às oito horas da noite. Agora, esse programa, quem faz é a emissora, evidentemente, é natural, fica reduzido a uma faixa mais restrita. Eu acho que a informação demora muito para chegar em determinadas áreas, o que é natural, mas isso leva a certos fenômenos. É só isso que me faz entender, por exemplo, que às vezes as lealdades de natureza eleitoral durem muito ao longo do tempo. Um homem [Jânio Quadros] renuncia à Presidência da República e, 25 anos depois, é eleito prefeito da cidade onde ele teve mais votos para presidente da República. Esse tipo de lealdade de natureza eleitoral que se prolonga, que se projeta ao longo do tempo me parece muito fruto da pouca velocidade com que a informação caminha.

Alex Solnik: Agora, será que isso não se deve também a uma outra causa? Talvez a falta de ligação entre o PSDB e a realidade mais popular nessa... não se deveu talvez à falta de propostas mais claras do partido?

Mário Covas: Muito bem, é muito possível, e é por isso que eu estou dizendo a você que, para nós, a preocupação nessa eleição não é nem com as alianças, nem se nós vamos ter que fazê-las à direita ou à esquerda, nem quem se situa geograficamente em relação a nós, mas é exatamente a preocupação, ainda que isso nos tome um tempo maior, com a formulação de uma proposta que, tendo coerência, possa mostrar uma cara muito límpida, muito cristalina, possa nos permitir chegar ao eleitorado e dizer: nós somos isto, isto é a nossa verdade. [Charge de Caruso: Covas pilota um pequeno avião com o símbolo do PSDB. Ele observa, voando a sua frente, uma vassoura, em referência a Jânio Quadros]

Hugo Studart: E qual é a diferença entre o PSDB e os outros partidos? O PSDB se apresenta como o partido da socialdemocracia, o Lula também se apresenta, o Brizola também se apresenta, e o Wolfgang Sauer, que é o presidente da Volkswagen, também se apresenta como socialdemocrata. Qual é a diferença entre a proposta socialdemocrata do Lula, do Mário Covas e do Wolfgang Sauer?

Mário Covas: Olhe, acabei de lhe dizer que nós estamos exatamente elaborando isso, e no meu partido isso vai ser feito de forma democrática. Eu posso dizer, e certamente nós discutiremos ao longo do programa, uma série de pontos de vista pessoais, que não têm subscrição de natureza partidária, em relação ao problema que você quiser colocar. Agora, é evidente que quando você coloca o presidente da Volkswagen e o Lula têm, em relação a sua própria afirmação, a posição de socialdemocratas, é evidente que a distinção que a população faz não é essa.

Hugo Studart: Mas o senhor não acha que essas propostas deveriam ser feitas antes da fundação do partido, e não depois?

Mário Covas: Mas é lógico, elas foram feitas antes da fundação do partido. Agora, o que você coloca num programa de partido não é uma proposta de governo, porque uma proposta de governo é sempre alguma coisa que dá resposta a uma conjuntura. O que você coloca no programa do partido são elementos permanentes, são conceitos permanentes, são objetivos de natureza estratégica permanente. Uma proposta de governo é uma proposta para enfrentar determinada conjuntura com o objetivo de você caminhar para aquela proposta permanente. Isso está escrito no seu programa de natureza partidária.

Alex Solnik: Senador, o que a gente está vendo, por exemplo, é o Lula, o Brizola formulando propostas concretas: estatização...

Mário Covas: [interrompendo] Não, eu estou vendo que o Brizola sequer vai se apresentar com programa.

Alex Solnik: Não, o Brizola está falando em terminar com o monopólio da TV Globo...

Mário Covas: Eu estou vendo ele afirmar que não vai fazer propostas. Eu estou vendo ele afirmar que vai concorrer à eleição sem nenhuma proposta.

José Paulo Kupfer: O que o senhor vai fazer com a dívida externa?

Mário Covas: O que eu vou fazer?

José Paulo Kupfer: O senhor.

Mário Covas: Bom, primeiro não sou eu que vou fazer; se o meu partido ganhar a eleição, nós entendemos que é preciso ter em relação a isso uma posição clara no que se refere ao seguinte fato: primeiro lugar, não há como deixar de reconhecer que a dívida externa passou a ser agora não apenas um problema de natureza financeira, mas pelo fato de ser até impeditivo do nosso crescimento econômico, que ela é hoje absolutamente impeditiva... Os dados que estão hoje nos jornais em relação a nossa remessa de poupança para o exterior, da nossa poupança bruta, este ano, nós temos um superavit de quase quatro bilhões de dólares em balanço de pagamento, não é balança comercial. Este ano nós fazemos um superavit de balança comercial da ordem de 19 bilhões de dólares. Neste ano nós fazemos uma exportação em torno de 33 bilhões de dólares, cerca de 19 bilhões de dólares de superavit, que comprimem brutalmente a nossa dívida interna. Na medida em que eu sou obrigado a pagar o exportador brasileiro em cruzados, ou eu emito cruzados para isso, ou eu simplesmente reponho isso no mercado, vou captar no mercado para pagar. Nitidamente o PSDB entende que a solução do problema da dívida externa é inevitável para que se retome o crescimento econômico. Uma das vertentes para o combate à inflação passa pela dívida externa, uma das vertentes para a retomada do desenvolvimento, na medida em que você tinha até então na última década uma capacidade de acumulação da ordem de 23, 24%, pelas quais o Estado respondia com cinco, seis, sendo que a iniciativa privada [respondia com] cerca de 17, 18. Isso está reduzido hoje praticamente ao setor da iniciativa privada, exatamente porque o Estado, no instante em que estatizou a dívida, passou a responder apenas para a parcela da dívida externa. Nitidamente, ou você equaciona o problema da dívida externa, ou então você terá algo como hoje está anunciado. Nós temos para este ano um aumento do PIB da ordem de 0,04%, menos os dados de novembro e dezembro, que podem tornar isso mais negativo. Isso significa uma diminuição do Produto Interno Bruto per capita da ordem de 1,9%. Os dados estão aí hoje no jornal. Muito bem, necessariamente, a dívida externa tem que ser considerada sob uma vertente de natureza política. Isso não retira uma dose de conteúdo de natureza financeira, mas necessariamente tem que ser encaminhada para uma vertente de natureza política. E isso passa por, primeiro: você definir com clareza quem são os interlocutores desse problema. Esses interlocutores estão situados em três níveis: primeiro os bancos privados. Ora, é evidente que você não vai ter consideração de natureza política indo aos bancos privados. Os bancos privados têm diretoria que são eleitas pelos seus acionistas, e evidentemente que no dia em que um diretor de empresa ou um diretor de banco entender que deva fazer uma consideração em relação a uma operação de natureza financeira, uma consideração de natureza política, evidentemente que ele perde seu emprego. Há uma segunda faixa, que é a faixa das agências intergovernamentais, Banco Mundial etc, onde o nível de tratamento e até o nível da negociação é de um outro padrão. E, finalmente, há os próprios tesouros. Isso nos aponta para algum tipo de organização que possa colocar o problema ao nível da discussão política: ou você leva isso para o nível das nações, ao nível dos tesouros, ou você leva isso para o nível de alguma agência que possa, sendo responsável por toda a dívida ou responsabilizando por toda dívida, possa colocar uma componente de natureza política nisso. Vemos aí: qual é a parte do Brasil? Como é que nós agimos? Este país tem várias alternativas; a primeira definição que ele tem que ter, e esse é o acordo nacional a ser feito, é como ele vê essa dívida externa. Primeiro: o que ele pode dar? Os 5% tradicionais que ele investia, e que está deixando de investir, e que são absolutamente responsáveis pelo fato de que hoje nós não temos mais os 6%, 7% da média que tivemos de crescimento econômico ao ano durante a década de 70, para cair [para] 1,2%, que é a média do ano na década de 80... Ou você encaminha isso para uma solução que passa por essa vertente política, ou então você não tem solução. Então, o que nós fazemos? [Charge de Caruso: no lugar do Cristo Redentor, Covas, de costas, diz: “Dívida externa: a redenção sou eu!”]

José Paulo Kupfer: Enquanto isso, não paga?

Mário Covas: O seu problema é a velha pergunta: o senhor é a favor ou contra a moratória? Como se a moratória fosse um fim em si próprio...

[...]: O senhor é a favor ou contra a moratória?

Mário Covas: A moratória é meio, não é fim, gente. É instrumento de negociação.

[...]: O senhor é a favor do uso desse instrumento?

Mário Covas: Você não excluiu a moratória. É a mesma coisa que você perguntar para um trabalhador: você é favor da greve ou não? Mas a greve passa por várias etapas. A greve passa pelo anúncio da greve.

Rick Turner: [interrompendo] O senhor considera a moratória um expediente eficiente ou ineficiente até agora?

Mário Covas: Só um minuto, eu não consegui responder a ele, e se eu não responder a ele, fica parecendo que eu não respondi.

Carlos Alberto Sardenberg: É tudo uma questão de conseqüências, não é?

Mário Covas: É tudo um questão de conseqüência, mas se eu não respondo a primeira, eu não consigo responder as demais. Bem, eu acho que este país pode, através de uma negociação entre toda nação, dizer o seguinte: eu quero destinar 2% do Produto Interno Bruto para o pagamento da dívida, [com isso] limitei aquilo que eu posso fazer, como nação soberana, decidi isso unilateralmente e, a partir daí, eu entro num processo de negociação onde você tem uma enorme escala de valores, que vai desde a negociação tradicional até uma negociação mais dura. Bom, segunda alternativa: posso destinar a isso 20%, 30%, 25% do total das nossas exportações. Terceira, você pode caminhar para a sustentação e para a defesa na linha da negociação de algo que, há dois anos, foi considerado pornográfico segundo o representante do Fundo Monetário Internacional, e hoje já é discutível, ou seja, o problema da securitização da dívida, em que você, como uma agência governamental, simplesmente usando o que o mercado dita, isto é, aquilo que se paga no mercado secundário, compra essa dívida, faz uma operação de natureza praticamente contábil, você compra essa dívida aos bancos com a garantia dessa instituição. Portanto, os bancos receberão pelo valor que eles estão vendendo no mercado secundário e, por outro lado, refinanciam para os países devedores. Às vezes a gente chega a perguntar: por que é que países, ou por que os próprios banqueiros, sabendo que, na medida em que você dificulte o crescimento econômico dos países que devem, o pagamento da dívida se torna mais difícil, por que eles não concordam espontaneamente com soluções desse tipo? Há fatores de natureza política que influem nisso. Os Estados Unidos, por exemplo, têm sido contrários a essa posição. Solidariamente, a Inglaterra e a Alemanha têm sido contrárias também. Já a posição japonesa e a posição francesa não são iguais a essa. Há propostas tipo [François] Mitterrand [presidente da França entre 1981-1995], que foi o primeiro a falar em assuntos desse tipo [...]. Mais recentemente, Gorbachev fez algo nessa direção. Mas todas elas apontam na direção que nós estamos defendendo, ou seja, a direção de que você, para solucionar esse problema, tem que passar necessariamente por uma vertente de natureza política. Se não passar por uma vertente de natureza política, este país terá que tomar uma decisão sobre aquilo que ele pode fazer sem ir ao limite do sacrifício da sua nação.

Carlos Alberto Sardenberg: Senador, o senhor esteve recentemente nos Estados Unidos...

Melchíades Cunha Jr.: Eu queria voltar a um outro assunto: o senhor é candidato. Todos nós sabemos que o senhor é candidato a presidente da República. O senhor, desde a Constituinte, tem sido muito hostilizado pela UDR [União Democrática Ruralista], que o chama declaradamente de comunista. Ainda na semana passada, a noiva do [fundador e presidente nacional da UDR] Ronaldo Caiado, uma fazendeira baiana, voltou a insistir que “com o senhor não, o senhor é comunista”. O senhor acha que isso é primitivismo político da UDR, uma jogada eleitoral ou antipatia pessoal? Como o senhor interpreta isso?

Jorge Escosteguy: Por favor, senador, só aproveitando a pergunta do Melchíades, o telespectador Sidenir Beraldi, de Santo Amaro, também pergunta ao senhor se o PSDB abriria espaço eventualmente ao doutor Ronaldo Caiado, da UDR.

Mário Covas: Abrir espaço para quê?

Jorge Escosteguy: Para ele atuar politicamente [no PSDB], imagino [risos].

Mário Covas: Eu não creio nem que o PSDB abrisse espaço para o Ronaldo Caiado atuar politicamente, nem que o Ronaldo Caiado estivesse interessado em atuar politicamente dentro do espaço do PSDB. Olha, eu tenho em relação a esse problema uma posição muito rica, muito clara. Nas duas oportunidades em que isso foi a plenário, eu fui à tribuna sustentar a posição. Ao contrário do que muita gente diz, o que aconteceu nesta Constituição, com relação à reforma agrária, foi nós ficarmos muito aquém daquilo que o Castelo Branco fez em 1965. O disposto na Constituição está aquém. O que está bom na Constituição é a reforma urbana, isto sim, que, aliás, é muito mais rigorosa nesse aspecto do que a reforma agrária.

[...]: Como presidente, o senhor pretende fazer uma reforma agrária mais ampla?

Mário Covas: Só um minuto.

[...]: Vamos ver essa história dos comunistas e da UDR.

Mário Covas: Pois é, é preciso ver primeiro como a gente se situa em relação a isso. A rigor, durante a fase da Comissão de Sistematização, quando eu não estava em Brasília, porque eu tinha sido operado, portanto eu estava aqui, houve um instante em que um único tema era inovador em relação ao Estatuto da Terra, que era a emissão de posse imediata depois da desapropriação, era o único tema inovador. Esse tema, por uma negociação dentro da Comissão de Sistematização, se encaminhou para a lei ordinária, e no dia seguinte Ronaldo Caiado saiu de Brasília fazendo declarações muito violentas nos jornais contra alguns constituintes. Eu não estava lá naquela época, mas [fez] contra alguns constituintes, exatamente porque o que menos interessava para ele era algum tipo de acordo dentro daquele tema. Ao Ronaldo Caiado interessava dois tipos de coisas: ou ganhar ou perder. A única coisa que não interessava a ele era algum tipo de acordo. Fomos ao plenário, e eu vou lhe dizer o que aconteceu no plenário: o dispositivo dizia assim no seu artigo 1º, um pouco mais ou menos o que o Estatuto da Terra: “Propriedade da terra pode ser desapropriada por título da dívida pública na medida em que ela não cumpra sua função social. São requisitos do cumprimento da função social...”. Daí vinham [...] os quatro dispositivos que o Estatuto da Terra disciplinava. Em seguida, criaram-se exceções, coisa que não tinha no Estatuto da Terra. Que exceções? “Não são passíveis de desapropriação, A: a pequena e média propriedade”. Ao excluir a pequena e média propriedade, que foi em torno de quem essa mobilização toda foi feita, no sentido de tentar induzir esse pessoal que a sua terra corria risco... Essa exclusão representa 94% das propriedades brasileiras, ou seja, para a pequena e para a média propriedade, mesmo [considerando] esse fato, elas estão automaticamente excluídas da possibilidade de serem desapropriadas por título da dívida pública. Em seguida, estabelecia-se o segundo item, dizendo [que também estavam excluídas] as propriedades produtivas, isto é, entre os 6% restantes, aquelas que fossem produtivas. E aí vinha um parágrafo que dizia o seguinte: “Lei especial dirá como a propriedade produtiva cumprirá a função social, cuja inobservância a tornará passível do artigo tal”, isto é, ser desapropriada por título da dívida pública. O que se discutiu lá foi a retirada desse “cuja inobservância a tornará passível...”.

Melchíades Cunha Jr.: A partir daí, o senhor virou comunista para a UDR.

Mário Covas: Não sei se foi a partir daí, mas não interessa muito, não tenho muita consideração a fazer a respeito do que é a opinião do Ronaldo Caiado a meu respeito, acho que ele tem todo o direito de tê-la. Eu não abro mão, fui duas vezes para a tribuna para defender uma coisa. Em primeiro lugar, para aqueles que diziam que com isso se abria margem ou se obrigava a desapropriar propriedade produtiva, a Constituição não obrigava coisa nenhuma, ela estabelecia as condições em que as propriedades poderiam ser desapropriadas sem pagamento prévio em dinheiro; excluía a pequena e média [propriedade]; excluía a propriedade produtiva e estabelecia que uma lei especial diria que se está não está cumprindo a função social, que cumpra dessa maneira, e se aí não observar, fica sujeita à regra geral; se tirou isso. Pois bem, durante a discussão – e ela foi feita no meu gabinete –, houve um acordo de todos os partidos no sentido de aprovar isso. O PDS apoiou, alguns componentes do PFL, mais precisamente os deputados Rosa Prata e [...]. Ao final, praticamente diante da unanimidade na aceitação daquela proposta, pediram um tempo para sair da sala. Saíram da sala e voltaram rejeitando a proposta, dizendo que preferiam ir à votação. E aí se cometeu um erro de avaliação: se fosse à votação naquele instante, eles teriam colocado 280 votos. A rigor, quem estava querendo ir à votação estava querendo marcar uma posição de natureza política, e não teriam 280 votos. Isso ocorreu numa quinta-feira, a votação não deu número na quinta-feira, acabou ficando para terça-feira. E na terça-feira, muita gente que estava comprometida naquele acordo voltou atrás. Portanto, inverteu-se a posição: nós é que precisávamos fazer os 280 votos, e dos 280 fizemos 260. [Charge de Caruso: sentado, com dedo em riste, Covas diz: “Cuidado com o Caiado!”]

Melchíades Cunha Jr.: Voltaram atrás por quê, senador?

Mário Covas: Voltaram atrás porque provavelmente acharam que os seus vínculos eram mais nítidos. O PDS, por exemplo, que tinha assumido durante a reunião aquele acordo, na hora da votação voltou atrás.

Melchíades Cunha Jr.: Fala-se que a UDR levou muito dinheiro lá para Brasília.

Mário Covas: É, se levou ou não levou, se usou ou não usou não me cabe dizer. Certamente a mim nenhuma oferta foi feita, [...] certamente julgaram que era tempo perdido.

Rodolfo Konder: O senhor está abordando um tema que acho que pode nos permitir falar um pouco agora do assassinato de Chico Mendes. Talvez a gente possa até fazer um paralelo entre o assassinato do Vladimir Herzog, em 75, e o fim da tortura política, da tortura contra presos políticos, e a possibilidade de o assassinato de Chico Mendes agora ser um marco histórico do combate a essa violência impune por parte do pessoal dos donos de terra, especialmente o pessoal ligado à UDR. O senhor acredita na possibilidade de a gente, a partir de agora, com uma grande mobilização da opinião pública, conseguir conter essa onda de violência impune na disputa pela posse da terra? Qual é a disposição do PSDB de enfrentar esse problema?

Mário Covas: Olha, eu acho que embora os problemas tenham uma certa similitude no que se refere ao seu momento histórico e às circunstâncias em que eles ocorreram, eu acho que é muito mais complicado você evitar esse problema na área rural. É muito mais complicado, há uma imensidão de área. Na área urbana esse problema talvez seja mais fácil, mais acessível no sentido de ser combatido. Na área rural é muito mais complexo, num país que tem 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados. E esse não foi sequer o último acontecimento, já houve posteriormente um outro acontecimento, não da mesma repercussão, mas já teve um outro acontecimento. E você lê listas diárias nos jornais envolvendo figuras... De qualquer maneira, não há como a gente poder esperar que este país tenha curso normal, tenha vida democrática, tenha um pouco de tranqüilidade e paz, se a rigor nós não nos envolvermos todos na tarefa de afastar de plano esse tipo de violência, esse tipo de conflito. Lá, no caso específico que você acabou de citar, envolveu não apenas aspectos fundiários, não apenas aspectos agrários, mas aspectos que têm até razões circunstanciais que acabam por envolver aspectos muito mais graves, porque lá se atingiu alguém nítida e totalmente vinculado à defesa do meio ambiente, vinculado a um problema ideológico, alguém que tem consciência que este país detém cerca de 37% das florestas tropicais do mundo, entre a Mata Amazônica e a Mata Atlântica. E é nessas reservas que se produzem cerca de 90% das espécies animais ou vegetais. É na floresta tropical onde estão os principais princípios farmacológicos, inclusive anticancerígenos, e nós detemos ainda o controle disso. Não estou falando de problemas como os da calota que envolve a Terra, dos problemas do ozônio, enfim, desses outros problemas da natureza. Mas o crime, a violência que se comete com a pessoa só tem paralelo com a violência que se comete contra a natureza. O que aconteceu lá tem que ter, da parte da nação inteira, de todos aqueles que têm alguma responsabilidade neste país, uma resposta nítida, clara, insofismável na luta permanente contra esse tipo de aberração, esse tipo de descaminho, esse tipo de violência, que chega às raias do absurdo, da obscenidade. Acho que a morte desse homem vai representar no final, como você disse, quem sabe, a possibilidade de que uma consciência nacional de envergadura suficiente se forme para que a gente possa pelo menos minimizar os efeitos de violência desse tipo.

Carlos Alberto Sardenberg: O Banco Mundial está condicionando a liberação de empréstimos à observação de certas questões ecológicas. Isso, o Banco Mundial já vinha fazendo há algum tempo, e agora está sendo mais rigoroso no cumprimento dessa exigência. Parece que, em toda parte, na Europa, a consciência ecológica é muito desenvolvida e a pressão sobre os governos é muito grande, de tal modo que os próprios governos também começam a colocar limitações. E, finalmente, parece que a coisa começa a acontecer também nos Estados Unidos, quer dizer, o senhor acha que é legítima essa pressão internacional? Seria o momento em o que imperialismo está agindo para o bem?

Mário Covas: É, extraindo o fato de que muitos desses países resolveram os problemas das suas florestas em época em que esse problema pelo menos não tinha a visibilidade que tem hoje, e que portanto fizeram segundo a sua vontade, não há a menor dúvida de que a consciência em relação ao problema vai se criando internamente. Vale menos a pressão do Banco Mundial nessa direção, e a pressão do Banco Mundial traduz a pressão de uma série de governos, daqueles que compõem os recursos do fundo do banco... vale mais do que a própria pressão interna. Se há algo que orgulha essa Constituição, é o capítulo do meio ambiente. O capítulo do meio ambiente é seguramente uma das maiores virtudes que possui a Constituição brasileira, e provavelmente não há constituição mundial que tenha um capítulo sobre meio ambiente de tal qualificação. Os termos do Relatório Brundtland que depois de 15 anos da Conferência de Estocolmo acabaram por traduzir as conquistas relativas à luta pela preservação do meio ambiente, estão ali dentro da Constituição. Mas aquilo não é mera retórica, não são meras afirmações, porque você inclusive montou na própria Constituição dispositivos de natureza operacional, de natureza jurídica, que lhe permite agir em defesa do meio ambiente. Por exemplo, há um dispositivo relativo à ação popular, que antigamente era alguma coisa circunscrita a uma única figura, hoje qualquer cidadão pode fazê-la, pode interpô-la, que se volta não apenas para defesa do patrimônio público, como para a defesa da moralidade administrativa e para a defesa do meio ambiente. Ou seja, qualquer crime contra o meio ambiente é hoje neste país passível de ação popular promovida por qualquer cidadão, por dispositivo funcional. Você efetivamente ofereceu um dispositivo de natureza jurídica que sustenta a retórica contida no...

Rodolfo Konder: [interrompendo] Mas, senador, eu insisto um pouco nessa idéia do Sardenberg, que é a seguinte: há questões que são efetivamente questões mundiais, questões internacionais.

Mário Covas: Sei, entendi.

Rodolfo Konder: O problema por exemplo da defesa dos direitos humanos, num momento em o que governo começa a violar os direitos humanos, é justo, é legítimo que haja uma pressão internacional sobre esse governo.

Mário Covas: Sim.

Rodolfo Konder: A questão da paz e da guerra também é uma questão internacional. O senhor concorda que a questão do meio ambiente também é uma questão internacional?

Mário Covas: Eu fiz uma viagem logo depois da eleição e, seguramente, o que mais me surpreendeu é que se falou muito menos em dívida externa do que se falou em meio ambiente. Eu vi no [jornal] New York Times, num final de semana, um caderno inteiro sobre a floresta amazônica, e na semana seguinte li num jornal de Toronto um caderno inteiro sobre a floresta amazônica. O meio ambiente é seguramente hoje um dos temas mais modernos e um dos temas que mais sensibilizam no mundo inteiro, o que acaba por tornar essa pressão de natureza mundial. Isso não significa que, da mesma que os direitos humanos, que eram um tema de natureza mundial, que a partir daí se deixe de reconhecer temas como a soberania, temas como a legitimidade sobre o seu próprio território, de cada nação etc, mas eles passam a ser temas de conteúdo, pela sua influência, pertencentes à humanidade como um todo.

Carlos Alberto Sardenberg: Voltando à questão polêmica, já que parece haver um acordo aqui...

Mário Covas: Bom, temos um acordo.

Carlos Alberto Sardenberg: ...de entrevistadores e entrevistado sobre este tema, quando o Ronaldo Caiado levanta a questão do comunismo...

Mário Covas: Então nós temos um acordo sobre esse tema do Ronaldo Caiado? [risos]

Carlos Alberto Sardenberg: Não, eu digo que há um acordo sobre as questões ecológicas. Me parece que é um acordo...

Luiz Gonzalez: Eu queria só pegar uma carona. Eu queria perguntar ao senador se nesse crime do Chico Mendes, que tem alguns agravantes pelas circunstâncias, uma delas é o fato de que houve premeditação escancarada, pública, o próprio Chico Mendes disse que ia morrer antes do dia 31.

Mário Covas: Sem dúvida.

Rodolfo Konder: Tinha quatro seringueiros na porta de casa defendendo, e até então não sofreu atentado, [mas] quando dois PMs passaram a fazer a guarda, ele sofreu o atentado que o matou. E me parece, salvo engano, eu queria saber a sua opinião, que o Congresso reagiu timidamente diante do agravo, da força do agravo, quer dizer, foi um ato vergonhoso ao povo brasileiro, e o Congresso, como instituição, não se posicionou. Um ou outro parlamentar, alguns parlamentares se mobilizaram, mas o Congresso como instituição, talvez por estar de férias, eu não sei, não se posicionou.

Mário Covas: Certamente, o Congresso poderia ter, pelo menos pela sua direção, pelas suas mesas das suas respectivas casas, poderia ter talvez uma posição mais incisiva. Nós temos dentro do partido...

Luiz Gonzalez: São práticas inclusive, não é, senador, de chamar as pessoas e...

Mário Covas: Como você diz, as circunstâncias dessa morte envolvem inclusive aspectos... a morte foi anunciada. [Charge de Caruso: Em uma área verde, com árvores, Covas tem em mãos uma bandeira na qual se vê uma cédula de dólar. Ele diz: “Esta linguagem não é a única!”]

Luiz Gonzalez: Exatamente.

Mário Covas: O ameaçado tornou-se o público, foi à polícia, contou, disse, apontou prováveis...

Luiz Gonzalez: Um parlamentar escreveu ao Ministério da Justiça pedindo proteção.

Mário Covas: Evidente, evidente, eu acho que você tem razão. Acho que isso ocorreu num nível muito pessoal, ainda que em alguns casos em nível partidário. Nós temos uma figura muito ligada ao movimento ecológico...

Luiz Gonzalez: Mas por que razão o Congresso não se mobilizou?

Mário Covas:...deputado do PSDB, que é o Fábio Feldmann, que inclusive esteve presente e fez a representação do partido.

Luiz Gonzalez: Mas por que o Congresso não se posicionou no sentido de cobrar?

Mário Covas: A minha impressão é que o fará. Eu acho que você tem razão: no instante em que isso ocorreu, com o Congresso em recesso...

Luiz Gonzalez: A propósito, uma questão menor, mas eu vou pegar uma carona: o senhor não acha que essas férias do Congresso são exageradas? Todas as instituições, mesmo quando em férias, têm plantões efetivos. O senhor vai a um hospital no fim do ano, tem gente lá que trata das pessoas no pronto-socorro.

Mário Covas: Tudo bem.

Luiz Gonzalez: E o Congresso tem dois meses de férias no fim do ano, mais um mês no meio do ano, não é isso?

Mário Covas: É, isso não quer dizer que não tenha gente lá, tem inclusive condicionalmente agrupamentos que ficam, mas a rigor...

Luiz Gonzalez: Neste caso não adiantou.

Mário Covas:...a rigor, isso não traz a palavra do Congresso. O que traz a palavra do Congresso é aquilo que ocorre dentro de certas circunstâncias, dentro de sessões normais etc, ou sob um acontecimento dessa ordem, da palavra daqueles que...

Jorge Escosteguy: Senador, por favor.

Mário Covas: Da palavra dos presidentes das casas, dos presidentes das mesas, das lideranças, enfim, de quem compõe o Congresso. Eu confesso a você que concordo com você, eu acho que do nosso ponto de vista, como instituição, a reação deveria ter sido muito mais nítida, inclusive do ponto de vista da presença física.

Jorge Escosteguy: Senador, nós temos que fazer um rápido intervalo, mas antes eu tenho aqui duas perguntas dos telespectadores. O Gonzalez falou em hospital, e eu me lembro quando eu fiz o seu micro perfil no início, falei de ponte de safena, falei na sua idade, o senhor fez uma expressão meio...

Mário Covas: É, a idade é ruim.

Jorge Escosteguy: A Ana Maria Crespo, da Pompéia, pergunta se as suas pontes de safena podem atrapalhá-lo na campanha. E o doutor Roberto Aufieri, cardiologista do Instituto do Coração, pergunta para o senhor qual a corrida que hoje está melhor, se é a corrida à Presidência da República ou a corrida preconizada pelos cardiologistas para cuidar do seu coração.

Mário Covas: [risos] Eu não sei, eu outro dia não vi, mas ouvi, não sei se foi neste programa que esteve aqui o Adib Jatene, foi?

Jorge Escosteguy: Sim.

Mário Covas: E parece que alguém fez uma pergunta para ele, e ele teria feito uma suposição. Ele levantou uma posição hipotética: imagine alguém que tenha sido eleito senador, e que se dispõe a disputar a Presidência da República, e tenha sido safenado. Eu diria que esta pessoa faz isso em circunstâncias melhores do que outros que não tenham sofrido nenhuma intervenção.

Jorge Escosteguy: O senhor acha o que doutor Jatene de repente pode ser seu eleitor?

Mário Covas: Não, eu acho que...

[...]: A despeito do passado político dele.

Mário Covas:...dizer que a ponte de safena é [...], mas se ele quiser ser, ele me honra muito com o voto, aliás, todos aqueles que o ouviram naquele dia e que acreditam na sua opinião. Quanto ao resto, o Aufieri, que é um dos médicos do Instituto do Coração, é exatamente quem faz os [meus] checkups a cada três meses quando a gente vai lá, ele tem razão: são duas corridas que caminham paralelamente. Eu tenho que fazer as duas, e nesse instante não é fácil você fazer as duas, mas a gente tenta.

Jorge Escosteguy: Está certo, nós vamos ter que fazer agora um pequeno intervalo, e o Roda Viva volta dentro de alguns instantes, até já.

[intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que esta noite está entrevistando o senador Mário Covas, do PSDB. Senador, o historiador norte-americano Thomas Skidmore, que inclusive esteve aqui no Roda Viva, afirma que o Brasil ainda é um dos poucos países em transição na América Latina que ainda está, de certa forma, sob a tutela dos militares. O senhor, em algumas entrevistas à imprensa, tem dito que acha positiva – ressalvada, por exemplo, a intervenção desastrada no caso da Siderúrgica de Volta Redonda –, o senhor tem dito que os militares têm tido um trabalho positivo na transição democrática. Eu queria que o senhor explicasse que tipo de trabalho que o senhor considera positivo, e se o senhor, a exemplo do ex-governador Franco Montoro, que também esteve aqui e nos disse que de vez em quando costuma conversar com os generais, eu queria saber se o senhor costuma conversar com os generais. E qual seria esse caminho positivo dos militares na transição?

Mário Covas: A minha impressão é que, quando o historiador que aqui esteve fez essas considerações, ele se referiu a um traço cultural brasileiro. Nós somos o resultado de uma cultura extremamente autoritária. Engraçado que um dos jornais hoje de São Paulo publica, naquele conjunto de frases, uma série de frases ditas por pessoas diferentes, que no final dizem a mesma coisa. A primeira delas é uma frase do Gorbachev, que diz: “Se vocês imaginam que alguém vai resolver os problemas daqui, tenham consciência de que os problemas vão ser resolvidos por todos nós, ou então não vão ser resolvidos”. No caso brasileiro, eu acho que nós somos o resultado de uma cultura extremamente autoritária; ela tem tido uma influência na nossa vida e, sobretudo, na nossa vida política, que nos faz sempre ansiar e esperar pelo milagroso que vai aparecer e resolver os nossos problemas. Eu me filio à corrente daqueles que acham que isso não vai acontecer, e que as coisas não acontecem dessa forma, mas que esse traço cultural existe, e é presente em todos os momentos da nossa história política, é verdadeiro. E eu acho que é sob esse aspecto que a afirmação desse historiador vem, é que nós ainda temos uma dose de tutela de uma instituição, que é a instituição militar, que está presente na nossa vida sob vários aspectos. Eu acho que a retirada dos militares de cena, a partir de 1974, se deu de forma ordenada, não foi uma debandada, foi uma retirada em ordem, e eu acho até que eles tiveram uma extrema competência para retirarem-se do poder. Fala aqui alguém que foi cassado e, portanto, fala aqui alguém muito à vontade para dizer o que está dizendo. Fala alguém que teve um mandato que tinha sido outorgado numa cidade onde, de cada dois eleitores, um havia votado em mim, e portanto tiveram eles o seu direito de eleger alguém cassado. Falo, portanto, com uma certa autoridade a esse respeito. Eu acho que, ao longo desse processo, que no instante em que a chamada República tem sido pouco capaz de resolver os problemas nacionais, a contribuição dos militares não tem sido uma contribuição de modo a exacerbar o ambiente. Pelo contrário, acho que tem sido uma posição de uma certa discrição, e não vi, em nenhum setor da área militar, pelo menos não chegou ao meu conhecimento, eu não sou propriamente um confidente de generais, mas não chegou ao meu conhecimento, em nenhuma circunstância, qualquer grupo hegemônico dentro das Forças Armadas que, neste instante, pretendesse interromper o curso do processo do curso democrático. Nesse sentido é que eu tenho afirmado que não vejo, de parte dos militares, uma ação que venha de alguma maneira desfavorecer aquilo que me parece uma consolidação da vontade nacional, a referendação das instituições democráticas no Brasil.

Rick Turner: Parece que os militares brasileiros souberam voltar melhor aos quartéis do que os argentinos, sem dúvida. Mas gostaria que o senhor comentasse dois aspectos. O senhor estava mencionando aspectos em que os militares ainda participam da vida brasileira, e eu gostaria que o senhor comentasse então dois especificamente: o Projeto Calha Norte, que eu vejo um pouco como uma militarização do processo de colonização do Amazonas, e em segundo lugar o Programa Nuclear Paralelo [iniciado em 1979, desenvolvido pela marinha e com o apoio do Ipen/Cnen-SP, tinha o objetivo de desenvolver um submarino nuclear; o programa foi revelado a público apenas em 1987, quando o presidente Sarney anunciou o domínio do enriquecimento do urânio], que hoje em dia talvez seja mais oficial do que paralelo, e que se reveste muito da bandeira do nacionalismo tecnológico. Porém, pelo próprio entusiasmo que os militares brasileiros mostram, causa preocupação em alguns lugares, inclusive no Banco Mundial. Esses dois projetos.

Mário Covas: Olhe, não há a menor dúvida, a tradição também dos militares é uma tradição nacionalista, por quê? Porque a sua composição de natureza social, a sua composição vem de extratos da sociedade normalmente de classe média e de classe média baixa. É essa a formação estrutural, aquilo que nós chamamos segmentos das Forças Armadas brasileiras, de forma que elas têm uma formação desse tipo, e uma formação nacionalista, não tem a menor dúvida. Quanto à maior ou menor intervenção nesse instante da vida nacional, isso depende de quem está no poder, isso depende da maior ou menor capacidade de afirmação de natureza política de quem tem a responsabilidade do exercício do poder. Eu não vejo mal que as Forças Armadas, e até é preciso definir: uma das coisas pelas quais eu não briguei, e causou surpresa para alguns companheiros meus, foi um item da Constituição em que se dispunha o seguinte: que, sob pedido de um dos poderes da República, entre outras coisas, vem lá a definição das Forças Armadas, mas o que se discutia era a manutenção da ordem interna, e a idéia que estava presente é que essa colocação é uma colocação autoritária que permite sempre uma intervenção. Conjugou-se ou possibilitou-se a inclusão disso, condicionando-se essa presença à solicitação de um dos poderes da República. Supostamente, você está construindo um mecanismo institucional de natureza democrática. E eu me lembro de dizer: olhe, eu não discuto por isso; eu acho no que dia em que houver algum tipo de intervenção neste país, de qualquer tipo, que violente a democracia, ela não será feita com as pessoas lendo a Constituição. Ela será feita com as pessoas rasgando a Constituição. Portanto, a mim não me parece que, sob o comando das instituições nacionais, dos poderes nacionais, executivo, legislativo, judiciário, e só sob essa convocação, isso possa constituir qualquer tipo de problema. A vocação nacionalista das Forças Armadas existe, é inequívoco. Agora, quanto à ação mais concreta nessa ou naquela direção, e até a definição do papel das Forças Armadas, eu acho que isso cabe a essas instituições.

Rick Turner: [interrompendo] Mas então, concretamente, senador, Calha Norte e Programa Nuclear Paralelo, seu comentário.

Mário Covas: Eu não lhe posso falar sobre o Programa Nuclear Paralelo com profunda exatidão. Eu não o conheço na intimidade necessária para fazê-lo, mas certamente posso lhe dizer que se o PSDB chegar ao governo, o PSDB comanda esse processo, o PSDB limita esse processo, o PSDB dita, através da vontade da nação ou por delegação da vontade da nação, os limites até onde esse programa [...]. [Charge de Caruso: ao lado de um tucano, Covas aparece segurando uma vara de pescar envergada. O anzol pescou um quepe militar] O programa da Calha Norte é realmente um programa que tem várias implicações, implicações de natureza relativa ao meio ambiente, implicações relativas à faixa de fronteira, tem implicações relativas àquilo que se chama aspiração contra a soberania do território nacional etc. E me parece que a incidência nesse aspecto, ou a disciplina nesse aspecto, obedeça a parâmetros diferentes do que quanto ao problema do programa de energia nuclear paralelo, sobretudo porque, a partir desta Constituição, está absolutamente definido, com absoluta clareza, que energia nuclear neste país só se usa para fins pacíficos.

Melchíades Cunha Jr.: Senador, a propósito, ainda nesta questão militar, houve muitas críticas ao fato de os constituintes não terem tido coragem de reduzir o papel das Força Armadas. Nós tivemos agora o incidente em Volta Redonda, que está relacionado à questão da segurança interna, que a mim me parece que é uma questão de polícia, mesmo porque a polícia é profissional nesse tipo de atuação, de modo que as Forças Armadas mandaram recrutas despreparados, jovens de 18 anos, e deu no que deu em Volta Redonda [em 1988, ao reprimir uma greve na CSN, o exército matou três jovens metalúrgicos; o ato ainda deixou 31 feridos e foi classificado como massacre]. Nesse sentido, o que senhor acha que as Forças Armadas não deveriam deixar esse papel policial para as polícias estaduais e as polícias militares?

Mário Covas: Mas é evidente, não tem o mínimo sentido o que aconteceu lá, é indesculpável, tem que ser apurado, tem que ser punido etc. E os poderes neste país mostram que o fazem na medida em que são capazes de fazê-lo. São capazes, em cima de uma medida dessa, que eu reputo uma atitude isolada, são capazes de agir sobre isso.

Melchíades Cunha Jr.: Mas resguardadas pela Constituição.

Mário Covas: Não, como resguardada pela Constituição?

Melchíades Cunha Jr.: As Forças Armadas.

Mário Covas: Não, senhor, resguardadas pela Constituição como?

Melchíades Cunha Jr.: Esse papel de polícia que permanece ainda.

Mário Covas: Não, senhor, não permanece o papel de polícia. Eu acabei de lhe dizer que isso está condicionado à convocação de um dos poderes: do executivo, o legislativo ou do judiciário.

Luiz Gonzalez: Há a alegação de que um juiz autorizou a invasão.

Jorge Escosteguy: Ao contrário, ou seja, pela Constituição, o exército não poderia exercer aquele papel em Volta Redonda.

Mário Covas: Lógico, eu acho que não.

Jorge Escosteguy: O senhor estava falando sobre esse desempenho positivo das Forças Armadas e mencionou Volta Redonda como um caso isolado. Agora, o comando do exército, se não me engano, o próprio ministro veio oficialmente a público e disse que o exército, no incidente em si, teve razão, ou seja, houve exorbitância ou coisa parecida dos operários, dos grevistas em relação às Forças Armadas. O senhor acha que isso...?

Mário Covas: Isso não esgota o assunto; o fato de o ministro ter dito isso não esgota o assunto. Eu acho que na medida em que você [...] determina e que a convocação é feita, sob a liderança e o comando de um dos poderes da República, é evidente que as conseqüências hão de ser analisadas por esses mesmos poderes.

Jorge Escosteguy: Desculpe, senador, talvez o senhor não tenha entendido, eu me expressei mal. Eu digo o seguinte: o senhor disse que esse incidente em Volta Redonda foi um caso isolado, que não representa o comportamento das Forças Armadas...

Mário Covas: Não é um caso isolado. Perdão, eu acho que foi o resultado de uma ação isolada, de uma ação individual, foi resultado de uma vontade pessoal.

Jorge Escosteguy: Mas que posteriormente teve todo o respaldo do comando.

Mário Covas: Isso não esgota o problema.

Luiz Gonzalez: Senador, e também nem é tão isolado, porque na Central do Brasil o exército já se posicionou; em episódios semelhantes o exército também se posicionou; em refinarias; em Tubarão recentemente houve essa... [...] Parece mais uma política do que...

Mário Covas: Espere um pouquinho. Eu até acho que, sob determinadas circunstâncias, se os poderes da República, aí compreendido o legislativo... Vamos supor que amanhã se queira fazer uma invasão em cima do legislativo nacional e se queira fechar o legislativo nacional, a quem é que o legislativo...

Luiz Gonzalez: [interrompendo] Quem é que faria essa invasão?

Mário Covas: Não sei quem é que faria.

Luiz Gonzalez: Nada que a Polícia Militar não conseguisse conter?

Mário Covas: Tudo bem, mas eu não vejo... é que você, primeiro, seja obrigatório usar só essa mecânica e, segundo: pelo fato de você conter esse dispositivo constitucional, você automaticamente abriu margem a intervenções. Em hipótese nenhuma. Não acho que isso ocorra, nem foi nenhuma forma de coragem que não fez votar isso.

Luiz Gonzalez: O problema é que essas decisões são tomadas em instâncias fechadas, quer dizer, quem toma a decisão se invade ou não uma siderúrgica não é o Congresso Nacional, não é o Supremo Tribunal, mas sim um comandante de tropa.

Mário Covas: Perdão, eu estou dizendo... e é nesse sentido que eu disse a ele que a atitude me parecia uma atitude individual, nesse sentido. Agora, a rigor, se há uma solicitação, ela nasceu de um dos poderes da República.

Luiz Gonzalez: Do poder executivo.

Mário Covas: Não, não foi o do poder executivo.

Luiz Gonzalez: No caso não foi, mas...

[sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: Alex, só um minutinho, por favor. O Gonzalez está terminando, depois o Studart, que está em frente ao senador.

Luiz Gonzalez: Eu só queria levantar de novo a questão, senador: ao longo dos últimos meses, o governo tem tomado decisões semelhantes, ou seja, o poder executivo, no caso aqui, a alegação é de que houve uma ordem de um juiz para reintegração de posse de um bem público. Mas em outros casos, o poder executivo, os poderes da República têm pegado um dos seus braços operacionais, que é o Ministério do Exército...

Mário Covas: Meu filho, eu acho o seguinte: é que isso, a responsabilidade maior não está com quem fez, está com quem convocou. Afinal, você coloca a responsabilidade de convocar sobre o poder executivo, o poder legislativo e o poder judiciário. Estamos ou não estamos num processo democrático? Quem responde por isso não é sequer... é evidente que é quem fez, mas é [principalmente] quem convocou a fazer.

Luiz Gonzalez: E que também não respondeu, não é?

Mário Covas: Bem, mas eu não creio que o tema esteja esgotado; não acho é que nem isso caracteriza algum tipo de tutela específico.

Hugo Studart: Senador, eu gostaria de saber como estão suas conversas com os empresários sobre a sucessão presidencial. Eu sei que há um ano e pouco atrás, quando o senhor era líder na Constituinte, o senhor teve uma longa, demorada conversa de muitas horas com a diretoria da Fiesp, e parece que o pessoal não gostou muito das suas posições a respeito do papel da livre-iniciativa e o papel do estado na economia. O senhor foi meio titubeante...

Mário Covas: [interrompendo] Fui meio o quê?

Hugo Studart: O senhor não especificou muito bem exatamente onde o Estado deveria acabar e onde a livre-iniciativa deveria agir. Como estão as suas conversas agora?

Mário Covas: Como estão nossas conversas ou como estou com relação onde o Estado...? Porque é melhor a gente explicar onde a gente acha que começa e onde a gente acha que acaba.

Hugo Studart: O que os empresários cobram do senhor, o que os empresários cobram nas conversas com os parlamentares?

Mário Covas: Olhe, eu só cobro de mim próprio uma única coisa na vida: a coerência.

Hugo Studart: Certo.

Mário Covas: E acho que até tenho demonstrado uma certa coerência. Às vezes até com risco, mas tenho mostrado uma certa coerência de natureza política, de forma que não imaginem que a perspectiva de ser candidato vai mudar os meus pontos de vista. Eu não sou nenhum proprietário da verdade, pelo contrário, sou um homem absolutamente acessível àquilo que se ofereça como processo de avanço, de reconsideração, de revisão etc, e até de circunstância histórica do momento em que se vive, mas eu tenho reivindicado para mim uma absoluta coerência de natureza política, que em nenhuma instância de minha vida falhou, e não vai falhar agora. Eu vou continuar sendo exatamente o que eu sou. Quando você fala que eu fui dúbio em relação ao papel do Estado e o papel da sociedade, quem sabe a gente possa analisar esse problema para que ao telespectador fique claro ou não essa dubiedade. Senão nós saímos dessa premissa e passamos à resposta e parece que eu fui dúbio. De repente, o que eu disse pode não parecer uma dubiedade para os demais.

Hugo Studart: Então vamos fazer duas perguntas pontuais.

Mário Covas: Pois não.

Hugo Studart: A primeira: qual que o senhor acha que deve ser o papel do Estado na economia? E a segunda: com quais empresários o senhor anda conversando sobre a sucessão presidencial?

Jorge Escosteguy: Só para pegar uma carona, senador, o telespectador João Maurício Costa, do Jardim Paulista, já que está se falando do papel do Estado e vice-versa, ele quer saber se o senhor é a favor da estatização dos bancos.

Mário Covas: Bem, eu acho que é isso que no fundo a sua pergunta pretende colocar: como é que eu me vejo perante o problema de estatização e privatização.

Hugo Studart: Certo.

Mário Covas: É um problema da moda, não é? Hoje, a solução de todos os problemas nasce do enfoque que se dê ao problema de estatização e privatização. Outro dia eu estava numa reunião e alguém disse: olha, quando o senhor era prefeito houve até um aumento na privatização em certos setores da prefeitura. Eu falei: não fale muito, [porque] se eu pudesse eu teria estatizado o transporte coletivo. Por que eu disse isso? Porque eu acho que transporte coletivo é uma coisa em que você tem sempre que tomar uma decisão política, é ela que define a tarifa. A tarifa é um cálculo aritmético que se faz com qualquer outra coisa, mas quanto o usuário vai pagar por ela é uma decisão política e não aritmética. Eu defino muito claramente, e hoje a prefeitura tem todas as maneiras para fazer isso, depois de uma intervenção que foi feita, quanto é que custa a tarifa. Agora, decidir se o usuário paga aquilo integralmente ou se o conjunto da sociedade, inclusive os que têm automóvel, pagam parte daquilo e o usuário paga a outra parte, é uma decisão de natureza política que cabe à cidade tomar. Isso é muito mais fácil fazer se o sistema for estatizado. Se for fazer isso com a iniciativa privada, é extremamente complicado. O mínimo é você sofrer o risco de acusações tenebrosas no terreno moral. Não vejo por que, obrigatoriamente, o serviço sendo estatizado deva ser de pior qualidade ou de maior preço. Olha, para mim, a questão de estatização e privatização é uma questão que se coloca sob um ângulo: se chama eficiência. Esse é o ângulo que, para mim, eu considero básico. Isto vale para empresa estatal e para empresa privada. Eu acho que nós vamos ter uma mudança, uma reciclagem nesse processo. Eu não vejo a privatização à outrance como uma necessidade, embora eu ache que governo ter hotel é uma barbaridade, mas eu não vejo a privatização à outrance como solução, porque ninguém me convence. Depois que eu era estudante e fui lá ver a Vale do Rio Doce transportar minério de ferro, e vieram pegar composições de 150, 200 vagões e fazer a escadinha do vagão de alumínio para ganhar alguns quilos em cada vagão, e portanto uma, duas, três, quatro toneladas [a mais] no final de 150 vagões, chegar portanto ao limite da eficácia, da eficiência no transporte [...] dizer que essa empresa é ineficiente.

[...]: [interrompendo] Mas se falarmos do funcionalismo público, da máquina estatal...

Mário Covas: [...] do Estado nós falamos daqui a pouco. Vamos tratar do problema da estatização e da privatização, nós falamos do Estado daqui a pouco. O que eu quero dizer é que o fato de a empresa ser pública não a torna obrigatoriamente ineficiente. Eu digo que, no caso brasileiro, nós temos muitas empresas estatais ineficientes, mas não são todas. Temos algumas extremamente eficientes: na área de petróleo é eficiente; na área de comunicação é eficiente; na área de mineração é eficiente. Embora seja um absurdo que você tenha caminhado para a estatização em certos setores onde não tem o mínimo sentido o Estado ser empresário. Volto a insistir, fica aí como exemplo o Estado ser proprietário de hotéis, hotéis de veraneio...

[...]: De siderúrgicas.

Mário Covas: Isso tende a mudar, indiscutivelmente. Primeiro, porque pensar no Estado como investidor, tal qual no passado, como pólo, como ele foi na CSN [Companhia Siderúrgica Nacional], ou como ele foi em certas circunstâncias quando a capacidade de acumulação era extremamente difícil. Eu era estudante de engenharia, vi nascer uma empresa no instituto de engenharia, que hoje tem o nome de Cosipa. Eu vi a Cosipa nascer desde o seu leiaute, com Plínio Branco, Plínio de Queiroz, Catullo Branco etc. E, no final, quando inaugurou o primeiro alto-forno eu já era deputado; só que quando inaugurou o primeiro alto-forno, 98% do capital era do BNDES. De forma que acabou sendo empresa pública, porque naquele tempo não havia capacidade de acumulação do setor privado. Hoje você até tem muito mais no setor privado no que setor público. E o Estado perdeu essa função de pólo gerador de certos setores. Hoje você tem um Estado em processo de falência, onde a capacidade tributária bruta baixou de 26% para 22%; a capacidade de tributação líquida baixou de 14% para 10%. Você tem um Estado ineficiente do ponto de vista operacional, e você tem consequentemente um Estado que passou a ser, por causa disso, irresponsável em vários aspectos. Agora, o problema da estatização e da privatização não é solução à outrance. Eu acho que nós vamos caminhar para uma série de privatizações, porque o Estado vai perder posição relativa como gestor, e acho que vai caminhar. Quero lembrar que há um problema adicional. Se você hoje está limitado na sua capacidade de investir, e esse é um dos grandes problemas que o país tem que enfrentar, é porque ele, para retomar o seu desenvolvimento, vai ter que examinar como é o seu novo perfil de investimento. Na medida em que eu tiro dinheiro daqueles 18% da capacidade acumulada da empresa privada e faço comprar uma empresa estatal, eu não crio nenhum emprego, eu simplesmente uso parte da capacidade de acumular para transferir de mãos um investimento que já está feito. Mas isso não quer dizer que não deva ser feito, eu só acho que você deve centrar a sua política na direção de buscar eficiência, isso vale para a empresa pública e para empresa privada. E acho, por outro lado, que ao par de fazer, de reformular o Estado, de repensar o estado, de redirecionar o Estado, de buscar eficiência do Estado, não apenas o Estado gestor, mas o Estado administrativo, ao mesmo tempo que isso acontece, é preciso afastar uma série de coisas que entravam a modernização do nosso capitalismo. Gente, modernizar neste país hoje é modernizar o capitalismo que está aí, não é nenhuma revolução à vista, há um capitalismo que precisa ser modernizado.

Alex Solnik: A sua proposta global é muito parecida com a do ex-governador Brizola: modernizar o capitalismo.

Mário Covas: Eu ficaria mais contente se você dissesse que a proposta do Brizola é muito parecida com a minha, mas tudo bem [risos].

José Paulo Kupfer: Mas eu queria pegar num ponto um pouquinho mais simples. Sendo franco com o senhor, com o tempo que o senhor levar para começar a me responder, já é a resposta: o senhor, presidente, demitirá funcionários públicos federais?

Mário Covas: Se eu for presidente?

José Paulo Kupfer: Sim.

Mário Covas: Ué, eu fui prefeito e demiti, por que não vou demitir como presidente?

José Paulo Kupfer: Precisa demitir?

Mário Covas: Não há razão para não demitir. Mas também não vou... você pensa que eu quero chegar à Presidência só para demitir funcionário público? Isso não é política nenhuma. Se tiver que demitir funcionário público, demite-se funcionário público, [mas] não há uma política que você possa traçar a priori, dizendo: bom, eu vou disputar a Presidência para demitir funcionário público.

Alex Solnik: Brizola disse que quer ser o guia do povo brasileiro; Lula disse que quer ser o companheiro da classe trabalhadora; e o senhor, pretende ser o quê?

Mário Covas: Um seguidor do povo brasileiro [risos].

Jorge Escosteguy: Senador, eu tenho aqui três perguntas. Já que está se falando em Brizola, se ele é parecido com o senhor e se o senhor é parecido com ele, enfim, há três telespectadores que perguntam [...]. É bem verdade que dois o colocam perdendo e tendo que apoiar alguém no segundo turno...

Mário Covas: [interrompendo] Eu não respondo essa pergunta que você vai me fazer...

Jorge Escosteguy:...quem o senhor acha que seria melhor candidato: Lula ou Brizola?

Mário Covas:...vai ser difícil dizer quem nós vamos apoiar no segundo turno, porque nós vamos estar no segundo turno.

Jorge Escosteguy: Marcos Correia, de Ribeirão; Andréa Proença, de Santos; e o senhor Wilson Lopes, de Cerqueira César. Agora, o Wilson Lopes tem até uma variante que talvez lhe ajude a responder, porque o senhor pode responder pessoalmente: “Em termos de esquerda rumo à Presidência, o senhor tem mais medo do Lula ou do Brizola?”

Mário Covas: Não tenho medo de nenhum dos dois. Eu acho que nós vivemos em liberdade de organização partidária, gente. Neste país se vendeu durante muito tempo...

[...]: Não é medo...

Mário Covas:...para efeito de desaguar num golpe, a idéia de que este país estava à beira da comunização. Hoje nós temos eleição com um partido comunista, aliás, dois partidos comunistas, o PCB e PC do B, disputando as eleições e dando a dimensão da sustentação de natureza popular. Eu não acho que há perigo nenhum. Este país vive em liberdade de organização partidária, não é nem pluripartidarismo – vamos estabelecer bem a diferença –, pluripartidarismo nós já tivemos neste país depois de 46, hoje nós temos liberdade de organização partidária. Nós tivemos pluripartidarismo em 46, houve eleição, depois cassaram mandatos, fecharam partidos e colocaram partidos na clandestinidade. Hoje estão todos abertos e estão todos disputando eleição, depois se cassaram mandatos, e se fecharam partidos, colocaram partidos. Hoje estão todos abertos, estão todos disputando a eleição. E quem disputar a eleição e ganhar a eleição, tem o aval do povo brasileiro, portanto não representa perigo de espécie nenhuma...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] A pergunta é qual é o osso mais duro de roer, senador.

Mário Covas: ...Se pode representar, é uma opção diferente da minha, mas isso não significa perigo...

Jorge Escosteguy: Mas na sua disputa política, senador, o senhor teme mais politicamente o Lula ou o Brizola?

Mário Covas: Eu não sei, não me detive a pensar nisso ainda, não estou preocupado. Olha, eu confesso que depois da eleição eu fiz uma viagem, e logo que eu cheguei, eu desci e a primeira pergunta que me fizeram foi exatamente essa. Aliás, vários fizeram – um está presente –, fizeram a pergunta quando eu desci do avião: “O senhor aceita ser o candidato da direita e do centro contra o Lula e o Brizola?”. E a resposta que eu dei a ele eu continuo dando aqui: eu acho que este país está extremamente complicado, exige muitas soluções e muita verdade para a gente buscar essas soluções, para que a gente possa se preocupar em estar montando dispositivos contra alguém. É preciso que a gente comece, e sobretudo nós que vivemos a reclamar que não existem partidos políticos, que não há ideologia, que não diferenças entre uns e outros etc, que a gente comece a [...] em cima de propostas e comece a confrontar propostas, por mais tênues até que as diferenças sejam, mas essas diferenças, daqui para frente, vão ter efeito.

[...]: Que propostas o senhor tem para derrotar a inflação?

Melchíades Cunha Jr.: Senador, só uma perguntinha aqui, inevitável a todos os candidatos, inaugurada pelo [jornalista] Boris Casoy ao seu colega Fernando Henrique Cardoso.

Mário Covas: Se eu acredito em Deus? É isso? [risos]

Melchíades Cunha Jr.: Não precisa responder, [mas] é tão inevitável, que é feita a todos os candidatos que passam pelo Roda Viva.

Mário Covas: Pois é, mas quando você coloca a pergunta assim, fica até parecendo que a resposta da gente é uma resposta obrigatória. Este aparelho [aponta para a câmera do programa] não permite mais que se faça isso, e é isso que vai diferenciar as próximas eleições. Porque quando as propostas forem apresentadas aqui, as pessoas estarão olhando nos olhos da gente, e cada um estará dizendo se o que você está dizendo, você acredita ou não acredita nisso. Você fez a pergunta, antecipou a resposta, não é? De forma que não havia nem necessidade de respondê-la. Mas daqui para frente...

Melchíades Cunha Jr.: [interrompendo] Eu não antecipei a resposta, não [risos].

Jorge Escosteguy: A inquietação também é do telespectador Sebastião de Souza.

Mário Covas: Como não antecipou a resposta? Disse que todos que passam por aqui respondem automaticamente que sim [...]. Por serem candidatos, passam a responder que sim. Eu acredito [em Deus], mas seguramente não é por ser candidato. Diga-se de passagem, eu já acreditava antes de ser candidato.

Jorge Escosteguy: Então, o senhor é candidato, aliás?

Mário Covas: Eu sou sim.

Jorge Escosteguy: É que o senhor disse que iria decidir a partir de...

Mário Covas: Ah não, juridicamente eu serei a partir de lá.

Jorge Escosteguy: Então o senhor já se considera...

Mário Covas: De fato, eu serei a partir da convenção. Agora, hoje, eu sou um disputante [...]. É legítimo, não é?

Rodolfo Konder: Senador, o senhor falou na ética do PT. Sem dúvida, essa eleição foi muito marcada por essa preocupação do eleitorado em resgatar a ética.

Mário Covas: É verdade.

Rodolfo Konder: É uma preocupação que, aliás, eu acho que vai marcar muito a política brasileira daqui para frente. Eu lhe perguntaria o seguinte: quais são os limites éticos do PSDB? Por exemplo, no plano dos entendimentos com outros partidos, no plano das composições, o PSDB tem limites éticos claramente definidos?

Mário Covas: Os limites éticos do PSDB estarão rigorosamente contidos dentro da sua proposta. Por isso que para nós a proposta passa a ser fundamental; é por isso que para nós qualquer conversa nasce daquilo que nós escrevemos como proposta. Nós pretendemos fazer uma campanha colocando aquilo que nos parece a nossa verdade, e dizendo: o senhor quer nos acompanhar nesse desafio? Porque a minha convicção pessoal é que quem for eleito presidente da República neste país não vai precisar apenas ter sido eleito, ele vai precisar de um cacife de natureza popular, mas de um cacife de natureza popular do conhecimento prévio da proposta. Porque senão, esse cacife se esgota em seis meses de impopularidade. Agora, onde estão os limites éticos? Os limites éticos estão naquelas virtudes simples, simples, que o povo pratica: é a verdade, mas nenhuma concessão à verdade. Ora, quem disser que o paraíso está próximo vai estar mentindo nesta eleição, e não dá mais para se mentir para esse povo para se vender ilusões neste país. É legítimo que cada um que está no quadro queira acordar a esperança; é legítimo que cada um de nós procure sonhar junto: quem não é capaz de sonhar não é capaz de construir. Mas não dá mais para vender ilusões. As verdades podem ser diferenciadas, e aquilo que possa parecer a minha verdade pode não ser até aquela que sintonize com o povo. Mas o povo não vai apostar na proposta que lhe ofereça mais, ele vai apostar na proposta que lhe pareça a possível de ser executada. A proposta em que ele olhe no olho do interlocutor e ache que o interlocutor está falando algo no que ele acredita ser possível.

Jorge Escosteguy: Senador, nós temos uma pergunta feita ao senhor pelo prefeito recém-empossado de Porto Alegre, Olívio Dutra.

[VT com Olívio Dutra]: Eu perguntaria para ele se a candidatura do companheiro Luiz Inácio Lula da Silva é uma candidatura que mereça uma articulação de centro-direita para barrar a sua possível vitória.

Mário Covas: Essa pergunta está mal endereçada; se merece ou não merece, não sei.

[sobreposição de vozes]

Mário Covas: A pergunta tem implicações de natureza pessoal, é evidente que foi dirigida a mim. O que ele quis dizer foi o seguinte: você acha que você pode ser um intérprete de uma articulação de direita contra a candidatura do Lula? Eu estou dizendo que está mal dirigida a pergunta. Não apenas porque eu já respondi durante o programa, mas está mal dirigida, seja feita contra o Lula, seja feita contra quem quer que seja. Não é porque não se pode direcioná-la apenas contra o Lula. Neste país é um problema: vocês já repararam que ninguém se assume como direita neste país? É como se fosse uma coisa que... ninguém quer ser direita. Está cheio de direita por aí, mas ninguém quer se dizer de direita. E não teria nenhum mal. Nós não estamos vivendo numa democracia, meu Deus? Outro dia eu vi um grupo de estudantes latino-americanos, passando por aí [e diziam]: nós somos de direita. Qual é o problema? Nós estamos numa democracia, tem um espaço para a direita ocupar. Neste país ninguém quer se dizer assim, mas se alguém se apresentar como direita, também não acho sentido de que neste instante se busque uma articulação apenas para ser contra. Acho que é muito pouco isso para um país que está tremendamente necessitado dos “a favor”.

Rick Turner: Queria que o senhor comentasse: no tempo em que esteve no PMDB, o seu partido naquela época defendia o voto útil contra Jânio, tese, aliás, que não venceu. E agora, o pessoal que estava fazendo boca-de-urna pelo PSDB me falava – eu acompanhava minha mulher, que é brasileira, para votar – que, tudo bem, vote no PSDB para vereador e vamos votar na Erundina para derrotar o Maluf. Quer dizer, houve um voto contra, claramente.

Mário Covas: Nós resolvemos isso através do segundo turno. [Charge de Caruso: Covas, de pé e com uma cartola na mão esquerda, diz: “Deixai vir a mim a direita!”]

Rick Turner: Concordo com o senhor, mas o senhor há de dizer que...

Mário Covas: Foi porque um lance feito na Constituição... não há nenhuma necessidade de haver uma articulação contra, porque você tem dois turnos, de forma que cada um se apresente ao povo, o povo vai dimensionar o peso específico de cada proposta, aí sim as alianças passam a ter sentido, porque aí as alianças passam a ser feitas dimensionadas pelo que o povo conferiu a cada proposta, aí elas passam a ter sentido. Me perdoe, não é verdade que eu tenho defendido o voto útil. Não defendi na eleição do Senado; você não pega um discurso, uma entrevista minha em que eu tenha defendido o voto útil. Como agora defendi a manutenção da candidatura do Serra [a prefeito de São Paulo em 1988] até o final, pela mesma razão que não me fez defender o voto útil naquele instante. Eu acho que se nós tivéssemos tido ou não tivéssemos tido o que aconteceu na Constituinte... aliás, no meu modo de entender, irregularmente, contra o regimento interno, a possibilidade de o plenário ter decidido depois de ter feito o regimento interno, ter decidido votar uma disposição transitória em que se dizia: “Aquilo que é bom sempre não é bom este ano, isto é, a eleição em dois turnos nos municípios que têm de 200 mil eleitores não vale para este turno”. Nós teríamos nesta eleição dois turnos. Eu não sei como seria o comportamento de natureza eleitoral, mas certamente certas migrações de natureza eleitoral... porque o povo acabou fazendo isso, ele acabou fazendo dois turnos em um turno, mas a solução para que você tenha alianças de natureza ideológica são exatamente os dois turnos, é esse o mecanismo natural.

Melchíades Cunha Jr.: Senador, o voto útil é absolutamente necessário, não tem como fugir do voto útil, nem no segundo nem no primeiro turno. O senhor concorda? No segundo turno, inclusive, ele é ainda mais útil.

Mário Covas: Lógico, só que no segundo turno você faz isso sob outro ângulo; você faz isso depois de a opinião pública ter tido o que é a dimensão de cada proposta. Portanto, você faz os arranjos políticos às claras, transparentemente. As alianças têm o peso que o povo lhes deu, porque se eu tenho 30%, vou ao segundo turno, e alguém tem 10%, eu sou obrigado a fazer concessões em relação a minha proposta dimensionado pela própria vontade popular. Mas isso tem sentido, isso é democrático, afinal, os dois turnos não são outra coisa senão você extrair do parlamentarismo um dos seus aspectos mais positivos e transformar para o presidencialismo. Como é o parlamentarismo? O parlamentarismo é o regime da maioria. Quando a maioria se desfaz, cai o governo e se forma uma outra maioria.

Melchíades Cunha Jr.: E, a propósito, senador, o senhor e o seu partido, o PSDB, são defensores do parlamentarismo, está no programa partidário.

Mário Covas: Sim, senhor.

Melchíades Cunha Jr.: O senhor, eleito presidente da República, o senhor então caminhará para levar o país para o parlamentarismo?

Mário Covas: Sim, senhor... não é que caminhará para levar o país para o parlamentarismo. Primeiro de tudo, nós temos na Constituição, fixado para 1993, um plebiscito para isso. O que o PSDB pode fazer é tentar, junto ao próprio Congresso, que pode modificar a Constituição, no sentido de antecipar esse plebiscito. Nós o faremos.

Jorge Escosteguy: O senhor convocaria um plebiscito, senador?

Alex Solnik: Senador, eu queria saber o seguinte: vai ser fundamental, qualquer que seja o próximo presidente, um homem de economia desse governo, o homem das finanças, o homem do planejamento ou da Fazenda. Eu queria saber se o senhor convidaria o José Serra para ser o seu homem da economia se o senhor for eleito presidente?

Mário Covas: Meu Deus, aí é pensar um pouco adiante nas coisas, um pouco longe. Mas sem dúvida nenhuma que José Serra teria todas as credenciais para isso.

[...]: [...] qual seria o outro [...]?

Mário Covas: Não sei, mas que tem credenciais para isso, tem todas as credenciais para isso. Foi o secretário de Planejamento do governo de São Paulo e, indiscutivelmente, teve uma passagem meritória pelo cargo, e é até, eu diria, um homem com certo know-how de pegar governos falidos.

Alex Solnik: O senhor se identifica com o pensamento econômico do Serra?

Mário Covas: Se eu me identifico com o pensamento econômico do Serra? No PSDB, ao final, você terá um pensamento econômico comum, que é a resultante de uma discussão, de um debate de natureza democrática. Eu não digo que, se for candidato, se for o candidato escolhido pelo meu partido, que defenderei exatamente aquilo que é o meu posicionamento hoje, e não aquilo que, coerentemente, democraticamente, o meu partido decidiu como conjunto. Porque se eu não sou capaz de viver num partido, onde as decisões sendo democráticas tenham que ser obedecidas por todos, então não sou capaz de viver em democracia. Estou falando que o resultado do meu partido é o resultado que democraticamente se aferirá, e portanto, a partir desse instante, você começa a discutir a varejo e não a atacado.

Jorge Escosteguy: Senador, por favor.

Mário Covas: [...] acontece muito comigo. Durante a Constituinte eu sempre fui atacado, eu sempre fui atacado no atacado, agora eu sou obrigado a me defender no varejo, é muito complicado isso.

Jorge Escosteguy: Senador, nós temos mais uma pergunta gravada, desta vez com o governador da Bahia, Waldir Pires.

[VT com Waldir Pires]: De que forma você imagina que o povo brasileiro vai, afinal, manifestar-se neste ano tão importante que vai começar dentro de poucos dias, ou já está começando, de 1989? De que forma nós poderemos construir uma sociedade com menos sofrimento para o nosso povo, mantendo os níveis de crescimento da economia e, ao mesmo tempo, acabando com essa loucura dos aumentos de preços nessa vertigem brutal da inflação que está aí?

Mário Covas: Eu acho que o povo vai continuar se manifestando, como se manifestou antes. Eu acho que o povo vai continuar procurando candidaturas progressistas, que possam exprimir a sua aspiração de mudança. Eu acho que ele fez isso em 86; acho que fez isso em 88; e acho que ele fará isso em 89. Em 89, todavia, há dois fatores novos. Primeiro: depois de 30 anos, nós teremos o povo elegendo o presidente da República; segundo: teremos uma eleição em dois turnos, e portanto, na minha convicção pessoal, o povo operará não somente na linha de continuar reivindicando mudanças e, portanto, buscando candidaturas que se situem na área progressista, que tenham antevisão do futuro, que possam olhar, que estejam abertos para a modernidade.

Rick Turner: O senhor fala na modernização da economia, numa modernização do capitalismo brasileiro, mas seguramente um dos entraves principais para essa modernização não teria sido a Lei de Informática [Lei 7232, cujo objetivo era a regulamentação do setor de informática no país, teve como um de seus pilares a garantia da reserva de mercado para empresas de capital nacional]?

Mário Covas: Olha, não sei se a Lei de Informática foi um dos entraves principais. Ela é muito recente para ser um dos entraves principais. Muito pior do que isso são os cartórios; muito pior do que isso é o corporativismo que atua; muito pior do que isso é o estado que está obsoleto na sua... Eu acho que, em certos setores, algum tipo de controle tem que haver. Eu não descarto totalmente a possibilidade de algum tipo de controle. Acho que, inclusive, há aí um enorme espaço para o novo Estado brasileiro. Eu acho que o novo Estado brasileiro deve ter duas vertentes de atuação fundamentais. A primeira delas é voltada para isso, é voltada para o investimento na indústria da inteligência. Esta década para nós foi duplamente negativa, porque a nossa distância relativa com os países que estão mais à frente aumentou mais do que proporcionalmente, aumentou pelas nossas dificuldades, num período razoável – nós vivemos este ano, no mundo inteiro, um período bastante razoável, mesmo no Brasil. E, concomitantemente, um instante em que a distância se potencializa pelo progresso de natureza tecnológica, ao qual eu acho que, ao Estado, vai caber um aspecto fundamental, ou vai caber uma vertente de atuação fundamental, para investir na indústria da inteligência. Eu vi com muito pesar, agora nesta viagem, eu encontrei de repente, em Toronto, um rapaz da minha cidade, engenheiro nuclear: “O que você está fazendo aqui?”. [Ele respondeu] “Eu trabalhava na USP, resolvi vir para cá etc”. Um engenheiro nuclear custa à sociedade brasileira algo que, dividido por todos os trabalhadores, não dá uma quantia estatisticamente relevante, é o delta qualquer que, distribuído por todos os brasileiros, tem um peso para cada um. Quer dizer, acho que nós vamos ter que fazer uma revolução educacional e, simultaneamente, acho que o Estado tem que caminhar para ser um grande canal na área da indústria da inteligência. Segundo: se nós queremos modificar esse perfil de renda, que é indiscutivelmente o mais iníquo do mundo – não há nação com perfil de renda mais iníquo do que o brasileiro –, nós precisamos de duas coisas: nós precisamos retomar o crescimento, portanto precisamos redefinir o nosso desenvolvimento, portanto precisamos redefinir o papel do Estado, e, segunda coisa: nós precisamos crescer a valores que, afinal, nos reponham nas condições que nós tivemos no passado. E, simultaneamente, nós precisamos diminuir relativamente a nossa distância em nível do avanço tecnológico, porque ela se sobrepõe a todas as dificuldades brasileiras, fazendo com que a distância relativa para os países como o Brasil aumente em relação aos países mais desenvolvidos.

Jorge Escosteguy: Senador, nós agradecemos a sua presença no Roda Viva esta noite.

Mário Covas: Acabou?

Jorge Escosteguy: Nosso tempo, infelizmente, está esgotado. Agradecemos também à presença dos nossos convidados e aos telespectadores, e principalmente àqueles que telefonaram à TV Cultura. Infelizmente não pudemos transmitir todas as perguntas ao senador, mas elas serão entregues para que ele ao menos tenha uma noção da preocupação dos seus eventuais, possíveis ou não, eleitores. O Roda Viva fica por aqui e volta na próxima segunda-feira às nove e meia da noite. Até lá.
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