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Memória Roda Viva

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Marcos Giannetti da Fonseca.

16/4/1990

Confisco da poupança e de aplicações financeiras, congelamento de salários, recessão, aumento de impostos e tarifas são algumas das conseqüências do Plano Collor discutidas neste programa

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[Programa ao vivo, permitindo a participação de telespectadores]

Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. O convidado do Roda Viva desta noite é o economista e o atual secretário nacional do Planejamento, Marcos Giannetti da Fonseca. Para entrevistá-lo, convidamos os seguintes jornalistas: Carlos Alberto Sardenberg, editor do Informe Econômico do Jornal do Brasil; Marco Antônio Rocha, comentarista econômico da TV Record; Frederico Vasconcelos, editor do Painel Econômico do jornal Folha de S.Paulo; Tão Gomes Pinto, editor da revista Executive News; Aluízio Falcão, editor de finanças da revista Exame; Fábio Pahim, repórter especial do Jornal da Tarde; Rick Turner, jornalista da revista The Economist, correspondente do The Economist no Brasil. Para registrar os melhores momentos do programa, também está conosco o cartunista Paulo Caruso. Na platéia assistem ao programa convidados da produção. O secretário do Planejamento do Ministério da Fazenda, Marcos Giannetti da Fonseca, 41 anos, está pela segunda vez exercendo um cargo na administração pública. Entre 1983 e 1987, ele participou do governo Franco Montoro, em São Paulo, como secretário da Fazenda e presidente da Caixa Econômica Estadual. Agora, na administração federal, Fonseca é um dos responsáveis pelo Plano Collor. Sob sua responsabilidade está o fim do déficit público, até o final do ano. Mas o governo que conseguiu preservar a essência do Plano no Congresso está sofrendo críticas justamente aí, ou seja, o remédio amargo que foi ministrado em grandes doses à sociedade não está sendo imposto em igualdade de condições ao setor público, o governo ainda teria muito que cortar em suas próprias gorduras. Boa noite, secretário.

Marcos Giannetti da Fonseca:
Boa noite.

Jorge Escosteguy: Qual é o seu ponto de vista a respeito dessas críticas de que, no fundo, o governo não está fazendo o sacrifício que também deveria fazer e que impôs à sociedade em função do plano econômico?

Marcos Giannetti da Fonseca: Veja, eu acho que essas críticas são, de certa maneira, precipitadas e infundadas. Há uma enorme reforma administrativa do presidente Collor, essa reforma administrativa deve representar reduções bastante sensíveis no custo do setor público. E, além da reforma administrativa, uma série de medidas tem sido tomadas no sentido de conter o déficit público, não só do ponto de vista de aumentar a receita, mas também do ponto de vista de cortar a despesa. E uma parte dessa despesa, inclusive, é despesa de juros, que vai ser significativamente reduzida. O setor público está cortando na carne, acho que nunca houve cortes tão profundos no setor público; em nível de reorganização, [está havendo] o aumento da eficiência da máquina do setor público; as dispensas previstas ainda não foram realizadas, na medida em que se está tomando um pouco de pulso e vendo exatamente quais são os funcionários necessários e aqueles que eventualmente serão colocados em disponibilidade ou até mesmo dispensados. Além disso, foram extintas, dentre fundações, autarquias, empresas públicas, mais de 24, foram 24 organismos da administração pública federal que foram extintos pelo governo Collor. Eu entendo que, nesse conjunto de medidas, há uma participação muito significativa do esforço do setor público, no sentido de conter as suas despesas e, portanto, promover, não só um orçamento equilibrado, mas a meta para este ano é de um superávit de 2%. E eu acho que aí há uma contribuição, tanto da iniciativa privada, em função dos impostos que foram criados, quanto do setor público, que realizou os cortes mais profundos que já foram feitos na história deste país. O que costuma ser dito, e o que é dito, é que por três vezes, nos planos anteriores, o país sofreu uma anestesia, mas não foi feita a operação. E, desta vez, pela primeira vez, nós estamos fazendo realmente a operação necessária, e alguns dizem que "sem anestesia". Mas eu acho que a operação é realmente necessária, independente da anestesia, ela tem que ser feita para que se possa ter essa eliminação da inflação, como um resultado duradouro do Plano.

Jorge Escosteguy: Nenhum dos outros planos também conseguiu a famosa demissão de funcionários públicos supérfluos. O senhor disse que, por enquanto, ainda estão tomando pé da situação e ainda não houve demissões...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Como qualquer empresário que assume uma empresa, antes de promover a racionalização, ele tem que fazer um levantamento da situação real da empresa, e muitos casos já foram definidos. E aqueles empregados das empresas extintas que não têm estabilidade serão efetivamente demitidos, isso é uma definição final do presidente, do governo, e acho que a sociedade espera isso deste governo. É um Brasil novo, e nós estamos iniciando uma longa caminhada, no sentido de um país completamente diferente daquele que nós tínhamos antes disso.

Jorge Escosteguy: Agora, no setor de corte dessas coisas supérfluas do governo, o que mais tem aparecido são os leilões de automóveis e as mansões de ministros etc. Isso não teria mais um efeito de marketing do que propriamente de cortar mesmo, pois no fundo não é um gasto tão grande quanto são outras despesas?

Marcos Giannetti da Fonseca: Mas é como você disse, isso é aquilo que tem atraído atenção e tem dado muita imprensa e muito jornalismo a respeito. Por outro lado, há uma série de cortes sendo realizados, do ponto de vista econômico, muito mais significativos, e que não estão sendo tão publicados ou não estão recebendo tanta atenção quanto essas questões que, ainda que não sejam importantes do ponto de vista econômico, elas são muito importantes do ponto de vista até de dar o exemplo.

Aluísio Falcão: [interrompendo] Secretário, na conta que o presidente Collor apresentou à sociedade dizia-se que haveria uma conta a pagar de 12% do PIB [Produto Interno Bruto] nesse Plano todo. E pelo que se mostrou nesse Plano, apenas 0,5% seria obtido, através de cortes efetivos nesse primeiro momento, pelo menos. O senhor não acha que essa conta é muito desfavorável ao contribuinte, à sociedade e aos empresários, mas favorável ao governo?

Marcos Giannetti da Fonseca:
Essa questão do 0,5% vem diretamente da reforma administrativa. Há uma série de outras medidas, que são medidas em alguns casos de justiça fiscal, é o problema do fim do anonimato fiscal, que eu não acho que seja uma conta que esteja sendo jogada à iniciativa privada e muito menos àquela iniciativa privada responsável que pagava regularmente os seus impostos. Esse é um elemento importante de aumento de receita e que não vem de aumento de impostos. Há o problema do próprio juro e o efeito da inflação sobre a receita do governo. Se nós examinarmos o chamado efeito Tanzi, [conhecido como efeito Oliveira-Tanzi, em homenagem aos dois economistas pioneiros no estudo desse fenômeno, é a relação entre arrecadação tributária e as taxas de inflação. Ou seja, é o fenômeno de perda real da receita pública em razão da defasagem proveniente das datas de ocorrência das transações financeiras realizadas pelo poder público e do efetivo recolhimento dos tributos, em épocas de acelerada inflação] que é o efeito da inflação erodindo e esvaziando a receita do setor público, era algo que era apropriado, quer dizer, à receita do setor público, e apropriado  aos segmentos do mercado financeiro. E que também, na medida em que se elimina a inflação, se tem esse ganho, no nível do setor público, e que não é um custo adicional para iniciativa privada e para aquele que recolhe os seus impostos. Há a própria redução dos juros. As taxas de inflação que prevaleciam, acabavam obrigando que o governo, por conta até da incerteza sobre o nível inflacionário, mantivesse taxas de juros reais muito elevadas, porque qualquer pequeno desvio na taxa de inflação podia fazer com que essas taxas de juros, ainda que elevadas, pudessem se tornar negativas, e é uma sensível redução da despesa de juros pelo setor público.

Carlos Alberto Sardenberg: Essa é a economia principal?

Marcos Giannetti da Fonseca: Essas economias, no nível da eliminação do anonimato fiscal, no sentido da redução de conta de juros, da eliminação do efeito da inflação sobre a receita do setor público são elementos importantíssimos no contexto da alteração que se está fazendo. Mas apenas a título de correção, o ajuste fiscal proposto para este ano não é de 12, é de 10%. A proposta do governo Collor é de passar de uma situação de um déficit equivalente a 8% do PIB, no conceito operacional, para um superávit de 2% do PIB e, portanto, um ajuste global de 10% do PIB.

Aluísio Falcão:
Mesmo assim, o senhor não acha que a administração, já que uma das bandeiras da campanha do presidente Fernando Collor foi justamente a privatização e também a diminuição do tamanho do Estado? Não seria mais coerente, que justamente a conta do Estado, através das privatizações, de cortes de funcionários, fosse maior?

Marcos Giannetti da Fonseca: Mas veja, o 0,5% que você mencionou diz respeito exclusivamente à reforma administrativa. A expectativa em relação à privatização é uma expectativa de 2,2% do PIB, que seria a receita a ser realizada no processo de privatização. E se nós somarmos a privatização de 2,2% do PIB mais o 0,5% da reforma administrativa, só aí, nós temos 2,7% do PIB, vindo realmente do setor público, cortando aquilo que não é papel ou desperdício, ou então atuação do setor público fora daquilo que seriam as suas atividades normais.

Fábio Pahim: As notícias que vêm de Brasília são de que até os secretários estão à míngua. Você foi secretário da Fazenda, presidente da Caixa Econômica do Estado de São Paulo. Você se sente à míngua como secretário do Planejamento – sem funcionários, sem carro especial, sem carro do setor público, sem casa, sem jornais – ou isso é tudo é uma fantasia? Ouvi dizer que mil pessoas saíram do Ministério da Economia, isso procede ou...

Marcos Giannetti da Fonseca:
[interrompendo] Está havendo um enxugamento muito significativo de toda a máquina estatal. E um enxugamento que vem principalmente de um processo de racionalidade. A idéia da extinção dos ministérios e a fusão de várias atividades de um mesmo ministério fazem com que aqueles recursos, que nós chamamos atividades-meio, possam ser racionalizados. Então, vamos pegar o caso do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. Ele resulta da fusão de três ministérios: a antiga Secretaria do Planejamento, do Ministério da Fazenda e de uma parte bastante substancial do Ministério da Indústria e Comércio. Foram criadas três secretarias, mas ao invés de cada secretaria dessas ter, como tinham os antigos ministérios, todas as atividades-meio – serviços gerais, pessoal, manutenção, etc – debaixo de cada secretaria, tudo isso foi fundido num órgão único, sob o Ministério Economia, Fazenda e Planejamento, que vai prestar serviço às três secretarias. Eu acho que aí têm várias vantagens. A primeira delas é que há um enxugamento muito significativo de toda a máquina do setor público. Em segundo lugar, é também possível que os secretários se voltem muito mais para as atividades-fins e deixem de se preocupar com as atividades-meio. Quer dizer, a Secretaria do Planejamento vai olhar a questão orçamentária, vai olhar a questão do plano plurianual e não vai ficar preocupada com problemas de manutenção do prédio, com o departamento de pessoal, e assim por diante, que foi tudo centralizado, prestando serviço às três secretarias do Ministério da Economia. Agora, realmente, Pahim, é uma situação difícil. A falta do automóvel, em muitos casos, prejudica um pouco, mas eu acho que é importante no sentido de mostrar. E aí não é só o aspecto jornalístico, é um aspecto didático, porque isso permeia toda a máquina do setor público e mostra realmente que o espírito é de aumentar a eficiência, de economizar, é de fazer do Brasil um país completamente diferente daquele que era o país antes de 15 de março.

Carlos Alberto Sardenberg: Quer dizer que você próprio está sem carro?

Marcos Giannetti da Fonseca: Estou sem carro.

Fábio Pahim: Anda de kombi?

Marcos Giannetti da Fonseca: Não, eu ando com carro particular, aliás, por enquanto emprestado de um amigo, porque eu ainda não tive nem oportunidade de levar o carro para Brasília.

Jorge Escosteguy: Secretário, por favor, o Frederico Vasconcelos tem uma pergunta para o senhor, depois o Marco Antônio Rocha. Antes eu queria lembrar aos telespectadores que se quiserem fazer perguntas por telefone, podem discar 252-6525. Nós estamos entrevistando hoje no Roda Viva, o secretário nacional do Planejamento, Marcos Giannetti da Fonseca, o homem encarregado de conseguir aquele milagre de enxugar a máquina estatal e acabar com o déficit público. Frederico, por favor.

Frederico Vasconcelos: Eu perguntaria o seguinte: se além dessa questão do enxugamento da máquina e todas as dificuldades que esse enxugamento acarreta, não há também um enxugamento do maquinista. Ou seja, o governo conseguiu convencer a opinião pública, as pesquisas estão dizendo que o Plano foi bem recebido, superou essa etapa da negociação no Congresso, mas o grande desafio mesmo é a gestão desse processo de enxugamento e a gestão do próprio Plano. E a impressão que se tem é que realmente a equipe é pequena para fazer frente a esse desafio. Eu lhe pergunto o seguinte: senhor enfrentou em São Paulo, por exemplo, uma mudança de governo, no caso, do estadual; enfrentou, de certa forma, uma resistência da máquina, tudo em níveis bem menores. Como é que está sendo hoje o dia-a-dia como gestor desse processo, enfrentando uma máquina viciada, uma máquina...?

Marcos Giannetti da Fonseca:
[interrompendo] Quando me colocam como responsável por fazer com que o orçamento venha a ser um orçamento superavitário, isso não é tarefa de uma pessoa, mas de um governo e de uma sociedade. Eu, e ninguém, pode assumir sozinho uma responsabilidade como essa. Há uma determinação definitiva do presidente, mas essa determinação definitiva precisa também ter um respaldo na sociedade. E é esse respaldo na sociedade que levou, por exemplo, a que o Congresso, pela primeira vez, aceitasse a extinção de empresas públicas, aceitasse a extinção de fundações, aceitasse a idéia de que o setor público tem que ser reduzido no seu tamanho. Aí eu acho que há uma responsabilidade coletiva em relação a isso. E, na medida em que haja essa responsabilidade coletiva, ela não é uma responsabilidade de uma pessoa ou de um ministério, mas é uma responsabilidade de um governo e da sociedade. O número de pessoas diretamente envolvidas com o processo é muito menos relevante do que se fosse só uma idéia do governo. Agora eu acho importante ressaltar que é o apoio da sociedade a esse programa, de tal ordem que levou a uma inversão de posições no Congresso. E nós já vimos várias vezes esse mesmo Congresso, que está aí, rejeitar a extinção de órgãos públicos.

Frederico Vasconcelos: O senhor está, por exemplo, há um mês já do plano, com um mês de novo governo, e é sabido que vários órgãos do governo não estão ainda com pessoal técnico nomeado, indicado e escolhido. Então, a idéia mesmo, que existe, é de uma equipe pequena; o senhor mesmo, por exemplo, foi escolhido na véspera da posse da ministra. É isso que eu queria saber. Esse quadro é amplo?

[Sobreposição de vozes]

[...]: Deixe eu só pegar uma caroninha aqui...

Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Secretário, esse equipe que o senhor nomeou é uma equipe pequena. Fazer um plano desse já é uma coisa difícil, mesmo tendo o domínio da máquina. O plano foi feito no dia da posse, quando as pessoas sequer sabiam onde eram os seus gabinetes de trabalho; junto com o plano foi aplicada uma reforma administrativa, e uma reforma administrativa, digamos, meio agressiva. É como se o novo governo tivesse entrado chutando cadeira, brigando, derrubando barraquinha e tal. Enfim, todo mundo sente que há um problema com a máquina que está lá, que se sente hostilizada, que se sente vítima de acusações etc. Como é que o governo está funcionando?

Marcos Giannetti da Fonseca: A posição do presidente, de que é preciso ter menos Estado e mais governo, está refletida no tamanho da equipe. A equipe é pequena, e eu acho que a idéia é que ela continue relativamente pequena. Há ainda posições importantes a serem preenchidas e acho que agora serão preenchidas normalmente...

Frederico Vasconcelos:
[interrompendo] Negociação política aí na Câmara?

Marcos Giannetti da Fonseca: Não, não, certamente que não há nenhuma negociação política. Agora, realmente, houve muita incerteza até a aprovação final do Plano Brasil Novo  [Plano Collor] por parte do Congresso. E o presidente houve por bem esperar um pouco e ver exatamente qual era a configuração da coisa para terminar a montagem da equipe. De forma alguma há qualquer tipo de negociação política que tenha sido envolvida nisso.

Marco Antônio Rocha: Nós, como jornalistas, temos acompanhado durante vários anos, diversos governos, e estamos habituados, assim como a sociedade brasileira em geral, a ver as autoridades dos diversos governos falarem muito das intenções...

Jorge Escosteguy:
[interrompendo] Só um minutinho, por favor, desculpe, Marco Antônio, houve um problema com o seu microfone, nós já vamos consertá-lo, enquanto isso o Tão faz a pergunta, eu volto a você em seguida, desculpe.

Tão Gomes Pinto: Secretário, ainda nessa linha de como está funcionando a máquina, eu queria que o senhor esclarecesse, no momento, o que funciona no governo, além do pessoal que está envolvido na administração do plano econômico. Algum outro ministério já começou a dar sinais de vida, a ter proposta, a ter planejamento?

Marcos Giannetti da Fonseca:
Acho que houve uma precedência, vamos chamar assim, do plano econômico no conjunto das atividades do governo Collor. Foi uma equipe que se reuniu muito antes, até mesmo da eleição do presidente Collor, já vinha trabalhando e estudando, e a prioridade número um do governo – até porque ela era fundamental até para que as outras prioridades pudessem ser colocadas – era a eliminação da inflação. Essa foi a prioridade número um, eleita pelo presidente Collor, e essa tarefa de eliminação da inflação por enquanto está resolvida. Ainda é cedo para nós falarmos de uma vitória definitiva do programa como um todo, porque há ainda riscos evidentes a serem enfrentados, mas eu acho que o primeiro compromisso de campanha do presidente Collor já foi cumprido em trinta dias. E um compromisso extremamente difícil, que é erradicar de forma drástica a inflação da economia brasileira. É claro que agora tem todo um processo de administração disso, porque o programa econômico não pode ser só a eliminação da inflação. Porque se for a eliminação da inflação a qualquer custo, qualquer um pode fazer, não precisa de um plano bem concebido, nem de uma gestão bem feita. Qualquer economista, por mais medíocre que seja, sabe que é possível erradicar a inflação, se não houver limitações de custo nesse processo. Eu acho que a segunda etapa do programa, etapa que se iniciou pela aprovação das medidas pelo Congresso, é a etapa de fazer com que os custos da eliminação da inflação sejam os menores possíveis. Ou seja, que nós tenhamos uma recessão, uma redução de demanda na economia, a menor possível, do ponto de vista tanto da sua extensão, quanto da sua duração, essa é a segunda etapa do programa. E eu diria que, depois dessa segunda etapa, existe uma terceira que é realmente a de relançamento de desenvolvimento na economia brasileira. Uma vez passado o risco de uma recessão muito profunda ou muito longa, fica então o compromisso e a terceira etapa do plano que é o relançamento do processo de desenvolvimento. Para isso, nós vamos ter, e começa a ser elaborado, um programa plurianual de investimentos, aliás, uma determinação constitucional, que vai colocar as diretrizes dos investimentos do setor público, sinalizando para a iniciativa privada prioridades do setor público, além de todo o processo de liberalização, modernização e internacionalização da economia brasileira se inserindo no cenário econômico internacional. Esses são os caminhos, vamos chamar de médio e longo prazo da economia brasileira. Eu acho que o programa realmente vai indo bem, mas evidentemente não é uma obra acabada, como nenhuma obra econômica nunca será uma obra acabada, sempre haverá coisas a serem feitas.

Tão Gomes Pinto: O senhor fala em etapas?

Marcos Giannetti da Fonseca: Exatamente.

Tão Gomes Pinto: A retomada do desenvolvimento seria a terceira etapa. Qual é o prazo dessas etapas, secretário?

Marcos Giannetti da Fonseca:
Eu não gostaria de fixar um prazo. Nós temos um objetivo: é fazer esse problema de combate à recessão o mais curto possível. Eu poderia até arriscar, eu acho que...

Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Como assim, combate à recessão?  Nós estamos em uma recessão.

Marcos Giannetti da Fonseca:
Eu acho que nós estamos hoje enfrentando um problema de redução em alguns setores. Não é um problema generalizado, é um problema localizado em alguns setores. Era antecipado que isso ocorresse. Dado o desenho do plano econômico, nós sabíamos que alguns setores seriam particularmente atingidos. Eu posso mencionar, já não é mais nenhuma novidade, o setor da construção civil foi um setor atingido, o setor da indústria de bens capital foi um setor atingido, a indústria automobilística e todos aqueles segmentos voltados para a produção de bens que não são consumidos, vamos chamar assim, diretamente do salário, porque o...

Carlos Alberto Sardenberg:
[interrompendo] Tudo o que custa mais de cem mil cruzeiros?

Marcos Giannetti da Fonseca:
Tudo que custa mais que salário, são setores que vão demorar algum tempo para retomar o ritmo de normalidade na sua atuação.

Jorge Escosteguy:
Agora, secretário, só para ajudar um pouquinho na compreensão dos nossos telespectadores. O que se fala mais em relação a esse plano é o seguinte. Esses dias, inclusive o Paulo Renato de Souza [economista que, à época, era reitor da Universidade Estadual de Campinas e seria ministro da Edução de Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 2002], da Unicamp, numa entrevista ao Jornal da Tarde, dizia que, na melhor das hipóteses, o Brasil vai viver uma recessão preta. Ele chegou a falar até em três milhões de desempregados na economia formal. E, na pior das hipóteses, a Argentina pode virar um paraíso perto do Brasil. Qual é o tamanho dessa recessão afinal? Que previsão o governo tem disso? Que controle ele tem disso?

Marcos Giannetti da Fonseca: Nós temos mantido uma monitoração muito...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Desculpe-me, a ministra Zélia [Cardoso de Mello, ] diz que não há desemprego, mas acho que ela não vê televisão, porque todos os dias as fábricas estão parando, estão dando férias coletivas, as pessoas estão sendo demitidas.

Marcos Giannetti da Fonseca:
Férias coletivas não é desemprego, eu acho que férias coletivas são uma boa solução para o problema, antecipação de licença...

Rick Turner: Não é a ante-sala do desemprego?

Marcos Giannetti da Fonseca: Veja, pode ser a ante-sala do desemprego se não houver um processo de retomada. Se houver um processo de retomada, é uma simples antecipação de custos. Na medida em que em certos segmentos realmente houve uma redução de demanda, pelo menos imediatamente, a idéia de antecipar férias coletivas é realmente uma espécie de proteção importante. Eu diria que hoje está sendo precipitado quem estiver desempregando com base numa expectativa de uma profunda recessão. Ela não vai ocorrer, há uma determinação do governo em não permitir que isso ocorra; os mecanismos necessários para que isso não ocorra, o governo os detém, tem usado desses mecanismos. Eu poderia citar mecanismos de crédito, linhas de redesconto no Banco Central, linhas do BNDES apoiando o processo de investimento, a Caixa Econômica Federal apoiando a indústria da construção civil. E além disso, até como outros mecanismos, nós temos a possibilidade dos leilões que estão previstos na medida provisória, há um número enorme de mecanismos a serem acionados. É claro...

Tão Gomes Pinto: [interrompendo] Esses mecanismos não foram acionados ainda, nenhum deles.

Marcos Giannetti da Fonseca: Alguns já foram acionados.

Tão Gomes Pinto: Esse crédito para a construção civil, por exemplo, como vai ser operacionalizado?

Marcos Giannetti da Fonseca:
A Caixa Econômica Federal vai liberar recursos da ordem de 32 bilhões de cruzeiros para apoiar o andamento de obras de construção civil que já estavam em andamento. No caso da indústria automobilística, foram tomadas medidas no sentido de reviabilização dos consórcios; isso é importante, porque os consórcios são responsáveis por quase 40% da demanda do setor automobilístico. Além disso, foi criada a possibilidade de financiamentos de até trinta meses. Eu entendo que esses financiamentos de até trinta meses não vão operar no primeiro dia. E o Brasil há muito tempo esqueceu aplicações e financiamentos de longo prazo, por conta da própria inflação. Eu acho que na medida em que seja perfeitamente identificado pelo setor privado que a inflação está realmente eliminada do cenário econômico brasileiro, nós poderemos, por exemplo, voltar a ver coisas que aconteciam algumas décadas atrás, de letras de câmbio de 24 meses ou de 12 meses, [fato] que chegou a existir na economia brasileira.

Rick Turner: Mas quando o senhor fala de uma recessão não muito profunda – só para registro – com que número para o PIB deste ano se trabalha? Crescimento ou a...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Eu diria que a meta do governo é de não redução da renda per capita, se ele tentar atingir o nível de crescimento equivalente ao crescimento populacional. Eu acho que essa é uma meta realista, não é fácil, porque atingi-las sem, por outro lado, permitir a retomada do processo inflacionário, é um enorme desafio.

Rick Turner: Seriam mais ou menos 2%, então?

Marcos Giannetti da Fonseca:
2,5% talvez de crescimento do PIB. É um desafio grande, é uma meta extremamente ambiciosa, na medida em que o que tem de ser garantido a todo instante, é que nós não sancionamos a memória inflacionária que ainda existe na economia brasileira e que vai existir ainda por algum tempo.

Jorge Escosteguy: Secretário, Marco Antônio Rocha, finalmente, uma pergunta, por favor. 

Marco Antônio Rocha: Parece-me que essa concepção do Plano Collor, se eu estiver errado o senhor me corrija, se baseia em que a inflação pelo menos, imediatamente, tinha duas causas fundamentais determinantes: um excesso de liquidez no mercado e um déficit público monumental. E uma das coisas alimentando a outra no fundo, certo? Então foi feito um enxugamento de liquidez, um grande enxugamento de liquidez, e como diz nosso amigo Paulo Caruso, no último número da revista Isto é, o [presidente do Banco Central] Ibrahim Eris está querendo primeiro enxugar a máquina antes de injetar a liquidez. Quer dizer, foi feito o enxugamento de liquidez e não foi feito o enxugamento da máquina ainda. O senhor mesmo está dizendo que isso é um processo, esse enxugamento da máquina é um processo. Como é que vocês estão reinjetando liquidez no sistema através desses mecanismos todos, sem antes ter cuidado do enxugamento da máquina? Isso não vai provocar de novo a retomada da inflação?

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu acho que é uma questão bastante interessante e que foi muito pouco abordada por enquanto. Que, de todos os mecanismos que o governo tem usado no sentido de viabilizar os segmentos mais atingidos pelo plano Brasil Novo, todos eles têm sido na linha não de uma devolução definitiva de liquidez para o setor privado. As linhas de redesconto do Banco Central, os financiamentos da Caixa Econômica, os financiamentos que serão lançados pelo BNDES, todos eles são no sentido de gerar uma liquidez, vamos chamar de temporária. Eles são financiamentos e devem retornar ao setor público. Por outro lado, estão previstos mecanismos, vamos chamar de colocação definitiva de liquidez. O próprio mecanismo de leilão é um mecanismo de colocação definitiva de liquidez, uma vez que o cruzado transformado em cruzeiro vai ficar definitivamente na economia. Eu acho que seria hoje precipitado nós entrarmos na linha dos mecanismos, vamos chamar definitivos.

Marco Antônio Rocha: Fazer um leilão?

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu acho que seria. Porque, veja, todo esse processo é um processo de monitoração muito fino.

Marco Antônio Rocha: Mas eu volto ao início da minha pergunta: essa reinjeção de liquidez no mercado não exigiria um enxugamento mais substancial da máquina do setor público, para fazer com que não haja mais necessidade de financiamento do setor público?

Marcos Giannetti da Fonseca: Das estimativas que nós temos hoje, é o seguinte: as medidas já tomadas, e que incluem evidentemente a eliminação da inflação, já promoveram a melhoria de mais de 6%, praticamente sete, 6,7% no déficit do setor público.

Marco Antônio Rocha: 6,7% do PIB?

Marcos Giannetti da Fonseca: 6,7% do PIB no déficit do setor público. Isso são medidas já tomadas. O que eu chamo de "as medidas já tomadas"? O IOF, a redução de juros, a eliminação da inflação, do efeito Tanzi, como eu já expliquei, sobre a receita, a extinção das empresas e, portanto, não haverá recursos para as empresas que foram extintas e assim por diante. Essas medidas já tomadas promoveram uma melhoria no déficit da ordem de 6,7% do PIB. Ainda falta uma série de medidas, ainda não foram colocados os certificados de privatização que, como eu disse, podem representar 2,2% do PIB. Nós ainda não sabemos exatamente o efeito do fim do anonimato fiscal. Isso deve ter um efeito muito significativo, do ponto de vista de aumento da receita. Nós temos um primeiro indicador nos números anunciados hoje, pelo secretário da Receita Federal, que apontaram um aumento muito significativo de receita já no primeiro mês do plano.

Marco Antônio Rocha:
Mas, secretário, a maior parte dessas medidas que o senhor está citando, que já deram resultados, que já se podem medir os resultados, são medidas que na prática significam transferência de recursos do setor privado para o setor público, o que no fundo é uma contradição com a filosofia deste governo. Então, são medidas que não levam na boa direção do ponto de vista desse próprio governo.

Marcos Giannetti da Fonseca: Deixe-me colocar o seguinte: qualquer programa de estabilização econômica tem fases. Além da questão de que a primeira prioridade é eliminar a inflação, depois de evitar a recessão e [buscar] a relançada do crescimento, qualquer programa de ajuste de eliminação inflacionário necessariamente vai passar por fases. A primeira fase necessariamente é a fase monetária do ajuste, porque não há medidas de cunho fiscal, nem de eliminação de despesas, nem de aumento de receitas que produza resultados instantâneos. Nenhuma, nenhuma. E a primeira fase é uma fase monetária. Os efeitos que nós sentimos até agora são os efeitos da redução de liquidez. E tem que ser assim, porque qualquer medida de ajuste fiscal tem um tempo até se materializar. O que é fundamental é que esse processo se faça também, ainda que ele demore um período um pouco mais longo...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Vamos pegar um exemplo concreto do seu ministério que o senhor mencionou agora há pouco. Três ministérios foram fundidos em um só: o Ministério do Planejamento, Ministério da Fazenda e parte do Ministério de Indústria e Comércio se transformaram no Ministério da Economia. O senhor nos diz que isso resulta numa economia. O senhor é o homem que conduz o orçamento, é o secretário de Planejamento, portanto, é o homem que cuida da execução orçamentária do governo. Então, diga, em termos de resultado, essa fusão representou a dispensa de quantos funcionários e quanto vai representar de economia na fusão dos três orçamentos? Os três orçamentos fundidos vão diminuir em que proporção durante este ano?

Marcos Giannetti da Fonseca: Marco Antônio, eu não tenho ainda um número exato para isso, eu não tenho...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Pois é, mas esse que é o problema...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Mas veja, mas escuta...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Esse que é o problema.

Marcos Giannetti da Fonseca: Marco Antônio, o que eu posso lhe dizer é o seguinte: esse número será conhecido...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Vocês sabem, por exemplo, quanto vocês tomaram do setor privado, mas não sabem dizer quanto vai ser economizado no orçamento.

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Não, não, não! Nós sabemos o que vai ser feito em relação ao setor público. Nós sabemos que 3% de melhoria na situação do déficit orçamentário vai sair do setor público, nós sabemos isso. Nós sabemos que uma parte vem do processo de privatização, uma parte vem do processo de extinção de empresas, e a outra parte vem do enxugamento da máquina administrativa. Eu posso lhe dizer, eu não conheço número por ministério, eu sou capaz de lhe dizer o número para a Secretaria do Planejamento, porque isso está sendo feito no nível de todo o governo. Está sendo redefinida a lotação de cada departamento, de cada divisão, de cada órgão de serviços, está sendo definida a lotação de cada um desses órgãos.

Frederico Vasconcelos: Secretário, por favor, eu tenho uma publicação aqui, uma publicação que circula em Brasília, que toca nesse problema da dificuldade...

Marcos Giannetti da Fonseca:
[interrompendo] Eu queria terminar a resposta a ele, eu posso terminar ou não?

Jorge Escosteguy: Depois o Frederico lhe faz a pergunta em seguida, pode terminar, por favor.

Marcos Giannetti da Fonseca: Então, veja, estão sendo levantadas as lotações, foram reduzidos de modo muito significativo os cargos em comissão. Isso já é uma redução feita. E todas as secretarias, todos os ministérios vão ter que se adequar a essa redução dos cargos em comissão. Esses números definitivos, com um mês de governo, eu diria o seguinte. Qualquer empresa, qualquer empresário que assumisse uma empresa do porte que era ou o que é ainda o setor público brasileiro, se ele puder no primeiro dia, ao tomar conhecimento, ao chegar e ver como a coisa funciona, se depois de um mês, ele puder definir um plano absolutamente perfeito de redução de custos, para uma coisa do tamanho que é o setor público brasileiro, eu diria que ele não fez o trabalho bem feito. Ele está fazendo um trabalho precipitado e certamente vai se arrepender. Mas, por outro lado, há orientações e dimensionamentos muito bem feitos.


Marco Antônio Rocha: O senhor há de concordar comigo, secretário, que o governo pediu ao público que pagasse o preço. O público está pagando esse preço em termos de congelamento dos seus recursos etc e tal. Está pagando um preço para ver um serviço executado. Então, os homens do governo como o senhor deveriam ter condições de apresentar esses serviços. Se o senhor estivesse saneando uma empresa privada...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] São 24 órgãos do governo já extintos. Eu diria o seguinte: nunca, na história deste país, algum governo fez tanto no sentido de cortar despesas de segmentos que não fazem parte do setor público.

Marco Antônio Rocha:
Mas o senhor que é secretário do Planejamento...

Marcos Giannetti da Fonseca:
[interrompendo] E ainda falta muito mais.

Marco Antônio Rocha:
... não consegue nos dizer números! Diga quanto foi cortado...

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu já estou lhe dizendo, eu já estou lhe dizendo que tem 6,7% de melhoria no déficit...

Marco Antônio Rocha:
[interrompendo] No déficit público, representado por transferências de recurso do setor privado.

Marcos Giannetti da Fonseca:
Não é tudo transferência, não é tudo transferência...

Marco Antônio Rocha:
[interrompendo] Grande parte é.

Marcos Giannetti da Fonseca: Não, uma parte é transferência, a outra parte é melhoria de eficiência...

Frederico Vasconcelos:
[interrompendo] Secretário, deixa ler um trecho aqui de uma carta que circula em Brasília do ex-ministro Said Farah, que faz uma observação sobre exatamente as dificuldades desse levantamento que o Marco Rocha está dizendo. Ele observa o seguinte [lendo]: “Será necessário no mínimo mais um mês para que o governo tenha o efetivo controle de suas contas, e um pouco mais para que ele saiba realmente o que aconteceu e o que pode vir a acontecer após o choque econômico”. Ele observa o seguinte: “Nesse sentido, não passa de um exercício de [...]” – [explicando o termo] que seria a manifestação do desejo, da vontade – “a afirmação do secretário de Planejamento, Marcos Giannetti da Fonseca, de que o Plano Collor já teria reduzido o déficit público de quase 8% do PIB em termos operacionais para algo como 2%”. Qual é a observação que o senhor faz em relação a essa manifestação ...

Marcos Giannetti da Fonseca:
[interrompendo] Veja, eu já mencionei o número referente às medidas já tomadas.

Frederico Vasconcelos:
Mas é isso que diz isso aqui...

Marcos Giannetti da Fonseca:
[interrompendo] Mas nós estamos todos falando do déficit que vai ocorrer de março a março. Eu acho que a prova definitiva só vai ser dada em março do ano que vem, quando nós mostrarmos o que foi feito.  Da mesma forma que os 8%, que estavam sendo falados, eram projeção para esse período, o que eu estou lhe dizendo é que em função das medidas já tomadas, nos permite, com toda tranqüilidade, dizer que já houve uma melhoria de 6,7% do PIB em termos de déficit. Projeção, como qualquer projeção, o tempo é que vai dizer o que é verdade. Agora eu posso lhe assegurar...

Frederico Vasconcelos:
Mas como é o monitoramento que o senhor diz que está fazendo? Como é feito esse trabalho de acompanhamento, na medida em que existe essa dificuldade, de elementos...?

Marcos Giannetti da Fonseca:
Sempre, qualquer projeção é cheia de dificuldades. Por outro lado, há também os processos de correção. Na medida em que algumas coisas possam não se verificar ao longo do tempo, muita gente, por exemplo, argumenta que vai haver uma queda de receita muito significativa em função da recessão. É claro que uma recessão muito profunda pode comprometer esses objetivos; por outro lado, a disposição do governo é de não permitir uma recessão profunda. Mas nós estamos sempre falando sobre o futuro. O que eu acho que é importante, e aí é realmente fundamental, o seguinte: já foram tomadas medidas, medidas duras que nunca foram tomadas antes e essas medidas já estão produzindo resultados. Isso é uma mudança muito significativa. É a tal história: o Brasil passou por três anestesias e não fez nenhuma operação. Dessa vez nós estamos fazendo a operação, que é necessária para consertar o país. Talvez com menos anestesia do que o necessário.

Jorge Escosteguy: Eu queria retomar um pouquinho a questão colocada pelo Marco Antônio Rocha, até porque há perguntas aqui de telespectadores. O senhor falou na dificuldade de enxugar a máquina pública como quem assume uma grande empresa e de repente tem que ver em que condições essas empresas estão, para depois, então, diante dessas particularidades, tomar as providências. Como bem observou Marco Antônio Rocha, o governo sabe quanto tomou do contribuinte e teve muito mais rapidez para tomar do contribuinte do que tomar do governo, na medida em que a vida...

Marcos Giannetti da Fonseca:
[interrompendo] Ainda não tomou nada do contribuinte, heim! [risos]

Jorge Escosteguy: Bloqueou o dinheiro do contribuinte. Ou seja, a vida do contribuinte talvez seja até muito mais complicada e muito mais cheia de detalhes do que a vida dos ministérios. Então, por exemplo, nós temos aqui, como casos como o do Vagner Bortoleto, de São Caetano do Sul, um funcionário que entrou de férias antes do dia 12, pegou as suas férias, depositou no over ou numa poupança e teve o seu dinheiro confiscado. A Sônia Cairos, de Campinas, cujo pai dela faleceu há 11 dias, ela teve que pagar o hospital, outras despesas, e da caderneta que o pai dela tinha com a mãe só foram liberados cinqüenta mil, e ela ficou sem dinheiro para enfrentar essas despesas. A mesma queixa faz também o João Maquinucci, do Campo Belo, ou seja, o governo foi extremamente rápido e ágil para colocar todos os novos contribuintes no mesmo pacote e dizer “não, todos nós temos direito a cinqüenta mil”. E ao mesmo tempo foi muito mais lento ou está sendo muito mais lento para dizer quanto ele precisa de gente ou quanto ele precisa gastar para administrar o governo, a máquina pública.

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu acho que não é, talvez, a questão de nós querermos discutir cada caso. Há previsões para que gastos médicos possam ser liberados, e eu acho que... Eu também tive recursos bloqueados, todos nós, o Brasil inteiro teve.

Jorge Escosteguy: O senhor tinha recursos onde?

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu tinha recursos no over e também eles estão bloqueados. E eu acho que é o caso do Brasil inteiro. É um custo, não há dúvida.

Marco Antônio Rocha: Esperamos que o senhor cuide direitinho dos seus recursos que estão bloqueados. [risos] Estaremos todos garantidos.

Marcos Giannetti da Fonseca: Aliás, a própria ministra também colocou claramente que teve recursos do over também bloqueados. Eu acho que aí a questão que tem que ser colocada é que nós estávamos realmente numa situação emergencial. Nós tínhamos um país à beira do abismo. O Plano é duro, não há dúvidas disso, mas eu acho que ninguém podia ter ilusão de que não seriam necessárias medidas duras para estancar o processo inflacionário. E o que eu acho que é mais importante nós tentarmos é que não havia outra saída que não o estancamento instantâneo do processo inflacionário. Eu gostaria de dar a vocês um número que mostra essa necessidade de um estancamento instantâneo de forma absolutamente inquestionável. Se nós pegarmos o orçamento da União, conceito operacional, pegarmos a receita tributária, subtrairmos da receita tributária, as transferências constitucionais a estados e municípios, subtrairmos pagamento de juros, nós já estaríamos com déficit de 2% do PIB. Para começar, ainda não pagou um funcionário, ainda não fez um investimento, ainda não pagou nada de custeio, e o governo começa com um déficit de 2% do PIB. É impossível! E de onde vem esse déficit de 2% do PIB? Ele vem, em primeiro lugar, de uma receita corroída pelo processo de inflação e de uma conta de juros do setor público, absolutamente insuportável; conta de juros esta determinada também pelo processo inflacionário. Ou se elimina a inflação definitivamente e rapidamente, ou não há, de início, qualquer chance de se consertar o problema do déficit público. Porque mesmo que despedissem todos os funcionários, acabassem com o custeio, não fizessem nenhum investimento, o governo ia estar com um déficit de 2% do PIB. É absolutamente insuportável, este país estava à beira do caos.

Jorge Escosteguy: Secretário, nós vamos precisar fazer um rápido intervalo. O Roda Viva volta daqui a pouco, entrevistando hoje o secretário nacional do Planejamento, Marcos Giannetti da Fonseca. Até já.

[intervalo]

Jorge Escosteguy:
Voltamos ao Roda Viva, que hoje está entrevistando o secretário nacional do Planejamento, Marcos Giannetti da Fonseca. Secretário, um pouquinho antes do intervalo, nós comentávamos a questão do bloqueio de poupança etc, e nós temos aqui várias perguntas de telespectadores relativas a esse item. Fernando Nunes Monteiro, de Campinas, Hélio Guimarães, do Brooklin, aqui em São Paulo, Cláudio Mondelli, de São Paulo também, e Orlando Pereira, também de São Paulo, do centro, e o Vicente Bianchi, do Campo Limpo, basicamente querem saber o seguinte: “O que o governo pretende fazer para retomar a credibilidade na poupança?” Ou seja, hoje ninguém mais acredita em colocar o dinheiro na poupança ou no over. Vicente Bianchi inclusive pergunta: “O que o senhor acha de um político que durante a campanha pregou que não haveria calote da poupança e, depois de eleito, confisca todas as aplicações?” Ele quer saber se esse governo é confiável.

Marcos Giannetti da Fonseca:
Em primeiro lugar, acho que esse termo confisco é completamente equivocado. Se nós examinarmos exatamente o que diz a medida provisória, na verdade, ela está dando prazos para conversão da moeda antiga, que é o cruzado, na moeda nova. E ela é muito clara, no sentido de que fala da conversão de cruzados para cruzeiros e dá as datas em que essas conversões vão se realizar. É uma conversão inicial, por montantes definidos dependendo de cada aplicação, e depois conversões que seriam realizadas a partir dos 18 meses...

Jorge Escosteguy:
[interrompendo] Agora, desculpe interromper, mas na história do Brasil, o senhor conhece algum caso de empréstimo compulsório ou coisa que o valha, que tenha sido devolvido pelo governo posteriormente?

Marcos Giannetti da Fonseca: No caso, não é um empréstimo compulsório. Aliás, eu acho que é importante ressaltar, em primeiro lugar, que esse dinheiro estava todo emprestado para o governo...

Frederico Vasconcelos: [interrompendo] Como o senhor definiria? É um seqüestro?

Marcos Giannetti da Fonseca: Não, não, é simplesmente um prazo de conversão. E veja o seguinte: nós vamos ter um fenômeno muito parecido na Alemanha agora, no processo de unificação [em 9 de novembro de 1989, com a queda do Muro de Berlim que dividia a cidade em dois blocos, (um capitalista  - o  ocidental -, e outro comunista -  o oriental), deu-se  início ao processo de reunificação das duas Alemanhas, que passaram a formar uma só República Federal da Alemanha, marcando também o final da Guerra Fria]. Eles definiram uma paridade entre as duas moedas, de um para um: entre a moeda da Alemanha Ocidental e a moeda da Alemanha Oriental. É claro que essa definição de paridade de um para um entre as duas moedas vai causar problemas extremamente graves do ponto de vista da economia da Alemanha Ocidental. E a solução que eles estão aventando para esse problema é exatamente manter a paridade de um para um, como é o caso da conversão cruzado-cruzeiro, e dar um prazo para que essa conversão se realize. O que na verdade é esse prazo para que essa conversão se realize no caso da economia brasileira? É um prazo para que a nova moeda, o cruzeiro, tenha a sua credibilidade instaurada. É o prazo para que as pessoas percebam que é uma moeda escassa, é uma moeda valiosa e é uma moeda estável. E ela é estável, por quê? Nós temos uma economia estável e um governo com as suas contas em ordem. Na medida em que isso ocorra, nós estamos num país completamente diferente, nós estamos num país com o governo que tem suas contas em ordem e que tem uma economia estável. E aí eu acho que toda a postura do empresariado, do setor público, dos trabalhadores, vai ser toda completamente diferente. É uma postura da qual estarão erradicados os vícios que nós adquirimos ao longo de todos esses anos convivendo com um processo inflacionário aceleradíssimo e crescente.

Jorge Escosteguy: Como fica a questão da credibilidade de um governo que na campanha disse que não ia confiscar, ou que não ia tomar, ou que não ia mexer na poupança e mexe na poupança? E isso de certa forma abalou a credibilidade do governo.

Marcos Giannetti da Fonseca: Aliás, os dados que a Caixa Federal tem mostrado são no sentido contrário, quer dizer, houve mais de meio milhão de contas abertas na Caixa Federal desde o dia 15 de março até o final do mês de março...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] No mínimo porque ninguém mais acreditava na...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] E veja que é meio milhão de contas. Nós podemos dizer: “não, isso pode ser um número grande, pequeno, eu não sei”. Quanto é que a Caixa costumava abrir? É um número absolutamente equivalente ao número de abertura de contas no mesmo período do ano anterior.

Aluísio Falcão: Quantas contas tem a Caixa aproximadamente, para ter uma idéia de quanto cresceu?

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu não sou capaz de lhe dizer quantas contas a Caixa tem. O que eu posso lhe dizer é que foi um número de abertura de contas equivalente ao mesmo período do ano anterior, o que mostra que a poupança continua e continuará sendo a forma de onde aplicar do pequeno poupador, daquele que economiza do seu salário e está juntando para comprar um automóvel. E daqui a pouquinho, ele juntou de novo para comprar um automóvel, reanima a indústria automobilística...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Aí vem o governo e "crau"... [risos]

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Não, não vai ser necessário, não vai ser necessário...

Carlos Alberto Sardenberg: É que se fala muito de...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Só um momentinho, a pergunta do Vicente Bianchi não foi respondida ainda, desculpe, Sardenberg. Ele pergunta: “Como confiar no governo que durante a campanha diz que não vai mexer na poupança, e quando é eleito e empossado, mexe na poupança?”

Marcos Giannetti da Fonseca: Bem, eu não...

Aluísio Falcão: [interrompendo] É a tal da mentira patriótica isso aí?

Marcos Giannetti da Fonseca: Não, não, eu não entendo... Aliás, eu não tenho registro desse tipo de declaração ter sido feita, pode até ter sido feita, me escapou...

Frederico Vasconcelos: [interrompendo] Não, está escrito nas diretrizes. Está registrado nas diretrizes do governo de que a poupança... Por exemplo, o over era um recurso...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Aliás, eu não participei da elaboração do plano. O que eu sei que foi uma consideração importante é que nos últimos vinte dias, antes do dia 15 de março, recursos muito volumosos fluíram de outros segmentos do mercado financeiro para o segmento de poupança.

[Sobreposição de vozes]

Marcos Giannetti da Fonseca: A outra questão que eu acho importante é a seguinte. A poupança de mais de 90% dos poupadores está lá inteirinha, foi convertida instantaneamente de cruzados para cruzeiros, está lá, continua rendendo juros, normalmente, como sempre esteve, isso de mais de 90% dos poupadores.

Tão Gomes Pinto: Secretário, aqui mesmo no Roda Viva, há duas ou três semanas, o professor [Luiz Gonzaga] Belluzzo [economista, foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda durante o governo Sarney] que defende o Plano, que defende as linhas gerais do Plano, dizia que esse prazo de conversão de 18 meses é praticamente inviável, diante dos vários ajustes que terão que ser feitos. Como é que o senhor enxerga esse prazo?

Jorge Escosteguy: O Belluzzo disse que o prazo era pequeno?

Tão Gomes Pinto: Pequeno, era pequeno, um prazo curto, os ajustes são muito grandes para um prazo tão pequeno e admitia já, se admite já...

Marcos Giannetti da Fonseca: Se nós observarmos o que já foi feito no primeiro mês, eu diria o seguinte: o prazo é pequeno, mas o governo está andando muito rápido. Se nós observarmos o que esse governo já fez em trinta dias, nós não encontramos nenhum precedente na história; não tem, não há precedentes na história de eliminação de uma inflação como era a inflação brasileira num prazo tão curto. Uma redução tão drástica, ao contrário do que diz o Marco Antônio Rocha, de um corte tão profundo no setor público, pela extinção imediata de 24 órgãos da administração pública, pela reforma administrativa que foi feita, isso tudo num prazo de trinta dias.

Tão Gomes Pinto: Essa conversão para ser realizada pressupõe que o país já tenha retomado um nível de crescimento, e isso nós, até agora, não vimos absolutamente acontecer...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Eu coloquei aqui que isso não é uma meta do governo. Eu tenho como expectativa, e como objetivo que eu acho que poderia ser perseguido, um crescimento, para este ano, no nível do crescimento populacional, para que nós possamos pelo menos manter a renda per capita. Essa meta, esse objetivo já é um objetivo que envolve um crescimento a partir do segundo semestre, porque o que vai ter ocorrido até junho, julho, não vai ser suficiente para se atingir esse objetivo no fim do ano. O prazo é curto, mas o governo tem andado muito depressa...

Tão Gomes Pinto: Esse crescimento não será fruto do fato de que a economia informal virá à tona? Apenas?

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu acho que uma parte, eventualmente, pode até ser da incorporação da economia informal, o que, aliás, é uma coisa extremamente saudável, não há nada contra isso...

Tão Gomes Pinto: Mas não seria um crescimento efetivo, seria apenas a economia informal se tornar transparente.

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu não estou falando da estatística, eu estou falando do que desejável, não estou nem dizendo que vai ser o que vai ocorrer. Eu acho que isso é o que eu gostaria de ver ocorrendo daqui até o final do ano, um crescimento real, equivalente à taxa de crescimento da população.

Marco Antônio Rocha: Eu vou fazer uma pergunta um pouco de natureza política para o senhor. Eu tenho o maior respeito pelo seu passado político, afinal de contas, o senhor tem sido, na sua área, um dos batalhadores pelo processo de redemocratização do país, e eu respeito muito isso. E eu vou fazer uma pergunta política. Mas antes eu queria fazer apenas um comentário a respeito desse argumento de que apenas 10% dos poupadores foram afetados e 90% não foram afetados. Eu queria lembrar ao secretário, e gostaria de ter lembrado isso ao presidente Collor, que a democracia é o regime das maiorias, mas também é o regime do respeito pelas minorias. Isso é um comentário à parte que eu queria fazer. Então o fato de 10% apenas terem sido afetados, eu acho que 10% deveriam ser respeitados também, porque são minorias.

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Inclusive aqueles especuladores que aprontaram na última semana ou nos últimos vinte dias...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Não, esses o governo tinha condições de identificar um por um, porque existe CPF para se abrir uma conta na poupança, é preciso dizer qual é o CPF da pessoa, certo? Teria condições de identificar um por um.

Marcos Giannetti da Fonseca: Inclusive aqueles que pulverizaram as suas aplicações em número enorme de bancos. Acho que nós temos que ser práticos...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Sejamos sérios. Para pulverizar um bilhão de cruzados em 250 cadernetas de poupança ou coisa que o valha... [risos]

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Mas dez milhões, dez milhões já não é tanto...

[Sobreposição de vozes]

Marco Antônio Rocha: Bem, a pergunta é a seguinte: o senhor pertenceu ao governo Montoro, foi secretário da Fazenda do governo Montoro, foi presidente da Caixa Econômica Estadual no governo, participou politicamente do grupo do governador Montoro no PMDB e que agora está no PSDB. A sua participação no governo do presidente Collor representa também uma participação política desse grupo ou não?

Marcos Giannetti da Fonseca: Não, de forma alguma. Eu aceitei a função de secretário do Planejamento por uma decisão exclusivamente minha e sem nenhuma consulta feita ao PSDB ou à sua direção. O que eu acho – e isso é importante ressaltar – é que em um número enorme de aspectos, as propostas do governo Collor são muito próximas de uma série de propostas do PSDB, há uma enorme identidade de objetivos e mesmo de caminhos a serem trilhados entre a proposta do PSDB e o governo Collor. Se nós olharmos o discurso de posse do presidente Collor feito no Congresso, eu tenho certeza de que o PSDB assinaria aquele discurso, porque ele vem realmente ao encontro e na linha do que pretende ser os segmentos mais modernos do PSDB. Agora a decisão foi exclusivamente minha e não há nenhum impedimento político em torno do fato de eu ocupar...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] O senhor continua filiado ao PSDB?

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu acho que eu... Eu continuo filiado, eu não pedi o cancelamento da minha filiação.

Carlos Alberto Sardenberg: Dentro do partido, o senhor recomenda aos demais internos do partido uma aliança, uma adesão ao governo do presidente Collor?

Marcos Giannetti da Fonseca: O PSDB tem adotado uma postura...

Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Porque, como o senhor falou, tem bastante gente do PSDB no governo.

Marcos Giannetti da Fonseca: Tem uma boa parte. Aliás, as origens são muito próximas, o próprio presidente Collor tem a sua origem no PMDB ou pelo menos passou pelo PMDB. Acho que considerou uma passagem eventual pelo PSDB e acabou não ingressando nesse partido ou não seguindo o seu curso político nesse partido por uma série de circunstâncias políticas que ocorreram ao longo do tempo. O PSDB tem adotado a posição de, ao mesmo tempo, que se coloca como oposição, ele tem colocado a posição de que toda a vez que as proposições do governo foram proposições que o PSDB entenda [ser] do interesse do país, eles vão apoiar. Eu tenho feito isso, acho que a própria votação das medidas mostra isso – talvez com uma ou outra pequena exceção – mostra que o PSDB adotou essa postura responsável frente ao governo Collor, e é assim que se constrói a democracia.

Carlos Alberto Sardenberg: Mas votou contra a medida principal.

Marcos Giannetti da Fonseca: Um pedaço da medida, quer dizer, não é nem a medida principal. A única divergência foi a questão do limite da poupança. E aí eu acho que a questão fundamental é até uma questão da informação, e de uma visão do que representa realmente o plano no seu conjunto, e quais são aqueles elementos que efetivamente não poderiam ter sido mexidos no plano de estabilização.

Fábio Pahim: O Plano Collor está com exatos trinta dias. E está comemorando os trinta dias com a prefixação zero de preços e salários. Discutiu-se muito se a inflação acabou ou não, o presidente até chegou a mencionar: “já vencemos a inflação!” Eu confesso que eu fiquei preocupado com isso, porque eu penso que foi um prazo muito exíguo. E vi que você até estabeleceu um reparo a isso aqui, também considerando esse prazo exíguo. Mas nós estamos com uma inflação zero e com uma recessão começando, não sabemos ainda de que tamanho. De fato ela começou no final do ano passado, para ser mais preciso, não é? Então, neste momento, qual é a prioridade do governo? É continuar a luta contra a inflação até que a estabilização se implante, se estabeleça? Ou já é começar imediatamente a luta contra a recessão? Qual é a prioridade?

Marcos Giannetti da Fonseca: Primeiro, deixe-me fazer uma pequena correção, porque quando eu disse que o Plano ainda não está completo, isso não quer dizer que eu tenha negado que o primeiro objetivo tenha sido atingido. Os próprios números já mostram isso...

Fábio Pahim: [interrompendo] Mas não consolidado, não consolidado.

Marcos Giannetti da Fonseca: Não consolidado, está atingido, mas não consolidado. E os próprios números mostram isso. Os dados que a Fipe está divulgando estão mostrando que se nós compararmos a última semana de março com a segunda semana de março, portanto, aquela semana imediatamente antes do dia 15, nós observamos uma redução de preços da ordem de 0,45%. E se nós tirarmos os duráveis, que tiveram uma redução mais significativa, ainda assim nós vamos observar uma redução dos preços de 0,26%. Isso quer dizer que realmente a contensão de preços já foi atingida. Não é uma vitória definitiva, há necessidade de se continuar atento para que o processo de estabilidade de preços se mantenha. E, por outro lado, há os outros riscos dos subprodutos das medidas monetárias que precisam ser evitados. Como um remédio tem efeito colateral indesejável, também essas medidas têm efeitos indesejáveis. Agora o que nós temos que cuidar, e eu acho que o grande desafio no momento, é, de um lado, evitar que esses efeitos colaterais indesejados se tornem efeitos dominantes. Ou seja, evitar a recessão, fazendo-a tão curta e tão leve quanto possível, sem com isso ameaçar o problema da estabilidade de preços. É um fio da navalha, realmente é um caminho muito estreito que tem que ser cursado. Um desafio enorme e que vai depender da competência do governo, dos seus técnicos de monitorar a economia, atender onde for necessário, fazer esse atendimento de forma inteligente, sem comprometer o aspecto global, o aspecto mais importante que é o da estabilidade monetária.

Aluísio Falcão: Mas o senhor não acha que nós estamos há mais ou menos dez anos vivendo um cenário de alta inflação, inflação crescente e também de déficit público, e de repente, há alguns meses somente, conseguir dar a uma recessão muito curta e muito leve e resolver o problema. Porque os empresários estão dizendo – e estão com bastante medo inclusive – que acham uma recessão muito mais profunda do que o governo está imaginando. Eu já vejo várias empresas, por exemplo, que estão demitindo, não porque não têm condições ou não conseguem avaliar se a recessão vai ser de um ano, seis meses, três meses, mas até porque não têm condições de gerar cruzeiros. E estão começando a demissão, estão diminuindo as encomendas, a cadeia vai até o fim e essa recessão pode ser muito maior do que o governo está esperando. O que o senhor acha disso?

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu entendo, e aí acho que é uma questão importante, de que qualquer decisão tomada a respeito do planejamento de produção para os próximos seis a oito meses, em cima do quadro atual, é precipitada. E é precipitada por quê? Eu acho que um dos mecanismos mais importantes desse programa, no sentido de evitar uma recessão profunda, foi exatamente o que foi feito com o salário, quer dizer, um reajuste de 72%, que de certa forma, tentaria repor uma inflação, que acabou não ocorrendo integralmente, porque a inflação foi truncada no dia 15 de março, e esse aumento real de salários é que, de certa forma, dá uma sustentação para que a inflação não se aprofunde. Agora veja que é uma sustentação parcial, é uma sustentação que é dada àqueles setores que produzem bens de uso permanente; não vai ter problema em alimentação, não vai ter problema em higiene, não vai ter problema em vestuário, não vai ter problema, pelo menos, no vestuário popular. Não vai ter problema em uma série de setores, que são setores cujo consumo vem basicamente da renda de salário. Onde é que nós podemos ver algum problema? É naqueles segmentos cuja demanda vem, ou da parcela de lucro, ou de poupanças acumuladas do salário. Agora, para esses setores, tem que ser tomadas medidas específicas, voltadas especificamente para esses setores. Ninguém compra um automóvel com o salário do mês. Porém se nós reavibilizamos o financiamento, o sujeito pode usar o salário ou parcela...

[...]: Mas ninguém está comprando...

Marcos Giannetti da Fonseca: Ainda não, mas esse é um processo que vai começar, recomeçar. O consórcio é outro aspecto importante, vamos reavibilizar os consórcios, no nível do investimento. O BNDES vai lançar linhas...

Frederico Vasconcelos: [interrompendo] Deixe-me fazer uma pergunta, secretário, que eu acho que tem muito a ver com isso que o senhor está falando. De tudo o que a gente tem ouvido dos empresários, ainda que se possa eliminar aí uma parte do que poderia ser algum exagero, algum tipo de pressão localizada, a avaliação que o empresariado faz, inclusive dessas perspectivas que o senhor está abrindo do financiamento para compra de automóvel ou então recursos para reativar a economia, não bate com essa visão, vamos dizer assim, otimista que o senhor apresenta. A questão da credibilidade não fica somente se o governo prometeu ou não mexer na caderneta de poupança e mexeu. Eu acho que ela depende também de como o governo está se comunicando com a sociedade. E aí tem o caso seguinte: no período de um mês, o que já houve de anúncio do que esse governo fez e que ele voltou atrás dizendo “não, é que eu fui mal entendido”. Houve esse caso, por exemplo, na questão do anúncio de que se iria haver leilão, quando o leilão iria ocorrer; houve essa questão com relação, mais recentemente até, à criação de novos mecanismos de poupança, em que o presidente do Banco Central deu declaração gravada, e no dia seguinte a ministra vem e diz que não, que houve um mal entendido. Como é que é feita...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Um novo mecanismo de poupança não quer dizer uma nova caderneta de poupança.

Frederico Vasconcelos: Vamos analisar casos específicos, está certo? É um caso concreto: ou a imprensa não está fazendo um trabalho perfeito de comunicação ou o governo não está sabendo se comunicar. O que eu gostaria de transformar numa pergunta é o seguinte: como é que é feita a decisão do que vai ser comunicado? O senhor entra em contato com a ministra, a ministra consulta o presidente, ou é o presidente quem decide tudo?

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] A decisão, em última análise, é do presidente, e aqueles assuntos de importância que têm que chegar ao nível do presidente, ele efetivamente decide. É claro que decide ouvindo as opiniões do Ministério da Economia, eventualmente, de outros ministérios envolvidos, se for o caso. Mas a questão da comunicação, eu acho que realmente, e aí talvez você tenha alguma razão, que tem havido alguns ruídos de comunicação. Eu vejo, por exemplo, essa questão da poupança. Eu sei perfeitamente o que o presidente do Banco Central tentou comunicar. É que vai haver novos mecanismos de poupança, em um sentido amplo da palavra poupança, não no sentido de uma nova caderneta de poupança, mas a idéia de que vai haver instrumentos de aplicações de longo prazo e assim por diante. E foi entendido pela imprensa como se fosse haver uma nova caderneta de poupança. Não é. Agora, realmente, eu acho que um pouco desse problema vem do que já mencionei aqui sobre a quantidade de decisões e de medidas que foram tomadas num espaço curto de tempo. São trinta dias, e a quantidade de decisões e medidas que foram tomadas ao longo desses trinta dias é enorme. Nesse volume de decisões sendo tomadas, é um desafio do ponto de vista do governo, comunicar corretamente cada uma dessas medidas. Assim como eu acho também que é um desafio para a imprensa entender corretamente cada uma dessas medidas. E há outra questão também, que é uma questão com a qual eu tenho me deparado, e que muitas vezes causa ruídos de comunicação. Logo após a edição do Plano Collor, eu sentei com um conjunto de jornalistas, no Ministério da Economia, para comunicar, falar a eles algumas questões importantes sobre o Plano Collor na área orçamentária e assim por diante. E todos eles começaram a fazer centenas de perguntas sobre detalhes específicos das medidas provisórias. A certa altura, eu cheguei e falei: “é o seguinte. Eu não sou e ninguém é a pessoa apropriada para lhe responder todas as questões que vocês possam ter sobre as medidas provisórias”. Se você olhar o conjunto de medidas provisórias, é um livro deste tamanho, ninguém sabe de cabeça tudo que está lá dentro. Aquilo foi preparado por uma equipe, um número grande de pessoas, ao longo de um espaço de tempo grande também. E eu acho até desumano tentar exigir de cada um dos participantes do governo que saibam de cabeça todos os detalhes sobre como é que vai ser o índice assim, para lá e para cá, quer dizer...

Frederico Vasconcelos: [interrompendo] Boa parte das medidas ainda não estava preparada. O Banco Central emitiu, por exemplo, 65 resoluções, mais de duas por dia...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Aliás, a partir, deixe eu só...

Frederico Vasconcelos: [interrompendo] Na medida em que ele toma uma medida, vêm duas outras para consertar.

Marcos Giannetti da Fonseca: Deixa só eu colocar que nessa mesma oportunidade, nós começamos, eu com os jornalistas que estavam presentes, a cada pergunta que eles faziam, eu dizia o seguinte: “Eu não sei a resposta de cor, vamos olhar a medida provisória para ver se tem a resposta”. E olhando a medida provisória que regulava aquele assunto, a resposta estava lá.

Aluísio Falcão: Mas, às vezes, secretário, a resposta não estava na medida provisória, porque alguém ia lá na medida provisória e dizia: “olha, é o seguinte...” No dia seguinte, ia o governo com outra medida provisória, dizendo que aquilo estava errado.

Carlos Alberto Sardenberg: Por exemplo, na questão do salário, está determinado, ou é uma intenção do governo que o salário será prefixado acima da meta de inflação?

Marcos Giannetti da Fonseca: Não. Vai ser anunciada uma pré-fixação...

Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Do salário.

Marcos Giannetti da Fonseca: É uma intenção de..., quer dizer, é um objetivo, uma expectativa de crescimento de preço, e é um mesmo número que servirá de teto para os aumentos de preços e de piso para os aumentos salariais. Os aumentos salariais, eventualmente superiores a esse piso, serão obtidos na base da negociação direta patrão-empregado.

Carlos Alberto Sardenberg: Quer dizer, o mínimo de reajuste é igual à pré-fixação da inflação.

Marcos Giannetti da Fonseca: A prefixação de preços será teto para preços e piso de salário. Ninguém poderá dar um reajuste salarial inferior àquele.

Marco Antônio Rocha: Aliás, isso foi anunciado hoje.

[Sobreposição de vozes]

Carlos Alberto Sardenberg: Isso é zero para todo mundo.

Marcos Giannetti da Fonseca: Não está proibido que na negociação direta patrão-empregado, algum segmento possa obter um ganho salarial acima de zero, isso não está proibido.

Carlos Alberto Sardenberg: Se bem que essa conversa hoje é maluca, porque o que as empresas estão fazendo é reduzir salários. Então grande parte das empresas estão propondo redução de salários a seus empregados.

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Com redução de jornada de trabalho ou redução de prazo de trabalho...

Jorge Escosteguy: Secretário, nós falamos em salários, quanto o senhor ganha como secretário?

Marcos Giannetti da Fonseca: O salário do secretário de Planejamento é 86 mil cruzeiros.

Jorge Escosteguy: O senhor não tem apartamento, não tem automóvel, tem suas aplicações bloqueadas. Como o senhor faz para viver como secretário de governo?

Marcos Giannetti da Fonseca: Graças a Deus, eu tenho uma parte das aplicações, 20% que não foram bloqueados, [risos] e realmente, levando uma vida... vou ao longo desses anos aí levando uma vida espartana.

Carlos Alberto Sardenberg: Deixe-me colocar a mesma pergunta aí do Escosteguy, de um outro modo. O senhor não acha que 86 mil cruzeiros para um secretário de Estado, que vem logo abaixo do ministro, é uma quantia muito pequena e que leva a uma série de problemas políticos e éticos. Como é que uma pessoa deixa a sua atividade particular, no seu caso, um homem que tem um grande êxito na vida empresarial, deixa suas empresas, deixa seus negócios para ser secretário de Estado por 86 mil cruzeiros? O senhor não acha que tem um problema ético aí?

Aluísio Falcão:
Eu diria até mais. O senhor contrataria alguém, conseguiria contratar alguém por 86 mil cruzeiros na corretora Sidex/Sílex/Cilex da qual o senhor é sócio?

Marcos Giannetti da Fonseca: Que eu fui sócio.

Aluísio Falcão: Foi sócio. Na diretoria ou na gerência, por exemplo?

Marcos Giannetti da Fonseca: Não, não, seria absolutamente impossível contratar. Por outro lado, eu acho que há uma questão importante. Veja, não é a primeira vez que eu participo do setor público. Eu acho que há um desafio. A decisão que me levou a participar do governo Collor certamente não foi a decisão salarial, certamente também não foi pelo conforto da vida que eu levaria ou pelas mordomias que eu poderia ter, porque eu não tinha ilusão de qualquer tipo de mordomia. Mas, por outro lado, eu me senti obrigado como brasileiro; uma vez tendo sido convidado pela ministra Zélia, eu não me senti no direito de não dar a minha colaboração.

Carlos Alberto Sardenberg: O senhor não acha que esse nível salarial só permite que vá para o governo pessoas ricas, que não precisam desse salário?

Marcos Giannetti da Fonseca: Ou pessoas que já estejam no setor público. E há muita gente boa no setor público. Eu tenho feito o recrutamento dentro da Secretaria do Planejamento muito calcado nas pessoas que já estavam no setor público federal.

Carlos Alberto Sardenberg: Mas aí eles devem ganhar mais que o senhor.

Marcos Giannetti da Fonseca: Certamente em alguns casos ganham mais do que eu.

Tão Gomes Pinto: Eu só queria dizer que o governo vai ter que abrir uma linha de crédito para o seu primeiro escalão [risos] e seu segundo escalão, e é urgente essa providência.

Marcos Giannetti da Fonseca: É uma idéia que eu não rejeitaria. Um financiamento de cinco anos, ser resgatado quando sairmos do governo [risos].

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Secretário, por favor, o Amauri Torres, telespectador aqui de São Paulo do bairro da Saúde, pergunta como o senhor vê o fato de o governo proibir a contratação de funcionários e tentar moralizar, enxugar a máquina pública e, ao mesmo tempo, alguns ministros admitem o filho do outro, este admite o filho daquele e vice-versa, dando como exemplo, o Marcos Coimbra.

Marcos Giannetti da Fonseca: Aliás, essas questões todas já foram resolvidas pelo presidente que imediatamente demitiu todos os casos de filhos e parentes.

[Sobreposição de vozes]

Carlos Alberto Sardenberg: O marido da ministra [provavelmente a da Ação Social, Margarida Maia Procópio] 
é diretor da Radiobrás [Marcelo Netto], ganha até mais do que ela.

Marcos Giannetti da Fonseca: Veja, o presidente Collor demitiu uma série de pessoas poucos dias depois da posse, em função de que eram pessoas que foram contratadas e que, pelo fato de serem parentes ou ligadas a alguns dos ministros, ele entendeu que não deviam participar do governo. E tomou a iniciativa imediatamente no sentido de demitir essas pessoas. Eu acho até que em alguns casos, eventualmente, o fato de a pessoa ser parente de um ministro não quer dizer que ela não seja qualificada para uma função; muitas vezes pode até ser a pessoa mais qualificada para uma determinada função. Mas o entendimento do presidente é que não deve permitir esse tipo de coisa, e ele já demonstrou isso imediatamente tomando as decisões necessárias.

Jorge Escosteguy: Secretário, a Eliane de Lima, de Franca, aqui de São Paulo, faz uma pergunta ao senhor hoje, que talvez venha a ser feita daqui a uns cinco ou seis anos, para o futuro secretário do Planejamento, do futuro governo, que substitua aqui o presidente Collor de Mello. Ela pergunta se há chance de receber o compulsório para quem comprou um carro zero em 1987?

Carlos Alberto Sardenberg: É o FND.

Marcos Giannetti da Fonseca: É o FND. Eu acho que aqui é importante ressaltar uma questão. O FND, foi criado um fundo, Fundo Nacional do Desenvolvimento, e que desde a sua criação, era impossível a devolução dos recursos desse fundo, porque nem a contabilização de quem estava aplicando nele foi feita. Eu acho que aí desde o início já mostra uma intenção no FND que é completamente diferente, por exemplo, do que ocorre agora nesse processo de conversão dos cruzados para cruzeiros, nos quais cada um tem uma conta individualizada que está lá rendendo, e cada um vai poder observar a cada mês o rendimento sendo creditado nos seus cruzeiros, e com data de conversão definida, com alocação exata e correta para cada um dos seus...

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O senhor falou há pouco tempo aí, respondendo a uma questão do Tão, concordando com o professor Beluzzo que, de repente, 18 meses é um prazo pequeno ainda para devolver esse dinheiro...

[Sobreposição de vozes]

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu concordei que o prazo era pequeno, mas ao mesmo tempo, eu falei que o governo tem sido muito rápido...

Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Mas, secretário, a questão é a seguinte...

Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] O prazo é pequeno, mas o governo tem tomado todas as decisões num ritmo, que aliás é outra característica desse governo, é o ritmo de todas as decisões. Ritmo este que quem imprime é o próprio presidente; ele tem um ritmo de trabalho, que é um ritmo de trabalho de todo o governo, que é também completamente diferente da pasmaceira que se via no governo anterior.

Carlos Alberto Sardenberg: A dúvida das pessoas é devido ao seguinte: bom, o dinheiro está lá retido, e se o plano fracassar, e nós tivermos uma outra inflação em cruzeiros, aí não adiantou nada, está perdido por um, perdido por mil, o dinheiro que está lá está perdido, tem inflação aqui também. Pode até converter para cruzeiros que não adianta nada porque já teve outra inflação. Agora suponha que o plano dê certo, quer dizer, não temos inflação. Então, daqui a 18 meses, acabou a inflação e tal, o cruzeiro está bem, aí o senhor vai começar a devolver para as pessoas todo aquele dinheiro que se dizia que era culpa da inflação. Todo mês o senhor vai entregar dez bilhões de dólares na mão da pessoa. Não volta a inflação tudo de novo?

Marcos Giannetti da Fonseca: A culpa da inflação... Veja a avaliação que se tem do processo inflacionário e do que esse montante de recursos contribui no processo inflacionário, não é pelo montante dele, é pela forma como ele era operado no mercado financeiro. No Brasil nós não tínhamos mais distinção entre o que se chama em economia, M1 e M4 [Conjunto de todos os ativos financeiros da economia, formado a partir da seguinte composição: a) M1 - soma de papel moeda em poder público com os depósitos à vista da economia; b) M2 – M1 mais depósitos especiais remunerados, depósitos de poupança e títulos emitidos por instituições depositárias; c) M3 – M2 mais quotas de fundos de renda fixa e operações compromissadas registradas no Selic; d) M4 – M3 mais títulos públicos de alta liquidez], era tudo M1. Toda a massa financeira era uma massa de liquidez absoluta.

Rick Turner: E aí esses dez bilhões não voltam como M1?

Carlos Alberto Sardenberg: Como é que eles voltam?

Marcos Giannetti da Fonseca: O que vai ocorrer é o seguinte: ao longo do tempo e antes até desse processo, terão que ser criadas, e aí é um pouco a idéia do que colocou o Ibrahim, quando falou de uma nova poupança, que não é uma nova caderneta de poupança, são novos instrumentos no mercado financeiro, que são instrumentos sem liquidez absoluta, através dos quais será possível fazer aplicações financeiras que não se confundam com moeda em poder do público e depósito à vista. Eu acho que esse é o grande desafio. Porém, isso só é possível se ocorrerem duas coisas. Primeiro, é pré-condição que não haja inflação; se houver inflação, isso não é possível. E segundo, é pré-condição que o governo tenha um orçamento equilibrado e que não tenha um processo de endividamento descontrolado. Um dos problemas, se nós examinarmos a dívida interna na economia brasileira, relativamente ao PIB, nós vamos observar que uma série de países pelo mundo tinha uma relação dívida interna-PIB maior do que a da economia brasileira, e no entanto não tinham os problemas que tinha a economia brasileira com a sua dívida interna. O problema da dívida interna na economia brasileira não é o seu tamanho, é o descontrole. É um setor público que antes de pagar qualquer salário, qualquer custeio, fazer qualquer investimento, já está com déficit de 2% do PIB. Isso é que absolutamente “inadministrável”. Então, essas são duas pré-condições para criar um mercado financeiro compatível com uma economia estável e com um setor público sob controle. Aliás, sobre o controle do setor público, e aí eu acho que é uma questão também importante...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] O senhor mencionou a dívida interna, e a dívida externa? Qual é a estratégia para dívida externa? Por enquanto isso não está claro no conjunto de medidas.

Marcos Giannetti da Fonseca: Essa questão por enquanto não tem sido colocada. A ministra, na viagem que fez para a reunião com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, colocou que a primeira prioridade é colocar ordem em casa, e é isso que está sendo feito, e vamos continuar ainda nesse processo de colocar ordem na casa...

Marco Antônio Rocha:
[interrompendo] Parece que num processo de retomada do desenvolvimento brasileiro, o governo Collor conta com o aporte de recursos externos, conta com ...

 Marcos Giannetti da Fonseca: [interrompendo] Se houver uma não-drenagem, nós estamos muito satisfeitos.

Marco Antônio Rocha: ... conta com a contribuição. De modo que qual é a intenção do governo para encaminhar, digamos assim, a questão da dívida externa, a prazo curto?

Marcos Giannetti da Fonseca: Eu acho que essa questão teria que ser respondida pela ministra Zélia, pelo presidente, na medida em que é uma coisa à qual o governo ainda não dedicou atenção. Nós temos problemas domésticos suficientemente desafiantes para que tenhamos a nossa atenção totalmente concentrada em resolver, em pôr ordem em casa, antes de começar a discutir a questão da dívida externa. Até porque é muito diferente discutir esse problema de dívida externa com a casa em ordem, do que discutir com a casa em desordem como estava antes do dia 15 de março.

Jorge Escosteguy: Secretário, por favor, o Flávio Ferrari, telespectador aqui de Cerqueira César, em São Paulo, quer saber como as indústrias e o comércio vão fazer para repassar o custo do dinheiro emprestado a 30%, que eles tiveram que tomar para poder pagar o salário dos seus empregados.

Marcos Giannetti da Fonseca: Na questão do financiamento para pagamento de salário, houve diversas faixas de financiamento. Até quinhentos mil cruzeiros havia possibilidade de liberar, fazer a conversão dos cruzados; até três milhões de cruzeiros, a Caixa Federal, o Banco do Brasil e todo o sistema bancário estavam autorizados e com linhas de redesconto abertas no Banco Central para fazer esses financiamentos até 7% de juros; e até quinze milhões de cruzeiros a um custo de 10% de juros. Eu não sei exatamente, não sou capaz de explicar exatamente o porquê, mas houve uma demanda muito pequena desses recursos junto à rede bancária. E, de alguma forma, acho que isso hoje é evidente, apesar de todos os alarmes e as luzes vermelhas que foram acesas, de alguma forma a quase totalidade das empresas deste país pagaram as suas folhas de pagamento regularmente no dia cinco.

[Sobreposição de vozes]

Marcos Giannetti da Fonseca: Algumas tomaram a 10%, outras tomaram a 7%. Agora veja o seguinte, os dados...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Secretário, os pequenos empresários...

Marcos Giannetti da Fonseca:
[interrompendo] Deixe eu terminar o...

Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Não, é dentro do que o senhor está falando. Muitos pequenos empresários me perguntam, por telefone, se ainda vai ser possível de novo sacar os recursos em cruzados para pagar a folha de pagamento até quinhentos mil cruzeiros.

Marcos Giannetti da Fonseca: O prazo para aquela folha já foi, mas não está descartada a possibilidade de vir a ser colocada.

Marco Antônio Rocha: Neste mês de abril?

Marcos Giannetti da Fonseca: Não estou dizendo que será, mas também acho que essa é uma questão ainda a ser estudada e monitorada.

Aluísio Falcão: Eu só queria falar que na questão das linhas de redesconto há um problema operacional, primeiro dos bancos e depois do governo. O governo disse que haveria necessidade de garantias de duplicatas em 100% do valor a ser financiado. Isso gerou alguma confusão dentro dos bancos que acabaram pedindo até garantias superiores a esses valores de crédito. Mas eu queria fazer uma pergunta que joga um pouquinho essa discussão mais para frente. O senhor vai ter a responsabilidade de montar o primeiro orçamento do governo Fernando Collor de Mello, e esse orçamento atual foi montado pelo governo anterior, o do Sarney, e deve haver várias modificações. O que deve acontecer nessas modificações? O que o governo Sarney privilegiou e o que o governo Collor deve privilegiar nesse novo orçamento que vai entrar em vigor em 1991?

Marcos Giannetti da Fonseca: Deixe eu aproveitar e colocar algumas questões importantes. O governo está mandando, o presidente Collor está mandando ao Congresso as leis de diretrizes orçamentárias para o orçamento de 1991. E há algumas questões muito importantes a serem observadas. Em primeiro lugar, essa lei fala que para 1991, num superávit mínimo, no nível orçamentário, mínimo 1% do PIB, para 1991. Ela coloca limites de endividamento, restrições definitivas para o setor público, determinando, obrigando o equilíbrio das contas do setor público. Com relação às prioridades, pela primeira vez, a ordem das coisas vai ser colocada como eu acho que deve ser feita. A Constituição determina que se faça uma lei de diretrizes orçamentárias, orçamento anual e um plano plurianual de investimentos. No ano passado, pela inexistência do plano plurianual de investimentos, a lei de diretrizes orçamentárias acabou por fixar as prioridades para o orçamento de 1990. Como neste ano já se iniciou um processo de elaboração do plano plurianual de investimentos, essas prioridades estão remetidas e este plano que deverá estar concluído por volta do mês de junho deste ano. Bom, isso sem prejuízos de, ainda também até o mês de junho, serem feitas algumas revisões no orçamento corrente, em função até da necessidade de adaptar o orçamento vigente à nova estrutura do setor público. A reforma administrativa, de certa maneira, determinou que sejam feitas revisões orçamentárias importantes. Isso também é um processo que está em elaboração e que deverá ser concluído até junho. É claro que para o ano de 1990, é ainda um pouco limitado pelas determinantes do orçamento do ano passado. Para vocês terem uma idéia, o nível de déficit que vinha sendo incorrido pela administração anterior era tal que, apesar do orçamento federal ser corrigido monetariamente, o orçamento vigente não vai ser suficiente para chegar ao mês de agosto, apesar de corrigido monetariamente pela inflação passada. O que estava acontecendo é que as despesas estavam ocorrendo muito acima das receitas que vinham sendo realizadas.

Jorge Escosteguy: [interrompendo] Uma última questão, por favor, Fábio, porque o nosso tempo está esgotado.

Fábio Pahim: A Constituição de 1988 determinou que o custo de pessoal não poderia exceder 65% da receita. Esse é um compromisso do governo?

Marcos Giannetti da Fonseca: Esse é um compromisso do governo.

Fábio Pahim:
Para este ano?

Marcos Giannetti da Fonseca:
Esse é um compromisso do orçamento que está em curso e respeita isso e também para o orçamento do ano que vem. Aliás, está incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias a proibição de qualquer dotação orçamentária no sentido de contratar melhorias ou funcionário público e assim por diante.

Jorge Escosteguy:
Secretário, por favor, infelizmente o nosso tempo está esgotado. Nós agradecemos a presença aqui no Roda Viva, esta noite, do secretário nacional do Planejamento do governo federal, Marcos Giannetti da Fonseca. Agradecemos também a presença dos jornalistas convidados e a atenção dos telespectadores. As perguntas que não puderam ser feitas ao secretário serão entregues a ele logo após o programa. Nós agradecemos a atenção de todos.

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