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Memória Roda Viva

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Raul Jungmann

30/9/1996

"O governo diz sim à reforma agrária e aos movimentos sociais, mas o governo diz não a qualquer quebra da legalidade", adverte o ministro do Desenvolvimento Agrário, que critica alguns dos métodos do MST

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[programa ao vivo]

Matinas Suzuki: Boa noite. Ele é o responsável pela difícil tarefa de implementar uma reforma agrária no Brasil. No centro do Roda Viva, está o ministro Raul Belens Jungmann.

[inserção de vídeo]

Narração de Milton Jung: Raul Belens Jungmann Pinto, de 44 anos, nasceu no Recife, Pernambuco, e cursou psicologia, mas se destacou na política. Em 93 foi para o governo Itamar Franco como secretário executivo do Ministério do Planejamento; em março de 95, assumiu a presidência do Ibama, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, no governo Fernando Henrique. Em abril de 96, depois do assassinato de 19 trabalhadores sem-terra em Eldorado dos Carajás, no Pará, o governo criou o Ministério de Política Fundiária, entregue a Raul Jungmann. Na posse, o ex-presidente do Ibama não esqueceu seus compromissos com o meio ambiente e prometeu executar uma reforma agrária sustentável, sem destruir florestas. Sua primeira ação foi descentralizar a reforma agrária. A União mantém a tarefa de comprar e desapropriar as terras, enquanto os estados e municípios passam a ter participação nos processos de assentamentos dos sem-terra. Outra decisão foi a de usar terras do Exército e de devedores do Banco do Brasil para a instalação de assentamentos. Em agosto, ele conseguiu uma vitória política: a Câmara dos Deputados aprovou o projeto do rito sumário, que vai acelerar os processos judiciais de desapropriações de terras. Essa proposta ainda precisa ser votada pelo Senado. Mas nem tudo vai bem para o ministro. As ocupações de fazendas e de prédios públicos, pelo MST, levaram o ministro a suspender as negociações com o movimento. O governo – alertou Jungmann – não irá mais permitir que funcionários do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] sejam humilhados.

[...]: O senhor não negocia, então?

Raul Jungmann: Eu estou dizendo que enquanto continuarem desrespeitando direitos humanos de servidores, enquanto os próprios públicos [prédios, rodovias e repartições públicas], que são de toda a coletividade, forem invadidos, o governo não tem condições políticas de negociar.

Milton Jung: Em setembro, divergências nas negociações com os sem-terra no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, levaram o ministro a demitir o superintendente regional do Incra no estado, Miguel Abeche, abrindo uma crise interna no instituto. Hoje, uma das principais preocupações de Jungmann é a de evitar uma explosão de violência no Pontal, onde os fazendeiros recriaram a UDR e estão se armando para enfrentar as invasões dos sem-terra. Outra preocupação de Jungmann é cumprir a meta de assentar 60 mil famílias este ano e desativar os 157 acampamentos de sem-terra espalhados por 13 estados brasileiros. O governo espera fechar setembro com 35 mil famílias assentadas, comprometendo-se a instalar as outras 25 mil nos próximos três meses.

[fim de vídeo de apresentação]

Matinas Suzuki: Para entrevistar esta noite o ministro Jungmann nós convidamos o jornalista Raul Costa Júnior, que é diretor do canal rural da RBS Globosat; o engenheiro agrônomo Luis Carlos Guedes Pinto, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária e professor do Instituto de Economia da Unicamp; a Mônica Teixeira, editora-chefe do programa SBT Repórter; Luciano Suassuna, redator-chefe da revista IstoÉ; George Alonso, repórter de política da Folha de S.Paulo; e o Enio Lucciola, chefe de reportagem da Rede Cultura de Televisão. O Roda Viva é transmitido em rede nacional com 150 outras emissoras de 21 estados brasileiros. Boa noite, ministro.

Raul Jungmann: Boa noite, Matinas.

Matinas Suzuki: Ministro, a nossa pequena reportagenzinha sobre a sua vida diz que o governo esperava assentar 35 mil famílias até o final de setembro. Como nós estamos no final do mês de setembro, qual é o balanço em termos de números de assentamentos que nós temos já realizados?

Raul Jungmann: [Foram] 35.057 famílias alcançadas hoje, no último dia de setembro.

Matinas Suzuki: Certo, então o governo atingiu essa meta e espera assentar [as outras] 60 mil até o final do ano.

Raul Jungmann: Entre os dias 15 e 20 de dezembro nós vamos alcançar essa meta, e eu acredito, inclusive, que vamos ultrapassá-la. Até o dia 31 de dezembro, a gente deve chegar entre 61.500 e 63.000 famílias assentadas neste ano.

Mônica Teixeira: Quantas pessoas esperam um lote de no Brasil? O senhor acha que a reforma agrária deve beneficiar quantas pessoas?

Raul Jungmann: Se você for pensar na totalidade das famílias que demandariam hoje, no Brasil, a reforma agrária, os números variam, mas eu diria que entre um milhão e meio a dois milhões de famílias. Nós poderíamos trabalhar com esse total. Agora, o governo Fernando Henrique pretende assentar, até 1998, 280 mil famílias, o que representa aproximadamente o mesmo que foi feito em trinta anos anteriores da reforma agrária.

Mônica Teixeira: Quanto dinheiro isso vai demandar?

Raul Jungmann: No governo Fernando Henrique, segundo o PPA, que é o Plano Plurianual, algo em torno de sete bilhões de reais.

Matinas Suzuki: Sete bilhões durante qual período?

Raul Jungmann: Durante o período do Fernando Henrique.

Matinas Suzuki: Durante todo o período do Fernando Henrique?

Raul Jungmann: Sim, durante todo o período do Fernando Henrique.

Mônica Teixeira: Até agora, quanto foi destinado à reforma agrária?

Raul Jungmann: Entre o ano passado e este ano, alguma coisa próxima de três bilhões [de reais].

Raul Costa Jr.: Ministro, eu tenho aqui um documento do Incra, um quadro- resumo das áreas de conflitos de terras nos estados. O senhor deve colocar amanhã numa coletiva - que o senhor vai dar em Brasília -, e esse documento mostra claramente que, no Mato Grosso do Sul, existem 121 mil hectares em conflito; em Goiás, cem mil; no Paraná, 135 mil; em Rondônia, 19 mil. São números bastante expressivos e colocam 65 mil na região de Minas Gerais também, e acabam colocando a maior parte das áreas de conflito, dos 729 mil hectares, em regiões que produzem a maior parte da safra brasileira. Como o senhor interpreta isso? Muitos produtores rurais dizem que isso atrapalha o aumento da produtividade, um projeto mais a longo prazo de produção. O senhor entende isso como provocação, como algo articulado? Como o senhor entende?

Raul Jungmann: Não, na verdade não. Hoje, inclusive, a nossa principal expectativa é fugir à lógica do conflito. Você tem visto que ultimamente o governo tem corrido atrás do conflito, e é preciso reverter isso. A minha expectativa, ainda em novembro, é apresentar uma proposta de intervenção para o ano de 97, em que nós vamos mostrar o orçamento que temos e a meta a ser atingida; debater com o conjunto dos movimentos sociais, com os produtores também, para que nós possamos ter uma intervenção planejada e fugir da lógica do conflito, que não é bom conselheiro, nem econômico, nem social, nem político.

Enio Lucciola: Ministro, o senhor disse que tinha investido neste ano...

Raul Jungmann: [interrompendo] Não, nos dois anos.

Enio Lucciola: Nos dois anos, três bilhões. Parece assim uma quantia aparentemente bem grande, mas eu queria que o senhor explicasse melhor isso. Quanto que desse dinheiro é título da dívida agrária? Quanto que é dinheiro realmente? Porque parece que os fazendeiros nem sempre aceitam que a reforma agrária seja feita com títulos que só podem ser resgatados muito tempo depois.

Raul Jungmann: Títulos da dívida agrária somam aproximadamente nesses dois anos um bilhão e cem, um bilhão e duzentos. O restante é em dinheiro mesmo. Agora, quanto ao protesto de alguns produtores, eu quero dizer duas coisas: em primeiro lugar, é que o processo de indenização que aí está é um processo que se encontra na Constituição, artigo 184 ou 185. Nós não podemos fugir a ele; em segundo lugar, com o plano de estabilização e com a baixa do preço da terra, você está podendo, inclusive hoje, pagar benfeitorias – é o caso do Pontal de Paranapanema – com o TDA [Título da Dívida Agrária], que é um bom título hoje.

Enio Lucciola: Essa negociação que está acontecendo agora no Pontal, no caso dessas cinco fazendas, esse tipo de negociação pode ser levada para outras regiões do país? Porque lá os fazendeiros estão numa situação um pouco, digamos assim, frágil, na medida em que eles estão ocupando terras que são do estado, são terras devolutas, eles não têm títulos de propriedade dessas terras.

Raul Jungmann: Veja bem, o Olacyr de Moraes [empresário brasileiro que foi considerado o maior produtor de soja do mundo] propôs nos repassar a [sua fazenda] Itamarati [em Ponta Porã (MS)] por TDA, inclusive a sua unidade, ou seja, a sua usina de processamento, e ainda hoje pela tarde...

Mônica Teixeira: [interrompendo] Mas o Olacyr não está bem...

Raul Jungmann: Um momento. Eu recebi uma ligação de um empresário aqui de São Paulo, que é mais ou menos da mesma dimensão do Olacyr, também propondo liberar um projeto dele que ele tem no Pará. O que você tem que entender é que independentemente, Mônica, de [o produtor] estar bem ou não, a verdade é que o processo de estabilização [econômica, com inflação baixa] leva a que você tenha que descartar, que você busque descartar o estoque de terra. Então, quem hoje está pensando em investir, quem está buscando liquidez para poder relançar o seu processo empresarial, ele realmente tem a perspectiva de descartar esse estoque de terras, de obter uma liquidez através da TDA, que é um bom título, independentemente, Mônica, de ele estar bem ou mal. Isso é uma tendência de mercado.

Mônica Teixeira: Desculpe, eu quero até dizer que eu acho que é muito bom negócio para os fazendeiros hoje, no Pontal do Paranapanema, a negociação que o governo federal e o governo estadual estão fazendo.

Luciano Suassuna: Ministro, o senador Darcy Ribeiro, num artigo hoje no jornal Folha de S.Paulo, levanta justamente essa questão. Ele disse que faltaria vontade política do governo, na medida em que grande parte das desapropriações só são efetivamente realizadas quando elas se transformam num grande negócio para os fazendeiros, quer dizer, faltaria vontade política para o governo negociar melhor esse preço.

Raul Jungmann: O senador Darcy Ribeiro está equivocado. Eu diria que ele está equivocado, porque nós vimos seguindo até aqui o que dispõe a legislação, nós estamos indenizando terra nua através de TDA, estamos fazendo, inclusive, coisas inéditas, como a indenização de benfeitoria em TDA, que são títulos resgatados em até vinte anos. Portanto, eu diria que nós, pelo contrário, estamos numa situação em que o poder público, o erário público, está levando uma enorme vantagem nesse preciso momento em que há uma depreciação do preço da terra e você está pagando com o TDA.

Luciano Suassuna: Mas não é curioso que fazendeiros liguem para o ministro da reforma agrária, oferecendo as suas terras?

Raul Jungmann: Qual a curiosidade? Se você, durante o período da superinflação, realizou estoques de engorda, hoje você ficar num processo de estabilização em que existem amplas oportunidades, por exemplo, em termos de mercado, você ficar com aquele estoque de terra parado é uma estupidez em termos econômicos. Então a busca que existe é muito natural, na medida em que há uma super oferta e que obviamente nós estamos expandindo o programa da reforma agrária. Pelo contrário, eu diria: estranho seria se não acontecesse isso que está acontecendo.

George Alonso: Ministro, o senhor acha que essa distribuição de terras que tem sido feita de alguma maneira, pelo governo Fernando Henrique, vai levar mesmo a desconcentrar a terra no Brasil?

Raul Jungmann: Esse é um processo de longo prazo. Nós precisamos assentar entre um milhão e meio a dois milhões de famílias num espaço, como recomenda a FAO [agência das Nações Unidas a cargo de assuntos de segurança alimentar], de 12 a 15 anos. Sem que isso aconteça, o processo de desconcentração não vai alcançar aquilo que nós queremos. E é bom lembrar que o próprio governo assumiu a crítica da estrutura fundiária lançando, há 15 dias, o primeiro atlas fundiário brasileiro. Agora, também não devemos esquecer que um programa como esse é um programa plurianual extremamente ambicioso, e ele vai requerer musculatura fiscal suficiente para dar conta dele.

Raul Costa Jr.: Ministro, ainda sobre a questão da distribuição da terra, um dos grandes problemas que existem, quando o governo desapropria uma terra, é a qualidade da terra. Boa parte das fazendas é de má qualidade para o plantio e para a pecuária também. E um levantamento do Incra indica que de seis milhões de hectares que o Exército deu para a reforma agrária, somente 30% são terras agricultáveis, ou seja, 1,8 milhão de hectares. Como o senhor interpreta isso? O senhor diria que o Exército só passou a pior parte das terras que ele tinha? O senhor interpreta que houve uma má avaliação? Como o senhor interpreta essa questão?

Raul Jungmann: Eu encaro o ato do Exército, a postura geral do Exército, como uma postura extremamente pró-ativa no que diz respeito à reforma agrária. E quanto a 30% ser disponível, isto é um primeiro levantamento, se deve em parte a que boa parte dessas terras podem ser reivindicadas por populações indígenas, e também uma parte delas como área de preservação ambiental. É por isso que quem está tratando da questão das terras do Exército é uma comissão tripartite integrada pela Funai, pelo Ibama e pelo Incra.

Raul Costa Jr.: E os outros 4,2 milhões de hectares?

Raul Jungmann: Isso é uma questão que nós vamos ter que discriminar ao longo do tempo.

Luis Carlos Guedes: Ministro, a experiência mundial mostra que a reforma agrária efetivamente se dá quando nós temos zonas reformadas. No Brasil, o que a gente vê é que a atuação do governo tem sido muito pontual, localizada. Aliás, o ministro mesmo acaba de dizer que, na realidade, o governo está correndo atrás do prejuízo, digamos, atrás dos conflitos, tentando resolver as questões localizadamente. E me parece que isso não leva efetivamente a uma transformação da estrutura agrária, aliás, a experiência brasileira é essa, nessas três décadas, do pouco que se fez. Então, minha pergunta é: o que está se pensando efetivamente em relação a transformar zonas do país? Por exemplo, a Zona da Mata ou outras regiões do país, que claramente têm graves problemas estruturais, problemas agrários gravíssimos, e que ao invés então de a gente ter essa atuação muito pontual, por que não uma atuação transformando regiões?

Raul Jungmann: Eu acho três coisas, Guedes. Em primeiro lugar, eu concordo com você de que nós precisamos instituir áreas reformadas, isso é importante. Em segundo lugar, não pensar apenas em áreas reformadas, mas também em sistemas agrícolas e agrários; o caso que você citou é muito ilustrativo disso, que é a Zona da Mata nordestina, que hoje vive um processo de deterioração acelerado e que deverá, inclusive, ser objeto de uma ação integrada do governo federal em conjunto com o governo estadual, para breve. E em terceiro lugar, eu também entendo que você trabalhar com a área reformada é uma maneira de você também fugir à lógica do conflito que, acho que achamos todos nós, não é a melhor maneira de você proceder um programa de reforma agrária.

Luis Carlos Guedes: Ou seja, está nos planos do governo essa atuação em termos de zona?

Raul Jungmann: Sim, está. Eu acho que esse é o salto que nós vamos dar para 1997.

Matinas Suzuki: Ministro, a impressão que dá, e é em parte o que o senhor afirma, é que quem está fornecendo a agenda para a reforma é o movimento dos sem-terra. De uma certa maneira, é a visão que passa hoje para a sociedade. E o governo vai investir aí, o senhor está falando, uns sete bilhões de dólares, e a meta, em 12 anos desejáveis, seria assentar em torno de dois milhões de famílias e tal. Mas esse tipo de atuação gera resultados a médio e longo prazo? Porque eu entendo que o problema de reforma agrária é um problema de resolução de estrutura econômica e de distribuição de renda que deve ser pensado em termos de médio e longo prazo. Esse tipo de atuação muito pontual, correndo atrás dos conflitos, não vai acabar gerando soluções que precisam ser remendadas daqui dois, quatro, cinco anos outra vez, prejudicando aí uma plataforma mais consistente a longo prazo de mudança do campo no Brasil?

Raul Jungmann: Duas coisas, Matinas. Em primeiro lugar, você está correto. Eu costumo usar a seguinte imagem: se ocorrer um conflito no Raso da Catarina [situado na região mais seca do território baiano], nós vamos ter que ir lá e desapropriar e assentar, embora o Raso da Catarina não tenha, digamos assim, os necessários requisitos econômicos.

Matinas Suzuki: Mas por que, uma vez havendo conflito, é necessário assentar? Não existe um outro tipo de solução?

Raul Jungmann: Isso é de difícil negociação. Geralmente, nós não temos conseguido, por exemplo, que os movimentos sociais aceitem com facilidade a busca de outro local. Muitas vezes porque existe toda uma relação com aquela terra, há um conflito, há uma disputa, e assim por diante. Agora, entenda, para que nós superemos isso, e o que aí está, qual é a nossa decisão? É colocar de um lado o orçamento, dizer: olhe, o que nós temos para o ano é tanto; colocar a meta e convocar os movimentos sociais para dizer o seguinte: não há necessidade de se invadir. O processo de invasão e de ocupação é hoje um processo obsoleto. Por quê? Se ele visa à desapropriação de terras, o governo federal está desapropriando uma média de dez mil hectares [por] dia, e em 150 dias que eu estou à frente do ministério, desapropriei aproximadamente 1,572 milhão de hectares. Onde é que está a dificuldade? Está na emissão de posse, está em assentar as famílias. E aí o problema ou ele é de ordem fiscal - há necessidade de mais recursos, claro, e nisso nós estamos de acordo -, ou então é de ordem judicial, há uma pendência judicial. Mas o processo de invasão e de ocupação é obsoleto, porque hoje existe vontade política e disposição, e inclusive instrumentos para que você possa proceder isso de uma maneira planejada. Então, resumindo, trata-se de chamar os movimentos sociais e produtores, e com eles formular um programa de intervenção [para decidir] onde vamos fazer isso. E essa intervenção, Matinas, é muito importante que ela se dê colada a um projeto de desenvolvimento, que coincida com aquelas áreas que, no futuro, serão economicamente viáveis e que serão interessantes constituir, inclusive aquilo que o Guedes falava ainda há pouco, áreas reformadas e que englobem sistemas agrícolas e [...] de maneira integrada.

Matinas Suzuki: Ministro, como estão as relações do mistério hoje com o movimento sem-terra?

Raul Jungmann: Com o movimento sem-terra, eu diria que, de um lado, nós estamos com as nossas negociações – em nível de coordenação e em nível político, quer dizer, em nível nacional – interrompidas. Entretanto, nos estados nós estamos fazendo um atendimento administrativo dos pleitos. Nós não achamos justo punir as pessoas que hoje estão acampadas ou que têm um determinado tipo de demanda por ser deste ou daquele movimento. Mas enquanto o Movimento dos Trabalhadores [Rurais] Sem-Terra não refletir, de certa forma, que não é conveniente invadir próprios públicos, fazer refém e, sobretudo, constranger o funcionário público, que é um funcionário de todos nós, nós não temos condições políticas de continuar o processo de negociação.

George Alonso: Quantos órgãos públicos estão invadidos hoje?

Raul Jungmann: Invadidos hoje, que eu saiba, nós temos apenas uma unidade avançada em Apuí [AM], mas nós temos a iminência de invasão, que é uma constante em Marabá [PA], que pode se dar a qualquer momento, e em Cuiabá, onde acontece uma sequência de invasão e de recuo.

Raul Costa Jr.: Ministro, como o senhor se sente? O senhor é um homem que tem toda uma história de esquerda ligada ao PPS, ao antigo Partido Comunista [PCB], o senhor tem uma tradição. Como o senhor se sente estando em um governo em que o Gilmar Mauro, que é um dos líderes dos sem-terra, sai de uma reunião com o vice-presidente Marcos Maciel – e o senhor está dizendo agora que estão interrompidas as negociações – dizendo que prefere negociar com o vice-presidente, que é do PFL, um conservador histórico, do que com o senhor?

Raul Jungmann: Eu acho que isso é muito do que se faz em termos de bate e rebate, em termos de disputa política. Mas a verdade é que essa recepção que o vice-presidente fez foi uma coisa de que eu tive conhecimento todo o tempo. Foi uma solicitação feita pelo senador Eduardo Suplicy, e eu acho que não cabia ao vice-presidente não receber o senador devidamente acompanhado pelo movimento dos sem-terra. Todas as solicitações [relacionadas à reforma agrária] entregues ao vice-presidente, ele fez questão de dizer isso, [dizer] que seriam passadas para mim, que cabia ao ministro decidir o que fazer com elas.

Raul Costa Jr.: Só uma coisa: o vice-presidente Marco Maciel é seu adversário político em Pernambuco, porque ele apoia o Roberto Magalhães e o senhor apóia o outro Roberto, o Roberto Freire, não é? Isso aí não teria a ver com essa disputa regional?

Raul Jungmann: Eu acho que em absoluto. Até porque, no caso de Pernambuco, se você prestar atenção, nós temos lá outros dois palanques, quer dizer, o PSDB não está em aliança com o PFL. Então eu acredito que, como ministro, eu estou inteiramente à vontade para fazer aquela escolha, que se afina mais com as minhas inclinações e com as minhas preocupações com a cidade do Recife, que foi o que eu fiz, apoiando o candidato Roberto Freire.

Enio Lucciola: Ministro, o senhor disse que essa tática de ocupação é uma tática obsoleta, mas o senhor me pareceu assim bem pouco à vontade aí para defender a reforma agrária que está sendo adotada hoje pelo governo como uma saída completa. O senhor mesmo reconheceu que o governo está correndo atrás do prejuízo, está fazendo os assentamentos, mas não estaria fazendo o serviço completo. Os assentamentos que estão sendo feitos hoje estão recebendo o atendimento de crédito, o apoio que é necessário para que essas áreas assentadas sejam viáveis economicamente, ou a gente está empurrando esse pessoal aí para a beira de um precipício?

Raul Jungmann: Em primeiro lugar, me permita dizer que eu estou inteiramente à vontade sobre esse aspecto. Eu estou contando com apoio, eu disponho de recursos e eu estou alcançando as metas que me foram incumbidas. Então, quanto a isso, nenhum problema. Em segundo lugar, o que nós estamos fazendo é todo um processo de agregar valor, de agregar conhecimento, ou seja, nós não estamos pensando na reforma agrária apenas sob o seu aspecto quantitativo, nós estamos pensando sob o aspecto qualitativo. E foi pensando nisso que nós iniciamos o primeiro censo de toda reforma agrária: 350 mil famílias assentadas estão sendo entrevistadas logo mais por técnicos ligados a todas as universidades brasileiras. Em dezembro eu terei a primeira grande radiografia do que foi feito em termos de reforma agrária ao longo desses trinta anos. E aí eu vou poder montar todo um programa e uma rede na área de saúde, de educação, de tecnologia, transporte e energia, fazendo com que eu possa, sabendo quem vai bem, quem vai médio e quem não vai, eu possa na verdade agregar qualidade, saber e conhecimento à reforma agrária. Então eu acredito que é um processo de melhoria. Ao lado do atendimento das metas quantitativas, eu tenho que fazer, e vou fazendo, um processo de melhoria de qualidade, porque reforma agrária não pode ser um setor arcaico. A reforma agrária numa economia que se globaliza, que se abre, e onde a competitividade é chave, ela tem que claramente agregar valor e agregar conhecimento. E essa é a preocupação que nós estamos tendo agora.

Enio Lucciola: O senhor acha que está com recursos, o senhor acha que a política de crédito que o governo tem hoje, que bancos oficiais, os bancos estatais oferecem hoje aos sem-terra, é adequada?

Matinas Suzuki: Ministro, se o senhor me permitir, eu gostaria de pôr uma carona nessa pergunta do Enio, a do Marco Aurélio Serni, de Campo Grande: “O governo irá dar condições para que as famílias assentadas possam produzir? Pois, há trinta anos as terras da fronteira do Brasil com o Paraguai, no Mato Grosso do Sul, foram doadas, porém sem uma condição para as famílias produzirem, causando a venda das terras aos fazendeiros por um valor muito baixo.” Entendo que as duas perguntas estão do mesmo espírito.

Raul Jungmann: O que eu queria dizer é o seguinte: veja bem, nós temos uma linha de crédito especial para os assentados, que é o chamada Procera [Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária]. Os recursos para este ano, da ordem de 254 milhões, estão sendo disponibilizados e nós estamos atendendo a esse tipo de demanda. Agora, o que é fundamental é reconstruir - e, isso sim, nós estamos reconstruindo - o sistema de assistência técnica para fins da reforma agrária, e eu diria, mais abrangentemente, para o pequeno produtor, o produtor familiar. Esse é um sistema que foi, em grande medida, destruído, ele foi em grande medida desmantelado, e vai levar algum tempo para ser reconstruído. Mas nós estamos, neste preciso momento, reestruturando esse setor e partindo, em 1997, em conjunto com as universidades e centros de pesquisa, Instituto de Terra e as Ematers [Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural, instituições estaduais], para um outro modelo, que eu espero venha a atender às demandas da reforma agrária.

Matinas Suzuki: Ministro, o Roberto Farias, de Tupã, aqui no estado de São Paulo, pergunta o seguinte: “O governo vai garantir o estado de direito ou vai permitir que o movimento guerrilheiro denominado movimento sem-terra cresça, invada e espolie? Se esse movimento der certo, certamente teremos outros como os sem-teto, por exemplo”. E eu gostaria de também aqui agregar, se o Roberto me permitir, uma outra pergunta. O senhor, vindo de uma tradição de esquerda e acompanhando mais de perto o movimento dos sem-terra, que análise o senhor faz da lógica de atuação dos sem-terra? Quer dizer, pode-se chamar de movimento com características de um movimento guerrilheiro, por exemplo, como afirma o nosso telespectador?

Raul Jungmann: Não, não existe nenhuma característica de movimento guerrilheiro. Agora, com relação à lógica do MST, eu acho que todos mudamos nesse processo. O governo criou o Ministério da Reforma Agrária; a sociedade, inclusive a urbana, apóia majoritariamente a reforma agrária; o Congresso Nacional, através de um processo de negociação, mas ele tem aprovado uma legislação infraconstitucional necessária para fazer evoluir a reforma agrária. O que eu acredito é que todos mudamos, a sociedade, o governo. Cabe ao MST, portanto, também mudar. Não está em causa, por exemplo, nem a reforma agrária, nem o papel que possa desempenhar o MST, mas é preciso que os métodos, esses sim, mudem. Processo de invasão, como eu já disse aqui, de ocupação de prédio público etc, isso aí não dá para continuar. Então, é isso que, na verdade, faz com que o governo tome as posições que ele tem tomado. O governo diz sim à reforma agrária e aos movimentos sociais, e não poderia ser diferente, mas o governo diz não a qualquer quebra da legalidade. Porque a quebra da legalidade significa, em grande medida, o sancionamento da violência. E a violência, a toda ação corresponde uma reação. E aí você dá um salto para trás, um salto na direção da barbárie. E aí o governo realmente não tem contemplação. Acho que o estado democrático de direito é uma coisa que tem que ser respeitada, e se necessário o uso da força, baseada nesse estatuto do estado democrático de direito, ela deve ser usada, está certo? Jamais a violência, mas ela deve ser usada.

Raul Costa Jr.: Ministro, o senhor acha que quem invade um prédio público tem que ser processado e preso, assim como quem invade terra?

Raul Jungmann: Eu acho que, tanto um quanto o outro, configura... aquilo que configurar a quebra de uma legalidade, a quebra da lei, obviamente que tem que ensejar uma punição. Eu não sei dizer qual seria ela especificamente, mas eu acho que essa coisa não pode caminhar na direção da impunidade, de forma alguma.

Raul Costa Jr.: Então, o senhor não concorda que, por exemplo, líderes como o José Rainha, que têm mandado de prisão expedido pela Justiça, negociem com o governo?

Raul Jungmann: Aí, o que eu acho é o seguinte: você tem um movimento social, você tem que negociar com o movimento social. Se você vai fazê-lo com A, B, C ou D, isso aí é uma questão que, eu acredito, tem que refletir exatamente esse teor de legalidade. Eu sou absolutamente contrário ao processo de ocupação, de invasão e de você proceder à feitura de reféns ou você sequestrar seja quem for. Isso aí é uma questão de direitos humanos, eu acho que não pode haver nenhuma transigência no que diz respeito a isso.

Luis Carlos Guedes: Ministro, o senhor não acha que é muito mais grave do que essas ocupações que o movimento dos sem-terra tem feito ao longo do país, e que são do conhecimento público, é a grilagem no país? A história do Brasil, como o senhor sabe bem, é a história da grilagem, ou seja, da ocupação das terras públicas de forma absolutamente ilegal. O Pontal do Paranapanema, no estado de São Paulo, é exemplo típico. Todos sabem, inclusive aquelas áreas já foram julgadas, que são terras devolutas, são terras públicas. Por que o governo não age muito mais duramente, eu diria, com os grileiros, que ocuparam milhões, dezenas de milhões de hectares do país, do que como age com os sem-terra? Por que praticamente se ignora esse fato no Brasil? O fato da grilagem, que é muitíssimo mais grave do que as ocupações dos sem-terra, e em áreas muitíssimo maiores.

Raul Jungmann: O que eu acredito é que se você reconhece que os dois são graves e que os dois merecem uma tomada de posição por parte do Estado, nós estamos de acordo. Agora, com relação à grilagem, o que eu acho é o seguinte: é que cabe a nós, por exemplo, deflagrar, como estamos preparando para deflagrar, um amplo programa, um maciço programa de titulação de terra. Como também você tem que ver, no que diz respeito às terras federais, que são basicamente terras de fronteira - já que as terras devolutas pertencem aos estados - o que você tem que ver é que você tem que fazer todo um trabalho revisional e você tem que estruturar um cadastro de terras no Brasil, em que a União, estados e municípios possam ter as suas informações e possam rever aquilo que seja necessário. Agora, acho também fundamental que, onde exista o processo de grilagem, ele seja reprimido, sem a menor sombra de dúvida.

Luis Carlos Guedes: Eu queria fazer um breve comentário: eu acho que é bem diferente a ocupação do movimento dos sem-terra e a grilagem. No movimento dos sem-terra, geralmente cada família ocupa de cinco a dez hectares, e a própria Constituição reconhece que eles podem pedir a regularização dessa terra, são pequenas áreas, e a grilagem é feita em dezenas, centenas de milhares de hectares de terra. Eu acho que não se pode comparar os dois processos, é nesse sentido.

Raul Jungmann: Eu entendo o que você está levantando, mas não é o número de hectares – está certo? – que vai fazer com que haja uma desproporção, uma proporcionalidade no caso. O que eu acho é que, quando você realiza, seja uma grilagem, seja um processo de ocupação, você está fazendo alguma coisa que competiria, em larga medida, ao poder público. Ao se substituir ao poder público e realizar um ato que é violento, em alguma medida, seja através da quebra da propriedade, seja através da expulsão de um posseiro, você estaria convocando ou estará convocando uma contra violência. E aí é onde é fundamental entender que o Estado é um pacto ético-político para evitar a violência e solucionar o conflito. E aí não dá para abrir mão.

Luis Carlos Guedes: Ministro, eu acho que são dois processos bem diferentes. Eu não gostaria de misturar as duas coisas. Quer dizer, na realidade, o que os fatos demonstram é que o pouco que se fez no Brasil de reforma agrária, e eu acho que nem se pode falar em reforma agrária no Brasil efetivamente – nós não transformamos o perfil da estrutura agrária brasileira, nem de longe –, mas o pouco que se fez foi em decorrência da ação do movimento dos sem-terra. Os fatos são muito claros nesse sentido. Então, eu acho que a atuação do movimento dos sem-terra, desse ponto de vista, é extremamente positiva.

Raul Jungmann: Veja bem, aproximadamente de 35% a 40% dos assentamentos não resultam de um processo de invasão. Então, dizer que tudo o que foi feito...

Luis Carlos Guedes: [interrompendo] Não, eu disse a maior parte.

Raul Jungmann: Claro, a maior parte, tudo bem. Agora, em segundo lugar, a grande questão, Guedes, que está aí por trás, e a gente precisa refletir é a seguinte: a partir do momento em que alguém se arvora o direito de quebrar a propriedade privada, seja ela um latifúndio, seja ela uma terra produtiva, ele está assumindo alguma coisa, e isso é importantíssimo, que deve ser detido, e isso inclusive está na Constituição, pelo próprio Estado. Se substituir ao poder público, em alguma medida, é, além de uma ilegalidade, um convite a uma contra violência, e está aí a UDR, por exemplo, que é um efeito malsão desse tipo de coisa. Então, o que eu acho é que se o Estado não funciona com a necessária eficiência, vamos mudar o Estado; se a legislação não funciona como nós queremos, vamos mudar a legislação. Mas, efetivamente, a gente não pode concordar que, pelo mau funcionamento do Estado, a partir daí você possa ter a ruptura de um estado democrático de direito, porque isso inclusive é uma conquista do conjunto dos trabalhadores, e isso é fundamental. E outra coisa, numa sociedade que tem Congresso aberto, que tem partidos, que tem liberdade de organização, eu não acredito que esse seja necessariamente o caminho. E mesmo que o fosse, o que eu acho, Guedes, para concluir, é que hoje existe majoritariamente um desejo da sociedade em caminhar em direção à reforma agrária, e o governo está procurando responder a esse mecanismo todo e está procurando dar passos mais largos. O próprio Congresso responde. Então, é fundamental mudar os métodos, porque senão eles terminarão se voltando contra o próprio objetivo da reforma agrária.

Mônica Teixeira: Mas que métodos o senhor acha que teria o movimento dos sem-terra, além de ocupar terras? O que eles poderiam fazer? O senhor falou várias vezes isso; então qual seria a mudança que o senhor desejaria do movimento dos sem-terra? O senhor gostaria que eles tivessem calma?

Raul Jungmann: Não, não é o problema de ter calma. O que eu acho é o seguinte, Mônica, é que, veja bem, eu não estou recusando o conflito, eu não estou recusando a pressão. Eu acho que o processo de organização e mobilização que os movimentos sociais representam é legítimo e ajuda, sobretudo, o processo de mudança.

Mônica Teixeira: É ele [o MST] que está fazendo a reforma agrária; o senhor está indo a reboque da reforma agrária. O senhor me desculpe, mas...

Raul Jungmann: [interrompendo] Não, não.

Mônica Teixeira: ...o senhor mesmo disse. Quando o senhor diz: eu estou indo atrás do conflito...

Raul Jungmann: Eu estou indo atrás do conflito...

Mônica Teixeira: ...o senhor está indo a reboque do movimento dos sem-terra, da Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], dos movimentos sociais.

Raul Jungmann: Um instantinho, eu quero só dizer que essa dinâmica não foi desatada por esse governo.

Mônica Teixeira: Sim, isso é verdade.

Raul Jungmann: No momento em que você teve a Constituição de 1988, que representou no capítulo agrário um retrocesso, inclusive em face ao próprio Estatuto da Terra, você instaurou um determinado tipo de dinâmica que este governo, apesar de ele estar tendo que lidar com o conflito e responder ao conflito, ele está se propondo, exatamente agora, a você sair dessa etapa para um processo de intervenção planejada. Mas isso leva um pouquinho de tempo, sobretudo porque você tem um deficit acumulado. O que eu estou propondo basicamente é o seguinte: se você tem esse espaço hoje que aí está; se você tem essa boa vontade; se você tem a disposição política; e se toda a sociedade quer isso; a forma do conflito e a forma da invasão já não é mais adequada, se é que ela foi um dia.

Mônica Teixeira: Mas, ministro, [o problema] é que é o senhor quem diz que tem vontade política.

Raul Jungmann: Você faz a reforma agrária pelo seguinte: porque se você me peticionar e disser que uma determinada área tem conflito, e que, por exemplo, ela é improdutiva, eu vou lá e faço a vistoria.

Mônica Teixeira: Acredito que vá mesmo.

Raul Jungmann: Se você pode peticionar, por que você vai apelar a uma alternativa, por exemplo, que pode significar um derramamento de sangue?

Mônica Teixeira: Talvez porque demore muito, peticionando.

Raul Jungmann: Se demora muito...

Mônica Teixeira: [interrompendo] Por exemplo, na fazenda Santa Rita, onde eu estive, foi pedida a vistoria do Incra, [mas] o Incra não fez a vistoria. Então, qual é o objetivo de cada ocupação? Eles sempre têm um objetivo...

Raul Jungmann: [interrompendo] A fazenda Santa Rita...

Mônica Teixeira: [interrompendo] Santa Rita, no Pontal do Paranapanema.

Raul Jungmann: ...me permita só dizer, não foi vistoriada por dois motivos. Em primeiro lugar, porque se trata, pelo cadastro do Incra, de propriedade produtiva, então nós já temos a informação, não é? Mas mesmo assim, e se assim fosse, isso não justificaria que você, a partir daí, você invadisse e quebrasse o direito da propriedade. Porque eu estarei sancionando, Mônica, com uma coisa que eu não posso aceitar...

Mônica Teixeira: [interrompendo] Mas é que nós estamos discutindo...

Raul Jungmann: Um instantinho, Mônica. É que aquele proprietário se defenda à margem da legalidade. É isso que está em jogo, e é disso que não dá para abrir mão. Se o Estado não funciona, vamos procurar modificar o Estado.

Mônica Teixeira: Então o senhor sugere que eles peticionem e fiquem esperando? O que eu perguntei para o senhor foi isso. O que o senhor espera como ação do movimento dos sem-terra?

Raul Jungmann: O que eu espero é que ele se organize, que ele peticione, que ele proteste, que ele critique, está certo?

Mônica Teixeira: Mas que ele não ocupe terra.

Raul Jungmann: Que ele não ocupe terras, porque isso aí representa uma quebra de um princípio e de uma norma, e isso pode gerar uma contra violência, como, aliás, tende a gerar. E isso não é positivo, isso não é positivo.

Enio Lucciola: O senhor admite que foi válida a ocupação? O senhor acha que a ocupação foi válida, se eu estou entendendo o seu raciocínio. Então, o senhor acha que foi uma forma válida, só que agora...

Raul Jungmann: Não, eu não disse que era válido. Eu digo o seguinte: se você teve um período em que, efetivamente, você teve um processo de decréscimo em termos da reforma agrária, particularmente você poderia dizer que aquele período após o governo Sarney, ou seja, especificamente no governo Collor... Então, o que acontece? Você tem todo um represamento de demanda que terá levado o movimento ao processo que, aliás, já era anterior ao processo de ocupação, o processo de invasão. Mas a partir do instante em que o quadro muda, o quadro institucional, a resposta do Estado, a disponibilidade de recursos, o próprio mecanismo, digamos assim, de reforma agrária, se altera favoravelmente ao alcance das metas, então eu acho que efetivamente sentar na mesa, negociar e propor uma intervenção planejada que se [...] a um projeto de desenvolvimento é muito mais lógico, muito mais racional do que você seguir por outros caminhos que obviamente só levam à elevação...

Luciano Suassuna: [interrompendo] O senhor não acha que isso aí é um problema do senhor, e não do movimento dos sem-terra, na seguinte medida: na proporção em que você tem um Estado que só consegue desapropriar 60%, 70% das terras a partir da iniciativa dos sem-terra, quer dizer, na medida em que esse Estado, com esses bons argumentos aí do senhor, começar a desapropriar 40%, 50%, 60%, 70%, o problema dos sem-terra vai ficar cada vez menor. Quer dizer, no fundo o problema não é do senhor, que tem um Estado ineficiente para poder tocar a reforma agrária?

Raul Jungmann: Olha, o que eu diria então é que a questão está resolvida, porque se eu estou desapropriando dez mil hectares [por] dia, se eu, em 150 dias, desapropriei um milhão e meio de hectares, está resolvido. Você já respondeu a minha questão. E é isso que eu tenho a dizer. Hoje você não precisa invadir para promover o processo de desapropriação, acabou, isso está superado. Por isso, a estratégia que eu tenho colocado é de você procurar acordar. O que eu estou querendo dizer? Vamos em 1997 discutir e ver claramente onde se faz necessário o processo de intervenção. O Estado tem vontade e tem os instrumentos para fazer. O rito sumário, que agora vai ser aprovado no Senado, possibilita que eu reduza à metade, inclusive, o tempo entre a desapropriação e a emissão. Estão aí os instrumentos, estão aí os recursos, eu vou procurar negociar.

Luciano Suassuna: Agora, velhos instrumentos – essa é outra questão –, quer dizer, velhos instrumentos como o ITR [Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural], que sempre se cobrou uma coisa mínima, quase simbólica, e a cada governo que entra se tem um projeto: não, dessa vez vamos cobrar o ITR decentemente e tal. Passa um governo, entra outro, passa um, entra outro, e o ITR continua sendo mínimo, quer dizer, um instrumento fundamental, porque é um instrumento que mexe direto no bolso do proprietário da terra.

Raul Jungmann: Pois bem, [quanto ao] ITR, vai ter um projeto que deverá ser submetido ao presidente, que deverá apresentar ao Congresso Nacional, que representa uma clara ruptura com essa história e com essa cultura aí, a que você se referiu ainda há pouco. Ele vai mudar, vai mudar radicalmente, e a taxação da propriedade improdutiva vai ser uma realidade. E não apenas isso, nós estamos partindo para criar o Fundo Nacional de Reforma Agrária, que vai ser a possibilidade de você ter os recursos do ITR, e não apenas dele, orientados para um fundo que dê a necessária transparência para a sociedade com os custos que você está tendo em termos de reforma agrária, e assegurando uma estabilidade e um fluxo de recursos compatível com a necessidade de uma reforma agrária sustentável e definitiva. Isto está sendo apresentado ainda este mês. Está claro isto?

George Alonso: Ministro, parece que a proposta desse projeto de que o senhor falou seria simplesmente retirar as terras dos latifundiários que sonegam a ITR. Isso é real ou não?

Raul Jungmann: Não, não é assim, o mecanismo não é esse. O que você vai fazer é uma taxação realmente progressiva que vai punir quem está especulando ou quem tem terra improdutiva, uma taxação que visa a preservar, que é a outra contraface, a competitividade e a produtividade de quem está efetivamente produzindo e, por último, o ITR que venha a ser efetivamente cobrado e que não venha a reproduzir as taxas anteriores de sonegação. Para isso, inclusive, nós vamos trabalhar em conjunto com o Ibama, que é uma experiência importante que já foi feita, a Receita Federal e o Incra. Além disso, a fiscalização deverá voltar para o próprio Incra, através do cadastro de que ele dispõe e também de um corpo profissional, e nós estamos ampliando esse corpo profissional agora mesmo com concurso público, [o que] vai possibilitar que você reduza as taxas de sonegação e de ineficiência do tributo.

Matinas Suzuki: Nós vamos para um rápido intervalo e voltamos daqui a pouquinho com o Roda Viva, que esta noite entrevista o ministro extraordinário da Política Fundiária, Raul Jungmann. Até já.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Nós voltamos com o Roda Viva, que entrevista esta noite o ministro extraordinário da Política Fundiária, Raul Jungmann. Ministro, nós terminamos o final do primeiro bloco falando um pouco sobre um novo projeto de tributação no campo que o senhor estaria preparando. Será que o senhor poderia explicar um pouquinho mais detalhadamente para o nosso telespectador o que está contido nesse projeto? O que muda em termos de alíquotas, de percentuais a serem aplicados? O que está sendo considerado em termos de tamanho e de dimensões? Porque eu acho que isso é útil, enfim, para todo um setor do Brasil que trabalha com isso e que está preocupado com isso neste momento.

Raul Jungmann: São cinco, Matinas, as principais modificações. Em primeiro lugar, você fez uma redução das alíquotas. Elas eram 180 e passaram para 25. Em segundo lugar, você tornou essas alíquotas muito mais progressivas no sentido de taxar, e taxar pesadamente, a grande propriedade improdutiva, e em segundo lugar assegurando para aqueles extratos produtivos médios e pequenos condições de competitividade. Inclusive, nós levamos em conta coeficientes, por exemplo, já vigentes no Mercosul, o que é uma novidade. Em terceiro lugar, o ITR passa a ser declaratório. Anteriormente todo o cálculo do imposto era feito inicialmente pela Receita Federal e o sujeito ia então e pagava. Em terceiro lugar, nós estamos vinculando o valor a ser pago na desapropriação ao valor declarado pelo dono do imóvel, porque a tendência para fins do ITR, do imposto, era que o preço da terra fosse subavaliado, [mas] quando chegava na hora da desapropriação, esse preço magicamente subia muito. Não, agora esse é o preço de referência, inclusive para a desapropriação. Em quarto lugar, nós estamos fazendo uma relação entre o ITR e aquilo que é declarado e o imposto de renda do contribuinte – o imposto de renda de pessoa jurídica –, fazendo com que, por exemplo, a venda seja computada como ganho de capital, porque também é uma forma de você cercar, digamos assim, possível sonegação. E quinto e último, nós vamos estar retornando o processo de fiscalização para o Incra, que é mais aparelhado e tem condições de promover uma efetiva fiscalização, e nós vamos nos centrar naqueles 65 ou 70 mil grandes propriedades, porque nós já sabemos onde elas se encontram, porque nós temos o cadastro de terra do Brasil, e nós vamos efetivamente, de forma integrada com a Receita, promover um processo de fiscalização.

[sobreposição de vozes]

Matinas Suzuki: Só um momentinho, ainda sobre esse ponto, uma das críticas que se tem feito ao projeto é justamente sobre a questão da desapropriação pelo valor declarado.

Raul Jungmann: Isso.

Matinas Suzuki: E não pelo valor de mercado. Por que o senhor acha que esse sistema deve funcionar melhor do que o sistema do valor de mercado? Inclusive, porque os críticos dizem que é uma questão que se pode disputar na Justiça facilmente...

Raul Jungmann: Nós sabemos que existem alguns óbices, e é exatamente por isso que a procuradoria do Incra e a procuradoria da Receita Federal estão trabalhando em conjunto, mas nós achamos essencial ter esse parâmetro de referência, porque nós entendemos que ele possibilita que você venha a fraturar, digamos assim, a espinha dorsal da indústria de superindenizações. Se um preço vale para a declaração do imposto de renda, nós entendemos que esse preço também é válido para que você proceda o processo de desapropriação. Ou então nós teríamos que ter uma referência, por exemplo, para impostos e uma referência para desapropriação. Aí, essa conciliação seria dificilmente explicável.

Raul Costa Jr.: Ministro, vai precisar de lei para poder...?

Raul Jungmann: Vai sim.

Luciano Suassuna: O senhor não teme que a bancada ruralista altere tudo nessa...?

Raul Jungmann: Eu queria responder a essa questão. Eu acho que está na hora de a gente fazer uma separação entre a bancada de ruralistas ou de produtores rurais e a bancada agrária. Os interesses agrários representam um subsetor, um conjunto de interesses dentro da bancada de produtores rurais, que é amplíssima, e aí é preciso dizer que o governo, quando apresentou o projeto – que aliás é de autoria de um deputado do PT –, que é o 490A, das liminares, o governo ganhou, ganhou por 177 a 140. E a partir daí, a bancada agrária sabe que tem que negociar, e ela está negociando. Exemplo disso é que o rito sumário, que todos diziam que não tinha a menor chance de passar, passou por 360 a 13 ou a 19, se não me engano. Da mesma forma que passou o projeto de lei do Ministério Público; da mesma forma que passou o projeto de revisão das superindenizações, e assim por diante.

Luciano Suassuna: [interrompendo] Mas isso vai direto...

Raul Jungmann: Só um instantinho. Isso tudo está no Senado e nós vamos limpar essa pauta. Então eu não temo isso, porque existem vontade e determinação do governo e ele saberá valer na hora da votação essa vontade e essa determinação.

Enio Lucciola: Ministro, o senhor estava falando do novo imposto, só para que a gente entenda melhor... Quanto que o governo arrecada hoje com o ITR e quanto é que ele passaria a arrecadar dentro dessa nova sistemática?

Raul Jungmann: Hoje [o governo arrecada] entre 350 a 380 milhões de reais. Deve chegar, mas isso [...] não dar-se-á no primeiro ano, porque é todo um processo de ajuste, mas acredito que já no segundo ano ele poderá estar chegando a 1,6 bilhão, 1,7 bilhão. Eu acredito que a partir do segundo ano, isso é o que nos diz a simulação que nós fizemos.

Enio Lucciola: E o senhor acha que existem condições políticas dentro do Congresso Nacional para aprovar isso aí?

Raul Jungmann: Essa pergunta é interessante, porque ela me enseja agregar um pouco mais de informação que eu tenho dito até aqui. Veja bem, há coisa de dois meses, dois meses e pouco atrás, os presidentes das principais entidades de produtores rurais, a CNA [Confederação Nacional da Agricultura], a SRP [Sociedade Rural do Paraná], a OCB [Organização das Cooperativas Brasileiras] foram ao presidente da República e entregaram um memorial que diz basicamente duas coisas: em primeiro lugar, que eles são favoráveis ao processo de reforma agrária desde que ele transcorra em paz. E em segundo lugar, que eles são favoráveis a um ITR efetivo que reduza a sonegação. Porque o produtor rural, na medida em que ele é, de certa forma, equiparado para fins de imposto com aquele que não produz e que especula com a terra, ele é punido. Então ele tem todo o interesse que o ITR venha e vigie para valer, sobretudo porque ele incidirá de uma maneira muito mais pesada, e aí sim nós não temos dúvidas a esse respeito, sobre aquele que especula, sobre o latifúndio, e se esse projeto passar, como nós esperamos, eu acho que num prazo de cinco a oito anos você vai ter uma mudança significativa da estrutura fundiária brasileira, inclusive porque a estabilização da moeda e o real já são um grande desestímulo a que você tenha a terra para fins de especulação de valor de engorda. É isso que está acontecendo e tem feito inclusive a queda do preço da terra, está certo? Esses dois mecanismos, aliados aos instrumentos que o governo está solicitando ao Congresso, e que eu acredito que ele vai nos dar, dão condições para que você veja o processo de reforma agrária com otimismo. O restante é agregar qualidade, valor, educação, saúde e tecnologia, que é o nosso próximo passo e o que nós estamos fazendo.

[sobreposição de vozes]

Raul Costa Jr.: Ministro, o Incra tinha solicitado um orçamento para este ano de três bilhões de reais e recebeu um bilhão e quatrocentos milhões. É notória a falta de estrutura do governo em todo o processo técnico. Esta semana tem uma história curiosa: um técnico da Embrapa foi procurado por alguém do movimento dos sem-terra, e essa pessoa do movimento pediu que se fizesse um estudo sobre a variação da qualidade do solo dessas terras que seriam desapropriadas. E o Embrapa disse que não tinha dinheiro, e os sem-terra disseram que bancariam esse estudo e financiariam a Embrapa com tranqüilidade, inclusive a Embrapa poderia remeter os resultados via internet no site do Movimento dos [Trabalhadores Rurais] Sem-Terra. É uma historinha curiosa que demonstra a diferença de relação. Eu gostaria de dividir a pergunta em duas partes: uma, a questão basicamente, o governo sabe a dimensão ou conhece a real dimensão do movimento dos sem-terra hoje no Brasil? Segunda [pergunta]: segundo a revista Veja, de duas ou três semanas atrás, o movimento dos sem-terra tem influência hoje em 130 mil assentados. O governo tem algum controle ou tem alguma informação sobre o que acontece nesses assentamentos?

Raul Jungmann: Em primeiro lugar, começando pelo fim, eu desconheço, eu nunca vi essa estatística de 130 mil famílias. Eu acho que não tem assentado esse número de famílias, não. O que eles sempre nos falaram é algo em torno de 40 mil famílias, e mesmo assim eu acredito que aí existe também, digamos assim, a participação do Sindicato de Trabalhadores Rurais e de outros movimentos, organizações não governamentais, que participam dentro do processo. Agora, com relação àquilo que você colocou do orçamento...

Raul Costa Jr.: [interrompendo] O governo sabe o que acontece lá hoje?

Raul Jungmann: Olha, saber o que está acontecendo lá dentro, eu acho que não, porque isso aí é uma associação privada, de direito privado, e obviamente que não compete ao governo, a não ser que ele tenha um mandato judicial, por exemplo, entrar e saber o que se passa lá dentro. Quer dizer, o que acontece aí dentro é uma questão que não nos diz respeito. Agora, o que acontece com relação ao orçamento, este ano nós devemos chegar a alguma coisa em torno de 1,7 bilhão. O que eu tenho verificado é que esses recursos são suficientes para que a gente alcance a meta... como eu disse aqui no início, entre 15 a 20 de dezembro, nós estamos chegando na meta dos 60 mil. Agora, com relação à questão que você coloca, a questão de você fazer a avaliação da terra, nós estamos abrindo um concurso, agora no dia 4, e já há previsão de concurso para 97, 98, no sentido da recomposição da força do trabalho do Incra. Agora, também quero deixar uma coisa bem clara, é que só a descentralização vai dar agilidade necessária, a velocidade necessária e a agregação dos recursos humanos e técnicos suficientes para a reforma agrária. Veja só um exemplo: aqui no estado de São Paulo, eu tenho aproximadamente 107 pessoas, e o governo [Mário] Covas deve ter o quê? Meio milhão de funcionários aproximadamente? Pois bem, constitucionalmente não compete ao governo Covas absolutamente nada no que diz respeito à reforma agrária, enquanto à União, ou seja, ao governo federal, compete tudo no que diz respeito à reforma agrária. Isso faz com que estados e municípios não se sintam concernidos. Então, você tem enormes máquinas burocráticas, recursos financeiros e humanos que não estão sendo empregados em termos de reforma agrária. Daí que é preciso rever isso; eu acho que tem que descentralizar, e acho que tem que descentralizar radicalmente, no sentido de envolver estados e municípios nesse processo, porque a União sozinha não dará conta, e particularmente a execução da reforma agrária em especial, em termos de assentamentos, é alguma coisa que, sobretudo, deve competir a estados e municípios. Quanto a isso, não tenho a menor sombra de dúvida.

Luis Carlos Guedes: Ministro, eu queria fazer um comentário, e tomar a liberdade aqui inclusive de discordar da sua afirmação anterior com relação ao ITR. Eu acho que é uma ilusão esperar mudança na estrutura agrária a partir do imposto. Por mais elevado que ele seja, a experiência mundial mostra que nenhum país do mundo fez reforma agrária com base no ITR, eu acho que...

Raul Jungmann: [interrompendo] Eu não disse isso.

Luis Carlos Guedes: Eu acho que é uma ilusão. Inclusive, a própria legislação brasileira, o Estatuto da Terra é muito claro, ele coloca o ITR no título relativo à política agrícola. O título relativo à reforma agrária, [...] é dividido em duas partes básicas – estou dizendo isso para o público que está ouvindo, claro, não para o senhor –, tem a parte de reforma agrária e a parte de política agrícola. É um instrumento de desenvolvimento rural, que pretendia ser o Estatuto da Terra. Então, na parte relativa à reforma agrária, nem se fala em ITR, que então é um instrumento complementar. Eu acho que é um instrumento importante, mas é complementar. Em segundo lugar, o que a experiência do Japão, Coréia, Formosa, Chile, vários países do mundo mostra é que a reforma agrária quando ocorre tem três características básicas, como o ministro sabe: ela é rápida – no Japão, foi menos de dois anos; em Formosa, três ou quatro; no caso da Coréia... no Chile, foram seis anos, no governo [de Eduardo] Frei [Montalva, que presidiu o Chile entre 1964-1970 e] Allende [Salvador Allende], metade das terras férteis do país foram desapropriadas. Então, é rápido, em larga escala e a baixo custo. Porque é um mecanismo de redistribuição de riqueza na sociedade, ou seja, a reforma agrária foi vista nesses países como um instrumento, digamos assim, um mecanismo de desenvolvimento. Então, eu queria chegar a essa pergunta: se o atual governo vê a reforma agrária dentro dessa perspectiva, como efetivamente uma política de transformação social ou uma política assistencial?

Raul Jungmann: Veja, sem sombra de dúvida nós não vamos fazer a reforma agrária exclusivamente com instrumentos fiscais, ou seja, não vai ser o ITR o responsável pela reforma agrária, não é por aí. O que eu quis dizer é que, ao desestimular – e isso está no Estatuto da Terra – a especulação e a grande propriedade improdutiva, ele dá uma contribuição, marginal é fato, mas ele dá uma contribuição. Em segundo lugar, ele gera um fluxo de recursos que passa a ser utilizado pela reforma agrária, e se nós queremos, e sem dúvida queremos ampliar, acelerar essa reforma agrária que aí está, nós vamos precisar de bem mais recursos. Em segundo lugar, só para lembrar, e isso você também sabe, que a reforma agrária no México durou oitenta anos, ela não foi tão rápida assim. Ela teve stop-and-go, ela teve vários movimentos, foi e voltou.

Luis Carlos Guedes: Não seria uma reforma agrária bem sucedida, não seria um bom exemplo.

Raul Jungmann: Eu sei, mas a verdade é que foi a maior reforma agrária, junto com a reforma agrária que foi feita na Rússia, foi a segunda maior deste século: foram 4,3 milhões famílias.

Luis Carlos Guedes: Mas ela teve momentos de [Lázaro] Cárdenas [del Río, que foi presidente do México entre 1934-1940 e destacou-se por realizar uma reforma agrária através das cooperativas de terras]...

Raul Jungmann: Teve Cárdenas.

Luis Carlos Guedes: Você tem que pegar os instrumentos efetivos.

Raul Jungmann: Eu sei, [mas] ela se concentrou. [O exemplo é] apenas para a gente não tirar uma regra geral. Agora, efetivamente, se ela puder ser um tanto mais rápida, massiva e mais barata, nós estamos de pleno acordo nesse sentido. Agora, o que eu acho, e você também sabe disso, é que a agricultura brasileira passou por todo um processo de modernização, e o que aconteceu é que a grande propriedade no Sul e no Sudeste se modernizou, e agora você não tem, por exemplo, como desapropriá-la, você não tem como desarticular, por exemplo, sistemas produtivos que estão aí funcionando, estão gerando divisas e estão também abastecendo a indústria de matérias-primas e o próprio mercado interno. A nossa situação é diferente, é diferente inclusive no sentido de que nós estamos vivendo um outro movimento político, um outro momento político, está certo? E o que eu tento aqui dizer, e repetir, é que esse momento político é propício para que, inclusive, você possa avançar. No momento em que você, por exemplo, está agregando um Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] para trazer, por exemplo, gerência, cooperativa etc; no momento em que você está trazendo, por exemplo, a universidade, como você está fazendo; no momento em que até a novela das oito reflete a problemática dos sem-terra [refere-se à novela da Rede Globo O rei do gado, de Benedito Ruy Barbosa, que foi exibida entre 17/6/1996 e 14/2/1997]; eu acho que você pode trabalhar, e isso é uma coisa inédita em termos de Brasil, com a massiva vontade de toda a sociedade urbana, e ela é a mais importante, na direção da reforma agrária. Então, por que não aproveitar isso?

Luis Carlos Guedes: Claro, o momento é oportuníssimo.

Raul Jungmann: E é por isso que eu estou querendo dizer que compete exatamente a todos nós procurar, na medida do possível, caminhar nesse sentido e ter os instrumentos para acelerar, porque eu acredito, por exemplo, que o governo Fernando Henrique vai ser o governo que seguramente, ao seu término, terá feito a maior contribuição à reforma agrária, isso eu não tenho dúvidas.

Luis Carlos Guedes: E quais são os principais obstáculos que o senhor tem encontrado nesses cinco meses, que se completaram ontem?

Raul Jungmann: Boa pergunta. Os principais obstáculos estão – como não poderia deixar de ser – num conjunto, num aparato de normas, no aparato regulatório que dificulta a aceleração do processo da reforma agrária, e isso em particular por conta dos contenciosos que se arrastam na Justiça, isso é muito complicado. Em segundo lugar, eu diria que a grande dificuldade está numa hiper-centralização, e ao mesmo tempo numa desestruturação do Incra, que vai levar algum tempo para que você resolva isso. Em terceiro lugar, eu diria que nós precisamos de mecanismos fiscais mais consistentes, nós precisamos de ter um fluxo de recursos, e precisamos ter a certeza desses recursos, de uma maneira muito acima do que hoje nós encontramos ou da disponibilidade que aí está. Mas isso é uma coisa que compete, em larga medida, ao Congresso dotar o executivo dos mecanismos fiscais suficientes, nós estamos propondo isso. E, em quarto lugar, eu diria que numa certa dificuldade, e ela sobretudo se dá por conta do MST, de fazer um processo negociado de intervenção e de mudança fundiária.

Luis Carlos Guedes: E as alianças políticas do governo, o senhor não incluiria?

Raul Jungmann: Olha, eu não tenho incluído, porque na medida do possível essa aliança tem sido eficaz para poder passar o processo da reforma agrária. Para dar um exemplo, tudo o que nós mandamos tem passado e, se tem passado, é porque a base do governo tem respondido a contento. Não é por aí que a gente tem sentido. Claro, você tem um processo de negociação, você tem dificuldades, evidente, é um processo lento, não é como diz o presidente Fernando Henrique: “apertar o botão”, mas o que a gente tem enviado para lá tem passado, e isso aí é fato.

Mônica Teixeira: Ministro, sabe uma coisa curiosa que eu acho?

Raul Jungmann: Pois não.

Mônica Teixeira: O senhor disse que os produtores rurais são a favor da reforma agrária. Eu fui ao Pontal do Paranapanema, e a UDR é a favor da reforma agrária; os fazendeiros de Eldorado dos Carajás, na mesma reportagem onde eu mostrei que o UDR é favorável à reforma agrária, também são favoráveis à reforma agrária; a bancada ruralista, o senhor disse, ou a bancada agrária, não entendi bem, é favorável à reforma agrária; o PFL é favorável à reforma agrária. O senhor acha que todas essas pessoas, o movimento dos sem-terra e o governo, estão falando da mesma reforma agrária?

Raul Jungmann: Possivelmente não, [porque] existem projetos diferentes, e aí é preciso inclusive entender que numa sociedade democrática e plural, existe quem fica contra, existe conflito.

Mônica Teixeira: [interrompendo] Não, não tem ninguém contra...

Raul Jungmann: Claro, não, eu acho que não... tem segmentos que sim. Eu não acho que seja assim, eu acho que tem quem seja contra. E em uma sociedade democrática, tem interesses...

Mônica Teixeira: [interrompendo] Mas são isolados...

Raul Jungmann: Sim, claro, mas as pessoas dizem o seguinte: boa parte dos que se dizem favoráveis está simulando. A política também é a arte da simulação, e se simulou é porque foi obrigada a simular, é um dado objetivo.

Mônica Teixeira: Não tenho a menor dúvida. Mas então, quando o senhor diz: “Todos nós somos a favor da reforma agrária; a sociedade brasileira majoritariamente é a favor da reforma agrária; o governo tem condições inigualáveis de fazer a reforma agrária”, será que todos nós estamos falando da mesma reforma agrária? Então, será que a dissensão entre o movimento dos sem-terra e o governo não se dá exatamente aí? O senhor diz: “O governo tem vontade política de fazer a reforma agrária”. Agora, eu queria perguntar: que reforma agrária o governo quer fazer? E qual é a reforma agrária que o movimento dos sem-terra, a Contag, os movimentos sociais em geral querem fazer? Será que não é esse o problema, ministro?

Raul Jungmann: Da parte do governo, ele tem uma reforma agrária que significa o alcance de metas, porque isso é um programa do governo que foi majoritário, tanto que significou a eleição do presidente da República. E em segundo lugar...

Mônica Teixeira: [interrompendo] Mas é muito pouco para o movimento dos sem-terra, certamente.

Raul Jungmann: Espere um pouquinho. É muito pouco, mas ao mesmo tempo é preciso que se diga que é muito, que é muitíssimo, na medida em que equivale ao que foi feito, por exemplo, em trinta anos anteriores. Se você considerar, por exemplo, a magnitude do problema, é verdade, na medida em que você tem uma grande demanda. Mas também é verdade que isso só vai se resolver num espaço de 12 a 15 anos. Então, este governo inclusive avança não apenas no sentido de realizar essas metas, que representam o mesmo que foi feito em trinta anos, mas também de colocar ou de plantar as bases para uma reforma agrária definitiva e sustentável. Que bases são essas? Você tem que fazer a descentralização, e isso nós estamos empenhados em fazer; você tem que ter bases fiscais para fazer isso, e aí está uma mudança do ITR, aí está o Fundo Nacional de Reforma Agrária e você...

Mônica Teixeira: [interrompendo] Mas, ministro, essa é a sua reforma agrária...

Raul Jungmann: Só um instantinho, deixe eu concluir. Então, o que eu estou fazendo agora? Eu estou propondo um fórum em novembro para que todos sentemos e venhamos a discutir isso. Então, vamos discutir e ver, não tem nenhum problema.

George Alonso: O MST defende uma reforma agrária nacional, mas regionalizada. Eles falam isso claramente todas as vezes em que a gente entrevista os dirigentes; eles repetem que a questão da terra em São Paulo é diferente do Amazonas, é diferente do Nordeste, a qualidade da terra é completamente diferente. Agora, o governo não apresenta um plano regionalizado, eu não vi pelo menos até o momento um plano regionalizado. Como vai ser uma reforma agrária na região Sul? Como vai ser... Segundo o MST, há 40 mil famílias nas estradas; e eu não entendo, [porque] o governo fala que tirou um milhão e meio de terras, [mas] as pessoas estão na estrada; eu queria entender qual é a mágica, o que acontece. Por que as pessoas estão na estrada ainda? E por que não aparece um plano definitivo, nacional, com o empenho do governo, de forma descentralizada ou não, embora São Paulo tenha se apresentado sempre adiante dos outros estados, pelo que estou vendo, mas não vejo esse plano nacional. O senhor parece que [disse que] deveria assentar famílias na Amazônia, em reserva extrativista. Isso foi bombardeado, disseram que ia voltar ao tempo da colonização, as famílias vão ficar no meio da malária, sem estrutura nenhuma. Enfim, qual é o plano do governo para a reforma agrária?

Raul Costa Jr.: Pegando uma carona na pergunta dele...

Raul Jungmann: Pois não.

Raul Costa Jr.: ...como fica essa definição de reforma agrária num governo em que o senhor é do PPS, o vice-presidente é do PFL, o presidente é do PSDB e existe uma gama enorme de alianças? Qual é o conceito básico comum de reforma agrária?

Raul Jungmann: Começando pelo fim, eu gostaria de dizer que eu não estou aqui como PPS, inclusive estou licenciado do PPS. Eu estou aqui muito mais como um técnico e a convite pessoal do presidente da República. Eu não sou, ou não estou aqui, numa indicação partidária, até porque o PPS não faz parte do governo, daí o meu licenciamento. Com relação à questão que você coloca, o fato de que um vice-presidente é de um partido e o presidente do outro, isso aí se expressa através de uma aliança e tem um programa de governo que consubstancia essa aliança, e que portanto representa a unidade desses dois partidos que estão aí na aliança. Então, isso já está resolvido antes da eleição; não há necessidade de resolvê-lo agora. E eu, evidentemente, na medida em que participo do governo, eu entendo que esse conjunto de metas e alianças efetivamente são aquelas que são possíveis de fazer, e eles representam um avanço em termos de reforma agrária.

George Alonso: E a minha resposta? [risos do entrevistador]

Raul Jungmann: Eu acho que é fundamental a questão da regionalização. E é por isso que eu entendo que é nosso dever apresentar, agora em novembro, um plano para a reforma agrária que contemple a regionalização, que tenha vários modelos e iniciativas em termos de reforma agrária. Nós não podemos pensar num acesso à terra mediante exclusivamente a desapropriação; daí um programa massivo de titulação; daí rever toda a legislação em termos de parceria; daí por exemplo pensar para o bóia-fria a chamada vila rural; daí você pensar numa reforma agrária com base na reserva extrativista. E aí me permita: existem casos de sucesso e exigem programas, mas existem casos de sucesso, e essa me parece uma maneira racional, dentre outras, de você ocupar a própria Amazônia, e você pensar também em outras maneiras consorciadas – eu ainda há pouco levantei a tese, por exemplo, através de um projeto piloto que nós vamos começar a desenvolver com o Banco Mundial, que é exatamente da cédula da terra, onde a comunidade organizada vai diretamente buscar o produtor, o proprietário, e com ele fazer o processo de negociação. Então essas são várias das maneiras de fazer...

George Alonso: [interrompendo] Essa proposta da cédula, na verdade, se eu entendi bem, seria a própria pessoa comprar essa terra como se compra uma casa própria. É isso o que o senhor está dizendo ou não?

Raul Jungmann: Veja, esse projeto, em alguma medida, já se encontra sendo tocado no Ceará. O que nós estamos fazendo é pegar essa experiência e procurar reproduzi-la – evidente que ainda através de um projeto piloto –, e o que ele visa? Ele visa que uma comunidade organizada, um sindicato de trabalhadores rurais, que, por exemplo, deseje, tenha necessidade de ter acesso à terra, ela se cadastra junto a um órgão do governo estadual, e ela se enquadrando, digamos assim, dentro daquilo que é necessário para você ser cadastrado, a partir daí ela teria o que nós chamamos da cédula da terra. O que é a cédula da terra? É um mix de TDAs com recursos, ou com moeda propriamente dita, a exemplo do que você tem hoje, quer dizer, não muda em nada o que você tem hoje. Só que seria a própria comunidade que buscaria o proprietário, com ele fechando um contrato...

George Alonso: [interrompendo] As famílias em geral são descapitalizadas; o senhor sabe muito bem que elas não têm um tostão para comprar nada; vivem à beira da estrada, justamente estão à beira da estrada em função disso. Como essas famílias teriam condições? Elas não têm nem condições de ter capital inicial, elas dependem, elas são clientes do governo.

Raul Jungmann: Escute, aí é preciso dizer que a reforma agrária não é uma doação. A reforma agrária é um capital, é um empréstimo que a sociedade faz, dá um prazo de carência... nesse programa também seriam dados seis, sete, oito anos de carência, e após isso – e evidente que há um subsídio explícito aí dentro, evidentemente que o que vai retornar é uma parte daquele empréstimo que foi feito. Mas a partir de um certo momento, você tendo não apenas a possibilidade do acesso à terra, mas você tendo, por exemplo, no caso do Procera, [em que] o sujeito é cooperativado, ele pode chegar a ter inclusive um aporte de 16 mil reais. É evidente que a sociedade tem o direito de cobrar um retorno, pelo menos da parcela daquilo que ela investiu. Então, na verdade, eu estou capitalizando um produtor, e ele depois tem que retornar isso.

George Alonso: [interrompendo] A questão das quarenta mil de famílias que estão nas estradas, o senhor falou em um milhão, e eu não entendo ainda por que estão...

Raul Jungmann: Aí é preciso... [...] Quando eu falo de 1,572 milhão, note, não é o governo Fernando Henrique – ele já fez 2,5 milhões –, isso é na minha gestão. O que acontece é que a terra desapropriada não representa necessariamente o assentamento de pessoas. Há todo um processo burocrático, que passa pelo ajuizamento, pela avaliação se você tem ou não pendência, para que você chegue a assentá-lo. O que eu estou dizendo é que a disposição de desapropriar, de fazer a intervenção, o governo efetivamente tem. O processo de emissão agora vai ser muito acelerado quando você tiver a aprovação do rito sumário pelo Senado. Aí você o reduz pela metade; esse gap temporal entre a desapropriação e a emissão, ele reduz à metade, e você vai ver que a velocidade do processo de assentamento tende a subir bastante.

Mônica Teixeira: Hoje em dia leva quanto tempo, ministro?

Raul Jungmann: Hoje, leva-se em média... aí depende: se você não tiver contencioso, demora aproximadamente seis meses. Se você tiver contencioso, ele pode se arrastar para 18 [meses] a dois anos, até mais do que isso, o que complica o processo.

Matinas Suzuki: O Celso Almeida, de Goiânia, pergunta o seguinte, ministro: “A atual política agrícola do governo federal cria um ciclo vicioso: os pequenos produtores de terra endividados serão futuros sem-terra acampados e assentados, futuros pequenos produtores endividados e futuros sem-terra acampados. Dificilmente o governo resolverá o problema social do movimento dos sem-terra sem uma nova política agrícola séria”. Então é uma questão interessante: como é que a questão dos assentamentos é vista dentro de uma política agrícola mais ampla, dentro do governo Fernando Henrique? O senhor falou, inclusive, numa situação de terras hoje no Brasil, de modernização da agricultura etc, que certamente é uma situação diferente, por exemplo, em outros países, quando foi feita a reforma agrária num estágio mais atrasado de desenvolvimento tecnológico e modernização no campo.

Raul Jungmann: Veja, o telespectador se refere, sobretudo, à pequena propriedade, à propriedade familiar. A resposta que o governo está dando a esse problema é o Pronaf, Programa Nacional de Apoio e de Assistência à Propriedade Familiar, que tem recursos já disponibilizados de um bilhão de reais. Para se ter uma idéia, no ano passado eram 250 milhões. Esse programa visa exatamente a desburocratizar, a agilizar e fazer chegar recursos e assistência técnica [...] vão devidamente consorciados justamente a esse pequeno produtor rural, porque é fundamental que você tenha um forte programa, um forte eixo de políticas voltado para a pequena propriedade familiar como uma maneira, inclusive, de você estabilizar o próprio processo de reforma agrária. O governo tem compreensão disso e o Ministério da Reforma Agrária e o Ministério da Agricultura estão trabalhando a quatro mãos, no sentido de que essa política voltada para a pequena propriedade familiar se dê de forma harmônica, e que nós possamos ter a curto prazo uma resposta a essa política.

Matinas Suzuki: A Amanda, do bairro do Tatuapé, aqui em São Paulo, o Mauro Hisbri, daqui de Perdizes, e a Marli de Barros, também de São Paulo, fazem perguntas que vão na mesma direção, que é a seguinte: como o governo coordena uma política de preservação ambiental com a política de reforma agrária? O senhor é uma pessoa muito apropriada para responder [risos].

Raul Jungmann: A forma de você fazer isso é integrando os esforços, tendo uma relação permanente, e eu diria: não tem que haver uma compatibilidade apenas entre a questão ambiental e a reforma agrária, é preciso também que toda política voltada para as populações indígenas faça parte disso. Agora, a maneira de você, de fato, promover isso, e é o que nós já estamos fazendo, é que os nossos projetos, sobretudo aqueles projetos que se encontram nas regiões Norte, Centro-Oeste, mas não apenas nelas, elas passam a ter a participação do seu processo de aprovação do próprio Ibama. O outro mecanismo é você constituir um cadastro comum das terras e você fazer com que todas as instituições tenham acesso a esse mesmo cadastro, e que o processo de aprovação de projetos na área da reforma agrária conte com a audiência e com a participação dos técnicos do Ibama, o que já está acontecendo, mas tem que se aprofundar e melhorar esse relacionamento. Por último, é também muito importante que toda a legislação que normatiza os assentamentos leve em conta a variável ambiental, e aí nós temos muito que avançar.

Matinas Suzuki: A Maria Clara do Amaral Cambrae, de São Simão, diz o seguinte: “Até poucos dias atrás, tivemos aqui em nossa cidade a invasão de uma fazenda pertencente ao governo do estado de São Paulo, a fazenda Santa Maria, pela qual eu tinha que passar para chegar em minha propriedade. Neste citado acampamento, pude reconhecer várias pessoas da cidade e cidades vizinhas possuidores de pequeno comércio na região. Como acabar com isso?”

Raul Jungmann: Olha, em primeiro lugar, uma maneira de acabar com isso é você ter um cadastramento. As pessoas que vão ser assentadas têm que ter algum conhecimento, alguma tradição agrícola; têm que ter alguma possibilidade de saber trabalhar a terra. Esse é, inclusive, um dos preceitos. O outro, obviamente, é que você tem que ter, no caso daquela população urbana à qual ela se refere, você tem que ter mecanismos de reciclagem, mecanismos de colocação dessas pessoas, na medida em que isso represente uma população móvel e em busca de emprego, elas têm que ter a capacidade de se inserir num processo de produção urbana, que me parece mais consentâneo com a sua própria origem e as suas próprias habilidades.

Matinas Suzuki: O Vinícius Cassolato, de Santa Cruz do Rio Pardo, diz o seguinte: “O Miguel Abeche foi demitido pelo ministro e pelo secretário da Justiça do estado de São Paulo. O Miguel conseguia diálogo com os sem-terra e com os fazendeiros, acabando com os conflitos da região. Por que a sua demissão?”

Raul Jungmann: Bom, nós estamos exatamente agora fechando acordos, nós já fechamos acordos em termos de cinco fazendas. Esses acordos estão saindo; nós estamos sentando tanto com fazendeiro como com o movimento; não está havendo solução de continuidade, pelo contrário, nós estamos avançando em todo o processo. E o motivo da demissão do superintendente foi basicamente a necessidade de coordenar os esforços entre governo estadual e governo federal, o que não vinha acontecendo a contento.

Enio Lucciola: Ministro, um outro superintendente do Incra, o superintendente do Pará, também demitido, Floriano Amorim, quando ele foi demitido – e pouco antes ele declarou que o Incra era um ninho de cobras e que era a maior imobiliária do país –, nesse tempo, nesses cinco meses, o que o senhor podia relatar aqui para a gente que o senhor tomou conhecimento? O que existe de verdade nessas afirmações?

Raul Jungmann: Eu acho que existe um equívoco, acho que existe um duplo equívoco aí. E isso inclusive foi o motivo da exoneração do superintendente. Para você ter uma idéia, no sentido de buscar a eficiência, como também buscar a maior confiabilidade dos nossos gerentes, eu digo dos superintendentes que são os nossos gerentes de ponta, eu já promovi 13 mudanças, ou seja, dos 27 superintendentes, aproximadamente 50% já foram trocados. Além disso, eu reúno a cada 15 dias, ou através de teleconferência, ou através do contato direto, todos esses superintendentes, aos quais são cobradas metas. Aliás, a cobrança é praticamente diária. Nós temos um sistema de informações só para isso. E no que me diz respeito, todo e qualquer processo que tenha chegado ao meu conhecimento, a respeito de qualquer tipo de desvio, ele imediatamente tem sido apurado, e nós temos aberto sindicância, o que tem levado, inclusive, ao afastamento de servidores.

Enio Lucciola: Ministro, uma outra questão: quando houve o massacre de Eldorado dos Carajás, nós aqui da Rede Cultura fizemos uma série de reportagens procurando enfocar experiências de reforma agrária que estavam dando certo no Brasil, e a gente foi encontrar lá no seu estado, lá em Petrolina [PE], uma experiência de reforma agrária bem interessante, porque ela começou pelo poder público, mas estava sendo bancada e mantida por grandes proprietários. Havia ali uma junção, havia uma combinação ali de interesses. Será que o governo, tendo pouco dinheiro - na verdade o senhor reconheceu isso - para fazer a reforma agrária da envergadura que ela precisa, será que não está faltando capital? Não está faltando investimento também?

Raul Jungmann: Olha, o governo tem os recursos para alcançar as suas metas. O que eu acho fundamental, e o governo quer dar esse passo, note bem, é montar as bases para o que eu chamaria de uma reforma agrária sustentável e definitiva que vai além do governo. Ou seja, quando nós chegamos aqui, não existiam mecanismos que assegurassem, por exemplo, que você tivesse o volume de recursos suficientes, a continuidade, o aporte desses recursos para que você pudesse olhar estrategicamente, além do governo. É isso que em parte o ITR e, em parte, o Fundo Nacional da Reforma Agrária visa a responder. Agora, eu acho sim que a participação do setor privado é importante e é interessante, inclusive eu penso que é necessário resgatar o sentido da colonização, que foi uma coisa que ficou muito mal vista pela sociedade. Fruto de uma série de desvios e também fruto de que as pessoas, como disse o Guedes, teriam sido, em alguma medida, transladadas para áreas de fronteiras distantes sem a mínima infra-estrutura. Mas a verdade é que esse é um país que tem regiões inteiras despovoadas, e que é importante o processo de colonização, particularmente, quando você está abrindo novos eixos econômicos. Eu estive ainda há pouco, quando da entrega das primeiras terras do Exército, em Presidente Figueiredo, que fica praticamente à margem da [rodovia BR] 174, que vai nos levar até a Venezuela e de lá até o Pacífico. Ora, estar assentado ali é estar em grande medida assentado à beira do futuro, e assim por diante, quer dizer, você tem que encontrar os grandes vetores e, muitas vezes, esses vetores vão significar um processo de valorização de terras e de oportunidades, que podem e devem ser aproveitados por um programa de reforma agrária. Na medida em que o setor privado, com o seu conhecimento, com a sua tecnologia, possa ofertar disponibilidade para esse processo, eu acredito que será interessante retomar o tema, obviamente que evitando ao máximo incorrer nos erros passados, e para isso é fundamental a participação da sociedade. Por exemplo, a transparência. Nós somos o primeiro órgão talvez da administração pública que coloca na internet a sua execução orçamentária, que coloca suas metas, que coloca os seus programas e tudo mais, quer dizer, tudo aquilo que estou dizendo aqui você pode buscar na internet, que está disponível, e essa é uma das maneiras de melhorar o controle da sociedade sobre os programas que o próprio governo desenvolve.

Raul Costa Jr.: Ministro, em maio o Banco do Brasil – houve um grande estardalhaço em cima disso – colocou à disposição 69 imóveis rurais, num total de 81.455 hectares, para a reforma agrária; colocou à disposição do Incra. O próprio Incra reconhece que, de todos esses 69 imóveis rurais, somente um, até agora, a fazenda Santa Ildefonso, já estaria sendo disponibilizada para a reforma agrária neste momento, em função da estruturação do órgão. E o Banco do Brasil não reconhece nem essa fazenda, diz que nem essa está certa ainda, liberada para a reforma agrária. Como o senhor falou que já trocou 50% dos superintendentes do Incra, quando é que o senhor vai trocar os outros cinqüenta? [risos]

Raul Jungmann: Eu acho que não é o caso. Eu acho que isso representa um preconceito contra um funcionário público, e eu não aceito. Eu acho que quem saiu tinha que sair e quem ficou tem que ficar; e se ficou é porque tem qualidade para ficar. E qualquer troca vai ser feita pensando na qualidade e na eficiência.

Raul Costa Jr.: Mas até agora, nada.

Raul Jungmann: Agora, com relação ao Banco do Brasil, nós desaceleramos um pouco esse programa, porque eu tenho metas a alcançar, ou seja, eu tenho que realizar, por exemplo, até nos próximos três meses 25 mil assentamentos. E existe toda uma carga de processos, e existe todo um conjunto de ajuizamento que tem que ser feito. Então, nós orientamos toda a máquina para dar seqüência àquilo que já tinha sido iniciado. Isso não quer dizer que, logo após esse período, a gente não acelere esse processo com os bancos e que não vai se restringir apenas ao Banco do Brasil. Os bancos estaduais, os bancos liquidados pelo Banco Central, eles fazem parte do programa, e até, se bancos privados tiverem também terras em sua carteira e que queiram entrar nesse processo de troca de terra por TDA conosco, nós também aceitamos. Agora...

Raul Costa Jr.: [interrompendo] A oferta do Olacyr de Moraes pode ser analisada de novo, então?

Raul Jungmann: Não, ela está sendo analisada. Há uma comissão formada pelo Crea, pelo Ministério Público e pelo próprio Incra que está fazendo, junto com o BNDES, essa análise. Mas ainda não foi concluída, devido à complexidade do processo. Mas a verdade é que eu tive que me concentrar, de uma maneira praticamente exclusiva, com muita determinação, no alcance dessas metas. Iniciativas outras, em que nós também estamos pensando, como o próprio processo de centralização, sofreu também, em alguma medida, uma certa desaceleração, porque é fundamental alcançar isso. É uma resposta que a sociedade cobra e que nós temos que dar, mas não tenha dúvida que essas terras vão ser aproveitadas para a reforma agrária e, inclusive, elas vão ser ampliadas. Esse é o nosso entendimento, e ainda recentemente eu conversava com o próprio Paulo César Ximenes [economista, foi o presidente do Banco do Brasil em 1993], pensando na maneira como nós vamos poder acelerar esse processo. Nós estamos com uma comissão conjunta e eu já tenho três funcionários do Banco do Brasil disponíveis para, assim que a gente possa, dar um start up, para que a gente possa dar um grande salto no que diz respeito a essas terras.

Luciano Suassuna: Ministro, em relação exatamente a essa eficiência do Estado em promover esse tipo de coisa, tem um artigo do João Pedro Stédile, do MST, no dia 5 de agosto na Folha de S.Paulo, em que ele reclama justamente disso. Ele fala que [o MST] denunciou essa situação da morosidade da desapropriação das fazendas do Banco do Brasil e diz que “o governo só agiu em casos concretos depois que ocupamos as terras: em Pernambuco, com a fazenda Safra e a fazenda da Varig”.

Raul Jungmann: Olha, se eu bem me recordo, o MST apresentou uma solicitação de 196 áreas. Dessas 196 áreas, tirando 15, que não dava para ser tocada de imediato, por ser pendência judicial, e oito, às quais não se aplicava a reforma agrária por se tratar de pequena e média propriedade ou propriedade produtiva, nós já atendemos aproximadamente 57%. Ou melhor, do total disso, tirando essas que eu descartei, aproximadamente 57% se encontram em fase de ajuizamento ou de emissão, e isso em três meses. Então, na verdade, o senhor Stédile ou está desinformado ou então está agindo de má-fé, porque na verdade nós estamos procurando dar resposta com a máxima celeridade à pauta do MST, como também da Contag e dos outros movimentos, que eu acompanho. E isso inclusive pessoalmente; esses dados estão disponíveis.

Luis Carlos Guedes: Ministro, eu queria voltar a um tema que eu considero extremamente relevante, rapidamente, é o seguinte: a questão da violência. A violência tem sido uma constante contra o trabalhador rural no Brasil. Eu diria que, das vítimas, 99% ou mais são trabalhadores rurais. A Comissão Pastoral da Terra mostra claramente que, nos últimos vinte anos, quase dois mil trabalhadores rurais foram assassinados, alguns padres, advogados, e raríssimos casos foram até o julgamento. Nenhum mandante foi condenado até hoje, e três ou quatro dos pistoleiros estão presos. Logo após o massacre de Corumbiara, houve um ato no Congresso Nacional em setembro de 95 e foi entregue um memorial ao presidente da República - aliás, ao vice-presidente em exercício, o presidente estava no exterior - com três ou quatro reivindicações. Uma delas era que o governo federal entrasse em contato imediato com os estados para, de alguma forma, controlar a ação das PMs. Eu acredito que isso não foi feito, mesmo porque tivemos [o massacre em] Eldorado de Carajás em abril deste ano, aliás, que deu origem inclusive à criação do próprio ministério pelo qual o senhor responde. Minha pergunta é a seguinte: o governo federal tem se preocupado com isso, de alguma forma, que as PMs atuem com mais maturidade e, inclusive, em algumas áreas do país deixem de ser um braço armado do latifúndio, como todos nós sabemos que ela atua dessa forma, principalmente em algumas regiões do Norte? Gostaria que o senhor comentasse alguma coisa sobre esse aspecto, porque me parece extremamente importante nesse momento, porque ainda que se fale das ocupações do MST, na realidade, a violência se dá contra os trabalhadores rurais que são representados pelo MST. Eu acho que é fundamental que as PMs sejam, de alguma forma, digamos, orientadas no seu trabalho.

Raul Jungmann: Eu gostaria de citar três iniciativas concretas do governo federal nesse campo. Em primeiro lugar, a Lei Bicudo [Lei 9.299/96, que transfere para a Justiça comum o julgamento dos crimes de homicídio doloso cometidos por policiais militares], em que o governo federal se empenhou e conseguiu a sua aprovação. A Lei Bicudo hoje é uma realidade, já foi sancionada pelo presidente da República e representa exatamente uma resposta na direção de tudo o que você colocou. Em segundo lugar, nós aprovamos já, no Congresso Nacional, também o projeto 490A, ao qual eu me referi, que exatamente diz respeito às liminares, de forma que quando um juiz deferir um processo de reintegração de posse, esse processo de reintegração de posse seja acompanhado pelo próprio juiz e tenha a participação do Ministério Público, que é uma maneira também de você evitar possíveis recessos. E, em terceiro lugar, aprovamos também na Câmara, e agora está no Senado, e eu espero aprovar quando do retorno do Congresso, um outro projeto de lei que é exatamente o de que o Ministério Público venha a acompanhar todos os processos que impliquem reintegração de posse, como ele também possa estar presente em toda e qualquer forma de litígio. Então, no que diz respeito à modificação da legislação, que propicia obviamente uma redução em termos da violência, entendendo que a questão da segurança pública é uma questão que diz respeito aos estados, o governo federal está procurando fazer a sua parte. E eu acredito que nós vamos ter, espero, melhorias. Agora, eu também gostaria de dizer, em que pese esse quadro que ainda é lamentável, mas nós temos efetivamente uma redução dessa violência. Nós hoje temos possivelmente os indicadores: se você considera 85, 86 e 87 como referência – é bem verdade que inclusive que o processo conflitivo era muito maior, o que desmente o fato de que hoje nós estamos vivendo um processo endêmico de ampliação de conflitos, que é uma coisa que aparece muito, está ampliando isso tudo –, a verdade é que hoje você tem, por exemplo, aproximadamente um terço dos conflitos que você tinha em 1987, e aproximadamente também um terço dos assassinatos no campo que você chegou a ter em alguns anos como 89 e 87. Isso não é motivo, por exemplo, para que você se sinta em paz, mas significa também que nós estamos conseguindo, em alguma medida, civilizar essas relações e obviamente estabelecer limites. E o governo está dando a sua contribuição.

Matinas Suzuki: Nós estamos terminando e eu pediria que as três perguntas fossem muito rápidas para que o ministro possa responder. Pois não, Mônica.

Mônica Teixeira: A minha é muito rapidinha. Afinal, ministro, o movimento dos sem-terra e os outros movimentos sociais, o senhor os considera aliados do governo na luta pela reforma agrária, ou o senhor os considera adversários do governo?

Raul Jungmann: Sem sombra de dúvida, são aliados. Agora, sem sombra de dúvida, o governo federal repudia e não aceita métodos que signifiquem desrespeito aos direitos humanos, que signifiquem a invasão de próprios públicos, que signifique a invasão de propriedade. Porque isso gera, Mônica, e aí é a questão central, a possibilidade da contra violência, e aí efetivamente nós estamos no pior dos mundos.

Raul Costa Jr.: Ministro, a Folha de S.Paulo de março publicou um levantamento de que a Igreja tinha 330 mil hectares disponíveis em terras, e a Igreja disse que são só 195 mil hectares. Mas já é o suficiente, é uma boa extensão de terras. O governo já começou a negociar com a Igreja ou a força política da Igreja dificulta qualquer negociação?

Enio Lucciola: Só em cima disso, muito rapidamente, de quem é mais fácil tirar terra hoje: das forças armadas, da Igreja, dos bancos ou dos latifundiários?

Raul Jungmann: Começando pela primeira pergunta, a Igreja está fazendo todo um levantamento de todas as suas terras, e aquela que ela possa, vai colocar disponível. Inclusive, no próximo dia 10, eu estou fazendo o primeiro assentamento numa ilha que fica no Maranhão; no próximo dia 10, inclusive em terras da Igreja. Com relação à facilidade ou dificuldade, eu quero dizer que, da parte do Exército, da parte da Igreja, e eu não sei mais, o que foi que você citou?

Enio Lucciola: Dos bancos e dos proprietários.

Raul Jungmann: No caso dos bancos, eu não tenho tido grande dificuldade. Aí as coisas ficam mais por conta da dificuldade, por exemplo, técnica ou burocrática. E efetivamente a maior dificuldade com o latifúndio, porque esse tradicionalmente é contrário ao acesso da população à terra, embora isso represente um sonho de dignidade e de justiça e de poder viver e criar seus filhos em paz.

Matinas Suzuki: Ministro, nosso tempo está esgotado, eu só gostaria em nome aqui da nossa democracia, o princípio democrático do programa, de relatar que o Naban Garcia, de Presidente Prudente, pede para registrar que ele discorda da afirmação de que todos os produtores rurais que estão no Pontal são grileiros...

Raul Jungmann: [interrompendo] Não, mas em nenhum momento eu disse...

Matinas Suzuki: [interrompendo] Não, não foi o senhor quem disse, [isso] foi dito durante o programa. Ficou bem claro, não foi o ministro quem disse. “Estamos aqui há mais de um século e não admitimos sermos chamados de grileiros, pois nossas terras foram compradas com o trabalho e honradez”. Então fica aqui o registro. Ministro, eu gostaria muito de agradecer a presença do senhor aqui esta noite, agradecer à nossa bancada de entrevistadores, a sua atenção e a sua participação, e lembrar que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite, entrevistando a escritora Lygia Fagundes Telles. Até lá, uma boa semana para todos e uma boa noite.

 

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