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[programa ao vivo]
Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. Este programa é transmitido ao vivo pela rádio cultura AM e pelas TVs Educativas do Piauí, Ceará, Bahia, Porto Alegre, Espírito Santo e TV Cultura de Curitiba. É ainda retransmitido pelas TVs Educativas do Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. O convidado do Roda Viva desta noite é o prefeito de Porto Alegre, Olívio Dutra, do Partido dos Trabalhadores. Para entrevistar Olívio Dutra esta noite nós convidamos os seguintes jornalistas: Carlos Brickmann, editor-chefe do jornal Folha da Tarde; Moura Reis, repórter de política do jornal O Estado de S. Paulo; Ricardo Noblat, colunista do Jornal do Brasil em Brasília; Elmar Bones da Costa, diretor da Gazeta Mercantil em Porto Alegre; Eliane Cantanhêde, repórter da sucursal do jornal O Estado de S. Paulo em Brasília; Tão Gomes Pinto, editor da revista Istoé Senhor; Kleber de Almeida, editor do Caderno de Sábado do Jornal da Tarde; Emanuel Nery, repórter do jornal Folha de S. Paulo. Para registrar os melhores momentos do Roda Viva, também está conosco o cartunista Paulo Caruso. O bancário Olívio Dutra tem 47 anos; ele nasceu em São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul; foi presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre. Preso em 1979 durante uma greve, teve o seu mandato cassado pelo Ministério do Trabalho. É um dos fundadores do PT; foi eleito deputado federal em 1986; em dezembro de 1987 foi eleito presidente nacional do Partido dos Trabalhadores; no ano passado, foi eleito prefeito de Porto Alegre. Na gestão de Olívio Dutra, em Porto Alegre, houve inclusive alguns incidentes polêmicos, como em janeiro, em que o secretário dos Transportes, Antonio [...], colocou o departamento jurídico da prefeitura à disposição de um usuário que apedrejou um ônibus, reclamando contra os maus serviços prestados à população. Ele brigou com a CUT [Central Única dos Trabalhadores], por ter dado um aumento de tarifa aos transportes urbanos; interveio em seis empresas de transporte em Porto Alegre, que queriam paralisar os seus serviços; e apoiou a greve geral brasileira no último mês. Eu começaria, Olívio, perguntando a você a respeito dessa diferença de ponto de vista, ou seja, você decretou intervenção em seis empresas de transporte em Porto Alegre que ameaçavam paralisar seus serviços pedindo tarifas maiores, e ao mesmo tempo apoiou a paralisação dos trabalhadores de transportes urbanos de Porto Alegre, em favor de aumento de salário.
Olívio Dutra: A intervenção do governo da Frente Popular em Porto Alegre, no sistema de transporte coletivo, se deu porque os permissionários desse serviço, 14 empresas, desafiaram o governo da Frente Popular [...] com uma greve patronal a partir do dia 16 de fevereiro, se nós não reajustássemos a tarifa segundo o que eles queriam. E em janeiro queriam 22 centavos de cruzados novos; em 16 de fevereiro queriam 19 centavos de cruzados novos. E por uma decisão unilateral desses empresários, eles decidiram ir à greve patronal, ao local que, no dia 16, nós preventivamente interviemos em três empresas no dia 14. São três empresas localizadas, geograficamente, uma no norte, outra na zona sul e outra no sudeste da cidade, e são as três maiores empresas que, junto com a Carris, a empresa municipal de transporte coletivo, implicaria que a administração popular tivesse controle de 53% dos serviços. E isso garantiu que, mesmo que os empresários praticassem o locaute, a maioria da população tivesse ainda a prestação de serviços.
Jorge Escosteguy: O senhor não acha que a prefeitura, como ocorreu em São Paulo e Porto Alegre, liberando do ponto os funcionários do transporte público municipal e apoiando a greve, não estaria também de certa forma promovendo um locaute?
Olívio Dutra: A prefeitura de Porto Alegre não liberou do ponto os funcionários públicos municipais e nem os trabalhadores das empresas de transporte coletivo sob intervenção nos dias 14 e 15, dias da greve geral, coordenada e articulada pelo movimento sindical, pela CUT e pela CGT [Comando Geral dos Trabalhadores]. Nós simplesmente garantimos que o direito de greve pudesse ser exercido, saísse do discurso e da palavra escrita e fosse para a prática. O que a prefeitura municipal garantiu foi isso, e a questão do abono dos dias parados nós só viemos a negociar e discutir com os trabalhadores municipais depois da realização da greve.
Jorge Escosteguy: Qual foi a posição adotada pela prefeitura no caso das faltas?
Olívio Dutra: Nós ainda estamos discutindo, mas a posição adotada até agora como indicativa é que nós abonaremos o ponto dos trabalhadores que efetivamente fizeram a greve no dia 14 e 15, mas quem não estava no trabalho no dia 13 e depois não voltou ao trabalho no dia 16 não vai ter abono de ponto, não.
Ricardo Noblat: Prefeito, até que ponto essa intervenção em algumas companhias de ônibus de Porto Alegre melhorou ou não o serviço oferecido ao usuário? Porque até um certo ponto, pelo que eu sei, a população ainda se queixa muito de que não houve uma grande melhoria, ou que pelo menos não deu até agora para perceber uma grande melhoria. Quer dizer, a prefeitura tem condições, a partir da intervenção, de fazer com que esse serviço funcione melhor ou menos ruim do que funcionava?
Olívio Dutra: Veja, Ricardo, que nós estamos com uma intervenção não faz ainda sessenta dias nas empresas. As primeiras três intervenções se deram no dia 14 de fevereiro, não é? As outras três intervenções se deram no dia 16. Portanto, nós não estamos ainda com dois meses completos de intervenção. Por certo, nós estamos por dentro trabalhando para que o poder público, que é o último responsável pela prestação de serviços, possa efetivamente ter um controle sobre esse serviço. E isso não é fácil, porque há décadas de relação viciada entre as empresas permissionárias desse serviço e a administração pública. E isso não se resolve em três...
Ricardo Noblat: Mas a tendência é prorrogar essa intervenção?
Olívio Dutra: A tendência é prorrogar, até porque precisamos efetivamente para a gente poder ter por dentro o controle de dados, de estatísticas, de informações que não sejam as do interesse do empresário permissionário. Nós achamos que ainda não melhoramos a qualidade do serviço de transporte coletivo em Porto Alegre, mas é questão de pouco tempo para a gente fazer com que as melhorias que estamos introduzindo por dentro desse sistema sejam sentidas pelos usuários desse serviço na nossa cidade. [Charge de Caruso: dirigindo um ônibus, Olívio Dutra fala: “Nós estamos discutindo até que ponto abonar o ponto!”]
Ricardo Noblat: Mas veja, a experiência semelhante que ocorreu, mais ou menos a mesma a coisa, no Rio de Janeiro, na época do governador Brizola [Leonel de Moura Brizola], me parece que não foi uma experiência bem sucedida.
Olívio Dutra: Nós não estamos repetindo automaticamente a experiência lá do Rio, como não estamos repetindo nem automática e mecanicamente outras experiências. Nós estamos é fazendo a nossa intervenção com as especificidades e com a realidade do transporte coletivo de Porto Alegre. Então, não vale nenhum modelo para ser implantado lá de cima para baixo na nossa cidade. São 14 empresas permissionárias do transporte coletivo; nós temos uma empresa, a Carris, que é do município, que representa 20% do total do transporte coletivo da capital, e nós estamos achando que a intervenção, que é de noventa dias no início, terá de ser prorrogada. Se vai ser por mais noventa dias ou mais tempo, isso depois nós vamos vendo no andar da carreta. O certo é que nós precisamos ter dados concretos de dentro das empresas. A maioria dessas empresas não explora apenas o transporte coletivo, elas têm vários ramos de atividades misturados. Então, explora o turismo, explora transporte de carga, explora o comércio de pedras semipreciosas, explora supermercado, explora o ramo de hotelaria, e nós não sabemos se os investimentos para esses outros ramos de atividade não estão saindo do transporte coletivo, do preço da passagem. Então, nós precisamos ter uma presença séria, efetiva por dentro das empresas para fazer essa separação, e a população vir, num menor prazo possível, saber o que ela paga no preço da passagem. Por hoje, por enquanto, ela está achando que está pagando os investimentos que os empresários estão fazendo nesses ramos no preço que ela paga em cada passagem que usa no transporte coletivo da cidade.
Carlos Brickmann: Prefeito, saindo um pouco de Porto Alegre, o senhor é fundador do PT, foi presidente do partido, um dos mais tradicionais companheiros do Lula [Luiz Inácio Lula da Silva]. O Lula declarou que, se for eleito presidente da República [nas eleições de 1989], não vai aplicar o programa do PT. Ora, se não é para aplicar programa do PT, para que o PT quer chegar ao poder?
Olívio Dutra: O Partido dos Trabalhadores tem uma proposta política que é oriunda da classe trabalhadora, mas é para ser discutida pelo conjunto do povo brasileiro, para sua libertação, para que nós possamos construir uma nação em que não tenha um grupo de privilegiados se beneficiando do trabalho da maioria. Isso é o programa do PT, em linhas gerais, e eu sei que esse é o programa que o companheiro Lula vai defender na campanha para disputar a Presidência da República neste ano. Não tenho nenhum conhecimento de que o companheiro Lula não vá discutir essas linhas gerais e defender essa linha...
Carlos Brickmann: [interrompendo] Não, não é discutir, [ele] diz que não vai aplicar; se eleito, não aplica.
Olívio Dutra: Olha, o companheiro Lula é um companheiro de construção do partido, de construção partidária. Em nenhum momento o companheiro Lula disse que vai fazer as coisas pela sua cabeça. O Partido dos Trabalhadores não é um partido de uma pessoa só, não é partido de algumas pessoas, é um programa, e as pessoas que vão disputar cargos pelo partido vão defender as propostas do partido.
Carlos Brickmann: Ele disse não que vai...
Olívio Dutra: Não ouvi isso.
Carlos Brickmann: ...disse que, se for eleito, ele não vai aplicar programa do PT.
Olívio Dutra: Não ouvi isso.
Carlos Brickmann: Ele disse que o programa do PT é socialista, mas que isso é só o programa, e que se for eleito, não vai aplicar programa socialista nenhum.
Ricardo Noblat: O programa seria avançado demais para o país, e que por isso...
Olívio Dutra: Para vir para este programa eu estive conversando com o companheiro Lula e ele não me falou sobre essa questão.
Ricardo Noblat: Ele falou isso na casa do [músico] Chico Buarque de Hollanda, no Rio, naquele debate. Ele disse que o programa é avançado demais, e que por isso ele reconhece que, se o partido chegar ao poder, quer dizer, dificilmente terá condições de aplicar o programa tal qual ele está proposto hoje.
Olívio Dutra: O partido está discutindo o programa de governo. Então, o partido não tem ainda uma definição, um bloco já acabado nos detalhes sobre o programa de governo que nós vamos defender em praça pública na nossa campanha, [programa] que nós vamos executar uma vez eleitos. O partido está fazendo essa discussão amplamente no seu interior e quer depois discutir com a sociedade. Então, eu penso que é prematuro dizer que o companheiro Lula não vai cumprir o programa do partido.
Ricardo Noblat: É prematuro ele dizer isso.
Olívio Dutra: Não, é prematura essa versão de uma...
Carlos Brickmann: [interrompendo] Versão dele.
Olívio Dutra: ...de uma discussão que nós ainda estamos fazendo dentro do partido e que queremos fazer inclusive depois com o conjunto do movimento sindical, do movimento popular, do movimento comunitário, do movimento democrático, com os demais partidos de esquerda e socialistas que compõem o espectro avançado na política brasileira.
Eliane Cantanhêde: Prefeito, por falar nisso, o senhor, colocando em linhas gerais o programa do PT, ele é muito semelhante às linhas gerais também do PDT. Ambos são partidos de esquerda e ambos se colocam como partidos socialistas. O que pode distinguir para o eleitor o PDT do PT hoje?
Olívio Dutra: Olha, todo o respeito a todas as propostas dos demais partidos que se colocam à esquerda de Sarney [José Sarney], à esquerda da UDR, à esquerda do Golpe de 64, todo o respeito a eles. Agora, eu acho que a conquista de um espaço democrático, que foi resultado de muita luta do povo brasileiro, hoje pode fazer com que a gente distinga algumas propostas. E eu acho que o falar do socialismo, mas pensar em que o socialismo pode conviver com o latifúndio, pode conviver com a exploração de grupos empresariais sobre a maioria da população, que pode transplantar para cá o modelo australiano, que pode transplantar para cá a social-democracia, com suas multinacionais, eu acho que... [Charge de Caruso: com roupa típica gaúcha e com um espeto de churrasco na mão, Olívio Dutra diz: “O programa do PT é espeto!”]
Carlos Brickmann: [interrompendo] Como o modelo nicaragüense...
Olívio Dutra: Nós do PT não temos modelo em nível internacional.
Carlos Brickmann: Nem o nicaragüense?
Olívio Dutra: Nós não temos nenhum modelo; nós conversamos e queremos que a classe trabalhadora conheça todas as experiências desenvolvidas pelos povos na busca da sua autonomia e da sua independência em qualquer canto desse mundo. Agora, nós achamos que a sociedade socialista tem que ser profundamente democrática – democrática não só no discurso e na participação individual e organizada do povo –, mas democrática no controle da riqueza, no controle da produção, no controle do Estado. Então nós, efetivamente, o Partido dos Trabalhadores, achamos que não somos o sal da terra, porque antes de nós teve muitos companheiros socialistas, comunistas, revolucionários que deixaram exemplos de visão transformadora da sociedade. Mas mais do que individualidades na história do nosso país, nós temos movimentos sociais muito ricos, desde a colonização até os nossos dias de hoje nas vilas, nos bairros, nas periferias, no interior deste país, tem milhares de pessoas trabalhando uma visão diferente de fazer política. E essa visão diferente significa que não precisa ter um condottiere, não precisa ter alguém que bata o relho e o rebanho saia atrás. Nossa visão é de que o povo conscientizado, mobilizado e organizado é que vai fazer as transformações necessárias no nosso país.
Jorge Escosteguy: Esse que bate o relho, no seu ponto de vista, seria o engenheiro Leonel Brizola, essa menção que o senhor fez ao condottiere ?
Olívio Dutra: Eu acho que as elites tradicionais brasileiras têm uma visão de que o povo precisa de paz, ou de mães generosas, mas a luta do povo no campo, a luta do povo na cidade, na fábrica, no escritório, no local de trabalho, está destruindo essa visão. Nós estamos vendo pipocar, surgir um número enorme de novas lideranças vindas das lutas concretas no povo.
Jorge Escosteguy: Mas o senhor acha que essa visão é do ex-governador Leonel Brizola?
Olívio Dutra: Então a liderança tradicional, o cacique político já não tem mais vez na história do nosso país, não existe mais essa coisa de que alguém diz e o restante sai atrás, não é? Existe hoje um desejo de discutir concretamente as coisas e reformular coletivamente [...] o que as elites brasileiras nos colocaram.
Jorge Escosteguy: Como a Eliane mencionou o PDT, esse cacique especificamente seria o engenheiro Leonel Brizola, do PDT, o ex-governador?
Olívio Dutra: Não, eu acho que o PDT não é exceção, o PDT está repetindo, na medida em que centraliza numa pessoa, na medida em que tem uma visão de que alguns poucos eleitos profissionais da política determinam o que milhares de outras pessoas têm que fazer, não está inovando em nada, está repetindo a velha tradição da política das elites brasileiras. Então, é isso, nossa visão é essa.
Kleber de Almeida: Prefeito, imaginando-se que o candidato do seu partido não chegue ao segundo turno, com qual candidato o seu partido estaria? Por que o pareceria mais óbvio seria o candidato do PDT, Leonel Brizola? Ou não disputaria o segundo turno?
Olívio Dutra: Primeiro, que nós não trabalhamos essa hipótese; nós trabalhamos com a hipótese de...
Kleber de Almeida: [interrompendo] Mas tem que trabalhar com o imponderável também.
Olívio Dutra: Nós trabalhamos com a hipótese de ganhar o primeiro turno, e de no primeiro turno, nesse embate, nós vencermos a direita. Todos os partidos que se colocarem à esquerda, favoráveis à organização autônoma e livre, libertária do povo, não serão os nossos adversários principais. Agora, aqueles que acharem que o povo tem de ser arrebanhado, que o que povo tem que ter um Messias para conduzi-lo, esses naturalmente que terão de nossa parte um trabalho crítico e uma atuação de oposição. Então, nós vamos trabalhar com a idéia de que o povo brasileiro já tem experiências suficientes, no decorrer da história de séculos, não é da história recente, de que não deve se enganar com aqueles que falam em seu nome, mas que têm as maiores facilidades em transar em nível das elites tradicionais, as saídas para essas elites, e a saída do povo fica para depois: depois que as elites resolverem seus problemas nós podemos resolver os problemas das massas. Do ponto de vista do PT o problema brasileiro se resolve na medida em que nós encontrarmos canais sérios, construídos de baixo para cima, de a grande maioria dos povo brasileiro ser sujeito dessas transformações.
Emanuel Nery: Prefeito, na última viagem do Lula à Europa, o Lula se encontrou com Willy Brant, o ex-chanceler alemão, que é presidente da Internacional Socialista, que é social-democrata, e pediu um observador do PT na Internacional Socialista. Eu pergunto para o senhor se isso é um indicador do PT de que a opção ideológica do partido vai ser social-democrata, vai ser reformista e não revolucionária, como querem alguns setores do partido.
Olívio Dutra: Olha, Partido dos Trabalhadores é revolucionário sem precisar fazer profissão de fé marxista, leninista ou qualquer outro chavão com que se qualificam determinadas posições no campo da esquerda. Ele é revolucionário porque ele convoca o povo mais simples, o mais humilde para ser sujeito da transformação, também a mais modesta no seu bairro, na sua vila, no seu quarteirão, mas para ser também sujeito da transformação, a mais fundamental, no controle do Estado e dos governantes por parte do povo organizado. Nisso ele é revolucionário. E eu acho que o fato de o companheiro Lula ir a vários países, ser bem recebido, ser reconhecido como uma liderança importante no nosso país é vitória da classe trabalhadora. Há até bem pouco, quem era recebido lá no exterior eram as figuras tradicionais da política brasileira; agora tem um metalúrgico, um mecânico, um dirigente sindical, uma figura vinculada com as lutas populares do campo e da cidade sendo reconhecido como uma liderança. Então, o que está acontecendo aí? Eu acho que, através do companheiro Lula, amplos setores populares do nosso país, que antes não tinham vez nem voz, que se falava sobre eles, mas não se falava com eles e com a voz deles, agora estão tendo, através do companheiro Lula...
Emanuel Nery: [interrompendo] Mas, prefeito, o que eu pergunto, [o Lula] é o cacique deles?
Olívio Dutra: ...um interlocutor correto, um interlocutor que chega lá e diz as coisas que as figuras internacionais não ouviam de outra liderança, porque é a mesma coisa que ele fala no interior do nosso país, numa porta de fábrica, é mesma coisa que ele fala também num fórum onde tem empresários ou onde tem outras figuras das elites brasileiras. [Charge de Caruso: Olívio Dutra luta boxe com Leonel Brizola. Lêem-se as indicações: “Mike Tyson X Maguila” e “Brizola X Lula”. Olívio Dutra diz: “A luta do século!”]. Eu acho que isso é uma vitória da classe trabalhadora, e nós vamos chegar a um ponto em que a consciência política brasileira, que está surgindo e que não é recente, que tem séculos de história do povo querendo se apropriar das transformações que devem ocorrer no nosso país, nós vamos chegar – eu penso que através não só do PT, mas do PT junto com outras forças progressistas do nosso país e com os movimentos sociais reais no campo e na cidade – a construir uma democracia real, uma democracia que saia do discurso, uma democracia que saia do texto escrito...
Tão Gomes Pinto: [interrompendo] Prefeito, eu quero saber...
Olívio Dutra: ...uma democracia que chega no campo econômico, no campo social, em que a riqueza que é produzida por milhares seja também apropriada por milhares. É essa sociedade que a maioria do povo brasileiro quer, e é essa a sociedade que o Partido dos Trabalhadores e tantas outras forças progressistas de esquerda se propõem a defender.
Tão Gomes Pinto: Prefeito, o senhor disse que o mundo está deslumbrado com as novidades que o companheiro Lula está contando a eles...
Olívio Dutra: Não, deslumbrado és tu que estás dizendo; eu estou dizendo que...
Tão Gomes Pinto: O senhor disse que o companheiro Lula diz coisas que jamais foram ouvidas no cenário europeu, por exemplo.
Olívio Dutra: ...o mundo está reconhecendo que tem outras lideranças, e não apenas as tradicionais. Isso é muito bom.
Tão Gomes Pinto: Uma liderança nova, e o mundo está se deslumbrando com ela.
Olívio Dutra: Está reconhecendo que existem, além das lideranças tradicionais, as lideranças surgidas do movimento popular...
Tão Gomes Pinto: É uma liderança nova, não é revolucionária, mas é revolucionária. Agora, eu queria perguntar ao senhor o seguinte...
Olívio Dutra: [interrompendo] Não é revolucionária no sentido tradicional, mas é revolucionária no sentido de que nós...
Tão Gomes Pinto: [interrompendo] É uma nova revolução no mundo, ou seja, no cenário mundial, uma proposta inédita?
Olívio Dutra: No caso brasileiro – estou pensando no Brasil, eu não estou vendendo a revolução para nenhum outro país –, recuperar a cidadania de milhões já é revolucionário, porque desde o descobrimento do nosso país milhares e milhões de pessoas são colocadas como cidadãos de segunda e de terceira classe. O que nós estamos fazendo é dizer que é possível os milhões se apropriarem da sua cidadania, exercer essa cidadania e fazer as transformações.
Tão Gomes Pinto: O senhor disse que a proposta do PT é profundamente socialista...
Olívio Dutra: E democrática.
Tão Gomes Pinto: ...exige um socialismo também profundamente democrático...
Olívio Dutra: Exatamente.
Tão Gomes Pinto: ...e que não existem modelos externos que o PT possa imitar.
Olívio Dutra: Mecanicamente transportáveis, não.
Tão Gomes Pinto: O senhor simplesmente recusa as outras propostas socialistas já aplicadas em outras partes do mundo?
Olívio Dutra: Não recuso, eu as reconheço e acho que o povo brasileiro deve conhecê-las e discuti-las...
Tão Gomes Pinto: Elas não são suficientemente democráticas para o PT?
Olívio Dutra: ...mas não há nenhuma forma de você transplantar modelos de uma realidade sócio-cultural, econômica e política X para uma realidade sócio-cultural, econômica e política Y, que é a nossa.
Moura Reis: Mas qual é esse modelo aqui do PT? O senhor diz que não é transplantar o modelo socialista; é revolucionário, [mas] não na forma tradicional. O que é o revolucionário tradicional?
Olívio Dutra: Bom, nós achamos que, primeiro, o socialismo é uma palavra que o vocabulário da classe trabalhadora tem que apropriar, porque a ideologia da classe dominante não quer saber que o trabalhador fale de socialismo e comunismo. Então, nós temos que resgatar para o vocabulário diário da classe trabalhadora o conteúdo da palavra socialismo, o conteúdo da palavra comunismo, o conteúdo da palavra capitalismo, para nós não confundirmos capitalismo com democracia e socialismo com ditadura. Nós temos que fazer esse trabalho, e isso é um trabalho sério que todos os democratas devem fazer, independente de estarem ou não no PT. Agora, o PT tem função claríssima de dizer: não há como nós criarmos uma sociedade humana em que as pessoas possam conviver, não apenas viver, mas conviver com consigo, com seu espaço se não for uma sociedade em que a riqueza por todos produzida possa ser por todos controlada e apropriada. Essa é a sociedade socialista, e essa sociedade é profundamente democrática, porque não há socialismo se não houver pluralidade de interpretações e de visões sobre o próprio socialismo. Então, essa é a visão que nós temos hoje de socialismo. Então não temos uma visão acabada, pronta, definida de socialismo, e é por isso que eu acho que nós nos distinguimos das visões ortodoxas de socialismo em que as coisas já estão prontas e acabadas [...].
Moura Reis: Dentro do seu socialismo, o senhor falou de elite e de povo, dando uma conotação com povo à classe mais baixa; me deu a entender favela; o senhor disse: “seu bairro, o seu pequeno...”, então o senhor está falando dos extremos. E o “meião”, não vale?
Olívio Dutra: Não, não é necessariamente...
Moura Reis: Então, o que é povo, é todo mundo, é uma parte, é um segmento?
Olívio Dutra: [...] povo não é que vive na miséria, nós queremos o povo vivendo na fartura, vivendo na riqueza; afinal, a riqueza que está aí é produzida por milhares e está sendo apropriada por poucos. Então, nós queremos que a grande maioria dos que produzem riqueza se apropriem dessa riqueza, dos benefícios delas, tenham uma vida saudável, possam participar da vida social, [...] assistir filmes, ir ao teatro, ter filhos nas escolas, ter acesso aos meios de comunicação, individuais, particulares, sociais. Então, nós achamos que povo – inclusive inclui o companheiro [refere-se ao entrevistador], inclui todos os que estão aqui, inclui aqueles que não são os proprietários dos meios de produção ou dos meios de reprodução da ideologia na classe dominante.
Moura Reis: Não incluiu esses [últimos]?
Olívio Dutra: Olha, povo, no sentido transformador, naturalmente que não, porque os proprietários dos meios de produção ou de reprodução da dominação, esses não querem saber de mudança; esses querem saber que o statu quo permaneça; esses querem levar a luta ideológica ao ponto de dizer que todos aqueles que estão vindo de baixo, querendo mudar as coisas, esses são inimigos da humanidade...
Carlos Brickmann: [interrompendo] O vereador [do PT] Eduardo Suplicy é povo? [risos]
Olívio Dutra: ...a transformação da sociedade vai acontecer independente da vontade desses poucos.
Carlos Brickmann: O vereador Eduardo Matarazzo Suplicy é povo?
Olívio Dutra: É povo.
[...]: Por quê?
Olívio Dutra: Sem dúvida nenhuma, porque nós não temos a visão mecânica de que a origem de classe já condiciona a posição de classe. O sujeito pode ter uma origem de classe... ninguém escolheu o berço em que nasceu, ou por acaso tu escolheste o berço em que tu nasceste?
Carlos Brickmann: Senão eu escolheria uma família mais rica [risos].
Olívio Dutra: Pois é, ninguém escolhe o berço em que nasceu. Agora, nós podemos, no nosso processo de luta, de organização, de identificação com as lutas populares, ter a nossa posição de classe. O companheiro Suplicy e tantos outros companheiros que estão no PT, e que queremos que, se ainda não estão, que venham para o PT, que tenham uma posição ao lado da classe trabalhadora, dos setores humilhados e ofendidos e que lutem pela transformação, através da organização popular, esses companheiros são povo.
Eliane Cantanhêde: Prefeito, o senhor até está justificando um pouco a história do próprio PT, a história eleitoral do PT, porque quem votava no PT no início não eram os trabalhadores, tinha aquela história que trabalhador não vota em trabalhador.
Olívio Dutra: [interrompendo] Eu discordo. Pelo contrário, muitos diziam que nós éramos...
Eliane Cantanhêde: Quem votava no PT era a classe média, eram os acadêmicos, era a classe média, não eram exatamente...
Olívio Dutra: Primeiro, nos diziam que nós éramos o Partido dos Trabalhadores de macacão do ABC. Então não está correto; nos diziam que nós éramos os trabalhadores do ABC ou de alguns pontos de desenvolvimento industrial mais avançado do nosso país, diziam assim. [Diziam] “Ah, o PT é dos trabalhadores de macacão”. Depois, quando o PT foi crescendo e ampliou a sua influência, [começaram a dizer] “Não, PT agora está dominado pelos intelectuais”. Depois o PT foi ampliando a sua influência em amplos setores populares [e diziam] “Não, agora o PT está entregue para Igreja”. E assim vai indo; a cada momento em que o PT vai avançando tem uma justificativa para aqueles que gostariam que as organizações políticas partidárias fossem as tradicionais. E o PT se nega a ser uma organização tradicional, sem ser sectário, sem ser...
Eliane Cantanhêde: Xiita.
Olívio Dutra: ...sendo radical, ele não é sectário. Quando nos tratam de radical, nós achamos que isso é um qualificativo; agora, quando nos dizem que nós somos sectários, dizemos que isso é pejorativo. Ser radical é ir às raízes dos problemas que afligem a maioria da população, e a maioria desses problemas está lá na exploração de poucos sobre muitos. E aí nós somos radicais, não abdicamos disso.
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor.
Olívio Dutra: Agora, nós não somos sectários ao ponto de dizer: “Só nós que sabemos dessa verdade”. Não, tem muitas outras cabeças, organizações, sabendo dessa verdade; agora, é preciso aglutinar essas forças, é preciso somar, multiplicar, imbricá-las num projeto comum. Eu acho que, na medida em que o PT vai se afirmando como uma força que tem representatividade, movimento popular, comunitário, sindical e do movimento social mais amplo, ele pode ser o eixo de aglutinação dessas forças. Então, ele não está sendo sectário...
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor, eu queria discutir...
Olívio Dutra: ...está sendo radical no bom sentido da palavra.
Jorge Escosteguy: ...os telespectadores também têm alguns problemas que nos afligem. O Clodoaldo Gomes Correia, do Ipiranga, quer saber a sua opinião: “O que o senhor acha do PT de São Paulo ter se transformado no partido dos tios, ou seja, nomearam-se vários sobrinhos de dirigentes do PT. E o que acha da nomeação do administrador fantasma para o Estádio Municipal? É um jogador que joga pelo Santos Futebol Clube, que nunca está presente”. Ele se refere ao Wladimir [Rodrigues dos Santos], que é o administrador do Pacaembu. Então, no fundo, o Clodoaldo quer saber a sua opinião sobre a nomeação de parentes, do chamado nepotismo, que tanto o PT criticou, e o caso específico do Wladimir...
Olívio Dutra: Eu não conheço no detalhe, mas eu conheço na visão do nosso partido. Todos aqueles que participam do governo eles são indicados para cargos de confiança na medida em que forem competentes, na medida em que vierem de militâncias antigas no movimento popular, na medida em que demonstrarem que são capazes de exercer as funções...
Jorge Escosteguy: Mas o senhor não acha que esse é [...] político quando se cobra nomeação?
Olívio Dutra: ...sem por aí tirar benefícios para si. Então, o partido já discutiu amplamente isso...
Ricardo Noblat: [interrompendo] Quer dizer, parente competente pode, é isso?
Olívio Dutra: ...nas suas bases, nas suas direções e definiu efetivamente. No caso de São Paulo, que a imprensa tem colocado aí que houve a nomeação de um sobrinho da companheira Erundina, a nomeação [...] do companheiro Hélio Bicudo...
Carlos Brickmann: Da irmã do companheiro Pedro Dallari; do marido da companheira Tereza Lajolo...
Olívio Dutra: ...são todos eles militantes antigos do partido, de construção partidária. Quer dizer, não foram nomeados simplesmente porque são parentes ou ligados ou têm alguma afinidade com as pessoas que tem relação [...]. Foram e chegaram lá porque vieram inclusive homologados pelas instâncias do partido e porque têm capacidade para estar lá. E não estão levando nenhum adicional sobre isso, não estão tendo mordomia nenhuma, não estão tendo vantagem pessoal nenhuma...
Ricardo Noblat: [com ironia] Estão sacrificados.
Olívio Dutra: Agora, não tem nenhuma outra... se tiver alguma pessoa indicada no governo de São Paulo, em qualquer outro governo [do PT], mesmo lá em Porto Alegre, porque é simplesmente parente, isso é condenável.
Carlos Brickmann: [interrompendo] O senhor nomeou algum parente?
Olívio Dutra: Quem fez essa indicação tem de ser afastado e o indicado tem de também sair do cargo. Mas isso não existe no PT.
Carlos Brickmann: O senhor nomeou algum parente?
Olívio Dutra: Não nomeei nenhum parente, até porque não tinha na minha família nenhuma pessoa de... como é que se diz?
Jorge Escosteguy: Notório saber?
Olívio Dutra: Notável saber. Meu pai é carpinteiro, e nós não precisávamos de nenhum carpinteiro na prefeitura; minha mãe é dona de casa, e nós não precisávamos de nenhuma pessoa com essa especialidade.
Carlos Brickmann: Só em São Paulo que as famílias são tão competentes assim?
Olívio Dutra: E aqui [em São Paulo] nós temos companheiros que têm capacidade para preencher cargos e que vinham de militância partidária e que estão lá por essa capacitação, não porque...
Eliane Cantanhêde: [interrompendo] Mas por que os parentes do PT são competentes e os parentes do PDS não eram competentes? Como é que se avalia isso?
Olívio Dutra: Primeiro, que os parentes do PDS estavam lutando contra os trabalhadores e apoiando a ditadura...
Eliane Cantanhêde: Então [considere os parentes] do PMDB.
Olívio Dutra: ...enquanto os outros companheiros estavam construindo a resistência dos trabalhadores, no movimento popular, no movimento sindical e na construção do PT.
Ricardo Noblat: E os parentes do PMDB?
Olívio Dutra: Eu acho que essa é uma diferença muito considerável.
Eliane Cantanhêde: É uma diferença, mas o nepotismo que está por trás de ambos [os partidos] é o mesmo.
Olívio Dutra: Agora, isso é cargo de confiança, quando for cargo de carreira no governo municipal, isso tem que entrar como cargo de carreira através de concurso público. Agora, se é CC, Cargo de Confiança, aí nós vamos fazer... é o governo do PT, não é governo do PDS ou o governo de outro partido.
Ricardo Noblat: Mas e o PMDB, o senhor coloca na mesma vala?
Olívio Dutra: E como é que chega lá? Chega lá porque tinha militância, chega lá porque tinha luta, chega lá porque as instâncias do partido definiram que fosse assim, não é? Agora, para entrar na carreira de funcionário público, tem que entrar por concurso.
Ricardo Noblat : Tudo bem. Agora, prefeito, de uma certa forma...
Olívio Dutra: E é assim que tem sido tanto aqui em São Paulo como lá em Porto Alegre ou em qualquer outra administração das 36 prefeituras que conquistamos no dia 15.
Ricardo Noblat: O senhor não cansa de falar tanto? [risos] Veja uma coisa – agora fui eu que me perdi –, a imprensa levantou um dia desses, fez um amplo levantamento sobre o número de parentes de deputados e senadores, e a justificativa mais comum, mais usual, desses deputados e senadores é de que de fato eram parentes, havia a esposa, o filho, não eram em cargos que exigissem concurso, mas eram em cargos de confiança, e eram parentes, todos eles competentes. De uma certa forma, fora a militância, que talvez não tenha havido, de mulheres e parentes de senadores e deputados, mas o fato de ser confiança é a mesma coisa, é a mesma justificativa que o senhor usa para justificar os parentes no caso do PT. E o fato de ser competente, bom, todos os senadores e deputados e suas esposas, irmãos, primos, sobrinhos e tios são competentes. Não é mais ou menos a mesma coisa?
Olívio Dutra: Não, eu duvido que tenha companheiros que tenham a militância das duas pessoas, três ou quatro que vocês estão identificando no PT, eu duvido que tenha em qualquer outro partido companheiros com essa militância, com essa inserção no movimento popular comunitário. Não tem companheiros que tenham a militância na luta, no bairro, na vila, na organização do sindicato, na organização do povo para suas lutas autônomas. Não importa se ele é ou não parente, porque eu acho que aí também nós temos que discutir outras coisas. Eu acho que tem muita gente que, independente de ser cunhado, de ser irmão, de ser primo, sobrinho, são cabos eleitorais das figuras que estão em determinadas funções. E por serem cabos eleitorais, é por isso que são nomeados. Então, essa questão da relação direta do parentesco, nós temos que discutir mais amplamente, a relação de afinidade, de troca de favores. Isso que nós temos que ver. Há troca de favores? Uma pessoa que estava ganhando dez vezes mais e, de repente, vem para um cargo em que vai ganhar bem menos, mas porque ela ali tem afinidade política, porque ela ali vai exercer um trabalho coletivo e social na visão de uma proposta política da qual ela não vai ter benefício, não é? Eu penso que a esposa dos deputados e dos senadores não têm construção social, não têm afinidade com o movimento popular comunitário, e elas estão naturalmente tirando benefício para si, ou para sua família, ou para seu esposo nessa função, e isso tem que ser condenado, e isso é condenado pelo nosso partido. Mas não tem ninguém no PT de quem tu possas dizer: “Não, esse cara entrou porque trocou um favor, estava ganhando pouco, agora vai ganhar milhões e agora está construindo a sua carreira política em cima disso”. Não, ele está é reforçando uma política coletiva do movimento social, do movimento sindical ou do movimento do seu partido...
Carlos Brickmann: Prefeito...
Olívio Dutra: ...no rumo da transformação. E são pouquíssimos, são pouquíssimos. O nosso partido tem uma enormidade de quadros, poderia estar colocando aí muita gente, mas são pouquíssimos aqueles que entraram para os cargos de comissão; para funções de carreira na estrutura da administração pública, esses só podem entrar lá por concurso. Não tem outro jeito de a gente azeitar essa máquina, desinchá-la, enxugá-la, fazer funcionar no interesse da população se não tiver funcionários públicos ingressando de forma permanente para fazer carreira, como funcionário público, através de concurso. Essa é a visão do partido.
Moura Reis: Por falar em desinchar a máquina, o senhor já desinchou a máquina de Porto Alegre?
Olívio Dutra: Olha, temos uma luta grande lá para desinchar, para fazer com que o serviço público da nossa cidade, que tem 21 mil funcionários, veja só, nós somos uma cidade com 1,35 milhão habitantes, e nós temos 21 mil funcionários...
Moura Reis: Isso, na sua avaliação, é demais ou de menos?
Olívio Dutra: [São] 17 mil funcionários na ativa. Aqui em São Paulo tem uma lei, inclusive, que diz que o número de funcionários não pode ser superior a um por cem habitantes. Isso significaria que, lá em Porto Alegre, teríamos que ter 13,5 mil funcionários ativos, [mas] nós temos 17 mil.
Moura Reis: Estão sobrando quatro mil.
Olívio Dutra: Nós temos 17 mil...
Moura Reis: Mas estão sobrando quatro mil...
Olívio Dutra: [Temos] 17 mil funcionários. Então, o que há? Nós temos que ver se os funcionários que existem realmente têm funções que gratifiquem o serviço público em termos de que seja um trabalho rico, que ele se realize como pessoa humana e que a população receba um trabalho eficiente. Se tem três funcionários para apontar um lápis numa repartição, quando não se precisa nenhum, e quando às vezes nem sequer se tem a maquinazinha de apontar lápis, alguma coisa está errada. Nós, depois que assumimos, no dia 1º de janeiro, já demitimos 180 funcionários, e mais uns quarenta, cinquenta se demitiram por...
[...]: Espontaneamente?
Olívio Dutra: ...espontaneamente. Porque foram chamados para trabalhar, não estavam acostumados a trabalhar, não era essa a relação que eles tinham com a administração. E agora temos mais 164 só lá no Demhab, que é o Departamento Municipal de Habitação, para serem demitidos. Aliás, já demos o aviso prévio; há ainda uma negociação com o sindicato, com as entidades que representam o funcionalismo para ver se, entre esses 164, não houve essa ou aquela injustiça, esse ou aquele erro, esse ou aquele engano; então, nós estamos vendo um por um da lista dos 164 para ver se não tem uma mulher grávida, para ver se não tem alguém que estava em férias, para ver se não tem alguém que estava doente, ou alguém que estava trabalhando, ou que queria trabalhar e não tinha condições para trabalhar. Quer dizer, nós estamos fazendo isso criteriosamente, mas não dá para admitir que nós tenhamos uma máquina administrativa, uma máquina pública que seja um cabide de empregos, que tenha pessoas sem função ou que tenha pessoas apenas na folha de pagamento e que não aparecem lá para trabalhar. Quer dizer, nós temos – e isso é uma visão socialista da coisa... [Charge de Caruso: ao lado de uma máquina de lavar roupa, Olívio Dutra diz: “Para desinchar a máquina, o PT lava roupa em casa!”]
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor.
Olívio Dutra: Nós estamos demitindo, não é que vamos demitir, estamos demitindo, mas em cima de critérios com muita conversação com o Sindicato dos Municipários. Mas com a intenção clara de não ter funcionários sem funções ou funcionários fantasmas na administração pública municipal.
Elmar Bones: O vice-prefeito, o seu companheiro Tarso Genro, disse que se a prefeitura reduzisse seu quadro de três a cinco mil funcionários, funcionaria até melhor, é um número que poderia perfeitamente ser dispensado. O senhor vai demitir esse número de gente, cinco mil, quatro mil?
Olívio Dutra: Nós temos quatro anos de gestão, então nós não somos arbitrários a ponto de dizer: não, nós vamos demitir todo mundo de uma vez só, assim de supetão, como se diz no Rio Grande. Não, nós temos que ver caso a caso; nós temos que ver os direitos sociais e trabalhistas; e se nós pudermos realocar esses funcionários, de uma repartição para outra, muito que bem, mas às vezes não é fácil. Por exemplo, nós estamos contratando 308 professores que fizeram concurso no ano passado, e nós estamos demitindo 164 funcionários, [mas] ocorre que nós não podemos pegar esses 164 funcionários, que não que têm qualificação para serem professores, e colocar lá na Secretaria Municipal de Educação. Então, nós temos que demitir efetivamente aqueles 164, porque eles não têm função, porque os critérios de admissão deles eram eleitoreiros, porque estavam apenas na folha de pagamento. E nós temos que admitir 308 professores que fizeram concurso, se qualificaram e nós temos que chamá-los porque estamos aumentando o número de vagas nas escolas municipais, de 18 mil para 30 mil crianças matriculadas. Precisamos então de novos professores, então nós temos que ter critérios. E, realmente, o companheiro Tarso Genro levantou essa questão, tendo como referência São Paulo. Quer dizer, aqui tem uma lei do município, assim como tem uma lei que diz que a folha de pagamento não pode superar um determinado percentual da receita do município, também o número funcionários não pode superar a proporção de um para cada cem habitantes. Em Porto Alegre, se fosse assim, deveríamos ter 13,5 mil funcionários, e nós temos 17 mil ativos e 21 mil [quando somados com os] inativos. Agora, nós não podemos dizer que vamos demitir esse pessoal de uma vez, assim de repente, de um dia para o outro. Agora, nós temos que ir azeitando a máquina, nós temos que ir trabalhando, aperfeiçoando o serviço público, ao ponto de estimular o funcionário público para ele ser um bom servidor, para ele se sentir um sujeito da administração pública e para a população se sentir bem atendida.
Kleber de Almeida: O senhor está parecendo mais um prefeito do velho PSD [Partido Social Democrático [Fundado em 1945 e extinto em 1965 pelo regime militar, foi da base de sustentação de Getúlio Vargas. Em 1955, elegeu o mineiro Juscelino Kubitscheck presidente da República em 1955] do que do PT, hein, prefeito?
Jorge Escosteguy: Nós temos que fazer um rápido intervalo, Kleber, por favor, gostaria que você voltasse depois do intervalo; temos que fazer um rápido intervalo. O Roda Viva volta dentro de instantes, até já.
Jorge Escosteguy: Voltamos com o programa Roda Viva, que hoje está entrevistando o prefeito de Porto Alegre, Olívio Dutra. Prefeito, em todos os Roda Viva, de vez em quando nós fazemos uma sessão de críticas dos telespectadores a nós, os jornalistas aqui presentes; então, Ana Maria Pires da Costa, de Mococa; Valmir Marques, de Jundiaí; Cecília Menezes, de Perdizes; e Renato Gonzáles, de Pinheiros, criticam o teor das perguntas e basicamente querem saber o que o senhor acha do papel da imprensa diante do PT e eventualmente de ser entrevistado por jornalistas reacionários? [risos]
Olívio Dutra: Eu não concordo com os ouvintes que emitiram essa opinião. Pode até ter jornalistas reacionários aqui, mas acho que nem são a maioria, e se existem tem todo o direito de pensarem diferente da gente. Eu acho que a gente não pode confundir o jornalista com o dono do jornal, com o dono da televisão, com o dono da rádio. Não raro, muitos companheiros jornalistas cobrem os acontecimentos do PT, as suas mobilizações e depois, na hora da edição dessa notícia, naturalmente entra o interesse da empresa jornalística. E eu penso que a opinião pública tem que saber distinguir isso.
Jorge Escosteguy: O Kleber de Almeida tinha uma pergunta para o senhor um pouco antes do intervalo.
Kleber de Almeida: Prefeito, retomando a pergunta que o Carlos Brickmann fez no começo do programa, e mudando um pouco, eu queria saber do senhor, se seu partido realmente chegar à Presidência da República, qual é a grande prioridade do partido ou a primeira providência que o partido deveria tomar para tirar o país dessa situação de crise que vive hoje?
Olívio Dutra: Mas eu queria retomar uma colocação que tu fizeste antes do intervalo, de que não havia muita diferença entre o que eu estava colocando e a posição...
Kleber de Almeida: Eu disse que o senhor parecia mais um prefeito pessedista, do velho PSD, do que um prefeito petista da moderação... não da moderação, mas o senhor estava com jogo de cintura, empurrando com a barriga para resolver o problema do funcionalismo.
Olívio Dutra: Sabe por quê? Eu acho que é bom a gente retomar esse ponto porque nós estávamos, primeiro, reconhecendo que o funcionário público municipal exerce uma função essencial, indispensável e nós não podemos padronizar o funcionário público municipal como uma pessoa inoperante, como uma pessoa preguiçosa, como uma pessoa que está ganhando rios de dinheiro, porque a maioria do funcionalismo público, do funcionário público, não ganha rios de dinheiro, não. Na nossa prefeitura lá, o piso salarial é de 78 cruzados e 20 centavos. E é uma margem grande de funcionários que ganha esse salário. Os funcionários de maior salário estão lá entre 2,5 mil cruzados, e são poucos os que ganham esses salários. No entanto, no global, a folha de pagamento de Porto Alegre hoje está representando, se nós não reajustássemos nada do salário do funcionalismo, essa folha estaria representando 82% da receita do mês de março da Prefeitura de Porto Alegre. Quer dizer, todas as taxas, todos os retornos de impostos, todos os impostos cobrados diretamente pelo município não seriam suficientes para pagar um reajuste hoje, digamos, de 40,36% para os municipais, que aliás eles merecem. Mas se pagássemos isso, hoje a folha de pagamento representaria 117% do total da receita. Então, isso são coisas das administrações anteriores, que arrocharam os salários dos trabalhadores municipários e que, depois do 15 de novembro, depois de configurada a nossa vitória, ajeitaram um quadro de carreira às pressas e em discussão dos próprios municipários, e armaram uma bomba de efeito retardado para que nós, a administração popular, viéssemos a pagar todo o arrocho que eles praticaram no passado, isto é, fizeram cortesia com o chapéu alheio. Agora, nós temos que discutir essa questão com o funcionalismo público, e aí, então, entra a coisa, a folha de pagamento dos municipários deve ser paga pela prefeitura sem nenhuma discussão maior na sociedade. Quando ela tem esse peso? Nós achamos que a solução desse problema não pode ser numa relação binária entre o poder público municipal e o Sindicato dos Municipários. Deve se respeitar enormemente, como estamos fazendo, a representação dos municipários no seu sindicato, mas nós devemos abrir essa discussão para toda a população. Por isso que, se nós pagarmos um reajuste só de 20%, e nós vamos ter que pagar de 42 partes, nós vamos retirar recursos de outras áreas de atuação indispensáveis do poder público para resolver problemas do conjunto da classe trabalhadora. Então, isso eu acho que é uma discussão que o próprio Partido dos Trabalhadores tem de fazer, quer dizer, o Partido dos Trabalhadores está na prefeitura, junto com outros partidos de esquerda, é para resolver o problema de apenas uma categoria? Ou é para resolver o problema do conjunto de outras categorias de trabalhadores e de outros setores populares? Então, estou abrindo o jogo aqui para a necessidade dessa discussão. Mas também quero dizer que nós realmente não temos nenhum problema de dizer: se outros partidos fizeram esse ou aquele discurso, e se isso foi correto, não importa se era do PDS, se era de uma figura identificada com essa ou aquela posição ideológica que é contrária à nossa, o certo é que temos que ter austeridade, seriedade, coerência na administração pública. Administração pública não pode ser um cabide de empregos, não pode ser um elefante branco; administração pública não pode deixar que haja sonegação, deixar que escape um centavo sequer do dinheiro público; administração pública tem que ser eficiente na fiscalização, tem que ser eficiente na cobrança, tem que ser eficiente na resposta para as necessidades da população...
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor.
Olívio Dutra: ...para as perguntas que a população faz. Então, nós não achamos que estamos descobrindo a pólvora, não é? Nós queremos é resgatar para a administração pública a respeitabilidade que ela merece, e isso significa também dizer que o público não pode ser privatizado e que o público pode ser eficiente, se a gente fizer com que ele seja ágil, se a gente fizer com que ele seja eficaz.
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor, hoje nós vamos estrear no Roda Viva também uma pergunta do nosso cartunista Paulo Caruso.
Paulo Caruso: Prefeito, tem um grande cartunista em Porto Alegre, que é o Santiago, o nome dele é Neltair Abreu...
Olívio Dutra: Conheço Santiago.
Paulo Caruso: ...a cidade em que ele nasceu é que se chama Santiago.
Olívio Dutra: É lá perto de São Luiz Gonzaga, minha terra.
Paulo Caruso: Diz-se que o Santiago estava desenhando na prancheta dele, daí chegou o pai dele por trás, olhou de soslaio sobre os ombros dele e disse assim: “Não acredito que te paguem para desenhar essas tonterias”. [risos].
Olívio Dutra: É bem provável.
Paulo Caruso: Eu queria saber como é que anda o humor em Porto Alegre: se o senhor tem sido beneficiado por essa graça que os prefeitos recém-empossados têm quando assumem seu mandato, ou se os humoristas estão, apesar de terem uma formação humanista e terem defendido até esses anos as causas que o senhor defende, o senhor tem sido alvo do humor gaúcho.
Olívio Dutra: Os humoristas têm estado de muito bom humor, e um humor crítico, sério, alegre e descontraído. Eu acho que os humoristas têm contribuído muito para que nós, os gaúchos, possamos rir de nós mesmos. E isso é uma qualidade...
Paulo Caruso: [interrompendo] O senhor seria capaz de contar – sem querer interferir e trocar de posições – uma piada de gaúcho aqui?
Olívio Dutra: [risos] A minha piada não dá para ser contada aqui [risos].
Elmar Bones: Prefeito, com o discurso das transformações, o PT obteve essas vitórias que obteve aí, com o senhor, Erundina e tudo. Mas a questão que se coloca hoje é questão prática, o senhor mesmo, na intervenção dos ônibus em Porto Alegre, tinha como objetivo principal levantar uma planilha de custos que, segundo a sua administração, não existe e nunca foi levantada. Mas já há quase sessenta dias da intervenção, não se tem ainda uma idéia dessa planilha de custos; é grande a dificuldade dos operadores, dos interventores nas empresas; o transporte coletivo está funcionando com bastante precariedade; e agora foi anunciada há poucos dias que a intervenção poderá se prorrogar por mais noventa dias. Essa distância entre o discurso e a prática, que o senhor está sentindo agora, ela se revela maior que o senhor esperava?
Olívio Dutra: Não vejo distância nenhuma entre o discurso e a prática; nós estamos colocando em prática a nossa proposta.
Elmar Bones: O senhor estabeleceu um prazo de noventa dias, e considerava que, nesse prazo, teria...
Olívio Dutra: [interrompendo] Não, não fui eu quem estabeleci; a lei diz que a intervenção tem de durar noventa dias, podendo ser...
Elmar Bones: [interrompendo] E o senhor anunciou que poderia inclusive levantá-la antes.
Olívio Dutra: ...podendo ser prorrogada. Então, se a lei nos permitisse que houvesse intervenção por um ano, nós teríamos feito uma intervenção por um ano; como a lei determina que a intervenção tem de ser de noventa dias, nós temos que fazer em noventa dias e depois ir prorrogando a intervenção. Nós achamos que temos que estender essa prorrogação mais tempo.
Elmar Bones: E em quanto tempo você acha que terá os custos dos transportes, das tarifas?
Olívio Dutra: Olha, os três primeiros meses na vida da cidade foram três primeiros meses atípicos, até mesmo porque são férias; então, nós não podemos tirar a média da planilha de custos para fixar o preço da passagem nos três primeiros meses do ano, janeiro, fevereiro e março é [período de] férias. Tem apenas em março, que começou ano letivo. Então, nós temos que ter mais tempo, e provavelmente de seis a sete meses ou mais para gente ter uma média. Tem um mês que tem mais feriado, tem outro mês que tem chuvarada, tem outros meses em que entra uma série de outras coisas. Então, você tem que ter um tempo mais elástico para ver qual é o desempenho do sistema como um todo, e você tirar aquele tempo como modelo para todo ano. Porque se tu fizeres isso às pressas, às carreiras, atabalhoadamente, você vai fixar um preço de passagem que não é o preço real ou, no mínimo, não é preço justo, que é ainda pior. Então, nós estamos realmente estudando a planilha. Os empresários diziam que usavam pneu radial nos ônibus, [mas] na verdade nunca usaram pneu radial nos ônibus, era o pneu mais caro. Os empresários têm outras atividades nas suas empresas que não o transporte coletivo, nós não sabemos ainda se essas outras atividades não estão sendo financiadas por dinheiro da passagem. Qual é o tempo que nós temos lá? Nós vamos fechar o primeiro mês completo de intervenção, que é agora, no dia 30 de março. [...] nós começamos a intervenção no dia 16 de março; os empresários nos sonegaram informações contábeis, informações de toda ordem sobre o mês de fevereiro.
[...]: [interrompendo] Prefeito, o senhor permite uma pergunta?
Olívio Dutra: Então nós só vamos completar nosso levantamento contábil das empresas agora no dia 30 de março. De um mês, e nós precisamos fazer uma verificação num tempo bem mais longo, para nós então levantarmos todos os custos da planilha com dados que nós colheremos da realidade, e não os dados colocados pelos empresários segundo os seus interesses.
Emanuel Nery: Prefeito...
Olívio Dutra: Então é preciso realmente prorrogar a intervenção e nós vamos fazer isso.
Emanuel Nery: Prefeito, o que eu tenho notado nesta sua entrevista é que o senhor tem fugido ou driblado as perguntas mais embaraçosas. Isso faz lembrar muito a entrevista do governador Leonel Brizola aqui também no Roda Viva...
Olívio Dutra: [interrompendo] Me faça uma embaraçosa que eu quero te responder agora.
Emanuel Nery: Por exemplo, até agora o senhor não respondeu com clareza a questão da opção ideológica do PT: se a opção vai ser uma opção reformista, social-democrata ou revolucionária.
Olívio Dutra: Eu respondo agora; tu não tinha me feito com essa objetividade. A opção do PT é uma opção socialista, quer dizer, agora o socialismo, você tem “n” maneiras de você concebê-lo, e em nível internacional há enormes experiências, e históricas experiências da classe trabalhadora que o povo brasileiro precisa conhecer, discutir, debater, mas não necessariamente copiar. Mas a opção do PT é socialista. Agora, eu não vou fazer socialismo em Porto Alegre; a Erundina não vai fazer socialismo aqui em São Paulo; como nenhum outro dos 34 prefeitos vai fazer o socialismo nas suas cidades assim num passe de mágica. Agora, nós podemos e estamos desenvolvendo formas de o povo resolver problemas de forma coletiva e solidária. Isso significa apontar para uma nova maneira de a administração pública se relacionar com as comunidades, e essas terem o controle completo do governo, uma fiscalização do governo e do próprio Estado. Então, a nossa concepção está clara. Não fujo, não fugi em nenhum momento, a nossa concepção é realmente a concepção do socialismo, e não há socialismo se não houver a socialização dos meios de produção. Não tem essa de dizer que o socialismo não existe, assim, se a gente fizer versos, se a gente fizer discurso. O socialismo tem que distribuir a riqueza, e a apropriação dessa riqueza tem que ser coletiva e solidária, senão não existe socialismo.
Emanuel Nery: Então o senhor discorda do Lula, que diz que o programa de governo dele não vai ser socialista?
Olívio Dutra: O programa de governo e o projeto estratégico do partido naturalmente têm enfoques e ênfases diferenciados. Nós não vamos, em um governo, realizar a concepção estratégia do partido, que é uma concepção de longo prazo, que precisa de ampla mobilização, conscientização e organização popular. Nós temos clareza de que vamos disputar uma eleição numa sociedade de estrutura capitalista, em que nós precisamos ampliar o espaço democrático, aprofundar esse espaço democrático; nós temos proposta para isso, sem renegar a nossa visão estratégica de construção do socialismo.
Eliane Cantanhêde: Prefeito, o PT acaba de trocar uma posição muito confortável, que é a posição de oposição, a posição do discurso, pela prática de administrações. Então, voltando um pouquinho à pergunta do Elmar – e não quero que os telespectadores me achem reacionária –, mas...
[...]: Por que não? [risos]
Eliane Cantanhêde: ...mas o discurso de oposição é uma coisa muito mais simpática, que rendeu tantos votos, que vocês acabam de ser prefeitos. Só que vocês estão num país que tem uma dívida externa alta; o senhor tem 80% da sua receita comprometida com o funcionalismo...
Olívio Dutra: Sem reajuste...
Eliane Cantanhêde: ...o senhor precisa de...
Olívio Dutra: Se houver reajuste, é mais de 100%.
Eliane Cantanhêde: ...mais de 100%. O senhor diz que está jogando isso porque o senhor tem quatro anos para resolver. Só que a gente vai ter uma eleição presidencial em novembro, quer dizer, como vocês fazem para transformar o discurso, que foi tão eficaz na campanha de 88 - agora numa administração cheia de problemas em São Paulo, em Vitória, em Porto Alegre - e transformar isso em votos para o Lula e para o PT em novembro? [Charge de Caruso: com a mão direita, Olívio Dutra carrega um ônibus. Ele diz: “Sobre as empresas de transporte, estamos fazendo um levantamento...!”]
Olívio Dutra: Primeiro, que nós não fizemos um discurso irresponsável...
Eliane Cantanhêde: E nem eu disse isso, o senhor que está dizendo.
Olívio Dutra: Não fizemos um discurso vendendo ilusão de que nós íamos construir um paraíso nos anos curtos das nossas administrações. Nós vendemos idéias; defendemos propostas de que haveria no nosso governo uma nova relação entre o governo e o povo. Nós queríamos despertar a organização popular para que o povo pudesse ter controle sobre políticas, formulando políticas, fiscalizando a execução dessas políticas, controlando os governantes e, portanto, controlando o Estado. Nós queremos um Estado que resgate dívidas sociais enormes, mas nós queremos um Estado democratizado, permeado pela sociedade civil. Esse foi nosso discurso e é essa a nossa prática. Nós não vamos nos cansar de chegar na base social, no movimento popular comunitário, sindical e dizer que se não houver o povo organizado nos conselhos populares, que não são doações do governo, não são currais eleitorais dessa ou aquela figura política do partido que estiver no governo, de qualquer outro partido, mas que são instâncias conquistadas pelo povo para ele se apropriar da política, para ele fazer política todos os dias, para ele ser sujeito da transformação na sua cidade e no seu país, nós não vamos nos cansar de fazer isso, e estamos fazendo isso. Agora, nós achamos que é ser responsável dizer, por exemplo, que a folha de pagamento que nós herdamos das administrações anteriores, particularmente do populismo, é uma folha de pagamento que faz com que toda receita do município, que deveria estar sendo trabalhada para investimentos em várias áreas da cidade, está sendo consumida apenas para pagar a folha de pagamento. E isso é ser responsável.
[sobreposição de vozes]
Eliane Cantanhêde: O senhor admite que é uma faca de dois gumes para candidatura Lula vocês estarem no governo?
Olívio Dutra: Mas nós queríamos isso; o partido precisava, quis e trabalhou para passar por essa experiência de ser governo. Nós não estamos achando que “não, que agora nós vamos abandonar tudo isso, não era o que nós queríamos, vamos sair daqui”. Não, nós queremos aprofundar essa experiência, aprofundar essa experiência e ter a coragem de dizer: por essa experiência a classe trabalhadora precisava passar, porque a burguesia, as elites achavam que só elas seriam capazes de governar, só elas tinham condições de se apropriar do aparelho do Estado. E nós queremos dizer: nós vamos domar esse monstro do Estado, da administração pública, sem empreguismo, sem politiquice, com coerência, com severidade do gasto público. Nós, lá em Porto Alegre, por exemplo: a primeira coisa, o salário do prefeito, do vice-prefeito e do primeiro escalão têm que ser reduzidos em 20%, vamos devolver para o poder público 20% – e não ganhamos muito. Outra, nós vamos acabar com a mordomia do cargo público do sujeito, do prefeito, do vice-prefeito e de qualquer funcionário público de qualquer escalão, de ser levado da repartição para casa e da casa para a repartição, tem que acabar isso. Se quiser se deslocar para lá, se desloca por ônibus ou com seu carro oficial. [Charge de Caruso: de perfil, Eliane Cantanhêde tem seu pensamento representado por um ponto de interrogação vermelho, com uma estrela – símbolo do PT – no lugar do ponto do sinal gráfico]
Carlos Brickmann: Mas os vereadores do PT é que defenderam o carro público. Os vereadores do PT exigiram carro público.
Olívio Dutra: Isso é postura ética, isso é postura exemplar, isso significa que depois você pode chegar para qualquer escalão do funcionalismo público e dizer: olha, nós vamos ter que ter uma política de austeridade no uso dessa máquina, porque a austeridade começou por nós.
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor.
Olívio Dutra: É assim que estamos praticando, então não há nenhuma discrepância entre o nosso discurso de campanha e a nossa prática na administração pública. Pelo contrário, há seriedade, há determinação na execução do programa. E nós, além do mais, estamos num movimento popular, num movimento comunitário, toda hora aferindo as coisas, discutindo lá no bairro, lá na vila, qual é a melhor forma que nós temos de desenvolver outras políticas que a gente precisa.
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor, temos aqui vários telefonemas de Porto Alegre, das vilas de Porto Alegre, com perguntas para o senhor. O senhor falou em austeridade, e a professora Maria José, de Porto Alegre, pergunta se o senhor acha ético, como prefeito, participar dos piquetes da greve, e o Ricardo Queirós vai mais diretamente ao assunto e pergunta: “Com que direito o senhor vai abonar as faltas dos trabalhadores que aderiram à greve, sendo que o dinheiro que paga os funcionários da prefeitura é do contribuinte?”. E outra quer uma resposta curta e breve, a Terezinha Silveira, que é dona de casa, quer saber se o pagamento dos funcionários públicos vai sair em dia.
Ricardo Noblat : Também tem telespectadores reacionários [risos].
Olívio Dutra: Vamos lá, são três perguntas. Respostinhas curtas, não é isso?
Olívio Dutra: Primeiro, se é ético o prefeito ir ao piquete; primeiro, eu acho que é. Eu só poderia dizer: é ético. O prefeito é um cidadão, o prefeito tem a sua origem de classe, tem as suas vinculações com a sua categoria profissional e tem a sua vinculação com sua origem no movimento social, o movimento sindical. Então, o prefeito não é um ser dividido, é um ser uno: ele, ao mesmo tempo em que governa a cidade, ele mantém as suas ligações e suas raízes com as lutas populares de onde ele é originário. E a outra pergunta?
Jorge Escosteguy: O pagamento dos faltosos com dinheiro do contribuinte.
Olívio Dutra: Primeiro, a prefeitura de Porto Alegre, antes da greve, disse para o funcionalismo público: a questão do abono dos dias de greve só vai ser discutida depois da greve. Quer dizer, se o funcionário público foi para a greve, foi por sua consciência, porque o Sindicato dos Municipários o organizou para ir à greve, não foi porque houvesse facilidade do poder público municipal. E, depois da greve, o sindicato chegou para a administração com um pleito reivindicando o abono das faltas.
Jorge Escosteguy: [interrompendo] Mas o senhor acha justo pagar com o dinheiro do contribuinte, mesmo do contribuinte que foi contra a greve?
Olívio Dutra: [...] Nesse debate, nós já dissemos: nós estamos discutindo com o sindicato, e a nossa posição é de que podemos abonar, sim; o governo do estado já abonou lá no Rio Grande do Sul, que não é do PT, é do PMDB [refere-se ao governador Pedro Simon]; o governo do estado já abonou as faltas dos funcionários públicos que fizeram greve [...].
[...]: Mas quem paga é o contribuinte. O senhor acha justo, prefeito?
Olívio Dutra: Nós, do governo do PT e da Frente Popular, que é PT, PCB, PSDB, PSB, PCdoB, nós do governo da Frente Popular estamos dizendo para os companheiros municipários: nós vamos abonar sim, mas daqueles que efetivamente fizeram a greve, não dos que estavam faltando no emprego no dia 13 e no dia 16.
Ricardo Noblat: E como é que o senhor vai distinguir isso?
[sobreposição de vozes]
Jorge Escosteguy: O senhor acha justo usar o dinheiro do contribuinte, mesmo daquele que discorda da greve, para pagar os faltosos?
Olívio Dutra: A greve foi uma decisão coletiva...
Jorge Escosteguy: [interrompendo] Prefeito, eu perguntei se o senhor acha justo...
Olívio Dutra: ...não foi uma decisão unilateral, foi uma decisão da maioria da população da nossa cidade.
Ricardo Noblat: Teve assembléia com a maioria da população de Porto Alegre?
Olívio Dutra: Claro, teve com todos os sindicatos que representam uma enormidade de categorias; houve assembléias democraticamente convocadas. Então, quem não foi nessas assembléias se omitiu, e quem se omite não governa.
Jorge Escosteguy: O senhor não respondeu, me desculpe, se o senhor acha justo pagar as faltas com dinheiro do contribuinte, inclusive daquele que discorda da greve.
Olívio Dutra: Quem discorda da greve é porque não quis participar de assembléias que democraticamente...
Jorge Escosteguy: Desculpe, prefeito, eu perguntei se o senhor acha justo pagar.
Olívio Dutra: Quem não participou das assembléias é porque não quis, se omitiu de assembléias democraticamente convocadas. A gente até tem dito: as assembléias foram amplamente convocadas, com milhares de panfletos. E quem não foi à assembléia estava achando: bom, eu não vou lá, e se eu não for lá o pessoal não vai decidir. Isso é uma atitude equivocada, não é uma atitude de um cidadão, que efetivamente tem que chegar lá e colocar sua opinião em oposição a outra opinião. Eu acho que negociar abono de faltas é tradição na luta sindical neste país.
Jorge Escosteguy: O senhor acha justo pagar?
Olívio Dutra: Não é a primeira vez, portanto...
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor...
Olívio Dutra: ...que se abonam faltas, e nós estamos abonando faltas com critérios. Então, quem efetivamente fez a greve por consciência e não por facilidade, quem esteve ausente no dia 13 [...] não tem abono de falta, não.
Ricardo Noblat: Mas não dá para provar isso, prefeito...
Jorge Escosteguy: Desculpe, mas o telespectador perguntou se o senhor acha justo pagar...
Olívio Dutra: Eu acho correto...
Jorge Escosteguy: ...com o dinheiro do contribuinte os dias dos que faltaram.
Olívio Dutra: ...é uma demanda do sindicato. Não foi uma proposta da prefeitura.
Jorge Escosteguy: O senhor acha justo?
Olívio Dutra: Foi uma demanda do sindicato. Eu acho correto, e quem não fez a greve foi porque não quis participar das assembléias amplamente convocadas. Não foram assembléias secretas, não foram assembléias clandestinas, foram assembléias amplamente convocadas. Então, quem também não quis participar quis se omitir, e pela omissão quis governar. Quem se omite, não governa, repito.
Ricardo Noblat: O senhor justificou sua posição em termos até de fazer piquete ou passar pelo piquete, ou fazer piquete em favor da greve. Eu quero saber o seguinte: se um dia os servidores públicos de Porto Alegre entram em greve, o senhor é solidário, como o senhor foi agora, o senhor poderá até ir fazer piquete, como o senhor fez agora.
Olívio Dutra: Não, eu não sou da categoria dos municipários, eu sou bancário.
Ricardo Noblat: Mas eu imagino a administração de Porto Alegre...
Carlos Brickmann: O prefeito é municipário, sim, pode até não estar no sindicato, mas isso é uma falha sua, é uma omissão sua.
Olívio Dutra: Não, mas neste momento, vamos falar clarinho, neste momento eu sou um trabalhador bancário, oriundo do movimento sindical, não fui eleito exclusivamente pelos bancários, fui eleito em cima de uma proposta política de inúmeras categorias, inclusive de trabalhadores sem carteira, de pequenos empreendedores públicos, pequenos empreendedores da sociedade, não é? De amplos setores populares, nós fomos eleitos com uma votação enorme, não apenas dessa ou daquela categoria. Mas o certo é que eu estou lá com uma proposta oriunda da classe trabalhadora e nós vamos governar o município com essa proposta, vamos discuti-la constantemente com os outros setores da população... [Charge de Caruso: ostentando uma grande faixa em que se lê “GREVE”, Olívio Dutra diz: “Sou comissão de frente!”]
[sobreposição de vozes]
Olívio Dutra: ...para aperfeiçoar a aplicação dessa proposta. Então, eu quero dizer que nós, se houver uma greve do funcionário público, nós vamos respeitar. Provavelmente vai ser contra uma proposta nossa, da administração pública; eles têm todo o direito de se insurgir contra uma proposta da representação pública...
Ricardo Noblat: [interrompendo] Mas não era isso que eu ia lhe perguntar...
Olívio Dutra: ...nós vamos respeitar. Não vamos usar a repressão contra essa greve, mas naturalmente que nós não vamos fazer a greve, [porque] estarão fazendo a greve contra a administração pública.
Ricardo Noblat: Prefeito, me permita, não era isso que eu ia perguntar. O senhor respondeu uma coisa não que eu não ia perguntar. O que eu ia perguntar é o seguinte...
Olívio Dutra: Então eu me adiantei, e eu acho que foi positivo.
Ricardo Noblat: É possível que sim. O que eu queria saber do senhor é o seguinte: se pega a moda de prefeito fazer greve, em casos como esse, de uma greve geral, e se de repente acontece em Porto Alegre uma greve dos servidores públicos, em nível municipal, e toda a máquina do PT resolve ser solidária, como vai ficar isso? Quem vai negociar? Pára todo mundo, e quem vai negociar?
Olívio Dutra: Não tem problema. O que nós temos é a idéia convencional das elites brasileiras de que o poder é alguma coisa que, para ser mais poderosa, essa coisa tem que ser meio misteriosa, quer dizer, quem chega no governo tem que se desligar das suas bases, tem que ter um comportamento diferente, não é? Tem que se preservar, tem todo um comportamento que é uma figuração. Isso não é um dado do real, nós temos que desmontar essa coisa. E é isso que nós estamos mostrando na prática. Quem chega no governo, quem assume cargos políticos importantes, não necessariamente se desvincula das suas raízes, não é um ser que se descola da sua prática social anterior. Então, eu acho que isso é uma lição, nós estamos então contribuindo para a educação ampla de massa. Não tem mais essa coisa de o cara chegar no governo e ser alguma coisa inalcançável, inatingível, e por essa condição ser poderoso. Não, nós temos que ter poder, tem de ter autoridade, exatamente porque não perdemos o vínculo com a nossa classe, com a nossa base, com o nosso movimento.
Kleber de Almeida: Prefeito, o senhor diz que faz parte da estratégia do PT alcançar o socialismo, e evidentemente que para se alcançar esse ideal do partido, o partido tem que começar de algum lugar e de alguma forma. O PT, assumindo o governo da República, qual a primeira medida que o senhor acha que o partido vai tomar, já para perseguir esse ideal socialista do PT?
Olívio Dutra: Olha, nem precisa ser para perseguir o ideal socialista ou não. Nós precisamos atender imediatamente uma questão, que é do desejo das amplas massas brasileiras: é acabar com essa coisa de estar mandando recursos indispensáveis para resolver problemas cruciais do povo brasileiro lá para fora, para os cofres e para os bolsos dos banqueiros.
[sobreposição de vozes]
Olívio Dutra: Nós temos que suspender o pagamento da dívida externa.
[...]: Moratória?
Olívio Dutra: Nós temos que suspender o pagamento da dívida externa e ter um outro relacionamento internacional, quer dizer, nos relacionar com os [outros] devedores e com eles formar um pool e criar um espaço político em nível internacional para discutir essa questão, e não vir fazer isoladamente como nós estamos fazendo, submissos aos critérios do FMI...
Kleber de Almeida: Se deixar de pagar, obviamente que vai contar com uma reação externa, porque quem não vai receber esse dinheiro não vai deixar de receber e ficar por isso mesmo.
Olívio Dutra: Mas hoje até os credores nossos estão achando que realmente a dívida não é essa sobre a qual estamos pagando juros e dividendos. É bem menor que essa, os próprios credores já estão dizendo que essa dívida pode ser jogada para muito mais longe, não precisa ser paga hoje. É preciso ter outra forma de tratá-la. Nós, um governo submisso [refere-se ao governo Sarney], sem voto popular, um governo sem credibilidade e sem respeitabilidade, um governo corroído pelo cancro da corrupção, é esse governo que não tem autoridade de enfrentar esse problema. Quer dizer, só um governo com a legitimidade do voto popular, com essa questão da dívida externa debatida em praça pública, é que vai poder naturalmente ter uma nova postura. Nós acreditamos nisso.
Carlos Brickmann: O senhor também é contra a captação de recursos externos ou não?
Olívio Dutra: Não, de forma alguma, pelo contrário. O companheiro Clóvis Ilgenfritz, que é secretário de Planejamento lá da nossa prefeitura, há pouco tempo esteve percorrendo, junto com o companheiro Luiz Eduardo Greenhalgh, vice-prefeito aqui de São Paulo, vários países da Europa, Canadá e os Estados Unidos em busca de recursos a fundo perdido ou recursos por doação em cima de vários projetos que ele levou...
Carlos Brickmann: Quais foram os resultados?
Olívio Dutra: ...para várias áreas fundamentais na nossa cidade. Então, nós não temos problema nenhum de captar recursos lá fora, contanto que eles não aumentem a dívida externa nem aumentem a dívida pública.
[sobreposição de vozes]
Ricardo Noblat: Não sei como isso seria operado: [como] recolher recursos de fora sem que isso aumente a nossa acumulação [de dívidas]?
Olívio Dutra: Nós queremos [recursos] por doação ou a fundo perdido.
Carlos Brickmann: E quais foram os resultados?
Olívio Dutra: Bons, a médio e longo prazo. Naturalmente, nós precisávamos que fosse a curto prazo [risos].
[...]: Captou quanto lá fora?
Olívio Dutra: Olha, captou muita simpatia [risos].
Ricardo Noblat: Solidariedade internacional.
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor.
Carlos Brickmann: E gastou muito dólares...
Olívio Dutra: Captou muita simpatia pela seriedade do nosso projeto...
Tão Gomes Pinto: O senhor colocou com muita objetividade a questão da dívida externa, ficou muito clara a proposta do PT caso chegue à Presidência da República. Eu coloco agora a questão da propriedade privada dos bens de produção. Em que momento, em um governo petista...
Olívio Dutra: [interrompendo] Ah, não é agora...
Ricardo Noblat: [com ironia] Isso é pergunta de reacionário.
Tão Gomes Pinto: Essa é uma pergunta de reacionário, eu sei. Mas seria no primeiro ano, segundo ano, terceiro ano, quarto ano, quinto ano...?
Olívio Dutra: Primeiro, o que eu acho? A questão da propriedade dos meios de produção há várias formas de você chegar. Por exemplo, nós temos que estimular a propriedade cooperativa, não é? Agora, tem muitas cooperativas aí que estão longe de ser...
Tão Gomes Pinto: Exatamente cooperativas...
Olívio Dutra: ...exatamente cooperativas, é um grupo de espertos que exploram a grande maioria de pessoas, dos pequenos. Então, o próprio sistema cooperativo nós temos que debulhar, desmontar e fazê-lo democrático. Mas é fundamental a propriedade cooperativa, e a cooperativa não é só cooperativa de comercialização, como a que nós conhecemos, ou a cooperativa de consumo, ou a cooperativa de serviços. Pode ter a cooperativa de produção, em que, por exemplo, a terra é de propriedade de duas ou três ou mais famílias de colonos. Ou que a ceifa colhedeira é também de propriedade de várias pessoas e não de apenas uma; o trator é propriedade de várias pessoas e não de apenas uma. Então, nós podemos desenvolver essas formas e até também desenvolver formas solidárias de decisão política na cidade, no bairro, na vila. Isso tudo, desenvolvendo alternativas, criando canais de participação direta da população, que combinadas com a participação da democracia representativa vão aperfeiçoando o processo democrático. Então, é assim que nós temos que trabalhar, e nesse processo, naturalmente, a sociedade poderá ter momentos em que ela assuma, sem nenhum controle dirigido, esse ou aquele momento da história. Pode haver um dia que valha por dez anos.
Tão Gomes Pinto: Prefeito, como o senhor acha que um governo PT, em nível nacional, conviveria com o poder judiciário autônomo, independente?
Olívio Dutra: Primeiro que o governo do PT, ou de qualquer outro partido de esquerda que chegasse pelo voto, teria a legitimidade do voto e autoridade para ser autoridade. Seria o comandante-chefe das Forças Armadas, teria que ser uma autoridade respeitada pelos demais poderes e também respeitando a autonomia e independência dos demais poderes; não vejo nenhum problema.
Elmar Bones: O senhor vai à China com o Lula?
Olívio Dutra: Eu gostaria imensamente de ir se tivesse disponibilidade, mas há muito trabalho na prefeitura de Porto Alegre.
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor, nosso tempo está se esgotando, eu vou lhe fazer uma última pergunta. A prefeita Luiza Erundina disse em São Paulo que ela pretende, até o final do seu mandato, estatizar os transportes coletivos da cidade. O senhor pretende também, em Porto Alegre, estatizar os transportes coletivos? O senhor acha que é boa solução para a cidade?
Olívio Dutra: Olha, o transporte coletivo é um serviço público, e isso tem que ficar bem clarinho. Tem empresas que exploram esse serviço por permissão do poder público. Então, se essas empresas estão explorando esse serviço não nas condições exigidas pela população, o poder público tem o direito e até o dever de chegar e intervir nessas empresas. E se, nessa intervenção, ele colher elementos e dados que digam: olha, se eu devolver [a permissão] para essa empresa, essa empresa vai continuar repetindo os erros do passado, ele pode ir para a encampação, não tem problema nenhum. Agora, o ritmo dessa encampação ou o momento dessa encampação, a oportunidade dela, eu acho que isso tem que ser resultado de um debate, de um estudo, de uma discussão, em que a população esteja envolvida e conscientemente participando. Mas não há por que ter nenhum temor de encampar o transporte coletivo, que, aliás, em muitas cidades e capitais de países capitalistas, esse serviço já é...
Jorge Escosteguy: Prefeito, por favor.
Olívio Dutra: ...um serviço exclusivo do poder público.
Jorge Escosteguy: Como o senhor disse, só para ficar bem clarinho, o senhor acha que o caminho normal é a estatização do transporte coletivo?
Olívio Dutra: Olha, com essas permissionárias que existem na maioria das cidades do nosso país, não há como você melhorar o serviço do transporte coletivo se você não tiver medidas sérias de controle do poder público sobre esse serviço. E estatização é uma forma, a última. Para se chegar lá, nós temos que passar por várias fases, como nós estamos passando em Porto Alegre, como certamente passará aqui em São Paulo, ou outras cidades. Mas a estatização ou a encampação do serviço não é medida socializante, não. Porque em várias capitais do mundo capitalista, eu repito, esse serviço é controlado exclusivamente pelo poder público.
Jorge Escosteguy: Muito bem, eu agradeço ao senhor, agradeço aos convidados desta noite; o Roda Viva que hoje entrevistou o prefeito de Porto Alegre, Olívio Dutra, termina aqui. Agradecemos aos telespectadores; infelizmente não pudemos fazer todas as perguntas, mas elas serão entregues ao prefeito Olívio Dutra. Uma boa noite a todos e até a próxima segunda-feira às nove e meia da noite.