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Memória Roda Viva

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Sepúlveda Pertence

29/8/1994

"Eu vivi muito tempo de censura. E enquanto não se pregar a violência, a transformação pela violência, vamos deixar os candidatos pregarem o que bem entendem", diz o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral

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[programa ao vivo]

Heródoto Barbeiro: Boa noite. Daqui a 34 dias, 95 milhões de brasileiros irão às urnas para escolher, numa eleição livre e direta, os representantes e governantes do nosso país. Além do futuro presidente da República, serão escolhidos os ocupantes de outros 1.653 cargos do legislativo e do executivo, entre os 35 mil candidatos registrados. Os pessimistas dizem que no dia da eleição haverá filas e também atrasos, e mais, que o resultado final só será conhecido depois de 15 dias de apuração. Apuração, aliás, que será feita por um milhão de pessoas. No centro do Roda Viva desta noite, o responsável pelo bom andamento dessa imensa operação, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, José Paulo Sepúlveda Pertence. De formação liberal, Sepúlveda Pertence foi nomeado para o Supremo Tribunal Federal em 1989 pelo presidente José Sarney. Durante a ditadura militar, perdeu sua cadeira de professor da Universidade de Brasília, em virtude de suas posições políticas. O presidente do TSE chega às vésperas da eleição com duas angústias: a de que a atual lei eleitoral tem falhas, por ter sido feita “não pelos representantes de interesses, mas pelos próprios interessados”, segundo suas próprias palavras. E ainda, o temor de que a falta de recursos do TSE possa favorecer os atrasos e as fraudes eleitorais. Para entrevistar o ministro Sepúlveda Pertence, nós convidamos aqui os jornalistas José Roberto Toledo, editor da coluna Painel da Folha de S.Paulo; Luís Fernando Rila, editor de política do jornal O Estado de S. Paulo; Milton Abrucio, repórter de política do Jornal do Brasil; Josemar Gimenez, chefe de redação da sucursal paulista do jornal O Globo; Dácio Nitrini, diretor-executivo do telejornal Brasil, do Sistema Brasileiro de Televisão; Marcelo Bauer, editor de política da revista IstoÉ; Sérgio Rondino, apresentador do jornal da TV Manchete; e o jornalista Marco Antônio Antunes, editor de economia do Jornal da Tarde. O Roda Viva é retransmitido por 23 outras emissoras de televisão que cobrem todo o país. Ministro, boa noite.

Sepúlveda Pertence: Boa noite.

Heródoto Barbeiro: Ministro, eu gostaria que o senhor explicasse para a gente o seguinte: a preocupação do senhor, entre outras coisas, com a possibilidade de fraudes, que o TSE está bastante atento para isso. Ministro, eu queria perguntar: em relação à pesquisa de boca de urna, primeiro eu gostaria de saber se vai ser possível mesmo, logo depois das cinco horas da tarde, os institutos divulgarem a pesquisa. E segundo, se essa divulgação poderia provocar, direta ou indiretamente, fraude no país.

Sepúlveda Pertence: Não. O problema, quer dizer, depois de muitos anos de severas restrições legais à publicação de pesquisas, que eram proibidas nos primeiros 15 dias, chegou a um mês, a Constituição de 88 tornou inviável a proibição de divulgação de pesquisas. Coube-me, na época, como procurador-geral da República, o parecer acolhido pelo TSE, que, em mandado de segurança impetrado por empresas jornalísticas, concluiu pela impossibilidade de qualquer vedação e conseqüente inconstitucionalidade das leis que o previam. Mas nós temos uma realidade. Nós não podemos garantir, com essa inovação de duas cédulas com uma única urna, um tempo médio de votação em todo o país de modo que, por volta de cinco horas [da tarde], estivéssemos praticamente terminando a votação, como ocorreu nos últimos pleitos. O nosso temor é que a divulgação da pesquisa de boca de urna, com a credibilidade que ela adquiriu nos últimos pleitos, possa gerar algum tumulto nas áreas em que a votação se prolongar mais do que nós desejamos.

Heródoto Barbeiro: Portanto, não será possível a divulgação?

Sepúlveda Pertence: São preocupações sobre as quais nós queremos oportunamente dialogar com os institutos e com os próprios veículos de comunicação.

Josemar Gimenez: Boa noite, ministro.

Sepúlveda Pertence: Boa noite.

Josemar Gimenez: O senhor aponta várias falhas na legislação eleitoral. Eu gostaria de saber do senhor que falhas são essas e o que o senhor acha que precisa ser mudado. Em que ponto exatamente isso pode ser mudado?

Sepúlveda Pertence: Bem, eu teria uma série de problemas a tratar, mas em um ponto eu tenho afirmado a minha crítica maior: a lei de regência dessas eleições. É o que diz respeito ao financiamento de campanhas.

Josemar Gimenez: O senhor acha que o bônus está evitando o caixa dois? [Os bônus eleitorais foram criados como instrumento de fiscalização dos gastos eleitorais. O Ministério da Fazenda emitia os bônus, a pedido dos partidos, e as pessoas físicas ou jurídicas que doavam dinheiro às campanhas recebiam os bônus no valor da doação, como comprovante da entrega do dinheiro ao partido]

Sepúlveda Pertence: Não sei, não tenho elementos, ouço informações de que não, mas o certo é que todo o sistema de financiamento é muito falho. A legislação anterior era pior. Ela já foi falada por um autor muito citado no Brasil: "que legislação hipócrita". E isso indiscutivelmente era verdade. E tanto ela agredia a realidade da vida política, a realidade do financiamento das campanhas, que na verdade havia um consenso universal de que não era para ser cumprida. E tudo terminava, afinal, com uma prestação de contas pro forma, entregue a um comitê intrapartidário, em que cada um se apressava a dar quitação ao outro, porque também não podia resistir a qualquer impugnação séria. Eram quantias ridículas, evidentemente sem uma conexão com os gastos efetivos da campanha.

Heródoto Barbeiro: Ministro, a pergunta agora é do jornalista Milton Abrucio.

Josemar Gimenez: [interrompendo] Só para perguntar se ele tem alguma forma, um método de como deveria ser então essa arrecadação...

Sepúlveda Pertence: Bem, eu ainda acho que uma preponderância do financiamento público é o caminho desse drama internacional de controle dos gastos da campanha. Mas já que se optou pelo financiamento privado, as legislações modernas que seguiram esse caminho puseram dois contrapesos à liberação do financiamento empresarial, esse ingresso que não é desejável, mas é inevitável, da empresa no financiamento. É um limite do custo das campanhas, rígido, e uma transparência durante a campanha da origem do financiamento. Um direito do eleitor de saber quem está financiando quem.

Milton Abrucio: Ministro, o TSE deve iniciar uma investigação a respeito do uso da máquina do governo na candidatura do senador Fernando Henrique Cardoso. Eu quero saber quais são as possibilidades reais de esse candidato e as autoridades serem punidos, caso seja constatada essa participação ilegal, essa ajuda ilegal na campanha. Eu queria saber também se esses fatos que são apontados são fatos como anúncio de construção de casas, bilhetes de ministros propondo datas para inauguração. Eu queria saber se isso não está muito aquém, por exemplo, de um plano econômico lançado às vésperas das eleições.

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Ministro, queria dizer que essa pergunta também é do nosso telespectador Agenor Bevilacqua, que mora em São Paulo; ele acabou de ligar para cá.

Sepúlveda Pertence: Bem, eu costumo dizer que o juiz não é bom entrevistador. Ele costuma ficar burro quando a pergunta é interessante e é, sobretudo, atual. Há essa investigação entregue à corregedoria. E eu só posso dizer que, enfim, se aberta pelo corregedor, vai se apurar com a maior lealdade, mas que é preciso distinguir muito o que possa ser abuso do poder da administração, do poder do governo, do que é governo. É da lógica do jogo democrático que, assim como os candidatos de oposição critiquem o governo, que os candidatos do governo procurem se identificar com as obras do governo, se acham que isso traz popularidade. E que o governo também se sinta em julgamento. Agora, tudo está na expressão consagrada: “o abuso da máquina”, o abuso de recursos e meios públicos para influir ilicitamente no eleitorado.

Sérgio Rondino: Eu queria colocar a colher na pergunta dele, porque me parece que tem uma generalização perigosa nessa questão de uso da máquina, abuso da máquina. Essa diferença que o senhor fez é importante. Eu lhe perguntaria se é possível definir pela lei, com clareza, o que é rigorosamente uso da máquina. Eu vou dar exemplos, quer dizer, são coisas ancestrais. Estamos cansados...

Sepúlveda Pertence: [interrompendo] Desde que não me fale de coisas que estão nas manchetes, porque...[risos]

Sérgio Rondino:...nós estamos cansados de ver, por exemplo, os prefeitos, governadores levam o seu candidato às inaugurações, e isso acontece há tanto tempo, nunca se levantou tanta polêmica. Aí, eu dou outro exemplo: há poucos dias o [líder sindical] Vicentinho, numa manifestação da CUT [Central Única dos Trabalhadores], no carro de som da CUT, criticou a candidatura do Fernando Henrique. Isso, por exemplo, também não é uso da máquina? Quer dizer, o que a rigor deve ser condenado e o que deve ser deixado de lado nessa história?

Sepúlveda Pertence: Eu acho, rigorosamente, que o que se tem que distinguir claramente é onde entra dinheiro público, onde entram criações artificiais de fatos administrativos com fins eleitorais e assim por diante. Mas, digo a verdade, eu acho que a normalidade do governo deve continuar. E assim como se expõe às críticas, é lícita a solidariedade ao candidato do partido. Isso é do jogo democrático.

Dácio Nitrini: Acho que é uma questão muito sensível no perfil do eleitorado divulgado recentemente pelo TSE, que é o número enorme de analfabetos ou pessoas quase analfabetas, digamos assim, que mal sabem assinar o nome e que obviamente vão poder votar como a legislação assim o permite. Mas a decisão de facilitar o voto dessas pessoas, permitindo que elas levem o chamado voto pronto à cabine, não poderia facilitar o "curral" eleitoral?

Sepúlveda Pertence: Essa foi nossa preocupação. Você se refere a um dispositivo da lei de 93 que diz especificamente que será lícito que o eleitor se utilize de instrumentos que facilitem o voto do analfabeto, e que esse instrumento não seria fornecido pela Justiça Eleitoral. No fundo, esse instrumento só pode ser um: é o normógrafo, usado em eleições passadas e contra o qual a Justiça Eleitoral se pôs, exatamente pelo risco que ele traz de controle do eleitor e conseqüente violação do sigilo do voto.

Heródoto Barbeiro: Ministro, eu tenho uma pergunta aqui de um telespectador para o senhor, antes de passar para o Antunes, que é a seguinte: o senhor Paulo Francisco de Souza, de São Paulo, pergunta ao senhor o seguinte: “O que eu posso fazer para reagir ao abuso do TRE [Tribunal Regional Eleitoral], que me convoca para trabalhar em todas as eleições?” [risos]

Sepúlveda Pertence: Trabalhar. Prestar essa colaboração à sua cidadania, de quatro em quatro anos. Não está fazendo favor nenhum ao TRE, não. Está fazendo um favor ao seu direito de participação, que reclama a colaboração de milhões de cidadãos.

Marco Antônio Antunes: Complementando a pergunta do telespectador, por que vocês usam sempre as mesmas pessoas? Por causa da experiência que elas adquirem em eleições anteriores?

Sepúlveda Pertence: É normal; a escolha é um problema dos juízes, mas é normal que os juízes insistam naquelas pessoas em quem ganhou confiança em outros pleitos.

Marco Antônio Antunes: Eu queria voltar aqui à questão do problema de uso da máquina e tal, falar especificamente da questão dos bônus eleitorais. Há várias denúncias que eu li na imprensa de que as empresas estão usando os bônus para fazer caixa dois. O senhor tem alguma informação? O TSE está investigando alguma denúncia nesse sentido?

Sepúlveda Pertence: Nós investigamos, está em investigação na corregedoria um caso notório de um dos candidatos à Presidência da República, que foi trazido em termos concretos.

Dácio Nitrini: Ministro, a questão da fiscalização das contas das campanhas eleitorais, eu sei que a legislação não foi feita pelo senhor, foi feita pelos políticos, mas existe uma situação que me deixa intrigado. Será que a Justiça Eleitoral tem estrutura suficiente, leia-se competência, portanto, para fazer uma aferição exata da conta de campanha? Estou vendo que, até pela legislação, até o dia 30 de novembro de 94 os comitês financeiros têm que entregar as contas de campanha. E a apreciação, as prestações de contas que se referem a esse artigo, a apreciação é feita só até oito dias antes da diplomação dos eleitos. Quer dizer, é um espaço de tempo muito curto, um volume de dinheiro descomunal, milhares de candidatos, como é que o TSE vai fazer essa fiscalização? Porque dá a impressão que é uma coisa meio para inglês ver.

Sepúlveda Pertence: Eu já disse isso, repetidas vezes, que esse tempo em que se apertou... não tanto o TSE, que só terá que tratar com as contas das campanhas presidenciais, mas os TREs. Um TRE como o de São Paulo, agravado pela permissão, que é nova na lei, de o candidato ter comitê próprio de despesa e não ser apenas... o que, aliás, era outra hipocrisia: não termos tudo centralizado no partido. Tudo isso é dificílimo, eu confesso que continuo apavorado com o que será de fato a possibilidade disso. Fizemos, junto com o Conselho Federal de Contabilidade, aproveitando o manual [...], uma instrução uniformizando a forma dessa prestação, com vistas a possibilitar, a facilitar esse trabalho. Mas, realmente, esse prazo que se deu foi uma crueldade, de que as leis eleitorais estão se tornando freqüentes: vai se apertando o prazo, vai se avançando nos prazos da Justiça Eleitoral, e ela que se vire.

José Roberto Toledo: Voltando à questão ainda do uso da máquina, um candidato, por exemplo, que seja beneficiado eventualmente pela antecipação de um cronograma de inauguração de obras quaisquer estaria infringindo a lei? E aí cabe uma pergunta: a lei prevê a punição do governante que faz isso e também do candidato...

Sepúlveda Pertence: [interrompendo] Certo, igualmente do candidato.

José Roberto Toledo: Não há a possibilidade, por exemplo, de um governante, até para prejudicar um adversário, inaugurar uma obra e forjar, por exemplo, uma...

Sepúlveda Pertence: Sim, essas regras obviamente terão que ser analisadas caso a caso, de forma a caracterizar...

José Roberto Toledo: Mas a lei é suficientemente clara para embasar punições e a investigação?

Sepúlveda Pertence: Ela é suficientemente clara. Agora, ela não é uma coisa de aplicação automática. É preciso ter em conta a gravidade e, eventualmente, até em que medida se pode atribuir ao candidato a responsabilidade.

José Roberto Toledo: E quais as punições, além da cassação do registro da candidatura, possíveis nesse caso?

Sepúlveda Pertence: Não, a punição prevista é a cassação.

José Roberto Toledo: Não há outra?

Sepúlveda Pertence: Não.

Dácio Nitrini: Agora, é plausível que um candidato, por exemplo, que lidere as pesquisas possa ser punido?

Sepúlveda Pertence: Nós estamos realmente... [risos]. Estão me cobrando que fale evidentemente sobre um caso concreto.

Luís Fernando Rila: Ministro, o senhor já participou de algumas votações simuladas. Da primeira vez, demorou dois minutos e meio para completar o processo de votação. E já houve previsões de que haverá as maiores filas da história. Vai ser difícil votar nessa eleição? É difícil o mecanismo estabelecido?

Sepúlveda Pertence: Bem, vamos esclarecer, a novidade não é tanto. [Há] o número de cargos a preencher, que é a rigor apenas de mais um em relação às eleições de 90, que é o presidente da República. É o problema das duas cédulas. O Congresso resolveu que o eleitor recebe a cédula branca, onde tem de escrever nome ou o número do candidato a deputado federal e do candidato a deputado estadual, depositar essa cédula na urna antes de receber a cédula amarela dos pleitos majoritários. Isso envolve idas e vindas, ou pelo menos duas idas e vindas do eleitor à cabine. Daí que as nossas simulações, já antecipadas em Curitiba, mas feitas em maior proporção em Cuiabá, nos levaram então a sugerir que, já que havia duas cédulas, houvesse duas urnas, porque isso possibilitava uma circulação e um atendimento de um maior número de eleitores simultaneamente. Mas o Congresso não aceitou, e nós estamos então, em todo o Brasil, estudando fórmulas alternativas disso.

Luís Fernando Rila: Mas no dia 3 de outubro o eleitor tem que acordar cedo, se preparar para uma fila quilométrica. Vai ser assim?

Sepúlveda Pertence: Olha, onde for possível, onde houver condições de dispor de seis mesários e dispor de, no mínimo, quatro cabines, podendo chegar a cinco cabines, eu acho que as coisas fluirão bem, melhorarão bem sobre as previsões iniciais.

Marco Antônio Antunes: O TSE não poderia arbitrar nesse caso e obrigar que cada eleitor recebesse as duas cédulas de uma só vez e votasse?

Sepúlveda Pertence: A lei é expressa e tem sua razão de ser. Quer dizer, ela nasceu da preocupação dos parlamentares em que, posto ante ou uma cédula imensa, ou duas cédulas, o eleitor – não só pela maior ênfase, pela maior paixão das eleições majoritárias, como pela maior facilidade de votar nas eleições majoritárias, apenas assinalando com uma cruz o seu candidato – fizesse isso e se cansasse, antes de chegar às eleições proporcionais, que são votos muitos mais difíceis, que envolvem a escrituração do nome ou do número do candidato. Daí a origem dessa determinação, que é expressa. Só depois de depositar a cédula branca com os votos proporcionais é que o eleitor receberá a cédula amarela.

Marcelo Bauer: Eu gostaria de voltar aqui à questão dos bônus eleitorais. Eu vejo que essa lei tem o mérito de fazer que pelo menos os partidos apresentem à Justiça uma relação de todos os doadores e o respectivo valor. Mas acontece que não foi estabelecido que isso seja tornado público, a menos que a Justiça, se não me engano é isso que diz a lei, a menos que a Justiça o faça. Eu pergunto: não poderia o TSE, para efeito de tornar a legislação mais transparente, a eleição mais transparente, logo que encerrada a eleição, tornar públicos todos esses bônus, toda essa contabilidade do partido?

Sepúlveda Pertence: Sim, eu não vejo... quer dizer, os bônus, nós somos avisados à medida que os bônus são emitidos e entregues, nós somos avisados pela Casa da Moeda. Agora, quanto aos gastos, nós só teremos acesso, afora inspeções extraordinárias a requerimento do procurador-geral, nós só teremos acesso com a prestação de contas até 30 de novembro.

Marcelo Bauer: Quer dizer que esses dados não vão ficar trancados a sete chaves, nem seriam usado só numa ação...

Sepúlveda Pertence: Não, serão entregues para nós. Os bônus e essa liberação de fontes têm pelo menos uma vantagem: é possível fazer a campanha lícita. Já não há mais razões para aquele consenso de que essa lei não é para valer.

José Roberto Toledo: Desculpe, ministro, não ficou muito claro para mim. É intenção do TSE normatizar que toda relação dos doadores de todas as candidaturas seja colocada à disposição da imprensa?

Sepúlveda Pertence: Ah, sim. A lei não é clara a esse respeito...

Josemar Gimenez: Mas a legislação não permite isso não...

Sepúlveda Pertence: Não, a lei fala em cheques com o número do cheque, a relação com o número do cheque. Nós interpretamos que realmente não tinha sentido, sobretudo com essa brevidade do prazo que nos foi concedido, que ainda tivéssemos que, quando fosse o caso, identificar pelo número aquele cheque, e que então ali se exigiu o número como uma exigência a mais. É óbvio que aquele rol tem que conter o nome do doador.

José Roberto Toledo: A minha pergunta é a seguinte: a imprensa terá acesso a isso?

Sepúlveda Pertence: Os partidos terão acesso a isso.

José Roberto Toledo: O tribunal não pode, por exemplo, franquear à imprensa o acesso a essas relações?

Sepúlveda Pertence: Em princípio, o acesso é aos [...], mas eu não creio que... quer dizer, o acesso aos partidos será naqueles dias de processamento da prestação de contas. Agora, nada disso é secreto.

Sérgio Rondino: Ministro, eu tenho a impressão de que esses bônus vão terminar todos bonitinhos e tal. O problema é o caixa dois, que é outra questão, não é verdade? Mas a propósito dos bônus, a não ser que o candidato resolva vender o bônus a um preço mais baratinho, me parece que eles vão botar em ordem a questão dos bônus, e o problema é outro. Mas a respeito de irregularidades, nós já tivemos nessa campanha três candidatos que já renunciaram por denúncias de irregularidades, está certo? Um, por causa da questão dos bônus, e dois candidatos a vice, por denúncias comprovadas ou não, não é o caso aqui... Eu queria perguntar o seguinte: o que melhorou? Foi o país, a sociedade que cobrou, ou foi a legislação eleitoral?

Sepúlveda Pertence: Não, eu acho é que o país vive um momento com uma consciência crítica muito aguda, e isso é que está gerando esses levantamentos, às vezes até com riscos de grandes injustiças.

Heródoto Barbeiro: Ministro, o senhor acabou de responder à pergunta do senhor João Gustavo, que está assistindo ao senhor em Recife, do senhor Claudio Fitelli, em Campinas. E eu queria que o senhor respondesse ao nosso telespectador de Belém, no Pará, o senhor Francisco Costa. Ele pergunta se o TSE tem como fiscalizar as redes de televisão que fazem propaganda política.

Sepúlveda Pertence: Bem, temos em termos. Em todos os estados tem havido esta ou aquela denúncia, e os tribunais regionais têm julgado. Essa dissimulação de propaganda política pelas redes de televisão, as questões que têm surgido têm sido sobretudo dos programas locais de algumas televisões.

Heródoto Barbeiro: Agora, ministro, voltando um pouquinho a essa questão da fraude que o senhor estava explicando agora há pouco, pelo que nós entendemos, é o seguinte: a urna é uma só, os votos são dois, quer dizer que sempre vai ter que ter número par de votos dentro da urna?

Sepúlveda Pertence: Esse é um problema curioso.

Heródoto Barbeiro: Porque se não tiver número par, a urna vai ser anulada?

Sepúlveda Pertence: Eu acho que pode ocorrer que um eleitor resolva se recusar a depositar uma ou outra cédula. Eu só vejo uma solução: é que a mesa faça consignar em ata que um determinado eleitor se recusou, porque isso vai gerar...

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] E na hora da apuração, se não tiver um número par de votos, como é que vai fazer?

Sepúlveda Pertence: Nesse caso, não haverá [problema], por exemplo.

José Roberto Toledo: Mas, pelo que eu entendi, na hipótese de não estar constando na ata da urna que alguém deixou de depositar uma cédula, e em havendo número impar.

Sepúlveda Pertence: Se isso se tornar relevante, pode gerar problemas.

Heródoto Barbeiro: Gerar problemas quer dizer: pode impugnar a urna, é isso?

Sepúlveda Pertence: É, exato.

Heródoto Barbeiro: Pode haver impugnação nesse sentido.

Dácio Nitrini: De quanto em quanto tempo o tribunal vai divulgar os resultados dessas eleições?

Sepúlveda Pertence: Bem, nós demos um grande salto na montagem da rede de informática do tribunal, que vai nos possibilitar uma comunicação permanente, ou das zonas ou onde não houver condição da própria zona, da própria junta apuradora remeter ao TRE através de pólos regionais, e dos TREs, isso passa imediatamente para o TSE, e entre os convênios que assinamos na semana passada com a Embratel [Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.], está a inserção simultânea, no mesmo tempo em que o TSE receberá isso... esse sistema, SMT, parece, da Embratel, terá esses dados disponíveis, salvo engano, com intervalos de 30 minutos, acessíveis a todos os assinantes e conseqüentemente à imprensa.

Dácio Nitrini: Isso evitaria acidentes, como já aconteceram no passado, de emissoras de televisão ou de rádio terem o seu sistema de divulgação de dados baseado em projeções que, intencionalmente ou não, possam favorecer algum candidato?

Sepúlveda Pertence: Sim, [mas] a projeção é inevitável.

Dácio Nitrini: Sim.

Sepúlveda Pertence: É um cálculo a partir de dados. [O que] este ano realmente não vai haver é aquela corrida entre TSE e redes de televisão. Primeiro, eu jamais toparia essa corrida, porque acho que o compromisso da Justiça Eleitoral é outro. Segundo, que a apuração será necessariamente lenta. É preciso cortar da opinião pública a expectativa de que possamos ter uma apuração do tipo da eleição presidencial em 89.

Heródoto Barbeiro: Ministro, para a gente ter uma idéia, quantos dias é uma apuração lenta?

Sepúlveda Pertence: Bem, nos pleitos passados, porque nós temos que dizer o seguinte: a apuração majoritária, que é uma apuração rápida, ela hoje vai ter o seu tempo determinado pela apuração proporcional.

Heródoto Barbeiro: O senhor quer dizer que vai ter que ser apurado tudo de uma vez só?

Sepúlveda Pertence: Sim.

Heródoto Barbeiro: Não vai poder apurar só para presidente e deixar os proporcionais de lado, não?

Sepúlveda Pertence: Não. O que você vai fazer com essas cédulas, você quer guardá-las? [risos]

Heródoto Barbeiro: Então, quer dizer que vai andar tudo paralelamente? É isso que vai atrasar...?

Sepúlveda Pertence: Essa foi a nossa primeira preocupação quando pensamos nas duas urnas. Foi evitar um prolongamento que pode trazer até riscos.

Heródoto Barbeiro: Mas, ministro, então por que os deputados não aceitaram essa idéia do senhor de dividir em duas urnas?

Sepúlveda Pertence: Bem, primeiro foi uma votação apertada: 130 a 125, mas [havia] certos temores, a meu ver, falsos. O principal deles é de que dar rapidez à votação majoritária importava em que, terminada a apuração majoritária, haveria uma desmontagem do sistema de fiscalização e conseqüentemente a viabilização de fraudes. Mas quem conhece... é claro, eles são profissionais. Eu acho que o problema é falso.

Josemar Gimenez: Ministro, existe uma grande preocupação no TRE com relação ao dinheiro que se vai gastar nessa campanha. O senhor tem cálculos já precisos de quanto vai gastar, e o dinheiro já está sendo liberado? Como é que está isso?

Sepúlveda Pertence: Sim. Bem, o cálculo foi de cerca de 160 milhões de dólares.

Josemar Gimenez: E esse dinheiro já está saindo?

Sepúlveda Pertence: Está saindo dentro do cronograma estabelecido com o Ministério da Fazenda.

Marcelo Bauer: Ministro, eu queria que o senhor voltasse à questão do tempo de apuração. O senhor tem uma previsão de quantos dias vai demorar essa apuração?

Sepúlveda Pertence: Pois é, eu faço tudo para possibilitar maior rapidez, mas não assumo compromisso de menos de 15 dias.

Marcelo Bauer: O senhor acha que há o risco de ter que se adiar o segundo turno?

Josemar Gimenez: Quinze dias para [a apuração do resultado para] presidente?

Sepúlveda Pertence: Não vai haver essa diferença. É claro que os majoritários terão o resultado final matemático um pouquinho mais cedo, porque a proporcional depende de cálculos, é mais previsível que haja recursos, os pequenos números são mais relevantes etc. Mas a apuração em si terá a mesma duração, que eu explico: há um dogma de segurança no nosso sistema de apuração manual, que é que você não pode abrir urna antes que a contabilidade da outra esteja fechada e os votos [tenham sido] devolvidos à urna apurada. Por questões óbvias, você não pode arriscar a ameaçar a misturar cédulas numa apuração. Daí o problema.

Dácio Nitrini: Essas eleições, ministro, não estão tendo um frenesi, ou não estão emocionando tanto a população, e os dados não são subjetivos apenas, eles estão em pesquisas, como a eleição anterior para presidente da República. E há um problema mais grave ainda, que é a falta de conhecimento da grande massa de que, por exemplo, vai escolher dois senadores, eles acham que vão escolher um, ou um desconhecimento total dos candidatos a deputados federais ou estaduais. O senhor acha que isso foi causado principalmente pela legislação que formatou os programas eleitorais de televisão?

Sepúlveda Pertence: Não, não acho que seja o formato, porque o formato que mudou substancialmente foram os programas dos candidatos majoritários. Os candidatos proporcionais, sobretudo numa eleição casada como essa, em que o tempo fica muito curto, é que realmente o próprio sistema está em xeque. A conciliação do nosso sistema eleitoral, de voto nominal do eleitor, com a propaganda eleitoral gratuita, essa coisa que...

Luís Fernando Rila: [interrompendo] Mas o senhor acha que a propaganda este ano está melhor do que nas eleições anteriores? Está mais transparente?

Sepúlveda Pertence: Acho que, com relação aos candidatos majoritários, eu acho sensivelmente melhor.

Marcelo Bauer: Agora, no caso dos candidatos a deputado, o senhor defende um novo sistema de votação, que seria a implantação do voto distrital misto. Se já é baixo o índice de comparecimento de voto para os deputados hoje, o senhor não acha que numa votação mais sofisticada, como o distrital misto, não seria maior ainda o nível de abstenção?

Sepúlveda Pertence: Não sei, porque o distrital, e aí é a razão das maiores críticas a qualquer idéia de voto distrital, é a regionalização, às vezes a municipalização da disputa. E as campanhas, as eleições municipais nunca tiveram problema de grande abstenção, pelo contrário. Ao mesmo tempo é o ponto crítico e é a grande vantagem da votação distrital é um contato maior, uma proximidade maior entre o candidato e o eleitorado.

Marcelo Bauer: O sistema que o senhor defende é que haveria dois votos: o voto para o candidato do distrito e o voto para o candidato do partido, não é isso?

Sepúlveda Pertence: Sim, exato. Porque o [voto] distrital puro, esse realmente é a municipalização da política nacional.

Marcelo Bauer: E esses dois votos, [isso] não complica muito a eleição na cabeça do eleitor, não?

Sepúlveda Pertence: Sim, mas não necessariamente haveria dois votos. Pode se ter o cômputo do voto distrital para o partido, influindo na lista do partido, o que eu confesso que é complicado para a prática brasileira de muito pouca confiança no partido.

Marco Antônio Antunes: Ministro, eu queria voltar um pouquinho à questão que o senhor falou do tempo da apuração. O senhor disse que vai demorar... todos nós estamos preocupados porque vai demorar a apuração, para a gente saber quem é que foi eleito realmente, mas nas eleições anteriores nós ficamos sabendo bem mais rápido quem ganhou, graças aos esquemas paralelos de apuração, que certas redes de televisão, por exemplo, tinham. Vai ser possível o uso desse esquema?

Sepúlveda Pertence: Veja bem, a situação é inteiramente diversa. O que havia [é que] a rede de televisão tinha maior agilidade na comunicação e na totalização dos resultados. Dessa vez ela não vai ter resultados a totalizar nem a transmitir.

Josemar Gimenez: [interrompendo] Mas tinha uma apuração paralela.

Sepúlveda Pertence: A lentidão é da própria apuração.

Josemar Gimenez: [interrompendo] Mas tinha uma apuração paralela.

Marco Antônio Antunes: Mas vai dar para se fazer uma projeção.

Sepúlveda Pertence: Uma projeção, é claro, uma projeção, é evidente.

Marco Antônio Antunes: Ainda mais se, no caso da eleição majoritária, os dados continuarem como agora...

Sepúlveda Pertence: Por isso que hoje as técnicas de projeção são de tal modo confiáveis, que eu acho falso o problema que a maioria do Congresso pôs, de que a fiscalização se desmantela com o fim das apurações. A fiscalização majoritária, a fiscalização partidária propriamente dita, ela se desmonta é quando se permite uma projeção segura de que o candidato está derrotado.

José Roberto Toledo: Ministro, o senhor acha que toda essa questão, tanto da apuração, quanto do tempo de votação, tudo isso que a gente está discutindo aqui não seria resolvido por uma eleição automatizada?

Sepúlveda Pertence: Ah, é claro.

José Roberto Toledo: E quando isso pode ser possível?

Sepúlveda Pertence: Bem, a lei, parte da lei, não chegou a isso. E creio realmente que seria difícil, nesse tempo de que dispúnhamos, de chegar a tanto. Mas eu deixo para os meus sucessores o desafio. O grande salto foi dado: o computador está na zona [eleitoral].

José Roberto Toledo: Em 98 seria possível com o que se tem hoje no TSE?

Sepúlveda Pertence: Ah, eu acho, eu acho [que sim].

[...]: O voto do analfabeto estaria resolvido.

José Roberto Toledo: Não tem normógrafo, não tem fila...

Sepúlveda Pertence: Tem que se chegar a escolher a máquina, qual é o... Eu vou deixar pronto, inclusive, o convênio com a Embratel, que tem um laboratório, que fez todo o sistema, afinal de contas, de bancos, de cartões magnéticos etc para estudos sobre isso. E o grande problema, que era o problema financeiro, de fazer chegar o computador à zona, esse eu deixo pronto.

Heródoto Barbeiro: Ministro, várias pessoas aqui, vários telespectadores perguntaram exatamente nessa linha aí da informatização, e eu queria destacar aqui também o senhor Luiz Carlos Martine, aqui da capital. Todos eles tiveram a pergunta respondida pelo senhor. Mas eu gostaria agora que o senhor respondesse ao senhor Paschoal Abdala Simoneli, de Limeira. Ele pergunta ao senhor o seguinte: “Por que não se coloca a foto dos presidenciáveis na cédula para os analfabetos?”

Sepúlveda Pertence: É uma idéia. Claro que isso traria um encarecimento substancial, mas não é de se desprezar. Essa sugestão sempre me pareceu muito boa.

Milton Abrucio: Ministro, a Justiça Eleitoral como um todo tem se queixado da falta de recursos para as eleições, houve um atraso no repasse de verbas. No entanto, no início deste ano, a imprensa publicou uma denúncia de que o Tribunal Superior Eleitoral teria feito uma concorrência justamente para adquirir esse sistema de computação, sem licitação, se utilizando de um convênio com as Nações Unidas, que não seria apropriado para esse tipo de finalidade. Outra coisa que a imprensa publicou é que vai haver ou estaria acontecendo uma reforma do prédio do Tribunal Superior Eleitoral, inclusive com sistema sofisticado de iluminação, direcionamento de voz e toda uma reforma ampla do saguão principal do TSE. Qual é a veracidade dessas informações?

Sepúlveda Pertence: Bem, parece que o tempo se encarregou de reduzi-las ao que elas valiam. O problema da aquisição dos computadores foi feito com a maior transparência, um convênio que numerosas instituições públicas brasileiras já fizeram, que é o chamado PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Não é falta de licitação, é licitação internacional, e os números estão à disposição, e realmente reduziu a cerca de um pouco mais de um terço qualquer avaliação do que nos custaria adquirir esses equipamentos pelo sistema convencional.

Milton Abrucio: [...] o sistema de carta convite, não é isso?

Sepúlveda Pertence: Não. A licitação foi internacional, nós não tivemos nenhuma participação, senão na especificação do equipamento, que se fez de acordo com a legislação regente em Nova York. Agora, o problema da reforma do prédio, da iluminação etc é uma sórdida exploração. O que se pediu a um grande técnico [foi] que fizesse um estudo para o plenário, sobretudo disso aqui [aponta para cima, referindo-se à iluminação no auditório do programa], o plenário, pelas demissões do plenário do TSE, se torna absolutamente insuportável em dias de julgamentos que atraem a imprensa, com os holofotes. E houve uma expansão de estudos disso, e se explorou a linguagem do iluminador, do técnico, aquela bobagem de que os ministros flutuariam e outras coisas desse jaez.

Milton Abrucio: Esse sistema foi implantado?

Sepúlveda Pertence: Não, nada foi [...].

Sérgio Rondino: Ministro, eu queria voltar a uma questão que me parece da maior gravidade, que é o desinteresse pela eleição proporcional.

Sepúlveda Pertence: Certo.

Sérgio Rondino: Nós estamos correndo o risco de eleger novamente um Congresso igual a esse que, graças a Deus, está tendo a sua legislatura terminando. Eu queria lhe perguntar o seguinte: as eleições casadas sempre foram aspiração no seguinte sentido: bom, faça a eleição para o Congresso junto com a eleição do presidente, porque isso possibilitaria ao presidente ter então maioria no Congresso e ter condições de governabilidade. O senhor acredita que realmente existe essa relação? E, se existe, por que então esse desinteresse? Como é que muda essa situação?

Sepúlveda Pertence: Bem, eu sempre duvidei um pouco do problema da eleição casada, sobretudo na congênita e até agora invencível fragilidade do nosso sistema partidário.

José Roberto Toledo: E a eleição de 1950 está aí para provar que isso não é verdade.

Sepúlveda Pertence: Que não é verdade. E 88, 89, 90 estão aí para mostrar a ilusão desse automatismo que se pensava com a coincidência de eleições.

Milton Abrucio: Mas não é benéfico que deputados, [que candidatos ao] legislativo e executivo sejam eleitos ao mesmo tempo?

Sepúlveda Pertence: Desde que você parta desse pressuposto de que isso geraria maiorias sólidas de apoio ao governo. A experiência não tem demonstrado isso.

Josemar Gimenez: Ministro, discute-se muito hoje no Brasil a questão do voto obrigatório. [Em] países com a democracia consolidada como os Estados Unidos [o voto] não é [obrigatório]. O senhor é a favor ou contra e por quê?

Sepúlveda Pertence: Eu continuo a favor. Acho que, atrás da pregação bem intencionada do voto facultativo, há uma série de equívocos, entre eles o de que isso reduziria o eleitorado ao chamado eleitor consciente, o que me soa como uma velha conversa do eleitor preparado para votar. E, ademais, tenho dúvida até nessa visão... se isso ocorreria, porque o eleitor dos grotões, o eleitor de cabresto, esse sempre compareceu às eleições e continuaria a comparecer. Ele é tangido por outras motivações.

Josemar Gimenez: Que não a obrigação do voto.

Sepúlveda Pertence: Que não a obrigação do voto. Ao contrário, o que eu temo é que isso, em momentos de crise de credibilidade nas instituições, levasse a uma alienação grande de setores mais esclarecidos do eleitorado urbano.

Dácio Nitrini: Ainda nesse tema, há um movimento, embora incipiente, mas ele é marcante, que é o de voto para os presidiários. Por que os presidiários não podem votar? O senhor é contra o voto do preso?

Sepúlveda Pertence: A condenação, quer dizer, [quanto aos] condenados, é um problema de suspensão de direitos políticos, decorrente da condenação. O [preso] não condenado não tem votado por questões puramente operacionais.

Marco Antônio Antunes: Ministro, o senhor sempre defende que o voto não deve ser nem nulo, nem branco. O senhor defende isso por uma questão técnica ou porque o senhor acha que pode haver fraudes, principalmente se o voto for em branco?

Sepúlveda Pertence: Não, eu tenho que...

Marco Antônio Antunes: [interrompendo] Porque eu acho que o voto nulo é um direito que o cidadão tem... se ele não acredita em nenhum dos candidatos.

Sepúlveda Pertence: Não há dúvida de que é um direito, exato. O que eu acho é que quem tenha compromisso com a consolidação democrática, há de usar o veículo ou a tribuna que tiver para apelar ao eleitorado para a prática do regime democrático, que está muito em saber distinguir a eventual insatisfação com governantes atuais ou com o Congresso atual de insatisfação com regimes. E o voto nulo ou o voto em branco, normalmente eles vão a favor do statu quo.

Marco Antônio Antunes: Mas o voto em branco é meio perigoso em termos de fraude, não é?

Sepúlveda Pertence: Bem, disso não há dúvida. Nós só temos... com o sistema manual nosso, nós fizemos apenas o que era possível. É crime usar a caneta preta ou azul nos trabalhos de apuração.

Heródoto Barbeiro: Ministro, nós vamos fazer nosso intervalo, mas antes eu gostaria que o senhor respondesse rapidamente a um candidato ao governo do estado do Pará. É o senhor [José] Fernando [do Nascimento] Moraes. Ele diz o seguinte: “No estado do Pará, 70% da população não recebe as imagens no horário eleitoral, porque as repetidoras são desligadas e as imagens que chegam não têm nada a ver com a realidade do Pará”. Ele pergunta o que o TSE pode fazer por isso.

Sepúlveda Pertence: Isso é um problema técnico que simplesmente não podemos... quer dizer, isso não é só o Pará. Ainda há pouco eu dizia que um campo interessante para o pesquisador político é estudar o comportamento de um eleitorado sem propaganda eleitoral gratuita, que nós temos à beira da capital da República, o chamado entorno de Brasília, que hoje tem, parece, o segundo eleitorado do estado de Goiás, se não me engano, que é do município Luziânia [GO], que vai até Brasília, não recebe imagens de Goiás, recebe imagens dos candidatos de Brasília.

Heródoto Barbeiro: O.k., ministro, vamos fazer um rápido intervalo. Nós estamos conversando aqui com o ministro Sepúlveda Pertence, que é o presidente do TSE, e nós voltamos daqui a pouquinho com o Roda Viva. Até já.

[intervalo]

Parei Heródoto Barbeiro: Nós voltamos, hoje entrevistando o ministro Sepúlveda Pertence, que é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Ministro, eu vi hoje uma pesquisa publicada no jornal dizendo que o número de votos ainda de eleitores indecisos para deputado federal é muito alto. Eu gostaria que o senhor explicasse o seguinte: é possível que uma eleição para deputado federal seja anulada ou desconsiderada se porventura esse número for muito alto? Eu gostaria que o senhor desse para a gente o mínimo necessário para que a eleição possa se efetivar.

Sepúlveda Pertence: Bom, diz a lei – claro que isso se apura em cada circunscrição; no caso dos deputados federais, por exemplo, em cada estado – que mais de 50% de votos nulos importa a nulidade da votação total.

Heródoto Barbeiro: E num caso desses ocorreria o quê? Uma nova eleição ou não?

Sepúlveda Pertence: Ter-se-ia uma nova eleição.

José Roberto Toledo: Porque no plebiscito, chegou-se muito próximo a essa...

Sepúlveda Pertence: [interrompendo] Chegou-se a 47%.

José Roberto Toledo: Nesse caso, não seria mais grave essa eleição? Essa possibilidade não é real, de haver um...?

Sepúlveda Pertence: Quer dizer, no plebiscito se chegou em termos de votos nulos e brancos.

José Roberto Toledo: Somando os dois.

Sepúlveda Pertence: Esse risco é só exclusivamente com votos nulos. O voto em branco é considerado válido.

José Roberto Toledo: O senhor acha que há esse risco efetivamente?

Sepúlveda Pertence: Não, eu apenas fui indagado sobre o problema da lei, expliquei que isso tem ocorrido às vezes em eleições municipais. Não creio que se chegue a tanto. É claro que é preocupante esse dado da pesquisa, de que 73%, segundo a pesquisa divulgada por esses dias, ainda não teriam candidato. Eu tenho dito que a mídia, os veículos de comunicação têm sido extremamente cruéis com as eleições proporcionais, que estão correndo, afora aquela propaganda eleitoral gratuita, tumultuária, de dez segundos, para o pobre do candidato dizer o seu nome, estão correndo quase em sigilo, tal a quase absoluta reserva do noticiário para as eleições majoritárias.

Sérgio Rondino: Ministro, eu queria lhe perguntar, com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, evidentemente, se o Supremo não teria colaborado com essa confusão nas eleições e essa confusão de partidos ao modificar uma decisão do Congresso, nesse caso positiva, e aliás contra o seu voto, permitindo que os partidos nanicos entrassem nas eleições majoritárias com toda essa alegria que nós estamos vendo aí no ar. Qual é a solução para esse problema dos partidos nanicos, a partir de agora, pelo menos para a próxima eleição?

Sepúlveda Pertence: Eu sou favorável a uma cláusula, a chamada cláusula de barreira, pela qual a capacidade eleitoral, independente da liberdade de formação de partidos, a dimensão da sua capacidade eleitoral fosse regulada de acordo com o seu desempenho, com a prova da sua inserção efetiva no eleitorado. Isso não pode ser alto, isso não pode ser inflexível, porque você corre o risco de engessar um determinado quadro partidário. Mas, com uma cláusula mínima possibilitando participação em eleições menores etc, eu creio que é razoável. Vejo que lamentavelmente a fórmula da lei de 93 pode estar ficando comprometida, porque o argumento, eu fui voto vencido, mas não posso negar que, das duas linhas de argumentação, uma me impressionou. Eu não creio que essa limitação viole a liberdade de criação de partidos, mas impressionou-me o argumento de que a lei não poderia ter tomado como critério dessa limitação dados conhecidos, dados de uma eleição já corrida, porque, se com isso pôde o Congresso decidir: “Não, só participam os partidos que tiveram mais que 5% ou que tenham mais de 16 deputados”, poderiam tranquilamente elevar os 16 deputados a 20 ou 25 e até – como as nossas eleições presidenciais, se lembrava disso há pouco, não têm essa disciplina partidária – eliminar um candidato forte.

José Roberto Toledo: Mas como o senhor mesmo disse, a lei é feita pelos vitoriosos.

Sepúlveda Pertence: Sim. Pensemos nisso, eu não quero dizer se teria sido bom, mas pensemos nessa lei em 1989 [quando o presidente eleito, Fernando Collor de Mello, era filiado ao pequeno PRN, Partido da Reconstrução Nacional]. Quantos deputados tinham o candidato vitorioso nas eleições presidenciais? E mesmo o candidato [Luiz Inácio Lula da Silva] que com ele disputou o segundo turno. Esse argumento é impressionante; eu creio que o Congresso poderia aproveitar essa excelente oportunidade dessas semanas que faltam para a eleição para votar a lei de barreira, com vistas às eleições de 98, porque votar em 97...

Luís Fernando Rila: [interrompendo] O senhor acha que [qual seria o] patamar mais aceitável, 5%?

Sepúlveda Pertence: É, 5%; distribuído em nove estados, como está, é uma forma considerada...

Sérgio Rondino: Mas nunca mudar as regras depois do jogo começado...

Sepúlveda Pertence: Pois é, ou depois. Aí é pior do que [a partir] do jogo começado.

[...] O jogo já acabado.

Sepúlveda Pertence: O jogo acabado. Esse argumento, confesso que me impressionou. Ele surgiu depois do meu voto e confesso que eu fiquei muito impressionado. Se fosse decisivo, eu poderia inclusive ter repensado o voto naquele momento. É perigoso por causa disso; no caso, os percentuais eram muito razoáveis.

Heródoto Barbeiro: Ministro, tem uma informação que eu gostaria que o senhor desse para o nosso telespectador, o senhor José dos Santos Mello, que está vendo o senhor em Rondônia, na cidade de Vilhena, e diz que na eleição passada foi comprovado um caso de corrupção lá, e que isso ainda está sob julgamento do TSE. E ele pergunta ao senhor se o caso já foi ou não julgado pelo TSE. Tem ou não alguma decisão do TSE? É em Vilhena, no interior de Rondônia. O senhor se lembra disso?

Sepúlveda Pertence: Por esse elemento, eu não posso... Nós julgamos, nesses últimos anos, das eleições municipais, cerca de dois mil recursos, e agora, nestas, cerca de 400 recursos.

Milton Abrucio: Ministro, o senhor falou agora há pouco sobre a influência da mídia local nas eleições. Eu queria saber se a fiscalização está sendo efetiva mesmo. Eu estive recentemente na Bahia cobrindo um determinado candidato a presidente; ele participou de um evento [...] que um outro político, que é dono de uma concessão local de canal, no caso o governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães. O noticiário da emissora local, da TV Globo local, simplesmente ignorou a participação do candidato presidencial e de qualquer outra pessoa nesse evento público que não fosse o senhor Antônio Carlos Magalhães. A gente sabe que as concessões dadas pelo Estado beneficiaram muitos políticos no Brasil. Isso está sendo efetivamente fiscalizado? Quer dizer, a mídia local, as concessionárias locais de televisão não estão fazendo campanhas de seus donos?

Sepúlveda Pertence: Isso é competência dos tribunais regionais eleitorais. Posso dizer apenas que houve, exatamente nesse campo a que você se referia, houve uma representação e, embora não seja da competência originária do TSE, houve uma representação que o corregedor está apurando, [sobre] retardamento, sobretudo em matéria de direito de resposta e mesmo dessas representações por abuso... As redes lá [na Bahia] estão todas em mãos de candidatos...

Luís Fernando Rila: Ministro, um momento que parece importante na definição do voto e nas posições dos candidatos são os debates na televisão. As regras, que não foram criadas pelo senhor e nem pelo pessoal do TSE, determinam que todos os candidatos a determinado cargo participem. No caso do presidente, todos os candidatos a presidente. Numa eleição como a nossa, que a gente está vivendo hoje, tem dois candidatos muito à frente dos outros [segundo as pesquisas], não seria mais produtivo – eu queria uma opinião pessoal do senhor – ou mais profundo um debate só com os dois candidatos que estão longe dos outros? Qual a opinião do senhor sobre isso?

Sepúlveda Pertence: É claro que você tem argumentos ponderabilíssimos, por outro lado, tal o relevo de um debate desses, que eu pergunto: isso pode ser delegado às pesquisas? O problema é realmente extremamente delicado.

Luís Fernando Rila: O senhor não mexeria nessa questão, então?

Sepúlveda Pertence: Por isso é que eu acho que a coisa passa por uma legislação consistente, que reduza a um número razoável os candidatos à eleição presidencial.

Dácio Nitrini: Mas num debate organizado por qualquer emissora de televisão, no caso eu trabalho em uma e tento organizar um debate, o tempo não precisa ser dividido igualmente entre cada candidato.

Sepúlveda Pertence: Bem, isso tem ocorrido, porque há sempre aquelas épocas, aquelas fases em que jornalistas ou convidados etc escolhem o seu interlocutor, e aí é inevitável que sobressaiam os candidatos de melhores prognósticos.

Dácio Nitrini: Mas isso não é um desrespeito a legislação.

Sepúlveda Pertence: Não.

Josemar Gimenez: Ministro, existe algum estado, alguma eleição estadual que particularmente preocupa o TSE com relação à fraude eleitoral? Vocês já tiveram denúncias com relação a isso? Estão investigando, estão apurando alguma coisa?

Sepúlveda Pertence: Não, até o momento, no nível do TSE, não.

Milton Abrucio: Alagoas preocupa, ministro? Em Alagoas, registraram-se fraudes na última eleição.

Sepúlveda Pertence: Sim, há muitas acusações de fraudes nas últimas eleições.

Milton Abrucio: Vai ter alguma atenção redobrada em Alagoas ou não?

Sepúlveda Pertence: Houve muita revisão de eleitorado; agora eu só estou dizendo que nós não temos nenhum caso concreto, nenhuma denúncia concreta no nível do TSE.

José Roberto Toledo: A legislação prevê prisão para quem fizer boca de urna no dia da eleição. A Justiça Eleitoral tem efetivamente com fiscalizar isso no interior dos estados? Porque, por exemplo, há notícias de juízes, no interior aqui de São Paulo mesmo, que dizem: “Olha, se eu for ter que prender todo mundo que fizer boca de urna na minha cidade, pelo histórico, eu vou ter que usar um campo de futebol”. Isso está preocupando o TSE? Está tomando tempo dos senhores aí para tentar normatizar isso de alguma maneira?

Milton Abrucio: Só para completar. Tem um limite para o que seja boca de urna? Quer dizer, o que é boca de urna?

Sepúlveda Pertence: Boca de urna foi definida nessa lei... e eu não gosto de vender ilusões; eu não sei realmente, quer dizer, não é a Justiça Eleitoral, isso aí é problema de policiamento. Mas há uma vedação absoluta de qualquer ato de propaganda, de aliciamento no dia das eleições.

Milton Abrucio: Em qualquer região da cidade, independente...

Sepúlveda Pertence: Independente, não há mais aquele problema de 100 metros, 150 metros [de distância dos locais de votação].

Heródoto Barbeiro: Nem no cruzamento não vai poder entregar "santinho" [pequena folha de propaganda eleitoral com retrato e número do candidato a cargo público - referência à material similar usado pela Igreja Católica com imagens de santos]?

Sepúlveda Pertence: Nem santinho, nada, nada.

José Roberto Toledo: O normógrafo é propaganda eleitoral?

Sepúlveda Pertence: Eu acho que a entrega do normógrafo no dia da eleição é. Ele é um santinho muito mais eficiente.

José Roberto Toledo: Sobre o normógrafo, uma questão ainda. Ele é uma cartolina branca... O senhor tem aí uma cópia? Fica mais fácil para o telespectador.

Sepúlveda Pertence: [Coloca a mão no bolso do paletó e apanha um normógrafo] A nossa preocupação era realmente o controle à distância que o normógrafo permite. E se começavam, por exemplo, a propor coisas como isso [retira do bolso outros objetos]...

José Roberto Toledo: [interrompendo] Chaveiros, réguas...

Sepúlveda Pertence: Um pequeno chaveiro, a mão etc. Fora isso, facilmente, se feito com um símbolo próprio e inconfundível...

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Só explicando, ministro. Isso daí [um pequeno chaveiro de plástico com formato de um braço, uma mão fechada e o dedo polegar indicando o.k.; há furos com o número do candidato] a pessoa põe em cima da cédula e passa a canetinha em cima, não é isso?

Sepúlveda Pertence: Põe em cima da cédula e passa a caneta.

Heródoto Barbeiro: Aí tem o número do candidato.

Sepúlveda Pertence: Para evitar o quanto possível isso, o tribunal baixou uma resolução uniformizando a figura do normógrafo. Ele há de ser uma cartolina do tamanho da cédula, com determinada textura etc, e só esse, qualquer outra forma de normógrafo está proibida.

Heródoto Barbeiro: Sim, mas aí prevê todos os candidatos, ministro? Constam da cédula ou não?

Sepúlveda Pertence: Como?

Heródoto Barbeiro: Eu digo, aí teriam os candidatos?

Dácio Nitrini: [interrompendo] Ele traz de casa, não é isso? Não é cedido, não é distribuído.

Milton Abrucio: Isso não pode beneficiar o poder econômico?

Sepúlveda Pertence: É uma forma....

Milton Abrucio: Quem tiver dinheiro pode distribuir normógrafo...

Sepúlveda Pertence: O pior era a fórmula livre. Nós reduzimos a uma fórmula mais barata, mas é claro que isso é, a meu ver, um retrocesso. Vocês são muito jovens para se lembrarem das eleições antes da cédula oficial. Um dos grandes problemas era o candidato conseguir chegar com suas cédulas ao local e, sobretudo, conseguir preservá-las, porque o candidato dominante do local se encarregava de...

Marco Antônio Antunes: [interrompendo] É possível saber qual é o normógrafo oficial, quer dizer...?

Marcelo Bauer: O pessoal vai ser obrigado a apresentar o normógrafo antes da votação?

Sepúlveda Pertence: Não, obviamente não.

Marcelo Bauer: E como vai se fazer o controle?

Marco Antônio Antunes: O pessoal da apuração é que vai decidir se é correto ou não?

Sepúlveda Pertence: Não, não, até porque isso é impossível.

Marco Antônio Antunes: Então, como é que vai ser fiscalizado isso?

Sepúlveda Pertence: Não, apenas, quer dizer, a cabine dessas eleições é muito pequena, ela é propositadamente baixa.

Marco Antônio Antunes: O voto é secreto, mas o eleitor não.

Sepúlveda Pertence: O voto é secreto, mas o eleitor não; foi como eu defini.

Marco Antônio Antunes: Sim, mas a mão do eleitor fica embaixo da cartolina, não fica? Quer dizer, dá para fazer um monte de manobras ali.

Sepúlveda Pertence: [...] Exato. Meu filho, enquanto o homem for homem, manobras, fraudes, mal ou bem sucedidas, haverá.

Dácio Nitrini: O pano de fundo dessa conversa ou dessa polêmica sobre o normógrafo é o analfabeto.

Sepúlveda Pertence: Certo.

Dácio Nitrini: Como resolver essa questão? Analfabeto é um cidadão, tem todo o direito de votar, eu apoio essa tese, há gente que não apóia, mas como trabalhar melhor para que o analfabeto não seja manipulado na sua ignorância? Porque ele é um voto emocional, como se sabe, ele não é um voto reflexivo, ele pode ser manipulado no normógrafo.

Sepúlveda Pertence: Todo voto é mais ou menos emocional. Nós é que temos a pretensão de votar racionalmente, não é isso?

José Roberto Toledo: Mas nesse caso do normógrafo, em sendo uma cartolina branca, se eu sou, por exemplo, um candidato corrupto e dou ao meu eleitor um normógrafo e falo: olha, eu só o remunero depois, se você me mostrar o normógrafo com a lateral levemente rabiscada, provando que você efetivamente usou a caneta lá. Em suma, é o exemplo que me ocorre agora.

Sepúlveda Pertence: Mas há fórmulas muito mais aperfeiçoadas, o voto carbono.

Heródoto Barbeiro: O que é o voto carbono, ministro?

Sepúlveda Pertence: O voto carbono é uma folha dupla de carbono, similar à que existia nos cartões de crédito, que o eleitor leva, o eleitor comprometeu o seu voto com o cabo eleitoral, leva e põe debaixo da cédula. Então essa é a prova documental de que ele cumpriu o acordo. Foi amplamente utilizada em Alagoas, em...

Heródoto Barbeiro: Ministro, eu tenho uma pergunta para o senhor do reverendo Zilco, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Pergunta para o senhor o seguinte: “Como é que o TRE ou o TSE encaram a questão do candidato se eleger usando o Plano Real como propaganda?”. E ele cita aqui o caso do candidato Fernando Henrique Cardoso.

Sepúlveda Pertence: Se ele não tivesse botado o nome do candidato.

Heródoto Barbeiro: Então tira o nome do candidato.

[...]: Suprima-se o nome do candidato.

[...]: Um plano econômico...

Milton Abrucio: Eu queria complementar: não há o risco de... isso é uma pergunta que a gente ouve dos eleitores na rua, quer dizer, não há o risco de a cada eleição se estabelecer uma norma de que se lança um plano econômico às vésperas da eleição? Isso não é preocupante para a democracia?

Sepúlveda Pertence: Já se fizeram acusações de que até guerras se fizeram para vencer eleições. Não aqui, mas em país mais...

[...]: Mais ao sul do Brasil [risos].

Sepúlveda Pertence: Mais ao sul ou mais ao norte, não é?

Milton Abrucio: Isso seria resolvido, por exemplo, ampliando-se o prazo de desincompatibilização, no caso de um ministro?

Sepúlveda Pertence: Não, nós já temos um prazo de desincompatibilização, eu creio que sem paralelo no mundo.

Josemar Gimenez: Ministro, eu gostaria de saber do senhor como é que o senhor avalia, como juiz dessa eleição toda, a participação do presidente Itamar Franco no processo. E se o senhor teria algum recado para ele, nessa conjuntura toda.

Sepúlveda Pertence: Eu tenho dito que o presidente da República, os governadores de estado, os governantes em geral não têm direitos políticos suspensos. Sua manifestação é tão legítima, enquanto manifestação de uma opção política, quanto à dos seus adversários. Voltamos ao mesmo problema. O que não vale são recursos públicos na eleição.

Milton Abrucio: Mas, ministro, recentemente um juiz em Brasília definiu como massacrante para os adversários do candidato do governo a atuação do governo em favor do seu candidato.

Sepúlveda Pertence: É, eu assisti.

Milton Abrucio: E como o senhor avalia essa afirmação do juiz de Brasília?

José Roberto Toledo: Quem merece a reprimenda, o governante ou o juiz?

Sepúlveda Pertence: Não sei.

Marcelo Bauer: Agora, ministro, o presidente da República é um cidadão como outro qualquer até certo ponto, porque, pela própria posição dele, ele tem acesso à mídia, ele tem acesso a uma série de outros meios que um eleitor comum não tem.

Sepúlveda Pertence: [O jogador de futebol] Romário também.

Marcelo Bauer: Ou seja, esse poder todo que as pessoas, pela sua posição social, têm, há alguma forma de se controlar isso, no caso dos governantes, pelo menos?

Sepúlveda Pertence: Mas, veja, é ilegítimo?

Marcelo Bauer: Essa é a pergunta eu faço ao senhor.

Sepúlveda Pertence: É ilegítimo? Você vê: todo mundo fala que o regime democrático é bom, não só porque os governantes são trocados, mas porque é uma forma de um povo julgar os governantes, sobretudo na medida em que se vive uma democracia de partidos.

Dácio Nitrini: [interrompendo] Por falar nisso, o PRN está em que situação? Ele tem candidato a presidente da República? Ele comunicou ao TSE?

Sepúlveda Pertence: Não. Ele já comunicou a renúncia e está correndo o prazo de substituição, [que] salvo engano meu, terminaria no dia 31.

[...]: Quinta-feira agora?

Sepúlveda Pertence: Quinta-feira.

José Roberto Toledo: Faltam 34 dias para a eleição; o TSE ainda não mandou imprimir as 220 milhões de cédulas. Vai dar tempo?

Sepúlveda Pertence: Imprimir, sim.

José Roberto Toledo: E distribuir?

Sepúlveda Pertence: Vamos fazer um grande esforço de distribuição.

José Roberto Toledo: Ainda dá tempo?

Marcelo Bauer: Quando começa a impressão? Está marcada alguma data?

Sepúlveda Pertence: Nós temos esse problema, ao que li imprensa. O PRN vai apresentar um candidato substituto, e esse candidato vai correr um prazo de edital de impugnação; logo terminado esse prazo, será julgada a sua inscrição, e aí estará pronto, porque já terá passado o dia 3, e depois do dia 3 não se mexe mais na cédula.

Marcelo Bauer: Mesmo que haja novas mudanças, não se mexe?

Sepúlveda Pertence: Mesmo que haja novas mudanças, o novo candidato vai disputar na cédula com o nome do substituído.

Marco Antônio Antunes: Ministro, eu queria fazer uma pergunta para o senhor, baseado na sua experiência. Não sei se o senhor pode responder isso, mas o senhor já viveu diversas eleições e tal, como juiz, que o senhor é, e também como eleitor e como observador. O senhor acha que essas eleições já estão definidas?

Sepúlveda Pertence: Eu não posso dizer.

Marco Antônio Antunes: Estou falando assim, tentando usar a sua experiência como observador.

Sepúlveda Pertence: Eu já vi muita história de reversões e de inversões de pesquisa.

Marco Antônio Antunes: O senhor acha que subindo um pouco a inflação, aí muda...?

Sepúlveda Pertence: Enfim... [risos]

Sérgio Rondino: Ministro, eu queria saber o seguinte: já que não existe lei contra a demagogia, não dá para criar um mentirômetro para proibir os candidatos de dizerem o que querem, eu queria perguntar se existe na legislação alguma coisa contra a possibilidade da pregação antidemocrática. Estou perguntando porque um dos candidatos tem feito uma pregação que a mim me parece extremamente perigosa. Defende a censura; prega uma doutrina única para ser obedecida em todo o país de alto a baixo, que é uma coisa um pouco aterrorizante; sem falar dos ataques ao Congresso, que passam da crítica normal para o ataque à instituição. A Justiça Eleitoral está atenta a isso?

Heródoto Barbeiro: Quem é esse candidato?

Sérgio Rondino: É o candidato Enéas, eu acho que nem preciso nomeá-lo com tanta... tem sido visto que ele tem feito essa pregação.

Sepúlveda Pertence: É claro, já tive a oportunidade de ver isso e outras coisas. Eu vivi muito tempo de censura. E enquanto não se pregar a violência, a transformação pela violência, vamos deixar os candidatos pregarem o que bem entendem.

Milton Abrucio: O senhor acha que tem chance de sucesso esse tipo de pregação?

Sepúlveda Pertence: Sei lá, as urnas é que dirão.

Sérgio Rondino: O limite então é o respeito à instituição, às leis do país, aos direitos de todos e à Constituição? Se passar disso...

Sepúlveda Pertence: Inclusive pregando...

Sérgio Rondino: Se passar disso, a mão pesada da lei do TSE cairá em cima?

Sepúlveda Pertence: Sim, [mas é permitido] inclusive pregar as transformações mais radicais da Constituição pelos meios constitucionais.

Heródoto Barbeiro: Ministro, eu tenho duas perguntas aqui ainda sobre a questão de bônus. Uma veio da cidade de Campo Grande, no bairro de São Luís do Maranhão, e a outra vem de Belém, no Pará, do senhor Luiz Caldas. Ele quer saber o seguinte: se pessoas ou empresários que contribuíram com o bônus podem abater o valor no imposto de renda, ICMS ou da Previdência Social [risos].

Sepúlveda Pertence: Não, quanto a imposto de renda, eu sei que ainda há alguma discussão entre os especialistas. Sei que a Receita Federal continua a sustentar que não há dedução alguma.

Milton Abrucio: O TSE não normatizou isso?

Sepúlveda Pertence: Não, não é nosso problema. Quer dizer, se é nosso ou não...

Marco Antônio Antunes: [interrompendo] O senhor é favorável ao desconto no imposto de renda ou não?

Sepúlveda Pertence: Não, o que eu tenho dito e que já se interpretou como isso... eu sou mais audacioso, eu sou favorável a fórmulas de financiamento público das campanhas, que poderiam envolver parcialmente algum estímulo fiscal. O que eu tenho dito...

Marco Antônio Antunes: [interrompendo] Mas, ministro, isso não seria mais um ônus para o contribuinte brasileiro? Ele bancar uma campanha... tanta coisa...

Sepúlveda Pertence: Primeiro, isso leva a limites rígidos. Não se vai bancar campanhas miliardárias. Segundo, é a indagação que se põe. Será que a democracia não paga mais? O próprio erário não paga mais com o financiamento privado?

Marcelo Bauer: Agora, ministro, esse tipo de financiamento público não impediria o surgimento do caixa dois.

Sepúlveda Pertence: Não, nada impede o crime. Se lei impedisse o crime, o homicídio tinha desaparecido. É óbvio que não impede, mas hão de ser coisas tão radicais, que se torne factível você descobrir o crime.

Marcelo Bauer: O senhor acha que pelo menos dificultam [o crime]?

Sepúlveda Pertence: As observações sobre o financiamento público das eleições presidenciais americanas, por exemplo, são de que as suspeitas de financiamento clandestino são hoje diminutas. Por quê? Porque o candidato que opta pelo financiamento público se compromete a não receber um dólar fora disso. Tanto que a lei prevê até quando pode ser essa coisa muito americana de jantares etc e tal. Essas pequenas fontes são... porque o resto todo, o Estado financia.

Milton Abrucio: Quer dizer, haveria uma divisão equânime entre os candidatos? Quer dizer, todos os candidatos receberiam recursos públicos para usar na campanha?

Sepúlveda Pertence: Eu não entendo, eu não conheço os pormenores da legislação americana, porque você sabe que, na verdade, concorrem à presidência americana uma dezena de candidatos cujos nomes nem chegam por aqui. Mas a legislação que não têm os nossos pruridos, as nossas cerimônias realmente só toma em consideração os grandes candidatos.

Sérgio Rondino: Ministro, eu queria saber a sua opinião sobre o sistema alemão, já que estamos falando desse sistema de financiamento público, o senhor o conhece, evidentemente, mas para os telespectadores seria bom explicar. O Estado dá seis marcos anuais, se eu não estou enganado, por voto que o partido recebe. O dinheiro vai para os partidos que são a grande força das eleições, e também o Congresso não tem estrutura, quem tem estrutura são os partidos, portanto são realmente eles que decidem e definem até a fidelidade partidária, que é necessária. O que o senhor acha desse sistema? No Brasil, o senhor acha que funcionaria uma coisa assim?

Sepúlveda Pertence: Eu acho que o caminho é similar ao do sistema alemão. O grande problema desse financiamento é evitar o excessivo engessamento, é como possibilitar o surgimento de forças partidárias novas.

Heródoto Barbeiro: Ministro, o senhor já citou várias vezes questões de apuração. O senhor se referiu mais de uma vez à eleição de 1989, quando houve de certa forma uma atuação bastante marcante do TSE, os jornalistas todos se concentraram, me lembro que a TV Cultura fez um trabalho, um link direto, dando os resultados lá. O que quer dizer isso, ministro, os resultados parciais da apuração dos votos para presidente da República do Brasil só serão divulgados lá no TSE em Brasília? Ou os TREs regionais vão poder divulgar a apuração?

Sepúlveda Pertence: Vão poder, é claro. Todo mundo pode.

Heródoto Barbeiro: Quer dizer, não vai se concentrar em Brasília?

Sepúlveda Pertence: E você vai poder, pelo sistema SMT da Embratel; não precisa ir nem ao TSE, nem ao TRE.

Sérgio Rondino: Você pode ter um terminal na própria emissora.

Sepúlveda Pertence: É, na própria emissora.

Heródoto Barbeiro: Quer dizer, não vai haver mais aquela concentração que houve antes?

Sepúlveda Pertence: Não, aquela idéia do centro de convenções de Brasília etc, não. Porque aquilo se justificou, em 89, ante uma apuração que seria, como foi, de 72 horas. Com uma apuração que pode se estender durante 15 dias, você correria o risco de ficar com um elefante branco lá, já perdido o interesse da imprensa. Então nos pareceu muito mais razoável dar facilidade à imprensa de ter acesso imediato, e que se consumou com esse convênio com a Embratel – não me pergunte detalhes, que eu não sei –, mas que rigorosamente, até no estrangeiro, você vai ter acesso, simultâneo ao TSE, aos resultados parciais.

Heródoto Barbeiro: Já que o senhor citou o estrangeiro, só pela oportunidade, tenho aqui uma pergunta dizendo o seguinte: “Não é injusto não existir voto em trânsito no Brasil, quando os brasileiros no exterior têm direito a voto?”

Sepúlveda Pertence: Mas não é voto em trânsito. É o brasileiro que se alistou no estrangeiro até 15 de abril. Quem estiver no estrangeiro no dia da eleição, infelizmente também não vai poder votar.

Milton Abrucio: Ministro, eu queria retomar essa questão das obras em véspera de eleição, porque acho que o debate é saudável. O senhor expôs uma posição muito lúcida que a gente há de concordar, quer dizer, a eleição serve também para julgar o governo. Ao governo é até bom que tenha um candidato porque é o momento de se julgar um governo. Agora, o que se discute também é a questão das obras de afogadilho, é um governo que não constrói nenhuma casa popular durante o seu governo e que anuncia 300 mil às vésperas de eleição. Um governo que demora dois anos, no caso do governo atual, para ter um plano econômico, e esse plano surge às vésperas da eleição. Isso, do ponto de vista da democracia, não compromete? Quer dizer, essa é a dúvida do eleitor.

Sepúlveda Pertence: Eu acho que o eleitor tem que julgar isso.

Milton Abrucio: Inclusive esse fato?

Sepúlveda Pertence: É, isso está na discussão.

Heródoto Barbeiro: Ministro, nessa linha, o senhor Milton Rodrigues pergunta se é possível a criação de um departamento de defesa do eleitor contra a propaganda enganosa [risos]. O senhor acha que um detector de mentiras cairia bem, ministro?

Sepúlveda Pertence: Não, não. Isso se chama educação, investir na educação. Não há outro remédio.

Milton Abrucio: Mas tem uma coisa preocupante que é a questão das atribuições, não é?

Sepúlveda Pertence: Está claro, gente. A gente volta, e tem que voltar a certos lugares-comuns, e [...] voltar ao velho [Winston] Churchill [(1874-1965) primeiro-ministro do Reino Unido de 1940-1945 e de 1951-1955 e Nobel de literatura em 1953]: democracia seria o pior dos regimes se todos os outros não fossem piores. Ela tem esses defeitos todos, ela abre margem à demagogia, [mas] a ditadura abre muito mais. Há corrupção na democracia? Há. Ela não garante a santidade de ninguém, [mas] seguramente há mais na ditadura. E a democracia você pelo menos pode xingar [risos].

Milton Abrucio: Ministro, uma coisa que preocupa muito é a questão das atribuições. Você vê candidatos a presidente dizendo que vão acabar com o problema da segurança pública nas cidades, [mas] se sabe que é um problema de atribuição da esfera estadual. O TSE não poderia, por exemplo, ter algum tipo de divulgação sobre o que pode fazer um presidente, o que pode fazer um governador, o que faz um deputado, o que faz um senador? O senador não constrói casa própria, por exemplo.

Sepúlveda Pertence: Eu tenho visto os próprios candidatos se encarregando de se desmascarar nessas maiores coisas. É claro, o seu exemplo não parece assim, [...] porque a nossa vocação centralizadora, a demanda dos próprios governos estaduais à União para tratar do problema da segurança pública é brutal.

José Roberto Toledo: Uma questão, uma hipótese, voltando à questão do tempo de apuração. Quanto tempo antes do dia 15 de novembro, da data do segundo turno das eleições, começa o horário eleitoral gratuito? O senhor tem de cabeça isso?

Sepúlveda Pertence: Uns vinte dias.

José Roberto Toledo: Vinte dias. Quer dizer, não há hipótese, por exemplo, para levar a uma situação absurda de que...

Sepúlveda Pertence: [interrompendo] Você pode se informar melhor [sobre as datas], porque eu estou sem a lei.

José Roberto Toledo:...de que, por exemplo, a apuração não acabe em tempo suficiente?

Sepúlveda Pertence: Acho difícil, muito difícil. Não vamos raciocinar com catástrofe. Eu acho que esse tempo é o bastante.

Sérgio Rondino: Ministro, por que as empresas podem legalmente dar dinheiro para os candidatos e os sindicatos não? O dinheiro dos sindicatos é considerado público? Qual é a diferença aí? Porque, na batalha ideológica, se pressupõe que se o patronato pode, também o sindicato deveria poder.

Sepúlveda Pertence: O sindicato brasileiro, a justificação teórica disso é a contribuição ou compulsória para o sindicato. É uma contribuição quase de natureza tributária. Esse problema foi posto no Supremo Tribunal, fui até eu o relator do julgamento liminar, que neguei, com relação aos sindicatos, entendendo que enquanto estivermos vinculados a essa idéia do sindicato único, possibilitando a contribuição compulsória de toda a categoria, independentemente de estar ou não filiado ao sindicato, não é inconstitucional que, em conseqüência, se vede o uso de recursos dos sindicatos [...].

Sérgio Rondino: No caso das centrais sindicais, por exemplo, elas não vivem de contribuições...

Sepúlveda Pertence: Não, eu fiquei vencido porque votei pela suspensão da proibição dirigida a entidades de classe. Esta que me parece que foi uma discriminação desarrazoada quando a legislação abriu para empresas, a pessoas jurídicas de qualquer categoria, desde escolas de samba a "associações da boa morte" podem contribuir. Entidades de classe, não. Eu não consegui entender como razoável a discriminação e, por isso, votei pela suspensão, mas fiquei vencido.

Josemar Gimenez: Ministro, vamos mudar um pouquinho de assunto. O senhor, no segundo turno, deve estar indo para o Supremo Tribunal Federal, que é o poder máximo da justiça neste país, e outro dia até o ministro [Rubens] Ricupero criticou algumas decisões judiciárias, qualificando como...

Sepúlveda Pertence: [interrompendo] Eu também já critiquei algumas decisões [...].

Josemar Gimenez:...”Nós estamos no tempo da monarquia absolutista”. O senhor acha que o judiciário precisa mudar muitas coisas aqui no Brasil? O que o senhor acha que precisa ser mudado?

Sepúlveda Pertence: Bem, eu acho que tem que ser mudado muito.

Luís Fernando Rila: O senhor é a favor do controle externo?

Sepúlveda Pertence: Olha, depende do que você entende disso. Isso virou um slogan. Eu não me arrepio quando ouço falar em controle externo.

Josemar Gimenez: Mas o que o senhor acha que deve ser mudado?

Sepúlveda Pertence: Eu acho... eficácia, modernização, aproximação do judiciário. Eu me refiro ao judiciário comum, ao judiciário do homem da rua, da sociedade.

Josemar Gimenez: Mas o senhor acha que o judiciário hoje no Brasil toma algumas decisões precipitadas, às vezes arbitrárias?

Sepúlveda Pertence: Olha, é difícil responder, evidentemente é legítima qualquer crítica. O judiciário no Brasil tem uma interferência política grande. A Constituição brasileira confiou, como poucas, no controle judiciário da administração da própria vida política. Por isso, nos sujeitamos a críticas e, de minha parte, eu não fico, não sou... Vários juízes formados...

Dácio Nitrini: [interrompendo] Mas o ministro Ricupero fez essa crítica na quinta-feira passada, num dia especial, quando ele estava falando a vários empresários, e essa crítica meio que caiu do céu. Mesmo perguntado por quê, ele não explicitou o motivo da crítica. A que o senhor atribui essa insatisfação do ministro Ricupero, repentinamente dirigida ao judiciário?

Sepúlveda Pertence: Não posso imaginar, sendo, como é, um homem público de excepcional serenidade, tranqüilidade, mas um homem que está numa obra de governo...

Dácio Nitrini: [interrompendo] As críticas foram feitas de modo sereno.

Milton Abrucio: Será algum esforço preventivo com relação a alguma ação contra o plano econômico em curso?

Sepúlveda Pertence: Não sei.

Dácio Nitrini: O que mais se aventou é que era uma vacina.

Sepúlveda Pertence: É natural que os homens que estejam numa obra de governo, convencidos da necessidade desta ou daquela medida, para vencer os problemas da conjuntura, reajam. Há interferências muitas vezes paralisadoras do judiciário, mas essa é a regra do jogo. A nossa função não é resolver problemas da conjuntura, é manter as regras do jogo, manter as regras da Constituição. Agora, compreendo [a atitude de Ricupero].

Sérgio Rondino: Ministro, por falar em Plano Real, daria para saber como é que o cidadão Sepúlveda Pertence está vendo o Plano Real? O senhor é a favor ou é contra?

Sepúlveda Pertence: Não sou a favor nem contra [risos]. Quem é que pode ser a favor da inflação ou contra...?

Sérgio Rondino: A favor da maneira como [o combate à inflação] ele está sendo conduzido...

Sepúlveda Pertence: Que seja, mas ainda que tivesse competência, eu não teria tido tempo de pretender análises e prognósticos sobre o Plano Real.

José Roberto Toledo: Com relação àquele calendário, só para esclarecer, dia 23 de outubro é o último dia de prazo para a divulgação oficial do resultado do primeiro turno e, no dia 24, inicia-se a propaganda eleitoral gratuita. Quer dizer, o senhor tem 20 dias para concluir a apuração.

Sepúlveda Pertence: Vinte dias.

Heródoto Barbeiro: Ministro, uma orientação aqui para um candidato, tenho certeza que vai valer para muitos outros do Brasil inteiro. É do senhor Jocelito Canto, de Ponta Grossa, no Paraná. O que deve fazer um candidato a deputado estadual que faz parte de uma coligação em que [apenas] alguns candidatos privilegiados aparecem todo dia na televisão, alegando motivo que os mesmos bancam a produção do horário gratuito, coisa sobre a qual a lei não é clara. Ele queria saber o seguinte: o cidadão que banca o horário eleitoral tem o direito de aparecer mais na televisão do que o outro que não banca, ou não?

Sepúlveda Pertence: Bem, esse problema deve ser, primeiro, tentado resolver dentro da coligação. Em princípio, é um problema de autonomia das coligações, dos partidos ou das coligações, através do seu comitê de propaganda, essa distribuição do tempo. É claro que os TREs já têm interferido no abuso, no veto etc.

Heródoto Barbeiro: Ministro, tem uma outra questão que foge um pouquinho das eleições, é agora ao senhor enquanto advogado. Existe uma série de críticas contra o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, dizendo que é uma maneira corporativista e que isso vai afastar cada vez mais a população da justiça. Ele cita aí até o caso do Juizado de Pequenas Causas. Qual é a opinião do senhor a respeito disso, ministro? O senhor apóia esse estatuto? Ele separa mesmo...?

Sepúlveda Pertence: Isso foi muito discutido na época da criação do Juizado de Pequenas Causas, quando eu ainda participava do Conselho Federal da Ordem. Eu achei que se chegara a uma solução extremamente razoável, que é a de reclamar a assistência do defensor da ativa quando a outra parte, quando a parte ré, comparecesse com advogado, mas permitir dispensar a presença do advogado na reclamação, sobretudo nos esforços, que é o grande êxito do Juizado de Pequenas Causas onde tem funcionado, que é a solução amigável, a composição amigável desses pequenos motivos.

Heródoto Barbeiro: Quer dizer, portanto, que o senhor é favorável que, no Juizado de Pequenas Causas, a pessoa possa comparecer sem a presença necessária de um advogado, é isso?

Sepúlveda Pertence: Eu acho que é aquela fórmula a que se chegou até com o consentimento da Ordem. E é minha opinião pessoal a respeito.

Heródoto Barbeiro: Está certo. Ministro Sepúlveda Pertence, muito obrigado pela gentileza, pela sua participação aqui no Roda Viva conosco.

Sepúlveda Pertence: Foi uma satisfação.

Heródoto Barbeiro: Muito obrigado. Muito obrigado também à presença aqui dos nossos colegas jornalistas, e nós queremos então convidar você para que, na próxima edição do Roda Viva, que vai ser na próxima segunda-feira às 23 horas. Tenham aí uma boa noite e uma ótima semana. Muito obrigado.
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