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Rodolfo Konder: Boa noite! A TV Cultura apresenta hoje um Roda Viva especial. Um programa de debate sobre o Plano Brasil Novo, o pacote econômico deixado pelo governo Collor. No centro da roda, o Plano Brasil Novo, assim como há dois anos esteve o Plano Cruzado. Os nossos convidados de hoje também são especiais: são, igualmente, o centro da roda e são os debatedores. Os convidados desta noite são os seguintes jornalistas: Luis Nassif, editor da coluna Dinheiro Vivo; Celso Ming, editor de Economia do Jornal da Tarde; Pedro Cafardo, editor de Economia do jornal O Estado de S. Paulo; Fábio Pahim, repórter especial do Jornal da Tarde e da Jovem Pan; e Stephen Kanitz, o nosso comentarista econômico da TV Cultura. Lembramos que o Roda Viva é transmitido ao vivo hoje pelas TVs Educativas de Porto Alegre, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e Pará. É, ainda, retransmitido pela TV Nacional de Brasília. Você, que está assistindo o programa de casa, pode fazer perguntas pelo telefone (011) 252-6525, que a Carla, a Ana e a Cristina estarão anotando as suas perguntas. Na platéia, assistem o programa convidados da produção. Ainda fará parte da nossa mesa, esta noite, o jornalista econômico Marco Antônio Rocha. O Marco Antônio Rocha é editor de Economia da TV Record, mas ele está atrasado e nós não sabemos se está estudando as novas medidas do governo ou se ficou retido em alguma fila de banco. Vamos começar o programa propondo uma questão, que é a seguinte: alguns analistas dizem que o Plano Brasil Novo, também conhecido como Plano Collor, já está fazendo água, já abriram buracos na represa do presidente. E eu gostaria de saber se algum dos jornalistas presentes endossa essa informação e essa tese.
Luis Nassif: Eu acho que não.
Rodolfo Konder: Não?
Luis Nassif: Eu acho que você tem um deserto nordestino daquele bem seco e tem uma pocinha d’água lá, e tem gente querendo se afogar na pocinha d’água.
[risos]
Rodolfo Konder: Mas a represa continua solidamente?
Luis Nassif: Sólida, não sei. Agora, que não tem dinheiro para lado nenhum, não tem. O que está acontecendo com o plano são as exceções que foram abertas até agora: não permitem irrigar, não permitem nascer ainda nem um pé de cacto.
Rodolfo Konder: E as medidas de hoje?
Luis Nassif: Não...
Rodolfo Konder: Essa linha especial de crédito?
Luis Nassif: Essa linha especial vai dar um desafogo para as empresas durante um mês, para a folha de pagamento. Eu acho que o plano tem uma questão básica: eles fizeram um cálculo em cima do ritmo de geração de cruzeiros... [corrigindo-se] de cruzados [na verdade, cruzados novos, moeda brasileira criada pelo Plano Verão e que circulou entre fevereiro de 1989 e março de 1990, quando o Plano Collor a substituiu pelo cruzeiro, que valia 1000 cruzados novos] que a economia produzia e acharam que bastava deixar 20%, que o restante as empresas iam conseguir vendendo os seus bens. Só que, quando tiraram tudo, a capacidade de vender caiu barbaramente. Então, eu acho que o plano não... ele tem que flexibilizar muito mais, ainda. Eu acho que o que foi flexibilizado até agora não é suficiente para fazer água, não; está faltando muita água, ainda, para o plano.
Rodolfo Konder: Celso Ming, o Congresso é que vai desempenhar esse papel?
Celso Ming: O Congresso vai ter um papel importante, realmente. Eu tenho a impressão de que o Congresso não vai mexer na essência do plano: ele vai tentar fazer algum acerto. Mas eu acho que é a própria sociedade que vai pedir os acertos do plano - se é que são necessários esses acertos. E, neste momento, eu acho que não há ninguém que tenha condições de dizer com muita clareza quanto dinheiro está faltando na economia. Eu acho que esse dado, esse número, foi tirado, assim, meio de uma cartola, que eu não sei bem de onde foi - mas, também, ninguém sabe que número colocar no lugar. E é preciso, então, saber, sentir primeiro o pulso do mercado. Eu acho que nenhum assalariado está gastando o seu salário, apenas aqueles que tiveram uma certa antecipação. Esse é o primeiro ponto. Segundo ponto: as empresas seguraram tudo. Terceiro: das pessoas que tinham dinheiro, que foram no banco e tiraram o dinheiro, muito dinheiro está entesourado ainda. Os próprios bancos, eles estão emperrados, não são esse ventilador que está jogando outra vez o dinheiro no mercado. Então, ninguém tem idéia, ninguém tem idéia de quanto dinheiro existe por aí e que vai circular. Eu acho que isso vai acontecer na primeira semana de abril - primeira, segunda semana de abril -, quando o salário voltar a irrigar; e [então] o pessoal vai tomar uma decisão: se vai gastar ou se vai poupar.
Rodolfo Konder: O Nassif comentava há pouco comigo, antes do início do programa, que ele achava que agora as pessoas estavam se lembrando de que temos um Congresso, que o Congresso vai impedir os exageros e corrigir as imperfeições desse plano. Ao mesmo tempo, há gente que acha que o Congresso - ao contrário, habituado ao jogo da fisiologia - pode apostar em uma linha mais demagógico-eleitoreira e, com isso, fazer naufragar o plano. Pedro Cafardo, o que você acha disso?
Pedro Cafardo: Eu acho que o Congresso pode atrapalhar bastante, mas eu gostaria, ainda, de falar um pouco sobre ao que o Nassif acabou de se referir aqui: essa questão do aperto. Eu estou começando a ficar desconfiado, não sei, alguma coisa me diz que não existe um fantástico aperto de liquidez, esse fantástico aperto de que falaram tanto no começo. Primeiro, porque esse consumo do final da semana passada foi uma coisa meio preocupante: as pessoas correram mesmo para comprar e havia dinheiro para comprar. E agora, mais uma coisa: parece-me que o dinheiro das pessoas, o dinheiro que foi levado para o Banco Central, era um dinheiro que elas usavam principalmente para emergência, para o momento eventual do desemprego na família ou um problema de saúde em que tivessem que gastar esse dinheiro. O dinheiro que era usado efetivamente para o consumo, eu não perdi esse dinheiro: é o dinheiro do meu salário, por exemplo. O que eu perdi é o dinheiro que eu poderia usar em uma emergência na minha família, certo? Não é isso, Celso?
Celso Ming: Mas é que tem o capital de giro das empresas, também.
Pedro Cafardo: Sim, mas essa é outra questão.
Celso Ming: O capital é...
Pedro Cafardo: Essa é outra questão, espera aí.
Celso Ming: ...é muito mais do que o dinheiro das pessoas físicas.
Pedro Cafardo: Mas é uma questão que pode fazer a inflação subir, inclusive.
Celso Ming: É verdade.
Pedro Cafardo: Não é isso? Porque as empresas estão afetadas na sua capacidade de produção.
Rodolfo Konder: E de investimento.
Pedro Cafardo: Elas não estão podendo produzir, porque não têm dinheiro...
Luis Nassif: Mas como é que se separa...
Pedro Cafardo: Se elas produzem menos, o que vai acontecer? Os preços vão subir e as pessoas estão recebendo o salário, se é que vão receber...
Luis Nassif: Aí é que está...
Pedro Cafardo: ...parece que agora vão. O Banco Central está soltando o dinheiro.
Luis Nassif: Como é que você separa a renda das pessoas que vivem do salário da renda das empresas que pagam os salários?
Pedro Cafardo: [demonstrando estranhamento] Como é que "separa"?
Luis Nassif: Pois é. Você está pegando... as pessoas, hoje, têm consumido - pode ser reposição de estoque, seja lá o que for. Agora, essas pessoas dependem, basicamente, de empresas, que têm que produzir e têm que ter uma liquidez para pagar os salários. Quando é que... Nesse aperto que foi dado hoje, se se deixar 20% de liquidez na economia, se se mantiver esse mesmo aperto sem flexibilizar, o que vai acontecer? Você tem dois fenômenos.
Pedro Cafardo: Se você mantiver esse aperto, ninguém recebe o salário...
Luis Nassif: Primeiro: pouco dinheiro, pouco dinheiro na economia.
Pedro Cafardo: ...é lógico, ele pára tudo.
Luis Nassif: E segundo: essa lei salarial. O [Walter] Barelli [diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) de 1967 a 1990] tem medo de dizer, mas ele não pode ter medo de dizer. Essa lei salarial, havendo deflação, significa um aumento real dos salários. Então, quando o governo dá um aperto de dinheiro do jeito que deu e dá um aumento de salário, o que ele está dizendo para as empresas é o seguinte: "Faça o acerto via desemprego." Esse é o ponto que o governo conhece: que não vamos afetar os descamisados, não vamos prejudicar os... como é que é... os "pés descalços" [termos usados e popularizados pelo então presidente Collor]. A sociedade intuiu que vem um grande desemprego pela frente, mas não está se preparando para esse desemprego.
Pedro Cafardo: Não está, inclusive porque as pessoas estão gastando o dinheiro que têm, não é?
Luis Nassif: Isso, porque acham que [...].
Pedro Cafardo: Porque também não têm opção de onde colocar.
Rodolfo Konder: Mas esse consumismo aí, não seria uma coisa efêmera? Quer dizer, de repente dura dois ou três dias e acaba?
Pedro Cafardo: A famosa bolha, vamos ver se é a bolha.
Celso Ming: Olha, eu...
Pedro Cafardo: O salário vai entrar de novo.
Celso Ming: Sobre isso é... bem... tem dados contraditórios. Realmente, no último fim de semana, nesses dias aí, houve quase uma corrida às compras. À compra de aparelhos domésticos... houve mais isso. Mas os restaurantes ficaram relativamente vazios; o trânsito, está uma delícia andar na rua.
Luis Nassif: Porque os caminhões saíram do trânsito.
Celso Ming: Pois é. Então, significa a paradeira, mostra que a produção está parada.
Pedro Cafardo: A Marginal [Marginais Pinheiro e Tietê, duas das principais vias expressas dentro do sítio urbano de São Paulo], a Marginal não tem mais caminhões. Está uma beleza.
Celso Ming: Então, de repente... Não é só caminhão, também as pessoas deixaram.
Luis Nassif: A paz dos cemitérios.
[risos]
Celso Ming: Então, são informações contraditórias. A gente não sabe como fazer esse balanção ainda, para saber se realmente vai ter. Eu acho que o dado fundamental é que o sistema financeiro está desmoralizado neste momento - ou, pelo menos, há um grande indício de que as pessoas não voltarão de uma vez ao mercado financeiro. Então, entre... Quem receber o salário vai fazer o que com esse salário? Ele vai aplicar outra vez?
Pedro Cafardo: [interrompendo] Vai deixar em casa.
Celso Ming: Ou vai botar para o consumo? Vai gastar tudo?
Rodolfo Konder: Mas o nosso...
Celso Ming: Essa é a questão.
Rodolfo Konder: ...mas o nosso Stephen Kanitz, hoje, recomendava compras de ações. É possível, Stephen, neste momento, as pessoas acreditarem de novo no mercado e voltarem a comprar ações? Não era o que você estava dizendo - que na baixa, agora, era hora de comprar?
Stephen Kanitz: E também sugeri ser um pouquinho mais guloso, porque, embora seja barato comprar as ações agora, elas vão cair muito mais, por questões sobre as quais nós estamos falando aqui.
Celso Ming: Ninguém tem dinheiro. Vai comprar ações, mas tudo bem, um tanto quanto...
Pedro Cafardo: [interrompendo] Com pequenas sobras, está certo?
Luis Nassif: O que parece é o seguinte: com essa queda de preço de ações e de imóveis, tem uma historinha com a qual você passa: Você estava na rua e, de repente, você vê uma moça muito bonita na sua frente.
Celso Ming: Onde, ô Nassif?
[risos]
Luis Nassif: Hã? Uma moça da minha cidade. Aí, você fala o seguinte...
Celso Ming: Fala, fala onde!
Luis Nassif: ..."Olha, 500." "Não entendi. Pode o quê? Não sei..."
[sobreposição de vozes]
Rodolfo Konder: O Celso já estava querendo trocar de lugar comigo; agora, mostrou interesse...
Luis Nassif: Ele não pode ouvir falar em moça bonita que ele... Então, aquela moça passa e o bêbado chega e fala: “quinhentos mil cruzados para sair comigo.” Ela fica muito brava. “Te dou um milhão para sair comigo!” Muito brava! “Cinco milhões para sair comigo!” “Topo!” “Mais uma que eu perco por falta de liquidez...”
[risos]
Luis Nassif: É o que está acontecendo hoje, aqui: imóvel barato, ouro barato, dólar barato e ninguém com liquidez.
Rodolfo Konder: Agora, você levantou... O Nassif levantou essa questão de que vamos ter, aí, uma recessão, desemprego, não é? Você acha que vem aí uma paulada dura na área do desemprego. E eu pergunto ao Fábio Pahin: era possível evitar isso? Quer dizer, estamos vendo, aí, [que,] em outros países, as experiências indicam uma mesma direção: para se combater uma inflação elevada como nós tínhamos, esse remédio era inevitável. Você acha assim?
Fábio Pahin: Eu acho que o remédio era inevitável, principalmente por causa do feitio do plano. O plano pretende aumentar substancialmente a massa de salários na economia. A produção diminuiu, as empresas estão apertadas, apertadíssimas, às vezes paradas. A história dos caminhões é muito boa. Realmente, quando não circulam caminhões, é o pior dos indícios da economia. Quando não circulam os carros, as pessoas não têm dinheiro para comprar gasolina; agora, quando não circulam caminhões, é porque não tem produção.
Rodolfo Konder: Foi o que derrubou o Salvador Allende no Chile, a falta de caminhões? [o golpe contra Allende, presidente do Chile, em 1973, foi precedido por uma longo locaute das empresas de transporte que provocou uma grave crise de desabastecimento no país]
[risos]
Celso Ming: Ao contrário!
Luis Nassif: Não, lá eles circulavam.
Celso Ming: Não, ao contrário, ao contrário, foi a presença dos caminhões que derrubou Allende. Aqui, foi o contrário.
Fábio Pahin: Agora, a questão é exatamente essa: como é que você vai fazer uma redistribuição de renda desse tamanho e isso ser aceito pela sociedade? Eu acho que a sociedade não vai aceitar. Então, a recusa a essa redistribuição brutal de renda - na qual as empresas comem a sua poupança, comem aquilo que mal ou bem foram guardando para investimento e transferem tudo isso para salários neste momento - vai gerar uma resistência muito grande. Eu conversei com muitos empresários hoje e eles se mostravam preocupados quanto à possibilidade de pagarem os salários já em abril - em alguns casos, já em abril - e no dia 5, que é a data do pagamento de salários, vai haver uma corrida aos bancos para tomada de empréstimos para pagar esses salários. Eu duvido que haja dinheiro para todos, principalmente se continuar essa situação constrangedora de falta de liquidez, como disse o companheiro Nassif.
Celso Ming: Mas o dado novo hoje, dessa liberação, dessa torneira que abriram, foi de que os salários - esse total, até 15 milhões de cruzeiros -, os salários têm como garantia os cruzados...
Pedro Cafardo: Exato.
Celso Ming: ...os cruzados que estão trancados lá no Banco Central. Então, se a empresa, por uma razão ou outra, deixar de pagar o banco, então o banco vai entrar na garantia. Que garantia? Vai entrar nos cruzados.
Luis Nassif: Morre com o mico.
Celso Ming: Não sei se morre com o mico, mas o problema é de que aí há uma conversão de cruzados para cruzeiros. Quer dizer, aquilo que deveria ser feito, aquele leilão, aquela coisa toda, passa a ser feito através desse financiamento.
Pedro Cafardo: Isso já é a torneira do...
Celso Ming: A torneirona, sim...
Pedro Cafardo: ...do Ibrahim Eris [presidente do Banco Central]. Já sendo aberta, não é?
Celso Ming: É.
Pedro Cafardo: Porque os bancos também vão buscar desses cruzados que estão lá congelados para financiar as empresas. Eles não vão tirar dos ativos deles.
Fábio Pahin: E esse é o motivo pelo qual os economistas, hoje, não têm coragem de dizer qual é a liquidez que está na economia, quanto dinheiro está na economia.
Luis Nassif: Eu acho que tem três pontos aí.
Rodolfo Konder: E quem seria a pessoa que vai decidir a abertura da torneira? É o Ibrahim Eris ou...
Luis Nassif: O que está havendo, pelo que a gente consegue, a duras penas, pegar de informações em Brasília - a equipe estava absolutamente fechada, a equipe não se dá conta de que uma comunicação clara com a opinião pública ajuda, facilita o plano -, o que a gente sente é o seguinte: essa avaliação, como o Celso colocou, é muito difícil você fazer neste momento, sobre o nível de liquidez de economia. Por alguns fatores. Primeiro, porque o Congresso vai interferir. Eu quero dizer o seguinte: eu quero enaltecer o papel do Congresso efetivamente; nós tivemos uma escalada de arbitrariedade [tal,] na semana passada, que só nesse momento é que se viu a instituição Congresso, a importância que é a instituição Congresso.
Celso Ming: E a imprensa. O Congresso e a imprensa...
Luis Nassif: A imprensa, sim.
Celso Ming: A imprensa falando as coisas, não é?
Luis Nassif: A imprensa falando e o Congresso tendo poderes legais para impedir essa escalada. A imprensa, efetivamente. Mas tem que saber quanto que o Congresso vai flexibilizar antes, porque você tem uma margem para flexibilizar, você não sabe quanto que o Congresso vai flexibilizar. Então, você não pode de abrir antes de saber quanto que você vai ter que abrir, em função do Congresso. O segundo ponto: o sistema financeiro está parado, e ele tem que reciclar esses cruzeiros, começar a fazer empréstimos; isso aí determinará um novo patamar de liquidez na economia. E o terceiro ponto, realmente, é essa questão do salário, dessa ligação que vai haver: os salários sendo recebidos, sendo utilizados em consumo. Então, desses três patamares... é claro que, lá para o dia 15, pelo visto, o governo vai ter uma... O que preocupa um pouco é esse isolamento da equipe. Realmente, a equipe está muito isolada. Ninguém tem a onisciência, a onipresença de saber o que é que está acontecendo nos diversos setores da escala de produção, mas...
Stephen Kanitz: [interrompendo] Mas, Nassif, isso não é um plano que requer uma atuação precisa e aberta da equipe? Quer dizer...
Luis Nassif: Requer!
Stephen Kanitz: ...ela fica escondida, ela não tem informações vindas de fora e não dá informações. Ninguém sabia, antes do plano, nem algo sobre... ficou três dias parado com o feriado bancário. Acho que ninguém foi comunicado para dar a essência do plano.
Luis Nassif: Não foi. A lógica do plano, nem mesmo no dia, a [ministra da Economia] Zélia [Cardoso de Mello] conseguiu explicar a lógica do plano.
Rodolfo Konder: Agora, ô Pedro, por que os bancos estão cobrando juros tão altos, se a inflação, neste momento, caiu e provavelmente estará zerada? Por que é que eles estão cobrando 40%?
Pedro Cafardo: Eles estão cobrando juros altos porque o dinheiro que eles têm é precioso, é um liquido precioso que só se empresta se se cobra alto. Quem tem, cobra alto. Se eu tivesse, eu também não emprestaria a qualquer taxa.
Rodolfo Konder: Quer dizer que eles continuam sendo, no caso, beneficiários dessa mudança?
Pedro Cafardo: Aparentemente sim, não é, Celso?
Celso Ming: Não, eu não vejo, nesse momento...
Pedro Cafardo: Não, mas é que eles também não têm essa disponibilidade de dinheiro. O que está acontecendo hoje com os bancos - algumas informações que a gente tem - é o seguinte: os bancos têm alguns recursos, mas estão com medo de emprestar, porque eles não sabem o que pode acontecer na semana que vem. Digamos que eles emprestem agora a qualquer taxa, emprestem os seus recursos; na semana que vem... as pessoas que estão tensas, há uma tensão incrível, todo mundo está preocupado; hoje, nos jornais, no O Estado de S. Paulo, as pessoas não paravam de ligar para perguntar se amanhã é feriado bancário. Quer dizer, não tem nenhuma razão [para isso], mas as pessoas acharam... correu um boato de que seria feriado bancário. Então, se os bancos emprestarem, Nassif, na semana que vem eles correm um risco de ficarem sem dinheiro, sem liquidez...
Luis Nassif: Eu acho que um problema sério dos bancos é o seguinte...
Pedro Cafardo: ...quando as pessoas tentarem sacar...
Rodolfo Konder: Mas, se o governo está mandando as empresas procurarem os bancos, então, supostamente...
Pedro Cafardo: Sim, mas, agora, o governo está...
Rodolfo Konder: ...supostamente os bancos teriam como socorrer as empresas.
Pedro Cafardo: ...está liberando recursos bloqueados.
Fábio Pahin: Mas vamos pensar um pouquinho...
Pedro Cafardo: Está liberando recursos bloqueados...
Luis Nassif: Sobre o negócio dos bancos aí, os bancos, eles têm... Todas as transações bancárias, elas são registradas em duas câmaras de compensação, digamos assim, o Selic [Sistema Especial de Liquidação e Custódia] e o Cetip [Câmara de Custódia e Liquidação], onde há troca de reservas de bancos: o banco tem dinheiro para cá, passa para lá, sem todo esse sistema de controle. O grande problema dos bancos é que, nessa parte operacional, nós já estamos entrando na segunda semana e os bancos ainda não têm noção - uma coisa absurda, realmente, esse descompasso que houve com as regulamentações do Banco Central -, eles não têm noção do que eles têm em cruzeiros e do que eles têm em cruzados, em caixa. Então, eles estão emprestando cruzeiros sem saber se...
Celso Ming: [interrompendo] No escuro.
Luis Nassif: No escuro.
Pedro Cafardo: É verdade.
Luis Nassif: Então, só na hora em que regularizar isso aí... Então, como se tem um risco grande, a taxa de juros também fica grande, nesse momento. Eu acho que os bancos, nesse momento, eles sempre foram... No ano passado, ganharam muito dinheiro; agora, têm que levar em conta duas coisas que as pessoas, às vezes, têm medo de dizer. Os bancos estão em uma situação desgraçada de ruim, foram penalizados efetivamente, e, pior que isso, não têm esse controle.
Fábio Pahin: Os bancos têm um problema conjuntural e um problema estrutural. O problema estrutural é que mais de 50% de toda a receita do sistema bancário se originava do mercado aberto, que, de fato, praticamente acabou - está reduzido a um quinto, aproximadamente. E o problema conjuntural é essa falta de cruzeiros. E ela é agravada pelo seguinte: aqueles quinhentos mil cruzeiros iniciais, que podiam ser convertidos de cruzados para cruzeiros para pagamento de folhas de salários de pequenas empresas, não tiveram, de fato, os recursos entregues pelo Banco Central aos bancos; então, os bancos, todo dia, mandam seu telex ao Banco Central [perguntando:] "Quando é que vêm os meus cruzeiros?" Então, de fato, eles anteciparam esse dinheiro para inúmeras empresas, não estão recebendo nenhum juro e perderam mais essa forma de liquidez. Neste momento, esse é um agravante a mais, até relevante.
Celso Ming: Mas Nassif, não é problema dos bancos - viu, ô Rodolfo? Eu acho que o problema maior é do sistema financeiro. As pessoas, é verdade, elas estão, ainda, colocando dinheiro no deposito à vista, tem gente botando na poupança, tem gente voltando ao overnight [aplicação financeira no mercado aberto para resgate no primeiro dia útil seguinte] e tudo mais. Existe uma volta, um retorno. Mas tem o trauma inteiro; então, qualquer boato e as pessoas já estão com o dedo no gatilho: "Vamos lá tirar o dinheiro!" Então, fica... As pessoas estão propensas a uma corrida diante de qualquer fogo, não é? Porque, afinal de contas, durante tanto tempo se disse, aí, que a caderneta de poupança era intocável, que a caderneta de poupança tem dupla ou tripla garantia, do Tesouro, da Caixa, não sei mais de quem, e do governo do estado e essas coisas todas, e de repente aconteceu o que aconteceu - com a poupança, com o overnight, aconteceu com todas as poupanças. Então, as pessoas estão realmente traumatizadas. Estão com o dinheiro no banco porque afinal de contas, nessa situação, aí, de pouca segurança, não vamos deixar o dinheiro em casa, [não] vou enterrar debaixo do pé da roseira, então tem que deixar no banco. Mas estão prontas para qualquer coisa; a qualquer sintoma, sacar de lá. Então, realmente, os bancos têm que levar em conta que eles realmente não podem operar com todo o dinheiro que têm - pelo menos com o que operava.
Stephen Kanitz: Celso, a situação não está pior agora, então, do que antes? Porque antes não havia essa retirada maciça da caderneta de poupança ou esse medo de sair correndo contra os bancos; e agora você está dizendo que, embora não se faça isso, o espírito de sair correndo existe.
Celso Ming: Existe, todo mundo está com o dedo no gatilho.
Luis Nassif: Eu acho que aconteceu também, aí, o seguinte. Tinha uma característica do plano [assim:] cada vez que entra um plano desses de estabilização as pessoas sacam dinheiro para comprar e as empresas sacam dinheiro para estocar. Então, precisava, realmente, tirar esse dinheiro da economia. O grande problema da comunicação do plano é que a Zélia, como uma boa filha de delegado, e o presidente, que gosta de dar murro na mesa também, eles criaram um discurso errado: criaram um discurso de que eles tiraram o dinheiro da economia, com esse bloqueio dos depósitos, para punir os especuladores. E não foi nada disso: pela lógica do plano, esse dinheiro tem que ser tirado provisoriamente, mas fica lá em nome das pessoas e tem que ser devolvido - porque, se não for devolvido, você não restaura a confiança na poupança e morre. Então, a lógica do plano é a seguinte: você pune o rico com o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras], mas o compulsório não; o compulsório, você está tirando provisoriamente e tem que devolver. De repente, vem aquele discurso: “Resolvemos acabar, punir aqueles especuladores, pararã, pararã, pararã!" Criou a idéia de que: “Opa, mas vem cá, se vão devolver, que punição que é essa?” Então, isso ajudou, e muito, a complicar a escalada punicial.
Pedro Cafardo: Se vão punir, por que devolver?
Luis Nassif: Claro, a escalada punicial atrasou barbaridade o plano. Se as pessoas vêem, tem... Porque a lógica do plano é a seguinte: eu dou uma cacetada monumental, tudo que eu tinha que fazer de ruim eu fiz; agora vocês começam a trabalhar, que não tem mais nada de ruim. Então, as pessoas tentam se adaptar a esse novo regime.
Rodolfo Konder: Quer dizer que eles seguiram os princípios de [Nicolau] Maquiavel? [(1469-1527); historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento, reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna. Autor de O príncipe]
Luis Nassif: Não...
Rodolfo Konder: Tudo ruim vem de uma vez só; agora vem as coisas ruins e as boas, aos poucos.
Luis Nassif: Era para ser; na prática, não seguiram.
Rodolfo Konder: Nós estamos recebendo aqui muitas perguntas dos telespectadores; então, eu vou fazer algumas perguntas. Antes, lembrando que nós estamos, hoje, com um Roda Viva especial. É um Roda Viva em que os jornalistas debatem o Plano Brasil Novo. Pergunta do senhor Daniel Lourenço Filho, de São José dos Campos: "Qual seria o tempo para que a economia voltasse a atender a produção necessária para que a demanda voltasse ao país sem a inflação?" E, ainda nesta linha, pergunta Vagner Lanfredi, do Paraíso: "18 meses é suficiente para colocar essa massa de pessoas à margem do consumo - a maioria - em um patamar melhor de vida? E se não for suficiente, partindo do princípio de que o governo vai devolver o dinheiro retido, será que essa devolução não vai fazer com as coisas fiquem exatamente como estavam antes?" Vamos ver, quem é que responde a isso aqui?
Luis Nassif: Eu acho que é uma confusão que está ocorrendo aí. Até, um jornal do Rio provocou essa confusão: esse dinheiro não vai ser devolvido, é tudo [...]. Quando for devolvido - se o governo conseguir conduzir bem o plano, se houver confiança nas contas do governo, se se recobrar a confiança do mercado financeiro, se a economia se estabilizar -, você vai criar alternativas para as pessoas escolherem: quem quiser gastar, gasta; quem quiser poupar, vai ter o papel do governo ou o papel privado em que vai aplicar. Então, é o seguinte: quando você tira todo o dinheiro de circulação, você tem que devolver esse dinheiro para a economia, você tem uma programação de devolver esse dinheiro para a economia. Se não houver déficit público, se você não precisar pôr a maquininha para funcionar para pagar compromisso do governo, você pode fazer uma programação e devolver gradativamente esse dinheiro para a economia e criar alternativas também de poupança de investimento, que não acabaram.
Stephen Kanitz: Isso, se a economia estiver bem. E se a economia estiver mais ou menos bem?
Luis Nassif: Então, nós vamos conversar em Miami sobre o futuro do Brasil.
Celso Ming: Por que Miami? Não entendi. Por que Miami?
Luis Nassif: Hã?
Celso Ming: Por que Miami?
Luis Nassif: Porque todo "cucaracho", quando estoura a situação no país, vai para Miami.
[risos]
Celso Ming: Mas eu acho, Rodolfo, eu acho que é exatamente essa a questão. O governo só vai realmente ter credibilidade, o sistema financeiro [só] voltará a ser um sistema em que as pessoas estão confiando se esse dinheiro retornar, se houver a esperança de que esse dinheiro volte. Porque, se não houver essa esperança, então nunca mais, ou, pelo menos, durante muitos anos as pessoas não vão mais aplicar dinheiro no mercado financeiro. Então, é muito importante, é imprescindível que o plano dê certo para que as pessoas acreditem, também, no sistema financeiro e continuem poupando. Então, apenas para complementar aquilo que o Nassif havia dito: os próprios cruzeiros que hoje estão irrigando o mercado certamente não vão todos para o consumo; vai ter muita coisa... Até, inclusive, já tem dinheiro, muitos cruzeiros que estão indo para o overnight, para a caderneta de poupança, para os depósitos à vista nos bancos e outras aplicações, Fundos Nominativos - até ações, que são a aplicação do momento, que o Stephen Kanitz... Então, estão indo; realmente, está havendo uma ida desse dinheiro. Portanto, nem todos os cruzeiros - estes parcos cruzeiros que estão no mercado -, [nem todos] estão no consumo: ao contrário, eles estão indo também para a poupança.
Pedro Cafardo: O Ibrahim Eris disse que foram sacados apenas 10% dos recursos que poderiam ter sido sacados e disse também que...
Celso Ming: E muitos foram entesourados, levados para casa.
Pedro Cafardo: ...e disse também que a Caixa Econômica Federal está abrindo, por dia, quarenta mil novas cadernetas de poupança. Isso, ele disse hoje, eu não sei.
Luis Nassif: A gente vai ter que analisar esses números também, viu Pedro, pelo seguinte: você está em uma situação anormal; então, [para] todo mundo que tinha conta em cruzados, você começa [...] novo; você tira no dia 22 ou 23, que é uma época em que você não tem muita conta aberta, então você tem que abrir novas contas. Eu acho que alguns sinais que estão vindo aí, que ainda estão um pouco difíceis de a gente ler direitinho - esse negócio das contas de poupança, e essa questão do consumo, também, pois houve muita comparação desse consumo com o consumo de duas semanas atrás, de uma semana, quando estava tudo parado. Eu acho que, se a gente comparar esse consumo com o consumo em épocas normais, não está um consumo alto, também; eu acho que tem algumas leituras que... estão muito confusos, ainda, os sinais da economia.
Rodolfo Konder: Vamos fazer mais umas perguntas aqui dos telespectadores. O Airton Bahia, de Santana, ele pergunta sobre o pró-labore dos microempresários e a Alice Penha, também aqui de São Paulo, pergunta se há alguma coisa nesse plano que favoreça os microempresários. Nessa área do microempresário, como é que você, Fábio, vê a situação? Os microempresários estão sendo muito golpeados pelo plano?
Fábio Pahin: Eu acho que, quanto menor a empresa, mais ela é atingida. E o microempresário, muitas vezes, se confunde com o empresário informal. E essa questão da economia informal me parece uma das questões mais agudas de toda a reforma. O pressuposto é de que as pessoas são... Que havia um número enorme de sonegadores na economia brasileira - sonegadores, contrabandistas, bandidos -, enfim, que o grosso desse dinheiro da economia informal era quase produto de crime - ou crime fiscal ou, até, crime sujeito ao Código Penal, mesmo. E eu acho que essa é uma visão profundamente errada. Existe uma massa, milhões de pessoas que vivem dessa economia, para as quais essa limitação do cheque ao portador a três mil cruzeiros é muito pequena e que, de fato, não estão estabelecidas simplesmente porque não podem pagar os impostos e submeter-se a toda essa parafernália do nosso Estado. Um dos compromissos do governo é, exatamente, o de desregulamentar. Agora, nós precisamos ver isso na prática. No começo, o que você teve foi um aumento da intervenção - e, em nome da futura liberdade, você começou intervindo muito mais. E isso terá que ficar bastante claro. Com esse nível de impostos, não dá para...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Na linha dos impostos, na linha dos impostos, as alíquotas, você acha que...
Fábio Pahin: ...é um exagero de impostos, um exagero de impostos, há um exagero em toda a economia. Ela tem que funcionar com todos pagando; agora, para a economia informal, o nível de impostos atual é exagerado. E para o micro não é, mas ele está cada vez mais proibido, mais cerceado de ser micro. Eu suponho que haja aí uma mistura muito grande entre o micro e o informal. E aí é, até, uma área nebulosa. A economia informal representa, talvez, um terço da economia brasileira - esses números são muito controvertidos, mas o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] citou recentemente um PIB [produto interno bruto] de 482 bilhões de dólares.
Stephen Kanitz: Agora, o Banco Central está usando um PIB só de 360 bilhões para calcular essa liquidez.
Fábio Pahin: 303 - 303 é o cálculo do Banco Central.
Stephen Kanitz: Então, eles estão calculando uma liquidez sobre um PIB errado.
Fábio Pahin: Estão calculando, sem dúvida; se estiverem usando esse PIB, sem dúvida. Eu prefiro ficar com o PIB do Banco Mundial, que é de 382. Só para se ver a bagunça de números que é a economia. Nós não sabemos como medir a economia em dólares. E havia até um economista que brincava nos últimos dias; ele dizia o seguinte: “Bom, como o dólar caiu de preço, nós ficamos muito mais ricos, já passamos a Espanha de novo”.
[risos]
Luis Nassif: Boa, essa!
Rodolfo Konder: Agora, às vezes, as pessoas mencionam aspectos do plano que não estão sendo muito discutidos. Por exemplo, essa questão do envolvimento dos bancos no esforço de privatização das estatais. Quer dizer, os bancos sendo chamados, compelidos a comprar papéis que dizem respeito a esse esforço de privatização. Cafardo, na tua opinião, isso faz parte do lado mais moderno do plano, esse esforço de privatização?
Pedro Cafardo: Eu acho que é o lado moderno. Agora, tem uma certa desconfiança em relação a essa medida, sabe, porque, veja bem, a sociedade, a classe média sempre colaborou, pagou em cash, à vista. Esse plano de privatização, que o governo disse que vai enfiar pela goela dos bancos abaixo, ainda não foi detonado, certo? Quando é que os bancos vão ter que assumir esses papéis? Até agora, não assumiram. Será que eles vão ter condições? Se começar a quebrar banco - eu espero que não quebre, acho que não vai quebrar -, mas se começar quebrar banco, será que o governo vai continuar com esse programa?
Pedro Cafardo: De onde eles vão tirar o dinheiro? Não, o que eu quero dizer é o seguinte: a parte que a sociedade deu - a sociedade, as pessoas físicas, os microempresários -, a colaboração dela foi dada à vista, em cash, deixou ali.
Luis Nassif: Mas o banco vai entrar [...] por que quebrou [...]?
[risos]
Pedro Cafardo: Mas os bancos ainda não subscreveram estes certificados. Eu não sei quando vão ser; por enquanto, não se falou. Você sabe?
Luis Nassif: Eu acho que há alguns aspectos da privatização - essa parte fiscal - dos quais a gente não vai ter efeito de imediato. Aliás, hoje, no Jornal do Brasil, tem um artigo muito interessante, dos [economistas Edmar] Bacha, Gustavo Franco e outros, dizendo o seguinte. Esse plano de privatização concentrou uma soma de poderes na mão do João Bafo-de-Onça [vilão das histórias em quadrihos da Disney], do João Santana [secretário da Administração Federal], uma soma de poderes na mão do governo administrada pelo João Santana; e o que ele espera é o seguinte. Você tem que ter formas de controle, não [...], mas você tem que ter forma de controle por parte do Congresso, você tem que ter todo um processo que tem que ser conduzido com o controle do Congresso. Tem alguns aspectos do plano... É o seguinte, "quem for contra o plano é contra Deus", aquela história toda, sabe, onde se colocaram algumas medidas autoritárias que não têm nada a ver com a concepção do plano. Essa parte de você poder prender sem culpa formada, essa parte de uma privatização a ferro e fogo... eu acho que tem que ter algumas formas de controle. Agora, em relação aos bancos, não se definiu ainda qual é a parcela...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Mas o governo recuou em relação a esse lado das medidas mais autoritárias e questionáveis.
Luis Nassif: Felizmente, felizmente.
Rodolfo Konder: Do ponto de vista constitucional, o governo recuou.
Luis Nassif: Foi muito bom, foi muito bom o recuo. Realmente, mostrou que a sociedade... mostrou que o governo teve sensibilidade para esse aspecto.
Pedro Cafardo: Hoje, o [ministro do Trabalho Antônio Rogério] Magri disse que o presidente só recua mesmo nesses casos constitucionais. E até usou uma figura e disse: “O presidente, ele faz como uma criança: só quando ela é pega no aniversário passando o dedo no bolo, só nesse caso, ele recua."
Luis Nassif: Mas o recuo faz parte de um jogo político civilizado, eu acho.
Pedro Cafardo: Eu também acho, eu acho.
Luis Nassif: Negociar a pressão legítima.
Pedro Cafardo: Foi uma posição correta do presidente.
Luis Nassif: Eu acho que foi um amadurecimento grande, aí.
Celso Ming: Mas eu acho que, no caso, o próprio plano tem outros pontos também inconstitucionais que são inquestionáveis. Por exemplo, o fato da moratória de dívida interna: não pode ter moratória da dívida interna, não pode ter confisco, não pode ter empréstimo compulsório. E o que fizeram foi, realmente, um empréstimo compulsório, isso também está claro.
Rodolfo Konder: Você acha que isso não passa pelo Congresso e nem pelas Comissões do Congresso?
Celso Ming: Não. Isso é claramente inconstitucional. Mas não tem como ir contra isso, porque, se voltar atrás nisso aí, nós vamos ter uma situação do dia 15 de março [quando foi lançado o Plano Collor] e todos os cruzados voltam para o mercado - e aí todo mundo saca, e aí nós vamos ter o preço do pãozinho a 15 ou vinte milhões de cruzeiros... cruzados.
Rodolfo Konder: Ô Celso, nós temos aqui a pergunta do Michael Montanha, de Atibaia, que pergunta se o valor que a pessoa tem a receber do fundo ao portador é de 25% ou de 20%. E o João Cunha pergunta: "Por que cinqüenta mil como limite para a poupança?" Por exemplo, uma viúva que há anos vinha botando lá o seu dinheirinho e tal, e chegou a quinhentos ou seiscentos mil, por que penalizá-la com esse limite de cinqüenta mil? Qual foi a razão desse limite?
Celso Ming: Olha, eu acho que o primeiro equívoco é achar que o plano é justiceiro. O Plano não está querendo fazer justiça a ninguém. Essa história de punir especulador, como o Nassif acabou de dizer aqui, agora há pouco, é apenas uma questão de... foi uma "farofa" que puseram aí, não tem nada a ver com o plano; o que houve é que o plano, realmente, escondeu dinheiro, ele tirou dinheiro do mercado, e não olhando para onde.
Rodolfo Konder: [interrompendo] Indiscriminadamente.
Celso Ming: Indiscriminadamente. Então, essa questão...
Rodolfo Konder: Quer dizer, as velhinhas e os especuladores entraram no mesmo baú.
Celso Ming: Pois é, ele botou todo mundo de pé, um juntinho do outro, sem poder se mexer e aí passou a foice assim, reto. Então, quem tinha um metro e oitenta, foi pego aqui no peito; quem tinha um metro e meio, esse...
Luis Nassif: Um aqui, que escapou! [auto-ironizando sua baixa estatura]
[risos]
Celso Ming: ...conseguiu escapar. Mas o que é que houve? Houve realmente uma arbitrariedade. Agora, os cinqüenta mil cruzeiros da caderneta de poupança em si, eles também são uma arbitrariedade, no sentido... Inclusive, tem aquela idéia de que apenas 10% da população foi afetada e tal, 10% dos que tinham dinheirinho na poupança e foram afetados: isso não é verdade. Tem o pessoal da Abecip [Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança], [que] já deixou muito claro que não é bem assim. Quer dizer, as pessoas têm muito mais cadernetas, e a média, parece que isso... a média é realmente muito maior, não é Nassif?
Luis Nassif: É. Veja só...
Celso Ming: Então, esse ponto dos cinqüenta mil, realmente, se fosse pegar se é justo ou não, então nós vamos ter uma eterna discussão. Mas, como nós não podemos discutir se o plano foi justiceiro ou não... Se o plano é consistente economicamente, esse é outro papo, e aí eles próprios lá em Brasília não têm uma noção correta, porque não sabem quanto dinheiro realmente tem que ter na economia. Essa questão da economia informal, por exemplo, estava fora do pacote, estava fora do plano. Apenas por que é informal? Apenas porque não está nas estatísticas? Ela não usa cruzeiros? Claro que usa. Então, a conta tem que ser feita por aí, também.
Stephen Kanitz: Mas, Celso, tem muitos números arbitrários nesse plano, tipo cinqüenta mil cruzados...
Luis Nassif: [interrompendo] Deixe eu dar um exemplo...
Stephen Kanitz: ...35% do over [o overnight], 8% do...
Luis Nassif: [interrompendo] Eu conversei com... Esse negócio dos cinqüenta mil, pelo que o Banco Central informou para a gente lá, é o seguinte: no caso do over, era 25 mil ou 20%; então, no caso da poupança, se fizesse 25 mil ou 20%, eles iam deixar só 20% do saldo da poupança no mercado. Então, para beneficiar a poupança, eles jogaram para cinqüenta mil. E, com isso, a poupança ficou com 25% e não 20% - 25% do saldo de depósitos ficaram em cruzeiros. Agora, em relação ao fundo ao portador, que o telespectador coloca, tem dois números aí. Do fundo ao portador, pode-se sacar 20% ou pode-se converter 20% em cruzeiros. Agora, se for um fundo ao portador em que ele não consiga justificar a renda, [então,] além de poder sacar só 20%, ele tem que pagar uma tributação de 25%. Então, esses são... Ele confundiu os dois números: 25% é o que vai para o governo, mesmo como imposto.
Rodolfo Konder: Pedro, eu queria que você dissesse alguma coisa aos telespectadores sobre como é possível, neste momento, a gente ter uma avaliação de se esse plano tem mais chance de dar certo ou de dar errado. Agora, antes, eu queria lembrar também, aos telespectadores, que hoje nós estamos apresentando aqui um Roda Viva especial, com jornalistas que vieram como nossos convidados discutir o Plano Brasil Novo. Por favor, Pedro.
Pedro Cafardo: Eu acho que é mais uma das perguntas de um milhão de dólares. Vai dar certo? Um milhão de dólares. É isso, veja bem, nós já falamos aqui...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Mas já há como avaliar se está caminhando bem? Se está...
Pedro Cafardo: [interrompendo] Eu não arriscaria um palpite sobre se vai dar certo ou não, nesse momento, sabe? As pesquisas mostram que há uma aprovação muito grande por parte da população ao atual plano: parece que são 80% das pessoas que acham que o plano é bom e que vai dar certo. Agora, é curioso meditar um pouco sobre por que será que as pessoas estão aprovando o plano, se elas foram, de certa forma, roubadas no seu dinheiro. Roubadas! Eu tenho um amigo que diz: “Olha..."
Celso Ming: [interrompendo] "Confiscadas" é melhor.
Pedro Cafardo: Não, é a palavra... É como entrar na sua casa, na sua conta no banco, entrar na sua casa e pegar o dinheiro que está debaixo do seu travesseiro. É rigorosamente a mesma coisa, porque a sua conta corrente não pode ser mexida. Então, eu me pergunto por que é que as pessoas que tiveram esse dinheiro tomado ainda acham que o plano é bom e que vai dar certo. Eu imagino que, talvez, porque a imensa maioria tivesse muito pouco dinheiro e não deu contribuição. Só que essas pessoas não estão percebendo que o efeito vai se dar sobre elas, sobre o emprego delas, sobre o salário delas, nos próximos meses. Então, o grande risco que nós corremos é esse, quer dizer: daqui a dois ou três ou quatro ou seis meses, se houver uma crise de desemprego - e eu acho que as chances são grandes de haver essa crise -, é possível que a população comece a ficar frustrada. Aí, seria uma coisa muito grave. Espero que isso não aconteça.
Rodolfo Konder: Eu vou pedir para o Fábio, então, que me diga o seguinte. Fábio, mas já há economista, já há técnicos que estão dizendo, na intimidade, que o plano já está fazendo água, e há outros que continuam apostando no sucesso do plano. A sua opinião: você hoje já acha que é possível fazer uma avaliação se vai dar certo ou não?
Fábio Pahin: Bom, essa é a questão mais crítica no momento, não é? Absolutamente crítica. E que tem um componente emocional, porque todos nós somos sócios, na medida em que cada um de nós tem um dinheirinho lá congelado por 18 meses e, quando levantar a concordata, vai querer levantar esse dinheiro. Todos nós queremos receber, de fato, esse dinheiro, nem que seja em um papel - mas em um papel que a gente passe a acreditar. Hoje, a dívida pública tinha perdido a confiabilidade; se ela se recuperar em 18 meses, eu acho até que pode pagar a conta, não tem importância, vai receber o papel e está tudo bem. O problema do plano, nesses dias, é a execução. E você nota isso claramente com a sucessiva edição de medidas: medias provisórias que corrigem as anteriores, resoluções, circulares do Banco Central - por exemplo, em seis dias saíram três circulares, três medidas corrigindo a poupança. Primeiro, criou-se a liberação para poupança dos aposentados; depois, esclareceu-se que se precisava entregar o carnê, o RG e o CIC; e, afinal, está-se dizendo que, nas contas, só vale a parte proporcional, quer dizer, só se pode sacar de acordo com o número de pessoas que são titulares da conta. Então, você vê que está muito difícil acertar. E eu estou imaginando que não há, de fato, um entendimento adequado entre os membros da nova equipe - o pessoal novo que entrou no governo - e o pessoal velho, e a máquina burocrática. Isso é particularmente sensível no Banco Central. Hoje à tarde, eu conversei com uma alto funcionário do Banco Central - que, aliás, está deixando o banco - e ele me disse: “É isso mesmo, é por aí mesmo.” Então, é bom a gente se cuidar, porque, sem uma boa execução, a melhor das idéias acaba ficando perdida. Esse é o grande medo - eu acho que é o medo de todos nós.
Celso Ming: Ô Pahin, eu gostaria de fazer uma observação em relação ao que você disse. Eu acho que a execução é importante, de fato é importante. Quem está pilotando um [avião] Boeing tem que cuidar para que esse Boeing não caia. Mas veja bem, é preciso antes ver se o plano é consistente nos seus pontos básicos. Por exemplo, se o tal do choque fiscal, se a política fiscal... isto é, se o governo realmente vai deixar de gastar e se vai arrecadar mais. Será que vai ter esse superávit que estão dizendo, de 2% do PIB [produto interno bruto]? Ou que não terá? Será que vai ter... Vamos zerar o déficit, vamos acabar com o déficit - o que é fundamental para a saúde do plano no futuro? Será que vai ter isso? Eu tenho a suspeita de que algumas coisas não estão acontecendo na direção correta, nessa área. A gente vê que tem as despesas, aí, da aposentadoria - eu tenho um grande apreço aos aposentados, defendo os aposentados, mas o dinheiro que vai cair na conta dos aposentados já está previsto no orçamento ou não? Esse é um ponto realmente importante. Os bancos estaduais... Veja bem, o banco estadual sempre teve uma tradição de péssima administração. E os rombos nos bancos estaduais devem estar aparecendo, agora. Será que o [...] do Banco Central vai parar de funcionar também para banco estadual, agora? Este é um ponto que eu realmente quero ver na prática. Essa reforma administrativa vai realmente trazer uma redução de despesas para o governo? Essa recessão não vai ser tão forte que vai reduzir os impostos à arrecadação do governo? Isto já começa a criar algumas dúvidas em relação a um dos pontos fundamentais desse programa - que é um programa que corrigiu os anteriores, que não tinham a parte fiscal sólida. Eu tenho dúvida em relação a isso. Hoje...
Luis Nassif: [interrompendo] Deixa só...
Celso Ming: A outra parte - desculpe, ô Nassif - é a parte monetária, que também é uma parte consistente do plano. Hoje já discutiu aqui: "Será que não está faltando dinheiro", "Será que não está sobrando dinheiro, porque o pessoal foi comprar?". Então, há grandes dúvidas em relação não só à execução, mas à concepção da política monetária. Então, esse dois pontos me parecem absolutamente fundamentais para se decidir ou analisar se o plano vai dar certo ou não.
Fábio Pahin: Mas você está tocando em uma coisa essencial. O plano não acabou, ele continua com o Congresso e evolui depois que se promover todas essas reformas prometidas no programa do presidente. Sem elas... concordo com você.
Luis Nassif: Agora, veja o seguinte. Essa cacetada no setor, na poupança, exige que o governo não precise mais buscar dinheiro no mercado. O governo também se impôs, aí, a um plano sem retorno. Então, ele não vai ter alternativa. O presidente demonstrou aí que tem determinação e o plano mostrou que não tem retorno. Se o governo não conseguir esse superávit, não conseguir gerar mais os recursos de que ele precisa, o plano dançou.
Fábio Pahin: Nem para ele e nem para nós, não é, Nassif?
Luis Nassif: Hã?
Fábio Pahin: Nem para ele e nem para nós.
Luis Nassif: Nem para ele e nem ninguém, e nem para nós.
Rodolfo Konder: Eu vou ler rapidamente algumas perguntas para a gente ter uma idéia do que os telespectadores estão querendo saber. Roberto Baños: "Existe hoje, na situação em que o país se encontra, o perigo do sucateamento da indústria nacional?" E Clóvis Vivo: "O dinheiro de cinqüenta mil que a pessoa tem hoje na poupança, teria que ser sacado para que ela abrisse uma nova conta ou pode ficar na conta antiga?" Aqui, é uma pergunta sobre como ficam as empresas que possuem profissionais liberais que recebem por produtividade e como ficam as empresas que possuem contas em bancos que alegam não ter caixa suficiente para fazer os pagamentos. Nós vamos depois responder a algumas dessas indagações, lembrando sempre aos telespectadores que hoje é um programa Roda Viva especial, em que jornalistas vieram aqui a nosso convite para debater o Plano Brasil Novo. Mas vamos fazer, antes de começarmos a responder a essas perguntas e a algumas outras depois, um pequeno intervalo.
[intervalo]
Rodolfo Konder: Nós voltamos com o programa Roda Viva especial, que esta noite debate o Plano Brasil Novo, com a presença de alguns jornalistas que estão aqui conosco no estúdio para discutir as medidas econômicas do governo Collor. Eu vou lembrar que nós estamos transmitindo ao vivo, hoje, com as TVs Educativas de Porto Alegre, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e Pará; e, ainda, o programa será retransmitido pela TV Nacional de Brasília. E você, que está assistindo ao programa em casa, pode fazer perguntas pelo telefone (011) 252-6525. Eu vou relembrar rapidamente algumas perguntas aqui. "Se o governo vai pagar a dívida externa com os dólares comprados no mercado com os cruzados novos, não estaria tirando do capital nacional para ajudar o internacional?", pergunta o Antônio Fernandes Bertolas; e o Roberto Baños pergunta se não estará havendo um sucateamento da indústria nacional. Clóvis Vivo pergunta se os cinqüenta mil que as pessoas tinham na poupança terão que ser sacados para abrir uma nova conta. E o Glerton pergunta como ficam as empresas que possuem profissionais liberais, que recebem por produtividade, e como ficam as empresas que possuem contas em bancos que não têm, neste momento, liquidez, caixa suficiente para pagar. E eu vou acrescentar uma pergunta aqui bem provocativa, mas muito interessante, de Mari Carvalho, de Campinas. Ela pergunta: "Qual seria o programa milagroso que vocês colocariam em prática para alegrar gregos e troianos, se fossem presidentes da República hoje?"
Luis Nassif: Não tem programa milagroso, não tem tratamento sem dor, não.
Rodolfo Konder: Não tem? Não tem?
Luis Nassif: Não, não tem.
Rodolfo Konder: Quer dizer que o programa que está aí tem todos esses defeitos que vocês estão apontando, mas seria impossível botar um outro no lugar que não tivesse esses defeitos.
Luis Nassif: O grande problema da hiperinflação é que, para você tentar segurá-la, você tem que impor perdas em alguns setores, alguém tem que pagar. E, quando se tem um processo de pulverização, você não tem uma idéia, uma idéia básica lá, ninguém quer abrir mão do seu. É isso que leva ao impasse e acaba levando à híper. Então, não tem jeito, tem que sofrer para alcançar o céu. Em relação aos cinqüenta mil que um dos telespectadores perguntaram aí: não, esses cinqüenta mil cruzeiros são transformados automaticamente em uma conta nova em cruzeiros, sem problemas. A questão da dívida externa com os cruzados: não, cruzados são cruzados, não são dólares. O que o governo vai fazer vai ser esse câmbio livre: o Banco Central vai comprar dólar dos exportadores para negociar a dívida externa. Agora, ao que consta, o governo também pretende pôr um bloqueio compulsório na dívida externa, também. Vão pegar os amigos do Stephen lá de Nova Iorque e vão enquadrar também, Stephen.
Pedro Cafardo: Mas, ô Nassif, eu acho que, nessa questão do sofrimento, era importante dizer uma coisa. Você lembra que, no começo, muito antes do plano aparecer, surgiram umas notícias de que viriam alguns programas tipo sacolão, cesta básica para as pessoas. Depois, isso tudo foi desmentido; foi dito: “Não, isso virá em uma segunda fase, se houver a necessidade.” Então, essas notícias já significavam que a equipe já estava pensando nisso naquela época. O que eu acho é que o plano deveria ser acompanhado, ou precisa ser acompanhado urgentemente - porque não há dúvida de que vai haver queda de emprego - de algumas medidas nessa área social, tipo um salário-desemprego que funcione, tipo uma cesta básica para as pessoas de baixa renda. Quer dizer, eu acho que isso não precisa esperar, isso tem que se fazer já...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Mas aí, mas aí, Pedro...
Pedro Cafardo: Depois, leva três ou quatro meses para regulamentar e as pessoas passam fome.
Rodolfo Konder: Mas a primeira dúvida que me assalta é o seguinte. Nós temos uma tendência - é uma velha tradição nossa -, a pensar sempre no papel do Estado como onipresente. Quer dizer, [o Estado] é capaz de garantir tudo isso. Se nós estamos apostando - e isso nos coloca em sintonia com as tendências do mundo hoje - na direção da economia de mercado, é justo que se cobre do Estado esses velhos papéis...
Pedro Cafardo: Não, mas, me desculpe...
Luis Nassif: [interrompendo] Justíssimo. Justíssimo, isso aí é função do Estado.
Pedro Cafardo: Mas, nessa área, é função específica do Estado, ninguém pode fazer na iniciativa privada nesse... É lógico que o Estado pode estimular as empresas a participarem de um eventual programa dessa natureza, mas é função do Estado criar esse programa. Eu acho que aí não há discussão.
Rodolfo Konder: E o sucateamento da indústria nacional, você acha que pode acontecer, Celso?
Celso Ming: Eu não vejo evidência de que, logo no início do plano, haja um sucateamento. Acho que, nesse momento... Esse plano foi o quê? Esse plano está tentando apagar o incêndio. E vai apagar ou não vai apagar? Conseguiu, não conseguiu? Essa é a pergunta, hoje. Agora, a reconstrução da casa ou, digamos, o que vai sobrar da indústria, do parque produtivo, isso é um questão que já vem logo em seguida.
Rodolfo Konder: As indústrias que poderiam desaparecer neste primeiro impacto seriam indústrias com vida artificial, por exemplo? Pode se admitir isso?
Celso Ming: Vai ter um período de recessão, de recessão econômica, isto é, uma paradeira na produção [que] leva a concordatas e também a um certo nível de falências. Isso é natural que exista. Então, algumas das empresas que já estavam normalmente fracas, essas aí tendem a ficar mais fracas ou até a desaparecer. Agora, é preciso saber primeiro qual é a profundidade dessa recessão que nós começamos a viver agora, e até que ponto não vai ter alguns canais para irrigar com energia nova essas empresas que talvez não estejam muito bem. Mas, em princípio, algumas empresas, inclusive algumas empresas estatais, tendem a desaparecer.
Luis Nassif: Ó, tem muita empresa privada sólida aí. Eu gostaria de opinar um pouquinho sobre isso aí, Rodolfo. Acho que têm dois pontos. Eu acho que é muito cedo... essa visão pessimista que se tem hoje em relação ao plano... Vamos supor, só por um exercício, que o plano possa dar certo. Há uma possibilidade de dar certo, nós estamos em um primeiro momento. O Banco Central - que é uma questão chave hoje e que está levantando muita poeira na medida em que não conseguiu regulamentar as atividades bancárias -, na medida em que regulamente as atividades bancárias, você tira um foco de tensão. Vamos supor que o pessoal do governo tenha essa sensibilidade para fazer essa irrigação de uma maneira eficiente - que é papel do economista, aliás. O [economista José] Pastore fez um artigo muito bom para a [revista] Exame. É papel do economista minimizar o sacrifício geral, também. Se você quiser matar a inflação matando o país... Então, o que eu estou apostando no plano até agora é que me parece que o fato de não ter aberto as torneiras agora não significa insensibilidade, significa [que] se dá um tempo até se perceber melhor essa questão da liquidez. Mas o que me parece é que, se vai irrigar, você pode ter uma recessão menos aguda do que se espera. Vai ter recessão? Vai. Vai ter desemprego? Vai. Mas, se for bem conduzido, você tem chances. Se o câmbio voltar a funcionar, se a exportação voltar a funcionar, você pode ter chance de ter uma recessão menos dramática do que aquela que está sendo esperada.
Stephen Kanitz: Mas esta é uma visão em que o Brasil é um Boeing e que ele funciona, é só tocar um “flapzinho” que ele vai imediatamente. Quer dizer, o Brasil não é exatamente um Boeing feito nos Estados Unidos, em que o economista decide pôr 3% aqui e lá responde 7% imediatamente. Então, como é que fica essa equação [no caso em] que a economia é dez mil teco-tecos, que respondem diferentemente?
Luis Nassif: O que eu acho é o seguinte. Teve um líder do governo - eu acho que foi o [deputado] Ricardo Fiuza [1939-2005] - que falou: “Não, vai ser uma recessãozinha por dois meses.” Ninguém marca data para recessão. Quando você tira o dinheiro da economia, [são] os economistas que dizem, como é que é, "A política monetária é uma corda: é boa para puxar; para empurrar é ruim." Então, quando você deflagra em um processo recessivo, se você quebra a cadeia de produção, você pode injetar todo o dinheiro do mundo lá que, realmente, não levanta o defunto. Então, esse é o ponto que causa um tremor danado nos economistas. É o seguinte. Se o governo demorar demais... Nós estamos em uma operação, o doente está com a barriga aberta e o pessoal e a Zélia lá estão com o bisturizinho tentando encontrar a veia, a jugular. O receio é esse, eu acho que o medo dos economistas hoje é o seguinte: se o governo não conseguir agir a tempo, se se entra em um processo recessivo, você não reverte. Esse é o receio que todo mundo que tem cabeça, [...] tem medo...
Stephen Kanitz: [interrompendo] A Zélia, a Zélia se considera uma “neokeyneseniana” [termo relacionado ao pensamento de John Maynard Keynes (1883-1946)], que pensa que...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Eu vou interromper vocês um minutinho...
Stephen Kanitz: ...que pensa que é fácil repor a qualquer hora. Quer dizer, ela não é monetarista.
Rodolfo Konder: Olha, eu vou interromper vocês um minutinho para registrar aqui a presença, a honrosa presença de Marco Antônio Rocha, editor de economia da TV Record, velho amigo meu; trabalhamos junto na [revista] Visão.
Marco Antônio Rocha: Não "velho", não é? Antigo...
Rodolfo Konder: Antigo, antigo. Você chegou atrasado por quê? Estava examinando, estudando as novas medidas do governo?
Marco Antônio Rocha: Não...
Rodolfo Konder: O plano está fazendo água?
Marco Antônio Rocha: Não, eu não estava estudando, porque eu desisti de entendê-las, mesmo...
Luis Nassif: Estava transferindo umas titularidades aí, Marquinho?
Marco Antônio Rocha: Eu estava gravando o programa Imprensa na TV do próximo domingo.
Rodolfo Konder: Sei. Bom, a essa altura, deve ser complicado, porque no próximo domingo, até lá tanta coisa pode acontecer...
Marco Antônio Rocha: É.
Rodolfo Konder: Mas Marco, você acha que o plano já está fazendo água [por causa] dessas mudanças aí? Essas concessões significam um rompimento da represa do presidente?
Marco Antônio Rocha: Não, veja bem. Eu cheguei atrasado, certo - aliás, peço desculpas a vocês e aos telespectadores por isso -, quer dizer, estou pegando o bonde andando e não sei ainda o que foi debatido, o que foi colocado aqui. Mas eu acho que nós temos que olhar o plano - não sei se isto já foi dito -, olhar o plano em função do ambiente que nós tínhamos: nós vínhamos em uma turbulência, em um tumulto da vida econômica absolutamente absurdo. Quer dizer, as coisas estavam todas elas fugindo do controle. Então, nós temos que olhar esse plano - que não é bem um plano, na verdade, é mais uma vez um choque [heterodoxo] [política de combate à inflação caracterizada por medidas radicais e não usuais]; dado de outra maneira, mas é um choque -, nós temos que olhá-lo nesse contexto. O que é que ele fez? Transferiu brutalmente uma quantidade brutal, transferiu praticamente toda a liquidez da economia do setor privado para o setor público, baseado na premissa de que, com isso, dá uma parada brutal também na escalada dos preços e, supostamente, deve manter esses preços estáveis. Agora, evidentemente que criou um outro tipo de turbulência. Nós tínhamos uma turbulência anterior, que era o descontrole da economia, e não tínhamos nenhuma perspectiva. Agora, nós temos um outro tipo de turbulência, a turbulência da arrumação. Antes, nós estávamos na turbulência de desarrumação; esperemos que esta aí seja a turbulência da arrumação. Neste sentido, eu vejo o plano com bons olhos, com um espírito positivo. Quer dizer, é um tentativa de arrumação - se vai dar certo ou não vai dar certo, é outra coisa; é realmente prematuro a gente estar fazendo aqui cogitações ou especulações sobre se vai haver recessão, de quanto será essa recessão, se não vai haver recessão, essas coisas todas. Nós tivemos o prêmio de Fórmula 1 aí, tem um carro daqueles de Fórmula 1 que tem 8 cilindros ou 6 cilindros; agora estão fazendo um motor Honda com 12 cilindros.
Celso Ming: [interrompendo] A Ferrari é com 12.
Marco Antônio Rocha: É, se você corta 80% do combustível do carro, [se] corta 80% do cilindro do carro, evidentemente ele continua andando, mas não será mais um carro de Fórmula 1 nem vai fazer uma média de 276 quilômetros por hora.
Luis Nassif: Mas você acredita que é o Ayrton Senna [(1960-1994), piloto brasileiro campeão de Fórmula 1 em 1988, 1990 e 1991] que está no comando, na pilotagem do plano?
Marco Antônio Rocha: Bom, aí é que nós não sabemos.
Pedro Cafardo: Não, é o [Satoru] Nakajima [primeiro piloto japonês a disputar uma temporada completa de Fórmula 1 e o primeiro do mundo a ter filmagens televisivas do interior de sua cabine. Tido como mau piloto]...
Marco Antônio Rocha: Que tipo de piloto nós temos, nós estamos aprendendo, está sob observação. Agora, eu vejo, digamos, sob um aspecto positivo, o plano neste sentido, nesse sentido apenas: o de que foi feito alguma coisa. O governo tomou uma iniciativa, o governo - e aqui eu estou considerando a instituição "governo", deixando de lado se era [José] Sarney [presidente da República de 1979 a 1985], se não era Sarney, se era... O governo estava sem iniciativa, estava sem nenhuma possibilidade de atuação; agora, ele assumiu a iniciativa muito bem...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Agora, essa iniciativa...
Marco Antônio Rocha: Essa iniciativa...
Rodolfo Konder: ...ô Marco, ela aponta em que direção? Você acha que ela aponta, por exemplo, na direção da modernização?
Marco Antônio Rocha: No momento ela aponta estrita e exclusivamente na direção da parada dos preços, e mais nada...
Luis Nassif: [interrompendo] Por favor, deixa eu falar um negócio.
Marco Antônio Rocha: Esse negócio da modernização da economia, da reforma do Estado, tudo isso é outra história, certo? Agora, em todas as vezes que aconteceu, nós temos observado, nos diversos planos, [nas diversas] tentativas de estabilização da economia brasileira, o seguinte. A política monetária, as medidas monetárias desses planos são muito rápidas, muito eficazes e têm um efeito em curtíssimo prazo. As outras medidas - as medidas fiscais, as medidas administrativas etc. - só conseguem ser postas em marcha a médio e a longo prazo. E, na verdade, o que tem acontecido historicamente é que, antes que o ajuste fiscal entre em fase, antes que a reforma administrativa seja feita e tudo mais, a política monetária começa a desandar de novo e a coisa volta à estaca zero.
Luis Nassif: Você me da só um tempinho a mais, é que as pessoas, até agora, elas estão... Acho que não entenderam direito por que é que esse dinheiro foi tirado delas. Eu acho que é uma dúvida; eu acho que foi mal explicado o plano, também - sem querer ser o professor. Me dá só três minutinhos, é o seguinte. A economia, você a divide entre aquela riqueza financeira que você tem aplicada e os bens que você compra com aquela riqueza financeira. Tem que haver um equilíbrio. Então, quando você tem economias equilibradas, então, se os preços começam a aumentar, você diminui a quantidade de dinheiro e os preços caem, e vice-versa. No caso brasileiro das economias hiperinflacionárias, os preços passam a ter uma dinâmica muito grande e as aplicações são corrigidas diariamente pela inflação. Então, o governo fica sem capacidade de controlar a emissão. Ele tem que emitir, simplesmente porque tem inflação. Então, o governo tinha três alternativas para tentar acabar com essa questão - porque toda vez que vinha um plano, o plano parava os preços e aquele dinheiro financeiro, aquela riqueza financeira era endereçada para compra de bens, para compra de estoque e os preços voltavam a subir. Era isso que acabava com todos os planos. Tem três maneiras de resolver esse nó. A primeira maneira e a seguinte: o governo fazer um confisco, mesmo. Eu vou, tiro 80% daí, esse dinheiro é meu, você ficam com 20% e com pouco dinheiro, cria-se uma nova moeda. Os preços caem - porque vai ter menos moeda para comprar aquilo lá - e, com o tempo, o governo vai emitindo de novo, jogando dinheiro na economia. Só que, devolvendo aquele dinheiro, ele tirou de você e devolve para o seu vizinho, porque aquele dinheiro não tem dono, ele devolve para o setor que ele quer. Uma segunda maneira é a hiperinflação. Os preços aumentam tanto, tanto, tanto, que aquele dinheiro que tem na economia perde completamente o valor. Daí surge uma nova moeda - o dólar, seja lá o que for -, que vai servir de base para os preços. Os preços, têm que cair para se adaptar a quantidade daquele novo dinheiro. E, com o tempo, o governo tem uma nova moeda, igual ao dólar, e tenta equilibrar a economia. Foi esse plano quem tentou, foi fazer o seguinte: tira aquele dinheiro que tinha que ser tirado da economia, mas esse dinheiro fica carimbado; então, você cria uma novo dinheiro, que é o cruzeiro - uma moeda mais forte, uma moeda mais rara. Os preços têm que se adaptar a esse novo dinheiro. E, quando você tiver novamente que pôr uma maquininha de dinheiro para funcionar para devolver o dinheiro para a economia, aquele dinheiro volta para aquelas pessoas de quem ele tinha tirado. Então, a lógica do plano é essa, basicamente.
Stephen Kanitz: E porque é que os preços não sobem?
Luis Nassif: Os preços não sobem por que têm...
Stephen Kanitz: [Por que não subiriam] nesse momento em que você devolve a economia?
Luis Nassif: Você tem uma programação. Se você tem a volta do dinheiro para a economia - que volta, junto com uma volta da atividade econômica - você pode balizar. Se volta tudo de uma vez, obviamente você tem uma explosão da inflação. [Mas,] se esse preço sanciona o aumento de produção, você pode fazer um balizamento. [Para] esse balizamento, você cria maneiras desse dinheiro voltar para aplicações financeiras, para títulos do governo. Você está tirando do consumo. Então, você pode fazer de uma maneira equilibrada aquele processo de emissão de moeda que o governo tem que fazer. Ele pode fazer voltando esse dinheiro para os seus titulares antigos...
Stephen Kanitz: [interrompendo] Agora, mas os preços...
Luis Nassif: Agora, para isso, tem que controlar o déficit público e tudo.
Stephen Kanitz: ...os preços estão caindo agora, Nassif, porque as empresas estão cobrindo só os seus custos variáveis. Elas estão aceitando um preço que cubra o preço do salário. Algumas nem estão querendo cobrir o preço da matéria-prima que elas têm estocada. Deixaram a depreciação [do material estocado] de lado, que elas realmente não estão cobrindo neste momento, e nem é necessário -, despesas de propaganda, treinamento de pessoal; tudo isso foi postergado. Então, os preços estão caindo em parte por causa disso. O preço não é de equilíbrio, é um preço de liquidação, como nós diríamos. Agora, quando o dinheiro voltar à economia daqui 18 meses, as empresas obviamente vão ter de começar a fazer treinamento de pessoal de novo, vão gastar em propaganda...
Luis Nassif: [interrompendo] Quer dizer que você...
Stephen Kanitz: ...e aí o preço vai ter que voltar a um certo equilíbrio.
Luis Nassif: Quer dizer que você considera que os preços praticados antes do dia 15 eram preços de equilíbrio, eram preços que refletiam custos?
Stephen Kanitz: Bom, passamos de um que não era de equilíbrio, para um outro que também não é de equilíbrio.
Luis Nassif: Sim, mas nós estamos em um momento...
Stephen Kanitz: De uma turbulência, passamos para uma outra turbulência, que eu acho...
[sobreposição de vozes]
Luis Nassif: Mas antes não tinha...
Marco Antônio Rocha: Deixa eu chamar a atenção para um fenômeno interessante. Eu falei agora há pouco do carro: se você cortar o combustível do carro, o carro realmente anda menos, ele não tem jeito, certo? Agora, o mercado não: o mercado, quando ele vem funcionando em um certo ritmo, é difícil você parar. Ele pára, mas é uma coisa difícil. Então, hoje eu estava pensando em um fenômeno interessante: é a criação de moeda pelo próprio mercado. Quer dizer, o governo tirou a moeda, confiscou a moeda. Então, hoje eu estava conversando com um diretor de uma grande multinacional [sobre] o negócio do problema da folha de pagamento do final de março; ele estava cogitando a seguinte hipótese: pagar os salários de março.
Pedro Cafardo: Com vale.
Marco Antônio Rocha: Hã?
Pedro Cafardo: Com vale.
Marco Antônio Rocha: Não, uma parte dos salários, pagar normalmente em cruzeiros; e, para a outra parte, entregar uma nota promissória da empresa com vencimento em 30 dias e os juros embutidos. Ora, trata-se de uma empresa poderosa, com nome na praça, com crédito internacional, o diabo a quatro. É uma nota promissória que qualquer um aceita, certo? Você aceita nota promissória dessa empresa.
Pedro Cafardo: Você desconta no banco.
Marco Antônio Rocha: Exatamente. Então, o assalariado recebe aquela nota promissória; se ele quiser, ele guarda os 30 dias e recebe os juros; mas, se ele não quiser, ele vende no comércio, ele troca por mercadoria. Então, você tem a possibilidade de surgirem moedas paralelas no sistema econômico.
Luis Nassif: De qualquer maneira, você está encontrando liquidez.
Rodolfo Konder: Eu queria fazer uma pergunta, aqui, do telespectador Francisco Andrade. Ele diz o seguinte: "Que credibilidade tem o governo para garantir o retorno do confisco?" Eu queria que o Fábio Pahin dissesse alguma coisa sobre isso. No passado, nós tivemos vários exemplo de recursos que foram confiscados e não foram devolvidos. Agora, qual seria a credibilidade deste governo para a gente ter a garantia de que o dinheiro será devolvido?
Fábio Pahin: Bom, a questão de credibilidade é a questão da aceitação. As pessoas não perceberam ainda o tamanho do buraco para o qual estão indo, não perceberam o quanto ocorrerá de desemprego e o quanto elas estão preparadas para isso. Nós até imaginamos que uma grande maioria não está preparada para isso, porque já vive em um grau de miserabilidade suficiente para não poder aceitar mesmo isso. Então, como é que a sociedade vai reagir a isso? Será que a sociedade está imaginando que a recessão será muito grande? Eu agora estou começando cada vez mais me convencer de que ela será muito grande. Bom, então a credibilidade dependerá exatamente disso.
Rodolfo Konder: Mas a gente fala em recessão muito grande - ô Fábio, me perdoe -, mas seria interessante dar uma idéia para os telespectadores do que significa uma recessão muito grande.
Fábio Pahin: É fácil. Há pouco, nós estávamos falando em sucateamento da indústria e estávamos falando em negócios mal feitos. O mercado imobiliário, nos últimos meses, lançou muito mais imóveis do que possivelmente o mercado fosse absorver quando esses imóveis estivessem prontos. Eu não sei o que vai acontecer com isso. Acho que vai ter muito imóvel sobrando, apesar de toda a crise de falta de imóveis, de outro lado, porque você precisa compatibilizar o que as pessoas querem comprar com aquilo que está em oferta. Bom, então, nessa área imobiliária, mesmo que venha um socorro - acho que vem em linha de liquidez aí, porque é um setor muito crítico -, a estimativa de uma grande empresa, da mais tradicional das empresas, da mais forte das empresas dessa área é de que haverá duzentos mil desempregados no estado do São Paulo. E essa...
Stephen Kanitz: Na área da construção?
Fábio Pahin: Na área de construção civil. E essa é uma expectativa imediata. E esse é o pessoal que come e dorme no alojamento.
Pedro Cafardo: Fábio, Rodolfo, olhem, vocês estão tentando imaginar o que seria uma recessão muito grande. Acho que ninguém conhece recessão no Brasil. Nós todos aqui nunca vivemos... Teve em 1982 uma pequena, teve a do Roberto Campos [(1917-2001), ministro do Planejamento de 1964 a 1967], mas acho que a maioria das pessoas também não se lembra. Mas você poderia fazer um cálculo: o que aconteceu em 1982, multiplica isso por dez ou por vinte...
Rodolfo Konder: Você mata o povo.
[risos]
Pedro Cafardo: ...para você ver. É o que vai acontecer se o plano conseguir continuar como está aqui. Porque em 1982 foi uma recessão; quanto foi à queda do produto [interno bruto]? 1%, não é isso?
Luis Nassif: Deve ser mais, hein?
Pedro Cafardo: Não, foi revista depois para 1% ou 1,5%. [Essa] foi a queda do produto em 1982.
Rodolfo Konder: Ô Fábio, mas, em relação à devolução do dinheiro, você acha que o governo vai ter condições? Para a gente concluir a pergunta anterior, você acha que o governo vai ter condições de devolver em 18 meses esses recursos?
Fábio Pahin: Esta questão está estritamente ligada à questão da credibilidade. Vamos dizer que - vamos pegar o melhor do cenário - a inflação ficou baixíssima nesse período todo, o acerto fiscal foi muito bom... Aliás, a propósito, o Marco Antônio Rocha colocou um pouco em questão esse ajustamento fiscal e insistiu mais na parte monetária. Você viu essencialmente como programa monetário.
Marco Antônio Rocha: Por enquanto.
Fábio Pahin: Eu tenho uma certa dúvida, na medida em que o nível de juros pagos pelo Estado sobre a dívida pública correspondia a mais o menos uns 5% do produto. Esse número não é preciso, é um numero ainda estimado; uma parte ficava embutida no Banco Central e isso vai demorar um pouco para aparecer. Se esse número for exato, só com a diminuição brutal dos juros da dívida pública, você vai ter metade da economia fiscal que você precisava ter. Então, é um número fantástico em termos da economia fiscal. E, aí, o programa...
Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Não, você vai ter uma diminuição do desembolso, não uma economia.
Fábio Pahin: Eu não sei.
Marco Antônio Rocha: Você está diferindo despesa no fundo. Bom, tudo bem, vai.
Fábio Pahin: Para o [ano fiscal em] exercício, essa observação é correta; para o futuro, eu sei que você pode estar realmente transferindo o encargo. Então, se você chegar daqui a 18 meses com um nível de inflação baixíssima, com a economia já tendo saído da recessão aguda e já começando a se recuperar; enfim, se o governo comunicar bem... aquilo que se dizia quando saiu o plano foi uma catástrofe, porque ninguém entendeu nada; a ministra não conseguiu explicar a história direito e o Ibrahim, o forte dele não é mesmo...
Luis Nassif: Deixe seu dinheiro no Banco Central...
[risos]
Fábio Pahin: Então, se houver isso [se se chegar aos 18 meses com inflação baixa e economia já se recuperando], eu acho que você vai sair com credibilidade, você vai conseguir entregar os cruzeiros daqui a 18 meses e as pessoas vão aceitar os títulos públicos. Eu só estou imaginando que a dívida foi alongada por 24 meses compulsoriamente e que ela voltará a rolar neste prazo porque, se não for assim, de fato ele não dará certo e não vai funcionar.
Marco Antônio Rocha: Aliás, nós precisamos esclarecer aqui que o único economista turco do Brasil é o Ibrahim Eris, porque o Nassif, o Pahin e o [economista Alberto] Tamer são árabes, não são turcos.
[risos]
Luis Nassif: O turco corta a cabeça dos outros.
Fábio Pahin: Eu só quero corrigir o Marco, porque eu sou português, eu sou cristão-novo, porque o vovô fez a árvore genealógica...
Luis Nassif: Pahin, é que meus avôs...
Fábio Pahin: [interrompendo] Mas eu me orgulho muito dos meus amigos árabes.
[risos]
Luis Nassif: ...meus avôs estiveram por lá e deixaram uma sementinha lá. Deixa eu só falar um pouquinho dessa questão da devolução.
Rodolfo Konder: Eu vou precisar ler mais umas perguntinha aqui, porque temos uma quantidade muito grande de perguntas, Nassif; depois eu volto para ti. Pergunta, aqui, o Osvaldo Reis, do Tatuapé: "Com a diminuição da renda das indústrias, o governo não estará deixando de arrecadar impostos? E como ele sobrevive assim?" Antônio Carvalho, de Mogi das Cruzes, diz: "O Collor vai mexer na remessa de lucros para o exterior? E como ficam, nesse caso, os nossos operários?" Marilourdes Ferreira reclama: "Para tirar, foi de uma vez só; mas, para devolver, eles vão pagar em 12 vezes." Antônio Bosco, de Americana, pergunta se a conta corrente acima de cinqüenta mil também fica bloqueada para aposentados. João Rodrigues, de Rio Preto: "Como fica o microempresário que não pode fazer a retirada do seu pró-labore em cruzeiros e tem que pagar os tributos em cruzados?" E Bernardeli, de Campinas: "Qual a garantia do empresário de fazer dívidas para o pagamento de funcionários, se ele não tem nem cruzados e nem cruzeiros porque as vendas estão paradas?" Alguma idéia das dúvidas que têm os nossos telespectadores? Por favor, Nassif.
Luis Nassif: Eu acho que, em relação ao empresário fazer dívida para pagar os salários, eu tenho a impressão de que 95% não vão fazer dívida. Eu tenho impressão que não vão fazer. As recomendações de muitos advogados são no sentido de não fazer dívida, porque, realmente, sem uma garantia de geração de recursos futuros, eles estão condenados. Em relação aos aposentados com cinqüenta mil...
Celso Ming: [interrompendo] Desculpe, eu acho que tem um fato novo agora, ô Nassif. Se essa nova dívida puder ser garantida pelos cruzados, eu acho que não há por que não fazer. Até porque, se a empresa não tiver condições de pagar, o governo fica com os cruzados - que eram exatamente os cruzados necessários para pagar os salários, entende?
Luis Nassif: Tá, mas...
Celso Ming: Então, por aí não.
Luis Nassif: Você tem um mês aí, para você poder garantir totalmente os cruzados. O que eu digo é o seguinte: os empresários, eles tinham uma perspectiva de geração de recursos X; essa perspectiva de geração de recursos permitia pagar uma folha Y; se não tiver uma garantia dessa pela frente, eles não vão rolar sem o ajuste do desemprego, sem ter essa garantia futura. Esse é um ponto... Em relação aos cinqüenta mil dos aposentados, o governo achou que...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Em conta corrente.
Luis Nassif: ...em conta corrente, o governo achou que... Eu acho que essa medida dos aposentados foi demagógica e ineficaz. Primeiro, pegou só a poupança. Nos últimos tempos, os fundos viraram uma aplicação popular. Segundo, só pode tirar da poupança quem tem aposentadoria de até 16 mil cruzados mensais. Quem tem aposentadoria de até 16 mil cruzados mensais, se conseguiu montar a poupança, é um gênio, precisamos colocar no lugar de Zélia, lá [no Ministério]. Justamente o pessoal sem capacidade de formar poupança foi autorizado a liberar a poupança. O pessoal que tinha uma aposentadoria maior, que tinha poupança, que tinha um nível de despesa maior, que usava a poupança para complementar...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Mas a liberação foi só para a poupança? Quer dizer, a conta corrente, não?
Luis Nassif: Não.
Marco Antônio Rocha: Não, nem conta corrente, nem over e nem...
Pedro Cafardo: Espera aí, espera aí, não é bem assim.
Marco Antônio Rocha: Aliás, hoje, em um telefonema para o Banco Central, já me disseram que está havendo uma enorme pressão para estender o tratamento que foi dado, no caso da poupança, aos aposentados que tinham dinheiro também no fundo e no over.
Luis Nassif: Claro!
Marco Antônio Rocha: Está na pauta do Banco Central.
[risos]
Luis Nassif: Mas ele tinha que pensar nisso aí.
Rodolfo Konder: Mas também só os aposentados que ganhavam até 16 mil, é isso?
Marco Antônio Rocha: Bom, é o mesmo tratamento.
Rodolfo Konder: Quer dizer, [os] que não pagavam imposto de renda.
Marco Antônio Rocha: É o mesmo tratamento.
Pedro Cafardo: Mas o problema é que os aposentados que ganham até 16 mil vêm há anos e anos e anos fazendo poupança. Eles não começaram a fazer agora, muitos deles têm mais de cinqüenta mil, sim, senhor, mesmo ganhando menos...
Luis Nassif: [interrompendo] Você pode ter um ou outro, um ou outro.
Pedro Cafardo: Não, eu acho que são muitos, Nassif, muitos.
Luis Nassif: Bom, mas são milagrosos, com 16 mil mensais, conseguir fazer poupança.
Pedro Cafardo: Eu conheço muitos aposentados que têm. Conheço muitos. Aliás, quase todos têm uma boa poupancinha, sabe. Os mais velhos.
Luis Nassif: Você conhece muitos que ganham acima de 16 mil que dependiam da poupança?
Pedro Cafardo: Não, eu conheço gente que ganha menos de 16 mil, muito menos, e que tem poupança com mais de 50 [mil].
Luis Nassif: E você conhece quem ganha mais que 16 mil e precisava da poupança para conseguir suplementar a sua renda? Eu conheço um monte, também.
Pedro Cafardo: Conheço.
Luis Nassif: Então! Essa diferenciação, de achar que, [se] o sujeito ganha mais de 16 mil, ele consegue viver sem a suplementação da poupança, eu não entendo.
Rodolfo Konder: Ô Celso, e a questão da remessa de lucros, como é que é? Vem um outro pacote agora, para a dívida externa?
Celso Ming: Bom, deixa eu falar. Eu acho que tem um aspecto que nós não discutimos aqui. Foi religado realmente aos dólares. O primeiro ponto é que o plano não está prevendo nada, nenhum mecanismo para a volta ao país dos dólares covardes que saíram por aí, que estão depositados por aí, esses 35, quarenta bilhões de dólares, que é a avaliação disponível, esses dólares que foram embora porque não confiaram no Brasil e que agora estão aí, zanzando pelo mundo, e que teriam vergonha de voltar.
Marco Antônio Rocha: [interrompendo] Com razão.
[risos]
Celso Ming: Como que é?
Marco Antônio Rocha: Está provado que tinham razão.
[risos]
Celso Ming: Pois é, nada foi feito.
Marco Antônio Rocha: Não são dólares covardes, são dólares espertos.
[risos]
Celso Ming: Está certo, esse pessoal não tem nenhum mecanismo para voltar porque, inclusive, agora, com o fim do cheque ao portador, dos títulos ao portador, está difícil converter esse... até explicar por que é que estava lá fora.
Pedro Cafardo: Se voltar, o doutor Tuma [Romeu Tuma, diretor-geral do Departamento de Polícia Federal] pega, não é?
Celso Ming: É, pega. Então, essa é uma forma do plano nesse ponto. Outra questão, também ligada ao dólar e também às remessas é a questão do câmbio, o câmbio oficial flutuante. E, nesse momento, a gente está vendo que o exportador não está indo para o câmbio porque o exportador tem um custo maior do que o câmbio está retornando em cruzeiros; e o importador não está indo, porque não tem cruzeiro para comprar dólar. Então, está, no momento, um câmbio meio emperradão aí, apesar de haver toda essa flutuação. O Banco Central parece que já está atuando, está...
Pedro Cafardo: O Banco Central já comprou oitocentos milhões de dólares.
Celso Ming: Comprou de exportadores. Sim, mas os importadores, por exemplo, não estão comprando câmbio ainda.
Pedro Cafardo: Esses, não estão comprando.
Luis Nassif: Celso, você conseguiu desovar os seus dólares já ou como é que é?
Celso Ming: Você está falando com ele? [apontando para Pedro Cafardo]
Luis Nassif: Com você.
Pedro Cafardo: Eu não tenho nenhum.
Luis Nassif: Não, é com o Celso.
Celso Ming: Não é comigo o dólar, não, eu estava no over mesmo, que nem a Zélia. Só que eu realmente confiei demais nela. Agora, essa questão do câmbio precisava se ver, porque nós estamos com um monte de câmbio: nós temos câmbio oficial, flutuante, comercial, temos o câmbio turismo, temos o black e temos uns câmbios diferentes, porque os custos... e são custos que estão incidindo de maneiras diferentes, dependendo... tem câmbio de cruzeiros para cruzados, não é?
Luis Nassif: Tem.
Celso Ming: É outro câmbio. E aí, então, nós estamos com um monte de taxas de câmbio que pode bagunçar muito a economia nos próximos meses.
Stephen Kanitz: E a taxa de juros, que é uma outra questão?
Celso Ming: Uai, a taxa de juros sobre que moeda? Sobre o cruzeiro? Sobre o cruzeiro...
Stephen Kanitz: É.
Marco Antônio Rocha: [Entre] 26% a 27% ao mês sobre o cruzeiro, para empréstimo em cruzeiro.
Celso Ming: A moeda é mercadoria escassa, hoje.
Fábio Pahin: Conte-nos o banco...
Marco Antônio Rocha: Hein? Não, bem calculado.
Fábio Pahin: ...conte-nos o banco que está cobrando só isso.
Luis Nassif: Como é que é?
Rodolfo Konder: O que se fala é 40%.
Celso Ming: 35%.
Rodolfo Konder: 35%?
Pedro Cafardo: Fala-se até em 60%.
Marco Antônio Rocha: Não, não, veja bem, hoje eu tive uma reunião com um grupo de indústrias pesadas e todas elas me disseram que tomaram dinheiro emprestado nesses dias e a taxa era mais ou menos entre 26% e 28%.
[sobreposição de vozes]
Fábio Pahin: As taxas tiveram uma escalada. Então, elas começaram em 18% no dia 19, o primeiro dia [útil] após o plano, e ontem já estavam chegando aos 35%. Então, eu acho que o Marco tem toda razão, porque essas empresas tomarem dinheiro há uns três ou quatro dias atrás. E o banco alega o seguinte: que não tem dinheiro mesmo, a procura é brutal, ele próprio não sabe quanto tem em caixa e que vai custar muito caro, mesmo. A taxa entre os bancos a taxa do CDI, do Certificado de Depósito Interfinanceiro, chegou a 30% ao mês. Quer dizer, se o banco precisar de dinheiro, ele está pagando isso para o concorrente.
Luis Nassif: E uma inflação zero.
Fábio Pahin: Para a gente ter idéia do tamanho do aperto.
Luis Nassif: E uma inflação zero. É a mais alta taxa de juros da história do país. Ganhou do Plano Verão.
Marco Antônio Rocha: De todos os tempos.
Fábio Pahin: De todos os tempos.
Celso Ming: Mas, voltando à questão da remessa, a remessa de lucros...
Rodolfo Konder: E as questões da remessa externa? Exato, a remessa de lucros...
Celso Ming: A remessa de lucros, eu acho que vai ter que parar. Nesse momento, as empresas estrangeiras não vão poder remeter nada. Não porque não queiram remeter, é porque vão precisar desse dinheiro aqui. A empresa estrangeira, a multinacional que estiver aqui e está pensando em mandar para fora vai estar se sangrando demais neste momento. Eu tenho a impressão de que qualquer conselho, qualquer [...] de multinacional hoje está sensível a dispensar pelo menos momentaneamente esse dinheiro. Eu acho que nem pensar em remessa.
Luis Nassif: Eu queria falar um pouquinho sobre a remessa aí, ô Rodolfo. No ano passado, nós tivemos, até o advento do Plano Collor, um enorme estímulo à remessa de lucros para o exterior.
Celso Ming: É verdade.
Luis Nassif: Você tinha um diferencial entre a taxa de câmbio oficial e taxa de câmbio no paralelo. Então, as empresas eram estimuladas a mandar pelo oficial e, eventualmente, trazer pelo paralelo, pelo mercado de ouro. Isso aí foi uma distorção enorme. Em junho do ano passado, o Maílson [da Nóbrega, ministro da Fazenda de 1987 a 1990] tentando segurar um pouquinho, mas o Kanitz, que acompanha os balanços, sabe o que houve de empresa que antecipou o fechamento de balanço para tentar mandar esse dólar para fora. Então, nesse sentido, quando o governo cria um câmbio flutuante, quando esse câmbio flutuante começar a flutuar também - porque até agora não conseguiu alçar vôo -, deixa de lado um estímulo que você tinha para remessa de dólares fundamental, que era você mandar por um câmbio oficial e trazer pelo câmbio paralelo.
Rodolfo Konder: Agora, você acha que há possibilidade de as empresas multinacionais trazerem de volta uma parte do dinheiro que elas mandavam para fora, agora que elas estão sem liquidez aqui dentro?
Luis Nassif: Não, eu não vejo isso, não.
Celso Ming: Muito improvável.
Luis Nassif: Porque, enquanto tiver uma situação instável, a matriz não vai arriscar trazer dinheiro para dentro nem para amparar a empresa. A empresa vai ter que se virar dentro dos recursos que ela tem internamente.
Rodolfo Konder: Nem para pagar salários?
Marco Antônio Rocha: Agora, ela não tem cruzeiros para comprar os dólares para remeter lucro, ela não tem cruzeiros.
Luis Nassif: É isso.
[...]: Também não tem lucro...
Marco Antônio Rocha: Então, é difícil remeter dólares... Aliás, a respeito do câmbio, a coisa mais difícil no momento é saber de quanto é a taxa de câmbio flutuante. O Nassif dá os números lá, toda noite no programa dele na TV Gazeta, eu também tenho que dar os números lá na TV Record. Está impossível saber qual é a taxa de câmbio do câmbio comercial, de exportação e importação - o câmbio turismo, tudo bem, tem aí as agências de turismo, o Banco do Brasil e tal, e o câmbio paralelo também é fácil a gente saber...
Pedro Cafardo: [interrompendo] Mas, a partir de hoje...
Marco Antônio Rocha: Agora, o tal câmbio flutuante virou um mistério.
Pedro Cafardo: Agora, a partir de hoje, o Banco do Brasil começou a dar uma taxa de referência. O Banco do Brasil começou a divulgar agora.
Marco Antônio Rocha: Do quê?
Pedro Cafardo: A partir de hoje, esse flutuante...
Marco Antônio Rocha: A partir de hoje, pois é; mas, nesses dias, tem sido uma dificuldade enorme.
Pedro Cafardo: Ninguém sabe direito qual é a taxa.
Marco Antônio Rocha: É.
Fábio Pahin: Vamos falar um pouquinho desse câmbio?
Rodolfo Konder: Vamos. Eu vou lembrar aos telespectadores que nós estamos hoje com um Roda Viva especial, que está discutindo o Plano Brasil Novo, com a presença de alguns jornalistas, especialmente da área econômica. E vou ler mais umas perguntinha rápidas, porque tem muitas aqui, mas vamos voltar ao assunto, com o Pahin. "O que vocês acham da reforma cambial? Isso não desestimulou as multinacionais?" - pergunta Paulo Correia, do Morumbi. Marlene, da Praia Grande, pergunta se os juros do over eram constitucionais. Marcelo Roberto, de Belo Horizonte, pergunta como fica a situação das seguradoras, onde as reservas técnicas estão retidas. E Antônio Romano faz uma pergunta provocativa, mas muito interessante: se a imprensa não está legislando um pouco em causa própria, se não está reagindo como o bolso e tomando as dores da Folha de S. Paulo. Pahin, por favor.
Fábio Pahin: Bom, a propósito dessa perguntas, a situação das seguradoras é uma situação péssima - e a situação dos assegurados é um pouquinho pior, porque eles não sabem se terão que receber em cruzados, quando essa moeda já quase desapareceu. Então, o que vai acontecer se o seu carro for roubado? Eu não tenho nenhuma idéia sobre de que forma você vai receber os recursos.
Luis Nassif: Em cruzeiros.
Marco Antônio Rocha: Em cruzeiros.
Fábio Pahin: Têm certeza? Vocês têm certeza?
Luis Nassif: A seguradora passa a te dever no momento em que...
Fábio Pahin: [interrompendo] Perfeito, eu fico satisfeito, eu fico muito mais tranqüilo.
[risos]
Luis Nassif: Elas não vão ter seguro. Ô Pahin, se elas vão ter cruzeiros para pagar...
Pedro Cafardo: Vai guardar o carro direito, hein!
Marco Antônio Rocha: É esse que é o problema.
Celso Ming: As reservas técnicas das seguradoras foram convertidas em cruzeiros pelo menos em 20%. Eu não acredito que haja 20% de sinistro em uma carteira de uma seguradora assim. Eles têm cruzeiros disponíveis; então, se não estão passando, é porque eu não sei o porquê...
[...]: Olha, eu acho que, realmente...
Pedro Cafardo: Isso, se eles continuarem a vender seguros.
Fábio Pahin: Eu acho que os prezados companheiros estão dando uma tranqüilidade a milhões de pessoas cujos corretores têm dito o seguinte: “Olha, não sei em que moeda você vai receber.” Então, eu acho que esse problema já está esclarecido, não é, Konder? O nosso telespectador já está...
Rodolfo Konder: Está certo.
Fábio Pahin: ...já está atendido.
Marco Antônio Rocha: Já está seguro.
Luis Nassif: Pahin, tem um principio básico do plano que é o seguinte. No momento em que você constitui a dívida, o fato gerador da dívida é a moeda do momento. Se eu, hoje, tiver a sorte de roubarem meu carro para eu poder receber em cruzeiro, se a seguradora vai ter cruzeiros, eu não sei; agora, a dívida é em cruzeiros. Se não for em cruzeiros, ferem todos os princípios do plano.
Marco Antônio Rocha: Você falou aí, você deu "uma dica", hein?
[risos]
Rodolfo Konder: Pahin, mas fala.
Fábio Pahin: No caso do câmbio. Nós temos hoje três câmbios. Um é o câmbio paralelo, o antigo - o antigo, não, o black. O que é o black? O black ficou um pedacinho, ficou uma coisa mínima, porque não tem mais quem opere, as pessoas têm medo; e não existe mais o cheque ao portador porque os bancos não compensam mais esses cheques, ficaram proibidos os endossos nos cheques. Então, esse mercado se reduziu a mais ou menos uns 5% do que era. A maioria dos grandes “bigamistas” saiu do mercado...
Celso Ming: [interrompendo] Inclusive, o grande mercado [...] o black no atacado, esse também está sujeito a...
Marco Antônio Rocha: Não, esse funciona normalmente.
Celso Ming: Sim, mas com que...
Marco Antônio Rocha: ...porque ele funciona lá fora.
Celso Ming: E e os cruzeiros para comprar?
Marco Antônio Rocha: Não entram cruzeiros.
Celso Ming: Como não? Tem que entrar. Então não é câmbio, isso.
Marco Antônio Rocha: Troca de cheques em dólar.
Celso Ming: Então não é câmbio, desculpa, não é câmbio. Então, fica dólar com dólar. É remessa de um para o outro. Mas precisa ter câmbio; para se ter câmbio, precisa ter cruzeiro.
Fábio Pahin: Mas esse mercado quase desapareceu. No momento em que esse mercado desaparece, você deixa de ter cotações que sejam reais, que traduzam realmente a existência de um mercado, a existência de compradores e de vendedores. Quando tem meia dúzia de compradores e vendedores, você não tem preços estabelecidos, preços razoáveis para aquela mercadoria - no caso, a mercadoria é o dólar. A segunda taxa é a taxa do dólar turismo, que me parece a melhor delas. Ela está intermediária entre o nível do paralelo e a taxa do dólar flutuante comercial. Aliás, ele não flutua de jeito nenhum, porque o único que compra é o Banco Central. Então, virou uma piada. E o exportador que negociou esses oitocentos milhões de dólares em cambiais nesses dias foi simplesmente obrigado a isso. Por quê? Porque, depois da mercadoria ter sido embarcada, ele tem vinte dias corridos para fechar o câmbio. Então, não tem saída: tem que vender - e só tem um comprador, que é o Banco Central. Por quê? Porque os importadores não existem na mesma quantidade. Um grande importador, que é a Petrobras, ao que consta não participa do dólar, do câmbio flutuante; o Banco Central simplesmente lhe assegura os dólares de que ela necessita. Ou seja, se você não tem comprador e só tem vendedor, só pode ficar com essa taxa prejudicial - prejudicial aos importadores. Isso é muito ruim, porque...
Marco Antônio Rocha: [interrompendo] E o saldo comercial vai ser fantástico, absolutamente fantástico, porque não tem ninguém...
Fábio Pahin: Enquanto...
Marco Antônio Rocha: Porque não tem importação.
Fábio Pahin: ...enquanto houver importações...
Rodolfo Konder: Quer dizer, liberaram as importações, mas elas não se darão, não vão acontecer?
Celso Ming: É que ninguém tem cruzeiros para importar, ninguém tem cruzeiros para trocar por dólar para importar. Esse é o problema.
Rodolfo Konder: Eu já estava até com esperança de ver alguns produtos importados.
Celso Ming: Mas olha, esse momento é um momento realmente complicado. O câmbio deverá se restabelecer dentro de algumas semanas. Na hora em que o dinheiro começar a circular melhor, na hora em que os bancos começarem a funcionar, na hora em que a economia tiver o mínimo de confiabilidade e tal, aí nós vamos ter o câmbio também um pouco melhor. A gente não pode, nesse momento, estar exigindo do câmbio o mesmo comportamento que existe de um câmbio dos Estados Unidos, de um país europeu. Acho que nós estamos aqui, realmente, em um começo, no começo de uma... aliás, nós estamos no começo e no fim do “apagamento” de incêndio. Nesse momento, a grande atividade é apagar o incêndio, não é com reconstrução da casa. É, realmente, nesse momento em que o próprio incêndio está destruindo, talvez até muito mais do que o fogo que estava consumindo a casa. Então a gente tem que dar um tempo, ainda, para essas coisas funcionarem.
Rodolfo Konder: Nassif, mas você não concluiu o seu raciocínio em relação ao capital que está lá fora, o que saiu. Há possibilidade, há perspectiva desse capital voltar ao Brasil?
Luis Nassif: Eu acho que tem dois pontos aí. O primeiro ponto é o seguinte. Você pergunta se a reforma cambial vai beneficiar [a economia]; se, quando começar a funcionar a reforma cambial, o país conseguirá efetivamente alcançar um nível de equilíbrio e esse capital voltará, mesmo. Isso não está ligado à reforma monetária. Isso, eu acho que é importante salientar. É o que o Celso estava colocando. A reforma monetária é uma primeira etapa para você conseguir parar os preços, reconstituir, recompor o sistema de preços com o menor trauma possível para, depois, implementar as outras reformas. Essa parte cambial tem alguns pontos que vão ser implementados gradativamente, que são muito importantes. Hoje, como é que se faz câmbio nesse país? [Suponhamos que] você precise importar; aí, o governo não tem dinheiro, o Banco Central não tem dólares para permitir a importação. Então você tem uma maneira de fazer câmbio: a Cacex [Carteira de Comércio Exterior, desativada em 1990] tem um sujeito lá que tem uma chavinha, ele tranca a gaveta dele e ninguém consegue importar porque a gaveta está trancada. Uma outra maneira de fazer o câmbio, é a seguinte. Qualquer importação tem que passar pela medida, para aprovar para ver se pode importar ou não. Todo esse sistema complexo, burocrático que dava margem a propinas, que dava margem a uma desregulação - é um excesso de regulamento que beneficiava, digamos assim, os setores burocráticos e atrapalhavam o câmbio -, de acordo com esse projeto que vem aí, embutido no Plano Collor, vai acabar. O que o governo vai fazer vai ser criar uma tarifa. Vai acabar o protecionismo, vai acabar a proibição de importação. Já acabaram com o Anexo C [da Cacex], que proibia uma série de importações. Então, tudo isso vai virar tarifa: se você quiser impedir que um produto entre com muita facilidade, você põe uma tarifa maior ou põe uma tarifa menor. Então, você acaba com uma série de procedimentos que atravancavam o mercado uma barbaridade. Se isso funcionar, é mais um passo no sentido da integração do país com a economia internacional.
Rodolfo Konder: Nós estamos aqui com uma pergunta de uma telespectadora muito especial, Tânia Nomura [a "moça do tempo" do Jornal da Cultura] - que faz chover ou nos manda o sol - para o Stephen Kanitz. Mas, antes de fazer a pergunta da Tânia Nomura ao Kanitz, nós vamos fazer um pequeno intervalo.
[intervalo]
Rodolfo Konder: Nós voltamos com o Roda Viva especial, discutindo hoje o Plano Brasil Novo. Lembrando que o Roda Viva é transmitido ao vivo pelas TVs Educativas de Porto Alegre, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e Pará e, ainda, retransmitido pela TV Nacional de Brasília. Stephen Kanitz, a Tânia Nomura pergunta se é possível a entrada no Brasil de produtos antes proibidos pela Lei da Reserva de Informática como, por exemplo, computadores.
Stephen Kanitz: Ele prevê, a longo prazo, sem dúvida alguma.
Marco Antônio Rocha: Prevê o quê? Prevê que será permitido?
Rodolfo Konder: Prevê a autorização.
Marco Antônio Rocha: Bom, mas a lei continua em vigor.
Stephen Kanitz: Enquanto tiver cruzeiros para comprar.
Marco Antônio Rocha: A lei de reserva continua em vigor.
Rodolfo Konder: Continua a lei? A reserva continua em vigor?
Marco Antônio Rocha: Continua.
Luis Nassif: Eles estão estabelecendo um prazo aí. O [ministro da Ciência e Tecnologia, José] Goldemberg, estabeleceu um prazo, uns cinco anos. Até lá... hein, Stephen? E nós, que somos “micreiros”, hein?
Rodolfo Konder: Você tem cinco anos para tirar o pé de cima do meu? Alguma coisa assim?
Luis Nassif: É.
[risos]
Rodolfo Konder: Pahin, me diz uma coisa. E o enxugamento da máquina do Estado, as medidas na área do governo? Você acha que estão sendo bem encaminhadas? Por exemplo, demissão de funcionários públicos, privatização de estatais, extinção de estatais, essas medidas são viáveis e vão significar uma considerável redução no déficit público?
Fábio Pahin: Bom, o impacto sobre o déficit público dificilmente será muito grande por qualquer dessas circunstâncias, mas o impacto psicológico continua sendo muito grande. E eu temo muito, nessa área, pelo corporativismo. A história brasileira é a história dos corporativismos, é a história do cartório, desde os tempos de Portugal. Essa é a parte de que a gente mais lamenta a "herança" - porque não é "legado", né? Então, eu acho que, aí, a gente não deve esperar muito. E, principalmente, eu temo muito pelo Congresso. Eu me pergunto de que forma o presidente e a sua equipe vão conseguir levar os congressistas a rejeitar aquela pressão das galerias do Congresso. E agora mesmo estamos vendo a dificuldade, até, de encontrar um relator do PMDB para falar sobre os funcionários.
Rodolfo Konder: Só os que não forem candidatos na próxima eleição é que vão aceitar...
Fábio Pahin: Quem sabe não é, quem sabe? Mas esta questão é uma questão vital. A questão da privatização foi jogada, neste momento, na mão dos bancos. Quer dizer, os bancos pagaram uma conta muito grande. Os bancos representavam, até o ano passado, um número completamente absurdo. O IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] calculou que eles representavam 15% de geração do produto brasileiro [PIB]. Isso é um número absurdo em relação ao mundo. No mundo desenvolvido, o sistema bancário gera cerca de 5%, 6% do produto do país; aqui, geraram 15%. Então, de fato, o sistema bancário vai ter que ser diminuído. Agora, para diminuir, significa que ele vai perder lucros. Neste momento, os bancos estão muito preocupados com o fato de terem que engolir esses certificados de privatização. O número mencionado é de oito bilhões de dólares. Esse dinheiro, naturalmente, sairia dos bancos para que eles comprassem algumas empresas públicas. Eu acho que o mecanismo é engenhoso, funciona; o que eu me pergunto é se os bancos agüentam tudo isso, como é que vai ser feito isso na prática. Se o valor for esse, eu acho até apreciável, acho até que a privatização irá além daquilo que a gente esperava - eu ouvi depoimentos em que seria razoável se nós obtivéssemos, em um ano, alguma coisa como dois bilhões de dólares. Então, quando se fala em oito, em quatro vezes isso, é um volume bastante razoável de recursos - alguma coisa como dois, dois e pouco por cento do produto; enfim, é um número importante. A questão do funcionalismo me parece uma questão ética: como é que o sujeito pode ganhar sem trabalhar? Eu acho que essa é a pergunta básica. Então, na medida em que você conseguir eliminar uma parte disso, mesmo que você consiga, digamos, eliminar trinta ou quarenta mil empregos - o que não significa muito -, você já terá dado um exemplo magnífico para a sociedade. Mas eu absolutamente não estou convencido de que isso seja inevitável.
Rodolfo Konder: Eu vou fazer mais algumas perguntas dos telespectadores. Paulo, de Itatiba, pergunta: "Um diretor de empresa que recebe o pró-labore, como fica, nesse caso?" Ivan Aires da Silva, da Vila Gustavo: "É preciso abrir outra conta ou a poupança já fica convertida automaticamente em cruzeiros?" Rosa Soares, de Vitória: "Por que tanto negativismo por parte dos jornalistas? A hora não seria para passar um pouco de tranqüilidade?" Eduardo Cundari: ele pergunta quem mandará os dólares do exterior para o Brasil, uma vez que os banqueiros, que são os nossos maiores credores, aumentaram a taxa de juros da dívida em 0,5%. E Celso Antunes: "Se o governo pode desrespeitar a Constituição para implementar o plano, por que não desrespeitá-la a fim de acabar com a estabilidade dos funcionários públicos?" E aí eu pergunto ao Pedro Cafardo o seguinte: você acha, Pedro, que essa questão da demissão de funcionários públicos e da redução de número das empresas estatais é a parte mais moderna do Plano Collor ou você acha que isso daí tem problemas, também?
Pedro Cafardo: Eu não sei se é a parte mais moderna, mas eu acho que não será efetivada da forma como se dizia na campanha [e como] está sendo dito até agora. Primeiro, porque o corporativismo a que se referiu o Pahin é muito forte, ele existe mesmo. E, depois parece - parece, não: a lei eleitoral proíbe demissões de funcionários públicos a partir do dia 3 de abril; então, terminou! Se o presidente não demitir até o dia 3, acabou, não demite mais ninguém. A lei proíbe, não pode. Agora, eu queria me referir a uma coisa...
Rodolfo Konder: Mas é justo, por exemplo... Veja bem, estamos falando de corporativismo; então, vamos também examinar essa questão objetivamente. É justo a sociedade inteira pagar por essa máquina inchada e sem eficiência e com muita gente que ganha e não trabalha? É justo que a sociedade continue pagando essa conta?
Pedro Cafardo: Não, eu acho que não é justo; ao contrário: eu acho que, também nessa área, deveriam ter sido tomadas medidas de choque - como foram tomadas na área monetária. Pelo menos como exemplo, porque, como o Pahin acabou de dizer, a economia que o governo pode fazer nesta área é muito pequena, ela é apenas simbólica, representativa. Mas eu queria tocar em um assunto. Eu estou sentindo que alguns telespectadores estão muito preocupados com o pessimismo da roda aqui, dos economistas. Está todo mundo criticando tudo, ninguém está falando nada a favor. Eu acho que a gente devia falar um pouco sobre isso. Até um deles disse: “Pô, vocês não estão legislando em causa própria" e tal...
Rodolfo Konder: É verdade.
Pedro Cafardo: ...defendendo a Folha de S. Paulo. Eu não sei; eu acho que a gente precisa realmente reconhecer... Nós devemos dizer isso mais claramente e nós não estamos dizendo. Eu aceito, até, a crítica deles. De fato, a inflação está extinta neste momento. Acabaram com a inflação. Foi um choque violentíssimo e acabou com a inflação. Todo mundo almejava isso e o objetivo foi atingido. Agora, eu acho que o pessimismo nosso é porque nós estamos preocupados com o que pode acontecer nos próximos meses. No intervalo, o Marco Antônio Rocha - eu até gostaria que ele falasse sobre isso - estava se referindo aos problemas que a agricultura já está enfrentando no plantio.
Rodolfo Konder: Eu até perguntei a ele se foi por isso que o ministro [da Agricultura e Reforma Agrácia, Joaquim] Roriz já se demitiu do cargo [no mesmo dia da entrevista].
Pedro Cafardo: Pois é, ele disse: “A vaca parece que está indo para o brejo.” Você falou isso?
Marco Antônio Rocha: Na agricultura.
Pedro Cafardo: Na agricultura. Então, por que você acha [isso,] Marco?
Marco Antônio Rocha: Veja bem....
Celso Ming: [interrompendo] Na pecuária, vaca é na pecuária, não é na agricultura.
[risos]
Marco Antônio Rocha: Tem razão, é na agropecuária. Mas veja bem, a agricultura tem prazos e datas, certo? Por exemplo, agora está na época da colheita da soja, está terminando a colheita da soja. Então, você tem um determinado número de dias para colher a soja, porque senão o Sol esquenta a vagem da soja, ela arrebenta e cai no chão e acabou a soja.? Se ela ficar muitos dias pendurada no pé, a vagem arrebenta e cai no chão. Então, o produtor de soja tem três ou quatro dias para colher a soja. Se ele não puder comprar o combustível da máquina naquele momento, se não puder pegar o dinheiro dele que está no over, comprar o combustível da colheitadeira e botar a colheitadeira no campo, daqui uma semana não adianta mais, acabou a soja dele...
Luis Nassif: [interrompendo] Aí, é investimento.
Marco Antônio Rocha: Então, é o seguinte. O feijão da seca tem que ser plantado no mês de março. Está terminando o mês de março, não foi plantado - porque o pessoal estava com o dinheiro lá no overnight para comprar sementes, para comprar pesticida para isso e para aquilo, e não pode sacar o dinheiro. O feijão não está sendo plantado. Então, nós não vamos ter o feijão da seca. Então, o que é que vai acontecer? O governo vai importar feijão. Então, isso não é pessimismo, isso é apontar os problemas, apontar os problemas...
Fábio Pahin: [interrompendo] Mas, Marquinho, eu vejo a agricultura...
Marco Antônio Rocha: Eu fico um pouco... O telespectador - o Konder que me perdoe -, o telespectador, às vezes, me irrita...
[risos]
Marco Antônio Rocha: ...porque ele acha que o jornalista tem a missão do sacerdote, de apaziguar as almas, de criar um espírito otimista. A missão do jornalista não é essa, é dar informação. Quem tem que tratar das almas das pessoas, do espírito da sociedade, são os padres e os políticos. Nós temos que dar informação, analisar a informação e ponto final.
Rodolfo Konder: [interrompendo] E os analistas, também.
Marco Antônio Rocha: É, e quando foi no Plano Cruzado...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Não só os padres e os políticos: os analistas, também.
Marco Antônio Rocha: Deixa eu lembrar...
Rodolfo Konder: Não desvalorize os analistas, por favor.
Marco Antônio Rocha: Os analistas, nós aqui, não é?
[sobreposição de vozes]
Rodolfo Konder: Não, estou dizendo...
Celso Ming: ...os terapeutas.
Marco Antônio Rocha: Os psicólogos, exatamente. Esses que têm a obrigação...
Rodolfo Konder: Para o próximo debate, traremos um padre e um analista.
Marco Antônio Rocha: ...de cuidar do estado de espírito da sociedade. A função do jornalista não é cuidar do estado de espírito de ninguém.
Luis Nassif: É encher o saco do povo.
[risos]
Marco Antônio Rocha: É dar informação, certo? É dar informação e, no máximo, analisar ou procurar interpretar essa informação. Quando foi na ocasião do Plano Cruzado, nós embarcamos naquela canoa - certo, Nassif? - com certo entusiasmo e otimismo e depois fomos veementemente criticados pela sociedade porque "enganamos" a sociedade, levamos as pessoas a acreditarem no Plano Cruzado. Aí, vinha um telespectador meter o pau na gente, certo? Agora, eles estão querendo que a gente faça a mesma coisa, que a gente embarque na canoa do Collor e depois, quando a canoa for para o fundo, daí vão dizer: “Ah, vocês que fizeram a gente acreditar no Collor.” Então, eu não tenho...
Luis Nassif: [interrompendo] Por que você falou "Viu, Nassif?", hein?
Marco Antônio Rocha: Hã?
Luis Nassif: Por que você falou "Viu, Nassif" aí? Dois meses depois, eu estava sendo processado pelo governo.
Marco Antônio Rocha: Exatamente.
Luis Nassif: Quanto teve o Cruzado 2 [em novembro de 1986, que eliminou o congelamento dos preços instalado pelo Plano Cruzado], nós tivemos uma reunião aqui - e eu gostaria que um dia fizessem uma reprise - e eu fui o único que achou que a gente estava caminhando para um processo de hiperinflação.
Marco Antônio Rocha: Então...
Luis Nassif: Agora, em relação à agricultura - o Marquinho está muito condoído com a situação da agricultura -, eu acho que a sua e a nossa [situação], [ou seja, a situação do] pessoal do [setor de] serviços, é pior, porque a agricultura - o pessoal da soja - tem um estoque que vai ser transformado em cruzeiros. Se o banco não der empréstimo para um sujeito da agricultura que tem cruzeirinhos lá plantado na sua horta, ele não dá para ninguém. Como ficam as empresas de serviço nas quais o governo joga um esquema para desovar estoque? O estoque que você tem lá é a sua secretária e a sua escrivaninha. Isso aí, jogaria na rua...
Marco Antônio Rocha: É lógico, eu não tenho estoque, eu só posso vender os meus serviços, certo?
Luis Nassif: Então, o plano não está tão ruim [para a agricultura] como [para] o pessoal de serviços, não.
Stephen Kanitz: Todo plano tem cinco fases, não é? A primeira fase é aquele entusiasmo generalizado; a segunda fase é a constatação da realidade; a terceira fase é o desânimo total; a quarta fase é a caça aos culpados; e a quinta é a prisão dos inocentes...
[muitos risos]
Stephen Kanitz: E todos nós ficamos assustados com a prisão dos inocentes alguns dias atrás... [duas medidas provisórias do Plano Collor (153 e 156) permitiam prisões de pessoas por crimes contra a economia popular, a fim de garantir a execução do congelamento de preços; até elas serem retiradas, na véspera da entrevista, foram feitas cerca de quarenta prisões, incluindo de donos de supermercados e de dois diretores do jornal Folha de S. Paulo, estes presos numa invasão do jornal pela Polícia Federal]
Celso Ming: [interrompendo] E tem a sexta fase, que é a elaboração do próximo programa...
[...]: Essa [prisão] veio na primeira fase...
Stephen Kanitz: Do sexto plano... Eu acho que nós estamos, na verdade, como jornalistas, passada aquela fase de entusiasmo generalizado - nós vimos todos os economistas apoiando unanimemente, eu nunca vi economistas todos juntos apoiarem uma idéia até esse plano -, mas, agora, nós estamos querendo trazer ao telespectador uma certa constatação da realidade, que não é tão rósea assim. Não passamos ainda para a terceira fase de desanimo geral, porque, realmente, não é o caso; mas eu acho que...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Mas tem um telespectador aqui, o Orlando Gonzáles, que pergunta o seguinte: "Se está todo mundo rindo tanto aqui nesta mesa, isso é sinal de que estava todo mundo com o dinheiro no dólar e não no over?"
Luis Nassif: Não, quem está no dólar está chorando mais ainda, não é, Celso?
Celso Ming: Eu não tinha dinheiro em dólar.
[risos]
Pedro Cafardo: É curioso saber onde que o Nassif tinha o dinheiro dele, não é? Porque ele vivia dando conselhos às pessoas na televisão. Quanto você contribuiu...
Luis Nassif: Sabe qual é o problema...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Agora, Nassif, me perdoe, mas eu fiquei impressionado em como alguns conselheiros - quer dizer, alguns jornalistas que a gente sabe que funcionam como conselheiros - ficaram profundamente irritados, não conseguiam conter a sua irritação logo em seguida ao anúncio do plano. Acho que pegou mal, aquilo.
Luis Nassif: Sabe qual foi o meu problema lá? É que o Estadão divulgou com exclusividade o plano na manchete do domingo, [com a qual] a Zélia ficou brava, e eu fui na conversa do Estadão e apliquei tudo em over.
[risos]
Pedro Cafardo: Os cinco pontos divulgados pelo O Estado [de S. Paulo], todos os cinco foram implementados.
[risos]
Marco Antônio Rocha: Olha aqui, eu recebi telefonemas irritadíssimos na Record na semana do plano, na TV Record, porque eu disse... o [Carlos] Nascimento [apresentador do Jornal da Record] me perguntou na segunda-feira: "Marco Antônio Rocha, que conselho você dá aos telespectadores [sobre o que] fazer do [seu] dinheiro?" Eu falei: "Olha, peguem o dinheiro e ponham dentro da fruteira, debaixo das bananas, junto com as melancias e tal, que ele estará bem guardado." Bom, quem seguiu o meu conselho se saiu bem.
Pedro Cafardo: E todo mundo morreu de rir, não é?
Luis Nassif: E você, Marquinho?
Marco Antônio Rocha: Hã?
Luis Nassif: Você tirou do banco ou não?
Marco Antônio Rocha: Não, eu não tinha. Você deu aquela entrevista no Imprensa na TV, dizendo que a Fátima, sua mulher, é que acertou, porque comprou um carro.
Luis Nassif: É, eu fiquei bravo com ela.
Marco Antônio Rocha: É, comprou um carro em dezembro. E eu, por coincidência, fiz a mesma coisa. Não tinha caixa, eu esvaziei o caixa comprando um carro antes do plano.
Luis Nassif: Eu fiquei bravo com ela.
Pedro Cafardo: Isso porque você foi avisado, não é?
Marco Antônio Rocha: Agora o meu pepino é o carro: o carro não vale um terço do preço, certo?
[risos]
Luis Nassif: Mas roda, pelo menos. Mas roda, pelo menos.
Marco Antônio Rocha: Roda; pelo menos, roda.
[risos]
Rodolfo Konder: Nós estamos transmitindo o Roda Viva especial, com um debate entre jornalistas ligados a área econômica sobre o Plano Brasil Novo. Pahin, e agora, quais são as perspectivas [para] este país, depois de vivido o incêndio, recomeçar a investir? Por exemplo, o governo, com esses recursos todos na mão, será o grande investidor nessa fase inicial da recuperação da economia?
Fábio Pahin: Bom, com todo esse dinheiro, pelo menos deveria ser. Mas ele tem o problema de retomar e recuperar a sua credibilidade. E isso passa por um enxugamento do governo, passa por um momento em que fique muito claro que o governo fez a sua parte. Nós estamos longe disso, ainda; talvez fosse um avanço importante se essa proposição do deputado José Serra [do PSDB, mais tarde tornou-se governador de São Paulo de 2007 a 2010] fosse aceita, essa proposição de economizar dez milhões de dólares - como ele calcula - em projetos que haviam sido aprovados e que...
Rodolfo Konder: [interrompendo] É uma boa proposta, a do Serra?
Fábio Pahin: Eu acho excepcional. Eu acho que sociedade devia se voltar para ela, comprometer-se com ela. Eu queria voltar um pouco à questão do negativismo. Eu acho que o telespectador não entendeu bem essa conversa nossa. Esse negativismo que ele está imaginando seria se todos nós dividíssemos o mundo entre pecadores e não-pecadores, se tivéssemos uma visão muito entre zero e cem. Não é bem assim. Na realidade, nós estamos conversando. E eu acho que, no íntimo, todos nós perdemos aqui, um pouco. E, com essa perda, todos nós nos tornamos torcedores do plano. Quem disser que não é torcedor do plano está equivocado, se enganou, não quer receber o seu dinheiro daqui a 18 meses? Palhaçada. Eu acho que, aí, cada um estaria pagando muito caro pela sua convicção negativista; aí, sim. Então eu duvido que qualquer um de nós esteja torcendo contra o plano, mesmo no seu íntimo. Eu acho que, no íntimo, estamos torcendo para recuperar aquele dinheiro, não é?
Rodolfo Konder: Tem perguntas aqui do Michel Rabinovitz sobre uma reivindicação da Bolsa de Valores do Rio, que está querendo que o câmbio do dólar seja estipulado por seu intermédio. Ele pergunta: "Será esse o melhor meio?" E uma pergunta do Peter: "O que aconteceria se houvesse uma dolarização na economia?" Quem é que responde a isso?
Pedro Cafardo: Quem é especialista em câmbio? O Kanitz.
Rodolfo Konder: Kanitz.
Stephen Kanitz: Em questão de bolsa, é obvio que eles querem uma transparência generalizada para que todos os compradores de dólares e vendedores de dólares - quer dizer, exportadores e importadores - estejam na mesma mesa. E essa história de que a Petrobras já vai ter um canal especial para compra de dólares é uma coisa que realmente complica.
Marco Antônio Rocha: É, você tem razão.
Rodolfo Konder: O que é que é, Marco?
Marco Antônio Rocha: Você tem razão. Veja bem, as bolsas existem para quê? As bolsas existem para reunir compradores e vendedores no mesmo lugar. Cada um faz a sua oferta e todo mundo fica sabendo qual é o preço. Não é essa a função delas? Dar transparência ao mercado, dar realismo ao mercado? Essa é a função. Então, acho excelente.
Celso Ming: Marco Antônio.
Marco Antônio Rocha: Essa idéia de criar uma bolsa de moedas no Brasil, não sei se...
Celso Ming: [interrompendo] Em que país do mundo você tem uma bolsa de valores funcionando para câmbio?
Marco Antônio Rocha: Existe bolsa de moedas, meu caro.
Celso Ming: Sim, tudo bem.
Marco Antônio Rocha: Existe em Londres, em Zurique, em Nova Iorque, em toda parte. Como não...
Celso Ming: [interrompendo] O câmbio não precisa de uma bolsa de valores; o câmbio está interligado a todo o sistema financeiro.
Marco Antônio Rocha: Eu sei, mas as ofertas...
Celso Ming: Não precisa de nem uma bolsa de valores para câmbio especial, tal como tem para café, para estanho.
Marco Antônio Rocha: Mas eu acho... Exatamente, mas, aqui no Brasil, precisa, viu? Aqui no Brasil, precisa, porque, senão, o câmbio fica passando por debaixo da mesa, como diz o Kanitz aqui, por debaixo do tapete e tal, e a gente não sabe onde está...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Celso, e essa questão que acabamos não respondendo, porque vimos muitas perguntas, do pró-labore do empresário?
Celso Ming: Essa questão do pró-labore... Tem tanta microempresa neste país; a gente está sempre falando das grandes empresas, mas, realmente, são as micro que tocam esse país aí. Não sei quanto do produto interno bruto brasileiro é gerado pelas microempresas, mas o que se sabe é que elas são realmente relevantes. E aí, as microempresas, como é que elas vão... Elas têm condições até de financiamento para a folha de pagamento, mas não têm para pagamento dos próprios diretores da microempresa.
Rodolfo Konder: O pró-labore é em cruzados ou...
Celso Ming: É em cruzeiros, é evidente, o dono da empresa tem que viver, ele tem que receber cruzeiros. Então, como é que fica isso? Não houve até agora nenhuma resolução, nenhuma medida aí que pudesse conceder uma linha de financiamento especial para o pró-labore do pessoal das micro...
Rodolfo Konder: [interrompendo] Mas pode, por exemplo, ô Pedro...
Pedro Cafardo: [interrompendo] ...mas [o governo] está para permitir a conversão dos cruzados em cruzeiros para o pró-labore.
Rodolfo Konder: Mas pode transformar os cruzados em cruzeiros para pagar?
Pedro Cafardo: Não pode.
Celso Ming: Não, não pode. Não tem nem linha de financiamento nem pode transformar nada! O coitado do dono da microempresa não tem como viver, ele não sabe o que vai fazer.
Marco Antônio Rocha: Não é só da microempresa. O pró-labore de ninguém, nenhum pró-labore, nenhuma empresa...
Celso Ming: [interrompendo] É, mas [nesses outros casos] é salário. É salário.
Marco Antônio Rocha: Eu sei, mas nenhuma empresa pode usar os cruzados para pagar pró-labore. Nenhuma empresa, não é só a micro.
Celso Ming: Todas, todas.
Rodolfo Konder: Pahin, então.
Marco Antônio Rocha: Eu também estou sem pró-labore na minha empresa...
Rodolfo Konder: E a questão da dolarização?
Marco Antônio Rocha: Os meus funcionários receberam o salário, mas eu não.
Rodolfo Konder: Como é que seria a dolarização da economia? O que significaria isso? - perguntam os telespectadores.
Fábio Pahin: Bom, na prática, isto significaria você substituir o cruzeiro, que não existe, pelo dólar, que deve estar aí nos cofres, nas casas. Não se compara com o volume de dólar que está na Suíça, mas com os Estados Unidos, em Miami, uma cidade tão apreciada - não é, Nassif?
Luis Nassif: É. [risos]
Fábio Pahin: Mas, de qualquer maneira, deve existir um volume grande de dólares nas casas das pessoas - tanto que se chegou até a falar em mexer nos cofres dos bancos. Só de falar nisso, houve uma corrida aos cofres. Uma única agência teve quinhentos cofres movimentados em um único dia, em São Paulo. Mas, de fato, a ministra Zélia depois desmentiu. A dolarização é uma coisa terrível, porque significa que você não aceita a moeda do seu país e substitui por uma moeda de outro país. Isso dá uma vantagem...
Celso Ming: [interrompendo] [Moeda] sobre a qual o Banco Central não teria controle nenhum.
Fábio Pahin: Não tem nenhum controle. Agora, isso...
Celso Ming: Como está acontecendo na Argentina [cuja inflação mensal chegou a 95% em março de 1990].
Fábio Pahin: O risco de que isso ocorra...
Marco Antônio Rocha: Mas veja bem, isso, na verdade, é uma transferência brutal de renda para os mais ricos, porque os detentores dessa moeda estrangeira são as pessoas, certo?
Luis Nassif: Mas eu não vejo risco, neste momento, de se partir para uma dolarização.
Fábio Pahin: O único risco, Nassif, é a falta de cruzeiros. Esse risco, realmente...
Luis Nassif: Não, mas...
Fábio Pahin: Não, infelizmente isso é uma coisa concreta.
Luis Nassif: Sim, mas eu...
Rodolfo Konder: Eu vou ter que interromper vocês, porque nós já estamos chegando ao fim do programa. Já estamos há quase duas horas e vamos ter que encerrar meia-noite. Então, eu queria rapidamente, rapidamente uma palavra final depois de todas essas discussões, um recado ao telespectador, uma palavra conclusiva. Marco Antônio Rocha.
Marco Antônio Rocha: Bom, eu cheguei aqui dizendo que tinha uma visão positiva do plano; continuo tendo uma visão positiva do plano. Agora, acho que é uma máquina monumental, com milhares de engrenagens; então, aquele problema da sintonia fina que o presidente Collor mencionou na televisão - o problema da represa, de regular a represa e de conduzir o plano com sintonia fina - é um problema muito difícil, muito complexo e para o qual nós devemos estar muito atentos, porque qualquer desvio... E tem uma coisa muito perigosa: se esse plano fracassar, eu realmente não sei onde esse país vai parar, porque agora não tem mais esperança.
Rodolfo Konder: Stephen Kanitz, rapidamente.
Stephen Kanitz: O fracasso desse plano não significará uma volta da inflação; o fracasso desse plano significa que nós não vamos receber o dinheiro de volta. Então, a chance de uma explosão inflacionária, acho que está bem afastada, especialmente em uma recessão que, seguramente, virá. As grandes preocupações são de longo prazo, no sentido de... O que acontece com nosso espírito de poupança? Quer dizer, para a caderneta de poupança, que era sagrada, já não poderemos dizer “olha, a caderneta de poupança é sagrada”. E o espírito de empréstimo... Essa viagem da Zélia para o Canadá para negociar com os banqueiros neste momento tão, assim, prematuro, de certa forma, para o plano, é, para mim, um sinal de que o governo sabe que ele destruiu o espírito de poupança brasileira. Mas ele vai tentar suplementar isso com a poupança internacional, que é enorme, e vai substituir e tentar trazer dinheiro de fora, coisa que nós vamos ver nas próximas duas semanas.
Rodolfo Konder: Fábio Pahin.
Fábio Pahin: Eu vi, nesses dias, enormes prejuízos, e fui visitar as instituições financeiras e aqueles que mais foram atingidos no primeiro momento, aqueles que mais perderam. E vi casos desesperadores, pessoas que achavam que aquilo era o fim do mundo, que o plano era o fim do mundo. E ontem eu vi algumas pessoas voltando a depositar os seus cruzados. Aplicaram no overnight, compraram CDB, embora pouquinho, e voltaram a corretoras e distribuidoras, que ficaram imobilizadas durante todos esses dias. E percebi que os brasileiros não perderam totalmente a confiança - ao contrário, muitos já voltaram a aplicar. E é por aí que as coisas recomeçam. Se esse espírito se disseminar, eu acho que as nossas expectativas devem ser, pelo menos, razoáveis.
Rodolfo Konder: Pedro Cafardo.
Pedro Cafardo: Eu também prefiro ficar com uma visão otimista da coisa. Eu acho que o plano tem chance de dar certo. E dar certo significa matar a inflação e provocar uma recessão. O que o governo precisa é pensar rápido em alguns instrumentos para melhorar o problema das pessoas que vão ficar sem emprego e, eventualmente, podem passar fome.
Rodolfo Konder: Celso Ming.
Celso Ming: Olha, eu estou otimista - otimista no sentido de que eu acho que, pela primeira vez, nós temos um programa coerente, consistente, um programa que pode realmente acabar com a inflação e restabelecer a volta do dinheiro que foi confiscado neste momento. Mas eu acho que o sucesso do plano está, realmente, em derrubar definitivamente - ou, pelo menos, de uma maneira permanente - a inflação. Eu acho que há condições para isso. Não acredito, por exemplo, que o plano vai dar 100% certo; mas também não acho que ele vai ser um fracasso, não. Alguma coisa desse plano vai sobrar - e vai sobrar para melhor nesse país.
Rodolfo Konder: Luis Nassif.
Luis Nassif: Eu acho que o plano, ele tem de tudo. Ele mexeu com alguns tabus lá, como o tabu das aplicações ao portador, talvez com muita rigidez; mas mexeu nesse tabu e no tabu de tributação das futuras - tributa quem tem. Tem todas essas virtudes. Nessa questão da volta do sistema, eu concordo com o Pahin aí: essa questão de que os danos ao sistema financeiro e à formação de poupança foram irreversíveis não existe. Aos poucos, as pessoas vão ver que não tem alternativa. Se o governo, daqui a três meses, conseguir devolver parte desse dinheiro, as pessoas vão ter a sensação de que aquele dinheiro está armazenado, tem valor, vai ser recuperado algum dia. Tem essa parte da implementação, realmente, que é complexa, vai exigir muita habilidade, vai exigir um time de pesos-pesados para conduzir o plano. Agora, se não der certo, concordo com o Stephen: realmente, a inflação não volta, [haverá] mais uma recessão. Teremos o consolo de que morreremos todos em perfeito estado de saúde.
Rodolfo Konder: Muito bem, em nome da TV Cultura, eu agradeço a presença aqui dos jornalistas que nos honraram com a sua participação, as suas informações, as suas opiniões; agradeço a presença dos convidados, aqui no estúdio; agradeço ao trabalho da Carla, da Ana e da Cristina; e aos telespectadores que nos enviaram as suas perguntas. Não pudemos fazer todas elas, mas, certamente, eles terão, depois, esclarecimentos em novos debates que a Cultura está sempre organizando, planejando novas discussões sobre a situação econômica e o Plano Brasil Novo. Muito obrigado e boa noite.