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Memória Roda Viva

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Benedito Ruy Barbosa

21/5/1990

O escritor e autor de telenovelas fala do sucesso de Pantanal, de seu processo criativo e do contexto político do Plano Collor

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Rodolfo Konder: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. Este programa é transmitido ao vivo pela TVs Educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É ainda retransmitido para mais de 15 emissoras que formam a Rede Brasil, através da TV Educativa do Rio de Janeiro. O convidado desta noite é o escritor e autor de telenovelas Benedito Ruy Barbosa. Você que está em casa nos assistindo pode fazer perguntas pelo telefone (011) 252-6525, que a Bernadete, a Shisuka e a Cristina estarão anotando as suas perguntas. Para entrevistar o escritor e autor de telenovelas Benedito Ruy Barbosa, nós convidamos as seguintes pessoas: Fátima Turcci, jornalista; Mário Cesar Carvalho, editor da Ilustrada, [caderno] da Folha de S. Paulo; Mário Prata, autor e diretor de teatro; Hamilton dos Santos, subeditor do Caderno Dois do Estado de S. Paulo; Dionísio de Azevedo, ator; Ana Maria Fadigas, diretora geral da revista Contigo; José Simão, crítico de TV; Leão Lobo, colunista de televisão da Agência Estado. Para registrar os melhores momentos do programa está conosco também o cartunista Paulo Caruso. Na platéia, assistem ao programa convidados da produção. O escritor e autor de telenovelas Benedito Ruy Barbosa tem 59 anos. [Sua idade é mesmo] 59?

Benedito Ruy Barbosa: Cinqüenta e nove.

Rodolfo Konder: Você me disse sessenta lá dentro!

Benedito Ruy Barbosa: Eu vou fazer ainda.

[Risos]

[...]: Diminuiu um ano!

Rodolfo Konder: Tem 59 anos e nasceu em Gália, no interior do estado de São Paulo. Veio para a capital em 1947 e fez carreira em jornalismo, foi revisor do [jornal O] Estado de S. Paulo e passou por todos os setores até chegar à chefia de reportagem. Teve uma passagem rápida pelo teatro, onde escreveu a peça Fogo Frio, dirigida por Augusto Boal. Trabalhou em publicidade ao mesmo tempo em que começava a escrever novelas para a televisão. Entre as novelas que escreveu estão Os imigrantes e Meu pedacinho de chão, novela que inaugurou o horário das seis da tarde na TV Cultura. Benedito Ruy Barbosa é especialista em adaptar obras da literatura brasileira para a televisão. Duas das suas mais conhecidas adaptações são: O tempo e o vento, de Érico Veríssimo [(1905-1975) escritor gaúcho mundialmente conhecido por retratar com fidelidade a maneira de ser, pensar e sentir do brasileiro do extremo sul do país, autor da famosa triologia O tempo e o vento, teve a obra traduzida para vários idiomas destacando-se no panorama da literatura brasileira], e O feijão e o sonho [telenovela exibida pela Rede Globo em 1976], de Orígenes Lessa [(1903-1986), jornalista e premiado escritor brasileiro, imortal da Academia Brasileira de Letras, publicou o romance O feijão e o sonho em 1938]. Sua atual novela, Pantanal, exibida pela TV Manchete [rede de televisão brasileira que operou entre 1983 e 1999, fundada pelo jornalista e empresário ucraniano naturalizado brasileiro Adolpho Bloch] às nove e meia da noite é um grande sucesso e vem obrigando as emissoras concorrentes a mudar sua programação para controlar os números do Ibope [Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, que mensura a popularidade da programação televisiva]. Boa noite, Ruy Barbosa.

Benedito Ruy Barbosa: Boa noite.

Rodolfo Konder: Esses anos têm sido marcados por mudanças aceleradas, e o início do século, ou dessa década que é a ante-sala para o século XXI, mostra mudanças muito grandes, muito profundas, algumas inesperadas no mundo inteiro e também aqui no Brasil. Um caso é [o] da televisão: a novela Pantanal significa uma mudança muito grande. E que instrumento... de que mudanças elas seriam hoje um instrumento, Ruy Barbosa? Que mudanças você acha que essa novela está trazendo para o quadro da televisão brasileira, que parecia praticamente intocável poucos meses atrás?

Benedito Ruy Barbosa: Bom, eu imagino que o que o Pantanal traz de novidade, que você chama de mudança, é, primeiro, a proposta de um ritmo de acordo com a região onde ela se passa. Há quem diga que a novela é lenta. Eu não acho que ela é lenta. O pantaneiro fala daquele jeito e não há quem tenha pressa vivendo no Pantanal. Por outro lado, também, ela coloca para o público - não é? - uma região da qual se fala muito, mas com pouca gente que conhece. Todo mundo fala: "Pantanal, Pantanal, Pantanal...", mas, de repente, você percebe num simples papo, até com pessoas de cultura, que ela não sabe situar o rio Miranda, não sabe onde fica o rio Negro, não sabe onde fica o [rio] São Lourenço, o [rio] Paraguai, e mostrar também aquela natureza, aquela fauna, aquela flora... De repente, eu acho que o grande mérito do Pantanal é que, sem ser realmente uma novela didática a respeito da ecologia, ela criou, no público em geral, a consciência de que aquilo lá é um paraíso, tem que ser preservado. Então, eu acho que a mudança que pode haver a partir do Pantanal... essa era a busca de temas novos também. Eu escrevi muitas novelas urbanas, rurais... a maioria rural. Mas eu acredito que já esteja, assim, havendo, da parte do público, um certo cansaço com as cenas à beira-mar, tomando chopinho nas praias do Rio de Janeiro, [dos bairros carioca como] Leblon, Copacabana, que foram palcos de muitas e muitas histórias, assim como também o urbano paulista. Está na hora de a gente começar a mostrar para o Brasil, para o brasileiro, o Brasil onde ele vive. Eu acho que essa proposta que o Pantanal traz no seu bojo é para mim a razão maior do sucesso.

Rodolfo Konder: No ritmo e no tema também?

Benedito Ruy Barbosa: No tema e no ritmo.

Dionísio de Azevedo: Há muito tempo que você queria fazer essa novela, né, Ruy?

Benedito Ruy Barbosa: É, Dionísio, essa história... sem fazer crítica a ninguém, a verdade é que cada vez que você tem uma idéia nova e você enfrenta o que está estabelecido e está dando certo também, como é o caso das novelas, fica difícil você convencer as pessoas a, de repente, sairem do Rio de Janeiro ou de São Paulo e levarem uma equipe tão grande quanto é necessário para se fazer novela - o Mário Prata sabe disso - para conviver no Pantanal com as piranhas, com os jacarés, como dizem, também com o homem pantaneiro. E há sete anos, mais ou menos, é que eu venho teimando com esse tema. Eu sou teimoso mesmo, você sabe. Mas não havia, assim... não encontrei guarida de ninguém. Na realidade, houve um momento em que... Eu estou falando da TV Globo, eu trabalhei 19 anos lá, uma casa que eu adoro, [onde] sempre fui muito bem tratado, nunca tive problema. Mas na verdade, havia, assim, uma certa reação. Primeiro, porque se adivinhava o alto custo da novela. Segundo, porque se pretendia também...

Rodolfo Konder: [Interrompendo] Ruy Barbosa, permita-me só um pequeno aparte. Você adora a TV Globo, mas você acha que a TV Globo ainda adora você também?

Benedito Ruy Barbosa: Não, eu acho que... eu sou profissional.

Rodolfo Konder: [Interrompendo] Neste momento, você não está criando um grande impacto que obriga a TV Globo a muitas mudanças [e] isso pode até provocar uma certa reação inicial de irritação?

Benedito Ruy Barbosa: Eu não tenho tido essa reação, pelo contrário, eu tenho recebido telefonemas até de amigos meus da Rede Globo me cumprimentando pelo trabalho, incentivando que a gente continue, não deixe a novela cair. É evidente que, pelo aspecto comercial da coisa, isso representa para a emissora... pode representar um certo prejuízo, mas a Globo é muito forte, ela passa por cima disso. Mas voltando à pergunta do Dionísio, houve um momento em que o Boni atendeu ao meu apelo, e ele mandou inclusive que se fizesse um estudo de viabilidade da novela. E nessa ocasião nós fomos para o Pantanal. Eu fui com a equipe: fui eu, o Herval Rossano [(1935-2007), ator e diretor de televisão brasileiro], o que tinha dirigido duas novelas minhas, o Atílio Riccó [ator, diretor e produtor brasileiro, foi diretor artístico da TV Manchete nos anos 1990. Seu maior sucesso foi como diretor da peça teatral Trair e coçar, é só começar, escrita por Marcos Caruso] e mais toda uma equipe técnica, para escolher a locação, para ver onde é que se poderia deixar o elenco. E naquela ocasião, o Sérgio Reis [(1940-), cantor sertanejo e ator brasileiro. Atuou como ator nas novelas Pantanal, A história de Ana Raio e Zé Trovão (ambas na extinta TV Manchete), O rei do gado, Paraíso (estas na Rede Globo) e Bicho do mato, na Rede Record]... ele tem um hotel fazenda no Pouso da Garça [O Hotel Fazenda Pouso da Garça, localizado na bacia do rio São Lourenço, operou de 1983 a 1999 e foi objeto de diversas produções televisivas, quando um dos sócios era Sérgio Reis]. O Pouso da Garça fica de avião monomotor, Skyland, fica a uma hora de vôo de Cuiabá [MT] . E quando nós chegamos lá, nós tivemos a má sorte de... Não pensamos nisso, chegamos em plena cheia pantaneira. E o Pantanal, quando ele enche, aqueles rios crescem demais, as lagoas todas se interligam e realmente aquilo vira um mar. E, nessa ocasião, desaparecem os bichos, ninguém sabe para onde eles vão. O jacaré você não vê quase, tuiuiú [ave de grande porte típica da região pantaneira também chamada de jaburu, mede aproximadamente três metros de uma asa a outra e chega até 1,60 metro de altura e 10 Kg] [se vê] um e outro - né? -, colhereiro [ave pernalta de pescoço longo, cujo nome se deve ao formato de colher de seu bico] então! E nós chegamos, realmente vimos muita água e muita capivara, [tinha] capivara até no campo de pouso, tinha que dar rasante com o avião para elas se afastarem e poder descer. E o que aconteceu? Quando eu vi aquilo... eu conhecia o Pantanal florido, na época da vazante, então eu quis fazer entender à equipe toda que não era para considerar aquele momento, a novela não poderia ser feita naqueles meses de cheia, mas esperar a vazante, que aí fica resplandecente o Pantanal. E parece que algumas pessoas dessa equipe não consideraram isso. Na verdade, o que aconteceu foi que o relatório final dessa viagem nossa não recomendou a realização da novela.

Fátima Turcci: Tem uma questão de tempo isso? Quer dizer, suponhamos que essa equipe técnica, sem ser essa questão do tempo físico, dessa situação em que estava o Pantanal, mas do fato de a ecologia estar mais forte hoje. Se essa mesma equipe, em sua opinião, fosse hoje com... Antes do sucesso da novela, mas com a ecologia como um tema tão forte e comerciável, você acha que poderia reverter essa análise final da equipe técnica?

Benedito Ruy Barbosa: Da equipe técnica não. Talvez da casa, eu acho. Porque - veja bem - a primeira pessoa... o primeiro telefonema que eu recebi de cumprimentos pelo Pantanal, no primeiro breaking da novela, foi do Herval Rossano, que, no momento, ele esteve contra, ele achava... Ele me dizia assim: “Você me calcule... você [vai] trazer um elenco para cá, uma atriz vai querer ter o camarim dela, entende? O mosquito 'morde', ela quer ir embora para casa.”.

[Risos]

Fátima Turcci: Atriz da Globo?

Benedito Ruy Barbosa: É! Entra na água, vê um jacaré, não entra nunca mais!

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: Sabe que o rio tem piranha, [por isso] nem bebe água nele. Então, essas coisas pesaram muito. E a diferença que existe... evidentemente, naquele tempo, não se falava em Partido Verde [partido político brasileiro surgido na década de 1980 com inspiração nas tendências ambientalistas européias], não se falava em ecologia, era um assunto ainda que não estava fervendo, como está hoje. Mas também acho que, pelo fato de nós estarmos vivendo um ano ecológico, isso também ajudou a Manchete a encarar o projeto. Também acho que, por outro lado, que o fato de a Manchete ter vindo de uma novela como Kananga do Japão [novela brasileira exibida entre 1989 e 1990 às 21h30, escrita por Wilson Aguiar Filho e dirigida por Tizuka Yamasaki, Carlos Magalhães e Wilson Sólon], que foi uma belíssima proposta, foi inclusive sucesso de crítica - né? - e atingiu um índice razoável para uma emissora que estava começando no tema novela. Eu acho que isso ajudou também, [e] de repente a Manchete falou: “Nós temos que ter uma coisa nova.”. E o Jayme Monjardim [(1956-), diretor brasileiro de televisão e cinema, bisneto do conde Francesco Matarazzo e filho do empresário André Matarazzo e da cantora Maysa], que tinha ido para lá, ele dirigiu para mim [a novela] Sinhá Moça [inspirada no romance homônimo de Maria Dezonne Pacheco Fernandes, de 1950], um trabalho notável dele.

Dionísio de Azevedo: Beleza de novela.

Benedito Ruy Barbosa: E ele estava impregnado...

Dionísio de Azevedo: Beleza, uma revelação total aquela novela.

Benedito Ruy Barbosa: E ele gostava muito da idéia do Pantanal. Então, quando ele me convidou, eu estava preso, por contrato, à Globo. Faltava um ano e meio para o meu contrato se encerrar. Quando ele me convidou para fazer o Pantanal, me acenou com a possibilidade de a Manchete topar o Pantanal [e] eu falei: “olha, condição sine qua non: se a Manchete topa, eu vou pedir para a Globo me liberar.”. Aí houve uma reunião da direção da Manchete, ele conseguiu convencer o pessoal todo lá, e ele me chamou, eu fui ao Rio, aí conversei com a direção da Manchete, e eu vi que eles não estavam brincando. Aí eu saí imediatamente, peguei o carro, fui até a Globo, pedi uma audiência com o Boni, falei: “Boni, me libera, né?!”. Eu tinha acabado de fazer Vida Nova [novela brasileira escrita por Benedito Ruy Barbosa, dirigida por Luiz Fernando Carvalho e exibida pela Rede Globo entre 1988 e 1989, às 18 horas], eu tinha um ano e pouco de férias, [e o Boni disse:] “Você acabou de fazer uma novela; você vai entrar em outra?”, eu falei: “não, mas é Pantanal, Boni!”. Aí ele falou: “Eu não acredito que eles possam fazer”.

Leão Lobo: Benedito, você disse aí, agora, [que] eles queriam uma coisa nova, né? E eu estava aqui, conversando agora há pouco, antes de entrar no ar o programa, com a Ana Maria Fadigas, e a gente estava falando o seguinte: parece que a novela da Globo ficou velha. O que era muito novo, o que era muito moderno, aquela novela moderninha da Globo, mas que, de repente, depois que o Pantanal entrou no ar com essa coisa simples, com essa linguagem do homem do campo, essa coisa toda, parece que, de repente, a Regina Duarte [(1947-), uma das mais requisitadas atrizes da TV brasileira] ficou pesada, a história toda da Rainha da sucata [novela exibida em 1990 pela Rede Globo, que teve como personagem principal Maria do Carmo, vivida por Regina Duarte, uma empresária que fez fortuna a partir dos negócios de seu pai, que trabalhadva com ferro-velho], que era uma coisa leve, inclusive, parece que ficou pesada, ficou velha. Você percebe isso? Você acha que houve essa mudança? Quer dizer, [você acha] que a sua novela realmente inovou em termos de linguagem? Pegando até uma coisa... acho até que a novela é uma novela mais antiga. Na minha cabeça, eu que assisto novela desde 1962, que eu vi a primeira novela na televisão brasileira, eu diria, assim, [que] é uma proposta antiga, simples e tal. De repente, ela ficou nova porque era tanta modernidade...

Benedito Ruy Barbosa: Exatamente.

Leão Lobo: ... quer dizer, era uma coisa tão exagerada, tão histérica - eu acho, né? - as novelas da Globo tão histéricas, gritam tanto, [têm] um compromisso de ser [algo] moderno sempre, de ser engraçado sempre, que parece que a sua novela - que não é nada disso - virou nova. Você percebe isso? Você sente isso? Que isso é verdade?

Benedito Ruy Barbosa: Para lhe ser franco, Leão, o ritmo do Pantanal não é novidade para mim. O Dionísio dirigiu na TV Excelsior [extinta rede de televisão brasileira pertencente ao empresário Mário Wallace Simonsen, que operou entre 1960 e 1970 no canal 9. Treze anos depois, Adolpho Bloch ganhou a concorrência aberta para o canal pelo governo militar com a falência da TV Tupi, incluindo também a concessão da Excelsior, e inaugurou a Rede Manchete] A fonte, Ana Terra e Um certo capitão Rodrigo...

Leão Lobo: Bárbaro.

Benedito Ruy Barbosa: ... e em [A] Fonte, inclusive... o ritmo da Fonte, de narrativa, era o ritmo do Pantanal, só que naquele tempo as novelas, elas não eram essa loucura de hoje: você não era obrigado a fazer 35 cenas por capítulo, não ficava "Corta aqui, corta lá, vai para lá...", entende? De repente, para mim, a novela está virando um videoclipe, quer dizer, inclusive você não tem tempo nem de analisar o que está sendo dito. É tão rápido. O Pantanal não. É uma novela mais contemplativa. Eu acho que ela relaxa um pouco. As pessoas [dizem]: “Como relaxa ver o Pantanal”.

Leão Lobo: É o que eu tenho ouvido sempre.

Benedito Ruy Barbosa: E dá tempo de você pensar um pouco até no que está sendo dito. Eu leio críticas que dizem assim, que às vezes o texto é longo. É o texto mais curto da minha vida. Eu já estou no capítulo 73 do Pantanal...

Leão Lobo: [Interrompendo] Mas o texto é valorizado.

Benedito Ruy Barbosa: Eu nunca escrevi mais que um texto de lauda em um monólogo para ninguém.

Hamilton dos Santos: Benedito, há todo esse discurso em função da exuberância do Pantanal, por ser um paraíso perdido e tal. Agora, a gente vê que há alguns truques na novela, por exemplo, o dia [em] que a novela conseguiu maior audiência foi quando se mostrou a Cristiana [Cristiana Oliveira (1963-), atriz brasileira que fez o papel de Juma, que inicialmente seria para a atriz Glória Pires. Sua atuação em Pantanal deu-lhe prêmios no Brasil e no exterior] nua. Eu quero saber o seguinte: a televisão está lhe pressionando para criar esses outros truques? Quais serão os próximos truques do Pantanal? E o que você pensa dessas declarações sobre que você está explorando muito sexo na novela?

Benedito Ruy Barbosa: Primeiro, eu respeito. A crítica você tem que respeitar. Todo mundo não pode pensar por uma cabeça só. Mas esse negócio do nu na novela, isso é opção minha, jamais me pediram para que fizesse cenas de nu. É que quando eu conheci o Pantanal, muito tempo atrás... é irresistível aquilo. Sabe, a emoção minha... eu fui estimulado a tirar a roupa e mergulhar naquelas águas. E só fiz isso, molequinho, quando eu tinha 12, 13 anos e que nadava no rio da Garça, lá em Vera Cruz, no Ipiranguinha, no rio do Peixe. Mas você chega no Pantanal, você chega numa prainha daquela do [rio] São Lourenço ou mesmo no rio Negro, que é lindo - [o] rio Negro é bonito à beça -, não tem ninguém ali, você olha em cima, assim [e pensa]: Poxa! Aquele viveiro de garças brancas... de repente está passando um jacaré... que ele vai embora, você entra até aqui [mostra a altura do joelho] na água? É besteira; você acaba entrando de uma vez. Então, a primeira vez que fui lá, eu tirei a roupa e entrei peladão lá.

[...]: Quer dizer, o primeiro a ficar nu foi o autor?

Benedito Ruy Barbosa: Foi o autor.

[Risos]

[Sobreposição de vozes]

Hamilton dos Santos: Você acha então que a novela se sustenta até novembro? Ela vai sem truque, sem necessidade de se começar a criar truque? Porque...

Benedito Ruy Barbosa: [Interrompendo] Você sabe uma coisa, os melhores índices nossos não foram os capítulos [com] nus. Mas os picos da novela, os picos não são necessariamente as cenas de nudismo, porque tem outra coisa também, aí é uma questão de proposta. Eu acho que às vezes é muito mais agressivo para o público um diálogo infeliz - que a gente não leve em consideração esse público heterogêneo que a gente tem na frente da gente, quando exibe a novela - do que uma cena bonita, lírica, entende? Porque eu não vejo choque no Pantanal, quer dizer, posso estar, sei lá... mas pessoas que sempre criticaram, moralistas, conservadoras, hoje me ligam para dizer: “[É a ] Primeira vez que eu vejo uma coisa tão bonita!”. Não há maldade nisso. O sucesso do Paulo Gorgulho [(1959-), ator brasileiro que se tornou galã televisivo em Pantanal , novela em que viveu o personagem José Leôncio, na primeira fase, e, na segunda fase, José Lucas de Nada] nasceu da pureza do amor que ele fazia ali. Se vocês observarem bem é um amor sem sacanagem, é uma coisa que vem do instinto mesmo, entende? De repente, a gente se coloca lá.

Mário Prata: Ruy, faz tempo que quero fazer uma pergunta para você, que desde o começo...

Benedito Ruy Barbosa: Faz.

[Risos]

Mário Prata: Que está todo mundo... ! Em primeiro lugar, meus parabéns por isso tudo aí.

Benedito Ruy Barbosa: Obrigado.

Mário Prata: Eu fiquei muito contente, até de a imprensa, a crítica, reconhecer você como um autor não apenas das seis horas, mas das nove e meia, das oito e meia, das dez e meia, esse sucesso todo. Eu queria te fazer uma pergunta no seguinte sentido: hoje, segunda-feira, este programa aqui é ao vivo, são quinze para as dez. No canal 9 está passando...

[José Simão]: É hora do Pantanal!

Mário Prata: O Pantanal.

[Risos]

Mário Prata: A TV Globo fez uma armação de [passar no mesmo horário] filmes nacionais, com nus inclusive; o SBT também fez uma programação de filmes, tirando de fora o que eles tinham de melhor em termos de Ibope, que era a linha de shows. E você está no quarto canal, aqui, dando uma entrevista, ou seja, você é a programação dessa segunda-feira em São Paulo e em grande parte do Brasil.

Benedito Ruy Barbosa: Dá até medo de pensar nisso.

Mário Prata: É. Você é hoje... Você estava nervoso no começo aí, [dizendo:] "Não sei o que eu estou fazendo aqui.". Você está aqui por isso. Eu queria saber...

Entrevistador: E sem a nudez!

[Risos]

[...]: E nem ficou sem roupa!

Mário Prata: Eu queria saber o seguinte: como é que é, na tua cabeça, Ruy, esse sucesso? Não vem falar assim: “Não é sucesso.”. É um 'puta' sucesso, são quatro canais disputando você, disputando o seu trabalho, ou seja, você está hoje com 95% da audiência, hoje, nesta segunda-feira, em cima de você, briga por você. Como é que está funcionando isso na sua cabeça? Você, que fazia uma novela como o autor das seis e não sei o quê... e sai e faz esse estouro?

Benedito Ruy Barbosa: Aí tem uma coisa engraçada, quer dizer, boa pergunta a sua.

Mário Prata: Um pouco longa talvez.

Benedito Ruy Barbosa: Não, não, perfeito, eu acho. Eu comecei a fazer novela às oito horas na TV Tupi [primeira emissora de televisão do Brasil. Sediada em São Paulo, esteve em atividade de 1950 a 1980], com a novela Somos todos irmãos, e eu guardo, assim, como lembrança boa. Essa novela foi recorde de audiência entre todas as novelas da Colgate [nas décadas de 1950-60, era comum que fabricantes de cosméticos e produtos de higiene e limpeza patrocinassem as novelas diárias, não só no Brasil mas, principalmente, nos EUA onde, inclusive, novela é chamada de soap opera, termo criado ainda nos anos 40 quando a Colgate-Palmolive começou a patrocinar esse tipo de programa], com Sérgio Cardoso [(1925-1972), ator, diretor e cenógrafo brasileiro. Em 1954, ao lado de sua mulher, cria a Companhia Nydia Licia-Sergio Cardoso. Onde formou sua companhia de teatro, hoje existe o Teatro Sérgio Cardoso] e Rosamaria Murtinho [(1935-), atriz brasileira com atuações nas TVs Tupi, Excelsior, Globo e Manchete (nesta última, participou das novelas Kananga do Japão e Pantanal)], era uma adaptação livre que eu fiz de A vingança do judeu, do conde de Rochester [John Wilmot, um almirante sob o reinado de Carlos II, na Inglaterra, foi conde de Rochester. Foi poeta com obras reconhecidas e, depois de sua morte, a médium W. Krijanowusky passou a escrever seus trabalhos, entre os quais A vingança do judeu, uma história de amor que envolve uma dívida de honra e fragmentos de duas religiões monoteístas], é um livro psicografado. A segunda também foi no mesmo horário, também na TV Tupi. Nós mantivemos o horário que era O anjo e o vagabundo, também com Sérgio Cardoso, Rosamaria Murtinho, ambas dirigidas pela Wanda Kosmo [(1930-2007), escritora, atriz e diretora brasileira]. Dali para frente eu não fiz mais novela para as oito horas; quis o destino que, de repente, eu fosse das seis horas. Eu estreei na Globo com O feijão e o sonho, às seis horas. Como deu certo, nunca mais me deixaram sair. É público e notório, meus amigos sabem, que eu batalhei muito tempo lá para sair desse horário. Normalmente porque o horário das seis horas - você sabe muito bem disso - restringe muito a temática que você quer abordar. Então, você tem que parar no meio da cena, você não pode concluir certos pensamentos seus, certas situações. O que hoje no Pantanal você pode fazer. Às seis horas, não pode pôr um nu dentro da água, ou não punha, pelo menos. Mas eu tive audiência de setenta, 70, 73 [pontos no] Ibope... 74, sessenta e poucos. Houve uma ocasião - eu não me lembro que novela - que novela das seis dava mais do que das oito, entende? Parece que foi com Cabocla ou Paraíso que eu tive, assim, picos de audiência batendo até [a novela d]as oito horas. O que ocorre hoje é que, para minha sorte e para sorte da TV Manchete, toda a crônica especializada, a crítica de televisão pode ver Pantanal. Então eu vi amigos meus da própria crítica, que diziam assim, por exemplo: "Cabocla merecia o prêmio da APCA [Associação Paulista de Críticos de Arte]"; mas Fulano não via, Beltrano não via, então como é que você vai votar numa coisa que você não está vendo? Então, eu só consegui esse prêmio em novela com Os imigrantes, porque Os imigrantes, da [rede] Bandeirantes também, ele teve o condão de ser assistido por um grande número de críticos também, que se interessaram pela novela, falavam sobre a novela. Hoje eu acho que aconteceu isso: o fenômeno todo de audiência que a novela tem se deve a muito à alta mídia que ela alcançou naturalmente, até em detrimento...

[...]: Pelo talento dela.

[Sobreposição de vozes]

Benedito Ruy Barbosa: É porque o crítico viu. Às vezes, eu pego uma crítica lá contra alguma coisa da novela, eu não me aborreço, eu falo: “puxa, [esse crítico] está vendo!”. Então, pode ser que amanhã ele vai gostar de outra cena, hoje ele não gostou dessa, porque também não pode gostar de todas; nem todo dia se faz o melhor.

Fátima Turcci: Mas a crítica chega a pautar o seu trabalho, quer dizer, você chega a mudar alguma coisa em função... ?

Benedito Ruy Barbosa: Não que eu mude, mas eu considero, mesmo porque eu trabalhei em jornal muito tempo. Pelo menos no meu ponto de vista, eu procurava ser honesto naquilo que eu estava fazendo.

Rodolfo Konder: Ruy Barbosa, nós vamos fazer uma pequena... Dar um pequeno espaço para os telespectadores, que já há muitas perguntas aqui...

Benedito Ruy Barbosa: [Interrompendo] Eu não quero ser muito prolixo, vocês me podem aí.

Rodolfo Konder: ... e depois nós voltamos aqui para encerrar a primeira rodada com as perguntas daqueles que ainda não fizeram perguntas. O Vagner Bertoleto, de São Caetano do Sul, pergunta se é verdade que a sinopse da novela já estava na Globo e por que eles não aceitaram o seu projeto. E a Margarida Pereira, da Lapa, nessa mesma linha, pergunta se é verdade que a Globo recusou os direitos do Pantanal quando [a novela] foi oferecida. Vamos fazer respostas rápidas.

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho que essas duas eu já respondi, né?

Rodolfo Konder: Você já disse que...

[Sobreposição de vozes]

Rodolfo Konder: O João Carlos Dadi, de São Caetano do Sul, pergunta se o diretor da novela vem retratando exatamente o que você escreve, se há fidelidade total ao texto.

Benedito Ruy Barbosa: Há sim. Há um bom casamento, um feliz casamento.

[...]: [Era] A minha pergunta...

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: Ele é muito sensível, o Jayme Monjardim. Foi ele quem deu o tom. Os primeiros trinta capítulos ele dirigiu praticamente sozinho. Hoje, nós temos uma série do Carlos Magalhães [que dirigiu uma parte da novela], tal, do Roberto [Naar, que dirigiu outra parte], mas na verdade o tom foi dado por ele.

Rodolfo Konder: Armanda Pastori, de Tatuapé, pergunta se você vê a possibilidade de fazer uma novela sobre índios.

Benedito Ruy Barbosa: Acho muito [enfatiza] difícil, muito difícil. Eu acho que seria mais fácil fazer um longa metragem, porque não vai haver índio, vai ter que gravar 180 capítulos. Eles vão pescar, não querem nem saber.

[Risos]

Rodolfo Konder: A Rita de Cássia, de São Caetano do Sul, pergunta se você tem feito alguma outra coisa em favor da ecologia, além dessa sua novela.

Dionísio de Azevedo: Meu pedacinho de chão [telenovela brasileira produzida pela Rede Globo e exibida às 18 horas entre 1971 e 1972. Foi escrita por Benedito Ruy Barbosa, com colaboraçao de Teixeira Filho, e dirigida por Dionísio de Azevedo].

Benedito Ruy Barbosa: Meu pedacinho de chão. Sempre que eu fiz novelas rurais, de uma certa forma...

Dionísio de Azevedo: [Interrompendo] Paraíso, Cabocla...

Benedito Ruy Barbosa: ... de certa forma, só pelo fato de situar a ação no mapa, no campo, à beira de rio, lidando com a natureza, você está valorizando esse cenário, e, por conseqüência... mas eu nunca tive a preocupação de fazer discurso a respeito disso.

Rodolfo Konder: Já houve outras novelas suas em que você abordou.... Flávio Conteiros, de Moema, pergunta: “Em que experiências pessoais você se inspirou para fazer o Pantanal?”.

Benedito Ruy Barbosa: Aí é uma longa história. São experiências que vêm desde o começo da minha vida. A Juma [personagem de Cristiana Oliveira, uma mulher selvagem que vivia no Pantanal e que, segundo a lenda, virava onça, como sua mãe Maria Marruá, interpretada pela atriz Cássia Kiss]... a Maria Marruá era a minha avó, na verdade; a mulher que vivia no campo, passava aperto. Na época, o meu avô viajava, ficava muito tempo fora, ele era fazendeiro, ela matava onça em volta da casa.

Ana Maria Fadigas: Tinha um pouco a ver com a Ana Terra [personagem criada por Érico Veríssimo na obra O tempo e o vento, vivida por Glória Pires na minissérie homônima], não tinha?

Benedito Ruy Barbosa: Tinha, tinha também, e são pessoas que a gente conhece ao longo da vida da gente, né? Eu acho que nem tudo é pura ficção, a gente sempre vai beber em alguma fonte.

Rodolfo Konder: A Maria Ângela Conteiros pergunta se você já viveu no Pantanal.

Benedito Ruy Barbosa: Viver exatamente, não vivi. Mas eu vou muito lá.

Rodolfo Konder: Antonio Silva, de Mogi das Cruzes, ele pergunta se o grande sucesso da novela se deve basicamente à redescoberta do Brasil e aos valores nacionais.

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho que a pergunta tem muito a ver. Eu acho que, de repente, o público se encantou com a paisagem desconhecida para ele.

Dionísio de Azevedo: Ou seja, o Pantanal é o grande responsável pelo sucesso da novela.

Benedito Ruy Barbosa: Exatamente, o principal personagem é o Pantanal. Eu sempre digo que o Pantanal...

Mário Prata: [Interrompendo] Deixa eu perguntar uma coisa aí... Mas depois me põe em primeiro lugar; promete?

[Risos]

Rodolfo Konder: Olha, Otávio Mesquita, apresentador do programa Perfil, do SBT, e publicitário, pergunta: “Como você pretende trabalhar o merchandising na novela Pantanal sem poluí-la?”.

Fátima Turcci: Já tem bastante.

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho o seguinte, eu sempre digo que o merchandising é um mal necessário na novela. Eu não acho nem que seja um mal, porque ele traz recursos para que sejam aplicados na própria novela. O Pantanal é uma novela de altíssimo custo. Acho que uma das novelas mais caras que já se fizeram na televisão brasileira.

Fátima Turcci: Sete milhões de dólares. É isso?

Benedito Ruy Barbosa: Já passou de sete.

Fátima Turcci: Já?

Benedito Ruy Barbosa: É porque agora nós resolvemos passar tudo para o Pantanal, abandonar um pouco o Rio de Janeiro, porque a novela vai para o Rio [e a audiência] cai. O público se queixa, o público não quer ver Rio de Janeiro, ele quer ver mato. Então, voltando à pergunta, eu acho que... Poxa, me perdi!

[...]: Sobre merchandising.

Benedito Ruy Barbosa: Ah, bom! Eu estou lá com a relação, acho que de 22 produtos para entrarem na novela. A Manchete deixou totalmente ao meu critério fazer ou não esses contratos. Então, nós temos produtos, assim, que são inerentes à própria vida do Pantanal. Por exemplo, não vai chocar ninguém se, de repente, alguém estiver dando um certo determinado sal para o gado, porque o gado, ele come o sal, ele precisa do sal. Vacinas, por exemplo, que são para matar os vermes do gado; o gado engorda. Isso passa a ser até uma coisa que vai se ensinar; a respeito disso, há muita gente que nem sabe que tem a vacina, tem muito criador de gado aí que não tem tanta informação... que possa utilizar até disso. Um trator, por exemplo, no Pantanal se utiliza muito. É com trator que você tira do atoleiro caminhões e Toyotas da vida, que tem por lá. Esses produtos... Avião, se usa muito avião. O que mais que eu poderia dizer?

Fátima Turcci: Barco, motor.

Benedito Ruy Barbosa: Barco.

[...]: Você contou a história de uma câmera também.

Benedito Ruy Barbosa: Uma câmera. A câmera, essa câmera pequenininha da Sanyo [empresa japonesa de eletroeletrônicos].

[...]: Handcam [câmera portátil].

Benedito Ruy Barbosa: É, handcam. Aí, quando pintou esse negócio, eu fiquei pensando: “mas olha, calha como uma luva”. Por quê? Porque o jovem é um artista, ele é um fotógrafo. Então, eu pensei: "se botar essa câmera na mão dele, que imagens lindas eu posso fazer.", quer dizer, justifica até ele ficar meia hora embaixo de um ninhal, lá, pegando os melhores momentos. E através dessa atitude dele a gente mostra um pouco mais da beleza pantaneira. Então, nesse sentido, eu acho - viu, Otávio - que o merchandising não vai poluir; nós estamos tomando muito cuidado com isso. Eu já recusei muito, já briguei muito por não querer merchandising em novela minha, por achar que não cabiam. Em uma certa ocasião... até porque achava que eu estava enganando o público, não quero entrar em detalhe aqui, mas foi numa época do Cruzado Novo, aí, que tinha gente vendendo sítio para pagar trator, sabe? E queriam que eu fizesse um merchandising a respeito de um banco, fazer o cara entrar no banco para fazer um empréstimo. Eu falei: “mas nunca! Só se eu vou tratar de imbecil meu personagem, né?”. Então eu recusei, não fiz. E a empresa reconheceu que não era o momento certo para fazer aquilo também.

José Simão: Benedito, o seu trabalho a gente já viu. Agora, como [é] que você trabalha? Quantos capítulos você já tem prontos? Como [é] que é essa coisa de trabalhar? Você vê os capítulos, depois faz? Como é? Quer dizer, a tela o inspira para os próximos capítulos? Porque eu tenho notado uma coisa nítida, que é assim, quer dizer, as melhores cenas são as que estão perto da mata. Quer dizer, o Pantanal é bonito e tal, mas o que tem mais emoção... quer dizer, quanto mais se afastam da mata, as cenas caem?

Benedito Ruy Barbosa: É verdade.

José Simão: Não é verdade? Do Pantanal, os diálogos são melhores. Quando vem para dentro da casa, cai um pouquinho a dramaticidade, e quando vai para o Rio [de Janeiro] cai menos... cai mais ainda, quer dizer, a mata te inspira? A tela que você vê, como [é] que é o negócio?

Benedito Ruy Barbosa: É uma pergunta ótima. No começo, a minha proposta inicial do Pantanal era fazer tudo no Pantanal. Mas, evidentemente, você não pode contar, primeiro, com o tempo sempre aberto, sempre ensolarado. Agora mesmo, ninguém vai entrar na água lá. Com cinco graus, quem vai entrar na água? Eu mato o ator, entende? Ninguém tira a roupa [quando faz] cinco graus e entra num rio daquele. Então, nessa reestruturação da novela...

José Simão: [Interrompendo] Então não vamos ter mais nu? [risos] A turma da libido vai chiar!

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: Mas, dentro desse processo todo, eu tive que... Eu reescrevi a história. Quer dizer, aquela história que eu havia feito quase sete anos atrás, eu reescrevi toda ela. E para tornar exeqüível o projeto, eu criei um núcleo no Rio de Janeiro, que, no começo era só en passant e acabava logo a história, e nunca mais se voltava para lá, entende?

José Simão: É porque a novela cai muito quando vai para o Rio, as emoções, os diálogos, principalmente.

Benedito Ruy Barbosa: As histórias paralelas também, no Rio... Para dizer assim: nós temos dez dias de gravação no Pantanal, dez no Rio de Janeiro [e] está pronto o texto.

Leão Lobo: Não tem a ver também com a sua emoção, que é ligada... ?

Benedito Ruy Barbosa: Tem.

[Sobreposição de vozes]

José Simão: É isso que eu estou querendo dizer. Quanto mais [..], mais emocionante; quanto mais afasta...

Benedito Ruy Barbosa: É que eu mesmo não sinto... quer dizer, eu falo: "estou muito no Pantanal, meu Deus do céu! Vou sobrecarregar lá, eu vou dar trezentas e tantas cenas para gravar em 'xis' dias.". Então eu tenho que ir para o Rio de Janeiro; então aí conduz a história. Quando chega ao Rio de Janeiro... Quando eu estou no Pantanal, eu consigo fazer assim, digamos, em três horas de trabalho, eu quase fecho o capítulo. Todo capítulo que [é gravado quando] eu vou para o Rio de Janeiro, eu demoro seis horas.

José Simão: Eu tenho notado isso, quer dizer, quanto mais perto da mata é melhor?

Benedito Ruy Barbosa: Eu levanto, eu desço, eu volto. Então...

Leão Lobo: Aquele psicólogo, por exemplo, que é o mais urbano dos personagens da novela, ele é o mais falso na novela, me parece. Parece que não tem ação, quer dizer, a gente não sabe se a casa dele... Acho que é um erro de cenografia também, a gente não sabe se é o consultório ou se é a casa dele...

Benedito Ruy Barbosa: Ali falta o elemento clientela para ele também.

Leão Lobo: Exatamente.

Benedito Ruy Barbosa: Porque você não pode ter novela o tempo todo assim, com participações especiais, que elevam o custo da novela e na verdade... Primeiro, eu não sou um psicólogo, eu vou entrar num tema que eu não domino, então eu posso correr o risco de dizer muita besteira, não é verdade? Então,...

José Simão: E quando você escreve, você tem uma câmera na cabeça. Você ajuda essa coisa... ?

Benedito Ruy Barbosa: Olha, eu não sei, eu tenho que me segurar para não fazer muita margem à esquerda.

José Simão: O que é margem à esquerda?

Benedito Ruy Barbosa: Eu divido em duas partes: o diálogo, [do] lado direito... À esquerda você tem as anotações para a câmera, essas coisas mais. Eu tenho o mau costume de ficar botando o subtexto para o ator do lado esquerdo.

Leão Lobo: Ficar dirigindo a novela, né?

Benedito Ruy Barbosa: É.

[Risos]

José Simão: Já chega pronta. [risos]

Benedito Ruy Barbosa: Não é todo diretor que gosta disso; eu também perco muito tempo com isso, então...

Rodolfo Konder: Essa sua experiência permitiu, por exemplo, a você... O Danilo Marcos, de Porto Alegre, ele pergunta se você se deu conta [de] que o personagem Jove [vivido pelo ator Marcos Winter] vinha voando num avião Cessna [da empresa norte-americana Cessna Aircraft Company] asa alta e quando o avião pousou já era um Piper asa baixa.

Benedito Ruy Barbosa: Foi um grande erro de continuidade que só não foi refeito porque não houve condição de voltar ao Pantanal para fazer só a cena; já tinha todo mundo voltado, isso foi observado e nós tivemos que encarar esse erro.

Rodolfo Konder: Está certo. Osvaldo Oliveira Dantas, de Pinheiros, pergunta se também você não considera uma falha o fato de dois personagens sendo tão parecidos, como é o caso do José Leôncio [personagem vivido pelo ator Cláudio Marzo] e o seu pai [Véio do Rio, personagem vivido pelo mesmo ator], que ninguém tenha desconfiado que um era filho do outro, se isso não é uma falha.

Benedito Ruy Barbosa: Houve desconfiança, mas...

Fátima Turcci: Todo mundo já desconfia.

Benedito Ruy Barbosa: Todo mundo, tanto que... Primeiro, tem um detalhe muito importante para explicar porque aconteceu isso. A novela é uma coisa maluca, é uma obra aberta mesmo - aberta, às vezes rachada também -, é fogo! Então, o Cláudio Marzo [(1940-), ator brasileiro com inúmeras atuações na televisão e no cinema] não ia fazer o Zé Leôncio maduro; quem ia fazer era o Carlos Alberto [(1925-2007), ator brasileiro de televisão e cinema], não é? Então não teria esse problema da semelhança entre o Velho do Ninhal [Velho do Rio] e ele, Carlos Alberto. Ocorre que houve um acidente no Pantanal, o Carlos Alberto... o cavalo empinou com ele, caiu em cima dele, ele teve que ir para o Rio de Janeiro se cuidar [e] o tempo que ele demoraria para ficar bom e voltar ao Pantanal tornava impossível a gente poder contar com ele. Como o Cláudio Marzo já estava fazendo o velho, estava lá, e como ele é um ator excepcional, nós tivemos que optar por ele. E, para a nossa sorte, ele topou; era uma emergência. [Dissemos ao Cláudio:] “Olha, Cláudio, pega e faça, pelo amor de Deus, o Zé Leôncio, porque...” Mas na hora, nós esquecemos do velho. De repente, o filho lá, igual à cara do pai, tanto que, em seguida, eu fui consertando isso aqui, porque não era para ninguém saber.

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: "Parece seu pai. Nossa, parece meu pai. Será que não é?" Quando fui tirar a bala dele, [ele era] a cara do velho.

Fátima Turcci: Isso não é gostoso, não é um pouco da riqueza do jornalismo, inclusive, a mudança, a adaptação?

Benedito Ruy Barbosa: Tem que conviver com isso. É como a atriz [que] engravida na vida real, você não pode tirar da novela, tem que engravidar na novela também.

Mário César Carvalho: Viu, Ruy. Eu queria conversar um pouquinho sobre a questão do papel do dramaturgo mesmo, na novela. Você disse que o grande personagem da sua novela é o Pantanal. Isso, levado às últimas conseqüências, significa que o dramaturgo não tem importância nenhuma. Você acha que qualquer ator faria uma novela, transformaria o Pantanal num fenômeno simplesmente com o cenário?

Benedito Ruy Barbosa: Olha, aí... qualquer um não...

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: ..., mas nós temos muitos que fariam.

Mário César Carvalho: Você acha que é fácil, [que] qualquer pessoa pegaria esse cenário natural belíssimo e transformaria num fenômeno de audiência? Essa é a questão?

Benedito Ruy Barbosa: Podia ser outra história [que] também desse certo.

[Sobreposição de vozes]

Mário César Carvalho: Isso significa que você não tem importância como dramaturgo?

Benedito Ruy Barbosa: Eu tenho a importância que qualquer autor de novela tem.

[...]: Você está muito humilde assim. Não é verdade.

Benedito Ruy Barbosa: É verdade.

[Sobreposição de vozes]

Hamilton dos Santos: Ruy, por que a dificuldade de vender o projeto, afinal?

Benedito Ruy Barbosa: Hein?

Hamilton dos Santos: Por que a dificuldade de vender o projeto, então?

Benedito Ruy Barbosa: Pelas dificuldades de realizar, mas só que houve um erro de análise de quem de direito... Porque o que mais se...

Hamilton dos Santos: [Interrompendo] Da Globo, o senhor diria?

Benedito Ruy Barbosa: É. O que mais se temia quando essa coisa foi levantada: "Vamos fazer, vamos fazer."... no momento em que vamos fazer, chegou-se a mandar equipe para lá, quer dizer, havia um momento ali que poderia ter dado certo. Mas o que pesava mais era se julgar que ator nenhum ia topar o Pantanal. A gente tem problema, o Mário [Prata] sabe disso, aqui no Rio de Janeiro: em conservatório, tem gente que chia por causa de hotel, entende? Quer dizer, tem muita coisa, muita frescura também. Aí eu cheguei a pensar, conhecendo o hotel, sabendo que aqui de noite, às seis horas, bate uma mosquitada danada, "quem vai ficar aqui?". Resultado: a equipe da Manchete cansou de ir ao Pantanal. O grande problema era tirar o pessoal de lá...

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: ... porque às vezes, assim, certas pessoas do elenco terminam o seu plano de gravação e o time vai ficar mais três dias; eles não querem vir embora, porque aí eles vão pescar, aí eles saem de barco, vão passear à vontade. Não estão trabalhando, usufruem mais do Pantanal, dormem quatro no quarto...

Hamilton dos Santos: [Interrompendo] Isso dá muito uma idéia de militância e tal. Mas uma coisa que eu queria saber: os atores estão ganhando muito dinheiro? Você está ganhando muito dinheiro com Pantanal?

Benedito Ruy Barbosa: Olha... Pelo que eu estou sabendo, a Manchete está pagando bem o elenco.

Leão Lobo: A Manchete paga melhor que a Globo. Essa é a verdade.

Benedito Ruy Barbosa: É o que consta, é o que falam. Como autor, eu acho que eu estou ganhando praticamente a mesma coisa que ganhava na Globo.

[Risos]

[...]: Ruy, quanto ganha um ator de telenovela no Brasil?

Benedito Ruy Barbosa: Aí depende.

[...]: Do quê?

[...]: Quanto ganha Cristiana Oliveira?

Benedito Ruy Barbosa: Não sei. Essa parte de grana o autor nunca sabe.

[...]: Você não sabe?

Benedito Ruy Barbosa: Não sei.

[...]: Quanto ganha um autor de telenovela?

Benedito Ruy Barbosa: Mas eu não fiz o meu imposto de renda!

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho que eu não devo dizer, falar sobre isso.

Ana Maria Fadigas: Ele não vai responder mesmo, então eu já sei, se ele responder [...] .., manchete de amanhã. [risos] Eu acho o seguinte, que o sucesso que você fala, que ele perguntou do autor, eu acho que é meio humilde você falar que não, porque o Pantanal, se fosse sucesso em si, o Globo Repórter [programa sobre comportamento, aventura, ciência e atualidades exibido pela Rede Globo] sobre o Pantanal era uma audiência de 100%; não é verdade! Eu acho que a ecologia, quando é tratada didaticamente - em minha opinião -, eu acho que ela é chata. A grande sacada do Pantanal é que tem você por traz, ou seja, tem uma coisa no ser humano, que essa novela resgata e que eu fico super comovida e acho isso lindo, porque o feminino está resgatado nessa novela. E a Juma, por exemplo, é uma mulher feminina e mais equilibrada, e moderna, e atualíssima: vanguarda. É uma coisa muito bonita.

[Risos]

Dionísio de Azevedo: Claro que não é só o Pantanal.

José Simão: Juma de vanguarda é ótimo! [risos]

Ana Maria Fadigas: Sabe, não é o Pantanal. Então não repita mais isso, porque é assim, sabe? O que eu queria te perguntar é quem é o grande personagem, quem "é você" nessa novela? Quem [é] que, quando você escreve, vai mais de você? Se é que tem isso.

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho que vai um pouquinho para cada um: é uma divisão aí.

Ana Maria Fadigas: É uma divisão?

Benedito Ruy Barbosa: É aquilo que eu te falei...

Leão Lobo: O Zé Leôncio não é mais?

Benedito Ruy Barbosa: O Zé Leôncio é bastante, bastante. Eu, se pudesse viver no Pantanal, eu acho que eu seria ele, sabe?

Dionísio de Azevedo: É o Leôncio!

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: E essa coisa que você está falando... tem uma coisa engraçada que acontece comigo lá - meus filhos tiram o sarro em cima de mim -, eu trabalho sozinho no escritório, às vezes eu estou lá embaixo, estou morrendo de rir. Às vezes, [algum filho] sobe para ver o que eu estou escrevendo. Eu entro tanto no processo que dá ataque de riso. Como, às vezes, eu também fico embargado, sabe? Tem cenas que eu fico que eu não me aguento.

Dionísio de Azevedo: Ele se entrega muito, eu sou testemunha disso. Ele se entrega de peito aberto.

Ana Maria Fadigas: Eu acho que o Pantanal é lindíssimo.

Benedito Ruy Barbosa: O parto da Maria Marruá eu escrevi e, no final, eu desci, fui lá, tomei um tanto assim [gesto indicando uma quantidade grande] de vodka, falei: “agora vou relaxar, senão eu não almoço hoje.”. Eu fiquei tomado, eu vi aquilo tão forte.

Leão Lobo: Hoje você tomou vodka para vir para cá?

Benedito Ruy Barbosa: Não.

[Risos]

Dionísio de Azevedo: Ruy Barbosa, a respeito dessa questão, de ser Pantanal, de não ser Pantanal... numa ocasião, em Buenos Aires, eu vi um cineasta reclamando que "Ustedes en Brasil tienem todo. Tienem las ciudades historicas de Minas Gerais, tienem Copacabana, la Bahia, la caatinga, el Pantanal.... [risos dos colegas entrevistadores, pela frase feita em espanhol por Dinísio de Azevedo] lo único que nosotros tenemos es el Pampa ["Vocês no Brasil têm tudo. Têm as cidades históricas de Minas Gerais, Copacabana, Bahia, Amazônia, caatinga, Pantanal... o único que nós temos é o Pampa.]. [Essa era] A queixa dele. Então, quer dizer, essas belezas todas estão aí para serem exploradas, eu acho.

Benedito Ruy Barbosa: Esse é o caminho novo, a sua primeira pergunta. Eu acho que, de repente, pode-se descobrir que nós temos outros cenários.

Fátima Turcci: Isso que eu queria...

Rodolfo Konder: Só dar um espaçozinho para as perguntas, são inúmeras, são dezenas de perguntas aqui dos telespectadores. A primeira, [de] Débora Pereira, da Lapa, pergunta: “Como você reage às gozações do José Simão?”.

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho um sarro, eu acho um sarro. Outro dia eu tive a pachorra de ligar para o Jayme Monjardim [pedindo para ele] ler todinha a coluna dele [do José Simão]. E o Jayme morreu de rir do outro lado também. Eu acho que é o estilo dele, é só dele esse estilo. Eu respeito. Ele tira o sarro da minha novela, tira [sarro] da [novela Rainha da] Sucata, tira o sarro de tudo...

Dionísio de Azevedo: Hotel com jacaré é muito bom!

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: É um bom humor! Fantástico, não é?

Rodolfo Konder: José Castelardo, do Centro, pergunta se o filme Passagem para Índia [filme de 1984 dirigido por David Lean, baseado no livro homônimo de Edward Morgan Forster] influenciou algumas tomadas da novela Pantanal?.

Benedito Ruy Barbosa: Para lhe ser franco, eu não vi esse filme; fico lhe devendo.

Leão Lobo: Passou ontem de novo, né?

Benedito Ruy Barbosa: Mas eu não vi.

Rodolfo Konder: Tem duas perguntas aqui sobre o Paulo Gorgulho, [feitas por] Roberto Costa, de Fortaleza, e Laudelina Colasso, de Campo Limpo. O Roberto pergunta: “Por que você não utilizou o ator Paulo Gorgulho na segunda etapa?”. E a Laudelina pergunta... [ela diz:] "Sabe-se que o Paulo Gorgulho está sendo trazido de volta. Esse retorno dele não tornará a novela confusa?”.

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho que não. [Respondendo] À primeira pergunta, nós não utilizamos o Paulo Gorgulho na segunda fase, assim como não utilizamos também os atores que fizeram a primeira fase de Os imigrantes [telenovela brasileira produzida pela Rede Bandeirantes entre 1981 e 1982 e exibida às 18h30. Inicialmente, seu autor era Benedito Ruy Barbosa, mas ele não pôde mais escrevê-la a partir de um dado ponto, pois já fora recontratado pela Rede Globo. Foi então substituído por Wilson Aguiar Filho e Renata Pallottini], porque não existe na televisão brasileira possibilidade alguma, nenhuma, de você maquiar uma pessoa de trinta anos e transformar em [uma de] sessenta anos, trabalhando embaixo de um sol de quarenta graus; não há maquiagem que resista, derrete tudo. E até a postura do próprio ator de 32 anos [ao] fazer um homem muito mais cansado, de quase sessenta, a gente estaria arriscando...

Leão Lobo: [Interrompendo] Posso só fazer um parêntese aí?

Benedito Ruy Barbosa: Pois não.

Leão Lobo: Você correu esse risco quando você fez Os imigrantes, você fez uma primeira fase belíssima, as pessoas ficaram apaixonadas pelos personagens, aí você mudou tudo, e eu soube... inclusive foi um amigo meu, Itamar Crivelli, que era produtor da novela, que é jornalista hoje, ele que me fez essa pergunta e pediu para fazer a você. Ele diz o seguinte: “Parece que a audiência caiu muito na época de Os imigrantes, quando passou para a segunda fase”.

Benedito Ruy Barbosa: Só na primeira semana, depois retomou e foi embora. [faz gesto ascendente com a mão]

Leão Lobo: E você não teve medo agora, de fazer de novo?

Benedito Ruy Barbosa: Não, porque a gente tem que arriscar. Eu teria muito mais medo, ficaria muito mais falso se eu tentasse passar para o público o Paulo Gorgulho com 58 anos, sabe? Com uma maquiagem que não parasse no rosto dele.

Ana Maria Fadigas: Aliás, uma pena!

[Risos]

Benedito Ruy Barbosa: E para completar [a resposta] à pergunta do telespectador, ocorreu o seguinte: uma novela são 180 capítulos. Você sempre corre o risco de haver um momento onde a novela cai [de audiência], é uma "barriga," parece que, de repente, esvazia a cabeça da gente e demora para encher de novo, então dá aquela angústia, e a experiência que eu tenho em novela me ensinou a preparar esse momento desde o primeiro capítulo. Então, quem está vendo a novela se lembra que, no primeiro capítulo, o Joventino, pai do Zé Leôncio, que é um menino de 15, 16 anos, leva o filho para uma casa de mulheres numa corrutela em Goiás... passando com a boiada, eles param nessa casa. E o Joventino é uma pessoa muito extrovertida, um peão de boiadeiro muito alegre. Ele fecha a casa, as mulheres ficam todas por conta da peãozada dele, da comitiva dele. E há uma cena que marcou bastante, que é a primeira noite do homem José Leôncio menino. Ele tem a primeira experiência de amor dele com uma prostituta chamada Generosa, que foi feita pela Kátia D'Angelo [(1951-), atriz brasileira]. Eu estava escrevendo essa cena e eu imaginei assim: "eu vou precisar desse momento.". Embora não estivesse na sinopse, eu falei assim: “esse menino vai engravidar essa prostituta, e vai nascer aqui o primogênito do José Leôncio mais tarde.”.

José Simão: Mas aí você vai ter que botar flashback...

Benedito Ruy Barbosa: Não, já fiz isso.

José Simão: Porque você não pode contar com a memória do telespectador.

Benedito Ruy Barbosa: Por isso que não vai dar atrapalhação, nós estamos mostrando ele nascendo. Então ele é um menino criado numa casa de zona [de prostituição], cinzeiro, como eles chamam lá - não sei por que chama cinzeiro -, e vai ser educado lá entre as mulheres, vai aprender a tocar berrante, a jogar o laço, andar a cavalo com os próprios peões que freqüentam a casa, porque o cara não fica o tempo todo na cama, ele sai lá para o quintal... o moleque está ali, então, “Deixa eu tocar berrante?” [e lhe respondem:] “Deixo.”, faz aquele negócio todo, pega o laço... E, como ele já tem essa coisa genética do peão, ele aprende isso, né? Mas, na verdade, a minha expectativa não era de usar o Paulo Gorgulho fazendo voltar, para fazer esse personagem que nasce no primeiro capítulo, nessa gravidez que ocorre no começo da novela. Eu estava pensando em outros nomes, imaginando assim: "vai ter um momento em que eu preciso enriquecer um pouco esse elenco, trazer caras jovens, para a novela não perder o pique.". Aconteceu que, quando mudou a fase e sumiu, [disseram:] “Ah, meu Deus do céu!”; os telefones da editora Bloch [extinto conglomerado de comunicação brasileiro criado por Adolfo Bloch], da Manchete, ficaram bloqueados, literalmente bloqueados. O que pintou de telegrama! Vinha do Brasil inteiro, de Manaus, não sei da onde, de tudo quanto é canto. E eu comecei a receber carta como poucas vezes... Eu só recebi carta assim em Os imigrantes; era uma atrás da outra, e o telefone da minha casa também virou um inferno, porque o pessoal acha na lista e ficava...

Rodolfo Konder: [Interrompendo] Ruy, nós vamos ter que fazer um pequeno intervalo e, em seguida, nós voltamos com mais algumas perguntas dos ouvintes, e fazendo mais uma rodada aqui, nesse Roda Viva, que apresenta hoje uma entrevista com Benedito Ruy Barbosa, autor do Pantanal. Nós vamos fazer um pequeno intervalo. Até já.

[intervalo]

Rodolfo Konder: Nós voltamos aqui ao Roda Viva, que esta noite está entrevistando Benedito Ruy Barbosa, autor da novela Pantanal. Este programa - é sempre bom lembrar - é transmitido ao vivo pelas TVs educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É ainda retransmitido para mais 15 emissoras que formam a Rede Brasil, através da TV educativa do Rio de Janeiro. Você, que está nos assistindo, pode fazer perguntas pelo telefone (011) 252-6525, que a Bernadete, a Shisuka e a Cristina estarão anotando as suas perguntas. Nós vamos dar mais um espaço aqui para os telespectadores, as perguntas são muitas, e a primeira pergunta dos telespectadores é uma de uma pessoa muito conhecida sua, Ruy, que é seu filho. Ele diz o seguinte, [pergunta] se essa será a sua última novela, [a última] que você vai escrever como autor, já que é isso que você sempre diz em casa.

[Risos]

Fátima Turcci: Imagina!

Benedito Ruy Barbosa: Ruy, você conhece a resposta, filho! Sabe, é fogo, né! A gente sempre fala que... no começo, que vai ser a última, quando acaba... Mas vai ser mesmo. Depois de uns quatro, cinco meses lhe vem uma idéia, você fica pensando, e penso nos filhos e nos netos... [emociona-se, com lágrimas nos olhos]

Rodolfo Konder: Está certo. Bom. Temos duas perguntas aqui na mesma direção. O Dolarício Simonasso, de Santo André, pergunta se depois dessa novela não pode haver uma invasão de pessoas no Pantanal. E Adriana Rodrigues, da Lapa, São Paulo faz uma pergunta parecida: se você não acha que o sucesso da novela pode levar muito turista ao Pantanal e destruir a beleza natural daquela região.

Benedito Ruy Barbosa: Já está acontecendo isso. Eu tenho tido informações de hotéis de lá, que já estão lotados até o fim do ano, meados do ano que vem. E o turista pantaneiro, o que vai para o Pantanal realmente, era muito pouco do Brasil, vem mais de fora: europeus, americanos... E, na verdade, eu pensei muito nisso, chegou essa preocupação: “meu Deus do céu! De repente, vira uma coisa assim, pode haver uma corrida no Pantanal”. Eu acho que o turista... O Pantanal, ele tem defesas próprias, eu acho, sabe? Para chegar lá no Pantanal não é fácil e é caro. Você tem que fazer um vôo com avião de carreira, depois pegar um monomotor, um bimotor, aquelas fazendas todas têm campo de pouso. Existem algumas regiões do Pantanal [em] que você pode chegar por terra também, ou também de chalana, de barco. Mas é uma viagem muito demorada. Para chegar no Pouso da Garça numa chalana, você vai ficar 12 horas no rio e de avião você vai em uma hora e pouco, uma hora e cinco, uma hora e dez, dependendo se está o vento pela proa ou pela calda. No Pouso da Garça tem uma tabuleta no porto onde você sai com os barcos e está escrito assim: “Senhor turista, não atire nas águas as latas de cerveja ou de refrigerante, tragam no barco para que sejam enterradas aqui”, quer dizer, eles têm essa preocupação; o pantaneiro, ele cuida. Eu saí no barco lá com o piloteiro e com um amigo meu que é um dos sócios do Sérgio, que é o Expedito, eu estava tomando uma cerveja - aquele calorão -, aí eu olhei para ele e falei assim: "eu quero ver se funciona aquela tabuleta.". Aí eu peguei a lata vazia de cerveja e ´pá´, joguei no [rio] São Lourenço. O piloteiro não falou nada, ele só deu a volta com o barco [faz o gesto mostrando a volta], chegou, recolheu a lata, olhou para mim e guardou, assim, do lado. Quer dizer, essa postura deles, eu acho que vai segurar um pouco o turista. Outra coisa, a Transpantaneira [estrada cuja construção foi iniciada em setembro de 1972, no extremo norte do Pantanal, em Poconé, e levou quatro anos até chegar às margens do rio Cuiabá, na Vila São José, hoje Porto Jofre], que é uma estrada que poderia ser uma benção para o Pantanal, ela é de grande utilidade, até para o transporte das boiadas... o pantaneiro não ama a estrada, conversa... [baixa a cabeça, emocionado] Deixa eu tomar fôlego! O turista, o imbecil - eu chamo de imbecil -, o turista que sai num carro, numa camionete, [com] cinco, seis amigos - né? -, e da janela fica atirando... [emociona-se e silencia]. Estou muito frágil hoje! [sorri]

Rodolfo Konder: Ruy, você se emocionou com a pergunta do filho?

Benedito Ruy Barbosa: É.

Fátima Turcci: E com amor à ecologia. Acho que é o maior símbolo de amor à ecologia que a gente podia estar recebendo. Essa borboleta está aqui te homenageando aqui também. [mostra a borboleta]

Benedito Ruy Barbosa: Matam jacaré, matam tuiuiú, atiram para contar: "Matei três.". Pássaros lindos, o símbolo do Pantanal, o cara mata para dizer que atira bem. Então isso é um crime de lesa-natureza, um cara desses tem que ser preso e ir para uma escola aprender.

Fátima Turcci: Ai entra um outro problema, a impunidade neste país também.

Benedito Ruy Barbosa: Impunidade, exatamente.

Rodolfo Konder: Deixa eu só terminar essa última pergunta e passo para Mário Prata, Mário Prata estava na fila.

Benedito Ruy Barbosa: Vocês desculpem essa fragilidade aqui, eu também estou sem defesa nenhuma.

Rodolfo Konder: A Jussara Alencar, de São Bernardo do Campo, pergunta: “Qual é a importância dos personagens do Rio de Janeiro na novela?”.

Benedito Ruy Barbosa: Eles fazem parte da história, porque ali nasce o Joventino, filho do casamento do Zé Leôncio com a Madeleine. Então, para criar um menino de origem urbana, criado dentro da estrutura do Rio de Janeiro, com aquele comportamento todo, altamente diferente do que é o irmão dele... No Pantanal, de qualquer forma eu teria que fazer com que a novela começasse ali, para que houvesse o choque do urbano e do rural a hora [em] que ele fosse para o Pantanal para conhecer o pai. Por isso que existe o Rio de Janeiro.... Agora, eu também não poderia ficar - eu já expliquei antes - apenas no Pantanal, até por razões econômicas, para facilitar gravação de parte da novela no Rio de Janeiro. Só que a Manchete chegou à conclusão - não é? - que valia a pena investir um pouco mais na novela e esvaziar um pouco a trama no Rio de Janeiro para poder me concentrar mais na trama pantaneira.

Rodolfo Konder: Mário Prata, vamos lá.

Mário Prata: Obrigado. Ruy, é o seguinte: eu acho que a imprensa toda e você hoje aqui, vocês estão falando muito no Pantanal, vocês estão atribuindo o sucesso dessa sua novela ao Pantanal. O Pantanal é o cenário, seria a primeira vez que um cenário faria sucesso na televisão mundial. Eu acho que você está menosprezando um pouco o seu trabalho. Eu acho que o sucesso da sua novela, que se chama Pantanal, ela poderia se passar nos Pampas Gaúchos, poderia passar no Nordeste, porque ela tem uma história dramática muito forte, muito bonita, muito bem tramada, por uma pessoa que trabalha há tanto tempo nesse métier. E tem uma outra coisa muito forte, que talvez seja a primeira novela, visto que ninguém tem observado, que saiu do "quarto, sala e escritório", "quarto, sala, escritório", "quarto, sala e escritório" das seis, das sete, das oito, "quarto, sala, escritório". E você saiu. Então, não é o fato de o Pantanal... eu acho que quando... Você falou em sete anos... - olha a borboleta pousa no ator do Pantanal. [risos] - quando você fala que há sete anos você tinha esse projeto, eu acho que lá dentro da Globo eu já ouvi isso há mais tempo. E quando eu vi, falei: “Bom... [...]. Vai ter o Pantanal lá e depois do terceiro capítulo vai acontecer o quê?”. E quando você estreou, eu tinha essa preocupação: o Pantanal é lindo e daí? E daí o seguinte: o Pantanal, para mim - e acho que para o público todo que hoje assiste à novela -, independe do Pantanal. O Pantanal é bonito, o Pantanal, vamos dizer, substituiu a praia de Ipanema de dez anos atrás, na novela da TV Globo, ou outra emissora qualquer, mas o que eu queria dizer aqui para você não é nem uma pergunta que eu quero lhe fazer, não. Eu acho que você está subestimando o dramaturgo que aflorou desse Pantanal, certo? É muito mais forte o seu trabalho, a história em si, de o cara vir para o Rio falar que tem um filho, o filho vem, o cara achar que é florzinha, agora pinta o outro que é um filho da prostituta; isso tudo é uma armação dramática maravilhosa.

Fátima Turcci: As personagens são lindas.

Mário Prata: As personagens são lindas. O seu trabalho está além do Pantanal.

[Sobreposição de vozes]

Dionísio de Azevedo: A vivência de um garoto de Copacabana, de repente em contato com a natureza do Pantanal, o que passa para ele e o que transmite para nós urbanos.

Hamilton dos Santos: Você, numa entrevista há dias aí, você disse o seguinte: “O bom do Pantanal é que lá o papo flui mais gostoso e tal, não tem a televisão para atrapalhar.”. Gostaria que você fizesse uma análise crítica de como você vê a televisão brasileira hoje. Você também disse que, por exemplo, quando disseram que há sexo demais no Pantanal, você disse que há sexo demais nas novelas da Globo, que é tudo na horizontal. Como que você vê...? Você disse também que uma coisa boa que você está conseguindo é trazer aquele papo lento e gostoso para dentro das casas. Você realmente acredita? Isso não é um pouco de idealismo? O público não é traidor? Quer dizer, depois vai acabar isso e não terá formado nenhuma consciência? Qual é a sua avaliação critica da televisão hoje?

Mário César Carvalho: Só emendando aí. Eu queria que você falasse especificamente sobre a Rainha da Sucata, qual a sua avaliação da novela, explicitamente. Não chega a ser um concorrente, mas é quem rouba mais a audiência da Manchete. E uma coisa que eu acho que é importante: você não acha que a incompetência da Globo fez com que o foco se voltasse para a Manchete? Você não acha essa novela da Globo muito ruim?

Leão Lobo: Benedito, deixa só complementar então essa pergunta, que eu acho que tem a ver. Primeiro, a gente falou de novelista e emendou para cá. A gente falou de fórmula. Agora, existe uma diferença, eu acho, entre a fórmula que a Globo está usando, quer dizer, esse compromisso de ser engraçado, com ser rápido, com ser ligeiro, com esse truque que você chama de videoclipe quase, e existe a fórmula tradicional de novela que tem que ter o mal, o bom, tem que ter, quer dizer, o jogo todo, pinta o outro filho que estava escondido, mistério... Isso para mim é fórmula de novela. Agora, em cima disso dá para brincar muito, né? E você, para mim, é um dos maiores novelistas do Brasil. Você, Ivani Ribeiro [nome artístico de Cleide Freitas Alves Ferreira (1916-1995), autora brasileira de telenovelas]; cheguei a perguntar isso aqui, você não ouviu. Mas eu acho você um dos maiores novelistas do Brasil, assim como Ivani Ribeiro, que eu acho que é outra pessoa injustiçada, porque jogaram no horário das seis da Globo, que é uma mulher que sabe armar, como você sabe armar uma história. Isso para mim é fórmula. E outra coisa: o que significa para você - emendando a pergunta dos dois aí -, o que significa para você pornografia na televisão? Mais especificamente, quer dizer, você acha, por exemplo, uma cena do Daniel Filho [(1937-), ator, diretor e produtor brasileiro de televisão e cinema], que você não quis dizer aí, lutando com aquela moça na cama, espancando a moça, que para mim é uma coisa muito mais violenta do que uma cena de nudez... Isso é uma coisa meio doente, quer dizer, uma coisa urbana demais. Isso tem a ver com a sua novela? Quer dizer, você faz o oposto disso. Como é que você vê isso? Quer dizer, emendando, só para misturar tudo aí.

[Risos]

[Sobreposição de vozes]

Fátima Turcci: Nem vou emendar, viu!

Benedito Ruy Barbosa: Por partes. Como eu vejo a televisão, eu acho que aqui nós temos grandes críticos que podem ver melhor do que eu.

Hamilton dos Santos: Você não gosta de televisão? Quando você diz que no Pantanal não tem televisão [...].

Benedito Ruy Barbosa: Não gosto de muita coisa, não gosto mesmo, sabe? Eu acho que televisão é um veículo importantíssimo, mudou a face da Terra. A minha filha tinha nove anos de idade e fez um poema sobre a Guerra do Vietnã porque ela viu a cena de uma menina pegando fogo. E a televisão, ela comete, assim, umas barbaridades. Eu sempre digo o seguinte: é difícil você sentar numa máquina e começar a escrever uma história para as seis da tarde, porque existem os limites impostos pelas seis da tarde. Quais são esses limites? Antigamente havia censura, que estabelecia limites ridículos. Eles implicavam com coisas que não tinha sentido nenhum. Mas existia para a gente a consciência de que naquele horário, você tem a senhora, a velhinha de sessenta anos, 75 anos, oitenta anos, que não tem a cabeça do jovem de hoje, não foi criada nesse mundo com mais licenciosidade, mais liberdade, e que se sente ferida, agredida, quando você passa desse limite imposto pelo horário. E você também tem a criança que assiste à televisão. E você vai ao comportamento da criança e altera esse comportamento. Eu só vou dar um exemplo do que eu acho da novela. Eu estava no sertão baiano, eu peguei os meus filhos e minha mulher, eu fiquei lá, rodei oito mil quilômetros lá, eu estava fazendo pesquisa, foi daí que nasceu o Paraíso e uma outra novela que eu pretendo escrever, se eu tiver força para isso...

[Risos]

Fátima Turcci: Quer dizer, que não é a ultima mesmo! [depois da novela Pantanal, Benedito Ruy Barbosa atuaria ainda como autor e supervisor de texto, em adaptações de textos próprios para 'remakes', em várias outras novelas, na Rede Globo, como Renascer, O rei do gado, Terra nostra, Esperança, Sinhá Moça, Cabocla e Paraíso]

Benedito Ruy Barbosa: É um comprador de [...] que eu queria fazer no sertão baiano mesmo. Enquanto eu estava na floresta negra entre Itabuna, Ilhéus, aquela região toda, eu me deliciava conversando com aqueles tabaréus; eu só fazia isso o dia inteiro: tomava água de coco, pinga e batia papo. Aquela sonoridade, a musicalidade do jeito de eles falarem, nossa senhora! E eu ficava absorvendo aquilo [e pensava:] "se um dia eu for escrever, eu vou ter que escrever assim.". E lá eu vi, assim, coisas incríveis. Por exemplo, eu vi a secagem do cacau, que seria uma coisa incrível botar numa novela, que é o cacau, que saía do terreiro de secagem, que é coberto com uma espécie de telhado, que corre para cá e para lá, para não deixar o cacau umedecer à noite, e havia também uma casa de dois andares, e a parte de baixo era uma fornalha com serpentinas grudadas embaixo de um praticável de ferro trançado, bem trançadinho. Em cima desse praticável, os tabaréus, geralmente uns negros luzidios, fortes, em plena madrugada - uma, uma e pouco da manhã - eu estava sentado lá conversando com eles e vendo o trabalho que eles estavam fazendo. Eles entravam descalços, com rodo, uma espécie de rodo na mão, entravam naquele lugar hiper quente, embaixo aquela serpentina violentamente quente, e eles dançavam porque senão queimavam o pé. Então cada um entrava ficava três, quatro minutos assim, espalhando o cacau todo, e caía fora, aí entrava o outro e fazia a mesma coisa, e dançavam lá, e esse que saía, chegava lá fora, ele não pegava água não, pegava cachaça [e dizia:] [faz o gesto como se bebesse] "Daqui a pouco eu 'vorto'.", entende? Aí saia um, entrava outro. Eu falei: "meu Deus do céu!". Mostrar no cinema isso, sabe? [em 1993, Benedito Ruy Barbosa mostraria essa passagem que viveu na novela Renascer, veiculada pela Rede Globo] É um trabalho terrível. E como que é o pé? O pé é dessa grossura [mostra a espessura com os dedos], prego 18x24 entorta ali, fazia parte então... Isso aqui é muito rico para ser mostrado, não é só a literatura de Jorge Amado; eu acho que ele não esgotou a Bahia, tem muita coisa lá que você tem que chegar com outros olhos para enxergar. Conheci lá também o seu Visita, que disseram que ele era um grande matador, que tinha mais de trinta mortes nas costas. Eu rodeei, rodeei para chegar nele, para poder bater um papo com ele, e ele me recebeu cheio de desconfianças, mas depois ficou sabendo que eu era amigo do doutor Mário Machado Lemos [médico sanitarista ex-ministro da Saúde, nos anos 1970] - eu estava inclusive hospedado na fazenda dele -, aí batendo um papo eu falei: “seu Visita, corre por aí uma conversa... me contaram que o senhor tem mais de trinta mortes nas costas. É verdade?". Ele, velhinho assim, um rosto de pé-de-galinha [muito enrugado], ele falou para mim: “Não senhor, não é verdade não senhor. Minha 'memo' [mesmo], minha 'memo', só tenho quatro, o resto foi tudo de mando.”. Mas ele lavou as mãos, não vai nem se entender com Deus.

Hamilton dos Santos: Quer dizer, o seu discurso converge - é que eu estou tentando recuperar a pergunta -, o seu discurso converge para uma utilização mais realista da televisão. Você foi muito influenciado pelos escritores regionalistas também, né?

Benedito Ruy Barbosa: Exatamente. Agora, quanto à Rainha da Sucata, por exemplo, eu quero... Não quero fazer nenhuma crítica, primeiro porque eu acho antiético, porque o Silvio de Abreu é muito amigo meu, inclusive no meio da novela agora, nesse começo da novela, ele passou por um momento difícil da vida dele, eu sei como é difícil você estar com problema sério dentro da família e ter que escrever capítulo, entende? Não posso também avaliar a novela porque sinceramente eu não estou vendo. Eu vi primeiro, segundo capítulo... Até falei com ele por telefone, a gente costuma se falar, quando alguém estréia, a gente sempre se fala. Acho que ele está dentro do esquema da Globo, que sempre deu certo. O Silvio nunca errou novela nenhuma, ele sempre foi o bamba, ele e o Cassiano Gabus Mendes [(1927-1993), ator, roteirista, diretor, produtor, sonoplasta, contrarregra e autor brasileiro de telenovelas] são os reis das sete horas. Cada um tem um estilo, né? E o estilo dele se adaptou ao horário, mesmo porque a emissora, ela tem, através das suas pesquisas, uma certa linha para cada horário, não é? Então, a novela das seis tem que ser romântica, doce, suave. As da sete tem que ser uma chanchada, uma comédia. As das oito é mais drama, mais pesada. Então, você fica atrás desses conceitos pré-estabelecidos para poder trabalhar dentro da empresa. Eu acho, por exemplo, que Sinhá Moça era uma novela para as oito horas, porque eu estaria muito mais liberto para fazer uma novela muito mais forte, muito mais consistente como história do que ficar amarrado àqueles conceitos das seis da tarde. E aí entra também o processo da autocrítica; nós estávamos falando desde o começo. Eu sei que hoje a novela Pantanal é vista por crianças.

Ana Maria Fadigas: Adolescentes, velhos, jovens.

Benedito Ruy Barbosa: Adolescentes, todo mundo. Mas, de repente, uma senhora que é amiga minha falou assim: “Eu deixo a minha filha ver, porque está mostrando tamanha pureza nisso, que ela tem que saber que pode ser assim o amor também.”.

Ana Maria Fadigas: Sabe o que eu acho, Ruy, da coisa do nu do Pantanal, que ele mostra o desejo, né? E o desejo é um instinto puro.

Benedito Ruy Barbosa: É um instinto.

Ana Maria Fadigas: Quer dizer, é o nu que não mostra a pornografia, ela [a novela] mostra o desejo e é muito bonito esse desejo. O adolescente olha aquilo como uma coisa... Para ele não é o pornográfico.

Benedito Ruy Barbosa: É a saúde do amor.

Ana Maria Fadigas: É a saúde. Ah, meu Deus! A saúde do amor! Ele precisa.

[Risos]

Hamilton dos Santos: Você falou em regionalismo, quer dizer, você tem uma emoção muito grande; eu queria saber da sua posição política. Você está contente com o governo Collor?

Leão Lobo: Você faz críticas, na novela, ao governo Collor, violentas, ...

Benedito Ruy Barbosa: Faço.

Leão Lobo: ... o que a Rainha da Sucata não faz; ela faz ao contrário, né?

Mário Prata: Só [queria] voltar um pouco, porque é cada sinônimo para tesão aí que eu nunca tinha ouvido falar. Como é que você falou aí? Que era o desejo não sei das quantas?

Ana Maria Fadigas: Desejo? Mas é o tesão, é um instinto que nasce com a gente. Esse nu resgata esse desejo mesmo; não é pornografia.

Benedito Ruy Barbosa: É. A moral também é uma coisa que... ela muda todo dia. Eu me lembro do tempo em que eu escrevia para jornal - desculpe, telespectador -, mas eu jamais ousaria escrever "merda", não é? E hoje se escreve tudo, e se fala tudo no ar, e as novelas falam tudo também. Hoje, você tem a liberdade de dizer assim: "Olha, eu não tenho mais bunda para andar a cavalo, estou ficando velho para isso.". Eles falam assim. Mas antigamente eu teria que encontrar outra fórmula de dizer isso que não teria essa verdade do linguajar do próprio homem do campo.

Fátima Turcci: Eu queria resgatar a pergunta dele...

José Simão: Política é uma coisa que se liberalizou também. Qual que é a sua posição? Homem de esquerda? Você está gostando do governo Collor?

Benedito Ruy Barbosa: Eu já fui um homem de esquerda. Eu já fiz muita loucura no começo da minha vida. Eu acho que isso também é válido, faz parte da experiência, e você fica contestando o mundo. A gente contesta mesmo. Há um momento em que você contesta o mundo, depois você vai se amoldando ao mundo, depois você fica defendendo valores que antes você contestava, não é? Então, eu acho que isso é comum na vida da gente. Os mais teimosos...

Dionísio de Azevedo: [Interrompendo] Você fez uma novela chamada Pé de vento, que tratava de um mestre ferramenteiro e sua família, em Santo André, São Bernardo, no ABC [como se usa chamar os municípios paulistas de Santo André, São Bernardo e São Caetano], justamente no momento que estava nascendo o Lula.

Benedito Ruy Barbosa: Exatamente. Eu botei o Lula na novela. Ele aparece de costas no estádio, lá em São Bernardo, fazendo o discurso dele, e o mestre [...] estava lá no meio deles, no meio do povaréu. Mas aí, voltando ao processo do Plano C ollor... Eu acho que...

Mário Prata: [Interrompendo] Você acha que o Congresso está fechado já e não percebeu, ou não?

Benedito Ruy Barbosa: O Congresso é uma lástima.

Mário Prata: Pois é.

Benedito Ruy Barbosa: É uma lástima. Eu acho que não podia ficar como estava. Não posso avaliar se esse Plano C ollor é o melhor que poderia ter sido feito para estancar aquele absurdo que acontecia na economia brasileira. Porque ninguém tinha segurança de nada: você ganhava o que fosse, você estava perdendo cada momento o seu valor [poder] aquisitivo do seu salário. Alguma coisa tinha que ser feita. Seria uma tragédia se algo não tivesse sido feito. Não sei até que ponto houve justiça nesse Plano. Eu acho, por exemplo, uma aberração do plano você, de repente, bloquear os parcos recursos de um aposentado de sessenta anos de idade.

Hamilton dos Santos: E da cultura também, né?

Benedito Ruy Barbosa: A cultura... aí essa discussão vai crescer. Eu recebi propostas... O que é o brasileiro? Eu acho que não se muda o país da noite para o dia. Tem que mudar primeiro a mentalidade do povo. Quando surgiram com a Lei Sarney, eu recebi - eu, como autor de roteiro de cinema, de teatro -, recebi inúmeras ofertas da seguinte forma: "Eu te dou quinhentos mil cruzados para você fazer um filme e você me dá um recibo de um milhão." [ou] "Eu vou dar 450 mil cruzados para a tua peça e você me dá um recibo de oitocentos.". Quer dizer, vira safadeza, muita coisa aqui vira safadeza. Eu não sei como é que estava ultimamente a Embrafilme, mas eu fiz um filme, joguei nele tudo o que eu tinha ganho, tive a ajuda de um grande amigo, o ex-governador Laudo Natel [(1920-), político, empresário e dirigente esportivo, foi duas vezes governador de São Paulo, nos anos 1960 e nos anos 1970], [que] me ajudou nesse filme também. Foi um sonho, foi um filme que teve razoável aceitação da crítica. Nós cometemos erros. O dinheiro jamais voltou. Mas a minha relação com a Embrafilme nessa época foi trágica, sabe? Eu fiquei totalmente indignado com a coisa, não voltei mais lá, porque eu sentia que atrás do negócio que poderia ser bom, poderia ser uma coisa espetacular para o cinema brasileiro, podia ter impulsionado o cinema brasileiro, se transformava, de repente, em bloquinhos, sabe? Em ação entre amigos. Então, você não tinha valor nenhum como produtor ou como autor; você tinha valor se você fosse amigo do Fulano, Beltrano, Cicrano. Aí tinha o prêmio que você tinha de bilheteria, para receber aquilo era um inferno, quer dizer, eu estava pagando o meu pessoal ainda depois, com o maior sacrifício, vendendo até carro para isso. E o dinheiro bloqueado lá, entende? Então, eu acho que quando a gente discute cultura, quer dizer, você discutiu... o governo entrar na cultura, estimular a cultura, bancar a cultura, ótimo! Sabe? O país precisa muito disso. Mas precisa ver quem mexe com esse dinheiro, quem é o caixa. Se esse caixa é o mesmo caixa que no Nordeste lá desvia o leite que se manda para as crianças quando dá aqueles problemas todos de seca, metade do que se manda... que metade, 80%... desaparecem na mão de coronel, de político da região que faz isso, ganha voto, impõe - sabe? - a vontade dele e deixa o povo morrendo de fome... Então, o Brasil tem coisa assim. No papel...

Hamilton dos Santos: [Interrompendo] O senhor acha que para surgir esse caixa talvez fosse necessário, assim, que a cultura deixasse mesmo de ser um pouco paternizada pelo governo?

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho.

Hamilton dos Santos: E que passasse a ter uma relação mais direta de produtor e artista?

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho que uma cultura, vamos dizer assim, o cinema, o teatro, tem que sobreviver pelos seus próprios méritos. Eu acho. Porque é muito discutível você fazer. "Vamos financiar tal projeto.", eu cansei de ver isso. Eu li o roteiro, mas eu nunca faria esse filme, é muito ruim! É muito ruim! Não tem nada de cinema. De repente, sai no jornal: deram um milhão de cruzados para o cara fazer o filme. Aí você ficava três, quatro anos esperando esse filme sair. Entende? Tem casos até de negativos que foram queimados, pretensamente queimados, para justificar: “Nós fizemos, não podemos apresentar porque queimou.”.

Fátima Turcci: Um pouco dessa preocupação em transmitir algo sadio você tem? Quer dizer, ao falar da corrupção, de tudo mais, você está tocando num assunto que, por exemplo, é super abordado na maior parte das novelas, o que tem que ser, porque, afinal de contas, a vida real é um pouco disso. Mas, de repente, vira símbolo, quer dizer, o famoso símbolo do Gérson [ex-jogador de futebol brasileiro que atuava no meio-de-campo e foi campeão do mundo em 1970. Protagonizou uma campanha de cigarros, na qual dizia: "Gosto de levar vantagem em tudo."; frase que se tornou um símbolo da malandragem e da corrupção e ficou popularmente conhecida como "lei de Gérson"] foi superado pela Maria de Fátima [personagem interpretada pela atriz Glória Pires na novela Vale Tudo, produzida e exibida pela Rede Globo no final dos anos 1980. Maria de Fátima era uma jovem ambiciosa, disposta a conquistar riqueza e fama a qualquer preço] numa novela. Quer dizer, ele vira símbolo benéfico, símbolo a ser seguido, algo a ser seguido. Essa preocupação você tem ao escrever?

Benedito Ruy Barbosa: Eu tenho.

Fátima Turcci: Quer dizer, em transmitir algo que fuja disso.

Benedito Ruy Barbosa: Eu estou mostrando na novela. Tinha um cara rico, milhardário, que tem não sei quantas fazendas e milhares de cabeça de gado no pasto [e] também foi bloqueado o dinheiro dele. Só que ele teve recursos de mandar vender mil e duzentas cabeças para fazer caixa, para não mandar ninguém embora e sustentar todo esse mundo que ele tem.

Leão Lobo: Aliás, acho que o discurso que você fez todo aí, para mim se resume numa frase que você colocou na novela, que dizia o seguinte: “Ele recebeu José Leôncio em dinheiro morto...” - como você colocou -“... mas meus bois estavam vivos.”.

Benedito Ruy Barbosa: Exatamente.

Leão Lobo: A questão da injustiça social ficou clara ali nessa frase. Acho que uma das frases mais bonitas.

Benedito Ruy Barbosa: É. E no encontro que vai haver agora do Zé Lucas de Nada [personagem vivido por Paulo Gorgulho], quando ele volta à casa onde ele nasceu e encontra a velha prostituta, a dona da casa, a Jacutinga - porque lá tem Jacutinga e Generosa -, e a Generosa morreu, a mãe dele morreu, e ele vem arrasado porque ele perdeu o caminhão, perdeu a boiada e foi para o Paraguai... Olha, ele é tão sonhador que ele achou que ele ia para o Paraguai sozinho e [que irira] trazer o caminhão de volta. Do Paraguai sai... todo mundo sabe, o Brasil inteiro sabe que sai a soja por lá, sai café por lá, roubam nosso carro aparece lá e ninguém faz nada, por lá saem também milhões e milhões de couros de jacaré anualmente. Segundo consta, me informaram no próprio Pantanal, o coureiro recebe de três a cinco dólares por couro de jacaré que ele mata. E esse couro sai através do Paraguai por trezentos dólares cada couro. E você chega à Europa e compra um sapato de couro de jacaré por um mil e quinhentos dólares. Então, essa coisa que eu estou colocando na novela, esse sonho de ele buscar... tem um momento [em] que ele fala assim: “Dá vontade de invadir o Paraguai e tomar tudo de volta.”. Agora você vê, é um governo... Eu não consigo entender um país que tem, assim, como vizinho... não estou criticando o Paraguai em si, estou criticando as máfias todas que existem por lá, como existe aqui também, porque não se leva nada lá se não sair daqui, não é verdade? Mas será que ninguém consegue quebrar esse elo? Será que não vai haver um momento [em] que você vai dormir mais tranqüilo porque se alguém roubar o seu carro aqui não vai passar pela fronteira, vai ser pego lá? Como é que pode passar cinco, seis mil carros por uma fronteira onde tem... ?

Rodolfo Konder: [Interrompendo] Ruy Barbosa, nós vamos então abrir mais um pouquinho aqui de espaço para os telespectadores. O nosso tempo já está se esgotando. A Elza Freire, do Ibirapuera, pergunta se já houve interesse de outros países para comprar a novela.

Benedito Ruy Barbosa: Parece que há sim. Inclusive, saiu um artigo sobre a novela no [jornal] Time de Londres poucos dias atrás.

Rodolfo Konder: Paulo Costa, do Jardim Saúde, faz uma pergunta que acompanha a preocupação do Leão Lobo com relação a Ivani Ribeiro, mas ele cita também Walter George Durst, Doc Comparato e o [Gianfrancesco] Guarnieri. O que você acha de autores tão importantes estarem hoje na geladeira?

Benedito Ruy Barbosa: Eu não sei, eu não acredito que estejam na geladeira, eu acho mais que talvez estejam cansados de escrever novela.

Rodolfo Konder: Ronaldo Pecher, de São José dos Campos, pergunta se algum animal já atrapalhou a gravação da novela e se você tem medo de algum animal.

Benedito Ruy Barbosa: Ah, já, já! Puxa! Teve uma cena em que a Juma Marruá estava limpando um dourado, com água pela canela, pelo joelho, mais ou menos, dentro do Rio Negro, cheio de gente lá, inclusive, os peões ficam todos... Eles estão lá armados mesmo, para qualquer emergência. E eles não perceberam que tinha um jacaré. Olharam, não tinha jacaré nenhum, então vamos lá, começaram a fazer o trabalho deles; estava sendo gravada a cena. E do lado de fora... mas também na cena estava o Sérgio Reis com a Mudinha [personagem vivida por Andréa Richa]. Se você pegar um peixe e ficar esfregando dentro da água, o jacaré vem mesmo! E o jacaré veio vindo por trás e ninguém viu. Quando deram conta, ele ia pegar, ele não ia morder a Juma, ele ia pegar aquele peixe da mão dela, o que podia acontecer um acidente, ele pegar a mão também. Aí o Sérgio sai da cena [risos], o Sérgio Reis saiu da cena e foi dando pontapé no jacaré, tirou com pontapé, ele entrou, ele estava de bota, ele meteu a bota na cara do jacaré, aí o jacaré se mandou e saiu fora.

Rodolfo Konder: Você tem medo de algum bicho?

Benedito Ruy Barbosa: Não, eu respeito. Eu acho que você tem que saber lidar com eles, entende? Eu tenho pavor de cobra, então, na novela, eu vivo fazendo essa cena porque eu fico pensando que a criança pode estar assistindo e aprender que você tem que respeitar o território dela. Então, se você vai por um caminho e a cobra está passando, pára e deixa ela passar. Não se atreva a atravessar. E olhar no chão. O pessoal da Manchete me deixa apavorado, compraram setenta pares de bota lá, e eu não vejo ninguém usar bota, só pessoal de lá mesmo. Eles estão entrando em água tudo de sandália na maior, aquele espírito de carioca também: "Vamos lá e tal!".

Rodolfo Konder: A Ivone Taglieri, de Santana, pergunta se não é uma falha o ator Sérgio Reis - [você] falou dele há pouco - aparecer com as unhas feitas e esmaltadas, tratando-se de um peão.

Benedito Ruy Barbosa: Puxa, que olho! Eu não percebi até agora isso.

[Risos]

Leão Lobo: Benedito, queria te fazer... Tenho várias perguntas, mas eu queria fazer uma que muita gente tem me feito. O Kadu [Kadu Moliterno (1952-), ator brasileiro] e a Glória Pires [(1963-), atriz brasileira que iniciou sua carreira em televisão aos cinco anos de idade e teve muitas atuações em cinema e televisão] - eu sei que você escreveu a novela para os dois: Kadu Moliterno e a Glória Pires -, você acha hoje que eles fariam melhor?

Benedito Ruy Barbosa: Com todo respeito que eu tenho pelo Kadu e pela Glorinha, que são muito amigos meus, trabalharam comigo em Cabocla, o Kadu também trabalhou em Paraíso depois, belíssimo ator, gosto dele, acho que ele tem muita empatia, mas hoje não daria para ele fazer o Jove, ficaria mentira; a idade que ele está, não teria aquela pureza daquele menino do Rio de Janeiro, carioquinha, aí ele passaria por imbecil.

Leão Lobo: E mais uma, que se eu não fizer essa pergunta vão me matar, mas hoje tanta gente me ligou pedindo para falar isso para você. É o seguinte: com quem vai ficar a Juma? Pelo amor de Deus, ela tem que ficar com o Jove!

Fátima Turcci: Também quero saber!

José Simão: Olha a [revista] Contigo aí!

Leão Lobo: Porque estão com medo que ela fique com o Paulo Gorgulho, com o personagem novo dele, o pessoal quer que ela fique com o Jove. Então me pediram para pedir isso para você no ar.

Benedito Ruy Barbosa: Eu vou falar uma coisa para você: a novela tem umas coisas engraçadas. O Mário sabe disso aí. Chega um momento, quando você chega no capítulo conqüenta, sessenta, as personagens vão tomando conta de você. De repente, é como se você tivesse num teatro de marionetes e os fios fossem todos caindo e [os personagens] começam a andar sozinhos. Eu estou na hora de dizer assim: o grande lance, o que ia traumatizar, o que ia bagunçar o coreto, era ele gostar da Juma, mas eu tenho como opção também realizar o grande amor da Irma [personagem vivida por Carolina Ferraz, quando jovem, e depois por Elaine Cristina], porque ele ressurge na frente dela como [n]aquele dia em que ela [diz]: "Me faça mulher aqui e agora.".

Leão Lobo: Vão acabar aqueles suores noturnos dela. [risos]

Benedito Ruy Barbosa: É, vai acabar o suor. Então eu já fiz alguma cena em que ele olha para a Juma, e eu sempre faço ela correr. Ele dá uma olhada para a Juma e a Juma se manda. Ele entra, ela sai. Quer dizer, ela sente que tem alguma coisa no ar, porque eu também não consigo mais, eu não estou conseguindo mais separar os dois, o Jove e a Juma eu não consigo mais separar, está muito difícil.

Fátima Turcci: Você está a fim de que ele fique com a Juma?

Mário Prata: Pelo que você está falando aí, você falou que os personagens realmente fogem do autor. Qual é o personagem que... Você deve estar no capitulo oitenta... Não sei... noventa?

Benedito Ruy Barbosa: Setenta e três.

Mário Prata: Setenta e três, né? Qual é o personagem que fugiu da tua mão e fugiu para cima?

Benedito Ruy Barbosa: Que cresceu?

Mário Prata: Que cresceu. Você imaginava um cantinho para ele, ele foi indo, foi indo e agora no [capítulo] 73 ele está dando ordens para você? A hora [em] que você senta, você houve a vozinha dele: "Dum-dum-dum" [faz gesto como se alguém lhe falasse ao ouvido]?

Benedito Ruy Barbosa: A Maria Bruaca [personagem de Ângela Leal, uma esposa submissa e reprimida por seu marido, que se revolta contra ele quando descobre que tinha outra esposa, com quem teve três filhos. Durante a trama, Bruaca se apaixona pelo Peão Alcides (vivido por Ângelo Antônio) e deixa o marido para viver seu amor com o rapaz].

Entrevistador: Maria Bruaca é interessante.

Benedito Ruy Barbosa: Maria Bruaca. [O caso da] Maria Bruaca é engraçado, porque às vezes eu me surpreendo com as besteiras que eu escrevo [e penso:] "Meu Deus do céu, onde é que eu fui buscar isso?”. Mas já foi. É gozado que aquele negócio de [a Maria Bruaca] bater o cabelo e falar assim: “Hoje eu vou lhe servir.”, esse servir tanta gente falou: “Onde você foi buscar isso?”. Não sei.

Hamilton dos Santos: Eu nunca vi uma pessoa assim tão nervosa e tensa como você está nesse programa aqui do Roda Viva.

Benedito Ruy Barbosa: Estou mesmo.

Hamilton dos Santos: Eu perguntaria o seguinte: Essa coisa da calma do Pantanal é só uma coisa instantânea, é só quando você está vendo a novela, quando você está lá no Pantanal?

Benedito Ruy Barbosa: É só quando estou lá.

Hamilton dos Santos: O Pantanal não transmite calma?

[...]: [Interrompendo] Voltando à questão política...

Benedito Ruy Barbosa: [Interrompendo] Deixa eu completar a sua pergunta, eu queria perguntar um negócio. Fazer a crítica ao plano em si, quer dizer, às coisas que me parecem aberrações, mas eu acho que do ponto de vista da economia, quem sou eu para discutir isso? O governo deve ter tido as suas razões. Eu gostaria que fosse assim uma coisa que pegasse a todos por igual. De repente, eu não acho justo que, de repente, através de certos processos, que até foram negociados, certas pessoas consigam liberar a sua grana, enquanto, como acontece na novela, a velha prostituta, a Jacutinga, fala para ele assim: “Ainda sobrou dinheiro aqui. Eu e tua mãe fizemos uma caderneta de poupança juntas as duas...” - a mãe morreu e sobrou para ela a caderneta -, “Agora, pegaram tudo.”. Ele falou: "E prostituta não tem aposentadoria.". Então, além de ela não estar aposentada, ainda tomam o dinheiro dela, quer dizer, é um fato só para ilustrar quantos casos existem, mas quantos e quantos casos. Eu tenho amigos...

Leão Lobo: [Interrompendo] É impressionante como a coisa da justiça está dentro de você, na coisa que você colocou a questão da cobra, o espaço da cobra, quer dizer, o tempo todo você está preocupado com isso, isso é uma coisa que parece que norteia todo o seu trabalho, né? [Benedito sorri e assente com a cabeça]

Mario César Carvalho: Uma coisa que eu gostaria de conversar contigo é o seguinte: a impressão que eu tenho dePantanal, é que tem uma certa nostalgia do mundo rural, do mundo que era coerente, que fazia sentido, [onde] existiam pessoas boas, existiam pessoas más, o mundo que você conseguia entender em último instante, olhava para ele e falava: "É isso.". A impressão que eu tenho é que o mundo hoje em dia não faz esse sentido do que se imagina. Você não acha que por isso, por tentar retratar uma nostalgia, sua novela acaba sendo mais conservadora do que a pior novela da Globo? Essa nostalgia do mundo rural que não existe mais... A impressão que eu tenho é essa, eu acredito nisso. Até sei lá! Faria um paralelo, você não acha que o sucesso de Pantanal tem a ver com o sucesso de Chitãozinho e Chororó [dupla de cantores de música sertaneja de grande popularidade]? No que difere esse sucesso, sabe? Esse mundo rural coerente, das coisas certas...

Benedito Ruy Barbosa: Eu não acho que ele seja coerente nesse ponto que você diz, sabe? No mundo rural também você tem muita coisa, às vezes até pior. Olha, não existe o homem mais oprimido do que o homem do campo. O bóia-fria faz parte do campo. O bóia-fria é o sujeito que corta cana para você beber a sua cachaça, encher seu carro de álcool, para fazer o açúcar.

Mario César Carvalho: Mas você não acha que a nostalgia desse mundo não é conservadora?

Benedito Ruy Barbosa: Não, eu acho que não. De repente, é uma constatação de que aquilo ali ainda existe. Eu sempre digo o seguinte: o povo da cidade, a gente... Eu vim para São Paulo com 17 anos, em 1947. Eu sempre costumo dizer que eu ainda tenho barro na sola do pé. O chão que você pisou, você não esquece. Era gostoso correr no areão e pescar na beira do rio, e essas coisas você não consegue mais fazer aqui.

Leão Lobo: Eu acho que é na raiz, porque ela é revolucionária, não é isso?

Benedito Ruy Barbosa: Então, exatamente. Outra coisa, eu acho também uma necessidade. Sabe o que acontece? Eu acho... As pessoas me falam assim: “Como é gostoso o Pantanal! Eu relaxo.”.

Hamilton dos Santos: Você está encarando essa coisa de ser revolucionário ou não com a novela?

Benedito Ruy Barbosa: Não, não. Não estou. Eu acho o seguinte: hoje, se se fizesse Cabocla às oito da noite, ia causar também um grande impacto. Pena que foi às seis da tarde. Pena que Sinhá Moça foi às seis da tarde. Pena que Paraíso foi às seis da tarde.

Fátima Turcci: Acho que é a redescoberta do regionalismo, não é? Quer dizer, porque falar que soa falso, que é um conservadorismo, eu acho que não é, na medida em que existe... quer dizer, se você tivesse retratando uma coisa do passado que não mais existisse, seria outra coisa.

[...]: Você não acha a literatura regional conservadora?

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho ela tão gostosa! Eu acho uma delícia, de repente...

Ana Maria Fadigas: Sabe o que eu acho, Ruy? Os jovens... Eu tenho um filho de 17 anos e tenho uma filha de 19, que adoram o Pantanal. Eu vivo perguntando por que eles gostam. Lógico que a explicação imediata não importa, mas eu quero entender atrás, porque eles não nasceram em fazenda como eu nasci. Eles não têm essa história. Então, parece essa coisa do desejo, parece uma história... é calma... É isso... quer dizer, é revolucionária na medida em que alguém que não conhece isso, não tem a nostalgia disso que eu tenho, e ele também é gostado.

Hamilton dos Santos: Ele também é um pouco procedente assim, na medida em que você tenta ver...

Rodolfo Konder: [Interrompendo] Ruy, nós vamos ter que fazer uma pergunta para encerrar porque já estamos chegando aqui... Este programa, como ele vai ao ar em redes, quer dizer, muitas outras estações, temos horários mais ou menos rígidos.

Mário Prata: Só uma observação, numa linha.

Rodolfo Konder: Então faça a sua observação numa linha.

Mário Prata: Uma linha?! Três, vai! Não é um problema de revolucionário, a questão viu, Mário! Não é de ser revolucionário...

Mário César Carvalho: Eu não estou colocando a questão, eu estou colocando a questão de ser contemporâneo ou ser conservador. Eu não falei em momento algum a palavra revolucionário.

Mário Prata: Eu vou citar um escritor russo do século passado, que é muito contemporâneo, que é o Tolstói [(1828-1910), um dos mais respeitados nomes da literatura russa do século XIX, ao lado de Fiódor Dostoiévski, Gorki e Tchecov. Suas obras de maior repercussão são Guerra e Paz e Anna Karenina], ele dizia: "Pinte a sua aldeia e serás universal.". Eu acho que o que ele está fazendo é isso, ele está sendo universal. Se ele está sendo antigo [ou] moderno é outra história.

[Sobreposição de vozes]

José Simão: Eu acho que o sucesso de Pantanal não é pelo regionalismo. O sucesso de Pantanal está nessa coisa erótica e nessa câmera hipnótica. De repente você fica hipnotizado pela câmera mais lenta e tal, quer dizer, ela oferece uma coisa mais hipnótica e mais poderótica. Eu não acho que se fosse só a regional teria feito esse sucesso.

Mario César Carvalho: Você não acha que é mais o texto do que as imagens? Essa coisa que você gosta da prosa... ?

Benedito Ruy Barbosa: Eu acho que isso está muito bem casado na história. Eu acho que a gente conseguiu um equilíbrio, um ponto de equilíbrio, porque eu tinha muito medo no começo, de que virasse realmente um documentário. O Jayme também tinha esse medo. A gente discutia isso. Tanto, que quando eu fui ver as primeiras cenas, eu fiquei um pouco sem fôlego: “meu Deus do céu! Será que a hora em que o personagem começar a falar o cara [telespectador] já dormiu?”. Porque as pessoas se cansam até da beleza. Você vê a mesma imagem todo dia, todo dia, todo dia; chega uma hora [em] que não tem mais novidade para você. Assim como também o texto perde o sentido quando ele começa a ser repetitivo, dizer a mesma coisa. Mas é tudo junto.

Rodolfo Konder: Ruy Barbosa, em nome da TV Cultura, eu vou agradecer muito à sua presença aqui. Eu sei que você ficou meio nervoso, mas o papo foi muito bom.

Benedito Ruy Barbosa: Ah, obrigado.

Rodolfo Konder: Eu tenho certeza [de] que todo mundo gostou muito, o interesse dos telespectadores também mostra isso. [Quero] Agradecer aos jornalistas presentes que nos ajudaram, e ao ator, [todos que] nos ajudaram aqui a fazer a entrevista [e também] aos convidados do programa, aos telespectadores. As perguntas que não foram feitas eu vou deixar nas mãos do Ruy Barbosa. [Agredeço também] À Bernadete, à Shisuka e à Cristina, que trabalharam aqui atendendo aos telefonemas todos. E mais uma vez, deixar a você o microfone, se você quiser dizer alguma coisa final, algum recado final aos telespectadores, para a gente encerrar o programa.

Benedito Ruy Barbosa: Realmente, eu nunca passei nervoso igual na minha vida. Eu quero pedir desculpas se eu fui prolixo demais em alguns momentos. De repente, eu senti necessidade de contar outras coisas, agradecer a presença de todos vocês e até a bondade com que vocês me entrevistaram. E especialmente ao Dionísio, um companheiro de longa data, de grandes trabalhos, pioneiro da televisão brasileira, um diretor excepcional, que eu gostaria que pudesse estar comigo novamente e brevemente. E dizer o seguinte: o Pantanal, eu não sei explicar... [emociona-se e chora]

Rodolfo Konder: Eu agradeço ao Paulo Caruso também, que não tinha mencionado ainda, e convido os telespectadores a voltarem a assistir o Roda Viva na próxima segunda-feira às nove e meia. Muito boa noite.

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