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Memória Roda Viva

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Saulo de Castro Abreu Filho

1/3/2004

O secretário de Segurança Pública de SP discute índices que refletiriam ações violentas da polícia e fala sobre a melhoria da confiança da população nos policias

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. Ele comanda a mais cobrada e a mais problemática secretaria de governo do estado de São Paulo. Responsável pela segurança pública de 36 milhões de brasileiros, busca reduzir os índices de criminalidade com uma política de combate duro e promete, principalmente, enfrentar diretamente o crime organizado. O Roda Viva entrevista, esta noite, o promotor público Saulo de Castro Abreu Filho, secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo.

[comentarista]: “Bater firme, de frente e com tenacidade”. A frase dita pelo secretário no dia da posse marcou o estilo que Saulo de Castro adotaria frente à complexa e sensível área do governo estadual. É o terceiro cargo que ele ocupa na administração paulista em pouco mais de oito anos. Mestre em direito pela Universidade Católica de São Paulo, onde também foi professor de Direito processual civil, Saulo de Castro trabalhou como promotor público em várias cidades paulistas. Em 1995, quando era o titular do 1º Tribunal do Júri da capital, foi convidado pelo governador Mário Covas para ser o corregedor-geral da Administração Estadual. Em 2001, no segundo governo Covas, assumiu a presidência da Febem [Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, nome que foi alterado em 2006 para Fundação Casa - Fundação Centro de Atendimento Sócio-educativo ao Adolescente], em um dos momentos mais tumultuados da história: uma época marcada por sucessivas rebeliões, fugas e conflitos entre menores e funcionários. Em janeiro de 2002, convidado pelo governador Geraldo Alckmin [governou São Paulo entre 2001 e 2006], Saulo de Castro foi para a Secretaria de Segurança Pública também em um momento em que a escalada da criminalidade tinha se transformado na principal fonte de preocupação para o governo e a sociedade. Há dois anos no comando da segurança, entre polêmicas e acusações de violência policial, Saulo de Castro também contabiliza ganhos. A população hoje confia mais na ação da PM [Polícia Militar] do que há quatro anos, segundo o Datafolha [instituto de pesquisas do Grupo Folha]. A pesquisa divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo, no mês passado, mostrou que caiu para 54% o índice de paulistanos que ainda têm mais medo que confiança nos policiais militares. Na pesquisa anterior, em 1999, o medo era um sentimento de 66% das pessoas. Hoje, subiu para 41% o índice de moradores que dizem ter mais confiança do que medo em relação à Polícia Militar. No levantamento anterior, apenas 30% confiavam. Índices de confiança, medo, violência e corrupção na polícia, crime organizado, baixo padrão ético no comportamento social, cobranças e expectativas em relação ao trabalho policial são questões que se entrelaçam cada vez mais no debate sobre segurança pública. Mas esse debate também relaciona criminalidade e situação social. Estatísticas novas confirmam antigos estudos de que a queda de renda e o desemprego têm aumentado na mesma proporção o crime que a população mais teme: o roubo.

Paulo Markun: Para entrevistar o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, nós convidamos Madi Rodrigues, repórter da editoria da revista Isto é; Luis Nassif, comentarista de economia da TV Cultura; Renata Lo Prete, editora da Folha de S.Paulo; José Maria dos Santos, editor executivo do Jornal da Tarde; Renato Lombardi, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo e Wallace Nunes, repórter de política do jornal Gazeta Mercantil. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e para Brasília. Boa noite, secretário.

Saulo de Castro Abreu Filho: Boa noite.

Paulo Markun: Eu queria começar com dois números aqui. Como sei que eles estão relacionados, já queria citar os dois para que o senhor comentasse. Dados publicados pelo [jornal] O Estado de S. Paulo no dia 10 de fevereiro de 2004 mostram que o número de mortes envolvendo PMs cresceu 29% em 2003. O mesmo jornal, em uma reportagem do nosso colega Renato Lombardi, mostra que, no ano passado, houve um aumento de 77,6% de demissões entre os policiais militares, e de 37,8% na Polícia Civil. Um número justifica o outro? Aumentou a violência, mas demitimos mais, está tudo resolvido?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, [vamos] separar as duas coisas. Os números absolutos - número de mortes de pessoas em confronto com a polícia - realmente aumentaram, mas o percentual não. Vamos pegar os dados históricos, voltar dez anos. Esse percentual de confronto com a polícia que gera letalidade, a morte da pessoa, vai de 0,37% a 0,55%, ou seja, em 100% dos casos onde há confronto com a polícia, 99,5% não geram a morte. Ou seja, nas 99,5% das vezes que a polícia atua, não há casos de morte. E atua quando, Markun? Isso é importante colocar. Você faz bloqueios, revistas, prisões, reintegrações de posse. Nós temos 130 mil homens e mulheres, por 24 horas por dia, atuando no estado de São Paulo. São números grandes. São 126 mil presos hoje no sistema. Para você ter um parâmetro, no Rio de Janeiro, que é um estado menor - é verdade - há 21 ou 22 mil presos. Minas Gerais tem perto de 17 mil. Nós temos 126 mil presos! 23% da população do Brasil mora aqui, 45% da população carcerária está aqui. Portanto, a função da polícia é prender. O momento da prisão é o ápice do estresse, tanto para o policial quanto para aquele que está sendo preso. Eu acho que não tem ato de mais força do que conter alguém na sua liberdade, chegar, algemar e levar. Claro que tem gente que sai em liberdade provisória, porque pagou fiança. Por isso, o número de presos em prisões é menor que o número de prisões. Mas, de 146 mil prisões, em 99,5% a polícia não teve nenhuma dificuldade. Houve letalidade em 0,5% dos casos.

Paulo Markun: São cerca de oitocentas mortes, é isso?

Saulo de Castro Abreu Filho: Isso, de 146 mil prisões, né? Mas como você justifica ou explica essa situação? Vamos passo a passo. Primeira coisa: aumentamos muito o número de policiais nas ruas. O governador aprovou duas leis logo que eu assumi, em 2002, que deram um impacto muito grande, principalmente na Polícia Militar. Mais de dez mil homens - quatro mil que ficavam nas muralhas de presídio e seis mil que ficavam na burocracia - foram para as ruas. Contratamos jovens de 18 a 23 anos, que nós chamamos de soldados voluntários. Eles foram trabalhar na burocracia. Compramos veículos. Hoje, a frota das duas polícias é de 21 mil carros. O armamento também foi modificado. Hoje, muitos policiais já possuem pistolas ponto quarenta, um armamento de alta letalidade, ou seja, com um tiro ele acaba gerando a morte. Agora, a polícia não chega sozinha, chega em uma diligência de dois a quatro carros. A opção de dar ou não o tiro é sempre do outro lado. Se a polícia matou mais em números absolutos é porque tem trabalhado muito mais. Foram 100% a mais no número de operações, 100% a mais número de prisões, é o limite que a polícia tem.

Paulo Markun: Eu só queria entender uma coisa, secretário...Certamente, não vou entrar no debate de estatísticas com o senhor, que é mestre nisso.

Saulo de Castro Abreu Filho: Para mim, é fácil. Está tudo na internet, tudo que estou dizendo é público.

Paulo Markun: Tudo bem. Eu vou citar outros dados do Estadão, que colocam em jogo uma outra questão. Em 1992, foram 1421 mortes, segundo a reportagem e dados da própria Secretaria [de Segurança Pública]. Esse foi o ano do massacre do Carandiru. Em 1993, entrou em cena uma determinação do governo Covas, em que havia acompanhamento psicológico para policiais envolvidos em casos mais violentos, o Proar [Programa de Acompanhamento de PM Envolvido em Ocorrência de Alto Risco].

Renato Lombardi: Houve acompanhamento para todos, em todas as localidades...

Paulo Markun: Entrou em 1993?

Saulo de Castro Abreu Filho: Sim.

Paulo Markun: E foram 377 mortes em 1993. Em 1995, foram 592 [mortes] e, no ano seguinte, 368.  No ano passado, foram 863...

Renato Lombardi: [interrompendo] Isso porque afrouxaram o Proar, ele não existe mais!

Saulo de Castro Abreu Filho: Não. Aí é uma questão de conceito, deixa eu terminar de te explicar...Quer dizer, você tem um número absoluto, mas o percentual não varia. Lamento dizer, gostaria muito que ele reduzisse, mas ele se mantém há anos.

Paulo Markun: A polícia trabalhou menos nesse ano?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, 0,5% de casos geram letalidade, desde 1994. Agora, se você prende 146 mil ao invés de prender setenta [mil], é evidente que esse número sobe. Nós batemos o recorde de 77% a mais de demissões. Para quem operou mal, não cumpriu as determinações mínimas da lei, rua! Tem gente que faz isso? Sim. Foi um recorde absoluto, motivo de outra lei. Em pleno ano eleitoral, aprovamos uma lei que a imprensa apelidou de "Via Rápida", foi o único estado que fez isso. Aceleramos o processo demissionário até para não gerar a sensação de impunidade naquele policial que acha que está acima da lei. Ninguém quer isso. Eu tenho filhos, você também... Ninguém quer um policial violento na rua. Agora, nós não podemos ter uma polícia que se acovarda frente ao confronto. Se o percentual se mantém há muitos anos e o número de policiais demitidos aumentou, qual é a conclusão que se pode tirar?  É a postura do secretário, a postura do governador frente a esses desvios. Falando sobre o Proar, o termo "afrouxar" pode dar a sensação de que...

Renato Lombardi: [interrompendo] Não, porque ele ficava seis meses fora, não é? O policial era retirado das ruas e ficava seis meses afastado. Depois voltava para o trabalho, se ele fosse aprovado. Agora não, o tratamento é feito no próprio batalhão.

Saulo de Castro Abreu Filho: É claro, o que é o ideal. Antigamente, ele saía lá de Presidente Prudente e vinha para São Paulo fazer um tratamento. Você pode imaginar um homem ficar seis meses longe da sua família? O Proar antes era só com relação à questão de morte. Hoje, se ele der tiro, ele vai. Além disso, aumentamos e ampliamos para o alcoolismo, problemas familiares, como uma opção. Ele é analisado por um psicólogo, não volta para a rua sem o laudo do psicólogo que o analisa. Antes era um palpite até do próprio comandante. Na verdade, o programa foi melhorado, ele serve para resgatar esse policial, para que ele melhore e volte bem ou jamais volte. Há casos em que ele nunca mais sai do Proar, fica mais tempo, ao ponto de ser aposentado. No ano passado, nós aposentamos quase cem policiais nessas condições, compulsoriamente.

Wallace Nunes: Mas ainda há casos de violência?

Saulo de Castro Abreu Filho: Há, claro que há.

Renata Loprete: Por que, na sua opinião, o percentual não diminui?

Saulo de Castro Abreu Filho: Olha, isso é difícil de avaliar. Nós temos várias situações na Secretaria, batalhamos muito para que esse percentual reduza. Mudamos, inclusive o método de treinamento. Hoje nós temos um método que se chama Giraldi, seu inventor chama-se Giraldi. Esse método foi avaliado pela Cruz Vermelha Internacional, que veio a São Paulo e o aprovou. Recebemos um prêmio por isso, mas não é o prêmio que importa. Há uma tentativa de melhoria, está certo? Agora, na verdade o que aumentou foi a letalidade, quer dizer, isso nós tínhamos conseguido reduzir. Os confrontos se mantém. Você tem, do outro lado, uma resistência...

[...]: Isso prova que a polícia é violenta, não é?

Saulo de Castro Abreu Filho: Isso prova que você tem confronto.

Renato Lombardi: E o bandido? Hoje, o bandido está mais...

Saulo de Castro Abreu Filho: Eu não gosto muito dessa frase, mas o fato é que a opção pelo tiro é dada pelo bandido. A opção da polícia é pela prisão. Nós lavramos 12 mil flagrantes por mês.

Madi Rodrigues: Mas é sempre questionável esse confronto que sempre se faz presente... Há mortes de civis e sempre se divulga que foram por causa de confrontos com a polícia. Isso é sempre questionável, secretário.

Saulo de Castro Abreu Filho: Sim... a polícia mata em confronto, não mata sem ter necessidade.

Madi Rodrigues: Mas o caso recente daquele dentista foi...[Em fevereiro de 2004, em São Paulo, o dentista negro Flávio Ferreira, de 28 anos, foi morto a tiros por policiais militares que o confundiram com um assaltante]

Saulo de Castro Abreu Filho: [interrompendo] Ah, mas esse é... Aí é que eu digo... Eu estou falando em 130 mil homens e mulheres. Se 1% errar, você tem 1,3 mil casos por dia, ou por semana, ou por mês. E você não tem isso. O que eu quis dizer com relação ao Proar é que ele é um programa para resgatar o funcionário. É como se sua empresa fizesse um programa contra o estresse, para você trabalhar melhor etc. Não deve ser usado, portanto, para punir. Hoje, é uma opção. O policial não se envergonha mais de estar lá, mas o procura em caso de dívidas, problemas com a mulher, alcoolismo, drogadição. Agora, a Corregedoria é mais firmeza, oitocentos homens são da PM e seiscentos da Polícia Civil. Elas foram regionalizadas. A Corregedoria da Polícia Civil, hoje, não fica mais no mesmo prédio. Antes, você ia denunciar um delegado, entrava, olhava para a cara dele e o denunciava para o colega dele. Quer dizer, eu denunciava um delegado da seccional para um subordinado dele. Hoje, o prédio é separado, as pessoas vão. [Também] motivamos a Ouvidoria, aceitamos denúncias pelo Disque-Denúncia, que bateu recorde. É [um projeto] de uma organização não-governamental chamada Instituto de São Paulo Contra a Violência. Nós damos só a estrutura de trabalho para eles, que atendem anonimamente. Aceitamos denúncias pela internet, ou seja, aumentou muito o volume de denúncias, aumentou muito a qualidade das apurações, tanto que os dois presídios estão lotados. Foram mais novecentas demissões no ano passado. Este ano, não passamos de cinquenta. Não me orgulho disso. E nenhum de nós, paulistas, temos que nos orgulhar desse volume de demissões. Mas isso mostra a postura do governo quando você o compara com outros estados da federação. Ou vai dizer que lá não há violência policial? Eu te desafio, se você achar um estado no Brasil que tenha demitido ou que nós demitimos na Secretaria de Segurança, eu dou a mão à palmatória.

[sobreposição de vozes]

Madi Rodrigues: Como o senhor avalia sua atuação na Secretaria de Segurança de 2002 até agora? O senhor entrou na Secretaria dizendo que iria virar o jogo. Acredita que atingiu esse objetivo?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não. Seria muita pretensão da minha parte até porque eu não sou mágico, não tenho no meu quadro de funcionários nem a fada madrinha.

Wallace Nunes: [interrompendo] Mas, na época, o senhor disse que viraria o jogo.

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, disse que lutaria para conseguir isso. Eu acho que nós estamos conseguindo. O prestígio da polícia melhorou. A pesquisa do DataFolha mostra isso. Está aquém do que gostaríamos, mas há um progresso em um ano difícil, quando o tema segurança pública nunca ocupou tanto espaço na mídia, na cabeça das pessoas, nunca preocupou tanto o cidadão. A sensação de insegurança nunca foi tão amplificada, tudo isso dificulta.

Wallace Nunes: O senhor quer dizer que a corrupção no estado de São Paulo acabou?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, de forma alguma. Eu fui corregedor muitos anos no estado de São Paulo, ajudei a implementar a Corregedoria, foi o primeiro estado a ter isso. Depois, a União acabou até copiando nosso modelo. O Covas inaugurou, aliás, eu fui convidado para ser corregedor. Eu trabalhava na Secretaria do governo. O chefe era o professor Antônio Angarita, o adjunto era o Dalmo Nogueira, atual presidente da Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo]. Uma das nossas idéias era o quê? Chegamos, pegamos um estado numa situação difícil, a dívida do Banespa [Banco do Estado de São Paulo] estava em cinquenta bilhões... Bom, essa história todo mundo já conhece. O fato é que o Mário Covas, assim como o governador Geraldo Alckmin, tinha um princípio: “Não adianta, tem que ser para o lado da despesa. Há gordura para cortar aqui”. Para você ter uma idéia, criamos um sistema para controlar contratos terceirizados, como segurança, vigilância, limpeza, alimentação hospitalar, alimentação de presos. Em quatro anos, economizamos seis bilhões, sem cortar contratos. Para onde ia esse dinheiro? Para o bolso de alguém. Eu aprendi uma coisa: quem começa a pegar dinheiro público, não se emenda. Não se iluda com isso. Corrupto morre corrupto.

Luis Nassif: Do ponto de vista sócio-econômico, os problemas da polícia sempre estiveram associados a algumas atividades, como a questão do [jogo do] bicho [popular e ilegal jogo de apostas em figuras de animais], bingo, desmanche [de veículos] e contrabando. Entra-se numa seara que foge especificamente da questão de segurança. Como a Secretaria [de Segurança Pública] trabalha essas frentes de movimento de policiais?

Saulo de Castro Abreu Filho: Olha, há situações em que não adianta...O município tem um papel fundamental nisso, ou seja, a figura do prefeito, o poder de polícia da prefeitura. No caso de roubo de carros, ninguém rouba para colecionar, rouba para vender. Para que ter desmanche? Eu coloco isso para 645 cidades em São Paulo e digo sempre aos prefeitos: "que fomento à economia dá? Que geração de empregos? Então feche, tenha absoluta intolerância! Não haverá esse tipo de comércio aqui e ponto final". As pessoas também têm um conceito...Também sempre digo: "olha, cada vez que você compra aquele farol mais baratinho, não se esqueça que um pai de família pode ter morrido no semáforo para você comprar com desconto”. Celular é a mesma coisa. Então, intolerância com isso!. "Compro ouro", "compro dólar". Isso é um pacto pela legalidade! Aí eu tiro o alvará, ponho essa turma toda na ilegalidade.

[...]: Isso também vale para o bingo?

Saulo de Castro Abreu Filho: Claro, porque nós vamos enxugar gelo. Em 2001, se fez uma grande operação, recolheram algumas máquinas. Você pode imaginar que cada máquina... se você for levar para o lado da contravenção penal é um crime de "bagatela", não é? Não vale o papel que se gasta, não dá prisão, não dá nada. Você tem que fazer perícia em cada máquina para provar que ela rouba no jogo, simula a sensação de ganho. Muitas máquinas não fazem isso. O fato é que o Brasil vinha numa posição de legalização do jogo. O governo federal avalizou as importações. Na guia de importação, não está escrito que é máquina para vender pipoca. Está escrito que é máquina de bingo, máquina de jogo. Tributa-se as quatro vias, bonitinho. A prefeitura taxa cada máquina. O fulano que monta a casa não mente sobre o que ele está fazendo. Ele vai à prefeitura, protocola o pedido de alvará e diz: “Estou montando isso”. Portanto, não é nada de fachada, é tudo aberto. Então, o que eu coloco e sempre coloquei? São mais de quinhentos bingos [no estado de São Paulo]... Os prefeitos têm que fazer uma eleição administrativa: "Na minha cidade não vai ter, não concedo e ponto final".

Madi Rodrigues: Para o prefeito o senhor não concederia os alvarás?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, aí são "outros quinhentos". Definida uma situação, quem sou eu para falar enquanto prefeito? O que eu aconselho aos prefeitos, como secretário de Segurança Pública, é cassar os alvarás e não conceder para desmanche, a "compro ouro", "compro dólar". Só falta escrever "compro muamba"...

[sobreposição de vozes]

Paulo Markun: Vamos fazer um rápido intervalo e a gente volta já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, que esta noite entrevista Saulo de Castro Abreu Filho, secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo. Para você participar do programa, fazer sua pergunta, crítica ou sugestão, temos o telefone (11)252-6525 e o e-mail rodaviva@tvcultura.com.br. Milton Benil, de São Paulo, é advogado e diz o seguinte: “Acabei de ligar para o 190 [linha direta para contato telefônico entre a polícia e a população] e não consegui atendimento. Fui atendido por um serviço eletrônico e gostaria de saber se é normal ou se falta estrutura para atendimento pessoal".

Saulo de Castro Abreu Filho: Olha, estou estranhando! Há vinte dias, nós ampliamos o atendimento aqui na capital. Para você ter uma idéia, nosso pico são 52 cabines. Nós aumentamos para mais de setenta. Quer dizer, se der um pico de 52, ainda têm uma amplitude. No interior, criamos a Central de Atendimentos e Despachos, nas grandes cidades. O número de ligações diárias para o 190 - só 190 - são 150 mil, somando 4,5 milhões de ligações por mês. Não há serviço público no mundo tão acionado quanto a polícia! São 24 horas por dia. Você pode estar se afogando na praia, quebrar um carro na estrada, em qualquer lugar dos 645 municípios: você liga três números e é atendido. Está aí um outro papel importante, que também é outra briga com os municípios: uma boa parte dos números 190 é para parto, para levar gente com problema mental, álcool, drogadição, que são serviços de natureza social ou médica. Se os municípios tivessem ambulância, serviço público eficiente...O ouvinte lembra de algum número de serviço público municipal ou federal?

Renato Lombardi: Mas não justifica se ele ligou e não conseguiu falar. Quem liga para a polícia só liga no desespero!

Saulo de Castro Abreu Filho: Olha, você pegou no ponto nevrálgico. Eu brinco muito com o secretário da Saúde: "se eu ligar no Hospital de Clínicas agora e demorar dez minutos para ser atendido, tenho certeza que qualquer um de nós desliga o telefone e diz que beleza, dez minutos, o maior hospital da América Latina e meu problema foi encaminhado!". Ligo 190 e atende a Polícia Militar: "Boa noite, aguarde um momento... Polícia Militar, boa noite, aguarde um momento”. Você já desliga o telefone e bate o desespero. Nós lidamos com o limite do crime. A polícia é o último fiozinho. É por isso que o 190 não pode falhar. Nossa meta é reduzir de três toques para um: "Polícia Militar, boa noite, boa tarde, bom dia, boa madrugada”. A hora que for.

Paulo Markun: O senhor deu uma entrevista preocupante, recentemente, dizendo que a polícia está no limite da repressão. Eu queria que o senhor explicasse isso, afinal de contas, para quem vive no Brasil, essa declaração é preocupante.

Saulo de Castro Abreu Filho: É uma boa pergunta porque é importante as pessoas pensarem um pouco a respeito. A frase pode parecer bombástica, pode parecer um sinal de ter "jogado a toalha", mas é o contrário. Na introdução, sua produção colocou a questão do desemprego em São Paulo e no Brasil. Para você ter uma idéia, o crime que mais preocupa hoje em São Paulo é o roubo, o crime contra o patrimônio. O sequestro caiu vertiginosamente, roubo de carga, quer dizer, os crimes indicadores de quadrilhas organizadas em São Paulo estão razoavelmente equacionados. Nosso grande problema hoje é o roubo do dia-a-dia, quando nós saímos aqui da TV Cultura e não sabemos se alguém vai nos encostar um revólver e nos roubar. Esse é o que gera a maior sensação de insegurança. Pensamos na faixa de idade de 17 a 21 anos: a taxa de desemprego está 59%, ou seja, de cada dez jovens desses, seis não têm emprego. A renda está caindo 40%. Se você imaginar que as pessoas estão cada vez com menos renda e a curva do desemprego está aumentando... É demagogia dizer que a polícia é preventiva. Ela é preventiva na medida em que é repressiva. Se eu puser um PM na porta da TV Cultura, estou sinalizando o quê para o criminoso? "Não venha porque, no limite, eu posso até matar". Por isso, ela é preventiva. Então não há - é isso que eu quis dizer - polícia que consiga lidar com essa equação. Fizemos alguns cálculos nos últimos dez anos e nos assustamos com o resultado: de cada dez casos, 85% deles têm relação direta com essa questão de queda de renda e desemprego, nessa faixa de idade. Eu fiquei tão assustado com o resultado, que nós o mandamos para Chicago. Por que Chicago? Porque é o lugar no mundo onde melhor se trabalha com estatísticas criminais. O jovem é medido pelo que tem, não pelo que é. Tem que ter o tênis do ano, tem que ter a camiseta, tem que ser da turma para ser reconhecido. Numa cidade como a nossa, onde você tem quase três mil favelas, fora submoradias, há um caldo de cultura de violência, de permissividade, em um ambiente onde parece que tudo vale. A taxa de 60% de desemprego é um número assustador, você começa a entender, explicar as razões dos crimes. Não é possível só com a polícia conseguirmos desestimular esse tipo de crime. O que a polícia pode fazer? A polícia pode desestimular o criminoso com que recado? "Não cometa o crime porque nós vamos te prender, você vai ser processado e vai para a cadeia". 126 mil homens e mulheres receberam esse recado e estão na cadeia. É a única equação que nós podemos trabalhar, não tem mais nada. Para gerir toda a questão da segurança, o delegado de polícia só tem dois itens de gestão: prender ou não. Não há mais o que fazer. Até fazemos programas de drogadição, polícia comunitária, programas sociais, assim como o 190. Em quatro milhões e meio de ligações [mensais], 50% são ligações sociais. Não vai atender? A polícia atende. A viatura, ao invés de patrulhar a rua, está atendendo uma parturiente. A Polícia Militar faz uma média de trinta ou quarenta partos, já chegamos a sessenta partos por mês. Foram sessenta crianças nascendo nas mãos da própria polícia!

Madi Rodrigues: Acaba tirando a polícia do seu objetivo?

Saulo de Castro Abreu Filho: Sim, porque não há uma ambulância para pegar...Olha, há casos de criança abandonada dentro de casa. A viatura pega a criança, a leva para a delegacia. Ela fica com o delegado, pois a mãe não tem condições de levar a criança para uma creche, pagar uma babá, por exemplo. São problemas sociais.

Luis Nassif: Em relação ao crime organizado, nos últimos anos a polícia passou a trabalhar a questão da inteligência estratégica. Eu queria que o senhor explicasse os três itens dessa inteligência estratégica: bancos de dados, a integração dos bancos de dados - quais são os bancos de dados relevantes e que estão integrados; como é trabalhada a rede de informantes; como é a troca de informações entre a Polícia Civil e a Polícia Militar.

José Maria dos Santos: Eu queria complementar, secretário...Sobre a informatização da polícia, o policial "médio" ou "raso" está habilitado para operar a máquina, o computador, os dados?

Saulo de Castro Abreu Filho: Ainda não, isso é mais em um nível operacional de tenentes, capitães e os delegados de polícia. Eles ainda não têm acesso a esse banco, ele é um pouco complexo. Agora, Nassif, o que nós fizemos? Integramos todos os bancos da polícia. Hoje você tem o Fotocrim [Base Informatizada de Fotografias Criminais], que é um sistema que já traz a fotografia e todo o histórico de um criminoso: com quem ele ficou preso, qual foi o Fórum que ele foi, com quem ele dividiu espaço na cela, que crimes cometeu, suas fotografias, tatuagens. Inventou-se também um sistema de boletim de ocorrência eletrônico. Esse banco é interligado nas 93 companhias e delegacias da capital, Grande São Paulo e Campinas. Está indo para Sorocaba e São José dos Campos. Cerca de 82% dos crimes no estado ocorrem entre Campinas, Santos, Sorocaba e São José dos Campos. Aliás, é onde está o maior PIB [Produto Interno Bruto], onde está o grande volume de densidade populacional. Então, nós integramos o banco. Esse é um passo importante. Pega um caso recente: aquele matador de criança no Rio Grande do Sul, que matou 12 crianças e, no Paraná, ele é primário de bons antecedentes. Os gaúchos sabiam que era um serial killer de crianças, os paranaenses não sabiam. Então, o que nos falta ainda no Brasil é integrá-lo com o governo federal.  Ele precisa ter o acesso, só que está com dificuldades.

Luis Nassif: [interrompendo] Que dificuldades?

Saulo de Castro Abreu Filho: A primeira é a técnica. Compraram um equipamento que não "conversa" com os equipamentos dos governos estaduais. Temos que mudar um dos sistemas.

Luís Nassif: Todos os estados têm o mesmo sistema?

Saulo de Castro Abreu Filho: É mais ou menos o mesmo sistema. Conversa-se por rádio, é um sistema da Motorola que se chama APCO 22, porque são as grandes multinacionais que dominam esse mercado da tecnologia. Para você ter uma idéia de como essa questão de recursos é complicada, São Paulo não recebeu nada de recursos federais na área de segurança. Todo o investimento é do governo do estado, é aprovado pelo governador Geraldo Alckmin...

Renato Lombardi: Mas o ministro disse que mandou dinheiro para o senhor.

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, não chegou ainda na conta. Agora, nós temos trezentos milhões [de reais] em projetos. São Paulo foi o único estado que apresentou projetos para qualquer fundo do governo federal. O Tribunal de Contas da União aprovou todos os nossos convênios e praticamos os melhores preços do Brasil. Não é arrogância de paulista, não. Eu vou dar um exemplo básico: o carro. Por que eu cito carro? Porque carro é o mesmo preço, é tabelado. Nós compramos em São Paulo, carros para ronda escolar, policiamento, os Corsas - não é propaganda para a General Motors, é para as pessoas saberem - com giroflex, com rádio que conversa com o estado inteiro, um carro todinho equipado, pintado. Fizemos através da Bolsa Eletrônica de Compras, que é um sistema que nasceu lá atrás, com aquele governo eletrônico, e compramos por 17,1 mil reais. É o melhor preço do Brasil com licitação. Há estados que compram sem licitação, pagam mais caro. Então, nós estamos começando a criar, inclusive, parâmetros de preço para o Brasil. E mesmo assim, o governo federal não repassou.

[...]: Por quê?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não sei. Eu digitalizaria toda a comunicação com a polícia. Nós conseguimos dados, banco de dados, voz, imagem, som. Sabe com quanto de dinheiro? 5% do Fust [Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações], do que os paulistas contribuíram. Cada vez que você usa o seu telefone, você paga uma taxa que compõe esse fundo. O que nós solicitamos? Já que na área de segurança o recurso é pouco, vamos usar o Fust, pois há bilhões que podem ser usados para a área de segurança. Segurança é prioridade? É, então vamos tratar. Vontade política, para mim, é sinônimo de gastar dinheiro, ou seja, vai investir ou não vai investir. É aí que você define tudo em um governante: a característica de ter ou não vontade política.

Renata Lo Prete: Vamos passar um pouco de segurança para a política? Está na cabeça de todo mundo que está entrevistando o senhor e de boa parte dos telespectadores a idéia de que o senhor é um possível candidato do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] à Prefeitura de São Paulo. Então, quando a gente vê o senhor falando de segurança, de termos técnicos, a gente vê que o senhor está afiado no que pensa, nas suas críticas ao governo federal. No bloco anterior, por exemplo, estávamos falando dos bingos, e o senhor praticamente nos fez aqui uma crítica de considerar que o governo do PT [Partido dos Trabalhadores] é pró-bingo. Agora, o senhor está falando, por exemplo, dessas discussões do governo estadual com o governo federal sobre onde gastar o dinheiro da segurança. O senhor está com um discurso afiado de candidato. Sempre diz que está pronto a aceitar missões. Está pronto para ser candidato a prefeito pelo PSDB?

Saulo de Castro Abreu Filho: Eu acho que isso é uma característica pessoal, fiz uma opção de vida. Tornei-me um promotor de Justiça, prestei um concurso, entrei para o serviço público pela porta da frente, não tive apadrinhamento. Em 1995, fui trabalhar com o governo Covas como corregedor, que é um trabalho mais de bastidores. O Covas dizia: “Olha, corregedor não pode ser amigo, não pode ter patota”. O que ele queria dizer com isso? É um cargo que exige até uma certa sisudez. Ainda no governo Mário Covas, assumi a Febem em 2001, um período difícil. No governo de Geraldo Alckmin, assumi a Secretaria de Segurança Pública. Eu acho que isso não é vontade minha, ninguém é candidato de si próprio. O partido tem uma força importante em São Paulo. Na eleição para governador, de cada três paulistanos, dois votaram no PSDB. É um partido fortíssimo na capital.

Paulo Markun: Mas nunca fez um prefeito...

Saulo de Castro Abreu Filho: Pois é, é uma outra avaliação. Então, respondendo, ninguém é candidato de si.  Se o partido quiser, se for uma vontade dos outros concorrentes...Há pré-candidatos, como o senador José Aníbal, a deputada Zulaiê Cobra...

Wallace Nunes: Mas o senhor considera que saiu na frente na disputa, né?

Saulo de Castro Abreu Filho: Por quê?

Wallace Nunes: Porque há uma série de fatores que beneficiam sua situação, secretário.

Saulo de Castro Abreu Filho: Bom, aí vem a pergunta do Markun. Por que o PSDB nunca teve chance de governar São Paulo? Se você pensar, há 16 anos a capital está sendo governada pelo petismo ou pelo malufismo: Luiza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta, agora a Marta Suplicy.

Paulo Markun: [interrompendo] Está na hora do PSDB agora?

Saulo de Castro Abreu Filho: Está na hora do PSDB ter uma chance, claro!

Paulo Markun: O senhor é candidato?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, se o PSDB concordar, não tenho problema nenhum em enfrentar esse pleito.

Wallace Nunes: Mas o senhor é candidato do governador Alckmin?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, o governador disse: “Discutir a eleição é a pior coisa que poderia acontecer, mesmo a gente sendo da oposição. Isso encurta o governo, a prefeita fica com dificuldades, assim como o governo federal. Você começa a ser pautado por isso. Isso não é assunto para agora, é muito prematuro". Agora, por que o PSDB nunca venceu uma eleição na capital? Eu acho que é o momento. Eleição é uma questão de momento. É como Paulo Maluf e Luiza Erundina, a perspectiva da Erundina ganhar era pequena, mas ganhou, está certo? A mesma coisa sobre o Fernando Henrique e o Jânio Quadros. Então, se você fizer um histórico recente dos pleitos municipais...

[...]: [interrompendo] O senhor considera então esse o seu momento?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, você tem um momento...O governador tem uma figura de linguagem interessante: "Você tem uma moldura, que é o desejo da população nas suas expectativas, nas suas críticas a quem está no poder. E você tem um retrato para colocar ali". Sorte do PSDB de ter quatro pré-candidatos declarados, entre os quais eu me incluo! Sorte do PSDB de ter 41 diretórios regionais que estão “nos cascos” para trabalhar, com uma militância com vontade de se colocar firmemente na questão da capital. A população é sábia, vamos ter uma visão tucana. Nós temos aí um modelo de governo de estado que enfrentou questões importantes. Ele tem uma influência muito grande na capital.

Paulo Markun: O senhor acha que o perfil de secretário de Segurança, de chefe de polícia, é um bom perfil para prefeito?

Saulo de Castro Abreu Filho: De Nova Iorque, pode ser. Aqui... [risos]

Madi Rodrigues: O senhor se sente preparado?

Renata Loprete: Posso fazer um complemento à pergunta do Markun? Quem estuda um pouco o eleitorado de São Paulo, tem a percepção de que o PT, seja lá que tipo de governo esteja fazendo na esfera federal, ocupa uma faixa do centro para a esquerda no eleitorado paulistano. E o que se costuma dizer é que, concorrendo ou não o Maluf, a faixa que sobrou para o PSDB é a do centro para a direita. O senhor acha que o PSDB vai fazer uma campanha que, para ganhar da Marta Suplicy precisa ser do centro para direita, buscando votos de um eleitorado órfão do Maluf, digamos assim? É essa a campanha que o senhor faria?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não. Primeiro, é mais do que prematuro discutir um modelo de campanha. Mas, vamos de novo aos números: o Maluf também foi candidato a prefeito, foi ao segundo turno com a Marta e a Marta venceu. Nós tivemos como candidato o atual governador Geraldo Alckmin. Ele perdeu por um milésimo, não é força de expressão. Foram sete mil votos! E não se fez discurso de direita e nem se buscou eleitorado malufista, porque o Maluf foi para o segundo turno. Ora, nós estamos falando de momentos atrás. Por que agora seria diferente? Quer dizer, o PSDB só não foi ao segundo turno com a Marta... Tenho certeza que o governador Geraldo Alckmin ganharia aquela eleição tranquilamente, vinha crescendo e iria atropelar o PT no segundo turno, como de fato atropelou como governador. Não foi para o segundo turno por um milésimo, quer dizer, um lapso de segundo.

Renato Lombardi: O senhor acha que tem perfil para ser o prefeito de São Paulo?

Saulo de Castro Abreu Filho: Lombardi, quem sou eu?

Renato Lombardi: Não, veja bem, o senhor é o secretário de Segurança Pública, é o chefe da polícia do estado. Em tese - desculpe a expressão aqui - “é na base do cacete e da bala”. Então, é um outro tipo, é uma outra história. Qual é a sua posição sobre isso? Tem o perfil para ser prefeito de São Paulo?

José Maria dos Santos: Secretário, o desconhecimento da geografia dessa cidade derrubou candidatos. O senhor conhece a geografia da cidade?

Saulo de Castro Abreu Filho: Razoável. Bom, tudo é prematuro nesse tipo de discussão. É claro que você tem uma equipe trabalhando. Olha, se há uma característica que as pessoas reconhecem em mim - nem sei se a tenho, porque pode parecer elogio de boca própria - é a capacidade de conseguir agregar gente. Eu montei essa Corregedoria, por exemplo, só com funcionários públicos, porque o Covas não admitia cargos em comissão. Fizemos um concurso interno. Na Febem, foi a mesma coisa. Talvez a virada da segurança tenha sido essa: a auto-estima do policial e sem a gente ter muito agrado para dar. Temos que estimular a equipe, é um trabalho de todos nós. Quem sou eu para ter a pretensão de querer fazer campanha, ter perfil? Agora, eu sou muito pouco conhecido, até porque sempre fiz trabalho de bastidor, né? Não fui candidato, nunca fiz carreira política na capital. O PSDB está passando por um período muito bom na capital. Temos uma sede, um prédio na cidade, todo mundo junto, temos união com vereadores e deputados, conversamos diariamente, quer dizer, há senso de que o partido está unido, que o PSDB vai para essas eleições como um candidato viável. Essa é a equação. E eu vou subir no palanque, vou ajudar porque acredito que nós temos que ter a chance de governar a cidade de São Paulo, assim como estamos fazendo no estado.

Paulo Markun: Secretário, vamos fazer um rápido intervalo e o Roda Viva volta daqui instantes. Até já.

[Intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, entrevistando o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho. Secretário, eu sei que vamos voltar para a política, mas eu vou voltar para a segurança, que é a maioria esmagadora das perguntas dos telespectadores. André Luiz Pereira, de Pindamonhangaba, aqui de São Paulo, é servidor público e diz o seguinte: “De acordo com a pesquisa, houve aumento quanto à confiança na Polícia Militar. Mesmo assim, quando os bandidos dão um toque de recolher [ordem para que todos fiquem nas ruas só até uma determinada hora], todos se recolhem rapidamente”. Ele gostaria que o senhor comentasse sobre isso.

Saulo de Castro Abreu Filho: É a tal da sensação de insegurança.

Paulo Markun: É só sensação?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, é o que eu disse. Por mais que você diga para as pessoas que os números melhoraram... e melhoraram, caíram os índices dos principais crimes, que são crimes contra a vida, homicídio, latrocínio. Foram quedas bem razoáveis, de 10%, 15% ao ano. Estamos voltando, para você ter uma idéia, ao patamar de 1992 em homicídios - essa sensação você não tira. O que acontece com relação ao toque de recolher? Geralmente, quando há confronto com a polícia, morte no tráfico, cria-se aquele frenesi. Quer dizer, o que nós precisamos trabalhar é a sensação. Isso tem um efeito mídia importante. Peguei um período em que o assunto tinha um espaço muito grande na mídia escrita e em programas de televisão de vários canais. Jornais diários ao vivo, uma hora e meia, pelo menos em três canais de televisão. Mas não há hoje nenhum canal de televisão que não cubra no seu primeiro bloco.

Paulo Markun: A TV Cultura... 

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, a TV Cultura abre também.

Paulo Markun: Sim, mas podemos distinguir porque não é o mesmo estilo.

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, estou falando do tema. E, muitas vezes, "glamurizando" o crime. Quando assumi, o prefeito Celso Daniel [(1950-2002) prefeito de Santo André, município da região metropolitana de São Paulo. O petista foi assassinado com onze tiros em 2002, em circunstâncias ainda não concluídas pela polícia] tinha acabado de morrer, a morte do Toninho do PT [(1952-2001) Antônio da Costa Santos. O então prefeito de Campinas, filiado ao PT, foi assassinado a tiros, supostamente por conta do combate ao narcotráfico da cidade.] também tinha que ser esclarecida, o Washington Olivetto [publicitário brasileiro sequestrado em dezembro de 2001] estava sequestrado. A mídia tratava essa questão diariamente, colocavam números altos: "48 sequestros em andamento", então não tinha serenidade, era um clima muito hostil para se debater. A imprensa poderia ajudar muito em uma grande campanha com o título: “O crime não compensa”. Ela devia mostrar o outro lado, dizer para essa meninada que está sequestrando: "São vinte anos de reclusão, no mínimo. Vai sair daqui com quarenta anos de idade". Eu me lembro que nós prendemos um criminoso em Campinas, chama-se Andinho. Ele nunca cometeu nenhum crime na cidade de São Paulo. Naquela semana, fizemos uma pesquisa e o criminoso mais temido pelos paulistanos era o tal do Andinho. Isso é efeito mídia.

Paulo Markun: [interrompendo] Só para esclarecer a frase que o senhor falou, o senhor falou de tal modo que deu a impressão que ele não tinha cometido nenhum crime no estado de São Paulo.

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, na cidade de São Paulo...

Paulo Markun: Na cidade de São Paulo. Quer dizer, ele trouxe inúmeros crimes em Campinas.

Saulo de Castro Abreu Filho: Em Campinas. Ele ficou famoso, é o efeito mídia. Prendemos esse rapaz. Veio uma página inteira de jornal dizendo que, desde os 14 anos, era um sucesso dentro do local em que morava, pois tinha motocicleta, carro do ano, era querido na favela. Entrevistaram os amigos dele: “É uma pessoa simpática, ajuda a comunidade”. Diziam que ele tinha juntado um patrimônio de dois milhões de reais aos 23 anos, sem nunca ter trabalhado. Eu não conheço ninguém que começou do zero e juntou dois milhões com 23 anos... A imprensa tem um papel crucial em dois pontos: nessa sensação de impunidade e na sensação de insegurança da população. Quer dizer, esse pacto seria muito bom para nós.

Luís Nassif: Tenho uma curiosidade. Fui vítima de um telefonema do pessoal do Rio de Janeiro, de um celular a cobrar, fizeram ameaças, achando até que eu estava em Bariri [município do interior de São Paulo]. Eles exigiam que eu fosse até uma banca e comprasse dez fichas telefônicas. Depois, vi nos jornais que fizeram isso com muita gente. O que esse pessoal faz?

Saulo de Castro Abreu Filho: Crédito de celular pré-pago. Isso ocorreu mesmo, nós conseguimos prender. Mas, uma boa parte deles era estelionatário. Pediam dinheiro mesmo. Na verdade, são os celulares pré-pagos clonados que estão dentro das prisões e precisam de crédito. Houve um caso e nós prendemos todo mundo, eram criminosos de dentro de Bangu 1 [presídio de segurança máxima do Rio de Janeiro] que telefonavam para São Paulo. Passava-se o número e a senha e eles injetavam créditos no celular. Prendemos todos, o assunto acabou. Mas, uns estelionatários aproveitaram e deram uns golpinhos aí na praça...

Renato Lombardi: É a tal insegurança. O sujeito tem medo e deposita. Agora, eu queria pegar só na rabeira ali do que falou o telespectador que diz o seguinte: que quando mandam fechar, fecham. Mas por que fecham? Porque você ouve as pessoas dizendo que para você: "A polícia vem e manda abrir. Nós abrimos. Aí a polícia vai embora, mas o ladrão, o traficante, continua no bairro, na localidade. Aí ele vai lá e aperta de novo". Falando sobre o toque de recolher, não tem como esse policiamento comunitário deixar a polícia um pouco mais perto da população, para que ela tenha uma sensação de segurança?

Saulo de Castro Abreu Filho: É isso que a gente tem feito muito intensamente. Compramos mais veículos, estamos ingressando no interior dessas comunidades. Se você vir hoje mesmo no teu jornal, há uma boa cobertura sobre os trailers, nós compramos muito, nós compramos mais de cinquenta agora. Você sabe que essa coisa do policiamento comunitário, nós mudamos um pouco o feitio. O coronel comandante [do policiamento] da capital, coronel [Rubens] Casado, é um craque nessa área, talvez seja o maior especialista do Brasil nessa área de policiamento comunitário. A gente tem entrado dentro - desculpe, parece pleonasmo - mas ingressado mesmo no interior dessas comunidades, o que tem tido um efeito duplo e, no meu sentir, até interessante. A população muda a sua visão sobre o policial: um homem, uma mulher, que tem as mesmas dificuldades, luta com seu salário, está colocando sua vida em risco por gente que eles nem conhecem e nem vão conhecer. Enfim, esses ideais moldam a grande maioria dos nossos policiais. Mas, principalmente, também mudou a visão do nosso policial militar. Por ele estar fardado, 24 horas por dia sabendo quem ele é, sem ele saber quem é o bandido, ele entra nesses ambientes mais hostis e sente que corre risco. Ao ter contato com as comunidades, estamos fazendo o que chamamos de "Polícia com você". Eles vão aos parques, leva canil, cavalaria, médico, dentista e, com isso, vai mudando sua feição.

Wallace Nunes: Mas muitos policiais ainda são truculentos nessa abordagem de policiamento comunitário. Como o senhor vê isso?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, de acordo com uma pesquisa do Instituto Futuro Brasil, a maioria dos abordados é jovem e reclama da forma de abordagem, mas não da agressividade...

Paulo Markun: [interrompendo] Negros reclamam mais que brancos, porque os policiais, de modo geral, discriminam os negros. Isso eu estou falando não por estatísticas, mas porque conheço como repórter.

Saulo de Castro Abreu Filho: É, talvez seja uma questão para a gente discutir em um ambiente muito mais amplo do que a polícia. A discriminação do negro no Brasil é só pela polícia...

Paulo Markun: [interrompendo] No limite, é a situação mais dramática que uma pessoa pode enfrentar: ser abordada por um policial.

Saulo de Castro Abreu Filho: Para o negro, há situações mais dramáticas.

[sobreposição de vozes]

Paulo Markun: Há estatísticas que demonstram isso.

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, não estou discutindo isso com você. Não é que isso não exista. Eu estou colocando que não é uma questão da polícia, mas da sociedade como um todo. Daí a política de inclusão para negros...

Renata Lo Prete: Secretário, a sucessão de perguntas dos telespectadores mostra que a segurança é uma preocupação central das pessoas, do eleitorado, além da questão do emprego. E nas campanhas nós vemos o candidato ou os candidatos oferecendo soluções para o problema da segurança que se sabe que estão fora do alcance, fora da alçada municipal. Todo mundo sabe disso. Na hipótese de o senhor ser candidato, vai ser muito difícil a questão da segurança não ser um tema recorrente, senão central, até por conta da sua atribuição. O senhor não teme que se caia novamente nessa mistificação de oferecer ao eleitorado uma solução mágica para o problema da segurança e que o prefeito não vai poder tocá-la?

Saulo de Castro Abreu Filho: É, esse é o pior problema: a campanha prometer coisas que não podem ser cumpridas.

Renato Lombardi: Inclusive a [promessa] de ter uma Secretaria Municipal da Segurança Pública?

Saulo de Castro Abreu Filho: Pois é, discuto muito isso com os prefeitos: ter uma Secretaria Municipal de Segurança Pública.

Renata Lo Prete: [interrompendo] O senhor é contra, não é?

Saulo de Castro Abreu Filho: A verdade é a seguinte: se ela existe, vamos usá-la. O que eu não faria talvez fosse ampliar, isso teria que se discutir. A prefeitura vai ampliar, vai chegar a sete mil guardas municipais.

Paulo Markun: É mais que do que a Polícia Federal.

Saulo de Castro Abreu Filho: É mais do que a Polícia Federal no Brasil. A Guarda foi criada pelo Jânio Quadros, ela aumenta a ostensividade, você vê mais policiais. Quando assumi, havia 79 companhias na Secretaria de Segurança Pública e nós acabamos concluindo que precisávamos ampliar a Polícia Militar em uma média de 250 homens. Nós ampliamos para 93 [companhias], a maioria [foi para a] periferia. Então, se você tem uma Guarda Municipal, coloque-a nas escolas, nesses prédios, nessas regiões mais periféricas, pois a sensação de segurança e a visualização da polícia melhoram. Mas, eu acho um luxo que, talvez, a cidade de São Paulo não possa se permitir. Digo aos prefeitos: “Ao invés de gastar com balas de calibre 38, que você sabe que a polícia chegou no limite da repressão, vamos trabalhar na parte de urbanização, de melhoria de equipamentos públicos, de esporte, inclusão social".

Paulo Markun: Quer dizer, corremos o risco de um paradoxo? Um chefe de polícia que se candidata a prefeito e diz que o problema da cidade de São Paulo não é mais a polícia?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, alguém realista, alguém que trabalha com polícia 24 horas por dia da sua vida e sabe, há vinte anos, que a polícia não resolve nada sozinha. Quer dizer, é tirar das cabeças das pessoas que o problema da segurança pública... Criminalidade é uma coisa, violência é outra, mais abrangente. Tenho muita consciência disso, muita convicção, tanto que exponho não só publicamente, mas coloco para os próprios prefeitos. Não é só ter a Guarda: você tem que ter a guarda, tem que treiná-la, ter colete à prova de balas, ter o carro, ter o armamento, plano de carreira...

Wallace Nunes: A plataforma eleitoral seria candidatar-se a prefeito junto com a deputada Luiza Erundina, que seria vice?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não entendi...

Wallace Nunes: Eu gostaria de saber se o senhor teria como vice a deputada Luiza Erundina?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não.

Luís Nassif: Secretário, do ponto de vista da Secretaria de Segurança Pública, deu para perceber seu exercício de liderança. Do ponto de vista de gestão, como é a estrutura que o senhor trabalha? Quem é sua equipe e quais são os pontos-chave para uma boa gestão?

Saulo de Castro Abreu Filho: Olha, é uma secretaria complexa porque, primeiro, tenho poucos cargos de comissão, de confiança. Por um lado, é um viés complicado, tem gente que adora e cria milhares de cargos, eu acho um erro, mas você tem que ter um pouco esse mix. Eu tenho pouquíssimos, são oito cargos, o restante das pessoas são todas de carreira. E muitos não têm formação na área de gestão. A PM é um pouco melhor, pois eles têm a perspectiva de ser oficiais e subir na carreira, eles já se preparam. Você, a meninada entrando para ser policial em vestibulares concorridos como a Academia de Polícia Militar do Barro Branco, que é a Fuvest. E, na Polícia Civil, é concurso, com mais de vinte mil inscritos, são pouquíssimas vagas. Então, estamos tentando selecionar bem e não abrimos mão do período de academia. É com esse pessoal que eu tenho que gerir. Começamos a fazer o quê? Primeiro, introduzimos um curso superior de polícia. Hoje, eles têm que sentar no mesmo banco, na mesma sala de aula, com o mesmo professor e com ingredientes de gestão como nunca. Lá na Secretaria, não se aceita mais papel, é tudo eletrônico, desde a execução de nosso orçamento até compras. Hoje, nós compramos do cadarço do coturno do policial militar até os veículos. Você consegue imaginar a minha lista de supermercado? Vai de ração para cachorro até gasolina de avião! A polícia tem três aviões, 15 helicópteros, canil, cavalaria...

Luís Nassif: Eu acho que essa idéia de policial na rua é ideal para reduzir a retaguarda. Eu queria registrar aqui uma reclamação, que é o prejuízo para a gloriosa banda da Polícia Militar de São Paulo, que está sendo muito esvaziada por conta dessa operação! [risos]

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, a banda está muito requisitada e nós temos, inclusive, uma sinfônica [Banda Sinfônica da Polícia Militar de São Paulo] e até uma jazz sinfônica.

Luís Nassif: Eu fui lá conhecer, é ótima.

Saulo de Castro Abreu Filho: É ótima. O Instituto Sou da Paz, aquela ONG que tem ligação conosco, instituiu um prêmio para os bons projetos da polícia. Entregamos na Sala São Paulo, com toda a pompa, conseguimos alguns artistas e tal. Os músicos se apresentaram e foram aplaudidos de pé por mais de duas mil pessoas. Os policiais se sentiram orgulhosíssimos. Eu falo, essa questão da auto-estima do policial é fundamental. Se nós não os estimularmos a estar entre nós e o crime, quem vai estar? Essas premiações são importantes. Estamos fechando agora um acordo com o pessoal da Câmara Americana do Comércio [Amcham]. Eu brinco com os empresários: “Que benefícios você dá na sua empresa? Também tem para a polícia, não tem problema nenhum!". Vamos criar critérios de qualidade, indicadores objetivos que vão desde o bom atendimento nas delegacias participativas até o esclarecimento de um crime. Quem julga é uma banca de empresários que são o órgão gestor desses prêmios.

Paulo Markun: Não corre o risco de significar uma espécie de ingerência da sociedade na polícia, ou seja, ganha mais brinde a polícia do bairro mais rico?...

Renato Lombardi: [interrompendo] Ou aquele que mata mais! Houve uma época em que era assim: ganhava um prêmio quem matava mais.

Saulo de Castro Abreu Filho: É, quem mata mais não está nos indicadores, quem faz a opção é a sociedade. Nós temos os Consegs, que são os Conselhos Nacionais de Segurança, esparramados pelo estado inteiro, são mais de setecentos. Premiamos um Conseg, que é o de Heliópolis [bairro da capital paulista]. Nós temos lá uma delegacia participativa dentro da favela, é um Conseg muito ativo, como os outros da capital. [Esse prêmio] também tem a participação do Conseg, do pessoal da sociedade, não só dos empresários. Aliás, o empresariado, nessa área de segurança, prefere ficar mais no background, até porque ainda há a sensação de temor, de sofrer alguma retaliação...

Luis Nassif: [interrompendo] Voltando um pouquinho à tecnologia, hoje o Brasil virou um país dos grampos. Qual é a segurança que eu tenho de usar um celular e não ser grampeado?

Saulo de Castro Abreu Filho: Nenhuma.

Luis Nassif: Nenhuma?

Saulo de Castro Abreu Filho: Hoje, aqui em São Paulo, nós temos um sistema de escuta telefônica que não permite fraude. Claro que o ser humano é falível, mas o sistema não permite. Ele é certificado pela própria [operadora], ou seja, o que passou na fibra ótica, pelas ondas, é o que está gravado no DVD. O computador é lacrado e centralizado em um só departamento, então não tem mais aquela coisa de pegar um gravador, ouvir uma parte da fita que interessa e achacar dinheiro pela outra parte. Estamos tentando evitar isso. Agora, segurança nessa área? Esqueça, ainda mais depois do 11 de setembro [atentado do 11 de setembro]. Eu conheci o sistema americano de grampos. Eles não mais dependem das operadoras, vão direto no satélite. Se quiser ouvir o Luis Nassif agora, ao vivo, um americano dá um click, vai no satélite e fica ouvindo o seu celular.

Luis Nassif: Isso é um risco muito grande nas guerras comerciais, não é?

Saulo de Castro Abreu Filho: Olha, depois de 11 de setembro, há um ato nos Estados Unidos, onde as liberdades individuais foram muito restringidas, mas muito restringidas mesmo. Eles simplesmente escancararam esse grampo telefônico. Estive pessoalmente lá, conheci o sistema e fiquei assustado. Eles nos ajudam, nós temos prisões internacionais. Fomos prender traficantes no país vizinho, no Paraguai, onde houve auxílio da polícia americana, do FBI [Federal Bureau of Investigation, órgão de investigação criminal e inteligência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos], do Secret Service [The United States Secret Service, agência que responde pela proteção do chefe do executivo e pelo combate à falsificação de dinheiro. Também cuida de questões internacionais e estratégicas da segurança nacional], exatamente para a gente localizar o traficante.

Paulo Markun: Secretário, mais um intervalo, e a gente volta daqui instantes. Até já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta para mais um bloco de entrevistas com o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho. Secretário, o Marco André, do Rio de Janeiro diz: “O senhor diz que a polícia trabalha no limite, mas a população também está no limite. Sou aviador, tenho condições de pilotar, mas não posso usar uma arma para me defender de um assalto, porque é proibido”. O que o senhor diz a respeito? A pergunta de Agnaldo Rubens Chein, analista judiciário, vai na mesma direção: "Gostaria de saber se, com o [Estatuto do Desarmamento], o número de mortes causadas por armas de fogo deve diminuir e quais fatores geram tanta violência nas cidades".

Saulo de Castro Abreu Filho: É uma dúvida, temos que esperar a Lei. Já há prisões, mas nós temos que esperar um pouquinho. Quando me perguntaram se eu era a favor ou contra a pessoa andar armada, eu sou totalmente contra. No mínimo porque a estatística demonstra que o fato de você estar armado mata 60% das pessoas, ou seja, de cada dez, seis pessoas morreram pelo simples fato de estarem armadas. Você vira objeto de desejo por causa da tua arma e não está preparado. O efeito surpresa está sempre do outro lado.

Paulo Markun: Mas todo sujeito que usa uma arma, que tem porte de arma, garante e jura que está preparadíssimo.

Saulo de Castro Abreu Filho: É mentira. Mirar para uma pessoa e tirar a vida não é algo que qualquer ser humano consiga fazer. Na hora em que você pega uma arma, aponta para alguém e decide puxar o gatilho, deve saber que vai matar. Quem tem uma arma, tem que introjetar esse conceito, senão morre.

Wallace Nunes: Mas em uma situação de perigo, secretário...

Saulo de Castro Abreu Filho: É por isso que homicídio é julgado pelo júri. É o único crime que nenhum de nós pode jurar que não vai cometer. Você pode dizer que não vai cometer estupro, estelionato, falsidade, roubo de dinheiro público etc., mas matar? Por isso que o júri é popular. Pode-se apresentar uma circunstância na sua vida e você se vê obrigado a tirar a vida de outro ser humano. Agora, para ter arma, você precisa introjetar esse conceito de usá-la. E. se não usá-la, você acaba perdendo a arma para o bandido ou morrendo por causa dela. Só por isso, eu sou favor do desarmamento. Agora, de outro lado, também tem uma ponderação que as pessoas fazem comigo: não há uma estatística de quantos crimes foram evitados por estar armado. Quantas pessoas se safaram de um crime por estarem armadas? Mas isso pouco importa, Markun. Acho que um dado faz com que a lei mereça uma reflexão. Nós apreendemos, em São Paulo, uma média de 2,5 mil armas por mês, uma a cada quatro horas. No ano passado, foram quase quarenta mil armas ilegais. Isso é uma estatística absurda!

Renato Lombardi: Mas essas armas estavam na mão de quem?

Saulo de Castro Abreu Filho: Na mão de bandido, em sua maioria.

Renato Lombardi: Não é cidadão de bem.

Saulo de Castro Abreu Filho: É arma ilegal, por isso que ela é apreendida.

Renato Lombardi: Se a arma é legal, o cidadão registra a arma, tem o porte.

Saulo de Castro Abreu Filho: Sim. Qual é a constatação que você faz? As armas entram pelas fronteiras secas, via Paraguai ou pelos portos, quer dizer, falta fiscalização no Brasil. O Estado brasileiro, não importa o presidente, tem que se posicionar frente aos Estados vizinhos. Não é razoável que nós continuemos a conviver com essas fronteiras com absoluta ilegalidade. As Farcs perderam o caráter ideológico, porque elas estão colocando armamento e drogas no território brasileiro. Se isso tem uma conotação política maior, problema do outro país! No nosso, estão vindo cometer crime, trazer armas. Então, se nós não fizermos um bom trabalho de conscientização de que a arma não traz a sensação de poder, vamos estimular um mercado negro, as pessoas vão continuar comprando armas de outro jeito. Então, vamos esperar o efeito da legislação. Acho que foi um passo importante, radical, que diz: “Ninguém mais anda armado”. Eu sou a favor.

Paulo Markun: [interrompendo] O senhor sabe atirar?

Saulo de Castro Abreu Filho: Eu sei.

Paulo Markun: Atira bem?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, atiro razoável.

Paulo Markun: E está preparado para essa situação insustentável?

Saulo de Castro Abreu Filho: Eu não ando armado, até porque não tenho essa certeza de que eu teria capacidade de tirar a vida de alguém ou dar um tiro. Então, não dá para andar, porque não dá para titubear. Se você sacar sua arma para se defender, não pode ter um milésimo de segundo de pensamento, porque o outro lado atira.

Renata Lo Prete: Secretário, uma das ações da Secretaria da Segurança Pública mais conhecidas foi chamada de Operação Castelinho, que aconteceu pouco tempo antes do senhor assumir, em 2001. Foram mortos 12 bandidos, supostamente membros do PCC [Primeiro Comando da Capital, organização criminosa criada nos anos 1990, supostamente para defender direitos dos presos e combater a opressão dentro do sistema prisional paulista]. Quase dois anos depois disso, no final do ano passado, o Ministério Público apresentou uma denúncia, que foi aceita pela Justiça, afirmando que o que houve foi uma emboscada, e não uma operação da polícia para interceptar o que seria um grande assalto. Tenho duas perguntas para o senhor. O senhor não acha que houve precipitação de sua parte e da parte do governador em comemorar os resultados da Operação Castelinho? O que o senhor responderia aos seus adversários de campanha se lhe cobrarem os resultados da Operação?

Saulo de Castro Abreu Filho: Primeiro, não houve comemoração. Foi uma constatação. Eu assumi a Secretaria no final de janeiro e a operação foi no início de março.

Renata Lo Prete: O senhor comentou que a operação foi muito bem, sob o ponto de vista de inteligência. O governador concordou.

Saulo de Castro Abreu Filho: Do ponto de vista policial, não há nenhum indicativo de que ela não tenha sido bem feita. O problema é que houve uma pluralidade de mortes, 12 pessoas morreram, até porque oito estavam concentradas em um ônibus. Você tinha 120 policiais...Na verdade, a prova do processo, eu acompanhei de muito longe, mas o que eu tive contato, o que me contaram... Tive acesso a uma parte ou outra, até porque eu também fui vítima de uma acusação leviana, falsa, hoje mais que constatada, mas o processo está lá, está andando. Todos já se desculparam publicamente até por terem levantado uma dúvida sobre a minha sobriedade no caso. Você consegue imaginar que naquela semana de janeiro, em seis dias, eu me reuni com latrocida para combinar uma operação em março? Ninguém acredita nisso! O próprio preso teve mais dignidade. Mas nem por isso eu me livrei. O processo está lá. Eu estou tendo que, enfim, aguardar o desdém desse tipo de situação. O fato é o seguinte: você tem a palavra de dois criminosos que descrevem essa situação. Eu não consigo imaginar que 120 pessoas entrem em um conluio [combinação] para matar dez, 12 bandidos, envolvendo desde o nosso sistema de helicópteros até a Polícia Rodoviária. Qual seria a intenção? Deu-se crédito à palavra de dois criminosos. Eu, por enquanto, prefiro ficar com os 120 policiais do que com dois bandidos que, aliás, foram também denunciados. Mas uma coisa é importante dizer: um ano antes, houve um caso mais fantástico do que o Castelinho, sob o ponto de vista policial. O policial infiltrava-se em uma quadrilha e pegava o preso. Eles têm um linguajar próprio, tudo com ordem judicial, eu não acho isso ilegal. O infiltrado foi morto pela própria polícia. O Renato Lombardi fez uma matéria que conta detalhes da ordem judicial, quem era o preso, o nome - chamava-se Chacal. Enfim, morreu uma pessoa e eu não vi ninguém revoltado com a situação, pelo contrário. Mas, a imprensa acusou a polícia na Operação Castelinho. Enquanto operação policial até hoje, não tenho convicção de que ela tenha sido errada.

Luis Nassif: Secretário, sobre essa questão dos programas de proteção ao testemunho, qual é a sua avaliação dessa experiência no Brasil, em que as testemunhas acabam morrendo desprotegidas?

Saulo de Castro Abreu Filho: Em São Paulo, nós temos uma parceria entre a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria da Justiça. É tocada por uma ONG.

Luis Nassif: Há programas estaduais também?

Saulo de Castro Abreu Filho: Nós temos um programa estadual também. Eu repassei 1,5 milhão para a ONG, fora a estrutura da própria polícia, o DHPP [Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa]. Há delegados e investigadores só para isso. Hoje a legislação melhorou um pouco, você já pode mexer com a documentação das pessoas, mas não há possibilidade de sustentá-las.

Luis Nassif: Essa questão de ter um atenuante, o sujeito que delata...

Saulo de Castro Abreu Filho: [interrompendo] Isso é muito importante, é a delação premiada que a gente chama. O Brasil adotou esse instituto italiano, mas aqui ainda está manco, muito acanhadinho. Quando você delata um comparsa e liberta a vítima de um cativeiro, dá um resultado, a lei diz que a delação precisa ser eficiente. O critério da eficiência é julgado pelo juiz. Talvez seja preciso antecipar uma etapa, permitir a barganha - que pode parecer um termo feio, mas é o termo apropriado e usado nos Estados Unidos - onde o Ministério Público, juntamente com a polícia, faz uma troca com o criminoso: um crime mais de bagatela, um crime mais singelo. Você vai ter a proteção de não ser processado, a disponibilidade da ação em função do seu testemunho contra um mal maior. Aqui, nós não temos esse instrumento.

Luis Nassif: Quem que deve conduzir o inquérito: o delegado ou o Ministério Público?

Saulo de Castro Abreu Filho: O delegado de polícia.

Luis Nassif: Não é uma etapa a mais?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, eu acho que o promotor pode se aproximar do delegado, como a gente tem feito tranquilamente. Mas a verdade é que a polícia tem mais estrutura, tem mais história. E não dá para comparar as duas estruturas. No Ministério Público, hoje, se você somar promotor, procurador etc. não chega a duas mil pessoas. Nós somos em 130 mil. Você está falando de São Paulo, imagine no Brasil! Sou favorável que haja unificação no sentido de trabalharmos todos juntos. É a mesma coisa com relação à unificação da polícia. São duas histórias diferentes, vamos trabalhar integrados. Nassif, só no estado, para combater o crime nós temos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Justiça Federal, Ministério Público Federal, Justiça Estadual, Ministério Público Estadual, Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Rodoviária, Guarda Civil, quer mais? O que nós temos que integrar é esse sistema de Justiça, senão um compete um com o outro.

Renato Lombardi: O senhor disse que um dos maiores problemas da polícia é o roubo, o crime contra o patrimônio.

Saulo de Castro Abreu Filho: Isso é o que gera mais sensações e inseguranças.

Renato Lombardi: Pois é. E as vítimas de furto ou de roubo dificilmente recuperam... dinheiro então, nada! Mas a polícia fez um grande trabalho há duas semanas e recuperou o relógio do ministro [do Supremo Tribunal Federal] Marco Aurélio Mello. Foi uma coisa impressionante. Qual é a bola de cristal aí? O receptador informou?

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, você está sendo maldoso. A polícia recupera muito mais do que você pode imaginar. As pessoas recebem de volta.

Renato Lombardi: É pouco, não é? Eu acompanho isso há anos. Antes, a polícia chamava a imprensa e mostrava tudo o que recuperava. O Deic [Departamento Estadual de Investigações Criminais] tinha um salão imenso só de coisas que eram recuperadas, como jóias, objetos, aparelhos eletrônicos etc. Hoje, já virou depósito, não há mais nada lá.

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, tem bastante. Com relação ao ministro, foi sorte.  Quer dizer, na verdade, aí é um dos papéis que a imprensa exerce e que é muito importante. Não estou dizendo do formato das matérias nem do conteúdo, mas o fato de ter alardeado durante o dia todo que o ministro tinha sido roubado, que era um Rolex ou um Baume & Mercier... Eles foram tentar vender o relógio na rodoviária, não conseguiram. Alguém os viu utilizando aqueles armários da rodoviária. O Deic conseguiu ordem judicial para arrombar os armários e lá estava o relógio. Quer dizer, alguém denunciou. Deu sorte.

Renato Lombardi: Não gostaria de dizer que a nossa polícia é ineficiente, ela é muito eficiente. A Polícia Civil de São Paulo, quando quer trabalhar, demonstra toda a sua eficiência. Mas quando, às vezes, não quer trabalhar... Quer dizer, se não existe aquela influência de alguém apertar: "Não recuperaram meu carro, meu relógio, nada!"...

Saulo de Castro Abreu Filho: Olha, a gente recupera carros em minutos, horas, e milhares deles. Para você ter uma idéia, um dos grandes problemas de gestão na Polícia Civil é local para colocar carros recuperados. Nós não temos local. No Deic mesmo, já houve casos dos carros das vítimas terem sidos multados pelos amarelinhos, porque nós não tínhamos onde guardá-los, a gente punha na rua. Não é pouca coisa, recuperamos bastante.

Paulo Markun: Nosso tempo está acabando. Vou deixar a observação do Dílson Ferreira de Oliveira, de Santos, que é aposentado, para que o senhor o procure, até porque, coincidentemente, ele menciona o seguinte: “Tive minha bicicleta roubada. Fiz um boletim de ocorrência no 7º Distrito Policial de Santos. Dias depois, vi minha bicicleta em um lugar, liguei para a polícia falando onde estava e falaram o seguinte: Venha aqui na segunda-feira, dia primeiro de março, depois das dez horas. Explique, por favor: por que quando uma pessoa rica é assaltada, logo a polícia prende o ladrão e, quando uma pessoa simples perde alguma coisa, é tratada dessa maneira?”.

Saulo de Castro Abreu Filho: Não, no caso dele específico, é evidente que não é a maneira de se tratar. Mas talvez seja o fato de que quando um ministro é assaltado, é para todos os jornais falarem sobre o assunto....

Paulo Markun: Aqui na TV Cultura, nós registramos o caso do Dílson Ferreira de Oliveira.

Saulo de Castro Abreu Filho: Ele mandou uma carta do leitor também, os jornais publicaram.

Paulo Markun: Ah, é? Então, o secretário já conhece a história e tem todas as condições de tomar uma providência. Queria agradecer a participação do secretário, dos nossos entrevistadores e a você, que está em casa. Voltamos na próxima segunda-feira com mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até segunda!

 

 

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