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Memória Roda Viva

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André Franco Montoro

25/1/1988

O conflito político existente dentro do PMDB e a possibilidade de criação de um novo partido, preferencialmente com a implantação de um regime parlamentarista no país, são dois dos principais assuntos desta entrevista

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Augusto Nunes: Boa noite! Começa agora o programa Roda Viva, pela TV Cultura de São Paulo. O programa começa, nesta noite, a entrevistar todos os candidatos à Presidência da República, declarados ou não. Nosso primeiro entrevistado é o ex- governador de São Paulo, André Franco Montoro. Franco Montoro foi vereador, deputado estadual, federal e senador. Foi também ministro do Trabalho no governo parlamentarista de João Goulart. Ele é candidato à Presidência da República  na sucessão do presidente José Sarney. Hoje, o Roda Viva conta com os seguintes entrevistadores: Jorge Escosteguy, editor-executivo da revista Isto é; Antonio Carlos Ferreira, jornalista da TV Cultura; Kleber de Almeida, editor do Jornal da Tarde; Izalco Sardenberg, editor de política da revista Visão; José Márcio Mendonça, editoralista do Jornal da Tarde e jornalista da Rádio Eldorado e da TV Bandeirantes; Melchíades Cunha Júnior, editor de economia da revista Afinal; José Carlos Bardawil, diretor da sucursal de Brasília da revista Senhor; Oliveiros Ferreira, diretor do jornal O Estado de S. Paulo. O cartunista Negreiros também estará conosco, acompanhando e registrando algumas cenas do programa. Governador Franco Montoro, o senhor declarou, há pouco tempo, que é a favor de um mandato de quatro anos para o presidente da República, mas não vê nada contra a figura do presidente José Sarney. Como o senhor consegue essa mágica? O senhor está querendo encurtar o mandato do presidente, mas não tem nada contra ele? 

André Franco Montoro: Você me fez uma pergunta muito oportuna. Eu acho que o problema do mandato não deve ser algo casuístico [arbitrário, manipulador]. Penso que quatro anos deve ser o mandato do presidente da República.        

Augusto Nunes: Todos os presidentes? 

André Franco Montoro: De todos os presidentes, não deve ser uma exceção em relação ao Sarney. Argumento [isso] com a história política do Brasil: quatro anos é o período de mandato dos prefeitos de todos os quatro mil municípios brasileiros, é o período dos governadores, foi o período de governo dos presidentes até a Constituição de 1947, é o mandato de todos os vereadores, deputados estaduais, deputados federais. Os senadores têm oito anos, duas vezes quatro anos, isto é, o período de quatro anos é o normal de nossa vida pública. Como norma geral, deve se estabelecer que o mandato do presidente da República seja de quatro anos, sem discriminação: cinco para os outros e quatro para o Sarney. Eu acho que a explicação é muito simples, é de interesse público que seja de quatro anos e eu...

Augusto Nunes: [interrompendo] Governador, se a Constituinte aprovar um mandato de cinco anos para todos os presidentes da República, o  senhor passa a defender eleições diretas só no ano que vem ou continua defendendo eleições diretas em novembro deste ano? 

André Franco Montoro: Continuo defendendo diretas em 1988, porque acho que isso não depende de outras circunstâncias. Mas acho que a Constituição deve fixar o período de quatro anos por uma outra razão que eu acrescento: fui deputado federal por três legislaturas e, nessa ocasião, o deputado Tarso [de Morais] Dutra (1914-1983), do Rio Grande do Sul, que era presidente da Comissão de Justiça, estava muito preocupado com o regime eleitoral. Fez mesas-redondas com o Tribunal Superior Eleitoral, com outros setores da vida pública para fixarmos a data das eleições porque, com a retomada do regime democrático, tínhamos eleições a cada momento, decretada a autonomia de um município. Havia um tumulto e chegou-se à conclusão de que era preciso estabelecer como norma constitucional as eleições em datas certas. De quatro em quatro anos apenas também seria inconveniente, porque [havia um] grande número de eleições. Além disso, a eleição tem uma função mobilizadora, de esclarecimento, de educação, de formação de opinião pública. Então, se estabeleceu e é norma constitucional, que as eleições se façam de dois em dois anos. Tivemos eleições em 1980, 1982, 1984, 1986, 1988, 1990. Se nós estabelecermos o regime de cinco anos, quebra-se esse ritmo e nós vamos ter eleição em 1988, 1989 e 1990. Ora, a eleição que tem um grande aspecto mobilizador, tem também um aspecto de perturbação da administração. Como governador de São Paulo, tive que  colocar dezenas de milhares de funcionários à disposição da Justiça Eleitoral. Eram escolas e centros de saúde que não funcionavam por causa do trabalho eleitoral. Multiplicando isso todos os anos, a vida pública torna-se impossível. Por todas essas razões, me parece que o  normal é que as eleições sejam realmente de quatro em quatro anos.          

Oliveiros Ferreira: Governador, sua lógica tem um grave inconveniente: a boa administração suprimiria as eleições para não haver tumulto.

André Franco Montoro:  Não, nem oito, nem oitenta! Eu acho que é uma...

Oliveiros Ferreira: [risos] Sua história também está um pouco falha.  

André Franco Montoro: Não, toda mercadoria tem seu preço, a democracia também. Nós pagamos com muita satisfação esse preço, mas é preciso que ele não se multiplique.

Oliveiros Ferreira: Qual é o tumulto provocado por uma eleição presidencial  em um ano e uma eleição estadual em um estado, ou em dois estados e em alguns municípios, no outro ano ?  

André Franco Montoro: Não, não será em alguns estados, será em todos estados!

Oliveiros Ferreira: Mas por quê? O senhor se recorda que de 1946 a 1974 havia eleição para quatro e cinco anos. 

André Franco Montoro: Mas eu presumo que a boa norma seja aceita por todos, isto é, que as eleições se realizem como têm se realizado, de dois em dois anos. A interrupção para uma eleição presidencial, que não é isolada, atingirá os quatro mil municípios brasileiros.

José Carlos Bardawil: Governador, não seria melhor o senhor abrir o jogo?

[sobreposição de vozes]

André Franco Montoro: Eu sou a favor do princípio de quatro anos.   

José Carlos Bardawil: Governador, o senhor está argumentando os quatro anos como se isso fosse uma medida não discriminatória contra o presidente Sarney, uma questão técnica. Na verdade, é uma questão política. O senhor e um grupo de pessoas do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], o senhor Leonel Brizola e o PT [Partido dos Trabalhadores] acham que deve ser esse período, porque estão insatisfeitos com o governo Sarney. Não é verdade?

André Franco Montoro: Quem falou em quatro anos foi Tancredo Neves. Participei de várias reuniões e, naquela ocasião da eleição do Tancredo Neves, alguns defendiam que ele teria seis anos de mandato, outros pretendiam que ele fizesse a eleição logo, em dois anos. A conclusão a que se chegou - ainda mais conduzido por Tancredo Neves, com sua moderação característica - é que seriam quatro anos. Todos nós, líderes do movimento, falávamos em quatro anos. Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, José Sarney...

José Carlos Bardawil: Eu sou testemunha, porque ouvi o Tancredo falar três vezes em quatro anos para mim, pessoalmente.

André Franco Montoro: Tancredo Neves! Mais recentemente, o próprio presidente Sarney, ao encaminhar o projeto de convocação da Constituição, declarou que o mandato deveria ser de quatro anos, de modo que não há nenhuma política. Você disse que o problema era político: é político sim, mas...    

José Carlos Bardawil: Depois disso, houve um fato político, o senhor não pode negar que o presidente Sarney quis um mandato mais longo e foi apoiado politicamente.

André Franco Montoro: Não houve um momento em que eu tivesse mudado minha [opinião] a esse respeito. Sustentei sempre que o normal seria quatro anos, e os fatos e a opinião pública estão confirmando. As pesquisas feitas em todos os estados do Brasil mostram que a população deseja eleições em 1988. Já existe no senso da população a campanha nacional "Diretas 88".

Augusto Nunes: Governador, alguns telespectadores já começam a telefonar, lembrando que hoje faz exatamente quatro anos que foi realizado o primeiro grande comício pelas eleições diretas na Praça da Sé [um dos principais pontos de referência paulistanos, a praça é considerada o marco central da cidade]. Era o começo da campanha [Diretas Já], que foi uma das maiores manifestações populares da história do Brasil. Nós vamos rever algumas cenas desse e de outros comícios. Eu gostaria que o senhor, se sentir vontade de fazer isso, até comentasse as cenas e dissesse, em seguida, porque que não se realiza hoje uma campanha como a de 1984. Agora, vamos rever algumas imagens de 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé.

[exibição do vídeo]

Augusto Nunes: Governador, esse comício foi convocado pelo senhor? Qual é a história desse comício, resumidamente?

André Franco Montoro: Esse comício foi praticamente convocado por mim, como governador de São Paulo, para o dia 25 de janeiro e tinha, de certa forma, uma descrença geral. Ninguém achava que seria possível realizar um comício dessas proporções no Brasil. Há muitos anos, não se faziam comícios no Brasil e parecia uma ousadia tentar isso na Praça da Sé, já que São Paulo não tinha uma tradição de comícios animados. Foi uma surpresa para todos.

Augusto Nunes: Pois é, o Pedro Nery, de Itapevi, em São Paulo, pergunta por que, quatro janeiros depois, a situação é tão diferente? Se o senhor convocasse um comício igual, ele teria sucesso hoje?

André Franco Montoro: Nós estamos fazendo história, está havendo uma continuidade. Aquele comício foi o ponto de partida. A vida pública dá ao homem público uma certa sensibilidade. Eu sentia que, se houvesse uma convocação feita acima de partidos,  candidaturas, ideologias, com a expressão: “A nação e o povo têm o direito de ser ouvido”...   

Antonio Carlos Ferreira: [interrompendo] O senhor não sente isso hoje?  

André Franco Montoro:  A história nunca se repete. Agora esse comício não teria a mesma significação. Mas, eu acho que é importante nós termos, hoje, uma campanha pelas eleições diretas em 1988, com adaptações.

Oliveiros Ferreira: É outra coisa.

André Franco Montoro:  É outra coisa...

Oliveiros Ferreira: Lá o senhor tinha um clima, agora o senhor está dizendo que não tem clima. 

André Franco Montoro: Não, há o clima, mas o que interessa agora é a votação dos parlamentares. São situações diferentes. 

José Marcio Mendonça: Ou será que agora o senhor não tem o governo do estado para apoiar o comício?

André Franco Montoro: Não, isso envolveria uma acusação ao atual governador. Eu acho que o clima realmente é diferente. Nós já caminhamos muito, a campanha não foi inútil, pelo contrário, trouxe uma conseqüência. É claro que a história se faz com acontecimentos que não dependem da gente. Nessa série de acontecimentos, houve a morte de Tancredo Neves e aquele projeto que estava preparado sofreu uma interrupção. Mas, de qualquer maneira, agora vamos continuar aquele grito das Diretas Já. É preciso completar a transição democrática. Essa foi, aliás, a grande missão que o atual governo recebeu. Eu tenho dito ao presidente Sarney que a grande missão dele é a de ser o homem que vai conduzir o país do autoritarismo para a democracia. E muita coisa ele já fez nesse sentido: convocou as eleições para prefeitos nos municípios, que eram consideradas áreas de segurança nacional, e nas capitais, reconheceu todos os partidos políticos, acabou com a intervenção nos sindicatos, reconheceu as centrais de trabalhadores, convocou a Assembléia Nacional Constituinte. Aprovada a Constituição, o povo deve ser chamado a eleger o seu presidente e está completa a obra do presidente Sarney. Se ele ficar nisso, conclui com muita dignidade o seu mandato. Mas, se ao mesmo tempo, ele pretender construir estradas, fazer obras e ter o apoio dos deputados através daquelas manobras que a nação repudia, é claro que está havendo um desvio a esse respeito e que está tornando cada vez mais imperiosa essa manifestação da opinião pública para haver eleições em 1988.             

Izalco Sardenberg: Em 1984, havia uma vontade popular de mudança, mas seria difícil que ela se manifestasse de uma maneira tão  intensa como aconteceu, se não houvesse um apoio dos governadores. Isso é um dado político, é um dado importante. E agora, em 1988, parece que não existe esse apoio de governadores para uma campanha de eleições. O senhor não acha que, com isso, a campanha vai se tornar muito difícil?   

André Franco Montoro:  Não, a história não se repete, as situações são diferentes. Naquela ocasião, ir a um comício era um ato de coragem. A população estava toda reprimida, então houve aquela explosão em todo o Brasil. Hoje já não há tão grande interesse, a convocação não teria esse aspecto de inovação. Deve-se fazer algo mais eficiente, nós já estamos fazendo uma campanha nesse sentido. Quarta-feira, por exemplo, se realizará em Brasília uma reunião de liderança de todos os partidos para coordenação das medidas que estão sendo tomadas. Uma delas é a fixação de uma data para ser o “Dia Nacional de Advertência”. Nos quatro mil municípios do Brasil,  haverá uma data em que o povo fará sua manifestação. Vamos estabelecer detalhes a esse respeito. Uma outra medida que já está sendo adotada por alguns partidos, por alguns movimentos, é a colocação de um cartaz na praça pública, em lugares de evidência, para dizer quais são os parlamentares que estão com o povo, que não estão com o povo. Há outras medidas: assinaturas em praça pública reivindicando eleições em 1988, uma espécie de plebiscito feito nas ruas. Eu dei dois ou três exemplos, há muitos outros que estão sendo lembrados. Haverá reuniões nas assembléias legislativas, nas câmaras municipais, manifestação dos vários organismos e instituições. É uma espécie de operação que poderia se chamar “Fala Brasil”. Então, não é possível repetir aquele comício. Mas, se houver clima para comício, vamos para os comícios!

Melchíades Cunha Júnior: Governador, eu gostaria que o senhor reconhecesse isso: não há clima para comício, não há clima para mobilização popular e há uma explicação: é o desencanto, a frustração da população em relação a inúmeros políticos, a qualquer palavra de ordem neste país. O senhor não sente isso? O senhor não reconhece isso? 

André Franco Montoro: Reconheço, inegavelmente.

Augusto Nunes: Governador, quero agregar perguntas que inquietam os telespectadores. O Écio Domingues Jordão, de Mirandópolis, diz: "Como o senhor acha que um cidadão que votou no senhor e no PMDB - que sintetizavam tudo o que era insatisfação popular, e agora fazem coisas piores do que os políticos que combatiam - se sente?".  O José Roberto Amaral, de São Bernardo do Campo, pergunta se o senhor acha que o PMDB conseguiria eleger prefeitos, vereadores e, sobretudo, o presidente da República, depois do que houve com o Plano Cruzado. O senhor percebe que há sinais de insatisfação popular pelo desempenho do PMDB.

André Franco Montoro: Certo. Eu acho que  essa insatisfação existe não apenas fora, mas também dentro do PMDB. Dentro do PMDB se organizou uma corrente violentamente contrária a essa política fisiológica que, de certa forma, está dominando, tentando levantar a bandeira do PMDB. Aliás quem usou essa expressão foi a filha do senador Marcos Freire, o saudoso senador Marcos Freire, que em uma reunião de jovens que nós realizamos há um mês mais ou menos em Águas de Lindóia, ao falar sobre isso ela dizia que não poderíamos deixar cair essa bandeira. É preciso reerguer a bandeira histórica do PMDB, da luta pela democracia real. Ele está com problemas internos, rachando em dois...

Kleber de Almeida: O senhor se refere a um PMDB minoritário? Quer dizer, é o grande PMDB e o PMDB fisiológico que está provocando esse desencanto geral?

André Franco Montoro: Os fatos dirão qual é o maior. Mas eu acho que nós já cumprimos uma grande função levantando essa bandeira e denunciando esses fatos. O PMDB é uma bandeira que, durante vinte anos, lutou contra a ditadura, comandou a campanha das Diretas Já, elegeu Tancredo Neves e tem uma história que tem que ser recuperada.

Oliveiros Ferreira: O PMDB elegeu também o presidente José Sarney.

André Franco Montoro: Elegeu ambos, aliás, foi a maioria. 

Kleber de Almeida: O senhor vai recuperar isso com um outro partido ou dentro do PMDB mesmo?  

André Franco Montoro: O futuro a Deus pertence! Essa frase é mais velha do que meu avô...Nós não podemos saber, eu não posso...As duas hipóteses são igualmente válidas. É possível que sejamos maioria e possamos recuperar o PMDB e é possível que a legenda seja ocupada por uma política fisiológica. Nesse caso, nós nos consideraremos excluídos e continuaremos a luta com outra determinação. Essa é a política. Agora, o que vai acontecer vai depender muito das circunstâncias, vamos lutar para que a maioria esteja conosco.  

Jorge Escosteguy: Vários políticos que a gente tem entrevistado no Roda Viva, inclusive o senhor, sempre se referem ao PMDB como MDB. O senhor acha que hoje o PMDB não é mais o MDB [Movimento Democrático Brasileiro] das lutas de 1980, 1979,1978? O senhor acha que o presidente José Sarney  não tem nada a ver com o PMDB?

André Franco Montoro: Não, como foi lembrado, ele foi eleito também pelo PMDB, no acordo em que recebeu o apoio unânime do partido e é presidente de honra do partido. Temos uma série de deputados que pertencem ao partido e que estão liderando um movimento contrário à bandeira. Hoje, há uma divisão causada pela tomada do poder. É a velha expressão de que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Então, nós estamos passando por uma experiência ...

[sobreposição de vozes]

Augusto Nunes: Por favor, não vamos falar ao mesmo tempo!  

André Franco Montoro: Existe a tentação do poder e é uma luta. Note que o MDB não é só um problema federal, são governos estaduais. Eu fui governador e posso assegurar a vocês que, durante o meu tempo de governo, não houve absolutamente essa barganha de apoios, essa fisiologia. Houve uma série de medidas de contenção de gastos públicos, houve uma política de descentralização do poder, houve uma série de medidas no meu e em outros governos, em várias prefeituras. A população aplaudiu. As pesquisas de opinião pública em relação ao nosso governo são altamente favoráveis. Tudo isso é experiência política do PMDB. Eu menciono isso, não por imodéstia, mas para mostrar que o PMDB não está hoje limitado à Presidência da República. Ele tem uma série de experiências, estamos procurando os princípios, uma política ideológica. Fernando Henrique [presidente do Brasil entre 1995 e 2002, na década de 1980, foi senador por dois mandatos pelo PMDB e relator da Constituinte. Em 1988, após conflitos com o partido, foi um dos fundadores do PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira], Mário Covas [(1930-2001) governador de São Paulo entre 1994 e 2001, pelo PSDB. Foi membro do MDB e posteriormente, do PMDB. Em 1988, também ajudou a fundar o PSDB, o qual assumiu como primeiro presidente], o José Richa [(1934-2003) Da mesma forma que os colegas, foi senador pelo PMDB e afastou-se do partido em 1988, quando ajudou a fundar o PSDB] fazem parte deste grupo...

Kleber de Almeida: O doutor Ulysses [Ulysses Guimarães] está fora desse grupo?

André Franco Montoro: O Ulysses está em uma posição de tradicional equilíbrio.  

Jorge Escosteguy: O que o senhor quer dizer com "tradicional equilíbrio"? 

André Franco Montoro: Como ele é presidente do partido, ele tem que procurar harmonizar. Nós constituímos uma corrente. Agora, os fatos vão mostrar a incompatibilidade e ele vai ter que escolher a que corrente vai pertencer. Estamos no limite da incompatibilidade. Essa é a nossa posição.

José Carlos Bardawil: Há um grupo no PMDB que está discutindo e tentando levantar a bandeira do PMDB, como o senhor mesmo disse. Esse grupo irá até o fim? Se ele não conseguir levantar a bandeira, sai do PMDB e forma um novo partido?  

André Franco Montoro: É uma das hipóteses, perfeitamente. 

José Carlos Bardawil: E o senhor também tem essa opinião?

André Franco Montoro: É claro, é uma corrente que vai procurar erguer a bandeira, porque a legenda é meio, não é fim. 

Melchíades Cunha Júnior: O senhor vai perder a legenda, governador?

André Franco Montoro: Não, estou dizendo que há duas hipóteses...

Melchíades Cunha Júnior:  Quando eu fiz a primeira pergunta, o senhor tentou escapar, acabou não respondendo. Objetivamente, o que o senhor acha do governo do presidente José Sarney?   

André Franco Montoro: Essa matéria não comporta "sim" ou "não". Do ponto de vista político, acabei de mostrar aspectos positivos, como a convocação de eleições para prefeito, a convocação da Constituinte...

Melchíades Cunha Júnior: [interrompendo] Mas não é só ele, também é o Congresso Nacional.                             

André Franco Montoro: Digo que o governo tem aspectos positivos e negativos. No auge dos aspectos negativos, está a política fisiológica. Por exemplo, o deputado Robson Marinho [na ocasião, deputado federal pelo PMDB] declarou que foi pleitear um apoio social...

Melchíades Cunha Júnior: [interrompendo] Administrativamente, que nota o senhor dá para o governo José Sarney?   

André Franco Montoro: É atribuir nota? Sei lá, quatro ou cinco! Por exemplo, essa posição de se apegar a cinco anos e concordar em fazer transações em torno disso é negativa.

Antonio Carlos Ferreira: Mas hoje os fatos negativos pesam mais do que os positivos?

André Franco Montoro: É preciso levar em conta que ele recebeu uma herança. Isso nos leva ao problema mais importante do ponto de vista da nossa economia. Ele recebeu uma dívida externa de mais de cem bilhões de dólares! Isso é a grande asfixia.  Ao deixar o governo, passei a presidir o Instituto Latino Americano, visitei já 11 países para participar de seminários sobre economia, sobre os aspectos sociais e políticos. Em todos os países da América Latina, o problema é a dívida externa. Por isso, não posso fazer julgamentos primários.   

Augusto Nunes:  Governador, o senhor foi interrompido quando falava do caso da maior importância, que é a denúncia do deputado Robson Marinho. Ele e outras pessoas deixaram muito claro que o que existe no governo José Sarney é uma grossa corrupção. Como o senhor vê o problema da corrupção? Eu queria que o senhor completasse o que estava dizendo e dissesse como  vê o governo José Sarney como estimulante à corrupção.

André Franco Montoro: Eu acho que essa posição é uma das justificativas desses movimentos contra a fisiologia. Evidentemente, aquilo que o Robson Marinho denuncia é da maior gravidade. Ele foi ao gabinete, conseguiu a verba necessária para a obra social de Guaratinguetá ou Pindamonhangaba [municípios do Vale do Paraíba, no estado de São Paulo], mas pediram que ele assinasse a emenda dos cinco anos. Como ele não assinou, o chefe do gabinete teria dito ao diretor da obra: "O senhor tem que arranjar um protetor mais forte, que assine os cinco anos". Ora, isso é crime, é uma indignidade em relação à política, é o desvirtuamento da política! Exatamente isso é que causa essa desesperança. Agora, diante disso, vamos cruzar os braços? Queiramos ou não, a solução depende da política e se existe uma má política, existe uma boa política e podemos fazer e agir a esse respeito. Quais são os caminhos? É mobilização da opinião pública, é o esclarecimento, a transparência e - ao meu ver, ainda vamos discutir isso - um dos caminhos para que isso ocorra parlamentarismo.

[...]: Governador...

André Franco Montoro: Porque o presidencialismo é a causa...O presidencialismo gera corrupção, a política de clientela, isso tudo é um subproduto... [demonstra exaltação]  

[sobreposição de vozes]  

Izalco Sardenberg: Acho que seria bom esclarecer: o senhor seria candidato nas duas hipóteses, isto é, presidencialismo ou parlamentarismo? 

André Franco Montoro: Qualquer candidato será candidato de acordo com o que a Constituição estabelecer. Eu sou parlamentarista.

[sobreposição de vozes]  

José Carlos Bardawil: É que não são todos os candidatos que querem o parlamentarismo. 

Jorge Escosteguy: O senhor é um candidato?

André Franco Montoro: Não, não sou candidato, eu sou um possível candidato! Por enquanto, não sabe nem se vai haver presidente da República, pode ter até monarquia no Brasil, há emendas sobre isso. [risos] Eu recebo diariamente cartas, telegramas, conversas, telefonemas, achando que, depois de ter governado São Paulo na linha democrática, devo ser candidato a presidente da República. Minha declaração é muito simples: eu sou um possível candidato a presidente da República. Até lá, a decisão final  vai depender das circunstâncias, vai depender de todos. Se for apresentado um outro candidato em uma convenção normal, eu darei a ele todo o meu apoio!

Oliveiros Ferreira: Governador, o senhor mencionou o senador José Richa, que já esteve sentado aí, é um homem muito em foco no noticiário, porque teme pelo futuro das instituições. Chegou a declarar que se não fosse tomadas medidas heróicas, em três meses, haveria ruptura institucional. O que o senhor acha dessa hipótese do senador José Richa?

André Franco Montoro: Eu acho que realmente a situação é séria. Aliás, essa conclusão dele decorre de uma reunião conjunta que tivemos com um grupo de professores de economia e ciências sociais do Rio de Janeiro. Ele fazia essa análise catastrófica,  com data marcada. E isso nos reforça a idéia de que tem que haver eleição em 1988, porque ela representará um desafogo a esse respeito e obrigará a tomada de medidas que modificam essa situação atual.

Antonio Carlos Ferreira: Governador, nós estávamos conversando sobre corrupção e existe um caso que não é bem de corrupção, pelo menos não há nada provado, mas tem motivo ético um pouco estranho. É o caso do empréstimo de cem milhões de dólares que o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] deu para a Sharp [fabricante de equipamentos áudio-visuais]. [Esse empréstimo] foi muito criticado pela oposição e pelo PMDB. Eu vi o filho do senhor, que é vice-presidente do BNDES, André Franco Montoro Filho, fazendo uma defesa enfática desse empréstimo a um só empresário, que estava falido. Qual é a posição do senhor com relação a esse empréstimo?

André Franco Montoro: Bom, em primeiro lugar esse homem não estava falido.

Antonio Carlos Ferreira: Sem os cem milhões, aquela fábrica fechava e teria que ser vendida.

André Franco Montoro: Eu não tenho informações técnicas a esse respeito. 

Melchíades Cunha Júnior:  Governador, a propósito, há um outro assunto que está sendo muito ventilado pela imprensa e que, na minha opinião, tem alguma coisa por trás dele, que é o problema da Cosipa [Companhia Siderúrgica Paulista. Refere-se a um rombo de 12 milhões de cruzados no caixa da empresa, descoberto em1987]. Fala-se em um escândalo, sendo que, quem conhece um pouco o setor, sabe que as siderúrgicas operam no vermelho há muitos anos porque vendem o produto mais barato. E agora estão utilizando um dossiê levantado pela Polícia Federal e que envolve alguns históricos do PMDB. Gostaria que o senhor esclarecesse o que conhece a respeito.    

André Franco Montoro:  Olha, o que eu conheço é o que eu li no jornal. A Cosipa é uma empresa federal e eu não tive nenhum contato com ela.

Oliveiros Ferreira: O senhor é candidato à Presidência da República, deve saber mais do que os jornais! [risos]

[sobreposição de vozes]

André Franco Montoro: Eles atribuem [isso] ao governo do estado, eu vi a notícia.  

Melchíades Cunha Júnior: Eles não atribuem ao governo do estado, eles atribuem à direção da empresa, que teria sido nomeada por dois senadores do PMDB de São Paulo.

André Franco Montoro: Então vocês precisam falar com os senadores, porque eu não tenho informação.

Augusto Nunes:  Governador, então vamos a uma figura que o senhor conhece bem. O [telespectador] Edison Simões quer saber o que o senhor acha da administração de Jânio Quadros e como vê o apoio de Jânio ao mandato de cinco anos do presidente José Sarney? Eu acrescento: como o senhor vê também o lançamento da candidatura do Jânio à Presidência da República? Essa figura o senhor conhece faz tempo...

Oliveiros Ferreira: Olha, eu diria que o mal do brasileiro é que as figuras que dominam as cenas brasileiras hoje, são de 1962. Os presidenciáveis são de 1962 e o país cresceu 3% ao ano nesse período.

[sobreposição de vozes]

André Franco Montoro: [risos] O Jânio tem direito de  ser candidato ao que ele quiser. Já foi uma surpresa que ele fosse candidato a prefeito, não será maior se ele for à Presidência.

Jorge Escosteguy: Até porque...ele foi eleito prefeito.

André Franco Montoro: É, ele foi eleito e as pesquisas de opinião pública revelam que o arrependimento daqueles que votaram nele é grande demais. Eu prefiro ficar com os depoimentos da opinião pública, que são contrários a essa administração. Olha, vamos tratar de assuntos mais...

Augusto Nunes: Um minutinho! Essa questão levantada pelo Oliveiros é importante. As figuras que dominam a cena política brasileira são figuras do começo dos anos 60. O senhor acha que isso é um mal para o país, é um problema, é um sintoma de que não houve renovação política?

Oliveiros Ferreira: Ou é uma causa do atual descrédito da política?

Augusto Nunes: O que o senhor pensa disso?   

André Franco Montoro: Bom, essa matéria comportaria muitos desenvolvimentos porque, ao lado de antigas figuras, existem figuras novas. Mário Covas é mais recente, o José Richa é mais recente, Fernando Henrique entrou na política há menos tempo. O Brizola e o Jânio eram majoritários. Eu era deputado...Só concorri em campanha majoritária em 1970.

Oliveiro Ferreira: O senhor foi ministro. 

André Franco Montoro: Sim, é verdade, fui ministro parlamentarista em 1962. Tive uma atuação política como vereador, deputado estadual, deputado federal, senador, tudo isso é uma carreira, decorre tempo. E a prova é a história. Quando nações como a Itália, Alemanha, França, Inglaterra, até o Estados Unidos, depois das guerras, precisavam de lideranças que pudessem conduzir o processo de reconstrução, a quem ele recorriam, aos jovens ou aos homens de experiência? Foi Robert Schuman [(1886-1963) foi ministro das Finanças da França, em 1946, e chefe de governo em dois breves períodos, em 1947 e 1948], [Charles] De Gaulle [1890-1970), general, político e estadista francês, foi chefe do governo provisório formado após a Segunda Guerra Mundial, entre 1946-1959, e presidente da França, entre 1959-1969, [Winston] Churchill [(1874-1965), pensador e político inglês. Teve participação importante na Segunda Guerra Mundial e na vitória contra os alemães], [Franklin Delano] Roosevelt [(1882-1945) presidente dos Estados Unidos entre 1933 e 1945], todos homens de mais de setenta anos. E Tancredo dizia: "Nero, aos 35 anos, incendiou Roma!".

[risos]     

Jorge Escosteguy: O senhor não tem medo da "síndrome do Tancredo Neves", ou seja, da sua idade, sendo candidato a presidente? 

André Franco Montoro: Claro que não, a morte atinge todas as pessoas, em todas as idades 

Jorge Escosteguy:  Mas, de qualquer forma, a probabilidade diz que, quem tem cinquenta anos, tem menos chances do que quem tem setenta [anos].  

André Franco Montoro: Claro, claro. Há compensações, vantagens da experiência e desvantagens da idade. Agora, quem julga não sou eu. O povo é que vai, diante das propostas, da confiança pessoal, da seriedade, da fidelidade, da coerência ou não dos candidatos, optar e decidir sobre isso.  

José Carlos Bardawil: Governador, por falar em medo, o senhor falou do senhor Jânio Quadros como se não tivesse medo dele como adversário. O senhor não acha que a candidatura Jânio será sempre uma candidatura forte, principalmente no momento em que há um desencanto com o PMDB?

André Franco Montoro: Não, eu acho que não.

José Carlos Bardawil: Por que não?

André Franco Montoro: Pelas circunstâncias concretas.

José Carlos Bardawil: Quais são as circunstâncias concretas?

André Franco Montoro: Há uma razão de ordem política, que é a velha expressão: “Fale mal de mim, mas fale de mim”. Vamos ver outras perguntas! [mostra irritação com os jornalistas]

[sobreposição de vozes]

Antonio Carlos Ferreira: Governador, o senhor disse que realmente o Jânio não é problema. Mas, o problema do senhor nem é ganhar a eleição, mas ser candidato. Como o senhor vai conseguir legenda dentro do PMDB? Com que forças o senhor vai conseguir, se é que vai ficar com a legenda do PMDB?

André Franco Montoro: Não quero discutir isso, nós vamos perder tempo! Posso ser candidato ou não. Se não for candidato, apóio o melhor e pronto. Não há problema.

Augusto Nunes: Mas o senhor vai tentar ser candidato? De que forma? Essa é a pergunta.

André Franco Montoro: Eu não vou tentar, eu sou candidato possível. Pode haver candidato do PMDB, pode haver um racha do partido...

Antonio Carlos Ferreira: A gente escuta dentro do próprio PMDB e de militantes: “O governador Franco Montoro seria um excelente presidente da República, pena que não tem força no partido”. É isso que a gente escuta. Qual é avaliação do senhor? Essas pessoas estão erradas?

André Franco Montoro: Quando fui candidato ao governo do estado, diziam a mesma coisa.

Antonio Carlos Ferreira: Não, na época, o senhor tinha uma força tremenda, governador!

André Franco Montoro: Absolutamente, absolutamente...

Antonio Carlos Ferreira: Que é isso, governador! O senhor tinha uma força...

André Franco Montoro: O senhor não está informado. Diziam: "O Montoro ganharia a eleição, mas perde a convenção porque o Orestes Quércia queria a maioria do diretório com ele". E era voz corrente, era sabido no partido. Agora, os acontecimentos se precipitaram e a convenção quer ganhar a eleição. E ninguém vai para a convenção para perder. De modo que eu não vou fazer o cálculo aí, comprar convencional, delegado...

Jorge Escosteguy: Governador, comprar?

André Franco Montoro: Comprar sim, sim. Porque eu podia comprar através de emprego. Veja bem,  é por isso que é fisiológica, muitos colocam os problemas em termos de fisiologia, então precisam garantir a convenção para se garantir a eleição. Eu não tenho essa preocupação, como não tive na minha eleição de governador. Eu corria o interior, eu corria o interior, tinha vários candidatos, eu corri o interior, eu sei de um prefeito que falou: "Mas Montoro nem me procurou". "Não falou com você ainda?". "Não precisa porque com ele nós ganhamos a eleição". E eu concordo com essa tese, não é problema dele, e assim ganhei a convenção. Eu não tenho essa preocupação, como não tive na minha eleição de governador. Não sei, não sei o que vai acontecer. Sou candidato possível e trabalharei pela candidatura de outro candidato com o mesmo entusiasmo que trabalhei na minha candidatura.

Augusto Nunes: Mas existe uma versão até agora, não desmentida pelo senhor, que ao apoiar o atual governador Orestes Quércia, o senhor ouviu dele a promessa de que ele apoiaria uma eventual candidatura do senhor à Presidência. Houve essa conversa ou um acordo formal? O que aconteceu?

André Franco Montoro: Não houve nenhum acordo. Olha, há uma coisa que se chama privacidade e que deve ser respeitada por todos, é uma das conquistas do direito moderno.

Augusto Nunes: Está respondido.

Melchíades Cunha Júnior:  Governador, o senhor foi um dos responsáveis pelo surgimento do senhor Orestes Quércia na política de São Paulo. Ele era prefeito de Campinas, era uma pessoa conhecida, mas no interior. O senhor o apoiou decididamente quando ele se elegeu senador em 1974. Depois, ele já criou um problema muito sério para o senhor na convenção que o escolheu candidato [eleição para governador em 1986]. Era evidente que o senhor já estava dando "de goleada". As pesquisas mostravam que todo mundo era Franco Montoro e que, se ele fosse o candidato, não ganharia. O seu candidato a vice chamava-se Mário Covas e a convenção estava mais ou menos rachada. Muito bem, ele se elegeu com o senhor como vice-governador. O senhor deu para ele a Secretaria da Administração, a Secretaria de Obras e algumas empresas estatais, apoiou o Quércia. Ele, quando se elegeu, não deixou um homem do senhor no secretariado. Os jornais noticiaram que seu filho não conseguiu sequer a direção do Banespa [Banco do Estado de São Paulo]. Qual é a impressão que o senhor tem? O senhor acha que o Orestes Quércia tem sido um homem leal com o senhor ou não?

André Franco Montoro: Bom, em primeiro lugar, não houve nenhuma indicação do meu filho para o Banespa.

Melchíades Cunha Júnior:  Os jornais [afirmaram] isso. O "Painel" da Folha de S.Paulo registrou...

André Franco Montoro: É a primeira vez que ouço falar disso. Apenas para deixar claro, não houve nenhuma reivindicação minha que não tenha sido atendida.

Melchíades Cunha Júnior: Não é por aí, eu falo de outras coisas...

André Franco Montoro: A resposta está em uma posição política e em uma linha de coerência. Você disse que eu fiz, que eu fui o criador...

Melchíades Cunha Júnior:  Não, o senhor colaborou e muito para que ele adquirisse o que desfruta hoje.

André Franco Montoro: Quem fez o Quércia candidato foi a democracia. A convenção era para senador, você mencionou o Senado. Havia três candidatos: Freitas Nobre, João Cunha e o Quércia. Nós tínhamos pedido que o Ulysses fosse candidato também, mas ele não aceitou.

Oliveiros Ferreira: Até hoje se arrepende!

André Franco Montoro: Pois é. Feita a convenção, o Orestes Quércia ganhou. Eu fui democrata! Se fosse outro, eu apoiaria o outro.

Melchíades Cunha Júnior:  O senhor foi muito leal. Estou perguntando se o governador tem sido leal com o senhor.

André Franco Montoro: Eu não tenho queixas, mesmo porque não fiz nenhuma reivindicação.

Melchíades Cunha Júnior: Mas o senhor é um candidato à Presidência da República. Não tem interesse em ter pessoas do seu time ocupando lugares importantes?

André Franco Montoro: Nas secretarias, há dez pessoas que foram da minha gestão, de modo que...Eu não coloco o problema em termos de compra e venda, que reivindica isso, reivindica aquilo.

José Carlos Bardawil: Governador, eu peço que o senhor saia um pouco da defensiva na resposta...O senhor está sempre se defendendo.

André Franco Montoro: Se me atacar, eu tenho que me defender, ora bolas!

José Carlos Bardawil: Mas não estamos atacando o senhor. O senhor se defende sem necessidade, como nessa pergunta do Melchíades. Eu queria lhe perguntar o seguinte: o senhor Orestes Quércia também é candidato a presidente, inclusive o que se diz em Brasília é que, em uma disputa dentro do partido, ele teria maiores chances de ser indicado. E aí, o senhor o apóia?   

André Franco Montoro: Isso é o seu ponto de vista. Eu falei com ele recentemente, ele não é candidato.

José Carlos Bardawil: Não é candidato?

André Franco Montoro: Não. 

Oliveiros Ferreira: Qual é a sua plataforma para presidente da República?

André Franco Montoro: É preciso uma política de seriedade, de espírito público. Espírito público significa aplicação dos recursos públicos rigorosamente no interesse da população. Vamos acabar com dilapidação de recursos, obras suntuárias  e uma série de outras práticas que representam a falta de seriedade, a falta de respeito a esse primeiro princípio: dinheiro público tem que ter uma destinação de interesse público e, preferencialmente, nos setores mais necessitados da população. Segundo, não ao autoritarismo, ao personalismo, à concentração de poderes, e sim à democracia! A democracia é o canal insubstituível para a solução dos problemas da população, mas uma democracia que não seja apenas formal. [É preciso] uma democracia qualificada e moderna para o Brasil hoje, com um caráter social. Ela deve corrigir as graves desigualdades sociais e regionais que há no país, aplicando os recursos públicos em prioridades sociais, como alimentação, saúde, educação, transporte, defesa do meio ambiente, geração de empregos. Essa democracia também deve ser participativa: não se trata de o governo ter os recursos para depois oferecê-los como dádiva à população, como oferta ao miserável. É preciso reconhecer o surgimento da sociedade civil e permitir que cada setor possa dar a sua participação. E, terceiro ponto, a democracia [deve ser] pluralista. Pluralismo significa o respeito à opinião do outro, ninguém é dono da verdade,  reconhecer a pluralidade de organizações, reconhecer que todos setores da sociedade podem e devem participar do trabalho produtivo. Também digo "não" a esse modelo de desenvolvimento imitativo, que copia, através de grandes projetos, o desenvolvimento europeu ou norte-americano. O projeto nacional deve vir de dentro para fora, aproveitando todos os recursos de que o Brasil dispõe. É preciso um projeto nacional, mas que aceite a participação das multinacionais, da empresa pública, da empresa privada, cada uma com a sua responsabilidade. Isso também se aplica ao desenvolvimento científico e tecnológico, à política agrícola, industrial e comercial, à política de transportes, de energia. Deve haver um aproveitamento de todos esses setores, não a imitação do que vem de fora. Por exemplo, em lugar de programas atômicos com dezenas de usinas atômicas, custando ao Brasil bilhões de dólares, vamos aproveitar os recursos que nós temos. Cada município pode ajudar na produção de energia. Em cada um desses tópicos, tenho elementos para mostrar que, em cada município brasileiro, é perfeitamente possível nós trazermos de baixo para cima, de dentro para fora...Aliás, foi o que fiz em São Paulo, em grande parte pela descentralização, foi o que nós fizemos....

Augusto Nunes: Governador, nós vamos retomar em alguns instantes, após um rápido intervalo. O programa Roda Viva volta já.

[intervalo]

Augusto Nunes: Retomamos aqui a nossa conversa com o convidado desta noite, que é o ex-governador de São Paulo e candidato à Presidência da República, André Franco Montoro. Governador, o senhor falava, no encerramento da primeira parte do programa, como seria sua plataforma de governo. Até aí, nada a obstar. Agora, concretamente, o senhor há de convir que o Brasil vive os seus piores momentos. Quando a corrupção, quando as fraudes chegam até os vestibulares, o senhor sabe que impacto isso representa na mocidade e que essa corrupção se espalha por todos os segmentos da sociedade brasileira. Não é fácil acabar com a corrupção. O senhor vai herdar, sendo eleito presidente, uma das maiores dívidas externa do mundo em um Estado que é eminentemente gastador. O senhor vai lidar com deformações, como salários de marajás [funcionários públicos privilegiados com altos salários e benefícios], aliás eu lembro o senhor que o senhor está sendo acusado de ter pelo menos convivido com marajás no seu governo. Eu gostaria que o senhor esclarecesse esse tipo de dúvida.Todos os governantes falam em cortes nos gastos públicos e o senhor sabe como é difícil fazer isso. O que o senhor vai fazer com a dívida externa? Pagar ou precisa haver entendimento com os credores? O que o senhor faria de diferente para que o Brasil pudesse saldar sua dívida ou parte dela?

André Franco Montoro: Você fez uma série de perguntas, eu vou começar pela dívida externa, que é a mais importante. O problema da dívida externa, como eu dizia ainda há pouco, é o maior problema que o Brasil enfrenta. Do ponto de vista da nossa economia, é um problema seríssimo. A América Latina deve quatrocentos bilhões de dólares. Está fazendo esforços para pagar. Nos últimos cinco anos, mandou para os países industrializados mais de 150 bilhões de dólares, isto é, nós nos transformamos em exportador de capital. Então, isso é um absurdo, essa situação não pode prosseguir porque, em lugar de aplicar os recursos que temos em nosso desenvolvimento, nós mandamos para o exterior. Mas, esse problema não pode se resolver se mantivermos a posição tradicional da dívida ser negociada entre o banco que emprestou e o devedor, como se fosse uma operação comum. Na realidade, a dívida externa é o maior problema da economia mundial. Isso implica que a questão seja colocada em seu aspecto maior. Fui eleito para o conselho diretor da OIT [Organização Internacional do Trabalho], estive em Genebra, depois estive em Roma, com a presença de lideranças, para mudar a perspectiva do problema. A dívida externa tem que ser examinada sob aspectos diferentes. Além do aspecto financeiro e econômico, que é examinado normalmente, é preciso examinar o aspecto social. A dívida externa está acarretando: redução de salários, desemprego, inferioridade no nível de vida das populações, prejuízos na família trabalhadora do mundo inteiro. O OIT acaba de fazer um seminário de alto nível para examinar esse aspecto.

Augusto Nunes: O que se deve fazer?

André Franco Montoro: Ela abordou os efeitos sociais da dívida externa em relação à criança, como o aumento da mortalidade infantil.

Antonio Carlos Ferreira: Mas é que os bancos estão interessados basicamente no aspecto financeiro da dívida...

André Franco Montoro: Pois é, estão interessados.

Antonio Carlos Ferreira: Eu queria saber se o senhor recuperaria a linha adotada pelo ministro Dilson Funaro [(1933-1989) ministro da Fazenda do governo Sarney e criador do Plano Cruzado] na negociação externa.  [refere-se à moratória de 1987]

André Franco Montoro: Eu estou dando o meu ponto de vista, meu amigo.

Antonio Carlos Ferreira: A experiência brasileira do PMDB, não só do brasileiro, do PMDB, está colocada. Existe a linha adotada pelo Dilson Funaro, pelo Bresser Pereira e agora a linha do presidente Sarney. Eu queria saber, dentro dessas linhas, quais são as mais corretas, que o senhor concorda?

André Franco Montoro: Eu peço que você tenha tolerância de ouvir a minha exposição. Eu acho que é preciso modificar o clima. Esses arranjos que estão sendo feitos são apenas provisórios, representam apenas remendos. O problema, para ser resolvido, precisa ser colocado em uuma visão global. Não podemos ficar na mediocridade de aceitar a negociação, ficando na cadeira de réu. Estamos sendo vítimas de uma colocação errada, de uma modificação que se impõe no sistema financeiro internacional. Eu dizia que é preciso examinar a dívida externa sob todos os seus aspectos. Há o aspecto econômico e financeiro, há o aspecto social, há o aspecto ético. O Papa [João Paulo II] falou nas Nações Unidas mostrando que a dívida externa estava levando a conseqüências de gravidade do ponto de vista moral. E a Comissão de Justiça e Paz da Santa Sé publicou um documento de 150 páginas, que quase ninguém conhece, em que ele examina a dívida externa, à luz da dignidade da pessoa humana. E quando eu estive em Roma, conversando com os redatores, soube que uma das razões que justificaram aquele documento foi uma fotografia em que apareciam crianças disputando comida no lixo de um país da América Latina, ao lado de urubus e de cachorros. Isso atenta contra a dignidade da pessoa. Também há o aspecto jurídico...

Antonio Carlos Ferreira: Mas, governador, o senhor me permite continuar...

André Franco Montoro: O senhor há de permitir que eu conclua! Houve modificações em cláusulas e há condições leoninas. Por exemplo, quando o Brasil fez a dívida, aceitou o juro flutuante a ser fixado por quem? Pelos interessados. E se houver dúvidas na aplicação desses princípios, qual é o tribunal competente para resolver? É o Tribunal de Nova York. E se o banco norte-americano for obrigado a um recolhimento maior ao Banco Central, isso vai tornar mais onerosa a operação. Quem vai pagar mais? É o devedor. Então, são cláusulas que não resistem ao exame do sistema jurídico contemporâneo. O que deve prevalecer na ordem internacional? E esse problema eu coloquei no aniversário de Roma: é o direito da força ou é a força do direito? Aí está o problema. Na realidade, o mundo caminha na linha em que ele passa do domínio bárbaro da força para o domínio moralizador do direito, da justiça. É a lei, é a justiça que deve prevalecer e de um jeito novo.

Antonio Carlos Ferreira: Só completando o raciocínio, por conta dos malefícios que a dívida externa causa não só no Brasil, como no mundo inteiro, eu quero deixar bem claro: se por ventura houver alguma dúvida que entre falir os bancos americanos e falir o Brasil, que os bancos americanos vão à falência e a nossa sobrevivência seja garantida! Mas, de fato, o que o PMDB fez foi exatamente um grande discurso e, na hora de aplicar na prática, quem levou mais adiante foi o ministro Dilson Funaro que, praticamente rompeu as negociações com os bancos, fazendo exatamente esse mesmo discurso. Mas, não conseguiu, não teve trunfos na mão suficientes para fazer os banqueiros se ajoelharem na frente dele. Nem isso, eles simplesmente rompem negociações, cortam os créditos de curto prazo do Brasil, cortam os créditos de exportação. É por isso que eu queria saber qual é a linha exata de política externa que o senhor vai negociar com os banqueiros. Eles não pensam na fome do mundo, eles estão interessados nos juros e nos lucros que eles vão pagar aos seus acionistas.

André Franco Montoro: É, eu recebo a sua intervenção como uma contribuição ao que eu estava dizendo. O que se impõe é uma mudança. Não se conseguiu até agora, mas já demos grandes passos. A proposta de um professor de uma universidade de Roma é que haja um tribunal de arbitragem integrado por juristas, economistas, financistas, estadistas de todo o mundo para decidir a esse respeito...

Augusto Nunes: Governador, como o político vai fazer com que os banqueiros aceitem essa fórmula?

André Franco Montoro: Deixe-me completar...Além de todos os aspectos que já abordei, há o aspecto político, que é importantíssimo. A democracia na América Latina, que é saudada no mundo inteiro com muito entusiasmo, está em risco com o problema da dívida. Numa pesquisa feita aqui em São Paulo, 35% ou 38% da população já falava em uma certa saudade do regime autoritário, porque o problema não se resolvia.

Antonio Carlos Ferreira: O senhor acha que, na hora decisiva, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos vai ficar com o risco do Brasil ou com o risco da falência dos bancos norte-americanos?       

André Franco Montoro: O risco não é do Brasil. Exatamente essa foi a missão que eu tive quando fui a todos esses países da Europa, e lembrava que as condições duras impostas a Alemanha, depois da guerra, criaram um caldo de cultura para o nazismo, que acabou deflagrando uma guerra mundial. Então, na verdade, é a fase do mundo que está correndo o risco.

Oliveiros Ferreira: Por que não adota a política inglesa de 1922?

André Franco Montoro: Eu não vou adotar a política de 1922 porque vou adotar a política de 1988. Essa pregação foi, de certa forma, o ponto de vista defendido pelo Dilson Funaro, pelo  [ministro] Bresser Pereira, foi o ponto de vista que permaneceu quando o Brasil decretou a moratória e abalou os banqueiros. E, na realidade, é preciso que se tome consciência disso, qual é o resultado? Agora eu vou falar dos banqueiros...

Antonio Carlos Ferreira: [interrompendo] Nós devíamos ter continuado na moratória?

André Franco Montoro: Não quero discutir cada operação em detalhes, porque isso será visto se a Presidência couber a mim...

Antonio Carlos Ferreira: [interrompendo] A questão sobre a miséria do mundo causada pela dívida nós conhecemos. O difícil para o governo central é resolver a questão imediata: vamos manter a moratória ou não vamos? Vamos enfrentar os bancos e não pagamos ou pagamos? Essa que é a decisão de um  presidente da República.

André Franco Montoro: Então caberá a mim decidir qual é operação a ser feita! Mas há um objetivo geral que eu estou procurando comunicar a vocês e por isso estou preocupado em não fugir desse argumento: é preciso uma modificação no sistema financeiro internacional. A regra, que foi fixada por todos os países em conjunto estabelecia, como base, o sistema financeiro internacional, o dólar que era vinculado ao ouro. Em 1971, se desvinculou o dólar do ouro. Nixon [Richard Milhous Nixon (1913-1994), presidente dos Estados Unidos de 1969 a 1974], por razões compreensíveis e que não é o momento de discuti-las aqui, desvinculou o dólar do ouro. Hoje nós estamos com o mesmo sistema, que foi alterado unilateralmente por uma das partes, o que está levando a esse resultado. Os Estados Unidos são os maiores devedores do mundo, o problema é mundial. E agora eu quero citar. O [...] na última reunião do Fundo Monetário [Internacional], voltou atrás e repetiu duas frases do Bresser quando ele disse: "É preciso reconhecer que se impõem modificações no sistema financeiro internacional"...

Oliveiros Ferreira: Isso não é do Bresser, desculpe, isso vem sendo discutido no Fundo Monetário depois de 1971, governador.

André Franco Montoro: O [...], na última reunião, tinha declarado o contrário e muita gente do Brasil sustenta que nós devemos aceitar as regras do FMI tais como são. O Bresser já tinha afirmado, impõem-se modificações e se propõem algumas, com as quais ele concordou. Mas não foi apenas ele. Acaba de se realizar em Paris uma reunião dos [ganhadores] dos prêmios Nobel de todo mundo e quais foram as conclusões? Impõe-se uma reunião internacional com a presença dos países devedores e credores, os países em desenvolvimento, os países industrializados, dos bancos privados e dos bancos internacionais, oficiais, bancos mundiais, etc, para examinar essa questão. Notem: o Banco da Inglaterra publicou, há uma semana, um relatório em que ele fala das repercussões políticas da dívida externa. Então, tudo o que eu acabo de dizer representa um movimento mundial e cabe a nós o fortalecimento dessa movimentação para solucionar o problema. Haverá paliativos, haverá paliativos...

Oliveiros Ferreira: Eu queria perguntar ao governador se ele conhece a proposta do Castro e se ele a endossa? Para os problemas da dívida externa, ele fez uma proposta: "Paguem aos bancos, porque os bancos não podem ficar devendo aos seus emprestadores. Agora vai haver um problema, que é os bancos terem  que cobrar juros menores. Quem deve pagar? Os Estados Unidos". É uma proposta muito mais coerente do que a sua. Eles tiram do armamento norte-americano! A proposta dele é muito mais coerente, pois respeita todo o sistema internacional...

André Franco Montoro: Não há dúvida, esse é um detalhe da solução maior. A solução vai significar fundamentalmente alterar as relações, alterar esse relacionamento internacional, a política financeira internacional. Vão ser necessárias modificações, por exemplo, a redução dos gastos com armamento. Então, qual é o ponto de vista que eu defenderei, se for eleito presidente? É uma modificação do sistema financeiro internacional. Para isso, é preciso ter autoridade, ter apoio da população, ter uma visão de estadista e compreender todas as dimensões do problema. Não pode ficar nessa de "O banqueiro vai ter que receber tudo". Não vai, Oliveiros...

Oliveiros Ferreira: Eu não disse nada, quem disse foi o Castro!

André Franco Montoro: Você concordou com o Castro. E não vai e eu digo o porquê, não vai por uma razão coerente com uma lei que ele defende, a lei da economia do mercado. Pelo mercado, a dívida externa vale hoje 50%, porque no mercado vale a favor dele e não vale...Tudo isso tem que ser discutido!

[sobreposição de vozes]

Augusto Nunes: Governador, estamos voltando a falar simultaneamente. Acho que o governador já expôs o seu ponto de vista a respeito da questão da dívida externa, eu proponho que mudemos de assunto. O Kleber quer fazer uma pergunta? 

Kleber de Almeida: O senhor disse que o presidencialismo favorece, de certa forma, a corrupção. De que maneira o parlamentarismo pode melhorar os nossos sensos políticos, se haverá apenas uma troca de regime e os políticos continuarão os mesmos?

André Franco Montoro: A diferença é muito grande. E vamos falar do parlamentarismo proposto ao projeto de Constituição...O que diferencia o presidencialismo do parlamentarismo...No presidencialismo, o poder é pessoal e as decisões são tomadas com  portas fechadas, o poder do presidente é praticamente absoluto, isso facilita a negociação. O deputado se entende com o presidente, que distribui os cargos. No parlamentarismo, a coisa é diferente. O parlamentarismo é um regime de programas. O primeiro-ministro escolhido convida os demais e apresenta o seu programa de governo. Quando eu fui convidado pelo Tancredo Neves, ele me pediu que, em dez dias, eu preparasse um programa para a área trabalhista a ser submetido ao Congresso [Nacional]. E, no projeto de Constituição que está sendo discutido, se dá toda a importância ao programa. É o Congresso que estabelece a data para debate do programa e a aprovação. Depois, o primeiro-ministro é obrigado a, pelo menos uma vez por mês, ir ao Congresso e dizer como está sendo executado o programa. Mais do que isso, o [parlamentarismo] assegura o reconhecimento de uma coisa nova, é uma espécie de "gabinete sombra", assegura ao ministério de oposição todos os direitos de informação, para tornar a crítica mais competente e responsável. Pelo preceito constitucional, é criado o secretariado permanente do gabinete ministerial, integrado por funcionários de carreira, nomeados por concursos de provas e títulos, fiscalizados pelo Congresso, a exemplo do que há em todos os parlamentos. O que vale é o programa. Se cai o gabinete, o programa continua sendo executado normalmente. A função do ministro é responder perante o Congresso e promover a execução daquele programa. É o que nos falta.

José Márcio Mendonça: Governador, mas temos um problema: quem vai aprovar o programa, quem vai fiscalizar o programa, são os mesmos políticos que hoje estão recebendo televisões, rádios, cargos.

André Franco Montoro: Isso não é defeito. No parlamentarismo não é possível mais distribuir isso, porque essa matéria não está no programa. No presidencialismo, o presidente decide o que quer: estradas, Ferrovia Norte Sul, programa nuclear, etc. No regime parlamentarista, isso não acontece. É um governo de equipe. Essa distribuição de canais [de televisão], programa atômico, tudo isso foi dentro do regime presidencialista.

Augusto Nunes: Está parecendo uma coisa meio mágica, governador. 

André Franco Montoro: É a mágica do parlamentarismo. O regime parlamentarista é um regime transparente, em que o povo toma conhecimento e fiscaliza.

José Carlos Bardawil: Governador, eu estou vindo de Brasília e posso dizer o seguinte: há hoje um certo desânimo entre os parlamentaristas. Muitos que apoiaram a idéia no primeiro momento, saíram dela porque o que queriam era só abreviar o mandato do presidente da República. O que sobrou não bastaria para dar maioria à idéia parlamentarista. O senhor tem o mesmo ponto de vista?

André Franco Montoro: Eu acho o contrário. Eu acho que deve haver parlamentarismo sem casuísmo. Não pode ser um parlamentarismo contra o Sarney, mesmo porque o normal é que, aprovado o regime parlamentarista, ele entre em vigor com o presidente eleito.

José Carlos Bardawil:  Mas o senhor confia que ele ainda seja aprovado, mesmo quando há gente saindo da idéia?

André Franco Montoro: Se houver um esclarecimento - e nós estamos providenciando uma campanha de esclarecimento a esse respeito - o parlamentarismo estará sem furos. O mal do Brasil é o presidencialismo, essa política de clientela, de fisiologia. Houve uma pesquisa em que questionava-se a eleição direta no parlamentarismo. Veja como é feita...É feita com o deputado isoladamente com o presidente, porque cabe a ele nomear e demitir. No regime parlamentarista, o presidente da República, que é  eleito pelo voto direto...Aqui houve uma pesquisa em que disseram: "É uma incoerência porque metade se manteve no parlamentarismo, outra metade pelo presidencialismo, mas quase todos querem eleição direta". Ora, a eleição direta não é incompatível com o parlamentarismo, pelo contrário: no projeto apresentado, o presidente é eleito. Alguém diz: "Mas haverá uma desproporção: um presidente eleito com quarenta milhões de votos e o primeiro-ministro...". Mas, na verdade, não é primeiro-ministro e presidente da República, é presidente da República e gabinete, que representam o Congresso...  

[sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: [interrompendo] O senhor é candidato a presidente no regime parlamentarista ou presidencialista? O senhor faria um plebiscito a favor do parlamentarismo?

André Franco Montoro: Não, eu não faria um plebiscito. Isso é um detalhe que eu ainda não pensei. 

Jorge Escosteguy: É um detalhe importante.

André Franco Montoro: Se eleito no regime presidencialista, eu faria uma grande pregação a favor do parlamentarismo, abrindo mão daqueles poderes...

Jorge Escosteguy: Mas a pregação não adianta, tem que ter uma mudança no regime!

André Franco Montoro: Mas é claro! Podia fazer um plebiscito, podia mandar um projeto ao Congresso  Nacional. Além dos fatos que eu mencionei, lembro o seguinte: países da Europa, como Portugal, Espanha, Grécia e Itália, não resolveram todos os seus problemas no regime parlamentarista. Mas a Itália passou a Inglaterra, hoje, em matéria de economia, por causa do parlamentarismo. É preciso lembrar o seguinte: é muita coincidência todos os países da Europa serem parlamentaristas estáveis e terem se desenvolvido. Todos os países da América Latina, instáveis e com ameaças de golpes, são presidencialistas. Na África, eu estou falando de uma democracia que tem um judiciário com amplo poder...

Augusto Nunes: Governador, o senhor falou agora da Ferrovia Norte Sul [ferrovia brasileira de 1980 quilômetros de extensão, que deve integrar as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste do país. As obras foram iniciadas em 1987 mas, até 2010, não haviam sido concluídas]. Se o senhor fosse eleito, interromperia as obras? Elas vão começar.

André Franco Montoro: Não, é claro que todas a obras que não são prioritárias devem ser postergadas. Hoje, a prioridade é a aplicação de recursos públicos na produção de alimentos, nas escolas, na saúde, e não em obras como a Ferrovia Norte Sul e outras semelhantes.

Antonio Carlos Ferreira: Aí os governadores de Goiás, do Pará, do Maranhão, todos do PMDB, iriam ao seu gabinete. O que o senhor diria a eles?

André Franco Montoro: Apresentaria as razões que apresentei quando fui governador de São Paulo...

Oliveiros Ferreira: O senhor foi presidencialista em São Paulo.

André Franco Montoro: Pelo contrário!

Oliveiros Ferreira: Eu nunca soube que São Paulo fosse parlamentarista, era presidencialista! O que eu quero provar é que se pode fazer um governo presidencialista que não seja corrupto e autoritário.

André Franco Montoro: Não há dúvida nenhuma. Estou defendendo o parlamentarismo, mas reconheço que tanto o presidencialismo quanto o parlamentarismo são opções com os seus prós e contras. Não é uma opção absoluta. Eu vejo vantagens no parlamentarismo e defendo essas vantagens há muito tempo. A experiência está demonstrando isso. Quando eu falei que meu governo foi parlamentarista, quis dizer: ele foi presidencialista formalmente, porque nós estávamos no regime presidencial, mas o que eu fiz foi exatamente aquilo que é o parlamentarismo: a descentralização do poder. Eu vi naquilo um governo de equipe. Reunia o meu secretariado todas as quartas-feiras, dividido por setores: econômico, social, infra-estrutura, jurídico, administrativo, e fazíamos um governo de equipe. Em lugar de eu decidir aqui sobre a merenda escolar, por exemplo, em lugar de comprá-la aqui, fiz entendimento: faz-se no interior. Construção escolar: em lugar de eu construir e dar para o município, eu fazia com que quinhentos prefeitos fizessem uma escola, tudo isso é descentralização.

Antonio Carlos Ferreira: Permita-me agora concordar com o senhor. Eu acho que o governo do estado foi parlamentarista porque o secretariado realmente tinha força. A dúvida que nós temos é se isso é possível em nível nacional, com o senhor na Presidência e do jeito que é este país. Os poderes regionais são muito fortes, o Congresso é extremamente comprometido com fisiologismo...Essa é a nossa dúvida, por isso a situação é nova. Eu tenho impressão até que o senhor não tem visitado muito o Congresso, como o senhor fala. Quando o senhor fez o seu programa de governo, eu falei: “Mas que país é este, governador? Não é o nosso”.

André Franco Montoro: Não é o que temos, mas é o que queremos. Eu sou candidato a mudanças e não permanecer o que está...

Izalco Sardenberg: Governador deixa eu entrar aqui na pergunta dele. Esse país, o país que nós queremos, esse país é esse que está... desde que o senhor entrou no programa o senhor está carregando aí a Constituição do Cabral 3. O país que o senhor quer é este que está aí nessa Constituição, nesse projeto do Cabral 3?

André Franco Montoro: Em grande parte, é. Por exemplo, nessa parte do parlamentarismo, sem dúvida nenhuma é um grande avanço, é um grande avanço. Esse projeto já fala em eleição, em quatro anos. Isso mostra que, com todos os problemas, com todos os defeitos, essa Assembléia Nacional...

Isalco Sardenberg: Tem muito pouca chance de ser aprovado.

André Franco Montoro: 85% do que disseram, 85% do que está aqui está praticamente assegurado, a discussão se dá em relação a alguns pontos fundamentais, etc. Mas a sua pergunta dizendo que o meu parlamentarismo é teórico, vou mostrar que não é, argumentando...    

Antonio Carlos Ferreira: [interrompendo] No caso nacional, eu acho muito difícil.

André Franco Montoro: Vou argumentar não com suposição, mas com fatos. Quando fui convidado para ministro do Trabalho, o Tancredo me pediu um programa para o governo. Fiz e apresentei. Houve alguma realização? Eu vou citar três fatos que foram cometidos no regime parlamentarista. O primeiro foi o seguinte: há 15 anos, estava na Constituição brasileira um princípio do salário-família. O Brasil tinha recebido até prêmios internacionais por causa disso, mas nenhum trabalhador tinha recebido esse salário. Propus que nós, honestamente, regulamentássemos a matéria. E isso foi feito no regime parlamentarista.

Oliveiros Ferreira: Mas isso não é decisão política. Isso é do parlamentarismo?

André Franco Montoro: A diferença é o seguinte: quando eu encontrei o projeto, havia uma pilha de sugestões. Seria criado o "Instituto do salário-família" com uma delegacia em cada estado, um delegado em cada município, etc. Era uma proposta presidencialista. Eu, do regime parlamentarista, propus coisa diferente. Sabe quantos funcionários foram nomeados para a introdução do salário-família no Brasil? Nenhum...

Antonio Carlos Ferreira: Hoje esse projeto não passaria. Se não tem cargo, não passa.

André Franco Montoro: Passou no regime parlamentarista. Segundo exemplo: não havia nenhum sindicato rural no Brasil. Nós tínhamos as [...] camponesas, alguns sindicatos clandestinos, outros contestatórios, mas não havia nenhum reconhecido. Então eu coloquei: "que se reconheça o trabalhador rural com direito à sindicalização". E fiz.

Augusto Nunes: Mas o senhor não faria isso como ministro do Trabalho de um sistema presidencialista?

André Franco Montoro: Não faria e eu vou dizer o porquê. Deixe-me completar... Apresentei o projeto e no dia 13 de maio de 1972 reconheci os primeiros sindicatos rurais, estabeleci a existência do sindicato rural em cada região, em cada município. Eu tenho em meu poder o telegrama assinado por Dom Eugênio Sales [cardeal brasileiro e arcebispo do Rio de Janeiro], Dom Helder Câmara [(1909-1999) religioso católico, arcebispo de Olinda e Recife, destacou-se na luta contra a miséria, na denúncia à exploração humana e na defesa dos direitos humanos] e por Dom [José Vicente] Távora [(1910-1970) primeiro arcebispo de Aracaju] me felicitando pelo gesto histórico de abrir a sindicalização rural no Brasil. Eu quero dizer a vocês que, na véspera, eu recebi pressões enormes. Se fosse no regime presidencialista, não teria passado. A resposta que eu dei foi a seguinte: "vocês são contra, pois então façam uma menção de desconfiança, vão à tribuna no Congresso e digam que são contra  a sindicalização rural. Eu vou na outra tribuna e sustento. Se cair, eu saio gloriosamente, porque não estou aqui para ocupar lugar, estou para realizar uma obra". Um fato concreto é que se iniciou a sindicalização rural no regime parlamentarista.

Augusto Nunes: E por que o povo votou contra o parlamentarismo? [Em1963, o presidente João Goulart promoveu um plebiscito no país. 80% dos votos foram a favor do presidencialismo. A escolha concluiu a breve fase do parlamentarismo, que foi de 1961 a 1963]

André Franco Montoro:  Foi um parlamentarismo casuísta. O presidente tinha sido eleito no outro regime e quiseram modificar o regime. Ele fez uma campanha ampla, aquele parlamentarismo tinha sido realmente introduzido para resolver o expediente. É por isso que eu acho errado usar o parlamentarismo para encurtar o mandato do Sarney. Nós devemos introduzir o parlamentarismo apenas com o futuro presidente da República. O parlamentarismo estimula o partido, é um gerador de programas e não gira mais em torno de vantagens pessoais.

Oliveiros Ferreira: Em 1972, eu era militante do movimento do trabalhador sindical. E, antes da introdução do décimo terceiro salário, que foi uma medida legal dessa época, foi convocada uma greve em São Paulo por todas as lideranças sindicais na Praça da Sé. A polícia paulista reprimiu essa greve no bom e devido estilo presidencialista, mesmo no regime parlamentarista. Não é o regime parlamentarista que vai mudar as coisas, governador, são os homens.

André Franco Montoro: São os homens, mas é claro que o regime contribui.

Melchíades Cunha Júnior: O senhor defendeu o parlamentarismo, mas excluiu um argumento que me parece fundamental. No parlamentarismo, quando o primeiro-ministro é incompetente, corrupto, só faz besteira, ele pode simplesmente ser substituído sem grandes traumas. Ele é chefe do governo, o parlamento o substitui. Já no presidencialismo, a coisa é complicada porque você vai depender do... [impeachment].

José Márcio Mendonça: Ou do golpe de Estado.

Melchíades Cunha Júnior: Ou golpe de Estado.

André Franco Montoro: Não mencionei essa razão porque ela é realmente muito conhecida, não há dúvida que isso é fundamental.  O regime presidencialista é um regime rígido e não há apelação, é um poder imperial que permanece. Qual é a solução? Quando há uma crise, interrompa o regime, intervenção militar. Eu conversei com alguns militares e generais, que disseram que vêem no parlamentarismo um meio de escapar da necessidade de intervenção, a que eles são chamados freqüentemente por provocação dos civis. Qual é a única solução? Uma intervenção militar, o golpe, e por isso nós estamos nessa discussão enorme. No caso do regime parlamentarista, cai o gabinete, o programa continua. O que falta ao Brasil é um programa, não se pode fazer nada a longo prazo. Não há frase mais definidora da inconstância do que aquela dita pelo Delfim [Delfim Netto, ministro da Economia durante o regime militar, entre 1967 e 1974, nos governos de Costa e Silva e Médici, coordenando o período conhecido como milagre econômico. Em 1975, assumiu o Ministério do Planejamento, no governo de João Figueiredo, último presidente militar], "No Brasil não se pode prever uma semana", quer dizer, falta programa. Nós nos preocupamos sempre com a solução no mesmo dia, "empurra-se com a  barriga" e nos faltam planos de longo prazo, de prazo médio. Temos homens de maior competência, mas o que falta é um programa que a sociedade aceite. O que o parlamentarismo tem de válido é isso: é um programa que vai ser debatido no parlamento, por representantes de todos os setores da sociedade que lá estarão presentes, como a imprensa, o rádio, a televisão. E se faz um programa para o Brasil. E aquele programa continua até que haja um novo governo que, se modificado o programa, vai modificar em um ou outro ponto. É o que eu vi ainda agora em todos os países da Europa que passam por crises, mas há um programa que segue. Nós substituímos a política personalista, caudilhesca, porque é por isso que eu digo que não tenho medo de caudilhismo...O Brasil amadureceu muito, não vai se salvo por um homem, ele vai ser salvo pela própria nação, pelo próprio povo brasileiro organizado, consciente, participante. Por isso, nós precisamos de um regime de transparência, como é o parlamentarismo, e não um regime que oculta e fecha a portas, como é o presidencialista.

José Carlos Bardawil: Queria esclarecer aqui que, ao contrário da maioria dos colegas aqui, não prefiro o presidencialismo, prefiro o parlamentarismo, é o regime melhor. Minha dúvida é a seguinte: como os senhores conseguirão passar o parlamentarismo? O senhor não respondeu essa pergunta, não disse ainda qual é a estratégia que o grupo parlamentarista tem para conseguir vencer essa votação, que é tão importante para o destino do país.

André Franco Montoro: Eu acho a pergunta muito importante. Nós já tivemos reuniões em Brasília para planejar uma campanha de esclarecimento. Peço a vocês, jornalistas, que escrevam sobre isso, debatam...Essa matéria deve ser debatida e pode representar para todos nós uma oportunidade de modificação. Se ganharmos, melhor. Por enquanto, é  o texto constitucional. A educação política será muito melhor. Hoje, quem quebra os partidos é o presidencialismo, porque o deputado se entende com o presidente, com o governador, com o prefeito, com o executivo e quebra o partido. No parlamentarismo, isso não acontece. Se hoje os partidos não ligam para os programas, no parlamentarismo eles vão ligar.

Jorge Escosteguy: Governador, o senhor falou que estava conversando com generais. O senhor não é o primeiro político que diz que "estava conversando com o general e não sei o quê...". Primeiro, com que generais o senhor conversa? Ainda é preciso, no estágio do processo democrático brasileiro, conversar com generais? O senhor defendia o parlamentarismo e eu não conheço regimes parlamentaristas na Europa que tenham que conversar com generais para se manter.

André Franco Montoro: Não há nenhum mistério, nem vamos complicar as coisas. O general, como qualquer militar, é um cidadão brasileiro. Converso com eles como cidadãos brasileiros e não por outras razões.

Jorge Escosteguy: Mas o senhor não disse que conversava com políticos, bancários ou economistas...       

André Franco Montoro: Eu falei com empresários, professores, generais. São cidadãos brasileiros.

Jorge Escosteguy: O senhor acha que ainda é preciso conversar com generais para passar o processo de transição no Brasil?

André Franco Montoro: Não, mas não faz mal...

Izalco Sardenberg: Governador, o senhor fez uma defesa do parlamentarismo e disse também que falta o programa. Vou falar de um assunto que ainda não foi mencionado, que é a questão inflacionária. Ela está de volta, os índices de preço do governo estão crescendo. Em janeiro, foi 16% [de inflação]. Vamos supor que estivéssemos no regime parlamentar e o PMDB estivesse no poder. Que programa teria esse partido para combater a inflação? Aliás, várias pessoas do partido dos senhores fizeram o Plano Cruzado e não conseguiram resolver a questão da inflação.

André Franco Montoro: Bom, em primeiro lugar, é a moralidade, o espírito público, a aplicação dos recursos em obras necessárias. Durante os quatro anos do meu governo, o que se fez com a redução de despesas públicas? O orçamento está aqui!  [mostra o documento para a câmera] No primeiro ano, o déficit orçamentário era de 9,7%, eram trilhões de cruzeiros. No ano seguinte, já foi 3,7%. No terceiro ano, passou para 1,4%, chegando a 0,5% no último ano. Quer dizer, zerei o déficit público. Então, essa é uma medida. A outra [medida] é a austeridade.

José Carlos Bardawil: A austeridade significa cortar, demitir. O senhor teria coragem  de demitir?

André Franco Montoro: Não precisa, é preciso não nomear. Eu, por exemplo, durante os meus quatro anos...

Antonio Carlos Ferreira: [interrompendo] O senhor faria uma moratória da dívida pública interna do país, que pesa muito?

André Franco Montoro: Há um dispositivo na Constituição que permite que se nomeie funcionário sem concurso, durante dois anos. Depois, há uma renovação, etc.  Eu não abri uma exceção, foi por isso que houve essa diminuição. A outra é a aplicação dos recursos públicos em prioridades sociais, como alimentação, habitação, educação e saúde. Outro ponto é a descentralização. É um escândalo o que acontece com os fundos nacionais. Eu tenho alguns estudos de certos fundos nacionais, em que se verifica que, da verba apresentada, votada, destinada a determinado objetivo, 90% fica na burocracia, porque é tudo centralizado. A descentralização torna muito mais barato. Com as escolas, fazíamos um convênio com o prefeito. Com o preço de uma escola, fazíamos duas. Fica muito mais barato porque a população está presente. A descentralização faz com que a população fiscalize e torne a execução mais barata.

José Márcio Mendonça: Governador, sobre a austeridade, o senhor falou que não houve contratações no seu governo. Mas, no início do governo do seu sucessor, houve uma briga com o funcionalismo público quanto à questão do aumento. Ele alegava que não podia dar um aumento maior aos funcionários, porque só com esse aumento ele estaria comprometendo praticamente toda a receita de ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], ou seja, a folha do funcionalismo de São Paulo era imensa.

André Franco Montoro: É verdade. Não há contradição, é por causa da inflação.

José Márcio Mendonça: Mas a inflação também puxa as receitas. 

André Franco Montoro: A inflação correspondeu também a uma redução dos investimentos e nos impostos. O fato objetivo é que a arrecadação não cresceu.

Kleber de Almeida: Governador, o regime parlamentar que o senhor espera que se instale no Brasil terá poder para derrubar um ministro militar?

André Franco Montoro: Pelo meu sistema, por aquilo que eu imagino, haveria um Ministério da Defesa Nacional exercido por um civil. Pelo projeto da Constituição, o presidente da República tem grandes poderes, ao contrário do que muitos pensam. Um deles é que, além de ser o chefe do Estado, é o comandante das Forças Armadas. Cabe a ele essa função. É um sistema concebido de acordo com a nossa realidade.

Jorge Escosteguy: O senhor, que conversa com generais, sabe que o general Leônidas [Pires Gonçalves, ex-ministro do Exército] não gosta do Ministério da Defesa...

Antonio Carlos Ferreira: Sobre a questão do Ministério da Defesa, acho que isso não resolve o problema, vai virar um problema formal. O senhor vai criar um Ministério da Defesa que não vai ter a menor importância e o cargo de ministro, aquele militar que dá as suas opiniões, deixa de ser o ministro do Exército e passa a ser o chefe do estado-maior [do Exército]. É assim na Argentina. Ninguém ouve o ministro da Defesa, todo mundo ia ouvir o chefe do estado-maior do Exército, é ele que manda. Quer dizer, criar o Ministério da Defesa não resolve as relações entre civis e militares do país

Augusto Nunes: O senhor pode falar sobre o general Leônidas e sobre a questão teórica levantada pelo Tonico.

André Franco Montoro: Essa questão do Ministério da Defesa - você pode não concordar - pode dar certo em um lugar, mas não dar em outro. Na maioria dos países parlamentaristas é assim que se procede. Em geral, o ministro da Defesa é um civil, que integra o gabinete, que integra o ministério. Eu quero dizer que o projeto número um de Brasília, apresentado por mim, criava o "Ministério da Defesa Nacional". E era, nesse tempo, o projeto Escola Superior de Guerra, depois houve divergência. Eu não sei se o general Leônidas é favorável ou não, eu respeito o ponto de vista dele, eu não estou impondo meu ponto de vista. Estou dizendo qual é o meu pensamento e qual é a solução na maioria dos regimes parlamentares.

Kleber de Almeida: O senhor disse que teria que ser assim devido à realidade do Brasil. Que realidade é essa que o senhor está dizendo e que une ministros militares e o presidente?

André Franco Montoro: Isso não! Não cabe aqui a gente discutir problema militar. Essa solução dada me pareceu boa: dá ao presidente da República a posição de chefe de estado-maior e de comandante das Forças Armadas. 

Jorge Escosteguy: Ele já não tem essa função de comandante das Forças Armadas?

André Franco Montoro: Pois é, mas não fica com o primeiro-ministro...

[sobreposição de vozes]

José Carlos Bardawil: Governador, voltemos às candidaturas presidenciais. Há uma candidatura dentro do seu próprio partido que é a do Ulysses Guimarães. Como o senhor vê essa candidatura? É natural mesmo?

Jorge Escosteguy: Já temos dois candidatos do PMDB: o senhor e o doutor Ulysses.

André Franco Montoro: Pois é, os dois paulistas e os dois naturais.

André Franco Montoro: Sim, os dois naturais. Eu fui governador do estado de São Paulo...

Augusto Nunes: O senhor não respondeu sobre o doutor Ulysses.

André Franco Montoro: Se Ulysses for candidato, terá meu voto. Não tenho dúvida nenhuma

José Carlos Bardawil: Se ele for?

André Franco Montoro: É claro, é evidente.

José Carlos Bardawil: O senhor não disputa a convenção com ele?

André Franco Montoro: Há candidatos possíveis. Eu acho que o Fernando Henrique Cardoso pode ser candidato, o José Richa é lembrado como candidato, o Covas é candidato possível...

José Carlos Bardawil: O senhor é candidato?

André Franco Montoro: Sou um candidato possível, assim como o Ulysses, o José Richa e o Fernando Henrique.

José Carlos Bardawil: Enfrentaria o doutor Ulysses na convenção?

André Franco Montoro: Você acha que isso é pecado?

[risos]

Izalco Sardenberg: O senhor fez uma defesa enfática das eleições para presidente em 1988. Existe uma outra tese, que tem vários adeptos também, de que as eleições deveriam ser gerais agora em 1988. O que o senhor acha dessa tese?

André Franco Montoro: Eu acho que seria normal, mas não acho viável.

Izalco Sardenberg: Por que não?

André Franco Montoro: Os senadores foram eleitos por oito anos agora, os governadores acabam de ser eleitos, os deputados  foram eleitos pelo voto direto. Essa sugestão é válida, mas com freqüência ainda é apresentada como uma espécie de revide quando se fala em eleição do presidente da República.

Oliveiros Ferreira: O revide é do general Leônidas.

André Franco Montoro: Exato, então essa tese do revide é que a situação é totalmente diferente porque os demais foram eleitos pelo voto direto e aí deu-se uma eleição indireta em que a expectativa era de que realmente o prazo fosse de quatro anos. 

Oliveiros Ferreira: O senhor não acha que seria conveniente para a estabilidade institucional  que, eleito o presidente da República em 1988, no regime parlamentarista, ele tivesse um parlamento novo que comungasse com suas idéias? Não seria melhor isso para a estabilidade institucional?

André Franco Montoro: Seria melhor, eu acho que seria melhor. 

Melchíades Cunha Júnior:  Governador, o que se sabe é que teremos eleições, até agora, só para prefeito. O senhor cogitou a possibilidade de se candidatar à prefeitura de São Paulo?

André Franco Montoro: Eu leio isso nos jornais, mas não tem nenhum fundamento.

Melchíades Cunha Júnior: Tem um candidato que o senhor gostaria de ver no lugar do Jânio?

André Franco Montoro: Há vários...

Melchíades Cunha Júnior: O senhor não responde, né? O senhor não tem um candidato? Eu tenho, todos nós aqui temos...

André Franco Montoro: Sua pergunta é a resposta: in pectoris e não in vox!

[risos]

Augusto Nunes: Governador Montoro, nós estamos nos minutos finais do programa. O senhor não respondeu duas perguntas que foram formuladas por vários telespectadores. Por que o senhor acabou com a Rota? E outros perguntam por que o senhor não acabou com os marajás no seu governo em São Paulo?  

André Franco Montoro: Primeiro, eu não acabei com a Rota.

Augusto Nunes: O senhor tirou a Rota das ruas.

André Franco Montoro: Não, nós aperfeiçoamos o sistema, estabelecemos as patrulhas rodoviárias, as patrulhas móveis, aquelas peruas que funcionavam como postos policiais móveis e é inegável a melhoria da polícia durante o nosso governo. Quanto aos marajás, eu lutei contra eles. Hoje há uma crítica a respeito por causa de um despacho que houve num processo. Eu até mandei verificar o que existe a respeito e a informação que tenho é a seguinte: o secretário da Fazenda informava que o governo estava sendo condenado a pagar diferenças a funcionários e além de pagar a diferença, pagar a despesa, os honorários do advogado e a despesa de cartório. E eram centenas de casos que iam se multiplicar, eu achava melhor então que se evitasse a ação e que se determinasse o pagamento da forma...da decisão uniforme já confirmada pelo Supremo Tribunal Federal. E o despacho foi dado nesse sentido. Isso não tem nada a ver com os marajás.O problema dos marajás decorre de um artigo da Constituição, mal interpretado, que diz que para todos os efeitos, será calculado...[não termina a citação] Aí, a Justiça tem feito aumentos multiplicativos e que chegam a esses resultados. Mas isso é uma decisão da Justiça, não tem nada a ver com as decisões tomadas durante o meu governo.        

Antonio  Carlos Ferreira: Governador, antes de terminar, gostaria de deixar claro que a maioria da nossa bancada é meio parlamentarista, tem até um monarquista parlamentarista! O Bardawill disse que a maioria dos jornalistas aqui era presidencialista, mas ele agiu errado. Fizemos uma consulta aqui...O que nós contestamos, só para o senhor entender, são as questões formais do processo e sua viabilidade no país.

André Franco Montoro:  Eu acho muito boa a sua informação, porque é difícil, mas é uma tarefa que eu me proponho a desenvolver junto com os outros parlamentaristas, junto com a Ordem dos Advogados do Brasil [OAB], que também pensa nesse sentido. Já estamos providenciado debates em faculdades, criando uma consciência nacional sobre todas as vantagens do parlamentarismo, mas com respeito à posição presidencialista, que nos parece perfeitamente válida.

Jorge Escosteguy: O senhor  não é o primeiro a cometer esse ato falho de se referir ao PMDB como MDB [Movimento Democrático Brasileiro]. No começo do programa, fez um discurso que lembrou o discurso do MDB de 1978, no sentido das conquistas que devem ser feitas no plano político do Brasil. O senhor acha que o PMDB pagou um preço muito caro nessa transição democrática? Ou seja, o senhor acha que teve um preço alto a filiação do presidente José Sarney ao PMDB, por exemplo?

André Franco Montoro: Acho que isso tem fundamento. Nós falamos realmente em reerguer a bandeira do velho MDB, porque é na democracia que está o caminho, mas uma democracia que deve ser autêntica, ligada ao povo e que atenda às necessidades da população. Caracterizo isso com duas palavras: descentralização e a participação. Economicamente, o Brasil tem dado certo em muita coisa. O grande mal do Brasil é a desigualdade social. Temos quarenta milhões de famintos. Como resolver isso? Não é através de solução paternalista, é preciso descentralizar, ir nas bases, estimular a produção de alimentos e o desenvolvimento de  atividades que representem a essência da democracia.

Jorge Escosteguy: O senhor não respondeu se o PMDB pagou um preço caro ou não por essa transição e não chegou onde queria chegar.

André Franco Montoro: Pagou, pagou um preço caro, tanto que está dividido e com muito constrangimento. Nós iniciamos a fundação do movimento, uma corrente, que é uma divisão. O nosso PMDB é aquele que pretende afirmar aquelas bandeiras que vieram...É por isso eu falo muito mais em MDB do que PMDB, sem que seja intencional.              

Augusto Nunes: Governador Franco Montoro, nós estamos há mais de duas horas no ar. Nossos agradecimentos ao senhor por ter comparecido aqui no Roda Viva, nossos agradecimentos aos entrevistadores. O programa Roda Viva volta na próxima segunda-feira. Boa noite. 

Montoro, que foi também professor, deputado e ministro, faleceu  em 16 de julho de 1999, aos 83 anos, por parada cardíaca em decorrrência de infarto ocorrido dois dias antes - dia de seu aniversário - quando estava no aeroporto de Guarulhos (SP) embarcando para o México onde iria participar de um congresso e defender a restrição aos fluxos de capitais especulativos. Em 2001, por decreto presidencial, o aeroporto passou a se chamar "Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro".

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