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Memória Roda Viva

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Luiz Antônio Fleury Filho

19/11/1990

Então candidato ao governo do estado de São Paulo, Fleury apresenta algumas de suas propostas e faz críticas ao adversário Paulo Maluf e à política econômica do governo Collor

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Rodolfo Konder: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. O convidado desta noite é o candidato ao governo de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho. A Fundação Padre Anchieta, a que pertence a TV Cultura, é um entidade de direito privado, independente e imparcial. Com relação ao Roda Viva de hoje, agimos com a mesma isenção de sempre. Convidamos os dois candidatos que disputam o governo de São Paulo no segundo turno. No caso do candidato do PDS [Partido Democrático Social, extinto em 1993], Paulo Maluf, enviamos três convites. Ele respondeu negativamente ao terceiro, depois de ignorar os anteriores. Eu vou ler a carta de resposta do senhor Paulo Maluf, que nos foi enviada pelo seu assessor Carlos Tavares: “Com a proximidade da realização da eleição para governador no próximo dia 25, é impossível agendar a participação do candidato Paulo Maluf no programa Roda Viva. Declinamos honroso convite dessa emissora para a citada programação”. Quanto à acusação de que isso aqui é um programa armado e de que os jornalistas participantes fazem parte dessa armação - acusação feita hoje, no horário eleitoral, pelo senhor Paulo Maluf - eu quero, em nome de todos os jornalistas que já passaram por aqui, pessoas destacadas pela sua probidade moral e profissional, repelir essa calúnia do candidato do PDS. A TV Cultura agiu como age sempre: dentro da lei e da ética. O candidato do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], Luiz Antônio Fleury Filho, aceitou o convite e por isso está aqui. Para entrevistá-lo, estão conosco: Luciano Martins, colunista do jornal O Estado de S. Paulo; José Eduardo Faria, articulista político do Jornal da Tarde; Alberto Helena Júnior, diretor da Rádio Gazeta; Roberto Müller Filho, vice-presidente da Gazeta Mercantil; Ricardo Kotscho, repórter especial do Jornal do Brasil; Marcelo Beraba, editor de política da Folha de S.Paulo e José Bardawil, editor político da revista Isto é. Luiz Antônio Fleury Filho nasceu em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e tem 42 anos. Aos 13, veio para São Paulo e trabalhou no Ceagesp [Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo]. Mais tarde, ingressou na Polícia Militar. Já oficial da PM, conclui o curso de direito. Em 1973, entrou para a Promotoria Pública e trabalhou por sete anos no interior. De volta à São Paulo, assumiu a Promotoria da Vara do Júri por duas vezes e presidiu a Associação Paulista dos Promotores. Logo depois, chegou à presidência da Confederação Nacional do Ministério Público. Em 1986, assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Candidato a governador, Fleury recebeu 3.803.159 de votos no primeiro turno das eleições. Agora, no segundo turno, disputa a vaga do Palácio dos Bandeirantes com seu concorrente Paulo Maluf. Boa noite, doutor Fleury.

Luiz Antônio Fleury Filho: Boa noite, é uma satisfação estar no Roda Viva.

Rodolfo Konder: Muito obrigado. Estamos aí diante de toda essa polêmica. Gostaria que o senhor dissesse aos nossos telespectadores de vários estados o que está acontecendo. Por que o debate foi suspenso e qual é a razão dessas acusações todas do seu adversário no segundo turno? [Na ocasião, o único debate dos candidatos transmitido pela televisão seria realizado no dia 18 de novembro, mas foi cancelado]

Luiz Antônio Fleury Filho: Em primeiro lugar, eu gostaria de fazer duas observações. Hoje, para todos nós, paulistas e brasileiros, é um dia triste, por causa do falecimento de um companheiro, o ex-deputado federal, jornalista e ex-vice-prefeito de São Paulo, José de Freitas Nobre [1921-1990]. Eu quero fazer essa observação pelo respeito que tenho a esse homem, que tanto lutou pela democracia no nosso país. Gostaria de dizer também que já participei deste programa por duas vezes - hoje é a terceira - e sempre encontrei um ambiente de respeito, onde todos os jornalistas tiveram a oportunidade de fazer suas perguntas com absoluta independência, imparcialidade e, portanto, eu só encaro essas manifestações do meu adversário como um gesto de absoluto desespero. Quero esclarecer que esta emissora pertence à Fundação, que é privada. Durante o atual governo, como no anterior, a independência desta emissora sempre foi respeitada, como será respeitada no meu governo. Talvez, o meu adversário esteja confundindo a época em que ele foi governador e que interferia inclusive na parte de jornalismo, impedindo que houvesse uma manifestação isenta por parte dos profissionais desta casa. Portanto, eu repilo todos esses tipos de agressões que foram feitas e lamento que o nível tenha caído a esse ponto no horário eleitoral gratuito. Quanto ao debate, ele não ocorreu por um desentendimento que surgiu entre as emissoras promotoras. Nós estamos com a documentação, mostrando que o primeiro a propor o debate no segundo turno fui eu. Mandei o documento ao meu adversário, propondo a realização no período de 18 a 22 de novembro. Depois de muita negociação, ficou certo para o dia 18. As emissoras concordaram, foi lavrado um protocolo, mas surgiu uma divergência em relação à transferência ou não do horário eleitoral gratuito. Em razão dessa divergência, algumas emissoras se retiraram do pool [união de emissoras para a transmissão de eventos ou programas ao vivo]. E, ontem ao meio-dia, eu recebi uma comunicação da direção da TV Bandeirantes, que ia sediar o debate, de que o mesmo estava prejudicado pela saída de três emissoras: Rede Record, TV Globo e TV Manchete. Diante disso, o debate foi cancelado. Agora, o que está acontecendo é que o meu adversário está querendo fazer disso um fato político. Está querendo se aproveitar do momento para tentar, mais uma vez, passar uma imagem à população que não corresponde à verdade. Não houve nenhum tipo de armação, não houve absolutamente nada. Eu estou pronto para debater em qualquer momento com meu adversário ou com quem quiser. Nunca fugi do debate! No primeiro turno, ele teve duas oportunidades de debater comigo e não compareceu. E, agora, o debate foi inviabilizado por uma decisão das emissoras. Nós não tivemos absolutamente nada a ver com isso e lamentamos. Eu estava absolutamente preparado para esse debate.

Marcelo Beraba: Mas, pelo menos, uma grande rede se dispunha a fazer o debate, que era o SBT [Sistema Brasileiro de Televisão].  A emissora manteve o convite para o debate, pelo que os jornais publicaram.

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu só tive contato com o SBT por volta das 18h45 de ontem, portanto...Não é tão simples assim, nós tínhamos que discutir as regras. Na verdade, sabemos muito bem que as regras foram estabelecidas para sete blocos com sete apresentadores diferentes. E, em se tratando do meu adversário, temos que discutir a regra, colocá-la no papel. Mesmo assim, ele não cumpre.

Luciano Martins: Antes de fazer a pergunta, queria me referir ao programa eleitoral do PDS e lançar o meu repúdio à declaração do senhor Paulo Maluf, quando ele disse que os jornalistas aqui presentes estão de combinação e que as perguntas foram previamente combinadas. Quero lembrar ao senhor Paulo Maluf que eu jamais participaria de uma maracutaia dessa espécie. O senhor Paulo Maluf deve saber muito bem, porque, há dez anos, convidou uns jornalistas para viagens internacionais com altas mordomias. Alguns aceitaram, mas eu não aceitei. Queria também, de uma forma serena, pedir a ele que, se por acaso se candidatar a alguma outra coisa, não deixe que sua ansiedade pelo poder atinja a dignidade de profissionais que estão apenas tentando informar bem a opinião pública. Agora, vamos à pergunta ao candidato Fleury. Se eventualmente o senhor for eleito governador de São Paulo e se defrontar com um escândalo financeiro em uma instituição estatal, como um banco cujos diretores estejam sob suspeição de favorecimento ou de se beneficiarem de operações fraudulentas, qual seria sua primeira atitude?

Luiz Antônio Fleury Filho: A primeira atitude seria afastá-lo de imediato e instaurar um inquérito policial, acompanhado por um oficial de justiça. E, se esse inquérito concluísse pela participação, por mínima que fosse, o diretor seria demitido imediatamente.

Roberto Müller Filho: Doutor Fleury, eu não vou tomar o tempo dos telespectadores respondendo a essas insinuações que seu adversário teria feito, porque tenho quase cinqüenta anos de vida honrada, filhos e, pelo que me conhecem, não preciso responder. Sou digno do meu trabalho e tenho muito orgulho disso. É a primeira vez que eu ouço uma coisa desse tipo. Isso me constrange muito, me entristece muito. Mas...estou aqui para perguntar! Doutor Fleury, se for eleito, o senhor fará um governo de São Paulo opositor ao Collor?

Luiz Antônio Fleury Filho: Veja, essa pergunta é muito importante, inclusive para esclarecer alguns pontos. Na verdade, o governo do estado em si não é de situação nem de oposição. Agora, a posição do governador deve ser uma posição política. Pertenço a um partido que não é o partido do presidente. De um lado, critico alguns aspectos do governo federal, como a questão do combate à inflação da forma como está sendo feita, a recessão que ele já está impondo a todos nós, a questão salarial que está sendo colocada de uma forma que não me parece a mais correta, a questão da agricultura. Por outro lado, eu me preocupo com o outro aspecto, que é o da governabilidade. Eu pretendo governar São Paulo sem nenhum tipo de preconceito e ter um relacionamento absolutamente correto e favorável à população, mesmo com os prefeitos que não são do meu partido. Mas, nada impede que eu tenha um relacionamento de divergência da linha política do presidente da República. Isso não significa que eu vou colocar o peso político no estado de São Paulo para impedir que o governo federal tenha sucesso. Todos nós queremos que o governo federal tenha o maior sucesso, que dê certo, que o plano econômico funcione. Agora, vou ser contrário a tudo aquilo que contraria os interesses de São Paulo.

Marcelo Beraba: Eu queria voltar na questão do debate, porque o cancelamento resultou em uma certa frustração para os que querem um momento de debate entre os candidatos. A explicação do senhor peca em alguns momentos...Por exemplo, o SBT manteve a proposta do debate, mas o PMDB custou a encaminhar a concordância em transferir o horário eleitoral gratuito ao TRE [Tribunal Superior Eleitoral], o que era uma das exigências para que o debate ocorresse.

Luiz Antônio Fleury Filho: Foi exigência de duas emissoras, mas duas outras discordaram. Foi aí que surgiu o problema.

Marcelo Beraba: Mas era um pedido possível de ser atendido se realmente o debate fosse desejado. O Paulo Maluf passou a semana explicitando a vontade de participar do debate e deixando claro que o debate o interessava. Nós não encontramos da sua parte o mesmo desejo explicitado. E faz parte da história das eleições recentes os candidatos que estão na frente acharem que não se ganha nada com debates. Portanto, isso tudo recai sobre a sua postura nesse cancelamento...

Luiz Antônio Fleury Filho: [interrompendo] Eu repilo isso veementemente...Terminou? Foi um arrazoado [alegação] e não uma pergunta. Mas, de qualquer forma, quero deixar bem claro que eu, em momento algum, me neguei a debater com o senhor Paulo Maluf ou com qualquer outro candidato. No primeiro turno, eu compareci a todos os debates que foram marcados. Ele não compareceu. Agora, no segundo turno, tomei a iniciativa do debate. Se eu não fiz "carnaval", é porque meu estilo é diferente. Sou um homem mais contido e procuro simplesmente demonstrar com atitudes a seriedade daquilo que faço e penso. Agora, vamos apreciar bem e ver a quem interessava e a quem não interessava o debate. Na verdade, o meu adversário procurou criar um "clima" durante toda a semana, o que levou à conclusão de que ele desejava o debate desesperadamente. Será que era bem isso? É uma coisa que a gente precisa analisar com muita calma. Será que não interessava a ele exatamente o contrário, ou seja, criar o "clima" e, depois, com a exigência da mudança do horário gratuito...A quem interessaria isso? É uma pergunta! Agora, o pior disso tudo é pensar que o nosso adversário, na verdade, atacou toda a imprensa de São Paulo. Ele disse, com todas as letras, que havia uma armação com as emissoras de televisão, coisa que não houve, porque eu não permitiria isso. Agora, que armação? Que história é essa? Ele investiu contra a imprensa dizendo que era publicidade do governo, que tudo isso estaria arranjado. Gente, o que houve foi um desentendimento entre quatro redes de televisão. Até o último momento eu aguardei uma comunicação oficial. A comunicação do cancelamento veio ao meio-dia de ontem. Nós queríamos realmente que o debate tivesse mais público, que fosse democrático. Naquele momento, se atendêssemos o pedido de uma emissora [SBT], quebraríamos tudo aquilo que havíamos pregado durante todo o tempo. Além disso, havia um outro problema prático: definição das regras. Meu adversário está anunciando aos quatro ventos que vai apresentar dossiês pessoais, até mesmo do meu pai, que é um homem de 74 anos, com mal de Parkinson [doença degenerativa progressiva do sistema nervoso central que acomete, normalmente, pessoas acima de sessenta anos], que se encontra em uma cadeira de rodas. Era isso que ele queria mostrar no debate? Ora! Se nós não estabelecermos regras e punições...Debater com meu adversário tem que ser nessa base. Estou disposto a debater com ele, mas com regras definidas. Realmente, não se pode confiar na palavra dele.

José Carlos Bardawil: Doutor Fleury, a principal argumentação que o Paulo Maluf usou hoje foi que o senhor não passaria de um instrumento político do governador Orestes Quércia. Se houvesse esse debate, qual seria a sua resposta?

Luiz Antônio Fleury Filho: Minha resposta seria a seguinte: quem tem 3,8 milhões de votos não é instrumento político de ninguém. Eu respeito e sou amigo pessoal do governador Orestes Quércia, é um grande líder político, me honro de receber seu apoio. Mas, não há dúvida de que tenho personalidade própria, minha personalidade política e, de forma alguma, me emprestaria a qualquer...

José Carlos Bardawil: [interrompendo] No que o senhor diria que difere do governador Quércia?

Luiz Antônio Fleury Filho: Até na formação de vida! O Quércia é um homem que teve vários cargos, fez uma carreira política brilhante, enquanto eu estou disputando minha primeira eleição. Nós temos uma formação de vida diferente. Isso já mostra e marca a diferença entre nós dois.

Ricardo Kotscho: Antes de fazer minha pergunta, queria dizer que venho a este programa desde seu início e jamais alguém teve coragem de me convidar para participar de uma farsa, de me entregar uma pergunta combinada. Ele deveria respeitar mais os jornalistas, as pessoas, os telespectadores desse programa! Doutor Fleury, gostaria de saber onde o senhor estava, o que fazia e o que pensava sobre os episódios graves da vida brasileira: golpe militar de 1964; AI-5 em 1968; Diretas Já em 1984; eleições presidenciais de 1989. De que lado o senhor ficou no segundo turno das eleições?

Luiz Antônio Fleury Filho: Pois não. Em 1964, eu tinha 14 anos, era aluno da Escola dos Oficiais da Polícia Militar. Em 1968...

Ricardo Kotscho: [interrompendo] Quero saber o seu pensamento político sobre 1964.

Luiz Antônio Fleury Filho: Na verdade, fui amadurecendo politicamente a partir do momento em que tive acesso à faculdade. Em 1964, eu tinha 14 anos, portanto a minha formação política era limitada, era um menino que tinha saído do interior, feito um concurso e sido aprovado para estudar. Naquela época, meu pai não tinha mais condições de me manter financeiramente. Eu não tinha, realmente, uma formação política que me permitisse verificar o que estava acontecendo. Em 1968, eu estava ingressando no curso de direito e tinha me formado oficial da PM. Naquele momento, eu começava a ter um contato maior com a realidade. Eu tinha as informações que todos os brasileiros tinham. Elas eram extremamente compartimentadas, não nos davam a noção exata da realidade, do que estava havendo no país e o que significava o AI-5. Depois, ao ingressar no Ministério Público em 1973, passei a ter um contato e uma atividade política maior. Na Diretas Já, eu estava no palanque e me orgulho muito disso. A Associação Paulista do Ministério Público e a Confederação Nacional do Ministério Público, as quais eu presidia, se posicionaram e apresentaram uma moção ao governador de São Paulo, André Franco Montoro [(1916-1999) senador e governador do estado de São Paulo. Destacou-se na luta pela redemocratização do Brasil pós-ditadura militar, atuando fortemente na campanha pelas eleições diretas para a Presidência. Foi eleito governador do estado, em 1982, na primeira eleição direta para o cargo desde 1965, com 5,5 milhões de votos. Ver entrevista com Montoro no Roda Viva]. Quanto à eleição presidencial, fiquei do lado do meu candidato Ulysses Guimarães, no primeiro turno. No segundo turno, não assumi nenhuma posição, porque eu exercia um cargo público que não me permitia externar minha posição política. Como meu candidato não estava no segundo turno, eu me abstive de qualquer pronunciamento.

Alberto Helena Júnior: Não participar desse debate tirou um peso de cima de você?

Luiz Antônio Fleury Filho: Ao contrário.

Alberto Helena Junior: Ao contrário?

Luiz Antônio Fleury Filho: Ao contrário. Olha, fui promotor do [Tribunal do] Júri durante cinco anos. Meus amigos sabem que eu sou um homem que gosta do debate, do desafio do debate. Eu sempre procurei participar de todos os debates para os quais  fui convidado, independentemente da minha posição nas pesquisas. Isso jamais me preocupou. Sinto uma frustração muito grande de não ter participado do debate e de não ter demonstrado que o programa de governo do meu adversário não diz absolutamente nada, que ele não fez nada disso quando foi governador. Eu nunca me preparei tanto para um debate como desta vez! Se os telespectadores e eleitores estão frustrados, a maior frustração é a minha, porque era a oportunidade de desmascarar, de uma vez por todas, o meu adversário.

José Eduardo Faria: Existe uma tradição na política brasileira de que nenhum governador ama seu antecessor. Essa tradição é válida? Qual é o seu limite moral, em termos de amizade, com o governador Quércia?

Luiz Antônio Fleury Filho: Veja, eu tenho um relacionamento pessoal, de amizade com o governador Quércia. É um relacionamento que muito me orgulha, somos amigos pessoais. A minha esposa é amiga da doutora Alaíde, esposa do governador, temos um relacionamento de amizade muito grande e me orgulho disso. Também me orgulho do apoio político que ele me traz, que é muito importante para a minha candidatura. Ele significa uma liderança dentro do nosso estado e do nosso país. Agora, isso faz com que minha responsabilidade seja ainda maior, porque sucedê-lo vai implicar em fazer um governo voltado para o atendimento das necessidades sociais. Vou suceder um governo que está, hoje, com 64% de aprovação entre bom e ótimo, segundo as pesquisas. Então, é uma responsabilidade muito grande.

Rodolfo Konder: Nós temos agora várias perguntas dos telespectadores. Armando Cicone, de Vila Formosa, em São Paulo, pergunta: “Qual é sua opinião sobre a criação de tribunais de Justiça regionais?".

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu sou favorável à descentralização da Justiça. Inclusive, nós temos uma proposta para levar ao poder judiciário: que tenhamos, não tribunais de Justiça, mas tribunais de Alçada [extinto em 2005, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo dava suporte ao Tribunal de Justiça, julgando casos em segunda instância] que estejam instalados nas principais regiões do estado. Mas, o mais importante é que tenhamos a descentralização da Justiça em primeira instância. O juiz tem que estar mais próximo da população. Eu pretendo implantar em São Paulo, com o apoio do poder judiciário, um Juizado de Pequenas Causas [transformou-se posteriormente em Juizado Especial Cível], para ações cíveis e criminais. O que a gente sente hoje é um distanciamento muito grande da Justiça em relação ao cidadão.

Rodolfo Konder: Maria Aparecida de Lima, de São Bernardo do Campo, pergunta: “Caso o senhor seja eleito, os professores que prestaram concurso e passaram vão assumir seus cargos?”.

Luiz Antônio Fleury Filho: Sem dúvida, nós precisamos de professores! Embora tenhamos 202 mil professores no estado de São Paulo, ainda temos carência para completar as necessidades do nosso ensino. E, como educação será a minha prioridade de governo, vamos precisar da contratação de professores.

Rodolfo Konder: Waldemar Barbosa, de São Paulo, pergunta: “Se o senhor for eleito, qual é a previsão para a inauguração da estação José Bonifácio, da Linha Leste-Oeste do metrô [o nome mudou posteriormente para: Linha Vermelha do Metrô São Paulo]?

Luiz Antônio Fleury Filho: A Linha Leste-Oeste está em andamento para levar o metrô até Guaianases. Estive visitando as obras da estação e elas estão bem aceleradas. Acredito que, até meados do próximo ano, teremos condições de levar o metrô até a estação José Bonifácio.

Rodolfo Konder: Darfiniz Melo, de Pindamonhangaba, diz o seguinte: “O Artigo 21 das Disposições Constitucionais Transitórias diz que se deve proceder a revisão dos proventos e pensões devidos aos servidores inativos e pensionistas”. Ele pergunta se o senhor irá cumprir isso, que deveria já estar em vigor desde 5 de abril de 1989.

Luiz Antônio Fleury Filho: Sem dúvida alguma, esse dispositivo diz que o reajuste dos servidores inativos acompanha o reajuste dos servidores que estão na ativa. É um preceito constitucional, não há o que discutir.

Rodolfo Konder: Maria Cecília Guimarães, de Perdizes, São Paulo, e Carlos Eduardo de Assunção, do Itaim Bibi, também São Paulo, perguntam: "O que o senhor comentaria sobre as acusações contra o PT [Partido dos Trabalhadores] por ocasião do seqüestro do empresário Abílio Diniz?".

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu já dei uma série de esclarecimentos a respeito desse assunto. Mais uma vez, eu tenho a oportunidade de esclarecê-lo. Na verdade, em momento algum, eu acusei o Partido dos Trabalhadores de ter participado do seqüestro do empresário Abílio Diniz [da rede Pão de Açúcar - foi sequestrado em 11 de dezembro de 1989. O cativeiro foi encontrado uma semana depois e os sequestradores, presos. Eles pertenciam ao Movimento de Esquerda Revolucionária, do Chile]. Ao contrário, os seqüestradores procuraram, desde o início, não dar uma conotação política ao caso, afirmando que eram bandidos comuns. Ocorre que foi encontrado um material de propaganda do candidato do PT a presidente da República [refere-se à Luiz Inácio Lula da Silva] com os seqüestradores. Inclusive, não permiti que esse material fosse exibido na imprensa para evitar manipulação política. A notícia vazou por outras pessoas. E, naquele momento, fiz questão de vir a público e dizer que o encontro do material não vinculava o seqüestro ao Partido dos Trabalhadores. Aliás, no dia 25, nós temos uma eleição. Se for encontrado algum material de propaganda, meu ou do outro candidato, com alguém que pratique um crime, isso não quer dizer que nossos partidos estejam envolvidos. Fiz questão de deixar isso bem claro.

Rodolfo Konder: Temos várias perguntas dos telespectadores, mas eu vou voltar para nossa roda. Marcelo Beraba, por favor.

Marcelo Beraba: O senhor tem uma vida política recente. Agora, no momento em que se dispõe a disputar um cargo de governador, suponho que seu passado seja de interesse público, pois é revelador da sua formação, do seu pensamento. Queria insistir em uma questão que o senhor tem evitado tratar, que é o seu voto no segundo turno [das eleições presidenciais]. O país se dividiu entre dois candidatos, é normal que se revele o voto. O senhor pode até argumentar que não havia candidato do seu partido na disputa. Agora, não vejo problemas em revelar em quem o senhor votou no segundo turno. Essa informação é importante para quem deseja votar no senhor.

Luiz Antônio Fleury Filho: Se eu fosse candidato a alguma coisa na época, eu até teria a obrigação de revelar. Não era. O que me impede de revelar é que eu entendo que não devo fazer isso.

Marcelo Beraba: O senhor será prejudicado por algum...

Luiz Antônio Fleury Filho: [interrompendo] Não, eu não vejo razão nisso.

[sobreposição de vozes]

José Eduardo Faria: O senhor menciona que, como estava à frente da Secretaria da Segurança Pública, não podia revelar seu voto, era uma questão de imparcialidade. Mas, ao mesmo tempo, o senhor disse que, no Ministério Público, fez política e descobriu política. Não há uma contradição?

Luiz Antônio Fleury Filho: De forma alguma, eu fui presidente da minha entidade de classe. Eu fiz política como líder classista. Na Secretaria da Segurança Pública, eu não líder classista, eu era secretário da Segurança.

Ricardo Kotscho: Ainda sobre essa questão, na época, o PMDB se definiu claramente sobre isso. Ou seja, apesar de ser secretário de Segurança, o senhor já pertencia a um partido político que tinha uma posição clara naquele episódio.

Luiz Antônio Fleury Filho: Claro, perfeito. Mas, na época, eu me mantive absolutamente distante dos fatos, porque eu tinha que zelar pela segurança da eleição em São Paulo.

Luciano Martins: O senhor é um político de carreira recente, mas vem respaldado pelo governador Orestes Quércia, que sustentou sua candidatura durante todo esse processo. Mas, ele representa um modo antigo de fazer política e que não aponta em direção à modernidade. Se eleito, o senhor pretende servir a que senhor: à modernidade ou à política do acerto ali no interior, na convenção?

Luiz Antônio Fleury Filho: Em primeiro lugar, discordo da sua posição de dizer que o Quércia não é um político moderno. Tudo bem, não é isso que está em discussão. Eu pretendo governar com modernidade. E governar com modernidade significa governar sem nenhum tipo de preconceito. A modernidade não está no fato de você procurar modernizar a máquina - que é importante - mas tem que estar na cabeça das pessoas, dentro das pessoas. O que é modernidade? Governar sem preconceitos, governar colocando o interesse na população acima de qualquer interesse. Governar com modernidade significa não ter qualquer tipo de receio. É assim que eu vou governar São Paulo: de uma forma absolutamente transparente, procurando respeitar as liberdades públicas e assegurar o espaço democrático. São Paulo será um instrumento de democracia nesse país.

Roberto Müller Filho: O senhor havia dito que, se eleito, pretende manter uma postura sem preconceito e que, embora apoie algumas iniciativas do governo federal, faz exceções a outras tantas. Se eu entendi bem, entre essas o senhor teria citado a maneira como está sendo feita a política econômica, produzindo um clima de recessão. De que forma São Paulo, sendo governado pelo senhor, pode minimizar ou evitar uma política econômica que produza a recessão e o desemprego?

Luiz Antônio Fleury Filho: O governador de São Paulo tem a obrigação de se posicionar e fazer ouvir a sua voz. Na minha opinião, inflação não se combate com recessão, e sim com aumento de produção, com a geração de novos empregos, e não através do desemprego, como está acontecendo agora. Temos que protestar quando vemos um arrocho salarial sem precedentes neste país, onde tudo está indexado, menos o salário do trabalhador. Então, essa é a forma política de se manifestar o governador de São Paulo. Em segundo lugar, temos que manter o ritmo do investimento do estado para impedir que a recessão produza efeitos mais drásticos ainda no estado de São Paulo. Em terceiro lugar - eu já estou preocupado e tenho, inclusive, um estudo no meu programa de governo - em criar frentes de trabalho e alternativas de emprego para o trabalhador, prevendo o reaproveitamento do trabalhador. Haverá intervenção no sentido de procurar os empresários e, dentro das condições do estado, criar até uma política de incentivos aos investimentos na produção, enfim, procurar minimizar o efeito da recessão em relação ao trabalhador do estado de São Paulo.

José Carlos Bardawil: O governo Collor, a essa altura, já completará quase um ano de atividades. Eu gostaria que o senhor fizesse uma avaliação política do governo Collor até agora.

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu entendo que o governo Collor, como eu disse, tem aspectos positivos, como a questão da negociação da dívida externa e questão da moralização do dinheiro, no sentido de acabar com cheque ao portador [cheques sem o nome de ninguém e que podem ser descontados no banco], das letras ao portador, são aspectos positivos. Agora, eu entendo que o governo, na verdade, não está cumprindo sua parcela no combate à inflação. Não houve diminuição no gasto do governo, não houve a privatização que se anunciava, não houve uma série de medidas que são fundamentais para se combater a inflação. E, por outro lado, eu vejo que o governo se isola a cada dia. Nós tivemos fatos recentes que demonstram isso, há um isolamento político extremamente perigoso. O governo não tem a sustentação parlamentar que todo governo precisa ter. Então, é um governo que está se isolando até pela falta de um partido representativo que esteja ao lado do presidente da República. Isso está causando problemas políticos sérios ao presidente e ao país de uma forma geral. A maneira que o governo tem para impor suas idéias também não me parece correta, sob o aspecto democrático. Eu acho que governar por meio de medidas provisórias, como está sendo feito, contraria tudo aquilo que esperamos da democracia, da discussão ampla dentro do Congresso Nacional a respeito daquilo que é bom para o país, o que deve ser feito e o que não deve ser feito.

Ricardo Kotscho: Doutor Fleury, nesse final de semana, aconteceu um fato muito grave. O ex-líder do governo, Renan Calheiros [senador federal por Alagoas desde 1994. Na ocasião, foi assessor de Collor no início do governo e, em março de 1990, assumiu a posição de líder do governo no Congresso Nacional. Rompeu com o presidente em novembro, por conta de sua omissão em relação às acusações de fraude nas eleições de Alagoas. Calheiros perdeu a eleição de governador para o rival Geraldo Bulhões] fez uma série de acusações contra o presidente Collor. E ele conhece o presidente melhor do que ninguém! Ontem eu fiz essa pergunta ao senhor na entrevista coletiva e o senhor brincou dizendo que o assunto era outro, era o debate, que aquilo era uma briga de Alagoas. Não é bem assim, pois o que está em jogo são as instituições e democracia brasileira. Que proposta o senhor teria, caso eleito, para evitar o caos institucional previsto pelo ex-líder do governo?

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu acho que é fundamental o papel do Congresso Nacional neste momento. Como governador de São Paulo, eu entendo que o contato com a bancada federal de São Paulo, não apenas a bancada do PMDB...Kotscho, é um problema muito maior do que simplesmente você colocar por partidos. Nós temos que verificar o interesse do país como um todo, o respeito às instituições. E, neste momento, acho que o papel do governador de São Paulo é procurar reunir a sua bancada, procurar somar os esforços necessários no sentido de encontrar o caminho da governabilidade. O que significa? Que o Congresso Nacional vai ter um papel preponderante na defesa das instituições e os governadores também. Eu acredito que o governo do estado São Paulo é fundamental para que nós tenhamos um espaço democrático assegurado em nosso país, e é o que eu vou procurar fazer. Eu serei um intransigente defensor da democracia e das instituições. Estou disposto a me reunir com toda a bancada, independentemente de partidos, pois está em jogo o interesse da população brasileira.

Alberto Helena Júnior: Doutor Fleury, os jornais têm dito que o gesto do Renan Calheiros foi produto de uma negociação com o governador Quércia. O senhor, enquanto governador do estado, preferia conversar com Geraldo Bulhões ou com Renan Calheiros?

Luiz Antônio Fleury Filho: [risos] Eu acho que há um certo exagero em atribuir isso ao governador Quércia. Pelo que sei, ele não teve nenhuma participação no episódio. Mas, realmente, eu não sei qual dos dois será eleito. Sendo Calheiros ou Bulhões o governador de Alagoas, gostaria de conversar com aquele que representar a luta pela manutenção da democracia no momento de defesa das instituições.

José Eduardo Faria: Você é um homem de partido?

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu sou um homem de partido, mas entendo que os partidos precisam ser totalmente remodelados neste país, a começar pelo meu próprio partido, que tem que procurar a modernidade. O PMDB construiu uma trajetória, que foi a trajetória da democracia, conquistou as vitórias institucionais, permitiu que nós estivéssemos aqui discutindo, permitiu a eleição direta, a restauração da democracia neste país. Agora, ele precisa voltar às conquistas de suas metas pela igualdade social, pelo combate à injustiça social. Eu acho que o partido precisa se modernizar e encontrar uma nova linha de atuação que mostre exatamente esse caminho.

[...]: O senhor fica no partido?

Luiz Antônio Fleury Filho: Sim, eu fico.

Marcelo Beraba: Quem deve ser o presidente desse novo PMDB?

Rodolfo Konder: Doutor Fleury, vou pedir ao senhor para responder isso logo depois do nosso intervalo. Voltamos já.

[intervalo]

Rodolfo Konder: Muito bem, voltamos aos estúdios da TV Cultura, com mais um Roda Viva, que hoje está entrevistando o candidato ao governo de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho. Marcelo Beraba, por favor, repita a pergunta.

Marcelo Beraba: O PMDB é presidido há anos pelo deputado federal Ulysses Guimarães. A necessidade de modernizá-lo, como o senhor acabou de defender, implica na substituição de Ulysses Guimarães?

Luiz Antônio Fleury Filho: Não...Há pessoas que são velhas desde que nascem, sabe? E há pessoas que são jovens, mesmo com uma idade avançada, como é o caso do senhor Ulysses Guimarães. A experiência dele, tudo que ele tem feito, o que ele representa para a democracia, tudo isso precisa ser preservado. Então, isso vai depender da decisão do próprio partido. Eu nem sei se o doutor Ulysses pretende continuar sendo presidente do partido, se há outros candidatos ou não. Acho cedo para falar disso. Nós vamos falar disso a partir da reformulação do partido, que será feita a partir do ano que vem, eu tenho certeza.

José Carlos Bardawil: Doutor Fleury, o senhor disse que o candidato adversário, Paulo Maluf, procurou se aproveitar do episódio do [cancelamento do] debate para criar uma pena emocional. Hoje, ele até disse que deixou de ser arrogante e prepotente...

Luiz Antônio Fleury Filho: [interrompendo] Imagine se ele não tivesse deixado!

José Carlos Bardawil: E que espera que o povo de São Paulo lhe dê uma oportunidade. O senhor acha que esse apelo emocional do candidato Maluf surtirá algum efeito? O senhor tem alguma estratégia para combater esse apelo emocional?

Luiz Antônio Fleury Filho: Na verdade, eu acho que ele já teve oportunidade. Basta que a gente verifique o que ele deixou de fazer como governador, ou mesmo o que ele fez. Ele deixou de investir em áreas fundamentais para investir em aventuras como a Paulipetro. Só para ter uma idéia, ele investiu 31 milhões de dólares na segurança pública em quatro anos, investiu 35 milhões de dólares na área da Justiça. E, no entanto, investiu 430 milhões de dólares na Paulipetro, quando todos os técnicos indicavam que não haveria qualquer sucesso, que não iam achar absolutamente nada. Então, eu entendo que ele já teve oportunidade. E esse tipo de experiência, São Paulo não quer de volta! Agora, mesmo querendo dar um apelo emocional, quem assistiu ao programa hoje viu que ele não consegue disfarçar a prepotência e a arrogância. Eu lamento, inclusive, a forma como ele está abaixando o nível da campanha. São Paulo não merecia uma campanha com nível tão baixo...

Rodolfo Konder: Doutor Fleury, vamos dar mais um espaço para os telespectadores, as perguntas vão se acumulando. Pedro Carlos, de Interlagos, São Paulo, pergunta: “O senhor pretende fazer alguma reforma administrativa no estado? Ela prevê a redução no número de funcionários públicos?”.

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu vou dar continuidade à reforma administrativa. O diagnóstico da reforma já está feito e eu pretendo dar continuidade a ela, procurando, de todas as formas possíveis, assegurar a eficiência do trabalho do serviço público. Eu acho que é isso que toda a população procura: um serviço público eficiente. Agora, para isso, eu não coloco como meta a demissão de funcionários, mesmo porque há áreas em que eu vou precisar contratar funcionários, como é o caso da saúde, da educação e da segurança pública. Agora, vamos adotar uma política de demissões para áreas que estiverem com funcionários em excesso. Não coloco isso como meta de governo, porque o estado tem hoje 556 mil funcionários públicos na ativa. Esse número ainda nos permite, se remanejarmos os funcionários, dar um atendimento melhor à população. Se houver necessidade de demissões, nós vamos fazer.

Rodolfo Konder: Roberto Passarela ligou de Jundiaí para perguntar qual é o seu programa em relação às ferrovias.

Luiz Antônio Fleury Filho: Em relação às ferrovias, eu pretendo modernizar a Fepasa [empresa de  estradas de ferro brasileira que pertencia ao estado de São Paulo. Foi extinta ao ser incorporada à Rede Ferroviária Federal, em 1998]. Aliás, o que nós precisamos é de um serviço mais integrado de transportes, não apenas ferrovias. Nós vamos, por exemplo, dar prosseguimento à obra da hidrovia do Rio Tietê [refere-se à Hidrovia Tietê-Paraná, obra que concluiu em seu governo. A hidrovia permite o transporte de cargas, produtos agrícolas e passageiros ao longo desses rios, ligando as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país], que é importantíssima, e vamos integrá-la com a ferrovia e as rodovias. Para isso, vai ser utilizada a iniciativa privada, porque ela tem interesse na modernização da ferrovia e poderá colaborar nesse processo.

Rodolfo Konder: José Paulo, de São Paulo, pergunta se o senhor tem planos para a unificação da Polícia Civil e da Polícia Militar.

Luiz Antônio Fleury Filho: Isso depende da Constituição Federal. Ela estabeleceu duas polícias. Então, eu não posso  descumprir a Constituição e unificar as duas polícias. Mas o importante é que nós tenhamos as duas polícias sob um único comando, que é do secretário de Segurança [Pública], que as orientará no sentido de uma polícia muito atuante, presente e com ação preventiva.

Rodolfo Konder: Eveli Ceto, do Jardim América, pergunta: “O que o senhor faria se o Caso do Hospital São Camilo acontecesse no seu governo?”.

Luiz Antônio Fleury Filho: Se acontecesse, eu faria a intervenção devida do Estado, inclusive, tomando todas as providências para que esse hospital continuasse atendendo à população da forma muito correta. Eu acho que com asaúde da população, a gente não pode transigir em hipótese alguma.

Rodolfo Konder: Walter Gavassa, de Jaçanã, diz: “Há informações na imprensa de que o governo Quércia vai deixar um grande rombo financeiro no final do mandato. O senhor está bem informado sobre a situação financeira do estado?”.

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu estou bem informado. Não há rombo financeiro! Na verdade, o que está acontecendo é que, ao final de cada ano, há algumas contas que passam para o ano seguinte. Mas, o governo tem plenas condições de pagá-las logo no início do ano. Eu devo receber o governo absolutamente em ordem...

Marcelo Beraba: [interrompendo] O senhor poderia nos dizer alguns números dessa dívida que vai ficar?

Luiz Antônio Fleury Filho: Não, isso não é expressivo. Estamos trabalhando para o ano que vem com uma previsão de orçamento de 172 milhões de dólares, portanto, é mais do que suficiente para pagar eventuais restos que fiquem de um ano para o outro. Esses gastos são insignificantes diante do orçamento do estado.

Marcelo Beraba: O governo tem atrasos com fornecedores, por exemplo?

Luiz Antônio Fleury Filho: O atraso que está acontecendo é normal, decorre da própria tramitação burocrática, porque há necessidade de um empenho antes da liberação do dinheiro pela Secretaria da Fazenda. Enfim, há toda uma tramitação burocrática natural...

Marcelo Beraba: [interrompendo] O senhor conhece o montante desse atraso?

Luiz Antônio Fleury Filho: Não, se não há atraso, não há montante.

Marcelo Beraba: Mas o senhor admitiu que há um atraso em função da burocracia...

Luiz Antônio Fleury Filho: É normal, você não paga aquilo que você compra no mês, você paga no mês seguinte.

Marcelo Beraba: É só esse?

Luiz Antônio Fleury Filho: Só esse.

Luciano Martins: O senhor tem falado bastante sobre as excelências do governo Quércia, sobre as qualidades do governador Orestes Quércia, como político e administrador. O senhor seria capaz de nos relatar aqui um ato menor do governador? Houve alguma atitude que o senhor não aprovou?

Luiz Antônio Fleury Filho: Acho que não seria ético de minha parte falar disso...

Luciano Martins: No que o senhor seria diferente do governo Quércia?

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu tenho por filosofia de vida esquecer os atos menores e só lembrar dos atos maiores.

Marcelo Beraba: Suponha que em um governo moderno haja separação nítida entre o partido de quem governa e a máquina administrativa. Recentemente, a gente flagrou um diretor de uma empresa estatal, a Eletropaulo [empresa de distribuição de energia elétrica de São Paulo], fazendo propaganda para o senhor dentro da repartição. O senhor teria punido esse diretor?

Luiz Antônio Fleury Filho: Ele foi punido.

Marcelo Beraba: Foi punido?

Luiz Antônio Fleury Filho: Foi afastado, e eu teria punido sim, sem dúvida alguma. Agora, atribuir isso como um ato menor do governador, acho que não tem nada a ver, foi um ato absolutamente isolado de um diretor que, no afã de conquistar alguns apoios, acabou cometendo uma irregularidade administrativa.

Marcelo Beraba: Que punição que ele teve?

Luiz Antônio Fleury Filho: Ele foi afastado, foi advertido pelo próprio presidente da Eletropaulo que, inclusive, declarou isso no seu jornal.

Alberto Helena Júnior: Dizem que o governo colocou a máquina do estado a serviço da sua candidatura. Quando houver as próximas eleições para presidente da República - e o governador Quércia deve ser candidato - o senhor colocará a máquina...

Luiz Antônio Fleury Filho: [interrompendo] O que é colocar a máquina a serviço? Isso é a primeira coisa que a gente precisa começar a conversar! Nos Estados Unidos, o presidente é candidato à reeleição, dá entrevistas, inaugura obras, faz e acontece e ninguém fala que ele usa a máquina. É considerado absolutamente natural. Eu sou candidato do partido que está no governo hoje. Então, participei de inaugurações, de uma série de atos que não podem ser adiados simplesmente porque sou candidato do partido do governo. Isso não é usar a máquina. Usar a máquina é desviar a atividade do Estado para beneficiar uma candidatura. Isso não ocorreu e não ocorrerá quando eu for governador.

José Eduardo Faria: O senhor disse que se orgulha muito da amizade com o governador Quércia. E disse que ele vive um momento de grande popularidade. Na democracia é comum que exista uma transição de grande popularidade para uma baixa popularidade. No caso do governo de São Paulo, se o interesse do estado for diferente do interesse do atual governador, o senhor ficará com quem?

Luiz Antônio Fleury Filho: Em primeiro lugar, eu gostaria de deixar bem claro uma coisa: se há uma palavra muito importante na minha vida, ela se chama amizade. Eu realmente prezo meus amigos e faço disso uma filosofia de vida. Mas, entre o interesse de São Paulo e o interesse de qualquer amigo meu, eu fico com o interesse de São Paulo.

Ricardo Kotscho: Doutor Fleury, eu queria sair um pouco do campo político e ir mais para o campo humano. Há três anos, pouca gente conhecia o senhor. No início deste ano, quase ninguém esperava que o senhor fosse o candidato a governador pelo PMDB. Como isso se processou na sua cabeça? Dos 3% [de intenção de voto] nas pesquisas aos 47% atuais, o que mudou na sua vida? O senhor ainda consegue dormir a cinco dias da eleição?

Luiz Antônio Fleury Filho: [risos] Olha, eu consigo dormir sim. Tenho até uma forma de procurar descarregar as minhas tensões, que é quase um vício: chego em casa, independentemente do horário, e tenho sempre uma fita dentro do meu videocassete [aparelho de reprodução e gravação de vídeos cujo sucessor tecnologicamente superior é o DVD player]...

Ricardo Kotscho: [interrompendo] Que tipos de filmes?

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu assisto a todos os tipos de filmes. Agora, estou vendo Sociedade dos poetas mortos [1989, drama dirigido por Peter Weir]. Assisto [ao filme] por 15 ou vinte minutos ao dia, entendeu? Às vezes, eu tenho que voltar um pouco para pegar o fio da meada...Mas, realmente, o que mudou muito é que eu tenho, por conta dessa responsabilidade, que assistir a muito mais coisas do que eu assistia antes, ou seja, eu tenho demorado um pouco mais para me desligar no momento de dormir. É impressionante como, em uma eleição, a pessoa que está pleiteando o cargo majoritário joga com as emoções e com a esperança das pessoas. Isso é uma coisa muito forte e tem cada vez mais entrado em mim. Toda vez que eu vou a um comício, a uma cidade, participo de cenas emocionantes. Isso faz com que cresçam a responsabilidade e a convicção da necessidade de uma ajuda divina para não decepcionar as pessoas. Quando a gente nota que as pessoas, às vezes, depositam na gente as suas últimas esperanças de alguma coisa, há uma satisfação interna, mas também uma responsabilidade que faz com que, às vezes, a gente não durma como dormia antes.

José Carlos Bardawil: Doutor Fleury, algumas definições políticas: o senhor é parlamentarista ou presidencialista?

Luiz Antônio Fleury Filho: Parlamentarista.

José Carlos Bardawil: Por quê?

Luiz Antônio Fleury Filho: Porque eu entendo que o parlamentarismo é uma forma de governo mais adequada. Agora, eu faço uma ressalva que precisa ser colocada com muita cautela. Eu acho que nós temos o tempo suficiente para fortalecer os partidos políticos, para que se possa instalar o parlamentarismo no país. O parlamentarismo pressupõe a existência de partidos fortes e bem constituídos. E é importante que nós tenhamos isso. Implantar o parlamentarismo hoje, no Brasil, não seria adequado, porque nossos partidos ainda não têm o fortalecimento necessário. Então, eu temo muito que se queira colocar “o carro na frente dos bois”, ou seja, nós temos que fazer um esforço muito grande para o fortalecimento dos partidos, para depois de fortalecer os partidos, lutar pelo país...

José Carlos Bardawil: [interrompendo] Quer dizer, para [eleições de] 1994, o senhor é presidencialista?

Luiz Antônio Fleury Filho: Não, não necessariamente. Em 1993, nós temos uma reforma na Constituição. Eu sou otimista, espero que até lá nós tenhamos uma reforma partidária e partidos fortes para implantarmos o parlamentarismo.

José Carlos Bardawil: O senhor acha necessária a saída da ministra da Economia [Zélia Cardoso de Mello], já que fez tantas críticas à política econômica do governo Collor?

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu não acho necessária a saída da ministra Zélia. Eu acho que há necessidade de uma abertura maior do governo federal para que tenhamos a participação de mais pessoas que possam dizer exatamente aquilo que está havendo, suas posições. O que não pode acontecer é uma única posição fechada, que não permita discussão.

Roberto Müller Filho: Doutor Fleury, já que estamos em um campo de definições, é praticamente consensual que o candidato que se opõe ao senhor [refere-se a Paulo Maluf] defende posições historicamente mais de direita. Eu nunca tive o privilégio de ouvir uma definição sua sobre essa área. Faço a pergunta lembrando que o senhor tem, como companheiro de chapa, uma pessoa que foi perseguida pela ditadura militar. É o doutor Aloysio [Aloysio Nunes Ferreira, foi deputado federal, vice-governador de São Paulo na gestão de Fleury, ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2010, chefia a Casa Civil do governo paulista]. Como o senhor se sente com essa companhia e o que ela representa?

Luiz Antônio Fleury Filho: Ela representa para mim, primeiro, uma garantia de que não terei um vice-governador decorativo, mas ativo, que vai participar do governo comigo. E eu tenho pelo meu amigo Aloysio, que é um dos maiores parlamentares do nosso estado, um respeito pessoal muito grande, não apenas pela amizade que nos une, mas pela posição política coerente que ele sempre adotou. Ele foi um grande líder estudantil, foi perseguido pela ditadura, foi um homem que nunca abriu mão do seu posicionamento pessoal e sempre obteve sucesso em tudo aquilo que realizou na vida. Eu me orgulho e me sinto muito à vontade com a presença do Aloysio na chapa. Aliás, quando fomos definir a chapa, havia vários nomes e eu fiz absoluta questão para que o nome dele fosse escolhido para me acompanhar nessa batalha. Bom, em termos de definição política, eu costumo dizer o seguinte: as definições tradicionais de direita, centro e esquerda já se encontram absolutamente ultrapassadas. Se nós perguntarmos qual é a posição política do Gorbachev - se ele é um homem de direita, de centro ou esquerda - nós vamos ficar pensando em uma definição política dele. Hoje, o que diferencia a posição política de alguém é visão que ele tem do papel do Estado, ou seja, se é uma visão antiquada, ele intervindo em tudo, ou uma visão mais moderna do Estado, no sentido que ele tenha um papel social para desempenhar um trabalho em conjunto com a iniciativa privada. Essa é a visão que eu tenho. Se você quiser uma definição tradicional, eu me considero um homem de centro-esquerda.

Rodolfo Konder: Doutor Fleury, vamos dar um pouco mais de espaço aos telespectadores. A primeira pergunta vem de Humberto Viscar, de São Paulo: “De que forma o senhor pretende incentivar o pequeno empresário?”.

Luiz Antônio Fleury Filho: Olha, o pequeno empresário será incentivado de uma forma muito concreta na minha atuação como governador. Eu pretendo me valer da experiência do meu amigo e companheiro de chapa, o deputado federal Guilherme Afif Domingos, que tem uma tradição de luta na defesa da pequena e da média empresa. Nós vamos criar uma secretaria que eu denominarei "Secretaria do Trabalhador". O pequeno empresário é um trabalhador, mas do que qualquer outra coisa. Ele vai ter um apoio muito grande, nós teremos um setor específico de incentivo à pequena e média empresa, no sentido de desburocratizar cada vez mais as exigências do Estado para que essa empresa possa existir. Cada pequeno empresário de sucesso significa geração de novos empregos. Por isso, eles terão total incentivo.

Rodolfo Konder: Maria José Doalini, do Pacaembu, pergunta o seguinte: “A Folha de S.Paulo apresenta uma pesquisa que dá 9% a favor da sua candidatura, enquanto o Ibope [Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística] dá empate na pesquisa que foi divulgada hoje. Por que a Folha sempre mostra o senhor na frente?". Devemos transmitir ao Marcelo Beraba essa pergunta!

[risos]

Luiz Antônio Fleury Filho: Olha, eu gostaria que a pergunta fosse ao contrário: por que o Ibope sempre me mostra empatado? [risos] O que existe, na verdade, é a maneira de fazer a pesquisa. A Folha de S.Paulo faz uma pesquisa que divide o estado em regiões. Em cada região é feito o sorteio de municípios de pequeno porte, de médio porte e os grandes municípios. E aí é feita a pesquisa. Parece-me, com todo o respeito, que é uma pesquisa de maior profundidade do que aquelas feitas por outros institutos.

Rodolfo Konder: Marcos Júnior, de Franca, pergunta quem financia sua campanha.

Luiz Antônio Fleury Filho: O próprio partido, através de bônus e das contribuições de militantes. Existe um comitê de propaganda, formado por representantes de todos os partidos políticos que, inclusive, já aprovou as contas relativas a nossa campanha do primeiro turno.

Marcelo Beraba: Quanto que o senhor vai gastar no total?

Luiz Antônio Fleury Filho: Menos do que eu declarei para o TRE, que dava em torno de cinco mil BTNs [Bônus do Tesouro Nacional, criado em 1989 para funcionar como referencial de indexação no pagamento de tributos federais].

Alberto Helena Júnior: Doutor Fleury, todo técnico de Seleção Brasileira, quando assume, já diz: “Vou escalar o time antes de mais nada, senão a imprensa fica me chateando!”. O senhor já escalou seu time, seu secretariado, vai usar muita gente do governo Quércia?

Luiz Antônio Fleury Filho: Não, antes de o técnico ser nomeado, ele não escala ninguém, então...

Alberto Helena Júnior: [interrompendo] O senhor não confia na eleição?

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu confio! Vou ganhar a eleição através do voto, com o apoio da população de São Paulo. Aí, eu vou escolher meu secretariado. Por enquanto, não é o momento de escolher o secretariado. Estamos a seis dias da eleição. O momento é de continuar o trabalho, cada vez mais firme para chegar à vitória, que é o que esperamos. Agora, a imprensa sempre teve acesso a mim, eu sempre fiz questão de receber a imprensa, o telefone da minha casa toda a imprensa de São Paulo possui. E eu nunca me incomodei, de forma alguma, sempre procurei ter os meus atos absolutamente transparentes para a imprensa de São Paulo. Ela terá notícias do secretariado. Agora, não é o momento.

[...]: Neste estúdio, existe algum secretariado? [dirige-se aos convidados de Fleury, que estão presentes no estúdio]

[risos]

Luiz Antônio Fleury Filho: Se eu for convidado para o Roda Viva como governador, trarei vários secretários.

[risos]

Ricardo Kotscho: Doutor Fleury, em 1982, quando o André Franco Montoro assumiu o governo de São Paulo, tivemos um episódio emblemático e dramático. O Palácio dos Bandeirantes foi cercado, aconteceram muitos saques e até as grades do Palácio foram derrubadas. O governador Montoro, na época, foi muito criticado porque não houve repressão. A situação econômica hoje é muito pior que em 1982. Se a situação social se agravar e episódios desse tipo acontecerem, o senhor pensa como o governador Montoro? Aliás, eu me esqueci de falar a frase dele: “É melhor consertar a grade do que perder uma vida!”.

Luiz Antônio Fleury Filho: Claro que essa frase é muito forte, eu espero que não aconteça nada: nem consertar grade, nem perder a vida.

Luciano Martins: O senhor vai ter pela frente, se eleito, uma Assembléia Legislativa muito aguerrida, considerando também que  teremos uma campanha presidencial. Como será a sua relação com a Assembléia?

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu terei como o vice-governador um dos mais respeitados parlamentares de São Paulo, que fará uma ponte perfeita com a Assembléia Legislativa e possibilitará que tenhamos um excelente entendimento.

Roberto Müller Filho: Uma das observações mais recentes em tom de crítica à política econômica do governo federal parte dos industriais, muitos deles em dificuldades. As críticas apontam na direção de que o governo não teria se preocupado com a criação de uma política industrial. Se você concordar com isso, gostaria que passasse aos telespectadores de que forma pode contribuir para uma proposta de uma política industrial que extravase São Paulo e proporcione o crescimento do país.

Luiz Antônio Fleury Filho: Olha, eu em primeiro lugar, concordo plenamente com aqueles que apontam para a falta da definição de uma política industrial no nosso país. Isso se refere diretamente à São Paulo. Na verdade, foi feita apenas a definição de regras de importação e exportação, sem que se tomasse o devido cuidado...

Rodolfo Konder: [interrompendo] Essas regras não são boas?

Luiz Antônio Fleury Filho: Não acho que são corretas neste momento. Tivemos a possibilidade de uma importação quase indiscriminada, porque as regras estabelecidas permitem uma abertura muito grande em termos de importação, com prejuízo direto para a indústria nacional. Vou dar um exemplo que parece um exemplo até emblemático: a Parker. A Parker fechou a sua fábrica em São Paulo e vai ser apenas uma representante da Parker multinacional. Ora, o que isso significa? Significa desemprego para os trabalhadores que lá se encontravam. Então, me preocupa muito a falta da definição de uma política industrial. E o governo de São Paulo pode tentar influenciar o Brasil e incentivar a indústria. Que tipo de indústria? São Paulo será o responsável pelo desenvolvimento de tecnologia de ponta. Pode dar uma colaboração fundamental por meio dos institutos de pesquisa e das universidades. Na verdade, o que nós vemos no mundo inteiro é que a guerra ideológica está desaparecendo e agora uma grande competição tecnológica. Para essa competição tecnológica, São Paulo deve ser onde nós poderemos desenvolver uma indústria de alta tecnologia e com o apoio do governo do estado, fazendo com que as pesquisas sejam voltadas para isso. Nós poderemos, a partir daí, influenciar na formulação de uma política industrial para todo o país. Veja, o que me preocupa muito nesse aspecto da política de importação e exportação é que, ao mesmo tempo em que se prevê a importação, nós não estamos preocupados com a formação de mão-de-obra especializada, não estamos importando um know how correspondente. Nós poderemos ficar totalmente dependentes da importação no futuro e isso é algo que me preocupa.

José Eduardo Faria: Doutor Fleury, se isso que o senhor menciona é tão importante, por que o governo ao qual o senhor pertence, tratou tão mal esses institutos de pesquisa nos dois primeiros anos, após a derrota de Quércia na eleição de São Paulo para a prefeita Luiza Erundina [ver entrevistas de Luiza Erundina no Roda Viva]?

Luiz Antônio Fleury Filho: Veja...Se tratou mal, agora está procurando recuperar...

[...]: [interrompendo] Na véspera das eleições?

Luiz Antônio Fleury Filho: Não. Inclusive, é importante notar que o Aloysio foi autor de um destaque na votação da Constituição do estado, que permitiu à Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] o aumento de 0,5% na sua receita. Isso significa um passo muito importante para a pesquisa em São Paulo. De qualquer maneira, vejo nos institutos de pesquisa uma forma de procurarmos superar as dificuldades quanto ao ingresso no mercado internacional de alta tecnologia. E vou investir para valer em pesquisas. Investir em pesquisa significa, por exemplo, maior produção agrícola, com o desenvolvimento de técnicas de recuperação de solo. Poderemos ter uma produtividade cada vez maior das terras de São Paulo.

José Eduardo Faria: O senhor tem idéia de como se encontra o Instituto Agronômico de Campinas [IAC] atualmente?

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu estive lá.

José Eduardo Faria: E como o senhor vê a campanha dos próprios funcionários para salvar o que resta do IAC?

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu estive lá, eles estão reivindicando isso, é um direito que eles têm. Boa parte já está sendo atendido pelo atual governo do estado. Você sabe que foi enviado recentemente um projeto para reestuturar as carreiras de pesquisador.

Ricardo Kotscho: Doutor Fleury, eu queria fazer três perguntinhas que não foram combinadas, mas são inevitáveis em véspera de eleição. Qual foi o pior momento da campanha? E o melhor momento? E, se for eleito, qual será sua primeira medida concreta no Palácio dos Bandeirantes?

Luiz Antônio Fleury Filho: Primeiro, vamos começar pela primeira medida concreta. Eu sempre brinco que será a nomeação do secretariado. Mas, deixando isso de lado, será formar um grupo de trabalho encarregado de dar rumo às escolas públicas de São Paulo. Eu acho que é fundamental que nós tenhamos escola pública com um novo modelo educacional. E, para isso, esse grupo de trabalho terá noventa dias de prazo para me apresentar uma solução.

José Eduardo Faria: E quais são as linhas desse modelo?

Luiz Antônio Fleury Filho: Gostaria de terminar a resposta sobre o pior e o melhor momento da campanha...Acho que o momento pior da campanha foi quando houve uma pane no avião em que nós nos encontrávamos. Aliás, houve dois episódios desses durante a campanha. Na segunda vez, eu estava com todos os meus filhos a bordo, e eu temi por eles. Foi o pior momento que eu tive na campanha. O melhor momento foi quando nós tivemos confirmado o resultado do primeiro turno e a certeza de que tínhamos passado para o segundo turno das eleições. Agora, sobre os principais delineamentos do programa de educação...

José Carlos Bardawil: [interrompendo] Quem vai fazer parte desse grupo de trabalho?

Luiz Antônio Fleury Filho: Esse grupo de trabalho será composto por educadores, representantes dos pais de alunos, técnicos da própria universidade, além de representantes das entidades de classe dos professores.

[...]: Isso é sintoma de um governo descentralizado? 

Luiz Antônio Fleury Filho: Eu pretendo fazer um governo descentralizado. Na verdade, o que nós pretendemos com esse novo modelo educacional é discutir o próprio papel da escola pública como um todo. Eu entendo que a escola pública precisa ser modernizada. É claro que isso leva à melhoria das condições dos profissionais de ensino, como salários e condições de trabalho. Mas acho que o mais importante é a discussão a ser travada com relação à própria escola pública, ou seja, nós temos a necessidade de fazer com que o aluno fique mais tempo na escola. Foi implantada com sucesso a jornada única na primeira e na segunda série [do ensino fundamental]. Isso significa que o aluno fica seis horas por dia na escola. Até o final do primeiro ano de governo, pretendemos implantar a jornada única de uma forma global em todo o estado. Depois, vamos estendê-la para a terceira e a quarta série, a partir do segundo ano de governo. Isso vai possibilitar uma presença maior do aluno na escola e uma carga maior de informações que ele vai receber. Eu pretendo criar cursos alternativos, para que o aluno possa complementar sua formação, ingressando mais rapidamente no mercado de trabalho.

José Eduardo Faria: Agora, essa estratégia de fomento à educação não se remete ao discurso do governador Brizola?

Luiz Antônio Fleury Filho: Não, de forma alguma. Discordo, por exemplo, do governador Brizola com relação aos Cieps [Centros Integrados de Educação Pública, fundados por Brizola no estado do Rio e que propunham métodos de aprendizado diferenciados e com atividades em período integral]. Eu acho que nós podemos manter o aluno dentro da escola, sem a estrutura da Ciep, certo? Enquanto nós não tivermos uma escola que dê uma formação básica adequada para o aluno mais pobre, não vamos ter uma democracia real neste país. Eu acho que é por aí que nós vamos construir a democracia: através da escola pública. Eu vejo isso com muita clareza. Por isso que não é apenas a questão do investimento na educação, mas a integração maior. A escola é pública, não é escola do Estado, são coisas diferentes. Escola pública quer dizer que toda a sociedade também é responsável por ela, todos têm que participar. Nós temos que verificar exatamente aquilo que precisa ser feito em termos de escola pública, temos que melhorar os cursos noturnos. Vamos implantar o sistema de créditos para os cursos noturnos. Vamos criar um ciclo intermediário entre a quinta e a sexta série, pois aí o aluno só faz o exame no final do segundo ano. Isso evitará a grande evasão escolar desse período. Nós não podemos mais ter uma escola que não use, por exemplo, a televisão. Eu tenho um projeto que vou discutir com a Fundação Padre Anchieta e com a Universidade de São Paulo [USP] para utilizar a televisão como um meio muito importante na educação. Enfim, ficaríamos aqui o programa inteiro falando sobre o programa educacional...

Rodolfo Konder: Doutor Fleury, infelizmente nosso tempo está chegando ao fim. Eu queria agradecer muito ao senhor pela presença. Em nome da TV Cultura, queria agradecer aos íntegros jornalistas que nos ajudaram a fazer a entrevista. Quero convidar os telespectadores para mais um Roda Viva, na próxima segunda-feira, às nove e meia da noite. Muito obrigado e até lá!

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