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Memória Roda Viva

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Marina Silva

19/11/1994

Nascida e criada no meio da floresta amazônica e alfabetizada aos 16 anos, a então senadora acreana conta como conseguiu superar as adversidades e fala de sua trajetória política, marcada pela morte de Chico Mendes e pela defesa da Amazônia

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Heródoto Barbeiro: Boa noite, as eleições deste ano certamente passarão para a história das conquistas femininas do país. Nas Assembléias, na Câmara e no Senado Federal, o número de mulheres eleitas nunca foi tão grande e, pela primeira vez, o Brasil terá uma governadora. Nesse novo cenário, uma das eleições mais surpreendentes foi a que levou a acreana Marina Silva, que está no centro do Roda Viva que começa agora, ao Senado Federal. Candidata pelo Partido dos Trabalhadores por um estado onde a política, muitas vezes, é feita pela violência e por assassinatos, a senadora eleita, Marina Silva, tem uma história mais parecida com os eleitores comuns do que dos políticos tradicionais. A nova senadora cresceu em uma família de dez filhos e, até os 16 anos, ajudou os pais no trabalho nos seringais. Aprendeu a ler e a escrever já adolescente e conseguiu formar-se em história. Sempre no PT, Marina Silva foi vereadora em Rio Branco, capital do Acre e deputada estadual. Desde outubro, a sua vida tornou-se um turbilhão. Há um mês ela não vê dois dos seus quatro filhos nem o marido, e grande parte do tempo é gasto nos vôos para o Rio, São Paulo e Brasília. Marina Silva acredita, no entanto, que esse sacrifício vai valer a pena e explica com suas próprias palavras: “até hoje no Senado estiveram excelências e acadêmicos, nós, ao contrário, seremos a realidade, a prática”. Nós convidamos para entrevistar a senadora eleita, Marina Silva, hoje, centro do Roda Viva, Ronaldo Brasiliense, jornalista do Jornal do Brasil; o Aurélio Michaelis, diretor cinematográfico; Thais Oyama, editora da revista Marie Claire; Rodolpho Gamberini, jornalista da rádio Jovem Pan; Paulo Panayotis, repórter da Rede Cultura; Joaquim de Carvalho, repórter da revista Veja; Marco Uchôa, repórter do jornal O Estado de S. Paulo; Jefferson Coronel, que é o diretor de telejornalismo da TV Cultura de Manaus. O Roda Viva é transmitido simultaneamente por outras 26 emissoras de televisão, que cobrem todo o Brasil [...] Senadora, boa noite.

Marina Silva: Boa noite.

Heródoto Barbeiro: Senadora, antes mesmo de começar o programa, a senhora estava dizendo que vai pegar um avião de volta para o Acre às duas e meia da manhã, já que a senhora tem um compromisso importante amanhã. Eu gostaria que a senhora explicasse para a gente: qual é o compromisso importante que a senhora vai ter amanhã no Acre e o que isso tem a ver com o governador do seu estado?

Marina Silva: Bem, eu vou fazer uma verdadeira maratona, não é, saindo daqui, eu vou direto para o aeroporto. Estou indo para Manaus porque eu tenho que estar em Rio Branco às dez horas para votar o relatório da comissão que está analisando o pedido de impeachment do governador Edmundo Pinto [refere-se ao vice governador Romildo Magalhães que, devido ao falecimento de Edmundo Pinto, em 1992, assumiu o governo do estado]. Parece assim meio estranho, porque nós já estamos na sucessão, no final, onde já vai entregar o cargo para o governador que foi eleito, que inclusive é do partido dele também. Mas essa questão do impeachment já vem rolando há mais de um ano. E, neste momento, o estado está passando por uma crise muito grande. O funcionalismo está com os seus salários atrasados, talvez não receba sequer o 13º; a saúde e a educação estão com problemas gravíssimos e, neste momento, há um movimento de força dentro da Assembléia mais o da sociedade. Então, eu estou indo para votar o relatório da comissão que está analisando a questão do pedido de impeachment do governador Edmundo Pinto.

Heródoto Barbeiro: Senadora, o que é que o governador Romildo Pinto, Romildo Magalhães é acusado?

Marina Silva: Aliás, é Magalhães. Olha, o governador está sendo acusado por várias questões, uma delas é o seu enriquecimento, não é? Uma fortuna muito grande que não se justifica mediante o salário que ele recebe como governador, além de várias irregularidades, como a questão da propaganda irregular, utilização dos meios de comunicação indevidamente fazendo propaganda pessoal, denúncias de corrupção já comprovadas em várias CPIs que foram feitas pela própria Assembléia Legislativa. Nesse sentido, foram arroladas uma série de provas mostrando que o governador está sendo, digamos assim, enquadrado diante dessas acusações. E há um grupo de parlamentares que são favoráveis ao seu afastamento, além da própria sociedade de um modo geral, é um movimento muito forte.

Heródoto Barbeiro: Senadora, vamos a pergunta do Rodolfo Gamberini.

Rodolpho Gamberini: Senadora, a sua presença amanhã nessa votação deve ser muito importante, até um pouco simbólica, não é? A senhora virou um símbolo no Acre. A senhora é campeã de votos no Acre, teve 64 mil e poucos votos, como a senhora explica esse fenômeno? A senhora era analfabeta aos 16 anos e hoje é campeã de votos no seu estado. Como é isso na sua cabeça? E como a senhora explica esse sucesso?

Marina Silva: Veja bem, eu acho que essa questão dos votos, não é bem que seja um fenômeno. Na verdade, há 16 anos eu estou nessa luta, não é? Realmente, eu fui uma pessoa que veio de uma família humilde, com uma trajetória de muitas dificuldades, eu fui alfabetizada a partir dos 16 anos, mas desde que eu saí do convento onde eu morava, eu me liguei às comunidades eclesiais de base e comecei um trabalho em um movimento social na estação experimental. Na época, nós lutávamos por água e por luz. Quando eu entrei na faculdade, já em 1981, eu me liguei ao movimento estudantil, quando eu saí, eu já era professora e já estava em um movimento sindical, rural e urbano, e é um projeto político. Hoje, nós temos uma prefeitura que goza de 90% de ótimo e bom. Quer dizer, é um projeto político. Eu sempre digo que a minha votação, a minha eleição é um grande iceberg, não é? Existe uma pontinha que está fora d’água, mas existe um volume muito grande que são exatamente aquelas pessoas que a gente não consegue ver.

Rodolpho Gamberini: Quer dizer, a senhora acha que a responsabilidade por essa montanha de votos, um iceberg de votos, não é só sua?

Marina Silva: Não, não absolutamente, não é minha. É até mesmo da própria Igreja Católica, que há muito tempo faz trabalho de organização, inclusive, quando era proibido até organizar trabalhadores, o bispo Dom Moacir Grechi [Ver entrevista com dom Moacir no Roda Viva] deu uma contribuição fantástica para essa questão dos excluídos, dos oprimidos da Amazônia. E a luta do PT, dos partidos da Frente Popular, até mesmo de pessoas sem partido, eu recebi votos de todas essas pessoas, a bem dizer, dos homens e mulheres de bem do Acre.

Heródoto Barbeiro: Aurélio.

Aurélio Michiles: Senadora, a senhora, que foi alfabetizada já em uma fase adulta e [isso] é uma realidade “das trevas”, da Idade Média para um grande número de brasileiros que ainda vivem hoje. A senhora que, inevitavelmente, já se tornou bandeira, o que a senhora pensa, em termos de projeto, para enfrentar essa realidade? Porque a gente sabe que na Amazônia é diferente, por exemplo, do Nordeste, não é? A população é rarefeita e há dificuldade de locomoção; uma pessoa que mora na beira do rio, para chegar de uma escola a outra, são horas de viagens ou dias, não é? Pela sua experiência, qual a sua idéia para enfrentar esse problema?

Marina Silva: Olha, com relação a essa questão do analfabetismo, da ausência de escola para as crianças, realmente, na Amazônia, o índice de analfabetos é muito grande. No Acre, eu acho que ultrapassa os 37% de pessoas analfabetas. E eu, além de toda a minha trajetória, das dificuldades que eu tive para estudar, eu sou professora de história e senti na pele, durante o tempo em que eu dava aula, os problemas de educação do meu estado. E eu acho que uma das coisas que nós temos lutado é pela eficiência do saber, da possibilidade de ensinar. Eu acho que a gente, enquanto professor, a gente ganha salários que são péssimos, a gente tem péssimas condições de trabalho, mas existe uma coisa que a gente não pode negligenciar, que é a aula que a gente dá. Então, a aula que eu vou dar, por mais que eu esteja sendo mal remunerada, por mais que a minha escola não seja a melhor escola, eu tenho que dar a melhor aula que eu posso dar, nas condições de trabalho que eu tenho. Então, essa questão da qualidade do ensino – é claro que o governo tem que investir na educação – mas nós temos muita estrutura hoje, só que elas são mal aproveitadas, sub-aproveitadas. Eu acho que precisaria utilizar ao máximo o potencial de estrutura que nós já temos e investir na qualidade do ensino, na reciclagem dos professores e levar a educação de uma forma simples para lugares onde é difícil, como é o caso da Amazônia que você acabou de dizer, não é? Nós hoje temos uma experiência fantástica, que é o CTA [Centro de Trabalhadores da Amazônia] com mais de trinta escolas para seringueiros utilizando uma cartilha que a gente chama de Poronga, que foi feita juntamente com eles e levando em conta a realidade da Amazônia, tanto do ponto de vista da proposta pedagógica, quanto do ponto de vista de atualizar a realidade. Por exemplo, durante o período do inverno, as crianças não vão trabalhar com os pais na seringa, então, há escola. Depois, no verão, que eles têm que trabalhar, aí eles ficam de férias. Quer dizer, existem “n” formas de fazer frente a essa questão. Na nossa prefeitura, nós estamos utilizando os espaços alternativos. A prefeitura oferece os professores, a merenda e o apoio pedagógico e utiliza espaços de comunidades eclesiais de base, da Igreja, de associações. É claro que essa realidade tem que mudar para que o ensino popular não seja, digamos, um ensino inferior, não seja negligenciado, não é isso?, mas eu acho que a gente tem que fazer uma grande frente para tentar acabar com essa questão do analfabetismo.

Jefferson Coronel: Senadora, eu queria voltar à questão da sua eleição. Em que medida o PT contribuiu para esse fenômeno que a mídia está lhe considerando, levando em conta que o Lula foi o único presidente que esteve no Acre e não teve lá uma excelente votação e que o PT teve alguns problemas muito sérios, principalmente depois da morte do Chico Mendes [Francisco Alves Mendes Filho], do qual a senhora se diz seguidora. O PT teve muita complicação por lá, as disputas que se seguiram à morte de Chico Mendes complicaram o partido por lá. Então, qual foi à contribuição do PT para a sua eleição?

Rodolpho Gamberini: E o Lula perdeu no Acre...

Marina Silva: Perdeu, infelizmente. Veja bem, o PT tem uma grande colaboração sim, eu sou uma pessoa identificada com o Partido dos Trabalhadores. Eu me filiei ao PT em 1985. Mas o fato de nós termos uma trajetória de coerência, de muitas lutas, isso faz com que a gente seja um referencial na sociedade, tanto é que, em 1990, nós fomos para o segundo turno e o Jorge Viana quase foi o governador do Acre [engenheiro florestal, iniciou sua carreira política nos anos 1980, quando prestou assessoria técnica ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, foi convidado pelo PT a participar das eleições para governador em 1990, sendo o único petista a ir para o segundo turno. Em 1992 foi eleito prefeito e, em 1998, governador do Acre, sendo reeleito em 2002. Ver entrevista com Viana no Roda Viva]. Em 1992, nós conseguimos elegê-lo prefeito da capital de Rio Branco e estamos fazendo um excelente trabalho na área de educação, saúde, urbanização nos bairros da periferia. Então, o PT colaborou muito, na medida em que ele também é um dos precursores da organização dos movimentos populares.

Jefferson Coronel: A senhora acha que a seringueira ainda é uma alternativa econômica lá para o Acre? A senhora fala em educação voltada para essa área.

Marina Silva: Olha, existe uma realidade de milhares de pessoas que moram no meio da floresta. Nós, hoje, estamos tentando, a duras penas, rever a política de desenvolvimento para a Amazônia. Eu acho que a extração da borracha no molde da política tradicional, da atividade como era, não tem saída. Eu acho que é preciso que se faça frente [a isso] com uma nova proposta, buscando novas técnicas, inclusive, introduzindo novos produtos. No caso do extrativismo, nós temos experiências fantásticas, como é o caso da cooperativa de Xapuri, do projeto Reca [Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado], onde nós estamos trabalhando a idéia dos sistemas agro-florestais. E, a partir disso, nós queremos dar uma saída de desenvolvimento para a Amazônia que não seja aquela que foi feita até agora.

Rodolpho Gamberini: O que são esses sistemas agro-florestais?

Marina Silva: Você tem um consórcio onde você pode utilizar o mínimo de espaço de terra, derrubar o mínimo possível e, às vezes, nem precisa derrubar a floresta, aí você pode adensar com o açaí, a pupunha, o cupuaçu, o cacau, são culturas perenes que podem ser utilizadas; dá uma rentabilidade muito grande para os produtores e, ao mesmo tempo, não devasta as florestas. Então, o sistema agro-florestal combina essas atividades com o extrativismo tradicional.

Rodolpho Gamberini: Combina a sobrevivência do homem com a sobrevivência da floresta, é isso?

Marina Silva: Exatamente, com a preservação do meio ambiente, porque o que nós queremos não é fazer daquilo ali um santuário, como algumas pessoas, às vezes, nos acusam e têm até, talvez, alguns que pensam assim. Nós queremos dar, realmente, uma viabilidade econômica para a Amazônia. Eu sempre digo que as políticas de investimento na Amazônia, é como se quisessem fazê-la deixar de ser a Amazônia, não é isso o que nós queremos, nós queremos desenvolvê-la, mas queremos que ela continue sendo a Amazônia.

Jefferson Coronel: Senadora.

Heródoto Barbeiro: Senadora, eu tenho... Eu queria passar a primeira palavra para a Taís, senadora, que está aqui ao lado direito da senhora, mas antes eu queria que a senhora respondesse ao professor Henrique Levy, que está vendo à senhora em Recife, Pernambuco, ele quer que a senhora comente rapidamente a seguinte afirmativa do seu colega Aloizio Mercadante, dizendo o seguinte: “nosso partido tem que se repensar, ouvir o recado das urnas e construir uma cultura política de mais diálogo com a sociedade e aliança com outras forças políticas.” Qual é o comentário rápido que a senhora tem sobre isso?

Marina Silva: Olha, eu acho que é uma posição adequada ao momento que nós estamos vivendo. Eu concordo inteiramente com o que o Mercadante está dizendo. Eu acho que nós temos uma trajetória política que a sociedade nos respeita, tanto é que nós conseguimos um referencial fantástico em termos de sociedade. No entanto, nós precisamos estar abertos às novas propostas, às novas posições, a um diálogo maior com a sociedade, inclusive, com outros partidos. Eu defendo essa tese do Mercadante tranqüilamente.

Heródoto Barbeiro: Pois não, Thaís.

Thaís Oyama: Senadora, eu queria só retomar um pouco o que disse o Gamberini e o Aurélio também lembrou, a senhora foi alfabetizada aos 16 anos, mas, além do fato de ter sido alfabetizada aos 16, a senhora é mulher, negra e de origem humilde. Com tudo isso, acho que a senhora deve ter tido várias chances de ser alvo de discriminação. Gostaria que a senhora relatasse situações em que essa discriminação ficou evidente por alguns dos três motivos ou os três juntos?

Marina Silva: Veja bem, é incrível essa coisa, não é? As pessoas sempre me fazem essa pergunta, mas por incrível que pareça, eu não tenho, assim, um fato em que eu possa dizer que houve uma discriminação velada pelo fato de ser mulher ou ser negra. Até porque, quando eu apareci publicamente, eu já vim com uma força tão grande que foi me dando um crédito, uma respeitabilidade muito grande. Então, as pessoas me identificavam muito como uma pessoa corajosa, lutadora, batalhadora no meu estado; “por que você vai votar na Marina? Porque ela é guerreira, é lutadora é batalhadora”. Então, é claro que existe sempre aquela coisa, mas são tão pequenas e tão insignificantes no geral. Até mesmo os meus adversários me respeitam muito.

Thaís Oyama: É curioso isso, porque o Acre, justamente...

Marina Silva: É, exatamente. Isso não é uma regra, certo? Eu diria que é até uma exceção. Mas [devido] ao fato de ter conseguido me alfabetizar aos 16 anos e ter toda essa trajetória, eu não coloco isso como: “Ah! Se, se esforçar o suficiente, todo mundo vai conseguir isso!” Eu acho que é fundamental o esforço, é fundamental a determinação do sujeito, da pessoa. No entanto, se não existirem políticas públicas para educar a sociedade, para contribuir com o progresso social e cultural deste país, não adianta o indivíduo por si só achar que o esforço dele sozinho vai resolver os problemas.

Thaís Oyama: Mas a senhora é o exemplo disso...

Marina Silva: É, eu sou um exemplo. Mas eu acho que eu contei com a minha determinação e com pessoas que me ajudaram, não é? Então, entram esses componentes aí. Porque, às vezes, eu tenho medo de que um exemplo muito bom... Porque é bom que a juventude, a sociedade tenha como referencial a vontade, certo? O desejo de querer saber, de estudar, batalhar. No entanto, a gente não pode achar que aqueles que não conseguiram são porque não se esforçaram o suficiente. Eu tenho oito irmãos e eu acho que eles gostariam muito de ter estudado também mas, infelizmente, era impossível lá no seringal. Depois, passou o tempo e não era mais possível. Eu fui a exceção.

Rodolpho Gamberini: Você acha possível a sua história se reproduzir e que outras pessoas com a sua situação de vida consigam se sobressair e sair dessa situação de pobreza, de miséria, de analfabetismo e venham a ser pessoas como você, de destaque na sociedade?

Marina Silva: Com certeza.

Rodolpho Gamberini: Você acha que todas as pessoas têm essa condição?

Marina Silva: As pessoas têm. Todas as pessoas têm esse potencial, não é? Todos os seres humanos, enfim. Agora, é claro que, às vezes, lhe falta a oportunidade, a possibilidade de exercitar e de colocar o seu potencial em marcha para se desenvolver.

Heródoto Barbeiro: Senadora, vamos a pergunta do Ronaldo Brasiliense, pois não, Ronaldo.

Ronaldo Brasiliense: Quanto à questão da reserva extrativista que a senhora conhece bem, lá, no Acre, há duas reservas extrativistas: a de Chico Mendes e a do Alto Juruá. Pouca gente sabe que o presidente do SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Na época o presidente da entidade era o geógrafo Aziz Ab’Saber, consultor ambiental do PT durante os anos 1990. Ver entrevista com Ab'Saber no Roda Viva], que é do PT, diz que as reservas extrativistas não são viáveis economicamente, porque não garantem a sobrevivência dos próprios povos das florestas lá. Diante dessa afirmação de um cientista renomado que é do seu partido, a senhora não acha que, ao lado da castanha-do-Pará e outros produtos que a senhora citou, a exploração madeireira poderia ser agregada? Como a senhora vê a questão da exploração do mogno, por exemplo, que está na “crista da onda” lá no Acre?

Marina Silva: Veja bem, as reservas extrativistas, realmente, elas são uma conquista dos seringueiros. E eu diria uma conquista da Amazônia e do povo brasileiro, porque é uma forma de preservar aquele patrimônio fantástico que é também da humanidade e, portanto, há essa tentativa de darmos uma viabilidade econômica para elas. Hoje, o grande desafio de todos nós é de fazermos com que as reservas extrativistas dêem algum retorno para as pessoas que moram lá. Então, essas iniciativas, como eu estou lhe falando, da cooperativa de Xapuri e do projeto Reca, são, digamos, tentativas que nós estamos fazendo dentro das reservas extrativistas, mesmo sem apoio de governos, em muitos casos. Por exemplo, o projeto Reca começou com a ajuda da Igreja [Católica], com recursos de fora, e a cooperativa de Xapuri também. A questão da madeira é uma coisa que pode ser utilizada, sim, só que é necessário haver critérios para a exploração da madeira, não se pode fazer do jeito que está se fazendo hoje. Por exemplo, você pega um mogno, dois metros cúbicos de mogno e o seringueiro vende lá a árvore por quinze reais, por exemplo. O madeireiro que compra dele, vende para fora, exporta, por mais ou menos quinhentos reais, não é? E depois lá, esse exportador vende por 1.500 reais. E, no fim, você compra o móvel que é feito lá na Europa por mais de três mil reais. Quer dizer, não tem inteligência nenhuma nessa forma da exploração da madeira. Desse mesmo jeito, a Amazônia passou mais de cem anos com a exploração da borracha, e o que é que ficou na Amazônia? Absolutamente nada. Hoje, o povo está morrendo de fome.

Heródoto Barbeiro: Agora, senadora, a senhora é favorável à intervenção da ONU na Amazônia, como foi proposto, para evitar, entre outras coisas, essa questão do mogno, que a senhora acabou de colocar ou não?

Marina Silva: Veja bem, eu acho que...

Heródoto Barbeiro: Alguma participação, ainda que não seja formal?

Marina Silva: Olha, veja bem, eu acho que nós, os brasileiros, temos que, inclusive... Claro que nós não vamos rejeitar o apoio daqueles que querem nos ajudar com bons propósitos. Mas nós temos condições de gerenciar esse processo, sabe?

Heródoto Barbeiro: Sem a ONU?

Marina Silva: É. Eu acho que a ONU pode ser um espaço de negociação e discussão de alguns problemas que são de interesse da humanidade. Mas, nesse caso da Amazônia, eu acho que nós temos condições de fazer [sozinhos]. Acho, inclusive, que a Amazônia deve ser o cartão de visita do Brasil no Primeiro Mundo, sabe? É a nossa entrada no Primeiro Mundo. Eu acho que eles já destruíram, digamos assim, o seu meio ambiente. E nós poderíamos dar uma grande lição de como desenvolvemos a Amazônia sem destruí-la.

Heródoto Barbeiro: Paulo Panayotis.

Paulo Panayotis: Senadora, pela suas declarações, a senhora está colocando que é a favor do desenvolvimento auto-sustentável?

Marina Silva: Exatamente.

Paulo Panayotis: O que não ficou muito claro para mim é qual é o conceito da senhora em relação ao desenvolvimento sustentável? O que é, para a senhora, e quais são as propostas que a senhora tem para resolver essa situação?

Marina Silva: Veja bem, para mim... Um dia desses, eu estava conversando com um amigo e alguém falou sobre ecologia – era uma entrevista de um jornal inglês – e eu dizia: “incrível como a gente estava fazendo ecologia e nem sabia que o nome era esse, não é?” Então, com relação ao desenvolvimento auto-sustentável, eu diria o seguinte: “a partir do momento em que nós tivermos condição de fazer com que a nossa região se torne auto-suficiente e, ao mesmo tempo, de preservar a natureza, os recursos naturais, que hoje é, digamos assim, uma das maiores reservas do planeta – e que não é só uma responsabilidade nossa –, nós estaríamos praticando o desenvolvimento sustentável, não é?” Nós precisamos fazer isso. Até por uma questão de sobrevivência da humanidade. Eu acho que os recursos naturais são finitos. Nós precisamos explorar racionalmente a natureza. Eu já falei que não era a favor de se fazer daquilo ali um santuário. Mas é preciso haver uma racionalidade entre a ação do homem e a natureza, ao mesmo tempo em que você utiliza a natureza para a sua produção, você consegue preservá-la, para mim é isso.

Paulo Panayotis: E a senhora aceitaria recursos externos para viabilizar isso?

Marina Silva: Claro, aceitamos. Nós já aceitamos recursos externos para tanta coisa que são até nefastas ao nosso país.

Marco Uchôa: Senadora, os seus amigos comentam que quando a senhora entrou na política, a senhora não parava de citar Marx. Em seus discursos sobravam palavras como: “dialética e historicamente”. A senhora começou na política junto com o deputado [José] Genoino, do PRC [Partido Revolucionário Comunista, incorporado depois ao PT]. A senhora era da ala radical desse partido, como foi essa virada? E que crítica a senhora faz a ala mais radical do PT hoje?

Marina Silva: Eu imagino até quem seja esse amigo que falou isso. [risos] Veja bem, eu acho que todos nós passamos por um determinado momento, na nossa trajetória política, e o movimento estudantil é um espaço bastante fértil, pelo menos na minha época, para essas questões. Eu entrei em contato com o marxismo, com o leninismo, com vários “ismos” dentro da universidade, e até tive um momento, eu acho que de mais um “ismo” que era o materialismo, mas era até meio, eu acho que no fundo, no fundo eu sempre fui uma pessoa com o conteúdo místico muito forte. Eu acho que a vida, a relação com o mundo, com as pessoas, com a realidade vai modificando um pouco o discurso que a gente tem dessa forma radical como você está dizendo. Acho que foi uma experiência muito rica, até para que a gente possa entender os limites dessa radicalidade quando se depara com a realidade. Então, foi uma trajetória da minha vida, e eu hoje tenho posições que eu acho que são completamente diferentes, eu sempre costumo dizer: “quem não foi marxista durante o período do marxismo, perdeu tempo, agora, quem continua sendo [marxista] está fora do tempo”.

Marco Uchôa: Agora, que crítica que a senhora faz a ala radical do partido hoje?

Marina Silva: Veja bem, eu acho que o PT tem uma riqueza muito grande, que é ter a possibilidade de vários pensamentos. Dizem que "toda a unanimidade é burra", o poeta já disse, não é? [frase, na verdade, dita por Nelson Rodrigues] Então, o PT tem essa capacidade. Eu acho que a gente tem que procurar um caminho que coloque o partido na atualidade dos problemas que ele está vivenciando, não é? Nós surgimos de uma trajetória do movimento sindical, social, que é importante, que afirmou o PT como um partido socialista, que tem uma referência na sociedade, no movimento organizado. Mas, hoje, eu vejo que nós temos duas questões, que é o fato de estarmos dentro da institucionalidade em várias prefeituras e, agora, em governos do estado e dentro do próprio Parlamento. Então, não dá para ficar atirando pedras em si mesmo, negando a questão do Estado, como se nós tivéssemos que destruir o Estado. Nós estamos dentro dele e temos que aprender a viver esse novo momento. Eu acho que nós temos que fazer uma política afirmativa, não dá mais para ir só pela negação. A sociedade está cansada de ver apenas o diagnóstico dos seus problemas, ela quer ver as respostas.

Thaís Oyama: Senadora, aproveitando essa questão do Marco Uchôa, a senhora, dentro dessa coisa de fazer parte da ala moderna do PT, como a senhora mesmo disse, eu queria saber a sua posição em relação a duas coisas: uma eventual participação do PT no governo do Fernando Henrique, e uma questão que, para mim, é curiosa e divide um pouco o partido, que é essa contribuição obrigatória dos 30% [que os parlamentares eleitos pelo PT tem que retirar dos seus ganhos e repassar para o partido]. Eu gostaria de saber o que a senhora acha a respeito dessas duas questões?

Marina Silva: Com relação ao governo do Fernando Henrique: eu acho que o governo do Fernando Henrique, não dá para ninguém querer encará-lo como se fosse o governo Collor, pois não é. O Fernando Henrique tem uma trajetória respeitada na sociedade, no meio acadêmico, na sociedade de um modo geral. É um intelectual de renome, que tem um respeito grande no país e fora dele e ele saiu dessas eleições fortalecido. Eu diria que com todas as condições para governabilidade. Tanto é que ganhou já no primeiro turno, tem condições de fazer as reformas que hoje o país está necessitando para poder sair da crise, já que tem a estabilização econômica. E o PT vai ser oposição a esse governo, só que nós não devemos ser uma oposição no sentido destrutivo da palavra. Eu acho que tem que ser uma oposição afirmativa. E aí o governo tem que estar aberto, porque ele tem condição de apresentar os seus projetos, e nós vamos cobrar os compromissos que o governo assumiu. E eu defendo que a gente não precisa estar dentro do governo para poder ajudar o país, ajudar a nação. Nós podemos ajudar o país, a nação, oferecendo propostas, acatando, inclusive, as propostas que estejam corretas no governo do Fernando Henrique e vice-versa. O governo também tem que aceitar as propostas do partido e da sociedade. Eu acho que o momento é este. Se não formos capazes de fazer isso, eu acho que a sociedade não agüenta mais o que vem atravessando no decorrer desses anos. E o PT vai estar aberto para isso, eu tenho certeza.

Heródoto Barbeiro: E os 30%?

Marina Silva: Ah, os 30%. Os 30%, veja bem, um partido com a trajetória política do PT, ele firma a sua, digamos, a sua finança, a sua possibilidade de se viabilizar com o apoio...

Heródoto Barbeiro: A senhora vai pagar os 30%?

Marina Silva: Eu já pago.

Heródoto Barbeiro: A senhora já paga?

Marina Silva: Como deputada e como vereadora eu já pagava.

Thaís Oyama: Como deputada e como vereadora?

Marina Silva: Como vereadora, quando eu era, eu pagava e como senadora...

Marco Uchôa: Não é acumulativo, não é Marina?

Marina Silva: Não.

Heródoto Barbeiro: Senadora.

Marina Silva: Veja bem.

Heródoto Barbeiro: Vamos à pergunta de Joaquim de Carvalho, que ainda não fez uma pergunta, Joaquim, por favor.

Joaquim de Carvalho: Senadora, a sua candidatura, ou a candidatura de outros políticos do PT no Acre teve uma trajetória meio oposta à candidatura do Lula. A senhora estava em 4º lugar nas pesquisas, pouco antes da eleição. O Lula começou a campanha em primeiro lugar disparado. A senhora teve um apoio da Igreja [Católica] no seu estado, das comunidades de base, o PT nacional não tem mais esse apoio. Eu queria saber que lição o PT nacional tem a tirar da eleição do PT do Acre?

Marina Silva: Veja bem, no caso da minha candidatura, realmente, tem um problema aí. Porque as pesquisas diziam que eu estava em 4º lugar, mas é meio complicado, porque as pesquisas internas, as que não eram publicadas, elas davam conta de uma outra realidade. As pesquisas ainda diziam que eu estava em 4º lugar vinte dias antes das eleições, e nós sabíamos que isso não era verdade. Tanto é que no programa do Jô [Soares. Ver entrevista com Jô Soares no Roda Viva], o próprio diretor do Ibope parece que me mandou uma cartinha explicando que não teve tempo de acompanhar o processo todo lá no Acre, mas as pesquisas foram muito perversas com a gente lá. Diziam que o nosso candidato a governador estava fora, que eu estava em 4º lugar. Eu fui a mais votada e o candidato ao governo pelo PT ficou fora por 2%. Então, essas coisas das pesquisas, eu não sei como é aqui no sul do país, mas, geralmente, no norte e no nordeste é muito complicado isso.

Joaquim de Carvalho: E o que é que diferenciou a campanha do PT no Acre, da campanha do PT, da candidatura do Lula?

Marina Silva: Do Lula, veja bem...

Joaquim de Carvalho: A executiva atrapalhou?

Marina Silva: Nós, no Acre, temos uma experiência desde cedo que foi no sentido de fazermos uma política afirmativa, do ponto de vista de apresentarmos propostas e de tentarmos entrar em uma disputa que não fosse tão ideologizada. É claro que nós também levantamos os problemas, mas foi uma política que, eu diria, mais afirmativa, no sentido de apresentar alternativas. Tanto é que, em 1990, o nosso slogan era “o Acre tem jeito”. Com relação à questão do Lula, eu acho que a sua derrota tem que ser entendida dentro de um contexto geral, já que uma série de fatores contribuiu para que o Lula perdesse as eleições. Eu poderia até elencar alguns deles. Por exemplo, nós estávamos em uma disputa onde o Lula começa bem em cima, em primeiro lugar, só que é muito difícil você ganhar uma eleição contando apenas com uma arrancada inicial, quando, na verdade, nos estados, nós não tínhamos candidaturas fortes ao governo do estado; precisaríamos ser alavancados por candidaturas fortes nos estados; tínhamos poucas prefeituras e alguns erros nós cometemos. Eu acho que existem fatores que são internos e externos, eu não sou daquelas que acha que a culpa foi só externa. Eu acho que houve também problemas com relação à mídia, pesquisas, uma série de coisas. Agora, nós também cometemos alguns erros...

Joaquim de Carvalho: [interrompendo] Senadora, eu queria falar sobre as pesquisas. As pesquisas a que a senhora se refere são feitas pelo Ibope. Para eu entender, a senhora está dizendo que a pesquisa errou porque ela foi comprada, ou porque houve erro técnico, ou porque... O que a senhora acha que aconteceu?

Marina Silva: No caso do Acre, você quer dizer?

Joaquim de Carvalho: No seu caso, em que a senhora estava em 4º lugar.

Rodolpho Gamberini: A senhora disse que foi complicada, complicada que dizer manipulada?

Jefferson Coronel: A senhora não acredita no Ibope?

Marina Silva: Veja bem, eu acho que a pesquisa reflete um momento da intenção do eleitor. Agora, eu não sei como aconteceu no caso do norte, eu diria que houve uma complicação porque eu não dei uma virada de última hora. Eu acho que, talvez, os diretores do Ibope possam dar uma resposta mais convincente para esse fenômeno, mas não foi uma virada em vinte dias da situação em que eu estava para o primeiro lugar, isso aí eu tenho certeza.

Rodolpho Gamberini: Todo o partido quando perde uma eleição e, no caso do PT, na eleição para a presidência passa a fazer autocrítica, fala que tem que controlar a ala radical, o partido tem que se modernizar, fazer isso, fazer aquilo. Uma das idéias do Lula é levar o PT de São Paulo para Brasília. Como acreana, a senhora acha que o PT é paulista demais?

Marina Silva: Veja bem, o PT tem, digamos, no ponto de vista de sua história, São Paulo tem um peso muito grande, eu diria até que se o partido político tivesse berço, São Paulo pode ser o berço do PT, mas...

Rodolpho Gamberini: E isso é ruim para o partido?

Marina Silva: Não, eu não diria que é ruim. Eu acho que é ruim se, de repente, houver um desconhecimento da realidade de um país da dimensão continental que é o Brasil, não é? Mas não diria que é ruim, eu diria que é importante. São Paulo é um estado importante dentro do país. Por exemplo, a eleição de São Paulo foi acompanhada pelo Brasil todo, por todos os estados com interesse muito grande, porque, realmente, é um centro político, econômico, social, cultural que tem uma influência no resto do país.

Rodolpho Gamberini: Mas, pelo fato do PT ter nascido de um seguimento específico da classe trabalhadora que se aliou a intelectuais, que tipo de distorções isso provoca no comportamento do partido, no pensamento do partido, na visão de sociedade do partido, em sua opinião?

Marina Silva: Veja bem, eu acho que os intelectuais do PT ou de qualquer partido, eles têm uma contribuição muito grande a dar. Eu não sou daquelas que despreza a teoria em função da prática não. Eu acho que é fundamental que se tenha uma elaboração teórica dentro de um partido político e em qualquer atividade que se tenha a fazer. Eu acho, inclusive que as elaborações que são feitas pelos economistas, pelos sociólogos, antropólogos, não podem é perder o vínculo com a realidade. E eu acho que o PT tem um entrelaçamento muito forte com a realidade, até pela sua relação com os movimentos sociais, a sua trajetória. Acho que os intelectuais do PT têm sido bastante sensíveis a essa realidade. E eu acho que eles têm dado uma grande contribuição, sim. Por exemplo, a elaboração das reservas extrativistas lá no Acre contou com o apoio de uma pessoa, que é uma antropóloga, que é a professora Mary Allegretti [antropóloga.Trabalhou com Chico Mendes entre 1981 e 1988 divulgando sua luta e suas propostas no Brasil e no mundo] , embora o Chico tenha pensado, mas a Mary nos ajudou a construir isso, então, eu vejo como algo positivo também.

Heródoto Barbeiro: Senadora, eu tenho aqui várias perguntas de várias regiões do Brasil, mas eu gostaria que a senhora respondesse inicialmente a da dona Regina Maria, que é de São Paulo e quer saber o seguinte: “qual é a posição da senhora a respeito do aborto, a senhora é contra ou a favor?”.

Marina Silva: Veja bem, essa questão do aborto, eu acho que, ao falarmos a respeito, temos que, primeiro, evitar aquele discurso maniqueísta do bem e do mal e, às vezes, uma discussão muito moralista com relação ao tema. Eu acho que deve ser discutido, tem que ser discutido, milhares e milhares de mulheres morrem em função do aborto, sem o mínimo atendimento adequado. Agora, eu tenho uma trajetória religiosa, de formação, de igreja, uma série de coisas. E aí eu acho que as pessoas têm que dar o desconto das minhas concepções, dos meus princípios religiosos. E eu sou contra o aborto, até por uma questão...

Heródoto Barbeiro: A senhora votaria contra, se esse projeto aparecer no Senado lá, na votação...

Marina Silva: Eu tenho que ser sincera, bastante honesta, até por uma questão de coerência, eu votaria contra.

Thaís Oyama: Eu queria que a senhora aproveitasse e falasse um pouco dessa sua passagem, a senhora quase foi freira, como foi que surgiu essa idéia e como foi que ela terminou, a senhora desistiu?

[Risos]

Marina Silva: Veja bem, a minha avó era muito católica, muito religiosa, daquelas que rezava o terço. E ela me falava muito das freiras no Ceará, ela era cearense, e eu me apaixonei pela idéia de servir a Deus como freira, que era uma forma de servir, digamos, com mais firmeza. Tanto é que eu, quando desejei estudar, era porque eu sabia que, para ser freira, eu tinha que estudar, porque não podia ser analfabeta.

Thaís Oyama: Ah, foi por causa disso que a senhora resolveu estudar?

Marina Silva: Exatamente. Foi a “mola propulsora” do meu desejo de querer aprender. Quando eu entrei no convento, eu ainda fiquei no pré-noviciado, eu fiquei dois anos e seis meses. Mas lá eu fui descobrindo uma série de coisas, tipo assim: o fato de que, para servir a Deus, não precisava, necessariamente, ter que ser freira. Eu também comecei a descobrir o lado da Igreja Católica que lidava com os movimentos sociais e comecei a me apaixonar por uma nova forma de religiosidade. Houve também o fato de ter que renunciar a minha sexualidade, uma série de coisas foi surgindo e eu fui assimilando isso tudo. Falei com elas que não queria mais, que achava que o meu caminho era outro e elas compreenderam, e eu saí.

Thaís Oyama: Então, fora a questão social, surgiu um namorado aí no meio do caminho?

Marina Silva: Não, durante o período em que eu estava no convento, não surgiu um namorado, ele surgiu acho que quase um ano depois que eu saí.

Thaís Oyama: Mas quando a senhora fala da sua sexualidade, como é isso, o que é que não combinava lá?

Marina Silva: É o fato de você ter que ser celibatária, não podia casar, por exemplo. E é um componente forte da vida de um ser humano. Então, é algo que não pode ser, digamos, se você deseja negar essa parte da sua vida, pois que negue, se não...

Thaís Oyama: Mas como foi que a senhora descobriu que a senhora não desejava negar essa parte da sua vida?

Marina Silva: Como que eu descobri? Claro, você é um ser humano que pensa, você tem uma dimensão da tua vida, dos teus desejos, é a partir disso que você sente que uma vida celibatária não corresponde a sua vida.

Ronaldo Brasiliense: Senadora, voltando à questão do PT no Acre. Nessa eleição, a senhora se elegeu como a mais votada, mas o governo do estado foi ganho por um fazendeiro, um latifundiário que era prefeito de Cruzeiro do Sul, o Orleir Cameli, que é do PPR [Partido Progressista Reformador]. Como a senhora está vendo o futuro do PT lá? O PT vai chegar ao governo do Acre, com a senadora Marina? E como é que o PT pretende ganhar o poder lá?

Marina Silva: Veja bem, essa questão da disputa política é muito complicada, porque, apesar do que a gente já conseguiu quebrar essa idéia do assistencialismo, do clientelismo, porque a eleição do Jorge [Viana], em 1992, foi uma quebra dessa forma de fazer política, ainda isso é muito forte, muito presente, certo? E eu acho que é possível sim, chegar... Eu espero que, em 1998, a gente chegue ao governo do estado, até para que essas idéias todas possam ser implementadas.

Heródoto Barbeiro: A senhora vai ser candidata?

Marina Silva: Não, eu, na minha vida, as coisas nunca...

Heródoto Barbeiro: É que alguém perguntou aqui, por isso que eu estou dizendo.

Marina Silva: Não funciona assim comigo, eu quando fui eleita vereadora eu não estava me programando para ser deputada estadual, e quando eu era deputada estadual eu não me programei para ser senadora. Inclusive, foi difícil convencer o partido para sair senadora, porque eles achavam que era mais fácil eu ser candidata a deputada federal, que ganhava mais fácil. E aí nós tivemos – eu inclusive – de convencer que tínhamos que disputar o Senado para ser uma alternativa no Senado, muito embora, corrêssemos o risco de perder. Então, não tem na minha vida isso. O que eu quero fazer é um bom trabalho como senadora. Eu quero trabalhar duas questões que, para mim, são fundamentais: essa questão da Amazônia e a questão dos excluídos. Eu acho que é fundamental que se tenha um grande movimento, isso, o Betinho já está fazendo, e eu quero ajudar nessa luta, pela minha trajetória, pela minha origem.

Heródoto Barbeiro: Senadora, a senhora citou rapidamente a questão do Chico Mendes, eu tenho aqui uma porção de perguntas relativas a isso. Nós temos aqui uma pergunta do senhor Luiz Assis de Carvalho, do Rio de Janeiro. Senadora, o que é que acontece com os assassinos do Chico Mendes? Eles não são presos porque o governo não quer? Porque eles estão escondidos? Como esse pessoal continua impune por lá, não se fala mais nisso, a imprensa não fala mais, é o que está parecendo. Há uma conivência entre as autoridades e esses assassinos? Qual é a opinião da senhora, a senhora que conhece bem o que está se passando lá.

Marina Silva: Veja bem, essa questão do assassinato do Chico foi uma coisa terrível, porque o Chico anunciou que seria assassinado e, infelizmente, ocorreu como ele havia dito. Depois, foram presos o assassino e o mandante, e foi um exemplo para o país, foi uma coisa, assim, que eu considero um avanço com relação à impunidade no campo [que] pela primeira vez foram presos: o assassino e o mandante. Infelizmente, eles fugiram, e eu não tenho nenhuma dúvida de dizer que foi com a conivência de, pelo menos, alguns policiais, porque o Darly estava com uma pneumonia muito forte, ele não tinha condições de fugir se não tivesse um apoio dentro da própria penitenciária. E, infelizmente, realmente as coisas estão paralisadas, a polícia...

Heródoto Barbeiro: A senhora acha que há conivência do governo com isso, ou não, com a não captura deles?

Marina Silva: Olha, eu acho que, no caso, a conivência se faz indiretamente, pelo fato de que a polícia é muito desestruturada, sem condições de trabalho, sem condições de atuar.

Heródoto Barbeiro: Não tem nenhuma vontade política de prendê-los, é isso?

Marina Silva: É. Eu diria que se houvesse vontade política, o esforço poderia ser maior. E aí eu acho que não é só uma questão do governo estadual, tem que entrar também o governo federal. A Polícia Federal lá é desequipada, os agentes estão ganhando muito mal e eles não têm condições de trabalho. Efetivamente, eu tenho que reconhecer isso por uma questão de justiça. Eu acho que deveria haver, não é?, através do governo federal, uma relação maior com os governos do Peru e da Bolívia para ver se esses indivíduos não estão escondidos lá, uma ação mais enérgica no sentido de prendê-los, não é? Infelizmente, isso não vem ocorrendo, a sensação de impunidade é muito grande.

Jefferson Coronel: Senadora... Desculpe interromper, a senhora é favorável a política de incentivos fiscais na Amazônia, tipo o Sudam, por exemplo. Isso é muito polêmico e tem projetos no Congresso, tem muita discussão. Diz-se que quatrocentos mil quilômetros quadrados de Amazônia já foram devastados por incentivos fiscais.

Rodolpho Gamberini: Tem um projeto... Desculpe.

Jefferson Coronel: Pois não.

Rodolpho Gamberini: Tem um projeto do vice-presidente da República hoje, Marco Maciel, quando ele era senador, que concede incentivos fiscais na área da Sudam até o ano 2000.

Jefferson Coronel: Aprovado.

Rodolpho Gamberini: O que a senhora acha?

Jefferson Coronel: Sudam e Sudene.

Rodolpho Gamberini: Sudam e Sudene, o que a senhora acha desse projeto?

Marina Silva: Veja bem.

Rodolpho Gamberini: ...Do hoje seu vice-presidente da República?

Marina Silva: A questão dos incentivos fiscais que você falou é muito interessante, porque foram despejados milhares de dólares na Amazônia em nome do desenvolvimento. Era ocupar a Amazônia, pois era como se ela estivesse desocupada. Só que os incentivos fiscais, no meu ponto de vista, foram destinados às atividades econômicas que em nada beneficiaram a Amazônia. Eu acho até que podem existir sim os incentivos, desde que sejam para atividades que compatibilizem a questão da preservação ambiental, em experiências, em projetos que compatibilizem essa questão da preservação ambiental e que dê retorno, dê respostas às populações que moram ali. Porque antes, você tinha o seringal nativo, por exemplo, com cem, duzentas famílias, de repente, esse seringal foi desativado com o apoio do governo, com recursos do governo.

Rodolpho Gamberini: Só uma questão para a gente entender que a gente não conhece. Um seringal para cem, duzentas famílias, ocupa que área de floresta?

Marina Silva: Olha, ele ocupa uma área muito grande, viu? Eu acho que chegaria a mais de dois mil hectares de terra.

Rodolpho Gamberini: Não é uma ocupação baixa?

Marina Silva: Não, em termos...

Rodolpho Gamberini: ...Manter essa ocupação não é pouco?

Marina Silva: Veja bem...

Joaquim de Carvalho: Uma região tão cobiçada?

Rodolpho Gamberini: A questão que ele levantou do Aziz Ab'Saber. Isso é praticamente inviável economicamente, esse projeto, não é isso?

Jefferson Coronel: Não vai sustentar a Amazônia por muito tempo.

Joaquim de Carvalho: A reserva Chico Mendes tem 960 mil...

Marina Silva: ...Mil hectares de terra. Mas aí ela compõe vários seringais, porque um seringal só, ele depende, não é? Uma unidade de produção, com várias colocações de seringa, certo? Cada colocação tem, no mínimo, três estradas de seringa; cada estrada de seringa, para você percorrê-la, tem que andar, no mínimo, sete quilômetros. Então, uma reserva é composta de vários seringais e cada seringal se compõe de várias colocações de seringa. No caso das reservas, eu acho que o incentivo fiscal, como ele perguntou, que é uma coisa importante para nós, ele pode ser feito, desde que... Por exemplo, o projeto Reca pode pegar recursos a juros subsidiados, pode ser isento de determinadas taxações, porque é algo rentável, que dá retorno e que dá conta da vida daquelas pessoas. Uma família no projeto Reca tem um retorno muito grande. É um projeto de desenvolvimento sustentável que tem na vila Extrema e [Nova] Califórnia. No caso das fazendas, você pega dinheiro do governo, da sociedade, planta, bota lá duas, três vacas, dois ou três peões e, no entanto, você expulsa várias famílias que vão morrer de fome, se prostituir na periferia da cidade. Então, a esse tipo de incentivo, aí eu sou contra.

Jefferson Coronel: E a estrada do Acre ao Pacífico, passando pelo Peru, a senhora é contra ou a favor desse projeto, também muito polêmico?

Marina Silva: Veja bem, a questão da estrada, todos nós somos a favor, certo? Eu acho que é fundamental. Nós precisamos da estrada, principalmente para a ligação interna. O Vale do Acre não se liga com o Vale do Juruá, no Acre, não é?, porque tem uma parte que você só tem acesso através de aviões, então, é muito difícil isso, é muito penoso para todos nós. Nós precisamos da estrada. Agora, a estrada por si só não é sinônimo do progresso, certo? Todos nós sabemos que o Nordeste, por exemplo, está cheio de asfalto e, no entanto, isso não significou melhoria de qualidade de vida para aquelas pessoas. No caso do Acre, a estrada, que é o grande sonho dessa ligação, nós queremos que ela seja acoplada a um projeto de desenvolvimento. Nós não queremos a estrada “para ver a banda passar”. Nós queremos ter algo a oferecer, do ponto de vista do comércio que pode se estabelecer ali.

Rodolpho Gamberini: O quê, por exemplo?

Paulo Panayotis: Senadora, todos os ambientalistas com raras exceções, eles são contrários a essa estrada, por que eles são contrários? Eles alegam o quê? Como a senhora vai compor esse tipo de situação quando a senhora assumir o governo?

Marina Silva: Veja bem, o medo que os ambientalistas têm... Primeiro, a questão da demarcação das terras indígenas é algo muito forte. Hoje, eles conseguiram a questão da demarcação de suas terras e vários, inclusive, a sua regulamentação, certo? Então, é uma conquista a questão das reservas extrativistas, por exemplo, e a presença de pequenos e médios produtores à margem dessa estrada. É preciso que haja um zoneamento agro-ecológico para que fique bem definida a base de desenvolvimento para o estado do Acre e para a Amazônia, para que a estrada não venha e traga aquela visão de progresso, que acham que é progresso mas que, para nós, é sinônimo de miséria, que é simplesmente você implantar grandes fazendas ou tentar implantar um modelo, quem sabe até de indústria, que é completamente nefasta à nossa região. Acho que a saída está na utilização dos nossos recursos. Hoje, no campo da pesquisa, sequer 5% do potencial da Amazônia é estudado. Então, tudo isso precisa ser levado em conta. A estrada acompanhada de todas essas medidas de projeto de desenvolvimento compatível com a nossa realidade, ela é um bem, até porque nós precisamos dela também.

Heródoto Barbeiro: Senadora, nós vamos fazer um rápido intervalo, antes eu quero dizer para a senhora, que a senhora respondeu a pergunta aqui, de dona Francisca de Oliveira, de Monte Belo, no interior de Minas Gerais, o senhor Anderson Valverde, de São Paulo, o senhor Reginaldo da Silva, de São Paulo e o senhor Mendes Mauli, que está vendo à senhora em Joinville, Santa Cataria, o Roda Viva faz um intervalo e nós voltamos já, já.

[intervalo]

Heródoto Barbeiro: E nós voltamos aqui com o Roda Viva. E hoje aqui nós estamos entrevistando a senadora eleita pelo Acre, Marina Silva [...] Senadora, o seu futuro colega, Júlio Campos, que é um senador no Mato Grosso está propondo um aumento substancial dos salários dos senadores e deputados federais, ele diz o seguinte: “quatro mil e mais passagem e mais gráfica, telefone, xerox, ajuda moradia etc, poderiam ser trocados por um outro salário de 12 mil. O senador ou o deputado federal receberiam 12 mil reais e não receberiam nenhum tipo de ajuda”. Com qual dos dois salários a senhora fica, com o de quatro mil ou com os 12 mil sem o pagamento das passagens e de outras vantagens que eu acabei de citar?

Marina Silva: Olha, quando se trata de falar em aumentar os salários dos parlamentares a questão fica muito polêmica, porque a sociedade não tem o poder de aumentar o seu próprio salário e aí já vem àquela idéia: “já estão legislando em causa própria”. Eu, como deputada e como vereadora, tive uma atuação muito firme na questão de moralizar o legislativo, de evitar o abuso de algumas medidas. Eu não faço disso uma, digamos, visão de que não se pode discutir o assunto, eu acho que tem que ser discutido sim. No entanto, a sociedade brasileira está passando por uma crise muito profunda. Quem conhece a realidade, no caso do Acre, meu caso, da saúde, da educação, da qualidade de vida das pessoas é algo estarrecedor, de repente, o cidadão se depara com alguém que ganha um salário de quatro mil reais e quer aumentar para 12 mil reais, embora esteja alegando que cortaria algumas vantagens. O problema é que você vai receber isso em dinheiro, em moeda, vai ter que viabilizar a sua própria estrutura. Eu não sei, eu não tenho a noção de que realmente isso daria para viabilizar uma estrutura em termos de fazer a tua atividade parlamentar, porque tem alguns que não precisam de estrutura nenhuma, já que, em muitos casos, não utilizam isso. Então, eu não tenho uma posição fechada a esse respeito. O que eu digo é que precisa ter um critério muito grande com relação à questão da remuneração dos parlamentares e evitar que a sociedade, mais uma vez, nos identifique com aqueles que estão legislando em causa própria em um momento de tanta dificuldade da sociedade brasileira, onde todos estão dando a sua parcela de colaboração.

Heródoto Barbeiro: Ok, Marco Uchôa.

Marco Uchôa: Senadora, eu tenho uma pergunta para a senhora. O Brasil tem cerca de cinco mil Ongs, 45% trabalham com ecologia, esse dinheiro entra do exterior sem nenhum tipo de controle por parte do governo. O Banco Central calcula que, por ano, ou neste ano, foram movimentados quatrocentos milhões de dólares, 80% desse dinheiro vindo do exterior. No caso da Amazônia, é a maior concentração de Ongs. A senhora sente que falta um controle efetivo do governo com relação aos projetos de desenvolvimento? Gostaria que a senhora se posicionasse, quer dizer, está faltando um controle sobre o trabalho dessas entidades aqui no Brasil?

Marina Silva: Veja bem, a gente fica falando o tempo todo em controle social. E, agora, as Ongs estão precisando de controle governamental.

Marco Uchôa: A senhora sente que elas precisam de controle?

Marina Silva: Veja bem, eu posso falar daquelas que eu conheço. As que eu conheço, no Acre, por exemplo, como é o caso do CTA [Centro dos Trabalhadores da Amazônia], como é o caso do Conselho Nacional de Seringueiros, a própria SOS Amazônia, que tem um serviço prestado àquela sociedade, onde a presença do poder público é quase que inexistente. E eles têm um trabalho que não fica apenas na atividade meio, vai até a atividade fim, que é o caso do seringueiro em si. Concretamente, o CTA faz educação no Acre, ele tem mais de trinta escolas que oferece educação para seringueiros e filhos de seringueiros. Concretamente, eles levam saúde. Então, essas pessoas, elas fazem um trabalho sério, honesto. E não tem nenhum problema se o governo quiser fiscalizá-las. E se algumas praticam determinadas irregularidades, essas eu não conheço, mas do ponto...

Marco Uchôa: A senhora não acha que falta uma Legislação firme para controlar?

Marina Silva: Do ponto de vista de evitar abusos ou qualquer tipo de desvio de recursos, é sempre bom que se tenha uma legislação que dificulte ao máximo, isso aí não é válido só para as Ongs, é válido também para o governo, é válido também para o poder legislativo, onde a sociedade percebeu um dos maiores escândalos da história política desse país, que foi a CPI do Orçamento [No final dos anos 1980 e início dos anos 1990 alguns congressistas, denominados posteriormente de "anões do orçamento", envolveram-se em fraudes com recursos do orçamento da União. Em 1993, para apurar o caso, o Parlamento abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que durou aproximadamente três meses e cujo resultado foi a acusação de 18 membros do Congresso]. Eu acho que tudo o que puder ser feito para dificultar qualquer tipo de esperteza, se é que isso se pode chamar de esperteza, deve ser feito.

Jefferson Coronel: Agora, com relação às Ongs internacionais, a senhora não acha que muitas delas atendem a interesses de mercados externos, de mercados europeus, tipo mercado de madeira. O Greenpeace estava na Amazônia há poucos dias e protestou contra o transporte de madeira para a Europa, para os Estados Unidos, mas ninguém do Greenpeace citou, por exemplo, que, em Rondônia, a devastação se deveu ao fato da implantação da agropecuária via incentivos fiscais. Quer dizer, só se referiu à retirada da madeira da floresta ali do Amazonas. A senhora não acha que há um direcionamento para proteger mercados madeireiros que consomem madeira, como é o caso da Europa e dos Estados Unidos?

Marina Silva: Veja bem, eu acho existem Ongs e Ongs, existem aquelas que realmente têm uma preocupação ambiental e, no caso, até tem ajudado bastante o movimento dos seringueiros na questão de repensar a política de desenvolvimento para a Amazônia, como é o caso do projeto Reca. Agora, no caso de proteger alguns interesses, eu acho que é possível que existam algumas... Eu não sei se o fato que você acaba de narrar com relação à omissão deles, no caso da Amazônia, se deve exatamente a isso, eu não queria fazer uma afirmação.

Jefferson Coronel: A senhora conhece algum projeto de ONG internacional que deu certo, que produza trabalho, salário, bem-estar de vida às populações da Amazônia? E elas falam muito, a senhora sabe que elas falam muito em preservar a Amazônia, em não devastar para proteger a população, a senhora conhece algum projeto?

Marina Silva: Olha, há algumas entidades ligadas à Igreja Católica que têm feito isso. O Dom Moacir tem conseguido recursos também, o projeto Reca, quando o ministro ligado à questão da reforma agrária foi ao Acre, ele chegou lá e o governo não tinha nada para mostrar, não teve coragem de ir lá nos projetos de assentamento do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] para mostrar como eles estavam morrendo de fome e de malária lá, no meio do mato, sem estrada, sem nada. Sabe o que ele fez? Pegou um helicóptero e desceu lá no projeto Reca, onde você vê a pupunha, o cupuaçu, o cacau, o açaí, uma série de coisas que  começaram, inicialmente, com dinheiro vindo de fora. Tem muita gente que não tem coragem de ir a qualquer canto onde há políticas do governo brasileiro. Eu não estou querendo dizer com isso que eu sou, digamos assim, contra, não, não é isso, o que eu estou querendo dizer é que existem, sim, algumas atividades que estão dando certo. Eu posso citar duas: essa do projeto Reca e a cooperativa de Xapuri, entendeu? Hoje, eles já estão recebendo dinheiro do governo federal, certo? Tenho que fazer justiça. Hoje, existe, inclusive, um grupo de técnicos ligados ao Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais] que tem o objetivo de viabilizar esses projetos. Por uma questão de justiça, eu tenho que fazer esse registro. Mas, inicialmente, se não fosse a ação da Igreja [Católica], através de Dom Moacir, e dessas entidades internacionais, com certeza, eles continuariam na mesma miséria. Eu fiz um estudo há alguns meses, há uns seis, sete meses atrás: um quilo de castanha in natura estava saindo por 120 reais. Depois de ser beneficiada na cooperativa de Xapuri, ela saiu a quatrocentos reais. Ou seja, você tem um valor agregado fantástico e você gera emprego, riqueza e as pessoas vivem em condições melhores.

Rodolpho Gamberini: A senhora, na primeira parte, antes de nós fazermos o intervalo, a senhora falou que o seringueiro vende o mogno a 15 reais, o atravessador, a senhora não usou o termo atravessador, mas o outro cidadão vende por vinte reais, porque não existe um projeto sério para que se agregue valor ao trabalho do seringueiro na extração da madeira. A agro-indústria ligada à madeira não funcionaria lá?

Marina Silva: Funcionaria.

Rodolpho Gamberini: Por que tem que ser a cultura de frutos nativos? Por que não a madeira?

Marina Silva: Veja bem, eu falei que poderia ser a madeira, só que não poderia ser dessa forma como você acabou de narrar, onde você manda só as toras serradas.

Rodolpho Gamberini: Não, não, mas o que eu estou dizendo é justamente o contrário.

Marina Silva: Eu acho que o governo precisa investir em tecnologia. Nós podemos fabricar os móveis. Por que a gente tem que comprar por três mil reais...

Rodolpho Gamberini: Pode se agregar o valor lá.

Marina Silva: Exatamente, comprar por três mil dólares... Dizem que teve um ministério, não sei se foi o Ministério da Saúde, que tinha uma penteadeira dessas, que custa três mil dólares na Europa. Dizem que tinha em um banheiro de um desses ministérios, eu não lembro exatamente qual era, certo? Saiu até uma reportagem dizendo isso. Só que o seringueiro está vendendo por 15 reais. Por que o governo não investe em tecnologia? Porque a gente não tem condições de ter móveis de fino acabamento, com a melhor madeira do mundo, que é o mogno? Por que nós temos que vender a “preço de banana” e depois comprar a preço de ouro? Eu acho que a política inteligente é isso. Nós podemos fazer... Inclusive, isso gera emprego, receita para o Estado, e nós temos condição de viabilizar. Agora, não dá para querer competir com o mercado externo fazendo as cadeiras, os móveis e as penteadeiras com um formão.

Joaquim de Carvalho: Senadora.

Rodolpho Gamberini: E o capital, de onde vem para isso?

Joaquim de Carvalho: Senadora, a alternativa para desenvolver a Amazônia existe. Por que não se desenvolve? Existe o interesse internacional?

Rodolpho Gamberini: Mineração, por exemplo.

Joaquim de Carvalho: Por exemplo, e eu queria que a senhora respondesse, por que essa estrada bastante importante, já que liga o Brasil ao Pacífico, não sai?

Rodolpho Gamberini: Porque não tem capital na região?

Marina Silva: Veja bem, eu acho que algumas coisas precisam de determinação política, precisam dos recursos para que elas sejam viabilizadas. Agora, se nós formos falar do ponto de vista da determinação política, em alguns momentos, até já foram feitas políticas de incentivos fiscais para a Amazônia. Houve um direcionamento de capitais e não foi pequeno, foi um volume bastante significativo, só que em projetos que eu considero errados e que muitas pessoas consideram que sejam errados. É claro que o Brasil, hoje, está passando por uma situação de dificuldade, mas existe uma série de medidas que podem ser tomadas para que o país volte a crescer, e isso nós vamos enfrentar agora, o novo governo vai enfrentar, todos nós vamos ter que enfrentar. Do ponto de vista dos projetos de desenvolvimento, a Amazônia sempre foi tratada como se fosse um lugar deserto, que não tinha ninguém, precisa ser habitada, explorada. Mas existem pessoas ali, só que eles vivem da forma que é possível economicamente viver ali, e o que se fez foi uma ação criminosa, você derruba a madeira, toca fogo, vira fumaça...

Rodolpho Gamberini: Pastagem.

Marina Silva: É, pastagem e capim. E, às vezes, nem isso, porque a terra era valorizada desde que a floresta não estivesse em pé, por exemplo.

Joaquim de Carvalho: Senadora, a senhora acha que existe interesse americano contra a estrada que liga a região Norte ao Pacífico? Isso é o que se diz.

Marina Silva: Veja bem, houve uma polêmica...

Paulo Panayotis: Já que, com esse porto, se abriria um mercado muito grande com o Pacífico.

Joaquim de Carvalho: Um mercado com os Tigres Asiáticos.

Paulo Panayotis: Exatamente.

Marina Silva: Exatamente, já houve a tentativa de financiamento dessa estrada, houve um bloqueio, articulações foram feitas, é claro que há uma série de interesses. E, no caso da Amazônia, não seria diferente. Eu acho que ela é um dos maiores interesses mundiais, até porque é uma das últimas reservas também. Mas é o que eu digo: se o Brasil estiver alerta para o problema de pautar também a Amazônia, ele pode dar uma grande resposta.

Paulo Panayotis: Senadora.

Jefferson Coronel: A senhora é favorável ou contrária à exploração mineral na Amazônia? E como a senhora vê a presença do capital estrangeiro, que vai ser discutido, inclusive, na revisão constitucional que vem aí pela frente, inevitavelmente, qual é a sua posição com relação a isso?

Marina Silva: Veja bem, a mineração na Amazônia tem sido bastante terrível no sentido de que é usada uma tecnologia – não sei nem se pode chamar assim – rudimentar, primária, o que gera todo um processo de poluição dos rios. As pessoas que praticam o garimpo, elas não têm vantagens nisso. O garimpeiro, o peão que fica lá, alguém ganha em cima dele, o ouro vai para fora e há uma série de coisas. A questão do capital estrangeiro, com certeza, as empresas estrangeiras trazem uma vantagem que seria uma tecnologia de alto nível. Eu acho que o governo tem que regulamentar essa situação da melhor forma possível, de uma maneira que não ocorra, digamos, um prejuízo das populações existentes, deve haver também o máximo de cuidado com relação à preservação do meio ambiente. Eu acho que todas as questões podem ser discutidas, eu não sou daquele tipo que dogmatiza, determina, que faz um clichê de determinadas coisas. Eu acho que o capital estrangeiro, na medida em que ele possa trazer benefícios para o nosso país, não traz nenhum problema. Podemos, sim, discutir a entrada de capital estrangeiro.

Heródoto Barbeiro: Senadora, eu gostaria que a senhora...

Marina Silva: Agora, temos que ter alguns critérios para não sermos, mais uma vez, rapinados, como foi o caso da borracha.

Heródoto Barbeiro: Senadora, eu gostaria que a senhora respondesse a mais uma pergunta do telespectador. Ele é de Curitiba, é o senhor Fernando Lourenço, ele pergunta à senhora o seguinte: “A senhora não tem medo que aconteça com a senhora o que aconteceu com o Chico Mendes?”

Marina Silva: Veja bem, essa questão do Chico foi uma coisa muito violenta, eu acho que choca as pessoas. Mas até hoje, graças a Deus, eu não recebi nenhum tipo de ameaça de ninguém. Eu sempre tive uma atuação muito forte, trabalhei durante muito tempo junto com o Chico Mendes, participei de vários empates [ação estratégica criada por Chico Mendes para conter desmatamentos e que consiste, basicamente, em colocar dezenas de pessoas perfiladas frente ao trator que está derrubando a mata] com ele. Em alguns deles, eu tinha que ficar seis, sete, oito, nove dias no mato, mas até hoje eu não recebi nenhum tipo de ameaça com relação a isso. É claro que você tem que ter sempre um receio com relação a algumas práticas de violência. Mas você não pode calar a sua voz diante da ameaça de determinadas pessoas. Se assim fosse, isso aqui iria virar, sei lá, terra de ninguém. Eu prefiro acreditar que a gente pode “dar a volta por cima” com relação à violência, inclusive. O Chico me ensinou uma coisa muito bonita. Quando ele morreu, eu cheguei, ele já havia sido enterrado, eu cheguei à missa de sétimo dia do Chico e eu estava sofrendo muito e eu lembrei uma frase de um psicanalista que dizia o seguinte: “O amor por uma pessoa que não é acompanhado de um profundo amor pela humanidade, pode ser tudo, menos amor”. Então, durante a missa, todo mundo falando e eu pensei, puxa vida, o Chico, “o amor por uma pessoa e pela humanidade que não é acompanhado por um profundo respeito pela natureza, pode ser tudo, menos amor”, não é? E eu penso muito nisso, com muita firmeza.

Heródoto Barbeiro: Senadora.

Marina Silva: Isso move um pouco a minha vida.

Heródoto Barbeiro: Ele chegou a falar para você antes a respeito disso? Ele chegou a conversar com você dizendo que estava...

Marina Silva: O Chico?

Heródoto Barbeiro: É, ele disso, eu estou sendo ameaçado e podem me matar, eu vou ser assassinado?

Marina Silva: Ele disse.

Heródoto Barbeiro: Disse para você?

Marina Silva: Várias vezes.

Heródoto Barbeiro: Várias vezes?

Marina Silva: Várias vezes. Às vezes, a gente tentava colocar no jornal, isso me dói muito, me deixa muito emocionada porque uma vez, andando da casa dele para o sindicato, o Chico falou o seguinte – eu estava às vésperas de vir para São Paulo – “Marina, eles vão me pegar, só que não adianta a gente falar isso para a imprensa porque eles vão me ridicularizar, vão dizer que eu estou querendo aparecer. Mas, de qualquer forma, eles vão me pegar. Eu lhe faço um pedido, você cuida da Ilza [Ilzamar], do Sandino e da Elenira” [mulher e filhos de Chico Mendes]. Então foi uma coisa muito forte para mim, porque quando eu saí de lá, ele havia me dito [isso] com essas palavras. Graças a Deus, a Ilza já se casou novamente, o Sandino mais a Helenira estão bem... E eu até tenho um carinho muito grande pela Ilza, porque o Chico amava muito ela, e eu ouvi da boca dele esse pedido.

Heródoto Barbeiro: Senadora, o que é que significa a figura do Chico Mandes para a sua carreira? Como ele inspirou a sua carreira e essa sua trajetória até o Senado representando o estado do Acre, de certa forma, defendendo as mesmas bandeiras que o Chico Mendes defendia?

Marina Silva: O Chico me ensinou muitas coisas, o Chico era uma liderança meio diferente, nem gostava muito de dar discurso, o que é raro em uma liderança. Então, ele não gostava de dar discurso. O Chico era mais de conversar, ele parecia um sistema, o poder que ele exercitava, eu sempre digo que o Chico me ensinou a idéia do poder diluído sabe? Para mim o poder, quanto mais ele se concentra, mais é fácil quebrá-lo, quanto mais se dilui, mais fácil exercitá-lo e ele se torna duradouro. O poder do Chico estava no Júlio Barbosa, estava no Chiquinho, estava no Raimundo de Barros, no Osmarino [membros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, de Xapuri, fundado em 1975], tanto é que ele morreu e não existe um Chico Mendes – “esse é o Chico Mendes que vai continuar!” Não, existem várias pessoas, várias lideranças. E ele era muito de ouvir, ouvir e depois formar uma opinião. Às vezes, estava num momento de dificuldade e ele conversava comigo, bastante e ficava só dizendo, “hum, hum”. Depois, ligava para a professora Mary Negretti e fazia a mesma coisa, conversava com o Dom Moacir e só aí tirava uma posição, que era mais ou menos a média de tudo aquilo que ele tinha conversado.

Heródoto Barbeiro: Agora, senadora...

Marina Silva: ...Então o Chico me ensinou muito.

Heródoto Barbeiro: Quando a senhora diz que não tem herdeiros do Chico Mendes, quer dizer, a própria ong que tem o nome dele, parece que não está sendo bem administrada, está tendo problemas, não foi exatamente por falta dessa liderança, ou não?

Marina Silva: Veja bem, eu acho que isso é uma coisa boa, eu não diria que tem uma liderança que é herdeira do Chico e tal, porque ele, quando era vivo, não era nem identificado assim, uma liderança que se sobressaía. Ele se sobressaía pelas suas posições, pela sua capacidade de negociar, conversar e dar visibilidade para o Acre, que é tão esquecido. Às vezes, as pessoas não sabem nem onde se localiza.

Heródoto Barbeiro: Esse filme fez jus à vida dele ou não [Refere-se ao filme Amazônia em chamas (Burning season), produzido em 1994]?

Marina Silva: Olha, eu ainda não vi o filme, infelizmente.

Ronaldo Brasiliense: Senadora.

Heródoto Barbeiro: Por favor, Ronaldo.

Ronaldo Brasiliense: O assassinato de Chico Mendes levantou ou, pelo menos, mostrou para o mundo que há um problema grave na Amazônia, que é a questão da violência, da impunidade no campo. A reforma agrária é uma das bandeiras do PT. Eu acho que no Acre, a questão de conflito pela posse da terra não é tão grave como no sul do Pará, por exemplo, na região do Bico do Papagaio, em Tocantins e até no sudeste do Maranhão. A senhora citou várias vezes Dom Moacir Grechi, que foi fundador da Comissão Pastoral da Terra e primeiro presidente e eu queria, em cima disso, saber o que a senhora pensa sobre reforma agrária, qual seria a sua proposta de reforma agrária? Seria a reforma que a Igreja [Católica] prega, no caso, ou seria a reforma que alguns setores do PT pregam? Alguns setores, mais a esquerda do PT, como se diria hoje, têm idéias mais radicais. Quer dizer, qual é o seu parâmetro para fazer uma reforma agrária no Brasil?

Marina Silva: Veja bem, a questão da democratização do acesso a terra é fundamental para este país, não é? Os 32 milhões de famintos que existem no país, com certeza, eles são frutos da perversa concentração da terra e de riquezas neste país. Então, é fundamental que haja uma distribuição, uma democratização do acesso à terra no Brasil. Eu acho que foi um processo de ideologização essa questão da reforma agrária, tornando difícil esse diálogo, às vezes, entre proprietário, sem-terra e governos. Tornou-se uma discussão que parece muito pesada. Mas a reforma agrária é fundamental. Essa questão da democratização da terra, todo o país desenvolvido deu acesso à terra, democratizou esses espaços, e o Brasil não pode pensar em crescimento econômico se não enfrentar essa questão.

Ronaldo Brasiliense: Mas, no caso, na década de 1970, por exemplo, os militares pegaram as colônias do sul e sudeste do Paraná e levaram para Rondônia, por exemplo, fizeram o projeto de colonização e hoje são quase todos falidos; qual seria o modelo, o que a senhora faria? A senhora mandaria desapropriar, por exemplo, pequenos minifúndios, onde tivessem pessoas posseiras lá dentro?

Marina Silva: A reforma agrária precisa ser feita também no centro sul do país, não dá para continuar essa idéia de que, para resolver os problemas da região, tem que mandar as pessoas para a Amazônia, como se lá fosse desabitado, um lugar onde não tem ninguém. Quando nós defendemos a questão do zoneamento agroecológico, nós estamos levando em conta, inclusive, aquelas áreas em que há um potencial agrícola. Não é verdade a idéia que se prega de que a Amazônia é a terra mais fértil do mundo. Isso não é verdade, é conversa. O que existe é uma camada muito pequena fértil que, inclusive, é utilizada pelos seringueiros e pelos colonos. Quando eles fazem as queimadas e durante um período de cinco, no máximo cinco anos, essa terra realmente é fértil, mas depois, só com muito investimento é que ela dá alguma rentabilidade Então, a reforma agrária para a Amazônia tem que ser diferente, não pode ser no modelo dos projetos de assentamento, uma área de terra quadradinha para plantar, sei lá, praticar a agricultura que é praticada no sul do país.

Rodolpho Gamberini: Qual seria o seu critério para reforma agrária...

Marina Silva: A reforma agrária que nós estamos praticando lá é [baseada] nas reservas extrativistas.

Rodolpho Gamberini: E no centro sul, como a senhora colocou, em São Paulo, por exemplo, que tipo de propriedade, em sua opinião, deveria ser desapropriada para que se dividisse a posse da terra, a propriedade da terra?

Marina Silva: Primeiro, aquelas que são improdutivas. Eu acho que existem muitos latifúndios improdutivos e o governo tem que fazer essas desapropriações.

Jefferson Coronel: Agora, a senhora não acha que as várzeas da Amazônia têm potencial? Já há economistas que dizem que a quantidade de várzeas férteis na região Amazônica é quase comparável com a quantidade de terras férteis em um estado como o Rio Grande do Sul e Paraná juntos, por exemplo. A senhora não acha que desprezar as várzeas da Amazônia... A senhora diz “não há terra fértil na Amazônia, a terra não é fértil como se diz”. Mas a várzea é uma terra muito fértil, senadora.

Marina Silva: Veja bem, talvez eu não tenha me expressado corretamente. Quando eu falo, a terra onde está a floresta amazônica em si...

Jefferson Coronel: A senhora quer dizer terra firme?

Marina Silva: Exatamente, a terra firme, não são as várzeas porque, exatamente, elas são muito férteis. Só que ocorre o seguinte: o rio, ele fica cheio durante um determinado período, mais ou menos seis meses. Existem algumas culturas que não conseguem completar o seu ciclo durante esses seis meses em que o rio está cheio. Então, tem que ser determinadas cultura que, durante o período das secas, tenha a possibilidade de ser plantadas e dar o seu fruto para que se possa comercializar. E, mesmo assim – realmente, elas são férteis porque vai adquirindo essa fertilidade [devido] ao humo que vai chegando com as águas do rio – ela não é, digamos assim, uma alternativa para os grandes problemas que nós temos, do ponto de vista de responder aos ribeirinhos. Eles praticam um determinado tipo de agricultura nas margens dos rios...

Jefferson Coronel: [interrompendo] De subsistência?

Marina Silva: Exatamente, então, é uma resposta paliativa, certo? Por mais que seja uma quantidade muito grande, porque temos muitos rios, mesmo assim, não faz frente à grande demanda que nós temos. Quando eu falo da área que não é fértil, como dizem, é exatamente a terra firme.

Jefferson Coronel: Mais uma questão. A senhora acredita em bloco parlamentar amazônico para fazer frente ao peso parlamentar dos estados do Sudeste e Sul do país? É que toda a eleição que tem lá, logo em seguida, a primeira entrevista dos governadores, dos deputados e senadores, “nós vamos formar um bloco para defender os interesses da Amazônia”, mas os interesses dos estados da Amazônia são diferentes, exceto a mineração. A senhora acredita nesse bloco parlamentar, dá para fazer frente ao Sul?

Marina Silva: Eu acho que temos que fazer com que os parlamentares da Amazônia busquem esse objetivo. Em alguns pontos, dá para atuar como bloco, já que temos interesses comuns em todos os estados da Amazônia e são vários. Com relação à questão de atuar em blocos, eu sou contra essa história de ficar fazendo oposição, se o Sul do país está mal, a Amazônia está mal, se a Amazônia estiver mal, o resto do país paga as conseqüências.

Rodolpho Gamberini: A senhora acha que a Amazônia é bem conhecida pelos brasileiros, assim como o pessoal da região conhece a floresta Amazônica, a senhora acha que o brasileiro conhece, sabe...

Joaquim de Carvalho: ...Os potenciais da região amazônica.

Rodolpho Gamberini: Não, se conhece e se tem a mesma perspectiva de desenvolvimento da região?

Aurélio Michiles: Em cima da pergunta, poucos brasileiros conhecem a Amazônia. Por exemplo, se ouviu algumas vezes falar da população, por volta de sessenta mil acreanos, ex-seringueiros, que migraram para a Bolívia e lá moram, eles extraem a borracha e vem vender no Brasil. Existe algum trabalho? Porque é um fato que não aparece na imprensa, sobretudo aqui no centro sul. Fala-se dos brasileiros que foram para o Paraguai, mas se sabe que há um grande contingente de seringueiros que foram para o Acre, eu gostaria que a senhora falasse.

Marina Silva: Com relação ao conhecimento sobre a Amazônia, o Brasil, me perdoe, mas eu acho que conhece pouco a Amazônia; as nossas especificidades, o potencial que nós somos e é muito difícil quando você não conhece a si mesmo. Eu acho que essa coisa de Amazônia lá, Amazônia é Brasil, é 50% de território nacional.

Rodolpho Gamberini: ...A senhora sente essa coisa de Amazônia lá e o Brasil aqui, isso?

Marina Silva: Às vezes passa essa idéia. Nas eleições, por exemplo, se falava dos governadores de todos os estados. E o Acre nem aparecia, dava uma aflição, as pessoas que conhecem o Acre como está, é como se não existisse... Mas, com relação ao conhecimento da Amazônia, é preciso ir além das potencialidades em termos de riqueza e de recurso, porque aí dá o interesse, porque a gente funciona muito pela utilidade das coisas, mas é importante conhecer a cultura do povo da Amazônia, sabe? A gente, às vezes, é atravessado em tudo. Eu tenho um amigo que diz: “olha, a gente é atravessado em tudo; atravessam na madeira, atravessam até mesmo na nossa cultura. Chegam pessoas aqui, nos entrevistam, falam o que a gente pensa, escrevem um livro, ficam famosos, ganham dinheiro e a gente fica só olhando! Depois a gente vai ler, é a gente que está ali!” Então, é essa coisa, até a nossa cultura, às vezes, é atravessada. Com relação aos “brasivianos”, que são os brasileiros que estão na Bolívia, eu não tenho um dado, digamos assim, cabal. Mas a Igreja [Católica] fez um levantamento e dá conta de 12 mil seringueiros que estão na Bolívia em condições precárias de vida, porque eles não gozam de direitos de brasileiros nem de bolivianos. Então, a Justiça boliviana faz o que bem entende com eles, eles não têm direitos nenhum, são pessoas que vivem à margem da cidadania. Imagine se os seringueiros do Brasil, do Acre já estão sofrendo, agora, imagine o que são os seringueiros brasileiros que estão morando na Bolívia. Eu, inclusive como senadora, quero, junto ao Itamarati, às autoridades brasileiras, lutar para que a gente possa dar uma resposta, uma saída para essas pessoas que estão vivendo nas piores condições lá.

Rodolpho Gamberini: Que tipo de saída?

Marina Silva: Primeiro, o desenvolvimento econômico para o Brasil para que a gente volte a crescer e para que os acreanos, os brasileiros voltem para o Brasil.

Heródoto Barbeiro: Senadora, pela oportunidade...

Marina Silva: Acho que essa é uma das saídas.

Heródoto Barbeiro: O pessoal lá, em que estado está esse pessoal, eles são considerados clandestinos nesses países vizinhos?

Rodolpho Gamberini: Invasores?

Marina Silva: Eles são considerados invasores, muitos deles...

Heródoto Barbeiro: Como “brasiguaios”, aqui, é isso?

Marina Silva: É exatamente, chamam de “brasivianos”, não é? Eles, muitas vezes, registram os filhos, tentam se naturalizar bolivianos para ver se amenizam a situação, mas são brasileiros, são discriminados.

Heródoto Barbeiro: Mas a Bolívia já tem um antecedente perigoso, o Acre foi conquistado dessa forma.

Marina Silva: Exatamente, o Plácido de Castro [(1873-1908) político e militar, líder da revolução acreana, revolta popular que declarou independente o Acre contra a Bolívia, até então dona do território em 1899] foi lá e conquistou.

Heródoto Barbeiro: A senhora, como professora de história, lembra bem disso.

Thaís Oyama: Senadora, eu queria que a senhora falasse um pouquinho da senhora. A senhora tem quatro filhos, está no seu segundo casamento, me parece que o primeiro foi um pouco prejudicado até pelo início da sua militância, não sei se estou certa. E bom, a senhora é jovem, bonita e dedicada à carreira em tempo quase integral. Eu queria saber, isso nunca foi motivo de desentendimento com o seu marido atual, técnico agrícola, se não me engano?

Marina Silva: Ele trabalha também na mesma atividade, ele é do PT, trabalha na prefeitura e a gente tem um entendimento com relação a essas questões.

Thaís Oyama: E os desentendimentos?

Marina Silva: Os desentendimentos, quando a gente se casou, eu já era assim, então, ele já sabia como é era. Então, com relação a minha atividade parlamentar, não existe desentendimento. O que pode existir são questões pontuais, normal da vida de qualquer casal, mas não pelas minhas atividades, minhas viagens... É claro que sempre há a cobrança, o desejo de ficar um pouco mais, as crianças também cobram um pouco.

Thaís Oyama: A senhora não vê ele faz tempo?

Marina Silva: Como?

Thaís Oyama: A senhora não o vê faz tempo?

Marina Silva: O meu esposo?

Thaís Oyama: ...E os filhos?

Marina Silva: Olha, o meu esposo veio para cá, para ficar um pouco em Santos com a família e as duas pequenas, está há uns 15 dias aqui, nós nos encontramos ontem aqui em São Paulo. E as meninas, durante a campanha, ficaram aqui, as menores e os maiores ficaram comigo. É uma renúncia que você tem que fazer. E, nós, mulheres, infelizmente, não conseguimos fazer isso sem uma boa pitada de sentimento de culpa, e aí a gente se culpa em tudo. É o seguinte: eu, às vezes, fico vendo os homens, eles chegam e eles lêem o jornal com tranqüilidade, eles têm essa capacidade. Eu chego, eu preciso ler o jornal, eu preciso ver o jornal, mas, poxa vida!, e o jantar das crianças, eu tenho que fazer pelo menos alguma coisinha para justificar para mim mesma, entendeu? Então, a gente faz isso com um sentimento de culpa porque a gente foi acostumada assim, a gente tem que cuidar da vida das pessoas para que as coisas aconteçam. E a gente, às vezes, se sente culpada quando a gente está acontecendo, não é? Mas dentro daquela visão de que "o amor por uma pessoa que não é acompanhado por um profundo amor pela humanidade", eu acabei... Sabe? E eu tenho certeza do seguinte: eu adoro meus filhos, a minha família, mas eu não me sentiria bem se eu não fizesse o que eu faço. Então, eu seria uma mãe que iria jogar na cara depois – “eu renunciei a isso, renunciei àquilo”. Com certeza, eu não seria uma boa mãe. Eu observava muito os passarinhos voar quando eu era pequena e, geralmente, o velho, o pai do passarinho novo, ele voava e, depois, chamava o pequeno até que o pequeno conseguia voar, levava umas quedinhas nas primeiras vezes, mas eu aprendi que só se aprende a voar voando. Então, eu quero ensinar os meus filhos a voar voando. Não adiante eu dizer, filha, vai lá, batalha, você tem que lutar pelo seu espaço e eu ficar lá no canto, reclamando da vida, porque eu não fiz isso, eu não fiz aquilo para cuidar dos filhos.

Thaís Oyama: Agora, o fim do primeiro casamento teve relação com o início da militância, senadora?

Marina Silva: O primeiro casamento.

Thaís Oyama: O fim do primeiro casamento teve alguma relação com o início da sua militância?

Marina Silva: Quando eu me casei, eu já militava nas comunidades eclesiais de base, um ano depois eu já estava na universidade, seria reduzir muito dizer que foi por causa da militância.

Thaís Oyama: Mas contribuiu de alguma forma?

Marina Silva: Teve alguma contribuição, muito embora, nunca ele tenha reclamado que eu fazia isso ou aquilo. Agora, houve um problema na nossa relação de desgaste, hoje, graças a Deus, ele está super bem, com quatro filhos com a outra mulher. Eu tenho quatro filhos, dois que são nossos e dois do segundo casamento, a gente se dá bem, somos amigos, ele me ajuda também, então, foi uma coisa que boa para mim, foi bom para ele, faz parte.

Rodolpho Gamberini: Senadora.

[Sobreposição de vozes]

Marco Uchôa: Como fica a sua vida agora, a senhora muda para Brasília, sai do Acre, como vai ser a sua vida a partir de fevereiro?

Marina Silva: É, eu vou para Brasília com a família “de mala e cuia”, como se diz lá no Acre, porque é uma distância muito longa. Para ir de Brasília ao Acre, eu levo um dia, e leva outro dia para ir do Acre para Brasília. Então, eu vou fazer de tudo para que, pelo menos, de 15 em 15 dias, eu [esteja] presente no Acre para fazer as atividades ligadas ao meu estado. Eu gostaria de poder estar toda a semana, mas é impossível em função dessa longa distância. E aí a minha família vai se adaptar.

[Sobreposição de vozes]

Aurélio Michiles: Senadora, uma curiosidade, a senhora, que nasceu e cresceu no meio da floresta amazônica, que é uma referência mítica para todos que moram no planeta Terra, assim como é o Alasca e a Sibéria, enfim, tantos lugares fantásticos, como é o lazer de uma criança no meio da floresta?

Marina Silva: Sabe que era uma coisa gostosa, porque eu fui criada com pessoas adultas... Somos oito irmãos vivos, éramos 11, mas morreram três e eu morava com a minha avó, pertinho da casa do meu pai, quase terreno com terreno, e eu morava com a minha avó, uma tia solteirona que mora comigo hoje, o meu avô e outro tio solteirão. Então, eu era uma criança que convivia com pessoas adultas e já velhas. Eu saia para brincar com as minhas irmãs, nós brincávamos com bonecas, fazia boneca de pano, boneca de pau ou brincávamos de imitar algumas coisas. Por exemplo, eu pegava uma macaxeira e fazia com ela uma boneca, esculpia a boneca em uma macaxeira. Era uma coisa muito típica da vida de quem vive no meio da floresta. Então, eu brincava com as minhas irmãs e quando sentia que estava muito barulho, aí eu ia lá para a casa da minha avó, que ali era silêncio, era tudo certinho. Então, é a magia, a criança, ela arranja uma forma de brincar.

Aurélio Michiles: E havia uma relação com os índios?

Marina Silva: Não, no seringal em que eu nasci não. Aí já era uma área próxima da cidade, setenta quilômetros da cidade, e, no caso, o seringal Bagaço não tinha uma vizinhança com algumas comunidades indígenas, não tinha.

Thaís Oyama: A senhora tomou Daime [chá alucinógeno de origem indígena utilizado em rituais religiosos, produzido a partir de um  cipó e um arbusto amazônicos], senadora?

Marina Silva: Olha, eu conheço as igrejas do Daime, tenho uma relação muito boa com várias delas, inclusive, são pessoas muito sérias e respeitadas, mas eu nunca tomei, nunca fiz essa experiência.

Thaís Oyama: Nenhuma droga a senhora experimentou até hoje?

Marina Silva: Não, nenhuma droga, aliás, eu nunca bebi nenhum tipo de bebida alcoólica...

Marco Uchôa: Senadora, só um minutinho, na sua bandeira política tem a Amazônia e também tem os excluídos que, de certa maneira, também é a bandeira política da Benedita da Silva [política carioca do PT. Ver entrevista com Benedita da Silva no Roda Viva]. Como vai ser essa dobradinha no Senado, já que vocês têm essa bandeira em comum, que seria a bandeira dos excluídos, vocês já sentaram para conversar, como vocês vão agir no Senado em conjunto?

Marina Silva: Olha, a gente já teve uma conversa muito rápida no dia em que teve a reunião do diretório nacional. Vai ser uma coisa muito boa, porque a Benedita é uma pessoa fantástica, com uma experiência muito grande, até a experiência das favelas do Rio de Janeiro, e eu estou vindo da experiência da Amazônia, dos seringais da Amazônia, das periferias do Acre... Vai ser uma coisa muito boa, eu acho que é uma troca de... E nós vamos somar forças.

Heródoto Barbeiro: Senadora, a senhora falou a respeito de drogas, tem várias perguntas esparsas falando sobre droga, eu só agora consegui separar duas, a do senhor Cláudio Bertoli, de São Paulo e do senhor Fernando Alves de Moraes. A senhora falou agora que nós conhecemos pouco a Amazônia, então, talvez, a senhora possa até nos ajudar a entender melhor o seguinte: existe passagem da droga pelo Acre em direção ao centro sul do Brasil? Esse pessoal lá, os donos de terras, latifundiários estão ligados a esse tráfico de drogas? Fala-se muito sobre isso aqui no centro sul, chegou-se até a afirmar que o assassinato do ex-governador do Acre estaria ligado a isso tudo, o que tem de real atrás disso tudo?

Marina Silva: Veja bem, é claro que essa questão do tráfico de drogas é uma coisa presente, existe, inclusive, em função daquela região ali ser uma área de fronteira. Mas eu não diria, em relação a acusar os proprietários, porque seria uma generalidade. Acho que existem muitas pessoas de bem e eu acho que cabe ao governo potencializar a Polícia Federal para que ela possa ter a devida ação para coibir a questão do tráfico de drogas que, claro, passa pela Amazônia, passa por Rondônia, por vários estados e pelo país todo, infelizmente. E é necessário ter uma ação enérgica no sentido de tentar coibir a ação dos traficantes. Mas eu não acusaria ninguém em particular com relações a essas questões...

Jefferson Coronel: Senadora, por favor, a senhora gostaria, voltando aí à Brasília, eu queria saber a sua opinião a respeito desse processo de privatização em que está inserido o país? E a sua opinião, também, a respeito de corporativismo. Dizem que hoje é um dos males do nosso país, sem dúvida, é um dos grandes males. E o corporativismo é muito associado aos partidos de esquerda, tipo o PT. Sempre que se fala nisso, se associa o corporativismo ao PT e a partidos de esquerda. Qual é a sua opinião a respeito desses dois temas? Por exemplo, a senhora privatizaria a Petrobras?

Marina Silva: Veja bem, a questão das privatizações não pode ser encarada assim: “ave Maria! Nem pensar!” Existem algumas empresas que não são rentáveis e devem ser privatizadas. Outras que, mesmo sendo rentáveis, podem ter uma ação em parceria da iniciativa privada com o governo, porque não!? Eu acho que é uma coisa que o PT, a sociedade e o novo governo vai discutir, faz parte da pauta do e nós temos que encarar isso sem nenhum tipo de problema. Eu não faço disso um “cavalo de batalha”, no sentido de achar que é sagrado que não pode discutir...

Jefferson Coronel: E a Petrobras, monopólio, quebra?

Marina Silva: É, eu acho que é uma empresa rentável e que tem dado certo. Alguns setores podem até ter uma espécie de concessão para a iniciativa privada. Acho que um problema grave também é o das telecomunicações, por exemplo, no caso da minha região, a presença do poder público faz com que chegue um telefone lá em [...], eu não sei se uma empresa privada gostaria de colocar um telefone lá em [...]. Mas são coisas que o Estado vai ter que responder, eu não faço disso um “cavalo de batalha”. Eu acho que em alguns, por exemplo, a telefonia celular, ela é uma concessão para a iniciativa privada, eu acho que existem coisas que podem ser mediadas, o Estado não pode ser o pai do desenvolvimento. Eu acho que, em algumas áreas, a sua presença é necessária. Depois, a iniciativa privada pode atuar com parceria. Eu acho que o Estado não pode é ser refém da iniciativa privada em alguns setores estratégicos.

Jefferson Coronel: Pode haver quebra de monopólio na Petrobras e nas telecomunicações, por exemplo, a senhora não vê problema?

Marina Silva: Veja bem, é uma discussão que a gente está fazendo, está aprofundando, e eu não quero me precipitar com relação a isso. Mas é possível até que se possa abrir, em alguns aspectos, determinadas questões.

Marco Uchôa: Senadora, só um minutinho, a senhora já demostrou que não gosta de rótulos. Só que a senhora já foi chamada de: lenda amazônica, a seringueira que deu certo, a gata borralheira mestiça e de neguinha por seus adversários. A senhora não teme que, no Senado, as pessoas se apeguem a esses rótulos e se esqueçam de analisar a sua participação, o seu trabalho?

Marina Silva: Veja bem, o que se espera do Senado? Nós estamos ali representando os nossos estados em igualdade de condição. São pessoas com uma experiência muito grande e até bastante respeitáveis, como é o caso do senador José Serra e tantos outros, eu espero que tenha uma relação de respeito e troca.

Marco Uchôa: A senhora não quer ser vista como a exótica do Senado?

Marina Silva: Não, de jeito nenhum, eu tenho idéias a defender, longe desse lado do exotismo, não é? Nós temos idéias...

Joaquim de Carvalho: Senadora.

Marina Silva: Temos projetos. E é em cima desses projetos que nós vamos firmar uma imagem. E também, nem ser só a senadora da Amazônia, eu quero ser a senadora do Brasil e discutir os problemas da nação.

Joaquim de Carvalho: Senadora, qual a posição da senhora sobre a questão da proporcionalidade na Câmara? Se é que não é um assunto do... A senhora é eleita em uma eleição majoritária do Senado, mas a questão da Câmara é uma questão importante, porque a senhora disse que o Brasil não deve se dividir entre estados, o Brasil tem que ser pensado como um todo. Mas hoje existe uma certa injustiça.

Rodolpho Gamberini: O voto do Pará vale 25 vezes o do paulista.

Joaquim de Carvalho: O voto do Rio Grande do Sul, por exemplo, o que é que a senhora acha disso?

Marina Silva: Você quer dizer com relação à representação dos estados, não é?

Joaquim de Carvalho: Representação popular dos deputados na Câmara?

Marina Silva: Na Câmara Federal. Veja bem, é uma discussão que é polêmica, porque ela mexe com alguns interesses, não é?

Joaquim de Carvalho: Inclusive o da senhora?

Marina Silva: Com certeza, eu acho que o que pode haver, não sei, seria aumentar, no caso dos estados que se sentem prejudicados, a sua representação, com limites, que até são limites constitucionais. Por exemplo, no caso dos estados, como é o caso do Norte, do Nordeste.

Joaquim de Carvalho: Cabe o voto ao eleitor ?

Marina Silva: É complicado, porque se for aumentar na mesma proporção, talvez, nos estados como São Paulo, Minas e Rio, ficaria insustentável para o Brasil.

Joaquim de Carvalho: Para controlar a Federação, já tem o Senado, não é?

Marina Silva: Pois é, mas aí os estados representariam a Federação.

Joaquim de Carvalho: Exato.

Heródoto Barbeiro: Senadora.

Marina Silva: No caso das disputas dos deputados, é uma discussão que pode ser feita. Eu acho que reduzir as bancadas não, mas talvez congelar as bancadas... Digamos, no caso do Norte e do Nordeste ficariam congelados.

Heródoto Barbeiro: Senadora, o nosso tempo está praticamente esgotado, apenas rapidamente, com quantos votos a senhora foi eleita para o Senado?

Marina Silva: 64 mil e uns quebrados, eu não lembro os quebrados.

Joaquim de Carvalho: Quatrocentos.

Marina Silva: Quatrocentos, obrigado.

Heródoto Barbeiro: 64 mil e quatrocentos, a senhora acabou de responder a pergunta aqui do senhor Aluízio Antunes, também de Campinas, sobre a questão da proporcionalidade que foi perguntada agora. Quer dizer, com muito menos votos, a senhora foi eleita em outro estado da Federação, quando aqui um...

Rodolpho Gamberini: ...Mais de cinco milhões de votos.

Marina Silva: [interrompendo] Agora, eu gostaria.

Heródoto Barbeiro: Rapidamente, [pois] o nosso tempo está encerrando, só para a senhora concluir essa questão.

Marina Silva: Às vezes, as pessoas falam com menos votos. Mas veja bem, enquanto aqui em São Paulo você pode conversar com milhares de pessoas só ali no metrô, eu, para conversar com cinqüenta seringueiros, eu tenho que andar quatro horas de barco, duas horas de avião e mais tantas outras a pé. Então, não é tão fácil assim como as pessoas pensam.

Rodolpho Gamberini: Está certo.

Heródoto Barbeiro: Senadora Marina Silva, muito obrigado pela gentileza, pela participação da senhora hoje aqui no Roda Viva. Nós queremos agradecer também a presença dos jornalistas convidados, a presença da audiência e também da sua participação através do fax e do telefone. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite, aqui pela Rede Cultura. Boa noite, muito obrigado.

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