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Memória Roda Viva

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José Genoino

2/6/2003

O presidente do PT avalia o mandato do partido que sempre foi oposição e diz que "Lula está fazendo um governo muito amplo, mas ele tem lado e tem cara"

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Paulo Markun: Boa noite. Várias vezes ele recorreu à observação de que em política muita gente muda de lado e outros não mudam de jeito nenhum. Ele mesmo mudou muito, mas insiste sempre: mudou sem mudar de lado. Agora enfrenta, do mesmo lado, gente que não mudou tanto quanto ele e que, por isso, já foi alertada de que terá que mudar, se não quiser mudar de lado. O Roda Viva entrevista esta noite o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores [PT], o ex-deputado José Genoino, encarregado, agora, entre outras coisas, de restabelecer a ordem quebrada pelos chamados radicais do partido.

[Inserção de vídeo com imagens de José Genoino no Congresso e em conferências, do episódio em que leva uma torta no rosto etc. Narração de Valéria Grillo]

De radical a moderado, de agitador a articulador, José Genoino Neto, 57 anos de idade, cearense de Quixaramobim, dois anos de guerrilha no Araguaia, cinco anos de prisão com tortura, seguidos de uma vida política que acumulou vinte anos de atividade parlamentar. Foram cinco mandatos contínuos de deputado federal pelo PT. Em 2002, tentou o governo de São Paulo, chegando, mas não passando do segundo turno. Sem cargo eletivo, foi nome quase certo no ministério do novo governo, mas o presidente Lula deu outra missão a Genoino: presidir o Partido dos Trabalhadores, que, após vinte e dois anos na oposição, mudou de lado, virou governo. O PT, marcado pela disciplina rígida e por uma unidade de ação que superava as divergências internas na hora de marcar uma posição, passou a enfrentar desafios novos na condição de partido governista. Já em seus primeiros momentos na presidência do partido, José Genoino sentiu na pele um desagradável protesto: foi agredido com uma torta de morango no rosto em Porto Alegre, por um grupo ativista contrário à ida do presidente Lula ao Fórum Social de Davos [na verdade, ao Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente em Davos, na Suíça]. O grupo se identificou como “Confeiteiros sem Fronteiras” e deixou a explicação de que a tortada não era agressão, e sim uma crítica bem humorada. Agressão ou pastelão, o chantili de Porto Alegre, de certa forma, simbolizou o início de um processo de críticas que o Partido dos Trabalhadores começou a enfrentar fora e dentro, especialmente nos momentos em que o governo revelava pontos da sua política econômica e de seus projetos de reforma. A divergência interna, que não era novidade no PT, virou problema e ganhou contorno de crise depois que a senadora Heloisa Helena e os deputados João Batista Babá e Luciana Genro [Heloisa Helena, João Batista Babá e Luciana Genro eram filiados ao PT e formaram um grupo dissidente dentro do partido, por discordarem de suas decisões sobre o âmbito econômico, que chamavam de "neoliberais". Foram expulsos do PT em dezembro de 2003 e fundaram então um novo partido, o PSOL - Partido Socialismo e Liberdade] radicalizaram o discurso e se colocaram contra a reforma previdenciária. Deputados e senadores do PT que formalizaram o apoio aos rebeldes tiveram que voltar atrás depois que o líder do partido no senado, Tião Viana, e o próprio José Genoino ameaçaram renunciar. A crise ficou contornada, mas não resolvida. Enquanto o governo negocia e amplia a sua base de apoio no Congresso, o PT ainda estuda o que fazer com os radicais. E eles já avisaram: se a punição for a expulsão, vão fazer muito barulho.

[Fim do vídeo]

Paulo Markun: Para entrevistar o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, José Genoino, nós convidamos: Eumano Silva, editor de política do jornal Correio Brasiliense; Eleno Mendonça, editor-chefe do jornal O Estado de S. Paulo; Rui Nogueira, diretor da sucursal de Brasília do site e da revista Primeira Leitura; Maria Cristina Fernandes, editora de política do jornal Valor Econômico; Carlos Novaes, cientista político e analista da TV Cultura; e Fernando de Barros e Silva, editor do Caderno Brasil do jornal Folha de S.Paulo. O Roda Viva, você sabe, é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para o Distrito Federal. E você pode usar o telefone para entrar em contato com a gente, mandar a sua crítica, a sua pergunta, a sua sugestão. O telefone está aí na tela (0XX11) 252-6525; o nosso fax é o (0XX11) 3874-3454 e o endereço do programa na internet é o rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite, presidente.

José Genoino: Boa noite.

Paulo Markun: Eu queria começar pelo assunto do dia, que são as declarações do vice-presidente da República, José Alencar [(1931-) empresário do ramo têxtil, ex-senador por Minas Gerais, vice-presidente do Brasil desde 2003 e ministro da Defesa de 2004 a 2006], relativas à questão da baixa da taxa de juros, ou da mudança na taxa de juros, que ele disse que é uma decisão política. Como é que o presidente do partido político do governo, do presidente da República, encara isso? Isso é uma decisão política?

José Genoino: Olha, em primeiro lugar, o vice-presidente [que] está exercendo o cargo de presidente da República é de outro partido [PRB - Partido Republicano Brasileiro]. Eu, como presidente do PT, não posso fazer comentários sobre as opiniões políticas do vice-presidente José Alencar, mas o PT, enquanto partido, confia na condução econômica do presidente Lula e da equipe econômica do ministro Palocci [Antônio Palocci Filho, ministro da Fazenda no período de 2003 a março de 2006, quando deixou o cargo para Guido Mantega]. A questão da taxa de juros não é apenas uma medida isolada, sem um contexto, que o governo está criando para que haja uma queda consistente, permanente, para que o país volte a crescer para gerar emprego. Nós administramos um país com uma dívida monstruosa, uma credibilidade abalada, um risco altíssimo, e com uma expectativa que foi divulgada na campanha eleitoral, que, se o Lula ganhasse a eleição, a inflação dispararia, o dólar subiria, o risco Brasil aumentaria e nós teríamos uma ingovernabilidade. O que nós estamos fazendo é uma condução responsável, serena, criando as condições para baixar a taxa de juros. Que condições são essas? Primeiro, segurar a inflação; segundo, diminuir a vulnerabilidade do Brasil em relação ao mercado volátil, ao mercado de capitais de curto prazo; terceiro, redirecionar os investimentos para o setor produtivo, principalmente para as exportações, disputar, no mundo globalizado [em] que o Brasil está inserido, condições de competitividade para os produtos brasileiros e daí a política externa ofensiva do presidente Lula. E, ao mesmo tempo, criar um ambiente para que a queda da taxa de juros seja um processo técnico, um processo que tem relação com outras medidas, para que o país volte a crescer e gerar emprego.

Paulo Markun: Não corre o risco de virar uma espécie da "história do lobo e do cordeiro" [referência à fábula de La Fontaine O lobo e o cordeiro, em que as razões do cordeiro para não ser devorado pelo lobo não impedem o lobo de fazê-lo] com sinal trocado, quer dizer, sempre vai ter uma coisa a mais, uma condição a mais para que a taxa de juros não diminua?

José Genoino: Veja bem, não é bem assim. Em primeiro lugar, nós recebemos um país com 25% de taxa de juros. Ela subiu 1,5%. Nesse período, o governo do presidente Lula colocou como medida econômica o compulsório dos bancos. Pegou parte do compulsório dos bancos... nós aprovamos agora uma medida provisória aumentando a Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social; imposto cobrado sobre a receita bruta de pessoas jurídicas] de dois para... de três para quatro. Nós estamos fazendo uma política rigorosa, do ponto de vista fiscal, para controlar os indicadores econômicos positivamente. Estamos trabalhando na direção de ter uma economia que priorize o crescimento econômico. A queda da taxa de juros é um objetivo nosso, do PT, do governo, e nós estamos trabalhando nessa direção. O que diziam da gente? [Diziam que] Se o Lula ganhasse [as eleições presidenciais], o Banco Central ia ser manipulado politicamente. Existem razões técnicas, existem razões econômicas que [mostram que] o governo está agindo com muita responsabilidade. O Lula disse isso na campanha eleitoral com a Carta aos Brasileiros [assinada pelo candidato Lula, em 2002, assegurando que, caso eleito presidente, o PT respeitaria os contratos nacionais e internacionais] e nós estamos direcionando a gestão macroeconômica exatamente para ter uma economia que diminua a vulnerabilidade em relação ao capital de curto prazo.

Eumano Silva: Deputado, embora o senhor não queira falar especificamente a respeito das declarações do vice-presidente José de Alencar, mas, como o senhor disse, houve um compromisso do PT em que houvesse uma... que o Banco Central tomasse decisões técnicas. No momento em que o vice-presidente faz isso, não há uma ingerência política que contraria essa sua afirmação?

José Genoino: Bem, em primeiro lugar, o presidente da República é o presidente Lula. O presidente Lula afirma que o ministro Palocci é de inteira confiança do presidente Lula, e eu digo, o ministro Palocci é um quadro dirigente do Partido dos Trabalhadores, com quem nós temos inteira confiança para conduzir a economia do país. Declarações políticas, opiniões, fazem parte de uma sociedade democrática. Isso acontece dentro do PT, fora do PT. Se o momento é mais adequado ou não, isso depende de quem dá a opinião política. Portanto, nós estamos com muita tranqüilidade em relação a quem conduz, a quem dirige. E já está clara uma coisa: o Lula dirige, é o líder, é o estadista; ele é que tem o comando político do país. Diziam até que, se o Lula ganhasse a eleição, ele seria conduzido por assessores; até fizeram um programa de televisão mostrando lá uma cena da ONU [Organização das Nações Unidas], em que o Lula não teria capacidade para representar os interesses do Brasil. Vejam como ele está se dando tão bem na política externa. Portanto, divergências são naturais, isso vai acontecer. Agora, quem manda, quem decide, quem conduz o país? Está mais do que claro que o presidente Lula está preparado, com lucidez, com maturidade, com segurança, e com muita responsabilidade.

Eleno Mendonça: Genoino, mas você não concorda que pelo menos há um desconforto no governo quando o vice-presidente, numa contra-mão ao que o Lula vem falando, age repetidas vezes no sentido contrário, falando que é preciso baixar as taxas de juros, tudo mais? Ou seja, ele [José de Alencar], no mínimo, ele coloca em descrédito o próprio ministro Palocci.

José Genoino: Olha, em primeiro lugar, o vice-presidente é de outro partido. Respeito José de Alencar.

Eleno Mendonça: Sim, mas supõe-se que foi feito um programa e que ele participa das negociações.

José Genoino: Sim, claro. Aliás, esse programa está aqui. [abaixa-se e pega um documento de várias páginas]

Eleno Mendonça: O pior de tudo isso é o seguinte: passa para a sociedade uma imagem de uma certa desorganização dentro do próprio governo.

José Genoino: Não, pelo contrário. Aliás, esse governo tem organização, comando e direção, e a responsabilidade de quem manda... portanto, nesse programa [mostra o programa em suas mãos, intitulado "Programa de Governo 2002 Coligação Lula Presidente"] está muito claro que as nossas reformas e mudanças são graduais, com responsabilidade, processuais, porque o que diziam da gente é que o país ia ficar ingovernável. E nós estamos com uma política muito segura, com algumas medidas amargas que foram necessárias para governar a crise, e não ser governado pela crise. Estamos redirecionando várias alternativas econômicas. Veja aí a importância que o governo está dando a uma política agressiva para as exportações, o redirecionamento dos financiamentos do Banco do Nordeste, do Banco da Amazônia, principalmente do BNDES, que é Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, Banco do Brasil, Caixa Econômica, os programas setoriais que estão sendo orientados. Mesmo numa situação de precariedade de recursos, há a articulação das câmaras setoriais. Inclusive nessa questão da política econômica, a discussão de uma política industrial está sendo definida pelo governo. Nós temos um programa, e um programa para governar um país do tamanho do nosso, inserido numa economia complexa, é um programa que tem começo, meio e fim. Além do mais, você sabe que a questão da economia brasileira, principalmente quando se trata da taxa de juros, não depende apenas do Brasil; nós assumimos um país e veio uma guerra. Estamos agora enfrentando uma crise econômica mundial. Portanto, depende de fatores externos.

Eleno Mendonça: [Interrompendo] Não, mas eu queria que você se colocasse assim: você, como deputado, e o atual governo Fernando Henrique Cardoso... [gostaria de saber] se você manteria essa mesma opinião, se tivesse essas condições.

José Genoino: Bem, em primeiro lugar, eu sou presidente do PT. Veja bem, eu sou presidente do PT, e o PT governa o Brasil, está certo? E o PT governa o Brasil porque a população delegou essa responsabilidade ao PT. E o PT tem que assumir a condição de um partido que defende o governo. Portanto, nós estamos avaliando um governo concreto, num país concreto, que teve uma herança concreta, num mundo conturbado, e este país complexo, no mundo conturbado - vocês hão de concordar comigo - está sendo conduzido com muita prudência, para que cada passo não gere um recuo maior. Não adianta baixar hoje, se os juros sobem amanhã. Nós temos que baixar a taxa de juros, e é a nossa meta para gerar emprego com crescimento, de maneira consistente, num cenário econômico que nós estamos construindo.

Fernando de Barros e Silva: Por que tem tanta gente se sentindo traída? Isso o senhor não pode negar, são vários os setores, há uma insatisfação generalizada. O senhor vai falar que é o funcionalismo, que é uma coisa isolada, [mas] a coisa parece que vem se ampliando dentro do PT, na sociedade. Setores que funcionavam como bases sociais do PT estão muito insatisfeitos. Fala-se em "estelionato eleitoral" e a impressão que se tem é [de] que o PT está muito mais preocupado em fazer a lição de casa e prestar satisfação ao mercado do que em cumprir o seu programa, que o senhor mostrou para a gente agora há pouco. Então, eu queria que o senhor respondesse: por que tanta sensação de traição por parte do governo?

José Genoino: Em primeiro lugar, "estelionato eleitoral", eu discordo da sua colocação.

Fernando de Barros e Silva: Eu não estou endossando isso. Eu estou falando que se vê todo dia nos jornais isso.

Paulo Markun: Presidente, só para acrescentar, para não ficar só como se fosse a definição do Fernando [de Barros de Silva], José Luis Ferreira, de São Paulo, comerciante, pergunta: "O que o senhor acredita que os eleitores do PT pensam da mudança de perfil do partido?" e [também pergunta] se não é um estelionato eleitoral.

José Genoino: Em primeiro lugar, o PT não mudou de perfil. Os compromissos que o PT em relação às reformas da Previdência e tributária são compromissos históricos e estão nos documentos do partido. Os compromissos do PT, de uma gestão macroeconômica com responsabilidade, para não perder o controle da situação, foram ditos na Carta aos Brasileiros, antes do segundo turno. Esses compromissos estão aqui no programa que elegeu Lula presidente da República [mostra novamente o programa em suas mãos]. E qual é o nosso compromisso? É realizar as mudanças desse programa em quatro anos. E quais são os resultados desses cinco meses de governo? O risco Brasil [grau de instabilidade econômica do Brasil, medido por indicadores como o tamanho da dívida pública externa e interna, a capacidade de pagamento dessa dívida, o tamanho do déficit público, a magnitude das taxas de juros e da taxa de câmbio, entre outros indicadores] caiu significativamente, a credibilidade do Brasil aumentou, nós estamos recuperando algumas linhas de crédito de investimentos...

Fernando de Barros e Silva: [Interrompendo] A credibilidade aumentou, mas o desemprego aumentou e o PIB caiu. Aí o [crescimento do] PIB é negativo também. Nós estamos numa situação drástica.

[Sobreposição das vozes de José Genoino e Fernando de Barros e Silva]

José Genoino: O desemprego aumentou exatamente... exatamente, Fernando, o desemprego aumentou exatamente pela situação [em] que nós encontramos o país, com a carga tributária muito alta - que subiu, naturalmente, no primeiro trimestre deste ano -, uma taxa de desemprego que já havia, muito alta, e nós estamos trabalhando...

Fernando de Barros e Silva: Seria simplismo jogar tudo na conta de um governo que tem seis meses, nem seis meses. Agora,...

[Sobreposição de vozes]

Rui Nogueira: Só mantendo nisso... só mantendo nisso, por que é que o desemprego é uma conseqüência - para usar um termo que vocês usam - da "herança maldita" e a venda de aviões da Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica, entre as maiores empresas mundiais do setor aeroespacial, fundada em 1969], não é? O estouro de produtividade da soja não é, na agricultura? A exportação... ? Como é que vocês fazem essa divisão entre emprego [que] pertence à "herança maldita" [e] agricultura, exportações não pertencem? Como é que é isso?

José Genoino: Rui, em primeiro lugar nós não fazemos essa separação.

Rui Nogueira: Pelo amor de Deus, eu vi o programa do PT e foi claro.

José Genoino: É claro que o país... quando a gente falou sobre os aviões da Embraer, quando a gente falou sobre as exportações, quando a gente fala sobre algumas coisas positivas, nós não estamos negando que veio do governo anterior. Por outro lado, você sabe que o PT fez uma transição com o governo anterior negociada, pactuada.

Rui Nogueira: Serm dúvida.

José Genoino: Terceiro, nós não estamos culpando o governo anterior pela situação de vulnerabilidade do Brasil. Nós estamos dando dados e números. Nós não estamos fazendo julgamento do governo anterior, até porque o PT não pode olhar para trás, no retrovisor.

Fernando de Barros e Silva: [Interrompendo] É só a expressão "herança maldita", mas...

José Genoino: Se você não gostou dessa palavra, eu tiro.

Fernando de Barros e Silva: Não, mas se vocês estão usando, como não estão fazendo julgamento?

Jose Genoino: Eu vou usar outra palavra.

Fernando de Barros e Silva: Não sou eu que vou defender o governo Fernando Henrique.

[Sobreposição de vozes]

Jose Genoino: Eu estou analisando, Fernando, o cenário, o cenário em que nós encontramos o país. Que país nós encontramos? Eu não estou culpando este ou aquele governo. Um cenário de vulnerabilidade, um cenário de desemprego alto, taxa de juros muito alta, e nós tivemos que navegar no fio da navalha para governar a crise e não estamos fazendo um ajuste de contas com o governo anterior. Tanto que nós fizemos uma transição acertada. Agora, em economia - vocês sabem disso tanto quanto eu - não basta um ato de vontade, não basta uma canetada e uma declaração. Nós temos que criar as condições para isso. E que condições são essas? Algumas condições que nós estamos trabalhando, para que a queda dos juros seja de uma maneira consistente. Diminuir a vulnerabilidade. Semana passada, deixamos de rolar parte da dívida em dólar do setor público para diminuir a vulnerabilidade em relação à subida ou descida do dólar. Estamos investindo pesado nas exportações para aumentar a competitividade, redirecionando os bancos públicos para certos programas setoriais que geram empregos na pequena e média empresa... o seguro safra para pequena e média propriedade rural, fazendo um esforço para reorganizar o setor público na área de infra-estrutura. Isso nós estamos fazendo.

Eleno Mendonça: [Interrompendo] Mas você concorda que não foi feita nenhuma transformação grande, esperada pelos eleitores [e é] por isso que todo mundo fala em estelionato?

José Genoino: Não, a transformação...

Eleno Mendonça: E, a rigor, vocês não fizeram nenhuma grande [enfatiza] mudança.

José Genoino: Veja bem, nós ganhamos uma eleição e... veja bem, nós não fizemos uma ruptura radical com a ordem - vamos deixar isso claro, pessoal. Nós ganhamos uma eleição, a maioria dos governadores não é do PT, a maioria do Congresso não é do PT, e nós estamos construindo uma aliança política para ter uma governabilidade transformadora. E não é em cinco meses que nós vamos realizar esse programa. Nós vamos construir a realização desse programa em quatro anos.

Rui Nogueira: Mas sabe o que me impressiona? É assim: o senhor fala, enfim, dos propósitos e das intenções do governo do presidente Lula. Agora, o que me impressiona é a capacidade que os senhores desenvolveram - e aí chama-se o que "Estou do mesmo lado, mudei, mas sem mudar de lado.", enfim, o que o senhor quiser chamar -, a capacidade que os senhores têm de verbalizar um tipo de discurso que não tem nenhum apoio na realidade. Eu conheço o programa do PT de trás para frente, de frente para trás. Reforma da Previdência: o senhor acabou de dizer que o partido tem um compromisso histórico com a Previdência e tal. O senhor vai ver o programa - e acho que não é o caso de ficar aqui lendo, está aí na sua mão -, tem... eu conheço e tem duas ou três questões concretas que eu chamaria de um "ethos difuso do bem-estar da Previdência". Então, uma previdência única, com fundo complementar para quem quiser acima de um teto e tal. Agora, isso não é nada de concreto perto do que foi feito. O que foi proposto? O que foi proposto? Benefício médio, inativos... O senhor disse que não tem nenhum contraditório, [mas] tem total! O presidente Lula, no dia vinte de maio, em entrevista à rádio CBN, disse que era uma mentira... está escrito aqui: “Então, você não pode mexer nos inativos. Quem vier aqui dizer que você vai taxar os inativos estará mentindo.”.

José Genoino: Rui, agora vamos discutir os documentos do PT. Eu acho que você não leu atentamente.

Rui Nogueira: Li, li. Muito atentamente.

José Genoino: Você leu a resolução do diretório nacional do PT de 1996?

Rui Nogueira: Li, li.

José Genoino: E o que é que diz, Rui? Vamos dialogar francamente aqui. Não, eu quero dialogar contigo. Você falou, agora vai me ouvir.

Rui Nogueira: Não tem a reforma da Previdência.

José Genoino: Eu sou o entrevistado, Rui, deixa eu falar. Deixa eu falar?

Rui Nogueira: Não, perfeito, mas deixa eu dizer para você: não tem a reforma da Previdência que foi dita hoje.

[Sobreposição das vozes de José Genoino e Rui Noqueira]

Paulo Markun: Rui, por favor, deixe ele responder.

José Genoino: Tem sim, eu vou te mostrar aqui. Rui, eu vou ler para você... ou você leu com preconceito, desculpe. Eu quero dialogar francamente contigo. Veja bem: o PT está propondo uma reforma na Previdência, Rui, que diz que todos os brasileiros - executivos, empresários, juizes, dona de casa, trabalhador rural, trabalhador da construção civil - têm uma previdência pública universal, com o piso de um salário mínimo, que é de 2.400 [José Genoino confunde-se: em 2003, o salário mínimo era de R$ 240], e um teto de 2.400 [reais]. Isso, Rui, está na resolução do diretório nacional de 1996. Essa proposta, Rui, nunca constou de nenhuma reforma da Previdência enviada ao Congresso Nacional. Eu estou com o programa do Lula. Quando fala aqui da reforma da Previdência, diz exatamente isso. Está aqui [mostra novamente o programa, folheando]: reforma e a reforma da Previdência. Você sabe que... em um país como o Brasil, dizer que todos os brasileiros têm o direito à uma previdência pública com piso [de um salário mínimo] e teto, e acima de 2.400 [reais] é a previdência complementar - de que tipo? Na forma de entidades fechadas sem fins lucrativos -... Portanto, não é aberta como era o PLP9 [Projeto de Lei Complementar 9/99, que iguala o teto de aposentadoria dos servidores públicos aos trabalhadores da iniciativa privada e prevê a complementação da aposentadoria por meio de contribuição para fundos de pensão], que você deve conhecer tão bem.

Rui Nogueira: Sei.

José Genoino: Mas ainda, Rui, administrada paritariamente, que é o que está na nossa proposta de reforma da Previdência, e esses fundos de pensão [vão] fazer uma aproximação entre a contribuição definida e o benefício definido. E mesmo na questão dos inativos, Rui, você sabe que na emenda do Fernando Henrique Cardoso não tinha piso. A nossa proposta é: propõe um piso de 1058 [reais]. O que significam 1058 [reais]? Quem ganha 3000 [reais] vai pagar sobre 1942 [reais], quem ganha 5000 [reais] vai pagar sobre 3942 [reais]. Aí eu te pergunto... nunca fizeram um piso para taxar os inativos; nós estamos propondo um piso. É justo ou não é o funcionário público que ganha cinco mil [reais] pagar 11% sobre 3942 [reais], quando nós temos 21 milhões [de contribuintes] no INSS [Instituto Nacional de Seguridade Social], [dos quais] 12 milhões ganham um salário mínimo, e [o Brasil] tem em torno de vinte milhões [de pessoas] fora da Previdência. É essa Previdência que nós estamos reformulando, diferente da proposta anterior. E essa proposta, Rui, está nos documentos do PT na campanha desde 1996. Aí eu vou te dar mais um dado, que você como jornalista cobriu. Na reforma da Previdência do Fernando Henrique Cardoso, nós tentamos negociar, inclusive com a CUT [Central Única dos Trabalhadores], uma previdência pública e universal. Nunca foi mandada uma previdência pública universal, porque nós queremos melhorar a aposentadoria do INSS. Você sabia que nós estamos propondo o aumento do teto, Rui? O teto hoje, Rui, da previdência do INSS é 1561 [reais]. Nós estamos propondo 2400 [reais] para melhorar as aposentadorias do setor privado. Nós estamos melhorando concretamente. É uma reforma radical da Previdência. Nesse sentido, ela é totalmente diferente da reforma anterior. De forma que...

Rui Nogueira: [Interrompendo] Deputado, só me responda uma coisa: onde está a proposta do governo Lula, enviada ao Congresso dia 30? Onde está o sistema público universal?

José Genoino: O sistema público universal, sabe onde está? Exatamente quando diz que todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil têm direito a uma previdência compulsória pública e universal, com piso de um salário mínimo e teto de dez. Você não leu?

Rui Nogueira: Desculpe, deputado, eu conheço a reforma da Previdência do governo Lula. O que está no Congresso é uma medida para o regime do INSS, que é o aumento do teto [a] que o senhor se referiu e uma manutenção do regime próprio.

Jose Genoino: Não!

Rui Nogueira: Desculpe, os dois regimes mantidos:...

José Genoino: Não está mantido.

[Sobreposição de vozes]

Rui Nogueira: ... o regime público de previdência e o regime do INSS. Onde está o regime público universal?

Jose Genoino: Não, o único regime especial que é mantido - [por]que [tem] o regime público e o regime especial - é no caso dos militares, Rui. Todos os servidores, inclusive do judiciário... você sabe o que a emenda diz, que o teto...

Rui Nogueira: Deputado, o regime dos funcionários chama "regime próprio da previdência dos servidores".

José Genoino: Mas é o que existe hoje, Rui. Nós estamos propondo um regime único.

Rui Nogueira: Presidente Genoino, onde está o regime público universal?

José Genoino: Quando o artigo da emenda constitucional - isso você pode ler - diz o seguinte: todos os brasileiros têm o direito ao regime público universal da iniciativa privada e do setor público, com piso de um salário mínimo e teto de dez. Acima do benefício de dez salários mínimos, é a previdência complementar. Isso está dito, Rui.

Rui Nogueira: Isso não pode ser chamado de regime público universal, isso não pode. E outra coisa: o senhor não me respondeu. E outra coisa:...

Jose Genoino: Você não leu a reforma direito, você não leu.

[Sobreposição de vozes]

Rui Nogueira: Desculpe, eu li. O senhor trouxe a reforma do governo do Fernando Henrique. Eu não perguntei sobre a reforma do Fernando Henrique. Em momento algum de toda a história do Partido dos Trabalhadores no Congresso é marcada pela defesa contra a cobrança dos inativos. Essa é a questão.

José Genoino: Aí deixa eu te falar; eu vou te dar uma explicação. Todas as vezes que mandaram a cobrança dos inativos, nunca teve piso [com o dedo em riste]. Nós estamos mandando um piso de 1058 [reais]. Por que estamos mandando esse piso? Porque os governadores dos 27 estados - o PT só governa quatro - têm uma situação delicadíssima. Nós temos hoje 14 bilhões [de reais] de subsídios nos estados, para um milhão e meio de servidores.

Rui Nogueira: O PT era contra a taxação dos inativos

José Genoino: Porque não tinha piso, Rui.

Rui Nogueira: Não, não, desculpe. Então por que o PT não fazia uma proposta de emenda para botar o piso?

José Genoino: Fizemos, Rui. Nós fizemos, Rui. Fale com o líder do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira].

Rui Nogueira: O Partido dos Trabalhadores era contra.

José Genoino: Fale com o líder do PSDB. Nós chamamos ele para negociar um piso de 1200 [reais], para, a partir daí, cobrar dos inativos. Agora, se você acha que tem que mudar o sistema universal e o sistema público...

Rui Nogueira: Eu não tenho que achar nada. Eu estou dizendo o que é.

José Genoino: Eu estou dizendo que, no caso da reforma do PT, você está lendo equivocadamente. Eu vou te dar a emenda para você ler, porque o regime é público e universal, com um piso de um salário e dez salários mínimos. Isso é para beneficiar o regime geral. Os servidores estão contra isso porque querem manter o regime próprio. Nós temos quatro regimes de previdência no Brasil; não são dois. Nós temos o universal, tem o dos militares, tem o regime próprio e tem o complementar. Nós estamos acabando com o regime próprio dos servidores. Os militares acabam com a pensão...

Rui Nogueira: Vocês estão acabando com o regime próprio dos servidores?

José Genoino: Para ir para o regime geral universal.

Rui Nogueira: Isso para os futuros servidores, quer dizer, mas continua existindo, continua existindo. Não, o regime próprio continua existindo. Você fala regime próprio público. Não, regime público universal é [aquele em que] não há diferença entre trabalhador público e privado, é um sistema único de previdência, e quem quiser complementar a sua previdência... É o que está escrito no programa do PT.

José Genoino: Rui, agora você vai ter que ouvir mais uma explicação, para a gente não confundir o telespectador. Veja bem: a partir da reforma da Previdência, você tem um regime público universal. Quem entrar no serviço público vai entrar no regime público universal. [Para] Quem está hoje no serviço público, quais são as três mudanças que nós estamos propondo? Quem está hoje... porque nós não podemos trazer para o regime público agora, nós não estamos propondo... Quem está hoje, aumenta a idade, a questão do tempo de contribuição. Quem esteve na iniciativa privada e no setor público... não é correto que um trabalhador do serviço público pague 35 anos de contribuição e receba o mesmo de quem pagou dez ou vinte. Terceiro, a taxação dos inativos com esse piso. Portanto, a nossa proposta, Rui, ela é universal e pública para quem entrar no serviço público a partir da reforma da Previdência. Você sabe que nós não podíamos pegar os servidores de hoje e botar no regime público universal. Agora, você há de convir, há de concordar publicamente comigo que a nossa proposta para os futuros servidores é universal e pública, não é verdade? Com piso e teto. Então, agora você concordou comigo. Agora, vamos tratar da segunda questão. O regime complementar na nossa proposta é para aqueles trabalhadores de hoje que vão entrar no serviço público, que não estão ainda. Esses trabalhadores vão fazer uma opção voluntária para o sistema complementar. E qual é a nossa proposta? Fundo de pensão de entidades fechadas administradas paritariamente. Essa proposta está apresentada para os servidores. Quem está hoje no serviço público mantém os direitos, e vamos apenas alterar a idade, o tempo de contribuição entre o setor público e privado, e a questão da taxação dos inativos, que é o piso - repito -, é o piso de 1058 [reais]. Você sempre paga acima de 1058, exatamente, só paga a diferença, e nunca essa proposta foi feita. Agora, eu também, Rui, não tenho preconceito nenhum de dizer que o PT fez uma proposta que tem coerência com a sua elaboração, mas, ao mesmo tempo, um partido que chega ao poder tem a responsabilidade de governar um país complexo, difícil e que tem sim que ter a responsabilidade de ver a possibilidade do Estado, ou não. Quer dizer que você queria que o PT deixasse essa Previdência como está, para o PT dizer: "Eu sou coerente e ponto final."? Estou falando, você, para efeito de polêmica, é na nossa polêmica aqui, está certo? É para efeito da nossa polêmica... Desculpe eu ter falado muito, mas era necessária a explicação. Então, chegamos a um acordo: aos futuros [contribuintes], a previdência do PT é pública universal.

Rui Nogueira: Eu continuo discordando do senhor. [risos]

Paulo Markun: Bem, nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos para mais polêmica com o presidente nacional do PT daqui a um instante.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores José Genoino. Para você participar do programa, o nosso telefone é o (0XX11) 252-6525, nosso fax é o 3874-3454 e o endereço eletrônico do programa [é] rodaviva@tvcultura.com.br. Presidente, Genival Ambrósio Morais, de Pompéia, interior de São Paulo, funcionário público federal, pergunta o seguinte: "O PT sempre defendeu a liberdade de expressão principalmente na época da ditadura. No episódio dos chamados radicais dissidentes, Babá, Luciana Genro e Heloisa Helena, eles foram tratados..." - segundo ele - "... como por ditadores. Como é que o senhor explica essa situação, já que parece que o PT está cerceando a liberdade de expressão dos seus representantes?".

José Genoino: Em primeiro lugar, dizendo para o telespectador que não é verdade. O PT é um partido democrático, plural, as pessoas se manifestam, divergem, criticam. É assim que foi a história do PT e será assim daqui para frente. Em relação aos episódios de dois ou três parlamentares, não foi de opinião não votar. Não votar, repito, não votar num acordo institucional para eleger o presidente da Câmara e do Senado não é opinião. Vaiar o Lula quando ele entrava com a emenda constitucional no Congresso Nacional não é opinião. Botar uma fita de quinze anos atrás para atingir a figura do presidente da República não é opinião, é ação. Portanto, nós chamamos esses parlamentares, que respeitamos muito, para um acordo. Esses parlamentares...

Fernando de Barros e Silva: [Interrompendo] Esses parlamentares, presidente, desculpe, esse parlamentar da fita não está entre os três que são objeto da comissão.

José Genoino: Um estava... a Luciana estava... viu, Fernando.

Fernando de Barros e Silva: A Luciana, o Babá e a Heloisa Helena, mais o Fontes, que é autor da fita, João Fontes.

José Genoino: Veja bem, é o autor da fita junto com a Luciana. Mas no caso... veja bem...

Fernando de Barros e Silva: A Luciana pegou carona. Na verdade, o João Fontes ainda não foi incluído. Amanhã na Folha [de S. Paulo] terá uma matéria que [diz que] ele vai ser incluído, o senhor confere?

José Genoino: Eu não sei, eu não debati essa questão e a executiva não se reuniu. Mas, Fernando, vamos discutir essa questão de maneira muito clara e tranqüila. O PT sempre será um partido de opinião democrática e pluralista. O direito de opinião é salutar no PT; o direito de divergência e de crítica. Eu tenho participado de várias plenárias. Fizemos um seminário sobre a previdência pública, transmissão ao vivo, vinte mil internautas acessaram o nosso seminário, novecentas pessoas participaram. Tem um debate público sobre crescimento, taxa de juros... tudo no PT é debatido, nada deixará de ser debatido. O que esses parlamentares fizeram, Fernando, [o que] alguns desses parlamentares fizeram foi uma ação que extrapolou o limite da opinião. Por exemplo, fazer acusações infundadas a companheiros do PT, vaiar companheiros da bancada junto com servidores, isso não é opinião e nós chamamos esses parlamentares para um acordo. Por que eles não aceitaram a proposta que fizeram para mim, Fernando? Em 1995 me chamaram na executiva e disseram: "Genoino, você tem opiniões diferentes da maioria.", eu disse: "eu tenho.", aí eu disse...

Fernando de Barros e Silva: [Interrompendo] Isso foi o presidente José Dirceu e o senhor era a favor...

José Genoino: Aí eu disse... Não era o José Dirceu o presidente não.

Fernando de Barros e Silva: [Era] José Dirceu o presidente do partido .

José Genoino: Não era não. O presidente do partido era o [Rui] Falcão.

Fernando de Barros e Silva: O senhor estava dialogando... Não, ele tinha acabado de assumir, o José Dirceu. O senhor dialogava com o Fernando Henrique e o José Dirceu chamou o senhor porque tinha quinze vice-líderes definidos e Genoino era o décimo sexto vice-líder do governo. Enquadrou o senhor...

Jose Genoino: Não, eu não fui enquadrado, eu fui na reunião da executiva, Fernando, e o que eu fiz? Eu disse: "eu penso e vou defender as minhas opiniões." e está lá registrado o meu voto, e a Folha[de S.Paulo] pode ter acesso aos anais da Câmara dos Deputados. O que eu disse para esses parlamentares? "Façam a mesma coisa, digam publicamente o que pensam, disputem publicamente as suas opiniões, agora, digam ao partido que a partir do momento [em] que a bancada decidir, todos nós votamos juntos, porque o PT é o governo, o PT não pode se recusar a ser governo, porque ele pediu voto para ser governo.". Se o deputado quer fazer oposição, ele faz uma outra opção e eu digo aqui publicamente no Roda Viva, e para vocês da Folha de S.Paulo, [que] se os deputados, se os deputados aceitarem o acordo de dizerem o que estão dizendo, mas votarem com as decisões da bancada da Câmara e do Senado, não tem crise. É isso que eu estou dizendo. Nós queremos... o PT quer manter a plena liberdade de opinião.

Eumano Silva: [Interrompendo] O senhor disse que o governo Lula não pretende fazer um acerto de contas com o governo Fernando Henrique Cardoso. O arquivamento das CPIs [Comissões Parlamentares de Inquérito], como a do Banestado [CPI do Banestado], na semana passada, faz parte desse não acerto de contas?

Jose Genoino: Olha, pessoal, não faz parte; isso nem está na agenda.

Eumano Silva: O PT sempre... o PT sempre defendeu CPIs.

José Genoino: Nem está na agenda, Eumano. Quando eu falei aqui do governo anterior, foi exatamente para mostrar que a nossa preocupação, ao governar o Brasil, Eumano, não é o retrovisor, é o pára-brisa.

Eumano Silva: Em relação à corrupção também não?

José Genoino: É o pára-brisa. Nós fomos eleitos...

Eumano Silva: Mesmo em relação à corrupção, deputado?

José Genoino: Eu vou chegar, eu vou chegar na questão da corrupção. Nós fomos eleitos para governar o Brasil daqui para frente. Nós não fomos eleitos para governar o Brasil olhando para o retrovisor do carro. A nossa responsabilidade é mudar o Brasil, melhorar o Brasil daqui para frente, do ponto de vista econômico, do ponto de vista social, do ponto de vista político. Em relação às CPIs, na medida em que o PT é governo, o governo do PT tem instrumentos para fazer a investigação. A corregedoria da União, a polícia federal, como fez a investigação no caso do ACM [Antônio Carlos Magalhães], como está fazendo no Banestado, e o requerimento de CPI no Banestado, que é de uma senadora do PT [Ideli Salvatti], não foi arquivado; foi arquivado o outro, esse requerimento está lá. Se os instrumentos do governo do PT, que estão fazendo a investigação, e o governo tem a responsabilidade de investigar, como está fazendo...

Eumano Silva: No caso do Antônio Carlos Magalhães, [a Polícia Federal] investigou?

José Genoino: Investigou, a Polícia Federal investigou. Ela está concluindo o inquérito e a bancada do PT fez o quê? Representou no Conselho de Ética, votou no Conselho de Ética, votou na mesa e votou no plenário. Só que nós somos a quarta bancada, portanto...

Fernando de Barros e Silva: [Interrompendo] Deputado, esses acordões que vocês sempre condenaram... os senhores estão fazendo [um acordão] idêntico. A questão do Banestado é escandalosa, porque ela envolve narcotráfico, lavagem de dinheiro, é corrupção pesada, e daí vai nos "peixes grandes" a que o Lula se referiu no início do mandato.

[Sobreposição de vozes]

Fernando de Barros e Silva: Vocês estão adotando um comportamento que criticaram durante os oito anos do Fernando Henrique. O Fernando Henrique dizia que as instâncias corretas estão investigando e não vamos misturar as coisas. O Congresso é para legislar.

José Genoino: Não, o Congresso é para investigar. Agora, você sabe, Fernando, que a CPI é basicamente uma prerrogativa da oposição, até porque, para ela se instalar, [é necessário] apenas um número de assinaturas, de 172 assinaturas; segundo, o requerimento da CPI do Banestado é de uma senadora do PT... que não foi arquivado; terceiro, a corregedoria da República, da União, e a Polícia Federal estão em cima da investigação. Então a CPI não está enterrada.

Fernando de Barros e Silva: Mas [o processo] foi arquivado, [a CPI] está enterrada. Foi na sala do Sarney, com o Mercadante [Aluízio Marcadante, um dos fundadores do PT, senador pelo estado de São Paulo desde 2002] presente. Todos os jornais publicaram e não foi contestado.

José Genoino: Foi um requerimento de um senador do PSDB, que aliás podia recorrer, como nós fazíamos na época da oposição. Ele podia recorrer do Sarney e instalar a CPI como a gente fez o recurso. A investigação está sendo feita pelo governo. Nós respeitamos o direito da oposição de fazer a CPI e levar às últimas conseqüências. O PT não está conduzindo o arquivamento de nenhuma CPI. No caso do ACM é que não precisava da CPI, porque o Conselho de Ética desvendou e a Polícia Federal está concluindo o inquérito. E mais do que isso, se a Polícia Federal concluir pela responsabilidade dele como abuso de poder, na condição de senador, o PT pode... aliás, a executiva delegou esse poder ao PT, de fazer a representação. Portanto, nós estamos agindo com muita responsabilidade. Agora, nós estamos... nós somos governo, as nossas tarefas de governar o país são muito amplas e, nessa questão da corrupção, não ficou uma questão sem esclarecimento. Está aí [o caso d]os grampos, está aí o caso da crise da segurança pública, como nós estamos atuando permanentemente, está aí o caso do Banestado, como a Polícia Federal está investigando...

Eumano Silva: Qual o esclarecimento em relação aos grampos?

José Genoino: Aos grampos? A Polícia Federal está terminando o inquérito.

Eumano Silva: Não, mas não tem um esclarecimento ainda.

José Genoino: Eu sei, mas está investigando.

Eumano Silva: O senhor disse que tinha um esclarecimento e eu estou só chamando a atenção que não houve ainda.

José Genoino: Sim, mas vai concluir. Vai concluir o esclarecimento.

Maria Cristina Fernandes: Deputado, eu queria retornar à questão da disciplina partidária.

José Genoino: Como?

Maria Cristina Fernandes: Eu queria retornar à questão da disciplina partidária, que até o momento tem ficado restrita a um punhado de parlamentares. A questão que eu queria colocar para o senhor é a seguinte: nos movimentos sociais há muitos filiados do PT; no movimento sindical, [no] Movimento dos Sem-Terra [MST]... essa questão de disciplina partidária poderá se estender como exigência aos movimentos sociais, uma vez que esta crise econômica pode se agravar e pode gerar uma insatisfação da sociedade a ser veiculada por esses movimentos? O PT, por exemplo, exigiria uma disciplina, uma coerência de discurso de movimentos, como a CUT, MST?

José Genoino: De maneira nenhuma, Cristina, porque o estatuto do PT, que agora vai ser muito lido, diz o seguinte: "Os militantes que são representantes de entidades têm autonomia dentro do partido para ter a fidelidade das suas entidades.". E no caso do mandato parlamentar, a única disciplina que nós cobramos, pelo estatuto - não sou eu... o estatuto foi aprovado por unanimidade -, é a fidelidade no voto. As pessoas ficam o ano inteiro falando que não tem fidelidade no Brasil, que tem que ter disciplina, que tem que ter partido forte, até disseram que o PT é o único partido que existe. Na hora que o partido diz que a fidelidade partidária é um valor, que é o voto, e o PT permite que o deputado vá lá e declare seu voto... nós votamos a emenda que regularizou o sistema financeiro e 34 deputados declararam voto. Quando se trata de deputado, por exemplo, representante de servidores públicos, qual a nossa proposta para eles? Vocês votem com o partido, podem até dizer que foi porque o partido fechou a questão, façam um manifesto discordando do partido, e divulguem para a sua categoria. Porque o mandato parlamentar é do partido, da base social que elegeu o deputado e da consciência do deputado. O deputado tem liberdade de voto em matéria de religião e de ética. Isso que o PT consagra uma democracia. E o que nós estamos propondo a esses parlamentares é que aceitem o debate interno e, de acordo com o resultado do debate, votem com o partido.

Maria Cristina Fernandes: Mas o senhor não teme que essa insatisfação que está sendo verbalizada por esses deputados, ela se expanda na sociedade e atinja movimentos, e aí fique mais difícil... [o senhor não teme que] o PT tenha menos meios de ação para enquadrar, para restringir?

José Genoino: Não. Primeiro que nós não vamos enquadrar ninguém; esta palavra está equivocada. A minha tarefa como presidente do PT não é enquadrar ninguém. A minha tarefa é explicar, é convencer, é viajar pelo Brasil, como eu estou viajando, é fazer debate, é mostrar que a proposta que o PT está fazendo é a melhor para o país neste momento, é convencer, e a maioria do PT está se convencendo. Agora, se tem alguns parlamentares que estão descontentes, eles vão expressar publicamente esse descontentamento.

Paulo Markun: Mas trinta assinaram um documento sobre a...

José Genoino: [Isso é] Normal, Paulo.

Paulo Markun: Trinta, de noventa.

José Genoino: Perfeitamente normal, Markun. Trinta deputados, doze deputados, sessenta deputados, isso não tem problema nenhum. Eu até acho que aquele documento, por quem assinou... eu não vejo muitos problemas, porque baixar a taxa de juros é um objetivo nosso. Eu acho apenas que o diagnóstico deles é um diagnóstico muito superficial, porque não avalia a situação econômica do país e do mundo. E, por outro lado, [com] a palavra de ordem "crescimento já" todos nós concordamos. Aliás, esses parlamentares têm todo o direito de manifestação; não tem problema nenhum. Eu estou separando as coisas. Uma coisa é um deputado chegar e dizer: "Eu não voto.", outra coisa é o deputado dizer: "Eu divirjo, vou disputar no partido publicamente, mas eu não posso quebrar meu laço com o partido.". Foi isso que eu fiz durante dois anos.

Eleno Mendonça: Nesse aspecto que a Cristina estava falando, em relação à situação econômica, que é grave, vocês tendem a, no segundo semestre, adotar alguma medida mais branda de baixar os juros e tentar buscar um caminho da retomada do crescimento. Eu acho que é preciso que o partido pense o seguinte: foi prometido criar dez milhões de empregos. Ele [o Lula] foi eleito com um prisma de que haveria uma grande mudança, uma revolução, uma mudança radical. Isso não está acontecendo, e no ano que vem tem eleição. Quer dizer, o PT pretende fazer muita coisa em seis meses? Vai atropelar a própria ortodoxia da economia?

José Genoino: Em primeiro lugar, pode ficar tranqüilo que nós não vamos fazer populismo cambial, nem vamos fazer populismo com juros...

Eleno Mendonça: Então vocês vão perder a eleição?

José Genoino: ... nem vamos fazer populismo irresponsável que quebre o país. Nós confiamos que a taxa de juros vai cair, porque o país está tomando as medidas necessárias para a queda da taxa de juros. Ela vai cair no momento certo em que essas condições estejam construídas e preenchidas, e nós vamos ganhar as eleições de 2004, porque este governo, o governo do PT, o governo do presidente Lula, tem uma aprovação em torno de 78%, 77%. A população brasileira tem consciência da responsabilidade de fazer essa transição delicadíssima. O povo sabe que a nossa capacidade de fazer as mudanças é uma capacidade que tem limite, mas nós vamos fazer. E, por outro lado, nós estamos tomando um conjunto de medidas, como as medidas em relação à reforma agrária - e estamos negociando com o Movimento dos Sem-Terra, divergindo de algumas medidas exageradas -, o programa sobre o primeiro emprego, a recuperação da infra-estrutura do setor elétrico, inclusive recuperando parcerias com o setor privado, porque nós precisamos de investimento privado, as mudanças nas agências para não acabar com elas, mas aperfeiçoar as agências, a credibilidade que este governo tem no plano internacional para atrair investimentos. É um conjunto de medidas que vai, com certeza, estabilizar a economia com o crescimento. E o juro vai cair dentro desse cenário, e nós estamos trabalhando para ganhar as eleições de 2004. Vamos trabalhar. Agora, é uma... é um trabalho...

Eleno Mendonça: [Interrompendo] Essa situação externa. A situação externa a que você se referiu também se deve a outros fatores que você sabe: guerra, a pneumonia na Ásia, uma série de fatores que jogam o Brasil...

José Genoino: [Interrompendo] Ainda bem que você acaba de concordar comigo, na sua pergunta, do que eu falei no início, que, para tomar decisões em relação à questão dos juros, não depende só do Brasil, por causa da situação delicada do mundo. Assumimos o governo e veio a guerra. Hoje a economia mundial atravessa uma crise delicadíssima e nós estamos enfrentando negociações tensas sobre a Alca, negociações tensas na Organização Mundial do Comércio [OMC], negociações bilaterais com a Comunidade Econômica Européia, com o governo dos Estados Unidos...

Eleno Mendonça: Mas não era diferente no governo anterior; também tinha tudo isso.

José Genoino: É que o cenário mundial no governo anterior teve certos momentos de maior facilidade do que está tendo agora. Eu sei que o cenário é de dificuldade, mas, mesmo nesse cenário de dificuldade, o país está sentindo segurança, o país não está assustado. Isso é uma condição para a gente crescer, para diminuir a taxa de juros.

Carlos Novaes: Deputado, a trajetória do PT... para quem acompanha, não há nada de surpreendente no que está acontecendo. No meu ponto de vista, o PT está cumprindo uma trajetória de crescente, digamos, adesão à ordem, ao stablishment [ordem política e social], e nesse processo o senhor teve um certo destaque, porque hoje o PT está mais próximo do que o senhor queria no passado do que o PT estava disposto a admitir e a assumir. A, digamos, recusa do PT ao stablishment, ao longo de sua história, estava ligada claramente à profunda desigualdade brasileira, à miséria no Brasil e à falta de democracia. Agora, com o PT no governo, os movimentos sociais, os movimentos que deram e inervaram essa, digamos, essa recusa ao stablishment, esperam com mais ou menos enganos, com mais ou menos cinismo, uma mudança. Esperavam isso e o senhor está numa posição muito confortável, ainda, porque não dá para cobrar isso ainda, na verdade; é cedo para cobrar isso. Mas a questão é: à medida que o tempo for passando, que os meses forem passando, essa ordem social que está aí e que deu origem ao PT, e que alimentou esses movimentos, o senhor não acha que isso vai colocar problemas que podem, por exemplo, granjear o surgimento de uma força à esquerda do PT, que venha a cumprir, que venha ao encontro dessa vontade de mudança que continua larvando na sociedade brasileira, na medida em que dificilmente os senhores conseguirão resolver esses problemas seculares respeitando calendários eleitorais?

Jose Genoino: Novaes, qual é o desafio do PT? Nós estamos fazendo essa reflexão. Eu, particularmente, faço essa reflexão desde 1994, 1995. É fazer as mudanças sem quebrar a ordem. É fazer as mudanças por dentro da ordem, tencionando em alguns momentos, e depende da correlação de forças, você sabe disso.

Carlos Novaes: Mas o que é a ordem para o senhor?

José Genoino: Eu digo a ordem democrática, o estado democrático de direito. Nós governamos o Brasil numa ordem econômica dominada pelo sistema financeiro. Nós governamos o Brasil numa ordem econômica mundial que nos é desfavorável. Nós governamos o Brasil e temos que respeitar os contratos e os acordos internacionais. Nós governamos o Brasil e temos que fazer uma reforma agrária sem questionar o direito de propriedade, respeitando o direito de propriedade, fazer uma reforma agrária em terras improdutivas e negociando pacificamente. Nós temos que fazer as mudanças no Brasil pactuando com uma parte da elite...

Paulo Markun: Não é muito equilibrismo? Não precisa de muito equilibrismo, demais?

[Sobreposição de vozes]

José Genoino: Mas o Brasil, Markun...

Carlos Novaes: O senhor entrou num registro tático agora, que é um registro antigo. Quer dizer, o senhor entrou num registro tático...

José Genoino: Não, estou fazendo um registro estratégico. O nosso projeto de mudança no Brasil é um projeto de aperfeiçoamento da democracia, das regras do jogo, é numa aliança com forças econômicas poderosas que não são petistas, buscando alianças no cenário internacional, inclusive com governos que não estão no espectro da esquerda. Está aí o exemplo do Chirac [Jacques Chirac, foi presidente da França de 1995 a 2007], está aí o exemplo do Chirac na França...

Carlos Novaes: [Interrompendo] Os senhores estão acumulando forças?

José Genoino: Não é [que estejamos] acumulando forças. Nós não vamos acumular forças, porque não tem mais a idéia - você sabe disso - de acumular forças para um dia fazer uma revolução.

Carlos Novaes: O que eu sei não interessa. O meu papel aqui hoje é fazer o senhor falar.

José Genoino: O que eu quero é construir. O meu sonho tem que ser construído no presente e o presente é o seguinte: o PT é um partido de esquerda, e ser de esquerda hoje significa avançar nas mudanças sociais para universalizar direitos e garantir cidadania. Aí eu volto à importância da reforma da Previdência, porque ela está voltada para beneficiar o setor privado e os funcionários públicos de baixos salários. Nós estamos fazendo um tencionamento com algumas categorias que votaram no PT e estão descontentes com o PT; isso é legítimo.

Carlos Novaes: O senhor não acha que vai incentivar a ter espaço no Brasil para o surgimento de uma força mais à esquerda?

José Genoino: Eu não sei.

Carlos Novaes: O fortalecimento de uma alternativa à esquerda, por exemplo... agora falando um pouco como analista... não, não... não é que eu me apavore como analista, eu quero que o senhor fale como analista político que o senhor também é.

[Sobreposição de vozes]

José Genoino: Qual é o dilema da esquerda? A esquerda nem pode ficar no gueto e ser derrotada pelo aventureirismo - porque nós temos também essa experiência trágica no mundo e aqui no Brasil - nem também nós podemos ficar na simples adaptação descaracterizada. Nós temos valores, programas e vamos construir dentro dessa ordem.

Paulo Markun: Se esse discurso o senhor aplicasse durante o governo do PSDB, o pressuposto lógico seria que o PT tivesse negociado as reformas com o PSDB.

José Genoino: Aliás, Markun, eu estou à vontade para responder essa sua pergunta, porque eu fui minoria no PT exatamente quando eu defendia que se negociasse, por exemplo, a reforma da Previdência. E eu fiz...

Rui Nogueira: Deputado, aí que está a questão: o senhor foi a minoria, mas o Partido dos Trabalhadores, tal como entendem, não os jornalistas que estão aqui, mas a sociedade só registrou uma coisa, era contra, votou contra, pela oposição... pela oposição sempre.

José Genoino: Mas você vai admitir como jornalista, publicamente, que esse parlamentar tencionou para negociar a reforma da Previdência. Porque a reforma da Previdência pra mim sempre foi uma questão muito cara.

[...]: Mas hoje vocês têm dificuldade em negociar...

[Sobreposição de vozes]

José Genoino: E uma reforma muito cara, porque na proposta do Fernando Henrique Cardoso eu lutei muito para incluir a previdência pública com piso e teto, e nós negociamos. Inclusive o Vicentinho [Vicente Paulo da Silva, sindicalista e ex-presidente da CUT] entrou na negociação em nome da CUT. Você lembra desse episódio?

Rui Nogueira: Lembro, com detalhe....

José Genoino: Quando nós fomos negociar com o ministro da Previdência...

Rui Nogueira: ... que o PT, grande parte do PT - não o senhor - foi contra, e a CUT também, e o Vicentinho desceu a rampa do planalto, encontrou um pelotão de jornalistas, virou e disse assim: “Puxa, não sabia que ciúmes de homem era pior do que o de mulher.”. Essa foi a expressão do Vicentinho, danado com a oposição dentro da CUT, com o PT.

José Genoino: Vou lhe contar outro episódio, que você não sabe como jornalista, apesar de ser muito bem informado. Naquele momento de tencionamento, eu me reuni com o Luis Eduardo [Luis Eduardo Magalhães (1955-1998), filho de Antônio Carlos Magalhães], uma pessoa que eu respeitava muito. Chamei o Luis Eduardo Magalhães, presidente da Câmara, na casa dele, e disse: "Luis Eduardo, tem jeito de tencionar para ter uma previdência pública universal?", que era antes de sair o relatório do Euler Ribeiro [médico e professor, foi relator da Reforma da Constituição de 1988, no ano de 1996 e responsável pela Lei da Reforma Previdenciária]. O Euler Ribeiro disse: "Eu não posso bancar a previdência pública universal para todo mundo.". Eu disse: "sem essa condição eu saio da negociação.". Vicentinho não dá para ficar nela, e eu disse: "Luis Eduardo, você banca?". Ele disse: "Eu, pessoalmente, banco, mas a minha base não banca uma previdência universal para todo mundo.". Por isso que eu volto à questão, Rui. A coisa que mais me atrai nessa previdência é dizer que um dia este país vai ter a toga, a farda, o procurador público, o executivo, o jornalista, numa previdência que está com o trabalhador rural, [o trabalhador] da construção civil, dentro daquele critério da justiça. Ele tem um teto e um piso, e a partir daí você tem previdência complementar. É quando...

Rui Nogueira: Essa previdência não tem nada disso.

José Genoino: A partir da aprovação da emenda sim. Quem entrar no serviço público vai entrar na previdência pública. Você não vai querer que eu bote agora eles na previdência universal. Agora, quem entrar no serviço público vai ter que entrar nesse valor, que era o que eu defendia. Mas voltando a essa questão, o governo Fernando Henrique Cardoso... em alguns momentos, nós negociamos... e eu quero fazer um registro aqui para vocês que é importante, já que a história do PT está sendo objeto de tanto debate: no segundo mandato do Fernando Henrique Cardoso nós fizemos muitas negociações com o Fernando Henrique Cardoso. Vocês se lembram que o Lula até teve um encontro com ele? Quando nós derrotamos no PT o "Fora FHC", derrotamos no PT o "Fora FHC" e construímos o partido para uma linha de uma oposição afirmativa, que ali, no primeiro mandato, foi muito dura. Isso foi graças à maioria do PT, comandado inclusive pelo ministro da Casa Civil, companheiro José Dirceu. Tivemos vários momentos de negociação sobre orçamento com Fernando Henrique Cardoso, sobre a criação do Ministério da Defesa, sobre o projeto dos desaparecidos políticos... eu negociei diretamente com ele, já no segundo mandato e também no primeiro. Dizer que o PT não negociava não era bem verdade. Agora, como é que o PT era tratado? [Como] Sectários [...]. Por isso que eu quero assumir um compromisso aqui: eu nunca vou adjetivar o PSDB nem o PFL [Partido da Frente Liberal] como partidos de oposição; vou respeitá-los, ser humilde, chamá-los para negociar, e tomara que eles votem conosco na reforma da Previdência.

Rui Nogueira: [Interrompendo] O Novaes colocou aqui uma questão que o senhor disse claramente, respondendo para ele, [que] o PT quer fazer a mudança dentro de uma regra, da ordem e tal. O PT já está fazendo uma mudança que o senhor disse que futuramente tem uma fase dois, como diz o partido, de crescimento e desenvolvimento e tal...

José Genoino: Não bote fase dois no plano B. [risos]

Rui Nogueira: Mas já começou dentro da ordem aceitando aí essa situação econômica e foi além do Fernando Henrique Cardoso. Agora, o que ninguém... o que é difícil entender é: o Partido dos Trabalhadores - não estou discutindo o que é que o PT dizia antes, [mas sim o que] diz agora, estou discutindo concretamente agora - sempre se pressupôs que o partido assumiria, dentro dessa regra de dificuldade, mas a área social... no primeiro trimestre, o governo gastou, de cada cem reais de investimentos, um. O senhor vai dizer "Tem a crise, 4,25 [o governo decidiu aumentar a meta de superávit primário para 4,25% do PIB, diante da crise] e tal.", só que tem um detalhe: o Fundo de Combate à Pobreza tem cinco bilhões [e] o partido liberou 930 milhões, menos de um bilhão. O Fundo Criança e Adolescente, que tem dez milhões, o partido liberou zero, o Peti, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, menina-dos-olhos - não do governo Fernando Henrique [nem de] ninguém, [mas sim] da sociedade brasileira -, um programa importantíssimo, o partido liberou vinte e pouco por cento. Por que isso?

José Genoino: Eu diria para você o seguinte: primeiro, que o partido... deixa eu te explicar. Primeiro que o partido não liberou, porque o partido...

Rui Nogueira: O governo do PT, porque o partido...

Jose Genoino: Deixa eu responder, Rui, você fala demais e não deixa eu responder; daqui a pouco eu boto você aqui [na condição de entrevistado].

[Risos]

Jose Genoino: Primeiro que o PT não liberou, porque o PT... eu não falo pelo governo, eu defendo o governo. Segundo, eu vou levar todas as suas observações. Eu quero que você me passe esse papel e vou fazer essa observação ao governo. Eu acho que precisa melhorar o gerenciamento dos programas sociais, eu acho que nós precisamos...

Eleno Mendonça: [Interrompendo] Você vai virar um radical?

José Genoino: Eu sempre fui radical. Sou um reformista radical. Radical é quem quer mudar a raiz dos problemas. Mas eu vou voltar aqui ao meu companheiro Rui. Companheiro Rui, jornalista, desculpe lhe chamar de companheiro, mas é o meu jeito. Eu vou anotar, eu vou fazer as suas... eu vou anotar as suas observações. Eu acho que nós temos que melhorar muito a área social. Nós temos que avançar muito no gerenciamento, na articulação dos programas e vou levar essa observação para o governo.

Rui Nogueira: Isso não é uma questão de gerenciamento, é uma questão de superar 4,25, é que não tem dinheiro.

José Genoino: Não, tem sim. Nós estamos agora num processo... e você viu pelos jornais aí, aí você já está... eu estou sendo generoso com você para pegar suas observações e você já é sectário comigo. Vamos lá, Rui, vamos trabalhar com jeito. Primeiro, que eu aceito as suas críticas; segundo, não é o PT que libera: o PT vai chamar a atenção do governo para esse problema; terceiro, o problema do superávit... você viu que agora nós, o governo decidiu descontingenciar, priorizando as estradas, os programas sociais e algumas áreas da infra-estrutura de energia. Nós vamos continuar olhando o superávit primário com o olhar político nesse sentido dos programas sociais que precisam melhorar. Nessa questão nós temos que avançar muito e suas observações e os seus números eu levo em conta. Como eu não sou dono da verdade, eu levo em conta. Eu aprendi uma coisa, Rui: se eu quero mudar você, eu tenho que ser mudado. [Rui sorri]

Carlos Novaes: Deputado, diziam que o seu partido não conseguiria ter uma articulação cabal de apoio ao governo no Congresso.

José Genoino: Tinha uma minoria, ingovernabilidade... não sabia fazer aliança.

Carlos Novaes: A despeito de ter uma grande bancada.... Isso, não conseguiria. Mas eu não quero fazer uma leitura tão otimista como essa que o senhor já começa a querer fazer. Eu quero dizer o seguinte: para muitos, de maneira surpreendente, o PT e o governo construíram uma maioria, até sólida, notadamente na Câmara dos Deputados. O senhor fez aqui, ao longo da entrevista, uma veemente defesa da força do partido, da importância do partido, digamos, até de uma certa palidez na aquarela partidária brasileira e tal. O senhor não acha que a forma como o PT está atuando e como o governo está atuando no Congresso, para atrair o apoio dos parlamentares, não é um pouco deliqüescente, quando se pensa numa vida partidária estruturada? E mais: o PT não fica mais uma vez muito parecido com o que nós sempre vimos, quando constrói uma maioria como essa, dessa forma, e que atrai, digamos, até o partido do Maluf [PP]?

José Genoino: Novaes, vamos deixar muito clara uma coisa: qual é o eixo de sustentação do governo no Congresso Nacional? O eixo de sustentação são os partidos que apoiaram o Lula no primeiro e no segundo turno. Uma parte grande do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] apoiou o Lula no segundo turno.

Carlos Novaes: Mas eu não estou falando mais de eixo, estou falando das franjas que já se aproximaram do eixo, digamos assim.

José Genoino: Deixa eu chegar, deixa eu chegar nas franjas. Nós construímos uma base parlamentar sem mudar o programa do PT, sem abrir mão dos valores do PT, sem cair no "toma lá, da cá". Terceiro, nós temos, com alguns grupos de parlamentares que não participam do governo, votações pontuais nessa ou naquela proposta do governo, até por interesse que esse partido representa. Por exemplo, você vai discutir uma questão ligada com a agricultura, você vai discutir uma questão ligada normalmente com o campo, tem um setor do PP [Partido Progressista] que vota, isto é histórico, como tem um setor do PFL que sempre votou nessas questões. Isso diz respeito a interesses econômicos objetivos. Portanto, nós não estamos incorporando essas franjas como base de sustentação do núcleo do governo; são negociações pontuais. A base do governo, que dá em torno de 320 deputados, é com o PMDB, que apoiou o Lula no segundo turno.

Fernando de Barros e Silva: Muito bem, um voto é um voto, deputado. O voto vale um voto e na entrevista que o Roberto Jefferson deu ontem, ele falava claramente que o José Dirceu estava patrocinando a entrada de deputados no PTB [Partido Trabalhista Brasileiro] e ele, em on [publicamente], dizia que isso... [que] cargos estavam sendo negociados. Então, o "toma lá, da cá", ele existe. Uma série de cargos estão sendo oferecidos ao PMDB, os partidos da base estão aliciando os deputados com o conhecimento, o aval e o estímulo do [Palácio do] Planalto. Então, as práticas não são tão diferentes das que a gente sempre condenou, e eu li isso ontem.

José Genoino: É, eu li a entrevista da Folha [de S.Paulo], e o que o Roberto Jefferson diz? É perguntado explicitamente: o ministro José Dirceu recomenda? Ele disse: "Não, a gente comunica ao ministro José Dirceu e ele diz: 'isso é um problema de vocês.'.". E eu estou muito à vontade, Fernando, porque o PT entrou com 92 deputados, com 91, e [agora] tem 92. E tem 92 porque um suplente assumiu no lugar do ministro do PCdoB [Partido Comunista do Brasil], que é de Brasília.

Fernando de Barros e Silva: O PTB entrou com 26 e tem 48.

José Genoino: Pois é, mas o PT faz aliança com o PTB. O PT não é responsável pelos destinos do PTB. O PTB tem autonomia, assim como o PL [Partido Liberal, que em dezembro de 2006 fundiu-se com o Prona - Partido de Reedificação da Ordem Nacional -, formando o PR - Partido da República] tem autonomia, como o PMDB tem autonomia. E o que nós estamos querendo?

Fernando de Barros e Silva: [Interrompendo] Agora, pra voltar à questão do Novaes, o partido do Maluf não é uma questão. Existe uma fronteira que, quando a gente passa ela... é... isso é...

José Genoino: Primeiro que nós não estamos fazendo aliança com o partido do Maluf.

Fernando de Barros e Silva: Mas como não?

José Genoino: O partido do Maluf não integra o primeiro escalão. O partido do Maluf não integra a base de governo. O que tem são negociações pontuais, como teve na medida provisória que passou recentemente na Câmara, como quando houve negociação pontual. Portanto, eles não estão integrando a responsabilidade do governo. Se eles votarem num ou noutro ponto, eles comunicaram que têm uma relação de interdependência com o governo. Num ou noutro ponto eles podem votar, e eu digo aqui, na medida que setores do PTB representem interesses econômicos que podem negociar com o governo, como normalmente acontece no setor econômico ligado ao campo, nós podemos negociar. Agora, em relação a essa composição do governo, o que nós estamos fazendo na Câmara e no Senado é ter uma maioria que não é nem de três quintos, é uma maioria constitucional, maioria absoluta, porque nós queremos inclusive o apoio do PSDB e do PFL para aprovar as reformas. Por isso que fizemos um pacto com os governadores. Olha, pessoal, aliança mais ampla do que o Lula reunir 27 governadores, [sendo que] o PT só tem 4, levá-los ao Congresso Nacional conjuntamente e apresentar uma emenda pactuada por eles... eu quero deixar muito claro para vocês, nós estamos exercitando um governo de composição ampla, em que você tem aliança política e acordo institucional. Com os governadores do PSDB e do PFL se trata de um acordo institucional. O país aprova isso, porque nós estamos com responsabilidade pelo que acontece nos estados. Isso é uma maturidade do PT! Sabe o que acontece? É que algumas pessoas achavam que o PT ia ser um governo sectário, isolado, fechado, e como nós estamos fazendo um governo mais amplo, agora nós estamos sendo criticados porque somos amplos. Não é bem assim. Eu acho que estamos no caminho certo.

Fernando de Barros e Silva: Mas não precisava ser uma "mãe italiana" e acolher todo mundo também, porque o partido do Maluf, cá entre nós, é de doer.

Jose Genoino: Rapaz, você... mas ele não está no governo.

Fernando de Barros e Silva: Mas como não está? O líder do governo no Congresso, o Rebelo [Aldo Rebelo (1956-) político do PCdo B] falou: "Nós temos afinidades com o partido do Maluf, afinidades programáticas.".

Jose Genoino: Não, ele falou, Fernando, o seguinte: "Em certas questões de votação do governo na Câmara, negocia-se... "...

Fernando de Barros e Silva: Eu não acho isso uma questão menor, deputado. Pode parecer porque são poucos votos, mas isso é uma questão do ponto de vista ético, não é menor.

José Genoino: Fernando, sabe qual é a questão maior e estratégica neste país? E eu topo fazer esse debate, e você sabe como eu gosto de debate. É o PT ter a maturidade e a lucidez suficiente para saber que os seus adversários estratégicos serão proximamente o núcleo ideológico do PFL e do PSDB.

[intervalo]

Paulo Markun: Começa agora o último bloco do programa de hoje entrevistando José Genoino, presidente nacional do PT. Para você participar do programa o telefone está aí na tela, (0XX11) 252–6525, o fax é o 3874-3454 e o endereço do programa na internet [é] rodaviva@tvcultura.com.br. Presidente, para o senhor ver como a vida é dura, tem aqui duas perguntas que deixam o mediador na dúvida de qual fazer. Vou fazer as duas.

José Genoino: Pode fazer, pode fazer. Tranqüilo.

Paulo Markun: Não, não, nenhuma delas... pouca saia justa. É só para mostrar que o telespectador também tem opiniões muito divergentes. Marilurdes Trindade, engenheira de Juiz de Fora, Minas Gerais, diz o seguinte: "Apesar do altíssimo índice de popularidade ou aceitação do presidente Lula, sabemos que muitos interesses estão sendo contrariados.". Ela pergunta por que as discussões internas do PT são supervalorizadas pela mídia, por que a fala do vice José Alencar é divulgada e difundida, porque o ministro José Dirceu é fritado em horário nobre, e ela pergunta: "Quem está sendo contrariado nas decisões dos primeiros meses do governo dos trabalhadores do Brasil?". E a pergunta oposta, do Marco Antônio Junqueira, de Florianópolis, estudante, diz o seguinte: "O PT vem dizendo que a Carta aos Brasileiros de Lula estabeleceu as regras do jogo deste governo, mas estão esquecendo que o Lula não foi eleito pela Carta aos Brasileiros e sim pelos vinte anos em que lutou contra tudo o que está na carta.".

José Genoino: Olha, em primeiro lugar, eu responderia dizendo que o Lula foi eleito com a história de 23 anos do PT. E nesses 23 anos do PT, o PT evoluiu muito e foi publicamente. No primeiro congresso do PT, o PT disse: "Negamos a ditadura do proletariado, a revolução armada e o estado democrático de partido único.". No segundo congresso, o partido derrotou o "Fora FHC" com a maioria, mas derrotou. O PT ganhou as eleições de 2000 para as prefeituras, afirmando um programa alternativo. Nós tínhamos uma posição fechada, sectária em relação à aliança, e adotamos uma política de aliança. Portanto, nós temos o resgate dos 23 anos de PT, que é o ideal da justiça, da igualdade, dos valores da ética e da universalização dos direitos. Mas também tivemos uma evolução e um amadurecimento, e o Lula falou isso claramente na campanha, e o programa que elegeu o Lula é muito claro nesse sentido. Dentro desse programa está a Carta aos Brasileiros. O nosso governo, o governo do PT - e o governo do Lula é mais amplo do que o PT, para deixar isso muito claro -, [é] um governo de composição, e é assim que tem que se governar o Brasil. Nós não governaremos o Brasil só com o PT e só com a esquerda. Nós não queremos botar fogo neste país. Nós não queremos o gueto da esquerda. Nós queremos construir um governo que, mesmo nesse início, enfrentemos dificuldades, estejamos contrariando alguns setores localizados, particularmente, no Estado, em alguns altos salários, contrariando alguns setores que nós estamos rediscutindo agora... por exemplo, quando a gente rediscute agências [de regulação de serviços públicos], rediscute o setor elétrico, quando a gente rediscute, por exemplo, alguns termos de negociação na Alca, existe interesse contrariado. Agora, um governo, ele não é um governo de enfrentamento por excelência, ele tem que ser um governo que enfrenta, mas ao mesmo tempo dá solução para os problemas.

Eleno Mendonça: Genoino, como é que é essa ala mais xiita [seita islâmica presente em alguns nos países do Oriente Médio e que diverge dos sunitas (majoritários) em certos pontos, principalmente no que diz respeito ao sucessor do profeta Muhammad; o termo é usado para designar os radicais intransigentes] do PT, que ela é bastante forte, representativa, como é que ela o recebe? Você esteve agora em Florianópolis [SC], Porto Alegre [RS], fazendo vários encontros. Como é que é isso? Certamente deve ter uma revolta aí pela...

José Genoino: Olha, em primeiro lugar, eu não concordo com o termo xiita. Em segundo lugar...

Eleno Mendonça: Mas você usa esse termo eventualmente.

José Genoino: Não, eu não uso não. Primeiro, eu não chamo eles de radicais, porque radical sou eu, porque quero mudar, e na raiz. E radical vem de raiz. Segundo, porque o PT... eu sou presidente do PT com todas as tendências [grupos políticos organizados e com atuação interna ao PT], daqueles inclusive que, no passado, pediram minha cabeça. Eu dirijo o PT para todo mundo. O que eu quero garantir no PT é a ampla democracia para ter debate, para ter divergência e ter críticas e opiniões, as mais diferentes. O PT é assim, por isso que temos que gastar tempo. Agora, o PT precisa ser convencido. Quando o PT é convencido, ele vota. Vamos dar um exemplo aqui: a emenda que mudou o artigo 192 [o artigo 192 compõe o capítulo IV do Título VII da Constituição, que trata da ordem econômica e financeira. A mudança referiu-se ao limite de juros de 12%, que deixou de existir]; foi uma negociação que nós fizemos com a bancada. E essa negociação envolveu tirar o PLP9, e tiramos, porque o PLP 9 da previdência permitia fundo de previdência aberto, e a questão da autonomia do Banco Central será discutida no momento certo.

Eleno Mendonça: Agora, apesar de você dizer que é tudo muito palatável, o que você estava discutindo com o Rui... por que você não consegue convencer, por exemplo, o Barbalho [Jáder Barbalho], a Heloisa Helena?

José Genoino: Aí é outra questão. No meu entender, alguns parlamentares, que são dois ou três, foram além do direito de criticar, do direito de opinião; eu já disse aqui fatos concretos. Eles [esses parlamentares] atingiram a disciplina partidária. O PT tem disciplina e tem fidelidade, por isso que ele é um partido. Tem duas vigas mestras no PT: o debate, a liberdade de opinião - as pessoas podem dizer o que quiserem -, o outro é a unidade e ação. E nós vamos equilibrar isso fazendo debate. Eu sou muito bem recebido nesses estados, fiz debate, fiz discussão, alguns debates acirrados, mas eu estou preparado para isso. Agora, o que nós não podemos ter é atitude parlamentar, dizer: "Eu não voto isso, eu não voto aquilo.". Se eu vou para o debate, como é que eu posso dizer que eu não voto?

Eumano Silva: Deputado Genoino, a semana passada, o [jornal] Correio Brasiliense... O senhor falou agora há pouco sobre o PT que combate os altos salários. Na semana passada, o Correio Brasiliense publicou uma reportagem sobre o secretário federal de controle interno ligado ao ministro Waldir Pires [(1926-) grande adversário político de ACM, foi ministro da Controladoria Geral da União de 2003 a 2006 e ministro da Defesa de 2006 a 2007], o senhor José Wanderlei Pinheiro. Ele recebe mais de treze mil [reais] de aposentadoria, além de um salário de mais de sete mil reais. Ele está nesse cargo de, repito, secretário federal de controle interno desde o governo Collor. Esse tipo de situação é contemplada pelo jeito petista de governar?

José Genoino: Não, Eumano. Você sabe que não é. E outra coisa, sobre esse salário, que você soma aí sete mil com treze mil,... não é isso?

Eumano Silva: Sete com treze; dá quase vinte e um.

José Genoino: Isso, o que nós estamos propondo agora? Primeiro, taxar, que é a cobrança dos inativos, acima de 1058 [reais], para quem tem esse tipo de aposentadoria.

Eumano Silva: Mas a pessoa com o cargo, [isso] está correto?

José Genoino: Segundo, vai ter um piso, vai ter um teto para o servidor público, que está hoje... que o teto é o de ministro do Supremo, que é 17 mil. Então ele vai perder três mil, vai perder três mil. Terceiro, nós podemos até achar que o teto podia ser menor, como em 1996 nós votamos na emenda do Fernando Henrique Cardoso, da Previdência, o teto do salário do presidente da República, que era 8.500 [reais]. Por que tem o problema do teto? É bom a gente esclarecer isso...

Eumano Silva: [Interrompendo] Esse perfil, eu queria entrar no específico, esse perfil está adequado ao governo PT?

Jose Genoino: Agora, veja bem, Eumano, eu nem sei... primeiro, eu não sei se ele é filiado ao PT; segundo...

Eumano Silva: Não, não é. Que eu saiba não é.

José Genoino: Pois é, não é filiado ao PT. Segundo, o que se dizia do PT, Eumano? "O PT vai ganhar o poder e vai acampar no Estado, vai tomar conta de tudo.". Nós não fizemos isso, Eumano. Membros de Caixa Econômica, Banco do Brasil, de Petrobras [empresa mista do setor de petróleo e gás natural], de instituições do Estado, que são técnicos, que serviram nos governos anteriores, continuam no nosso governo. Não houve caça às bruxas. Eu nem sei se é filiado, nem sei quem é esse cidadão, vou até me informar.

Eumano Silva: É um integrante do governo PT. Reconduzido.

[Sobreposição de vozes]

Eumano Silva: Reconduzido.

José Genoino: Mas, Eumano... Tem muitos integrantes do governo PT que não são filiados ao PT. Ou você acha que todo mundo que está no governo é carteirinha do PT? Se a gente fizesse isso, Eumano, ia ser um partido único.

[Sobreposição de vozes]

Eumano Silva: Não é essa a questão. Não é essa a minha questão! A minha questão é se o salário desse tipo...

José Genoino: É alto, por isso que nós queremos que tenha teto. Agora, você devia também dizer - e eu quero aproveitar a tua pergunta e dizer - que o salário do presidente é oito mil e quinhentos [reais] e o presidente não aceitou discutir o teto para aumentar o salário dele. O salário de ministro é oito mil [reais], é isso.

Paulo Markun: Falando em salário, Daniel Flores. de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. diz o seguinte: "O deputado tem... " - o senhor tem - "...salário como presidente do PT? Quem paga esse salário?".

José Genoino: O PT [paga meu salário]. E eu quero dizer para o telespectador que eu [es]tive vinte anos como deputado, deixei o meu mandato no dia 31 de janeiro;. no dia 2 de fevereiro, se o PT não pagasse o meu salário, eu não tinha nenhuma poupança e nem requisitei minha aposentadoria de deputado. Portanto, eu fiquei vinte anos como deputado, sem nenhuma poupança, porque não dava, e nem deu, felizmente, e tive que ter o salário de presidente do PT, que é um salário que garante que eu viva na minha condição, que todo mundo sabe onde eu moro, não mudei de casa, como é que eu vivo, como é que eu trabalho, o hotel [em] que eu me hospedo em Brasília; não mudei meu padrão. Se é uma coisa que eu abro a minha vida é essa aí; eu abro inteiramente.

Rui Nogueira: Pode-se dizer publicamente, é um partido público, o senhor pode dizer quanto é o salário que o partido paga ao senhor?

José Genoino: Se lhe interessar eu digo.

Rui Nogueira: O telespectador tem, com certeza, essa curiosidade, deputado.

José Genoino: O salário que o partido paga para membros da executiva nacional, no caso de presidente, além do trabalho que a gente faz de viagens, de ter um carro para fazer as funções de presidente do PT e ter um motorista que é do partido, que eu nem tinha isso quando eu era deputado federal, é um salário em torno de... na minha situação, em torno de cinco mil, seis mil líquidos. E eu digo para você, viu, Rui, que é um salário que eu consumo todo ele no final do mês. Normalmente, eu entro com o cartão. Se você quiser - você é muito exigente e eu topo o jogo da exigência -... se é uma questão, Rui, [de] total transparência, eu te dou inclusive acesso às minhas contas gerais.

Eleno Mendonça: Genoino, você está satisfeito com os juros do cartão?

José Genoino: Olha, eu não, porque quando eu vou no cartão de crédito ele é pesado. Eu não estou satisfeito. Quem que está satisfeito com o juro alto? Por isso que nós estamos trabalhando para baixar a taxa de juros. Agora, a taxa de juros será baixada não apenas com uma declaração, não apenas com uma canetada, será baixada com uma política consistente, de várias medidas que nós estamos tomando.

[Sobreposição de vozes]

José Genoino: Pois não, Cristina, você tem falado muito pouco; vou dar atenção agora à única mulher que está me entrevistando aqui no Roda Viva.

Maria Cristina Fernandes: Na semana passada, o assessor especial da presidência esteve aqui em São Paulo e, durante uma palestra, ele fez algumas considerações sobre [o programa] Fome Zero. Ele disse literalmente o seguinte: "É um programa que foi criado pelo presidente para as pessoas que menos votaram nele, classes D e E das cidades pequenas, porque o miserável tem auto-estima muito baixa e não votaria nos candidatos dos pequenos.". A questão é a seguinte: o PT hoje tem 182 prefeituras, a maior parte delas em cidades médias e grandes. O senhor, como presidente do PT, considera o Fome Zero um instrumento para ampliar essa participação do PT no poder municipal do país?

José Genoino: Não, o programa Fome Zero é para resolver uma questão de direitos humanos fundamentais, que é o direito à comida. Mas não é só a comida, é o direito à comida, é o direito ao trabalho, é o direito à felicidade, é o direito à oportunidade. O programa Fome Zero não tem nada a ver com qualquer tipo de objetivo eleitoreiro. Nós vamos disputar a eleição de 2004 e queremos ganhar nos principais centros, defendendo o governo do PT, que é o governo do Lula, apresentando propostas para essas prefeituras, como a gente sempre apresentou. Aliás, se a gente fosse fazer aqui um debate muito duro, como estamos fazendo com vocês, e eu fechasse os olhos, imaginasse um grande sonho e tivéssemos uma seguinte situação, o PT não existisse no Brasil, nós não tínhamos tido a discussão de orçamento participativo, não tínhamos orçamento de Bolsa Escola, programa de renda mínima, vários programas que o PT, quando colocou, era chamado de louco e agora viraram até uma institucionalidade, felizmente. Nós vamos ganhar as prefeituras, Cristina, defendendo o governo e apresentando propostas para as prefeituras. O programa Fome Zero não tem nada a ver com isso, até porque o programa Fome Zero é feito com os governadores e com as prefeituras, e a maioria das prefeituras. Você sabe, nós só governamos 188. O Brasil tem cinco mil e tantos municípios. Então, não terá nenhum objetivo eleitoral, nem muito menos eleitoreiro.

Maria Cristina Fernandes: Então o senhor acha que o assessor da presidência foi um pouco longe demais quando disse... ?

José Genoino: Olha, eu não posso... eu não sou... primeiro que eu não sou o porta-voz do governo; segundo, eu não sou ministro; terceiro, eu sou presidente do PT que defende o governo, está certo? O programa Fome Zero é um programa humanista que busca resolver um problema crucial do povo brasileiro, que é um impulso para ingressar na cidadania e é um programa importante, e nós queremos que ele dê bons resultados, independente da eleição.

Rui Nogueira: Deputado, o Frei Betto [Carlos Alberto Libânio Christo (1944-), militante de movimentos pastorais e sociais, ligados à Igreja Católica, foi assessor especial de Lula, de quem é amigo pessoal, entre 2003 e 2010] disse mais, além dessa declaração da Cristina. Ele disse mais. Ele disse que o PT estava no governo, mas não no poder. Qual é a sua visão dessa frase? Onde [é] que o senhor acha que está? O senhor está aonde? No poder? No governo?

José Genoíno: Eu estou nos dois, Rui, porque eu não faço essa separação, e eu não sou porta-voz nem do presidente, imagine do Frei Beto, né, Rui? Eu sou presidente do PT, que defende o governo do presidente Lula.

Eleno Mendonça: Genoino, você, que foi candidato a governador, que avaliação você faz do governo Alckmin [Geraldo Alckmin (1952-), foi governador de São Paulo entre 2001 e 2006]?

José Genoino: Do governo Alckmin? Agora nós vamos para o governo do estado de São Paulo?

Eleno Mendonça: Não, você foi candidato, certamente, com - debatemos aqui -... com propostas antagônicas, até, a ele.

José Genoino: Antagônicas eu não diria, [mas sim] um programa diferente, um programa alternativo.

Eleno Mendonça: Que avaliação você faz dele hoje? Um importante aliado hoje do PT.

José Genoino: Em primeiro lugar, primeiro não é aliado, e respeito o PSDB e o governador Alckmin.

Eleno Mendonça: O próprio Lula falou na terça-feira.

José Genoino: O governador Alckmin - eu faço esse registro - tem sido muito decente numa relação institucional em torno da reforma previdenciária e tributária. Nós não estamos fazendo aliança política com o PSDB e nem com o governador Alckmin; isso é em respeito ao governador Alckmin e ao PSDB. Em segundo lugar, a questão que eu mais critico... e essa questão não apareceu na campanha eleitoral, porque dizia-se que o estado de São Paulo estava saneado com as finanças e em ordem, com capacidade de investimentos, [mas] não é bem essa a realidade que existe hoje no estado de São Paulo, está certo? Não existe. Agora, nós temos diferenças com o governador Alckmin, estamos disputando com ele, fazemos oposição na Assembléia [Legislativa], mas é uma relação civilizada, assim como temos com o Aécio, o governador Aécio Neves [(1960-), foi presidente da Câmara dos Deputados de 2001 a 2002 e governa o estado de de Minas Gerias desde 2003], como temos com outros governadores do PSDB. Não é uma aliança política, é uma relação institucional de negociação e de respeito mútuo, respeitando as diferenças.

[Sobreposição de vozes]

Eumano Silva: Hoje o procurador geral denunciou o governador Roriz [Joaqui Roriz (1936-), então governador do Distrito Federal, foi acusado de desviar dinheiro público para sua campanha e alvo de vários processos na Justiça].

José Genoino: Que boa notícia. Excelente notícia!

Eumano Silva: Qual vai ser a atuação do PT nesse caso na política de Brasília?

José Genoino: O que eu disse no programa do PT. A direção nacional apóia integralmente a decisão do PT do DF, do Distrito Federal, de exigir na justiça a cassação do mandato do Joaquim Roriz e de sua vice Maria Abadia, e é bom deixar isso muito claro, porque quando a gente conversa e negocia com o PMDB, não entra nessa negociação o governador do Distrito Federal. Mas o governo do Lula tem uma responsabilidade institucional com Brasília, porque o povo de Brasília não pode ser penalizado por causa do governador que está em processo. [A]Os governadores que fazem oposição e que criticam o PT, nós não vamos aplicar nenhuma política de discriminação. Eu vou deixar isso muito claro. E eu vou deixar mais uma coisa clara: a reforma da Previdência, se depender só do governo federal, certamente o piso para taxar o inativo era de 2.400 [reais], e é 1.058 [reais], por uma realidade dos estados que não são governados majoritariamente pelo PT. E essa responsabilidade com os estados nós estamos cumprindo no Congresso Nacional, e espero que os governadores cumpram com suas respectivas bancadas.

Paulo Markun: O senhor afirmou aí várias questões em relação aos governadores do PSDB, indicando que não parece ser esse o núcleo principal de disputa que o PT vai enfrentar. Mas, no bloco anterior, o senhor havia dito que achava que justamente a disputa ia ser com o PSDB e com o PFL. Qual é o adversário do PT?

José Genoino: Olha, em primeiro lugar, veja bem, nós respeitamos nossos adversários e eu vou criticar qualquer declaração de algum militante do PT que desqualifique os nossos adversários. O PSDB pode fazer as críticas, que nós respeitamos e vamos divergir, responder, assim como o PFL. Por exemplo, o PFL está fazendo uma crítica agora ao PT, que é... só é uma coisa engraçadíssima. O PFL está dizendo: "Menos impostos, menos impostos, menos impostos!", só que essa carga tributária que está aí, que é altíssima - e nós vamos trabalhar ao longo do governo para diminuir -, ela foi feita durante oito anos, cuja base do governo Fernando Henrique Cardoso era PFL e PSDB. Mas isso está no papel do PFL, no papel do PSDB. Eu acho que o PSDB e o PFL se articulam para fazer a oposição programática ao governo do PT. Nós temos a oposição que nós respeitamos. Não significa que a gente não converse, não negocie. Por exemplo, nós estamos negociando uma agenda para fazer a reforma política com o PFL, com o PSDB e com os demais partidos, com quatro pontos que já são consensuais: financiamento público de campanha, fidelidade partidária, votação e lista fechada, e proibição de aliança de coligação na eleição proporcional. Nós vamos fechar esse acordo com o PFL, com o PSDB e com os demais partidos. Tem divergências até em partido menores na base de apoio do governo.

Carlos Novaes: Deputado, sobre esse ponto, a votação em lista fechada, eu gostaria de saber a sua opinião pessoal sobre isso e, em paralelo ao debate - só eu digo que eu acho isso lamentável... quer dizer, nós estamos importando um modelo que, na verdade, procura fortalecer as oligarquias partidárias, as burocracias partidárias, em detrimento daquilo que é a vontade do eleitor. Eu estou entre aqueles cientistas políticos que acham que o nosso modelo de partidos e eleitoral é dos mais avançados do mundo, no sentido da democracia. Quer dizer, aqui... agora vocês estão inventando esse negócio de lista partidária. Aliás, o senhor, no passado, seria altamente prejudicado por esse tipo de coisa. Por quê? Porque as listas partidárias levam a uma colonização do voto de opinião - isso aí os estudos mostram -, levam as minorias a perderem forças...

José Genoino: Isso aí é voto distrital misto.

Carlos Novaes: As minorias que têm força social, mas não têm força nas burocracias, perdem espaço em favor das oligarquias partidárias.

José Genoino: Aí, Novaes, neste caso aí, você está se referindo ao voto distrital misto. Eu sou contra o voto distrital misto.

Carlos Novaes: Não, mas eu estou falando da lista.

José Genoino: Deixa eu falar da lista. Da lista, nós temos...

Rui Nogueira: A lista é pior que o voto distrital. Nesse sentido, concentra mais o poder de decisão do que o outro.

[Sobreposição de vozes]

Carlos Novaes: O senhor tem razão. Se nós juntarmos o voto distrital com a lista, aí, então, é o pior dos mundos!

José Genoino: Não é isso. Nós não vamos fazer nenhuma mudança que mude a Constituição. O problema da lista que nós estamos discutindo lá... ela está vinculada também com uma outra possibilidade, que a seguinte: é permitir que o eleitor possa alterar a lista. O partido faz a lista, ele pode votar na lista. Ele teria duas opções: ele vota na lista e segue a lista ou ele pode alterar uma segunda opção à posição da lista. Por que esse problema da lista se coloca? Novaes, você, como cientista político, certamente vai se debruçar sobre esse problema. Se tem um financiamento público, como é que você vai fazer um financiamento público de campanha com a eleição para deputado e para vereador, que é cada um por si e salve-se quem puder? Você tem que ter um grau de coordenação desse processo.

Carlos Novaes: Mas não pela lista. Você pode ter um grau de coordenação de distribuição dos recursos sem engessar na lista.

José Genoino: Pois é. O que nós temos que fazer? Primeiro, estabelecer um critério democrático para compor a lista; segundo, permitir na própria lista que o eleitor possa alterar. Tem algumas experiências no mundo que têm a lista com o eleitor mudando; é diferente de hoje. Nós estamos buscando criativamente essas soluções, como, por exemplo, a solução da fidelidade partidária, viu, Novaes? Você sabe, como cientista político, que a academia é uma coisa e a vida é outra. Temos que juntar a academia com a vida real. Por exemplo, no caso da fidelidade partidária, nós temos que garantir o período de quatro anos para quem é portador de mandato, para quem é detentor de mandato, e não tem esse período para quem vai se candidatar pela primeira vez. Porque o problema é o troca-troca, e nós vamos votar a proposta do PFL. Eu estou dizendo aqui a proposta do PFL, que é quatro anos para os detentores de mandato.

Rui Nogueira: Esse troca-troca em grande parte foi patrocinado pelo Planalto. O senhor acha que consegue fazer...

José Genoino: Rui, realmente você está na oposição. Não foi patrocinado pelo Planalto, nem pelo PT. Na sua listinha de crítica você está com...

Rui Nogueira: Como não? O PTB, se mostrou domingo, cada vez que precisa mudar e saber se recolhe um parlamentar, vai conversar com o ministro [José] Dirceu.

José Genoino: Rui, veja bem, na sua crítica ao PT, na sua determinação de fazer a crítica ao governo, que é legítima, e eu já me propus a fazer um debate...

Rui Nogueira: Eu estou pegando fatos. Estou pegando fatos. O deputado Roberto Jefferson disse, em entrevista à Folha [de S.Paulo], que, quando ele quer incorporar um parlamentar, ele vai primeiro tomar a benção do ministro [José] Dirceu no Planalto, para ver se o deputado vem ou não vem, se aceita o cargo ou não.

Jose Genoino: E o que o Roberto Jefferson falou para a Folha de S.Paulo, que estava na entrevista e você não leu?

Rui Nogueira: Eu li sim. Eu li sim.

[Sobreposição de vozes]

Jose Genoino: A sua determinação e o seu dever de casa é para fazer o nosso contraponto aqui, mas eu vou responder o seu dever de casa.

Rui Nogueira: Li na Folha [de S.Paulo] que tem casos que rejeita, tem casos que aceita.

José Genoino: Deixa eu falar. O que o Roberto Jefferson diz? Ele diz o seguinte: "A gente comunica ao ministro da Casa Civil e diz: 'olha, isso é um problema do partido.'".

Rui Nogueira: E às vezes aceita... às vezes aceita.

José Genoino: [O] Problema [é] do partido. Reconheça, Rui, que o PT entrou e continua com os mesmos deputados, viu? Por isso que tem fidelidade, tem disciplina, isso que vocês agora estão criticando um pouco quando a gente cobra disciplina e fidelidade.

Paulo Markun: Para encerrar nossa entrevista, presidente Genoino, eu tenho certeza de que o projeto de vida do senhor não imaginava... o senhor que sempre foi chamado "guerrilheiro do salão verde", gostava, adorava operar naquele salão verde da Câmara dos Deputados em busca de espaço na mídia e em defesa das suas idéias, na guerrilha parlamentar, digamos assim, como é que o senhor está se sentindo como "general do exército governamental"?

José Genoino: Primeiro, eu não sou general de nenhum exército; segundo, eu tenho três saudades do Congresso: eu tenho saudade do salão verde, do comitê de imprensa e das questões de ordem do plenário, está certo?

[Risos]

José Genoino: Dessas três coisas [de] que eu tenho saudade... eu aprendi também uma coisa na minha vida, a gente tem que ter muita responsabilidade com os desafios que se colocam. Eu estou hoje naquele limite entre a prudência e a responsabilidade. A prudência das convicções e a responsabilidade de governar o Brasil. E presido um partido que o povo determinou que ele é governo, mas o PT é autônomo. O PT tem que fazer um equilíbrio interno com todas as tendências, dentro do debate plural e da unidade de ação e o PT é a viga de sustentação deste governo. E nós vamos defender este governo, porque este governo é do PT, e nós vamos também fazer um governo mais amplo. Eu digo para você, Markun, que eu estou vivendo um dos melhores momentos da minha vida. Tudo que eu faço é com prazer, com satisfação, com qualidade. Aliás, eu disse para o Eumano, numa entrevista que eu dei para ele, a primeira, em 1987, no jornal do campus, que para mim ele falava da guerrilha, da Constituinte [assembléia criada em 1988 para elaborar a nova Constituição do país], e eu falo agora da presidência do PT. Política para mim é prazer, alegria, satisfação, realização; não é vantagem, não é salário, nem enriquecimento. Eu estou feliz com o governo que nós temos. Eu nunca vivi um momento tão feliz na minha vida como o PT estar governando o Brasil, e [o PT] vai construir, nos quatro anos [de mandato presidencial], o país dos nossos sonhos. Dos nossos sonhos que terão que ser construídos no dia-a-dia, com muita dificuldade, com muita maturidade. Mas eu sou um otimista, e esse otimismo eu compartilho com todos os militantes do PT... que em alguns momentos eu fui vaiado, Markun, no PT. E esse partido que em alguns momentos... que alguns militantes me vaiaram, hoje me recebem muito bem como presidente do PT. E eu digo para os militantes filiados do PT que o Lula está fazendo um governo muito amplo, mas ele tem lado e tem cara, não vai trair, nem frustrar a história deste partido.

Paulo Markun: Presidente Genoino, muito obrigado pela sua entrevista, obrigado aos nossos colegas aqui jornalistas e cientistas políticos, e nós voltamos na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite, com mais um Roda Viva, na próxima semana com o presidente nacional do PSDB, José Newman. Até lá.

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