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Memória Roda Viva

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Chico Anysio

2/7/1990

Humor, personagens, futebol e política são temas discutidos pelo respeitado humorista cearense

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[Programa gravado]

Rodolfo Konder: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. Este programa é transmitido pelas TVs Educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará; é ainda retransmitido para mais 15 emissoras que formam a Rede Brasil, através da TV Educativa do Rio de Janeiro. O convidado desta noite é o humorista Chico Anysio. Os telespectadores hoje não poderão fazer perguntas, porque este programa foi gravado. Para entrevistar Chico Anysio esta noite, convidamos as seguintes pessoas: José Simão, crítico de TV; Oswaldo Marques, autor e diretor de teatro; Kleber de Almeida, editor do Caderno de Sábado do Jornal da Tarde; Joanna Rodrigues, repórter do caderno Show da Folha da Tarde; José Maurício Machline, vice-presidente de comunicação social do Grupo Machline; Silvio Giannini, editor assistente da revista Veja; Anete Schuastmam, repórter da Ilustrada, [caderno] da Folha de S.Paulo e Maria Amélia Rocha Lopes, jornalista da TV Cultura. Francisco Anysio Oliveira de Paula, cearense de Maranguape, tem 42 anos de humorismo, de idade mesmo, 58. Aos 17 anos estreou como locutor na Rádio Guanabara, foi redator e locutor, e, como rádio ator, fez três programas semanais de sucesso, entre eles o Cine Arte Palacinho. Em 1960, começa a fazer televisão e coloca no ar o primeiro Chico Anysio Show. Na década de 1970, sobe ao palco com o espetáculo Chico Anysio Só. Chico é também escritor e compositor. Suas músicas foram cantadas por gente famosa como Dolores Duran [Adiléia Silva da Rocha  (1930-1959), renomada cantora e compositora brasileira que adotou o nome artístico de Dolores Duran]. Sobreviveu a quatro casamentos e um enfarte, é pai de cinco filhos, três dos quais trabalham com ele. Também tem netos?

Chico Anysio: Três.

Rodolfo Konder: Três netos. É devoto de São Francisco de Assis, de quem tem várias imagens e um óleo pintado por ele mesmo. Seu hobby é uma criação de cavalos. Sua paixão pelo futebol o levou a ser comentarista. Seu programa Chico Anysio Show está no ar há trinta anos. Nele, Chico já criou duzentos diferentes personagens. Podemos começar até pelo Chico Anysio Show, o quadro Escolinha do Professor Raimundo, [de] que todo mundo gosta muito, todo mundo elogia tanto. Ele me chama atenção também, entre outros muitos motivos, pela presença de veteranos do humor. Essa prática que é tão simpática, mas é tão rara... quer dizer, como é que se iniciou na sua atividade profissional essa prática de mobilizar os veteranos?

Chico Anysio: Bem, eu acho que... eu sempre defendo uma tese que é a seguinte: pior do que ter 58 anos é não chegar a tê-los, e, invariavelmente, eu penso que um dia terei 75, terei oitenta, porque não me imagino morrendo antes do tempo, e [penso] que vão ter de me botar no sol e me tirar do sol. E quando eu pego colegas meus, pessoas de quem eu fui grande fã, pessoas com quem aprendi muito, eu vejo até desempregados; isso me contunde, né? A Rede Globo, sou muito grato a ela por isso, ela sabe que eu posso fazer o meu programa com quarenta contratados e me permite contratar 85, e ainda dar cachê para mais vinte, 22, por aí, assim. Então, são 107 pessoas que vivem daquele programa. Eu sempre faço uma reunião com eles no começo do ano e digo: "olha, todo mundo vai ganhar um pouquinho menos, para que mais pessoas possam também ganhar qualquer coisa.". E a gente está sempre aprendendo com eles. Às vezes uma frase do Brandão Filho [(1910-1998) ator e humorista que ficou famoso fazendo o quadro do primo rico e primo pobre com Paulo Gracindo e que fazia o personagem Sandoval Quaresma na Escolinha] ensina mais do que um curso de teatro, uma frase do Walter D'Ávila, do Grande Otelo... são pessoas que têm muito a ensinar. Eu faço questão de ficar com eles. Eu sei que muita gente reclama, que... não sei... Não é que eu não dei chance aos jovens, eu já fui jovem e precisei de chance, e tive, e até aproveitei. Eu... no meu programa brilha a Cláudia Jimenez [(1958-), atriz e humorista brasileira, interpretou Dona Cacilda na Escolinha] e a Stella Freitas [(1951-), atriz e diretora teatral, fez as personagens Juanita e Dona Cândida na Escolinha] saiu e está voltando agora. E eu uso Pedro Cardoso [(1962-), ator que viria a se destacar com o personagem cômico Agostinho Carrara em A grande família, em 2001; foi roteirista da TV Pirata], Felipe Pinheiro [(1960-1993), ator e dramaturgo; estreou na televisão integrando o elenco da TV Pirata]; é gente da nova geração. Mas não me afasto nunca e nem permito que tirem os mais antigos. O [quadro A Escolinha do] professor Raimundo é uma grande oportunidade, é um quadro do Haroldo Barbosa [(1915-1979),humorista, jornalista e compositor], foi criação dele, foi um quadro que abriu as portas do rádio para mim, na Rádio Mayrink Veiga, em 1952, e como [a escola] é um universo o pelo qual nós todos passamos e no qual a criança vive, ele [o quadro] tem um apelo muito grande junto ao público infantil e também aos adultos. Lancei, através do professor Raimundo, muitos comediantes de fama: Ari Leite [(1930-1986), comediante e humorista carioca, trabalhou em todas as emissoras de rádio e TV do Rio de Janeiro; quando morreu, pertencia ao elenco do programa Viva o gordo, da Rede Globo], Castrinho [(1940-), ator e comediante, fazia o personagem Geraldo na Escolinha], Mussum [personagem de Antônio Carlos Bernades Gomes, que integrou Os Trapalhões]. O Mussum nasceu para a comédia junto ao professor Raimundo. Ele fazia um aluno que tirava o ponto “matemáts”, “aritiméts”, aí é que ele falava como de “fats” e tal. O professor Raimundo é para mim o personagem mais importante que eu tenho.

Rodolfo Konder: Kleber de Almeida.

Kleber de Almeida: Agora, esse quadro também dá a impressão [de] que há uma improvisação fantástica, durante o quadro.

Chico Anysio: É porque nós gravamos sem ensaio. Não se ensaia, então cada um lê a sua parte e não sabe nada do que os outros falarão. Então a gente grava de início.

José Simão: Excelente!

Chico Anysio: É.

José Simão: Fica legal.

Chico Anysio: É.

Kleber de Almeida: É, todo mundo fica rindo.

Chico Anysio: É, de verdade.

Kleber de Almeida: E não sabem o que é que é.

José Simão: [Interrompendo] E quem é que faz a redação do [quadro]? São vários [autores]?

Chico Anysio: São vários.

José Simão: É, cada um para cada personagem. As piadas são...

Chico Anysio: Tem... tem... tem...

José Simão: ... esperadas, não é? Todo mundo espera aquele tipo de piada, mas são muitos engraçadas, não é?

Chico Anysio: Tem... quer dizer, tem o redator final do quadro, que é o Zé Sampaio, e o Zé Sampaio recebe o material de todos os redatores, de 11. Então, tem o aluno Rolando Lero [personagem vivido por Rogério Cardoso (1952-2003) na Escolinha, cuja característica mais marcante era seu jeito enrolador para disfarçar que nada sabia], um faz a Dona Cacilda [personagem de Cláudia Jimenez conhecida pelo apelo sensual e seu bordão "Beijinho, beijinho; pau, pau."], o outro faz o... e tal. Então, e o Zé Sampaio faz a redação, junta tudo. Agora vão entrar mais três alunos.

José Simão: Quais?

Chico Anysio: Porque vão, com...

José Simão: Você podia adiantar?

Chico Anysio: Vou, vou. Vou adiantar. Vai entrar um que chega sempre atrasado, que é o [personagem de] Sérgio Malandro [(1957-) comediante e apresentador de TV]; ele sempre chega tarde na aula e aí conta uma história pela qual... o motivo pelo qual ele chegou atrasado. Eu vou botar de novo a aluna Dona Cândida, que a Estela Freitas já pode fazer... aquela que...

José Simão: [Completando] Que fica vesguinha.

Chico Anysio: ... fica vesguinha quando fala no Brasil, né? E o Milton Carneiro [(1923-1999), ator e comediante, viveu Atanagildo na Escolinha], que vai fazer o aluno que não concorda com a História; ele discorda de tudo. Então, quando o [imperador romano Júlio] César disse "Alea jacta est" [frase em latim que significa "A sorte está lançada", provavelmente proferida em 49 a.C, quando o imperador decidiu cruzar o rio Rubicão, que delimita a então Gália Cisalpina e a Itália], ele diz: "Disso eu discordo! Ele [César] não podia dizer isso."

[Risos]

Chico Anysio: Então ele vai explicar por quê.

Rodolfo Konder: Nesse último quadro, aquela história do Marco Polo [(1254-1324), mercador, embaixador e explorador italiano, um dos pioneiros a percorrer as rotas para o Oriente] estava muito boa também, não é?

Chico Anysio: É, então, agora eu vou dividir, vou fazer em dois blocos, porque como tem muito aluno - agora são vinte - e a gente fica preocupado em fazer no máximo 16, 17 minutos, para não ficar muito grande o bloco, então eu vou dividir, vou fazer um intervalo para o recreio e fazer duas aulas de dez minutos.

José Simão: Recreio no programa. [risos]

Chico Anysio: [Interrompendo] É, pior para o Pantanal [novela de grande sucesso exibida pela TV Manchete no mesmo horário que o programa de Chico Anysio, da Rede Globo], né? Porque o Pantanal não ganha do professor Raimundo.

José Simão: É. [...] do Pantanal e volta para a escola?

Chico Anysio: [A novela Pantanal] Não ganha [em audiência] do professor Raimundo; ganha do resto [dos demais programas exibidos por outras emissoras], mas do professor Raimundo não ganha não. Eu é que sou um problema para o Pantanal, não ele para mim.

Silvio Giannini: Chico, você não acha desleal concorrer a Escolinha com a nudez do Pantanal?

Chico Anysio: Não, acho desleal o Pantanal botar nudez na hora da Escolinha, porque não teria a menor graça Walter D'Ávila nu, discutindo comigo, nu também, em cena.

[Risos]

Silvio Giannini: Mas os índices...

José Simão: A Zezé Macedo [(1916-1999) atriz cômica do cinema e da TV, que, segundo suas próprias palavras, fazia sempre personagens "empregadinhas e mulheres feias"; na Escolinha seu personagem era a Dona Bela] teria [...]... [risos]

Silvio Giannini: Mas índices oscilam um pouco?

Chico Anysio: Não, no professor Raimundo, eles [o Pantanal] perdem.

Silvio Giannini: Por isso que que foi adiantado...

Chico Anysio: [Interrompendo] Não.

Silvio Giannini: ... o Professor Raimundo?

Chico Anysio: Não, não, porque...

Silvio Giannini: [Interrompendo] Porque antes eles [o quadro da Escolinha...] fechavam o Chico Anysio [Show] e agora está abrindo, praticamente, ou não?

Chico Anysio: Não, sempre foi abrindo, por uma razão: por causa das crianças, para que as crianças possam ver.

Silvio Giannini: Ah, tá.

Chico Anysio: Porque as crianças dormem cedo, né? No mês de julho, como é época de férias, aí eu colocava mais para o final, porque as crianças podem dormir mais tarde. Mas não, de modo geral não, porque ele abre sempre.

Maria Amélia Rocha Lopes: Chico, eu li em uma entrevista sua, há algum tempo, você dizia o seguinte... pelo menos estava publicado no jornal que você não tinha muita preocupação com os índices de Ibope [Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística]. Você tem ou não?

Chico Anysio: Não, não. Não tenho.

Maria Amélia Rocha Lopes: Por que não?

Chico Anysio: Porque o Ibope... olha aqui: o Ibope, ele diz quantas pessoas viram, não diz quantas gostaram.

[Risos]

Chico Anysio: Então, é uma coisa muito relativa. Eu acho que o Ibope muito maior, para mim, é o que uma pessoa me fala na rua, uma pessoa reclama, uma pessoa elogia e tal. E a gente, como está há muito tempo nisso, a gente sabe quando a coisa está funcionando, quando não está.

Maria Amélia Rocha Lopes: Por essa resposta da rua?

Chico Anysio: É, da rua. Porque eu vou na rua, eu saio, eu vou ao jockey, vou ao campo de futebol, eu vou... a pé, eu andando na calçada da praia, sou obrigado inclusive a andar...

Maria Amélia Rocha Lopes: Você já vê, a essa altura da sua vida profissional e tal, substitutos para você, para Jô Soares e para Agildo Ribeiro [(1932-),ator e renomado humorista brasileiro]?

Chico Anysio: Não. Até fiquei muito chateado com a parada do programa do Jô; falei isso, a Folha [jornal Folha de S.Paulo] não entendeu, disse que eu tinha ridicularizado o Jô. Não há por que eu ridicularizar o Jô, mas é que eu sempre disse o seguinte, que nós éramos... nós fazíamos os quatro pés de uma mesa - [Chico tosse] Desculpa. - o Renato [Aragão], eu, o Agildo e o Jô. E o travessão da mesa é a Praça [programa de humor chamado A praça é nossa, exibido pelo SBT], onde muita gente se emprega e tal. E sobre essa mesa, o Golias [(1929-2005), comediante com uma carreira de mais de cinqüenta anos em televisão], o Costinha [(1923-1995),comediante com ampla atuação em filmes e famoso por suas piadas], a Dercy [Dercy Gonçalves (1907-2008), atriz de estilo irreverente e debochado que iniciou a carreira no teatro de revista. Ver entrevista com Dercy no Roda Viva], as pessoas, os privilegiados do humor, aqueles que não precisam nem de textos para fazer graça, porque já são engraçados pela própria natureza. Então, quando o Jô parou o programa, essa mesa ficou capenga, ficou faltando um pé, e acho que o Jô parou por comodismo, por preguiça. Ele não precisava ter essa preguiça. Se ele fizesse três quadros no programa, tubo bem.

Maria Amélia Rocha Lopes: Mas será que ele não está apaixonado pelo talk show [programa que traz um ou mais convidados para discutirem temas sugeridos e moderados pelo apresentador]?

Chico Anysio: Mas não tem importância. Ele pode ficar apaixonado pelo talk show, mas ele não pode... ele não podia era ter parado com o programa de humor dele, que...

Rodolfo Konder: [Interrompendo] Você, aliás, tem várias paixões, e isso não impede você de continuar fazendo programa humorístico.

Chico Anysio: É lógico.

Rodolfo Konder: Futebol, cultura...

Chico Anysio: Claro, claro, claro. Porque onde eu ganho menos é no meu programa, sabe? Mas eu não me vejo, não consigo me ver fora dele, e acho que houve um erro de programação no Jô. Ninguém pode concorrer com Hollywood [referência aos filmes produzidos em Hollywood, exibidos no mesmo horário do programa do Jô Soares], com Tela Quente [nome do programa da Rede Globo que exibia esses filmes]. Isso é muito, é muito forte. Indiana Jones [personagem de vários filmes de aventura exibidos em Tela Quente] e isso e aquilo... não dá para concorrer. Eu acho que o programa do Jô tinha que ter sido mudado de horário, tinha que ter passado para sexta-feira. E aí ele teria o índice tão grande quanto o da Praça, ou até maior, sei lá, ou por ali. E para o Silvio [Silvio Santos] não interessava também um índice absurdo: dois dígitos está bom para ele, 16 ou 17 [pontos do Ibope]. A [Rede] Manchete está aí, adorando os 25 [pontos] que consegue com o Pantanal. E, na Globo, o pessoal faz reunião todo dia, porque Gente Fina [telenovela exibida pela Rede Globo em 1990] está com 37 [pontos].

[Risos]

Chico Anysio: Como é que fala? Como é que faz? Como é que não faz? Sabe, o negócio do número, da importância do número para cada emissora? Então...

Maria Amélia Rocha Lopes: [Interrompendo] É da expectativa de cada um.

Chico Anysio: É.

Oswaldo Mendes: Chico, quem é que, neste país, hoje, não tem a menor graça?

Chico Anysio: Ah! A pergunta é muito... [risos]

Oswaldo Mendes: Lazaroni [(1950-), treinador de futebol da seleção brasileira de 1989 a 1990, inclusive na Copa do Mundo de 1990, em que o Brasil terminou na nona posição] não vale.

Chico Anysio: Lazoroni?

Oswaldo Mendes: Ele ainda é muito engraçado, aliás.

Chico Anysio: Não, eu não acho que ele... Muita, muita gente não tem a menor graça. Eu acho que quem não tem a menor graça... o João Santana [então secretário da administração federal] não tem a menor graça, acho que a ministra Zélia [Zélia Cardoso de Melo] não tem a menor graça [dois anos depois desta entrevista, Chico Anysio se casaria com Zélia, com quem teve mais dois filhos].

[Risos]

Chico Anysio: Acho que o Fernando Collor... também não acho muito engraçado, não.

Oswaldo Mendes: Mesmo quando ele pratica esporte, não é?

Chico Anysio: Aí ele tem mais graça. Aí eu acho que ele fica mais engraçadinho. Gosto muito dele vestido de uniforme de militar.

[Risos]

Oswaldo Mendes: Combina, não é?

Chico Anysio: Combina. Atirando míssil e tudo, desde que o míssil não pegue em mim, não é?

[Risos]

Oswaldo Mendes: [...], não é?

Chico Anysio: Mais difícil é achar o que tenha graça atualmente neste país.

Oswaldo Mendes: E quem é que você acha que tem graça neste país hoje?

Chico Anysio: Ah, tem graça... daqui, as novelas da Globo estão muito engraçadas, elas todas. Antigamente era uma novela de época, outra novela engraçada e a outra novela séria [referindo-se às três novelas que passam à noite na Rede Globo]. Agora tudo é engraçadinho.

[Risos]

José Maurício Machline: É um tom pejorativo esse "engraçadinho" ou não?

Chico Anysio: Não, porque é o seguinte: é o negócio da concorrência. A novela é uma coisa muito abençoada pelas direções de hoje, porque nós somos um país de Terceiro Mundo. Então, nossas programações têm que ser deitadas, são horizontais, porque o povo não tem dinheiro para sair. Nos países de Primeiro Mundo, as programações são verticais, porque o povo sai, então ele vê eventos, vê aqui, ali. Então o índice do Bill Cosby [comediante, ator e produtor de televisão norte-americano de muito sucesso. Desde o final da década de 1960, atua em sua própria série na TV, The Bill Cosby show. Também já atuou e fez participações em vários filmes], por exemplo, que é o primeiro índice da América, é 17. Então.... mas ao mesmo tempo, a ABC, naquele horário, faz 15 e a outra faz 14.8, e aqui não: as novelas fazem cinqüenta e tanto e tal, e as novelas sempre têm... sempre são privilegiadas. Pensei em fazer um personagem até que me proibiram, que era um cara que ia casar. Então tinha uma cena em que o padre dizia: "O senhor Fulano de Tal aceita como sua esposa Dona Fulana?" [e ela respondia:] "Sim." [e quando o padre ia dizer: "Dona Fulana,..." [percebia sua ausência e:] "Cadê a noiva?". Aí, um cara, o contra regra lá atrás dizia: "Está na novela, mas daqui a pouco ela acaba lá e vem.". Tá, então o mordomo dizia: "O jantar está servido.". Então todos entravam na sala, [que tinha] uma toalha no chão, e perguntavam: "Cadê a mesa?" "Está na novela, mas daqui a pouco ela vem.". Então, tudo na novela pode.

Silvio Giannini: E o proibiram por quê?

Chico Anysio: Não, me proibiram porque eu estava falando mal da novela. Então,...

Anete Schuastmam: [Interrompendo] Chico,...

Chico Anysio: Esse negócio de a novela ser engraçada é porque eles não conseguem ser tão engraçados quanto os que são engraçados, como nós não conseguiríamos nunca ser dramáticos tanto quanto eles. É uma concorrência que eles não ganham e atrapalham o lado de cá, e fica... fica esquisito.

Anete Schuastmam: O senhor não acha que o telespectador fica cansado de tanta graça? Tem graça às sete [horas]...

Chico Anysio: [Interrompendo] Eu acho. É isso que eu acho, eu já falei, até conversando com o próprio Boni eu falei que é, porque eu defendo o seguinte ponto: que a verdade é o que nós impusermos, nós, que fazemos televisão, teatro e tal. Então, a gente sabe o tamanho de um camarote de navio, mas o americano faz um camarote de navio de 12 [metros] por oito, e todo mundo aceita, porque está no filme do Chaplin - né? - A condessa descalça, A condessa de Hong Kong, né? E você aceita, já, em uma noite, na ópera, Groucho Marx [nome artístico de Julius Henry Marx (1890-1977), famoso comediante norte-americano com atuações solo e ao lado de seus irmãos também humoristas, os Irmãos Marx] faz um camarotezinho mínimo, que é de...

José Simão: De dois por dois [metros].

Chico Anysio: ... que interessava a ele para fazer aquilo. Então, como a gente fizer é o que fica. A Globo impôs ao país o seguinte: que a novela da seis [horas] é novela de época - e houve várias, né? Senhora, Escrava Isaura, Sinhá Moça e ba-ba-bá -, a das sete é uma novela engraçada, onde entrava o Silvio de Abreu [(1942-), ator e autor de telenovelas], Cassiano Gabus Mendes [(1927-1993), autor de telenovelas; sua característica marcante era a de imprimir um agradável tom irônico em seus trabalhos], e depois a novela das oito, séria. E aí cometemos o grande pecado, que é o pecado pior que se pode cometer, que é a gente se enjoar da coisa e achar que o povo se enjoou, quando não se enjoou ainda. E passamos a achar que o nosso enjôo é absoluto, quando ele é apenas nosso. Então, foi o que aconteceu agora na Globo. Agora, porque a novela das oito ficou engraçada. Silvio de Abreu é das sete. A novela está no horário errado, ela não é uma má novela, ela é ótima. Se fosse às sete. Para as oito tem que ser outro papo - né? -, outra coisa, porque nós [nos] habituamos a isso.

Rodolfo Konder: Chico, eu vou me permitir tirar um pouco você da televisão - depois a gente ainda vai voltar - para falar, em função dos seus comentários, das suas ironias em relação ao governo, a figuras do governo, para falar um pouquinho da sua trajetória política. Eu me lembro - eu sou do Rio [de Janeiro] também - de uma época em que as pessoas ainda se dividiam entre esquerda e direita. Hoje isso já está fora de moda.

Chico Anysio: É.

Rodolfo Konder: Mas, numa época em que as pessoas se dividiam entre esquerda e direita, você era muito próximo da esquerda, você tinha inclusive ligações com o pessoal da esquerda.

Chico Anysio: Claro.

Rodolfo Konder: Amigos comuns até. Hoje, qual é exatamente a sua posição e qual foi a sua trajetória política?

Chico Anysio: Bem, eu fui... eu fui comunista, fui... depois de ser comunista, eu fui simpatizante do Partido Comunista - eu até dava um dinheiro e tal -, depois eu passei a ser esquerdista e hoje sou realista [risos], porque a esquerda é muito festiva, a esquerda é uma... tem uma grande teoria. Eu hoje sou realista. Eu hoje voto muito mais em um amigo, voto muito mais em uma pessoa em quem eu acredite do que em um que, porque é de esquerda, tem que votar naquele cara. Não. De modo algum, por exemplo, eu votaria no Lula. Não é que eu... porque eu acho que o presidente da República... isso aí tinha que ser revisto. Um cara, para ser delegado de polícia, tem que ser advogado, e para ser presidente da República não precisa. Eu acho que [o presidente da República] tinha que ser advogado, economista e administrador de empresas. Ele tinha que ter três diplomas para ser presidente da República; um [...]. Se o cara tem que prestar concurso para vender selo no Correio, porque não presta concurso para ir dirigir o país? E vinha uma comissão de alto nível.

Rodolfo Konder: Fariam perguntas para ele?

Chico Anysio: [Interrompendo] Perguntas como, por exemplo, "O que é dívida externa?", né? E ele responderia. Pergunta que seria feita pelo Simonsen [Mário Henrique Simonsen (1935-1997), renomado economista brasileiro que ocupou os cargos de ministro da Fazenda (1974-1979) e do Planejamento (1979)], e pessoas de capacidade [para testar os candidatos]. Então, votar no Lula eu não via por quê. As minhas torneiras todas funcionam. Então...

Rodolfo Konder: Chico, você não acha que...?

Chico Anysio: [Interrompendo] Eu acho que o Lula deveria aproveitar esses cinco anos e fazer o ginasial, e daqui a cinco anos ele se candidatava de novo.

Oswaldo Mendes: [Interrompendo] Eu acho que tem muito diplomado que...

Rodolfo Konder: Você ainda tem uma utopia, Chico? Você ainda tem alguma utopia, algum sonho de uma sociedade mais justa, alguma coisa nessa direção?

Chico Anysio: Tenho sempre, porque isso me faz viver. É essa esperança de que isso tudo se arrume, de que o país se conserte... porque é um absurdo que um país rico como o Brasil seja tão pobre. Eu acho inteiramente absurdo isso. Eu digo para os meus filhos sempre que... já houve um tempo em que eu disse: "você ainda vai se orgulhar de ser brasileiro." E hoje eu digo: "seu filho ainda vai se orgulhar de ser brasileiro.". Eu já estou um pouco...

José Simão : "Seu neto vai se...". [risos]

Chico Anysio: É, mas isso fatalmente acontecerá e vai chegar um ponto [em] que só vai ter comida aqui e na África.

Rodolfo Konder: Oswaldo Mendes.

Oswaldo Mendes: Eu estava... você estava falando que o presidente da República teria que ser economista. Você não acha, por exemplo, que na economia brasileira tem economista demais?

Chico Anysio: Tem, mas eles entendem.

Oswaldo Mendes: Será?

Chico Anysio: Acho que sim, acho que sim. Acho que ruim contigo, pior "sem tigo". Eu acho que sim. Porque cada um tem um ponto de vista. É difícil achar um cara que diga: "Fulano está certo, Fulano está certo." Então, você conversa com o Delfim Netto [Antônio Delfim Netto (1928-), economista brasileiro que já ocupou os cargos de ministro da Fazenda (1967-1974), da Agricultura (1979) e do Planejamento (1979-1985); é conhecido como o condutor do "Milagre Econômico" e do chamado "arrocho salarial", nos anos 1970], ele acha que o Kandir [(1953-), economista e professor universitário; ocupou os cargos de presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas; 1990-1991) e ministro do Orçamento e Gestão no Brasil (1996-1998)] está errado; conversa com o Simonsen ele acha que o Delfim Neto está errado; conversa com...

Oswaldo Mendes: Pois é, mas você não acha que todos eles vão lá para demonstrar as suas teses acadêmicas sobre economia? É um pouco o que o Lazaroni tentou fazer com a Seleção [Brasileira de Futebol], tenta fazer, quer dizer, ele tenta demonstrar que a tese que ele defendeu na Universidade Federal do Rio de Janeiro, sobre o líbero [um das posições de jogador de futebol no time], ela é verdadeira. Então, ele usa a Seleção, uma paixão nacional, para provar [sua tese]. Os economistas, você não acha que fazem a mesma coisa?

Chico Anysio: Acho que sim, mas acho que tem que ser.

Oswaldo Mendes: Não é um perigo?

Chico Anysio: Eu acho que sim. Fazem... mas ele não pode usar outra coisa senão aquilo que ele aprendeu. Ele freqüentou uma faculdade, ele fez um curso, ele foi certamente brilhante aluno no curso, porque não é possível que o Simonsen não tenha sido um brilhante aluno. Roberto Campos [(1917-2001), economista, diplomata e político brasileiro; ocupou os cargos de presidente do BNDES (1958-1959), ministro do Planejamento (1964-1967), ministro da Fazenda (1964) e assumiu a cadeira 21 da Academia Brasileira de Letras (199-2001). Ver entrevista com Roberto Campos no Roda Viva] idem, Delfin Netto, todos eles devem ter sido maravilhosos e tal, porque ninguém chega ao ponto em que eles chegaram à toa. Ainda mais em uma função tão importante quanto essa. Agora, se a tese dele está errada, se não dá certo, se não dá... porque também nós somos um país muito esquisito, um país onde o cara ser honesto é virtude, quando devia ser obrigação... há muita pilantragem que tem que ser... sabe, a camada de ozônio vazou, mas ela não chupa os ladrões; se ela chupasse, esvaziava isso aqui, ficava melhor para a gente, ia ter mais vaga para carro, sei lá.

[Risos]

José Maurício Machline: Você se disse, então, praticante do "partido realista"?

Chico Anysio: Sou.

José Maurício Machline: Quem é que você acha, no cenário político brasileiro, que possa representar bem o seu partido?

Oswaldo Mendes: É ano eleitoral, hein!

Chico Anysio: É, eu sei. Olha aqui, vários. Sabe, houve uma época em que eu queria muito que o presidente da República fosse Dom Elder Câmara [(1909-1999), bispo católico, arcebispo emérito de Olinda e Recife, defendeu os direitos humanos durante o regime militar no Brasil e é o único brasileiro já indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz]. Hoje em dia ele já não tem mais idade para isso, não poderia ser, porque eu acho que governar é principalmente saber se cercar de gente de competência. Isso foi uma grande virtude que o Jânio sempre teve, quando ele foi governador a primeira vez e tal... ele, secretários dele vieram a ser governadores depois.

José Maurício Machline: Você votou no Jânio, Chico? Desculpa.

Chico Anysio: Não, eu nunca votei nele. Votei no Lott [Henrique Batista Duffles Teixeira Lott (1894-1984), foi marechal do exército brasileiro e ocupou o cargo de ministro da Guerra (1954-1960)].

Rodolfo Konder: Naquela época, a esquerda votava no Lott. Eu fiz a campanha do Lott.

Chico Anysio: É, mas eu não votei no Jânio, porque eu achava que o Jânio não batia certo; eu achava isso.

José Maurício Machline: Mas hoje o Jânio seria do partido realista?

Chico Anysio: Não, eu não votaria nele também não.

Anete Schuastmam: Em quem você votaria?

Chico Anysio: Agora não. Eu votaria em um homem como Hélio Jaguaribe [(1923-), sociólogo, cientista político e escritor brasileiro, foi secretário de Ciência e Tecnologia em 1992 e sucedeu Celso Furtado na Academia Brasileira de Letras, em 2005].

José Simão: Quem não era muito certo era o Lott. Não era o Lott que batia na mesa?

Chico Anysio: O Lott?

José Simão: É, não é ele que batia na mesa?

Chico Anysio: Batia, é.

Rodolfo Konder: O Hélio Jaguaribe, o Hélio Jaguaribe é um [...] interessante.

Chico Anysio: Mas ele teria que ter um tradutor ao lado, não é? [risos] Porque ele é brilhante demais, então as pessoas não acompanham o brilho do falar dele, tem que ter um tradutor.

Oswaldo Mendes: Chico, você falou que o [João] Santana não tem graça, que a ministra Zélia também não tem graça. E o Ipojuca Pontes [(1942-), autor, jornalista, cineasta e escritor brasileiro, foi ministro da Cultura entre 1990 e 1991] tem graça?

Chico Anysio: O Ipojuca é meu amigo. Não, o Ipojuca da teoria... o Ipojuca tem tudo para ser um bom secretário de Cultura. Por várias razões. Em primeiro lugar, porque o Ipojuca é dono de um teatro, ele é cineasta, ele escreve livros e trabalha na televisão - então, ele está por dentro dos meios de comunicação -, ele sabe o que é queue [fila, em inglês], ele sabe o que é break [intervalo, em inglês], ele sabe o que é layout [esboço de uma obra], ele sabe o que é coxia, ele sabe o que é corpo dez, ele sabe o que é mancha menor, mancha maior [termos relacionados ao meio teatral]. Então, esse...

José Simão: Precisa saber se ele sabe o que é Cultura.

[Risos]

Chico Anysio: Então, esse que é o problema.

José Simão: Falta o principal.

Chico Anysio: Então, o Ipojuca... na teoria, quando colocaram o Ipojuca, que ele foi colocado, eu achei até que o Ipojuca podia dar certo, mas o Ipojuca não fez nada. Mas não sei se há dinheiro para fazer também. Porque, sabe, o Zico [apelido de Arthur Antunes Coimbra(1953-), ex-jogador de futebol pelo Flamengo, foi treinador de times estrangeiros e ocupou o cargo de secretário nacional de Esportes no governo Collor], que foi muito mais uma jogada para a arquibancada... porque eu acho que não sei se o Zico sabe quantas pessoas jogam de cada lado no [jogo de] handball, não sei se ele sabe quanto tempo tem cada tempo do water polo [pólo aquático], o Zico é homem do futebol. Acho que aquele cargo tinha que ser ocupado pelo Raphael de Almeida Magalhães [(1930-), advogado e político brasileiro, ocupou os cargos de governador do antigo estado da Gaunabara (1965) e ministro da Previdência Social do Brasil(1986-1987)] e o Zico ser o homem do futebol do Rafael... o Bernard [Bernard Rajzman (1957-), ex-jogador de voleibol brasileiro conhecido pelo poderoso saque que ganhou o nome de "jornada nas estrelas". Foi secretário nacional de Esportes no governo Collor e deputado estadual no Rio de Janeiro], do vôlei, e o Rômulo Arantes [Rômulo Duncan Arantes Junior (1957-2000), ator e nadador brasileiro; ganhou várias premiações e medalhas, participou de três Jogos Olímpicos, (Munique, 1972; Montreal, 1976 e Moscou, 1980). Faleceu em acidente de ultraleve às vésperas de completar 43 anos], da natação etc. Então, o Ipojuca, eu acho que foi mais um agradecimento pela colaboração que ele deu à campanha, à Tereza Raquel [(1935-), atriz e produtora brasileira de peças teatrais, esposa de Ipojuca Pontes].

José Simão: Tereza Raquel, é.

Chico Anysio: Acho que foi... eu acho que não é isso aí; não é por aí que se governa; não é assim.

Joanna Rodrigues: [Interrompendo] Chico, mas...

Silvio Giannini: Mas essa decisão propriamente dita, de extinção dos órgãos, como você vê isso, pessoalmente?

Chico Anysio: Bom, eu... aí eu não sei, porque...

Silvio Giannini: [Interrompendo] O que aconteceu até agora com a cultura desde que... ?

Chico Anysio: ... a cultura sempre foi desprezada neste país, não é?

Silvio Giannini: Mas agora é mais ou menos?

Chico Anysio: Eu acho que é a mesma coisa, porque quando a cultura... o que foi feito pela cultura no governo passado, por exemplo, foi a Lei Sarney. Eu não me aproveitei dela em nada. Eu nunca soube usá-la. As pessoas que usaram a Lei Sarney eram pessoas que precisavam, que já tinham muito dinheiro, que eram cineastas abastados e isso e aquilo, e usaram a Lei Sarney. Para mim nunca serviu. Ela tinha uma parte que permitia importar tintas, pincéis, telas e tal, e eu trouxe da França um rolo de tela, pincéis e tintas, e ficou tudo na alfândega, eu não pude retirar. Eu falei: "e a Lei Sarney e tal?". Até o Fernando Mesquita [porta-voz do então presidente José Sarney] me mandou de Brasília uma xerox da lei, eu levei lá na alfândega e me disseram: "Mas não está valendo.". Então... porque ela pra mim não valeu nada, e a cultura sempre foi relegada a um plano muito secundário aqui neste país, porque nós somos um país muito analfabeto, né? Eu acho até que a gente tem vergonha de ajudar quem já sabe, quando há tanta gente que não sabe nada. Não sei qual é a jogada do governo aí.

Rodolfo Konder: No plano da televisão propriamente dito, especificamente da televisão, você acha que, por exemplo, a diversidade é essencial para se ter uma boa televisão? Essas mudanças que estão acontecendo na televisão apontam uma direção de uma televisão mais diversificada? E isso é positivo?

Chico Anysio: Eu acho que sim, eu acho que sim. Eu acho, bom, acho que, de início, televisão é divertissement [divertimento, em francês], diversão não é para educar, né? Ela é comercial, ela vive do dinheiro. Quanto mais dinheiro ela tiver, melhor será o seu elenco, melhor serão seus equipamentos, tudo será melhor. Eu já soube até que as televisões educativas vão ser liberadas para... eu li não sei onde, que eu leio todos os jornais, mas, em um deles, eu li que certo tipo de anúncio vai ser permitido nas TVs educativas, coisa que, aliás, foi uma reivindicação que eu fiz a vários presidentes, ao presidente Figueiredo [João Baptista de Oliveira Figueiredo (1918-1999), foi o último presidente do regime militar, que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985], ao presidente Sarney [presidente que assumiu em 1985, após a morte do presidente eleito Tancredo Neves de quem era vice], e estava esperando para fazer ao presidente Collor, quando estivesse com ele, que liberasse não anúncio de mulher nua, até entendo, tomando banho de espuma e tal, não, mas Caixas Econômicas, para ter mais dinheiro, para que a TV Cultura pudesse ter um elenco maior. Só que sem dinheiro não há como concorrer, não há, porque se você me perguntar se eu sou capaz de fazer o melhor show do mundo, a primeira pergunta que eu lhe faço é: "qual é a verba?", né? Na dependência da verba que você me disser, eu posso lhe dizer: "faço.". E eu contrato o Steven Spielberg [(1943-),famoso cineasta norte-americano, com grande talento no uso de efeitos especiais] e dou para ele fazer os efeitos todos, contrato Fulano e faço o melhor show do mundo, se a verba for ilimitada. A televisão, a real, o domínio da Rede Globo tão grande, eu acho que é prejudicial à televisão em si, porque dá à própria Rede Globo uma certa acomodação. A chegada agora dessa novela, do Pantanal, na Globo foi um reboliço, muita loucura, mudaram de horário... Eu já tive vários horários.

José Simão: O programador da Globo ficou doido?

Chico Anysio: Hein?

José Simão: O programador da Globo ficou doido?

Chico Anysio: Ficou, ficou enlouquecido. Foi um negócio que... então,...

Joanna Rodrigues: [Interrompendo] E com você, Chico, como é que foi essa questão? Eles chegaram a nível de perguntar alguma coisa, de questionar horário?

Chico Anysio: O Boni [...] comigo, ele me pergunta sempre.

Joanna Rodrigues: Como é essa cobrança da Globo em relação a você? Não existe? Existe?

Silvio Giannini: Não lhe pediram nudez no seu programa?

Chico Anysio: Não, não, não. No meu programa eu faço o que eu quero, eu tenho inteira autonomia. Se ele sair bom, é por qualidade minha; e se ele sair mal é por defeito meu. Eles não têm nenhuma proibição nem exigência, nem nada. Eu não ponho mulher nua no programa porque eu não quero, nunca eu pus.

Silvio Giannini: Deixa eu só perguntar, como é que você vê essa escalada de sexo na TV, principalmente a partir de Pantanal, essa nudez?

Chico Anysio: Olha, eu acho o seguinte: eu acho que...

Silvio Giannini: [Interrompendo] E a própria Globo indo a reboque especificamente nesse assunto.

Chico Anysio: Não, eu acho que não. Aí é um engano. Não, porque o Desejo [minissérie de Glória Perez exibida pela Rede Globo em 1990, com direção geral de Wolf Maia] foi feito, estava pronto desde setembro.

Silvio Giannini: Não, mas não...

Joanna Rodrigues: [...] na novela...

Silvio Giannini: Não, mas no Desejo... a Claudia Raia, ela foi... ela tirou a roupa... [aparentemente, houve um equívoco entre os participantes do Roda Viva, uma vez que a atriz Cláudia Raia não atuou na minissérie Desejo. Entre novembro de 1987 e junho de 1988, Cláudia Raia participou da novela das sete horas Sassaricando, exibida pela Rede Globo, que teve cenas em que a atriz exibe seu corpo na praia, de biquini ]

José Simão: [Interrompendo] [...] Cláudia Raia [...] saindo do mar, nua.

[Sobreposição de vozes]

Silvio Giannini: Ela tirou a roupa a partir... Não, o Desejo foi gravado muito antes de gravarem o Pantanal, mas a Claudia Raia tirou a roupa em função, pelo menos aparentemente, do Pantanal.

Chico Anysio: Como? A Claudia Raia tirou a roupa?

Silvio Giannini: Tirou.

Joanna Rodrigues: Tirou.

Chico Anysio: Eu perdi essa!

[Risos]

Silvio Giannini: Até recentemente, ela estava quase sem roupa.

Chico Anysio: Eu não vi não.

Silvio Giannini: Como é que você vê isso, esse escalada?

Chico Anysio: Eu acho que isso... eu acho que isso...

Silvio Giannini: É um modismo?

Joanna Rodrigues: Passageiro?

Chico Anysio: É, eu acho que é modismo. O Pantanal acho excessivo. Não vi, [corrigindo-se] eu vi pouco.

Silvio Giannini: Você acha excessivo?

Chico Anysio: É, eu acho excessivo; eu vi pouco.

Silvio Giannini: Mas excessivo em quantidade? Como é que é?

[Sobreposição de vozes]

Silvio Giannini: Uma programação inteira... acho que isso está se refletindo hoje...

Chico Anysio: Não, eu acho o seguinte.

Silvio Giannini: Os filmes que estão sendo exibidos... ?

Chico Anysio: Não, os filmes já tinham [nudez]. A gente passou a prestar mais atenção. O Pantanal ...

Silvio Giannini: A gente passou? Como assim?

Chico Anysio: É.

Silvio Giannini: Acho que sempre chamou atenção isso. Não passava antes.

Chico Anysio: Não, não. O filme Atração fatal  [filme de Adrian Lyne lançado em 1897, com os atores Glenn Close e Michael Douglas em cenas de sexo] é anterior ao Pantanal e passou na televisão e ninguém falou.

Joanna Rodrigues: [Interrompendo] Não, mas por exemplo, Atração fatal...

Silvio Giannini: Mas Atração fatal também não era exibido antes. A gente, com tanto tempo de censura...

Chico Anysio: Era, foi o Super Cine [programa da Rede Globo que exibia filmes], nove [horas] da noite, nove e meia da noite, foi. É que a gente não prestava atenção. O Pantanal botou isso superlativo, né? Ou seja, o meu... eu tenho um sobrinho que trabalha lá na Manchete, o Marcos Palmeira [(1946-) ator brasileiro que viveu o personagem Tadeu em Pantanal], o filho do Zelito [José Viana de Oliveira Paula (1938-), conhecido por Zelito Viana], e ele falou que vai renovar por qualquer dinheiro, desde que ele possa entrar nas cenas do lago.

[Risos]

José Simão: Motel de jacaré lá.

Silvio Giannini: Motel de jacaré, não é, Simão?

José Simão: Motel de jacaré.

Chico Anysio: Então, agora...

José Simão: Mas eu não acho que o Pantanal tenha tido cenas de sexo; tem muita cena de nudez, mas de sexo não.

Silvio Giannini: Mas é a escalada de nudez propriamente dita.

José Simão: É, as pessoas estão se referindo mal.

Chico Anysio: É, não sei não, mas eu acho que o Brasil empatou com a Alemanha Oriental, naquele [jogo de futebol, em que o placar foi] três a três por causa do Pantanal, porque eram quarenta jogadores em Teresópolis, quarenta homens dentro de uma... vendo televisão; quando acabava, todos corriam para o quarto...

[Risos]

Chico Anysio: ... e aí não tiveram pernas no segundo tempo contra a Alemanha Oriental, naquele três a três. Então... mas eu, desde que eu parei de fumar, me proibi, não vou ter mas nenhum vício na minha vida, de modo algum. Então, novela eu não vejo, porque novela vicia.

José Simão: Chico, me diz uma coisa, voltando ao humor: como é que você cria? Porque você é famoso pelos seus personagens inesquecíveis, não é? Como é que você cria um personagem. Eu acho que o telespectador gostaria de saber isso, quer dizer, a criação, a montagem de um personagem, sei lá, Alberto Roberto, Painho, os que marcaram, não é?

Chico Anysio: Certo.

José Simão: Como é que você cria? É uma pessoa só, você fica de butuca olhando?

Chico Anysio: É, fiz... são várias.

José Simão: Finge que dorme e fica olhando como que os outros se comportam?

Chico Anysio: Não.

José Simão: Como é que é isso?

Chico Anysio: São vários modos, né? Primeiro, uns nascem de uma pessoa que eu conheço. Conheço uma pessoa, aquele cara dá um tipo, ba-ba-bá, a gente parte dali, outros nascem de uma personalidade, né? O cara que...

José Simão: Personagem típica do mundo.

Chico Anysio: Isso. Então, por exemplo, um Justo Veríssimo [personagem de Chico Anysio que é um político corrupto e insensível], ele nasceu de um deputado que existe em Caruaru [risos] e que tem pavor de pobre [risos], porque ele só gosta de pobre na eleição. Não gosta de pobre, de pobre ele só quer o voto, e o Agnaldo Timóteo [(1936-), cantor e político brasileiro, elegeu-se deputado federal em 1982 e 1994], quando se elegeu, eu encontrei com ele depois e ele ficou decepcionadíssimo. Eu falei: "o que foi Timóteo? O que é?". [E ele respondeu:] "Não, porque na Câmara inteira, pensando no país e contando os da minha bancada, não há seis; todos só estão pensando neles e tal.". Então, juntei essa frase do Timóteo àquele deputado, que o Alceu Valença [(1946-),cantor e compositor brasileiro], que tinha me contado dele em Caruaru... e fiz o Justo Veríssimo, que é um cara anti-ecologia, ele é anti-tudo, ele se [...].

José Simão: [Interrompendo] Quer dizer, é uma montagem mesmo.

Chico Anysio: Hein?

José Simão: Você fez uma montagem.

Chico Anysio: Uma montagem.

José Simão: Você editou uma pessoa, não é?

Chico Anysio: Justo, justo, justo. Então, sempre falando... "Os outros lá pensam no país, não, eu penso em mim, porque ao dizer isso eu proibi que eles me cortassem, né? Os outros pensam no país e eu não, só quero saber de mim.". O Alberto Roberto foi feito baseado no Amilton Fernandes [(1919-1968), ator que teve grande popularidade como galã de telenovela, no papel de Albertinho Limonta, em O direito de nascer, de 1964, exibida pela extinta Rede Tupi], que fez o Direito de nascer, que era um ator muito empostado e tal. Então, seria o avermelhado dele, sublinhado, um pouco Hélio Souto [(1929-2001), ator brasileiro de teatro, cinema e televisão, considerado símbolo sexual no anos 1950, em virtude de suas atuações nas extintas TV Tupi e TV Excelsior], que era muito galã, com abotoaduras e tudo.

Rodolfo Konder: Mas você já fica observando, pensando na criação?

Chico Anysio: Só penso nisso, né?

Anete Schuastmam: É quando...

Rodolfo Konder: A pessoa fica...

[Sobreposição de vozes]

Anete Schuastmam: E quando você resolve acabar com o personagem?

Chico Anysio: Eu não acabo com nenhum.

Anete Schuastmam: Ah, mas tem uns que já acabaram.

Chico Anysio: Não, uns só deixo de lado. Olha aqui, o Nazareno, ele ficou 15 anos fora do ar e quando ele voltou fez sucesso de novo.

Anete Schuastman: Mas, então, como...? Você enjoa, sai, e você joga, deixa do lado?

Chico Anysio: Não enjôo, eu faço Ibope, eu tenho um Ibope, eu faço uma pesquisa.

José Simão: Ah, tem, você faz isso?

Chico Anysio: Faço, faço.

José Simão: Ah, isso é interessante, não é? Essa...

Chico Anysio: Porque eu acredito no Ibope quando você encomenda, né? Porque ele me pede 45 dias para me dar uma resposta. Eu não creio no Ibope que me diz amanhã quantas pessoas viram hoje; esse Ibope é que eu acho esquisito. Mas então eu faço perguntas [como:] "quais os personagens que você quer ver?", "quais os que você quer que tire?", "qual você prefere?", "o que você acha desse?". Só uma pergunta grande, é feito um group discussion [discussão em grupo] muito... que a Globo também faz. Eu recebo esse material. Entã,o há uma coisa que é muito interessante, isso é uma coisa engraçadíssima, que é os personagens que são mais "gostados", de acordo com o número de vezes que eles entraram. Então, o que mais apareceu é o que tira o primeiro [lugar nessa pesquisa], o segundo que mais entrou é o segundo preferido, o terceiro... quanto mais visto, mais gostado ele é.

José Simão: É por isso que o quadro...

José Maurício Machline: Ô Chico,...

José Simão: ... da Escolinha do professor Raimundo fez esse sucesso. Quer dizer, ele é muito visto.

Chico Anysio: Ele é [...] e é [um quadro] fixo, é.

[Sobreposição de vozes]

José Maurício Machline: É como o...

José Simão: É o sabor do repeteco.

Chico Anysio: É isso aí.

José Simão: Tem gente que não gosta de piada repetida.

Maria Amélia Rocha Lopes: [Interrompendo] Que nem novela.

José Simão: Eu adoro piada repetida. Se a pessoa for me contar uma piada trinta vezes, quanto mais conta...

Chico Anysio: [Interrompendo] Mas eu gosto.

José Simão: ... mais engraçada fica.

Chico Anysio: Eu sempre falo que não tem piada velha, nem piada nova. Tem piada boa e piada ruim.

José Simão: É.

Maria Amélia Rocha Lopes: Agora, Chico, você acha que o humor... ?

José Simão: [Existe piada] Bem contada e mal contada.

Chico Anysio: É.

Maria Amélia Rocha Lopes: ... o humor tem que ser óbvio? Tem que ser assim claro, objetivo?

Chico Anysio: Tem.

Maria Amélia Rocha Lopes: Não pode ter muita sutileza?

Chico Anysio: Não, não é que não possa ter sutileza. Sutileza ele pode ter, ele não pode ter é uma... é elitismo, né? Porque se você não souber do que eu estou falando, não há como você rir. Você tem que saber do que eu falo, e como o nosso país é um país que... quando a TV Pirata ia começar, eu tive essa... esse problema com eles, porque eu dizia o seguinte: que o que é engraçado em Ipanema, no baixo Leblon, na baixa Gávea, naquilo ali, não é engraçado em Altamira, não é nem entendido em Altamira, em Arroio do Tigre. Isso, em Joinvile... quer dizer, e o programa vai ao mesmo tempo a esses lugares todos.

José Simão: Ele tem muita referência, não é?

Chico Anysio: Então, se eu faço um programa sobre surf, isso em Minas, em Mar de Espanha [município do estado brasileiro de Minas Gerais], onde só tem mar no nome, é o mesmo que nada, não tem [sentido].

José Maurício Machline: Chico, outro dia eu ouvi uma crítica dizendo que você repete muito os personagens, que você vem usando. Nesses 42 anos de carreira, você tem idéia de quantos personagens você criou?

Chico Anysio: Bom, na televisão, de 1960 para cá, em trinta anos, criei 185 [personagens], e não há como repetir muito, porque, esses 185, já é uma... está de bom tamanho, não é? O Buster Keaton [nome artístico de Joseph Frank Keaton Jr.(1895-1966), ator e diretor norte-americano de comédias mudas, tido como o grande rival de Charlie Chaplin, com quem contracenou em um único filme (Luzes da Ribalta, de 1952)] só fez um [personagem], o Chaplin só fez um; deu bem, deu.

José Maurício Machline: Deu certo.

Chico Anysio: Deu, claro.

[Risos]

Kleber de Almeida: Chico, desses 185, tem algum deles [de] que você goste mais do que os outros?

Chico Anysio: Não, é como filho, não.

Kleber de Almeida: Algum deles marca algum momento importante da sua carreira?

Chico Anysio: Todos eles, de algum... não, todos eles não, muitos - não é? -, porque houve um momento, por exemplo, em que o mais importante do programa era o Pantaleão. Logo que começou o Chico City, o Pantaleão era o que todo mundo esperava e tal. Depois, no próprio Chico City, teve uma fase [em] que o Roberval Taylor era um grande sucesso; até gravei disco do Roberval Taylor. Depois, o Popó fez muito sucesso. Depois teve a fase do Coalhada, do Painho, do Alberto Roberto [todos personagens de Chico Anysio]... O Alberto Roberto já teve fase... várias vezes, ele...

José Maurício Machline: [Interrompendo] Chico, como é que você explica?

Kleber de Almeida: Agora - só um momentinho -, alguns deles já vieram do rádio também?

Chico Anysio: Sim.

Kleber de Almeida: Daquela época de Miss Campeonato [programa de grande sucesso em 1955, no canal 5 de TV das Organizações Victor Costa, que seguia as rodadas do Campeonato Paulista de Futebol por meio de um enredo simples, em torno da disputa pela miss, vivida por Carmen Verônica. No elenco, estavam muitos comediantes, como Ronald Golias. O sucesso levou o programa a outras cidades]?

Chico Anysio: Sim. Não, não, só o professor Raimundo, porque no rádio, como eu dirigia os meus programas, eu escrevia cinco, na Rádio Mayrink Veiga, cinco programas. Eu não trabalhava nos meus programas, eu só trabalhava nos programas do Antônio Maria, do Aroldo Barbosa, do Sérgio Porto, do Roberto Silveira, do Aloísio Silva Araújo e tal, e eles só me punham para fazer o nordestino rouco, o professor Raimundo; não deixavam eu fazer nenhum outro. Então, só fui fazer os outros personagens quando eu fui para a televisão, que aí eu...

Kleber de Almeida: No Miss Campeonato você escrevia, no Miss?

Chico Anysio: Não.

Kleber de Almeida: Não.

Chico Anysio: Era o Sérgio Porto [(1923-1968), cronista, escritor, radialista e compositor brasileiro, mais conhecido por seu pseudônimo Stanislaw Ponte Preta], eu era o América.

Kleber de Almeida: O América.

Rodolfo Konder: Você perdeu o carinho pelo rádio?

Chico Anysio: Não, eu tenho o maior carinho pelo rádio. Eu faço A Turma da Maré Mansa, que vai ao ar na Rádio Globo, às nove horas da noite, todo dia que não tem futebol, só não vai ao ar quando tem futebol, e já tenho até uma proposta da Rádio Eldorado, daqui de São Paulo. Vou fazer um programa que eu vou começar para... talvez até eu faça... Eu adoro o rádio, eu acho que o rádio é a maior escola. Tudo que eu sei, aprendi no rádio.

Oswaldo Mendes: Chico, dos seus personagens, que você estava falando deles, na Escolinha, o professor funciona quase como uma escada para os outros personagens?

Chico Anysio: É, é isso aí.

Oswaldo Mendes: Ele é só uma escada.

Chico Anysio: É.

Oswaldo Mendes: É, eu acho que isso, um pouco, define a sua posição como humorista em relação até a essa geração a qual você deve tanto; você mesmo declarou, né? Agora, você tinha consciência disso, como um personagem?

Chico Anysio: Tinha, claro, absoluta [consciência], e adoro, adoro, adoro.

Oswaldo Mendes: É a escada, não é?

Chico Anysio: Adoro.

Oswaldo Mendes: É a escada.

Chico Anysio: Adoro, adoro.

Oswaldo Mendes: A graça nunca está nele.

Chico Anysio: Não.

Oswaldo Mendes: A graça é só o motivo da [...]...

Chico Anysio: Só o motivo. Eu faço um pouco a jogada do gordo, né? Do Gordo e o Magro [dupla de comediantes muito popular  no cinema no início do século XX, composta por um magro (Stan Laurel; 1890–1965) e um gordo (Oliver Hardy; 1892–1957)]. O gordo sofria a graça.

Oswaldo Mendes: Você está falando... eu queria voltar à questão do realismo. Você é realista. Você seria então adepto do sindicalismo de resultados, e, sem falar de Copa do Mundo, sem falar de Brasil, você também é adepto do futebol de resultados?

Chico Anysio: Não, sou adepto do futebol de espetáculo. Eu acho que eu já fui mais adepto do futebol. O futebol está ficando um pouco monótono para mim, porque é o único esporte coletivo que não muda as regras. Então, eu acho que a Fifa [Fédération Internationale de Football Association, entidade mundial máxima do esporte] é dirigida por aqueles senhores ingleses de, no mínimo, 85 anos...

Oswaldo Mendes: Tem um brasileiro?

Chico Anysio: O Abílio de Almeida [foi vice-presidente da comissão de arbitragem da Fifa e da Confederação Sulamericana de Futebol], que tem 84 [anos], parece, e tal. Então, são...

Kleber de Almeida: O João Havelange [Jean-Marie Faustin Goedefroid de Havelange (1916-), foi o sétimo presidente da Fifa, de 1974 a 1998; é membro do Comitê Olímpico Internacional desde 1963 e foi eleito Presidente de Honra da Fifa em 1998] tem 75, 76 [anos].

Chico Anysio: Mas o Havelange não manda no futebol.

Kleber de Almeida: Não é brasileiro também.

Chico Anysio: Ele não tem essa, esse poder. Eu acho que o futebol tinha que mudar, eu acho que o futebol...

Oswaldo Mendes: A regra.

Chico Anysio: A regra, muita coisa.

Kleber de Almeida: Mas em quê?

Chico Anysio: Por exemplo, eu acho que tinha que ser dez de cada lado. O campo já é pequeno para 11, porque o preparo físico foi muito, muito puxado, cresceu muito. Então, o campo ficou pequeno para 11. Quando é expulso um de cada lado, o jogo melhora.

[Risos]

Chico Anysio: Então, deviam ser dez. Eu acho que, em segundo lugar, não podiam ser só duas substituições. Tinha que poder ser cinco em cada tempo, como no basquete, como no vôlei, ou seja, eu fiz dois a zero, eu coloco um time defensivo para segurar o dois a zero e o outro coloca cinco atacantes para haver uma mudança, porque o futebol é um jogo de noventa minutos, onde as pessoas têm quatro emoções, três, duas, uma, e às vezes nenhuma.

Maria Amélia Rocha Lopes: E agora com relação ao tempo de 25 minutos de intervalo?

Chico Anysio: Acho não... acho que o importante não é isso. Eu acho que o importante é o tempo da bola andando. Ele podia ter quarenta minutos de bola andando, só conta quando andar.

Maria Amélia Rocha Lopes: Como no basquete?

Chico Anysio: Parou a bola, parou o cronômetro. Sabe, eu acho que isso aí... o lateral tinha que ser batido com o pé, o corner [escanteio] tinha que ser batido da intercessão da grande área com a linha de fundo, e não lá debaixo, para o jogo ser oito a seis.

Maria Amélia Rocha Lopes: Fim do impedimento?

Oswaldo Mendes: Não é só por causa da regra...

José Simão: Porque não tem mais gol, né? Você fica ali...

[Sobreposição de vozes]

Oswaldo Mendes: [Interrompendo] Você acha? Como é que fica a cabeça do jogador? Os próprios técnicos não são culpados por isso que está acontecendo?

Chico Anysio: Não.

Oswaldo Mendes: O medo de perder esse jogo mesquinho, pequeno [...].

Chico Anysio: [Interrompendo] Não, sempre houve, sempre houve. Eu me lembro que o Fluminense, em 1951, foi campeão. Comemoramos um a zero, um a zero, um a zero, um a zero... Foi campeão. Sempre houve isso, técnico defensivo, técnico ofensivo. Isso aí não. Falta craque, né? Hoje em dia nós... na Seleção Brasileira, não tem mais ninguém que a gente lamente não jogar. “Fulano não joga.”. [suspira e coloca a mão na cabeça] Não tem mais isso. “Garrincha não joga.” era um desastre, não é? “Didi [Waldir Pereira (1928-2001), consagrado jogador de futebol brasileiro, bicampeão mundial pela Seleção Brasileira nas Copas de 1958 e 1962, Didi, como era conhecido, foi eleito o melhor jogador da Copa de 1958, quando a imprensa européia o chamou de "Mr. Football"] não joga.”. O que você faz? “Pelé [Edson Arantes do Nascimento, o Pelé (1940-), é considerado o maior nome da história do futebol brasileiro e um dos maiores jogadores do futebol mundial. Ajudou o Brasil a vencer três Copas do Mundo (1958, 1962 e 1970) e é ainda hoje considerado o “Rei do Futebol”] não joga.”...

Oswaldo Mendes: Pelé não joga, surge Amarildo [Amarildo Tavares Silveira (1939-), treinador e ex-jogador de futebol brasileiro de muita habilidade, artilheiro, ponta-esquerda, foi de grande importância na Copa do Mundo de 1962, na qual substituiu Pelé, quando este se contundiu]?

Chico Anysio: Hoje em dia Valdo [Valdo Cândido de Oliveira Filho (1964-), ex-jogador de futebol que participou da seleção nas Copas de 1986 e 1990] não joga, joga Silas [Paulo Silas do Prado Pereira (1965-), ex-jogador de futebol que atuou na seleção brasileira e se tornou treinador em 2007].

Oswaldo Mendes: Também não faz falta nenhuma.

Chico Anysio: Não, o Valdo não joga, joga Silas; não joga Müller [nome como ficou conhecido Luís Antônio Corrêa da Costa (1966-), ex-jogador de futebol brasileiro, com participações em três Copas do Mundo (1986, 1990 e 1994)], joga Ricardo [pode estar se referindo a Ricardo Gomes (1964-) ou a Ricardo Rocha (1962-), ambos ex-zagueiros que jogaram na Copa de 1990]; não joga... nem o próprio Taffarel [Cláudio André Mergen Taffarel (1966-), ex-goleiro brasileiro que participou das Copas do Mundo de 1990,1994 e 1998] a gente vai chorar [se não jogar]. Então, acabaram os craques no mundo, acabaram os craques no mundo. Eu falei, num comentário do Baggio [Roberto Baggio (1967-), ex-jogador de futebol italiano considerado um dos grandes jogadores dos anos 1990 e início dos anos 2000], que eu acho o Baggio um jogador medíocre, e o Baggio fez um gol maravilhoso, e aí o jornal me gozou e tal. Mas eu continuo achando o Baggio um jogador medíocre, com todas as explicações possíveis.

Oswaldo Mendes: Vinte milhões de dólares.

Chico Anysio: Não, não, por uma razão: porque o jogador excepcional muda um time, né? O Nápoles [clube de futebol italiano (Società Sportiva Calcio Napoli), fundado em 1 de agosto de 1926 e sediado na cidade de Nápoles] foi campeão sem nunca ter sido [...], com Maradona [Diego Armando Maradona (1960-), argentino, considerado um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos]. O Falcão foi para Roma [um dos principais clubes de futebol italiano] e a Roma foi campeã, e não era [campeã] há anos. O Zico foi para a Udinese [clube de futebol italiano], que é um time... um Juventus [clube de futebol do Rio e Janeiro freqüentemente entre as últimas colocações nos campeonatos] da Itália, menos que o Juventus, e a Udinese disputou a vaga na Taça da Uefa [União das Federações Européias de Futebol], Copa da Uefa, e o Baggio jogou na Fiorentina [clube de futebol italiano da cidade de Florença] um ano, e a Fiorentina quase foi rebaixada para a segunda divisão; na última rodada, ela se salvou. Então o Baggio não é... é que a Itália só tem ídolos estrangeiros, ela está louca para fazer um ídolo italiano. Então, qualquer um mais ou menos ela endeusa e faz daquele cara um...

Oswaldo Mendes: [Interrompendo] E nós só estamos fazendo ídolos italianos, não é?

Chico Anysio: Nós fazemos, é. E portugueses.

Oswaldo Mendes: E portugueses.

Chico Anysio: É.

Oswaldo Mendes: Italianos e portugueses.

Chico Anysio: Nós não temos....

Oswaldo Mendes: [Interrompendo] Mas eu perguntei antes também sobre o sindicalismo de resultados; juntando... eu estou pegando o seu realismo, não é?

Chico Anysio: O sindicalismo dos, dos....

Oswaldo Mendes: Do, do próprio Magri [Antônio Rogério Magri (1940-), ex-sindicalista brasileiro, foi ministro do Trabalho e da Previdência Social durante o governo Collor], né? Do Medeiros [Luiz Antonio de Medeiros (1948-) foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, da Força Sindical (entre 1991 e 1999) e deputado (2002 a 2005). Conhecido por defender um sindicalismo de resultados que se oporia a um sindicalismo ideológico, foi também secretário das Relações do Trabalho, do Ministério do Trabalho, a partir de 2007]...

Chico Anysio: O Medeiros é um cara que eu admiro demais, admiro demais. Dentre todos esses daí, o que mais eu admiro é o Medeiros. O Magri...

Oswaldo Mendes: O Menegueli [Jair Antonio Meneguelli (1947-), líder sindical paulista, foi presidente da CUT. Ver entrevista com Meneguelli no Roda Viva]... ?

Chico Anysio: Eu acho o Magri... o bojo da coisa.

[Risos]

Maria Amélia Rocha Lopes: É “imexível” [neologismo - que causou  polêmica e estranhamento - criado pelo ex-ministro Antônio Magri em 1990, ao opinar, em rede de televisão, sobre o Plano Collor (no qual não se poderia mexer). Posteriormente, a palavra foi dicionarizada].

Chico Anysio: O Magri se afunda, o Magri não sobrevive. O Medeiros é...

Oswaldo Mendes: É um personagem; você já pensou nisso?

Chico Anysio: Claro, claro, claro.

Oswaldo Mendes: É só ele deixar de ser ministro, ele vira personagem?

Chico Anysio: Não, até pode ficar, mesmo sendo ministro.

Oswaldo Mendes: Lando Buzzanka [Gerlando Buzzanca (1935-), ator italiano que interpretou com freqüência o papel de machista e empregado subordinado do "colarinho branco"], meio assim...

Chico Anysio: É um pouco, é.

Maria Amélia Rocha Lopes: Seria uma mistura de Alberto Roberto com o quê?

Chico Anysio: Ele tem um olho... o olho dele... [deixa um dos olhos meio fechado] tem um olho que... "Abre, por favor.", não é?

[Risos]

Oswaldo Mendes: É.

Chico Anysio: O olho esquerdo que é meio...

[Risos]

Rodolfo Konder: A Maria Amélia fez uma colocação interessante, como que é?

Maria Amélia Rocha Lopes: Alberto Roberto com quê? O Magri seria...

Rodolfo Konder: Seria uma mistura.

Chico Anysio: Não sei, mas um ministro... um ministro é um ministro. O Magri podia ser Gordi [trocadilho com magro e gordo].

[Risos]

Joanna Rodrigues: Chico, só um minutinho. Falando em relação aos seus personagens, o Urubulino, que é um dos mais recentes aí, você disse que sempre tem uma preocupação com as crianças, mas o Urubulino está sempre visando o fim da vida. De repente isso não... você não acha que agride as pessoas?

Chico Anysio: Não, porque é excessivo. Ele é excessivo, e, sendo excessivo, fica engraçado. E o Urubulino é antigo. O Urubulino é um dos primeiros [personagens que criei]. O Urubulino eu já fazia na TV Tupi, em 1958.

Joanna Rodrigues: Eu digo recente, que tem aparecido recentemente.

Chico Anysio: É. Eu só agora mudei o penteado. Tem aquele penteado do...

José Simão: Punk.

Chico Anysio: É, mas eu acho que, quando é excessivo, não [agride], porque é...

Joanna Rodrigues: Perfeito.

Rodolfo Konder: Chico, e essas mudanças no mundo? Você como ex-esquerdista, e hoje um realista, o que é que você acha que está marcando esse final de século?

Chico Anysio: Está marcando... o Gorbachev é um... é um grande responsável por todas essas mudanças, porque ele é um estadista admirável; eu acho que o mais admirável dos estadistas do século.

Rodolfo Konder: É um dos poucos craques que sugiram aí na arena da política internacional?

Chico Anysio: É, eu acho que sim. E ele é o responsável por essas mudanças todas, está trazendo uma nova realidade ao mundo. Eu tenho muito medo da Alemanha unificada, né? Tenho muito medo da Alemanha militarizada. Eu tenho muito medo da Alemanha em si, porque as guerras todas começam pela Alemanha; a Alemanha é quem começa as guerras todas, e a Alemanha é um país muito privilegiado - né? -, de gênios. de... Tenho um certo temor.

Rodolfo Konder: Mas essas mudanças, você acha que apontam na direção da afirmação dos valores universais da democracia, da economia de mercado? Em que direção... O mundo está avançando e em que direção, neste fim de século?

Chico Anysio: Eu acho que o socialismo real... o socialismo real, socialismo sueco, um socialismo que... porque o comunismo é um sonho - né? -, é uma coisa inatingível, mas o socialismo não. Eu acho que é por aí que caminha. A América já é feita de vários "socialismozinhos". Aquelas comunidades americanas são todas pequenos socialismos que se implantam nas cidades e levam a coisa de um modo eficaz. Eu acho que o mundo caminha para isso, para um grande socialismo. O defeito do mundo, o erro maior, é falarmos línguas diferentes. Esse que eu acho o grande mistério do mundo, porque se conseguíssemos... é difícil, eu acho que ninguém fala duas línguas. Um dia, discutindo isso com um amigo meu, ele queria me garantir que falava inglês; eu falei: você não fala nem português, você é um rapsodo [poeta], um deambulante [vagueante], um sorrelfo [dissimulado], um profuso [exuberante, prolixo], um prolificentíssimo [muito produtivo] em chocarrices [gracejos] e parachas [?], e que não é da janela do zaragateiro [desordeiro] e falta de profixo [?] que fazeres teu ousio [ousadia] de [...] [palavras pouquíssimo usuais da língua portuguesa]. Ele não entendeu nada e acabou.

[Risos]

Chico Anysio: Não é? A gente... o cara, na hora da briga, na hora da conta, na hora da reza, ele briga, conta e reza na sua língua, não na outra língua. Chega no Bom Retiro [bairro essencialmente comercial da região central da cidade de São Paulo] lá e o cara [o imigrante], na hora da conta, [Chico imita um asiático contando e susurrando a contagem na língua de seu país], 428... mas a continha ele faz na língua dele. Então, acho que esse negócio de falarmos línguas diferentes atrapalha. A televisão ajudou muito no progresso do Brasil, porque ela equalizou a linguagem. Então, por exemplo, mesmo na coisa mais boba, como é a gíria, a gíria hoje é a mesma em Porto Alegre e em Manaus.

José Simão: E em Lisboa também.

Chico Anysio: É, também.

Rodolfo Konder: Chico, nós vamos...

Chico Anysio: Tem hora que ficam irritados, já falam “Me dá isso aí.” [o pronome "me" iniciando a frase é uma forma falada característica da língua portuguesa do Brasil, mas não de Portugal].

Rodolfo Konder: Chico, nós vamos fazer um pequeno intervalo. Agora nós vamos fazer um pequeno intervalo e voltamos em seguida. Nós estamos apresentando o Roda Viva, hoje com o convidado Chico Anysio. Nós voltamos em seguida.

[intervalo]

Rodolfo Konder: Voltamos a apresentar o programa Roda Viva, esta noite tendo como o convidado o humorista Chico Anysio. Kleber de Almeida.

Kleber de Almeida: Chico, diante dessa onda de violência, especialmente em São Paulo e no Rio, essa série de seqüestros, a gente já está assistindo na televisão parlamentares defendendo projetos até já apresentados no Congresso, propondo a pena de morte. Você acha que a pena de morte resolveria o problema da criminalidade e da violência no Brasil?

Chico Anysio: Eu acho que não. Se a pena de morte resolvesse, teria resolvido na América, onde há [pena de morte] e a violência existe.

Kleber de Almeida: Agora, você acha que, com a imprensa, [...] a televisão, nesses últimos dias, insitiram bastante nisso, esses parlamentares aparecerem na televisão para defender isso, neste momento onde há um seqüestro, se passar uma lista, um plebiscito em um momento como esse, isso não poderia ser aprovado?

Chico Anysio: Poderia.

Kleber de Almeida: Seria uma coisa, eu também acho, concordo com você, seria lamentável. Você não concorda?

Chico Anysio: É, concordo, seria. Eu acho que o que tinha que ser proibido era a divulgação de qualquer crime, por mais bobo que fosse. Eu tenho um amigo meu que é delegado e ele me disse o seguinte: que já viu criminosos reclamando muito, porque o crime que eles cometeram foi noticiado na quarta página sem fotografia. Então, há pessoas que, por incrível que pareça, cometem delitos terríveis em troca de uma manchete. Eu acho que, à proporção que a gente fala em seqüestro, e os telejornais [falam] em seqüestros, os jornais, as revistas e tal, mais vontade dá, mais idéias dá [para estimular o crime]. Eu acho que há leques, abre essa possibilidade de... os caras passaram a ver que seqüestrar é melhor que assaltar um banco, porque seqüestro é em dólar e banco é em cruzados, cruzeiros [moedas que vigeram no Brasil antes do real].

Kleber de Almeida: Agora, o Jornal do Brasil... quer dizer, toda a imprensa sempre fez silêncio a pedido da polícia, em todos os seqüestros; só noticiava quando se resolviam, quando o seqüestrado era solto ou tinha uma solução do caso. O Jornal do Brasil decidiu agora que vai noticiar normalmente, porque acha que, ao deixar de noticiar, você está estimulando ou está protegendo o seqüestrador, e não protegendo, no caso, como seria a idéia, protegendo o seqüestrado. Quer dizer, então, pelo menos um jornal...

Chico Anysio: [Interrompendo] Mas se ele vai... todos farão a mesma coisa. Eu acho que sim. Dos seqüestros acontecidos, eu acho que foram presos 90% dos seqüestradores; não recuperaram o dinheiro - né? -, mas as prisões foram efetuadas. Só que as prisões brasileiras não são prisões - né? -, são... é um quarto com grade, porque não tem concreto, não tem nada. Chega um preso numa cadeia dessas de distritos policiais e eles dão água para ele, entopem o cara de água para o cara urinar, urina na parede, e, com uma colher, eles cavam e [a urina] sai por aquele buraquinho que fazem com estiletes. Então, as cadeias têm que ser cadeias, não é? Como é cadeia? Concreto, placa de aço, concreto embaixo e em cima, do lado; não sai, não tem como sair. Então, as prisões são feitas por momentos... então, nós temos uma prisão de segurança máxima, que é Bangu I [Complexo Penitenciário de Bangu criado em 1987 pelo então governador do Rio de Janeiro, Moreira Franco, na região agrícola de Bangu. Tornou-se posteriormente Complexo Penitenciário de Gericinó], não sei o quê, que é muito falada, coisa e tal, mas essa segurança máxima é uma segurança relativa. No seqüestro do Roberto Medina [(1949-), publicitário e empresário brasileiro que foi sequestrado em 1990 e foi solto após 16 dias e o pagamento de um resgate equivalente a US$ 2,5 milhões], a deputada Ana Maria Rattes [ex-deputada federal que conseguiu prisão-albergue (regime em que o detento passa o dia fora da penitenciária e volta para dormir) para o criminoso Francisco Viriato de Oliveira] foi conversar com o Japonês [nome como era conhecido Francisco Viriato de Oliveira, um dos mais destacados líderes da organização criminosa Comando Vermelho] lá, para ver se não dava um jeito de diminuir o preço. "Eu vou ver o que eu posso fazer pela senhora, eu vou falar com o meu pessoal e vou ver.", o papo foi assim.

Kleber de Almeida: Ela disse exatamente isso.

Chico Anysio: Hã?

[Sobreposição de vozes]

Oswaldo Mendes: O sujeito acaba tendo um escritório mantido pela gente.

Chico Anysio: Pela gente, é.

Oswaldo Mendes: Com tudo: com comida...

Chico Anysio: Eu não sei qual é a solução possível, sabe? Também não está na minha mão, mas, em primeiro lugar, o preso... Há dois tipos de preso. Eu acho que um cara que foge da cadeia... isso um outro delegado que eu conheço me disse. Se eu passar em Londrina por um borracheiro e eu vejo lá trabalhando um sujeito que fugiu da cadeia, eu não prendo, porque ele já está recuperado, já está trabalhando, sumiu para Londrina, se escondeu lá e tal. É que os caras fogem da cadeira e quatro dias depois assaltam, seqüestram, estupram. Esses daí são um tipo e o outro tipo é o réu primário, o cara que cometeu um delito, o cara que matou por amor, o cara que flagrou a mulher com o vizinho e tal, e eles ficam juntos... e a promiscuidade é muito grande, porque a gente vê uma cadeia americana e às vezes dá vontade de morar nela [risos]: uma cela maravilhosa, uma coisa e tal. E o James Stuart [(1908-1997), famoso ator norte-americano de cinema, teatro e televisão] é o cara que toma conta. Então, o negócio é tão... aí, corta aqui para o Brasil, é um negócio terrível.

Rodolfo Konder: Comentarista de futebol, você já... sempre esteve e viveu no rádio, na televisão, mas a sua atividade como pintor eu acho curioso. Como é que você se sentiu atraído pela pintura?

Chico Anysio: Bem, eu sempre tive vontade. Eu, por ser um mau desenhista, eu achei que não podia ser pintor. Então, aqui na Praça da República eu comprei um quadro do Moisés, um pintor admirável que pinta cavalos.

Rodolfo Konder: Que aliás é uma outra paixão sua.

Chico Anysio: É. Eu falei para ele: “Moisés, eu gostaria de pintar, mas eu não sei." [E ele respondeu:] “Pois é, eu também não sei. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, é independente. Não precisa saber desenhar para pintar, pode ver que nenhum cavalo desses é." E, de fato, não é; é uma idéia de cavalo. Então, eu peguei um professor, o Solano Finardi, e tive aulas com ele para o trivial: misturar a cor, fazer a cor na palheta. Porque não se usa nenhuma cor como ela vem; a gente faz a cor. E aprendi com ele o principiozinho. Depois ele mudou para o Rio Grande do Sul e eu fiquei uns oito anos sem pintar, porque não tinha um canto, não tinha um lugar. Aí minha mulher me deu de presente uma caixa com todo o material, uns pincéis e tal, uma tela, e eu consegui, através do Claudir Roberto de Souza, que voltei a tomar aulas com ele. Então, fiz, já... já faz uns seis anos que eu tomo aulas. Agora eu faço os quadros e ele vem, e muda aqui...

José Simão: [Interrompendo] Você pinta o quê?

Chico Anysio: Hein?

José Simão: O que você pinta?

Chico Anysio: [...] marinhas [pinturas que tem por tema a paisagem marítima ou assuntos marinhos]. Fiz casarios durante muito tempo e agora estou fazendo marinhas. Vou fazer 12 exposições com ele, meu mestre e eu, que vão a Recife, Salvador, Joinvile, Curitiba, São Paulo, Rio, Porto Alegre, Fortaleza.

Silvio Giannini: Quanto é que um [quadro do] Chico Anysio está cotado hoje?

Chico Anysio: Depende, né? Porque pintura precisa de...

Silvio Giannini: [Interrompendo] Uma tela [sua].

Chico Anysio: A mais cara? [Custa] 250 mil cruzeiros.

Silvio Giannini: 250 [mil cruzeiros]?

Chico Anysio: É, o que é nada perto da tela do Siron [Siron Franco (1947-), pintor, desenhista e escultor brasileiro], que são 7.500 dólares.

[Risos]

José Simão: Até 15 mil dólares.

Chico Anysio: Até 15 mil, né? Tudo depende, porque é por centímetro quadrado, né? Então, um quadro cinqüenta por setenta, quarenta por setenta, digamos, [custaria] 220 [mil cruzeiros], porque é tudo caro, né? A tinta é cara... a tinta é cara, a tela é cara. Eu pinto com tela de linho, que é feita pelo Jorge [...].

Rodolfo Konder: [Interrompendo] Mas você faz sempre pinturas figurativas? Você nunca fez trabalho abstrato?

Chico Anysio: Não, sou impressionista, sou marinha, sou quase acadêmico. Eu tenho um filho de sete anos que pinta expressionista, ele é expressionista, pinta muito bem.

Maria Amélia Rocha Lopes: Chico?

Chico Anysio: Hum.

Maria Amélia Rocha Lopes: O infarto [que você sofreu] no ano passado, em outubro do ano passado, mudou muito sua vida?

Chico Anysio: Demais.

Maria Amélia Rocha Lopes: É?

Chico Anysio: Mudou tudo na minha vida. Não há quem não mude com o enfarto - né? -, porque não é pela dor do infarto, a dor do infarto é uma dor até suportável, comparável... eu já tive dores piores, tive quatro cólicas de rim, quatro pedras no rim, operei até uma vez. A dor de rim é muito pior, dez vezes maior que a dor do infarto.

Maria Amélia Rocha Lopes: Mas o infarto apavora muito mais?

Chico Anysio: Agora, a dor do rim não mata e do infarto mata. Então, depois do infarto aí mudei muito, porque eu... não só fisicamente, passei de 44 para 52 no meu manequim, mas eu mudei tudo: me aborreço muito menos; coisas que me aborreciam demais não me aborrecem mais.

Maria Amélia Rocha Lopes: E coisas, assim, [...]? Cigarros, bebidas...

Chico Anysio: Cigarros não, eu já estava disposto a parar. Eu já tinha resolvido parar.

Maria Amélia Rocha Lopes: Mas não tinha parado.

Chico Anysio: Não, mas eu estava usando um método que o Tarcísio Meira [Tarcísio Meira [(1935-), ator brasileiro de cinema, teatro e televisão (exclusivo da Rede Globo)] me ensinou, que foi de fumar por hora: primeiro eu fumava um cigarro a cada hora, depois passei [a fumar] um cigarro a cada hora e 15 [minutos], depois [um cigarro a cada] hora e meia, e já estava com um cigarro a cada duas horas [quando sofri o infarto], fumava seis por dia. E parar de fumar só precisa de uma coisa: você querer. Porque nós todos sabemos o mal que o cigarro faz, os problemas. Ninguém desconhece, mas não pára, só pára quando quer, porque o médico me disse uma frase que me comprova isso, é assim: "Não pode mais fumar, mas não é para fumar escondido hein?". Porque há uns que fumam escondido. E falei: "não, eu parei. Não quero mais mesmo.".

Maria Amélia Rocha Lopes: Não tem aquela coisa [de fumar] depois do cafezinho... ?

Chico Anysio: Não, nada.

Maria Amélia Rocha Lopes: ... não sei o quê? Não tem nada disso?

Chico Anysio: Nada, nem lembro. Quando a pessoa acende um cigarro, para mim é...

Rodolfo Konder: [Interrompendo] E bebida?

Chico Anysio: Nada. E também não fiquei o ex-fumante chato - né? -, que quer fazer a cabeça do cara [que ainda fuma, dizendo:] "pára, isso faz mal.". Não. Quer fumar fuma. Minha mulher fuma e eu só combinei com ela uma coisa: ela não fuma no quarto e nem no banheiro.

Maria Amélia Rocha Lopes: É, fora isso...

Chico Anysio: É.

Maria Amélia Rocha Lopes: ... [está] liberado?

Chico Anysio: É. Ela não fuma, tudo bem.

José Simão: Na sala fuma vinte [cigarros], né?

[Risos]

Chico Anysio: É, tudo bem.

Maria Amélia Rocha Lopes: Agora, essa situação de um risco de vida lhe ensinou alguma coisa? Você repensou... ?

Chico Anysio: Muito. Repensei tudo, tudo, tudo.

Maria Amélia Rocha Lopes: ... naquele momento o que você não teria feito, não sei o quê?

Chico Anysio: Não, não.

Maria Amélia Rocha Lopes: "Fiz isso. O que fiz bem?", não teve nada disso?

Chico Anysio: Não me arrependi de nada que eu tivesse feito, não. Só me preparei para viver diferente daí em diante.

Chico Anysio: É?

Chico Anysio: É. Não ....

Maria Amélia Rocha Lopes: Foi uma coisa dolorida? Difícil?

Chico Anysio: Não.

Maria Amélia Rocha Lopes: Não fisicamente. Esse tipo de decisão... ?

Chico Anysio: Não, não. Aliás, é muito mais cômodo. Então, se você quiser me aborrecer, eu transfiro em uma hora para você o aborrecimento.

Maria Amélia Rocha Lopes: De que forma? Tão prático?

Chico Anysio: Ah, eu saio dele, me abaixo e a bala passa.

Maria Amélia Rocha Lopes: É.

Chico Anysio: É.

Oswaldo Mendes: Te apavora... a morte te apavora?

Chico Anysio: Eu acho a morte desagradável. Eu acho a morte "chato", né? Ela já me apavorou mais, sabe? Agora eu estou convivendo muito melhor com ela. No mês passado eu fui a quatro enterros, não é?

[Risos]

Chico Anysio: Eu não ia, eu não ia a enterro nenhum, né? Mas aí eu fui a quatro enterros, vi o Zé Trindade, a Sônia Mamede, Elizete Cardoso, o filho do [Gilberto] Gil... Como?

Rodolfo Konder: Uma frase do Barão de Itararé [Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971), jornalista, escritor e pioneiro no humorismo político brasileiro, também conhecido por Apporelly, além do falso título de nobreza de Barão de Itararé, personagem do jornal A Manha criado em 1930], mestre do humorismo.

Chico Anysio: Sim.

Rodolfo Konder: [O Barão de Itararé] Dizia que enterro e casamento, "só o meu, e, mesmo assim, muito contrariado.".

[Risos]

Chico Anysio: É isso aí. Minha teoria era essa aí. Enterro e casamento eu não ia, eu não ia nem a hospital, mas [agora] eu vou. O problema da morte é um negócio muito esquisito, porque a morte é a única certeza que nós temos. E nos surpreendemos cada vez que uma pessoa morre. “Morreu? Não me diga! Como?”. Morrer é o óbvio.

[Risos]

Oswaldo Mendes: É natural.

Chico Anysio: Nós somos tão absurdos que dizemos: "vai se vivendo.". Não! Vai se morrendo!. Vai se vivendo nada! Cada dia que passa é um dia a menos que se tem.

Oswaldo Mendes: Você não tem nenhuma relação religiosa com a morte? Quer dizer... ?

Chico Anysio: Não, de reencarnação.

Oswaldo Mendes: ... de reencarnação, essas coisas?

Chico Anysio: Não, porque eu sou franciscano. A minha religião é São Francisco de Assis. Então, fiquei muito emocionado, eu estive em Assis, na terra dele, uma cidade linda, e, naquela casa, ele morava ali, ele andava por aqui, ele pisou aqui, ele sentou nesse chão, ele andou por aqui, e eu estive na igreja onde ele foi batizado, e numa hora muito bonita, porque entrava uma luz pelo vitrô da igreja que iluminava exatamente o lugar aonde ele foi batizado, só entrava... só iluminava aquilo.

Oswaldo Mendes: Você é devoto de São Francisco de Assis por... ?

Chico Anysio: Por ser Francisco.

Oswaldo Mendes: Com relação ao nome ou... ?

Chico Anysio: Primeiro por isso.

Oswaldo Mendes: ... tem coisa de família?

Chico Anysio: Não, primeiro por ser Francisco - e eu não gostava de ser Francisco, não, eu não gostava. Quando eu trabalhava no rádio, as pessoas todas me chamavam de Anysio, e até hoje os colegas de rádio me chamam [assim]. O Silvio Santos me chama de Anysio. Então... porque eu sou o único Francisco que só foi Chico quando quis, né? [risos] Até quando eu ia fazer o programa de televisão, Francisco Anysio Show, o Carlos Manga disse: "Bota Chico Anysio Show que fica mais sonoro, soa melhor.". "Então bota, vamos botar Chico Anysio Show." Aí é que eu passei a ser Chico; ninguém me chamava de Francisco.

José Simão: Nem no Ceará?

Chico Anysio: Nem no Ceará. Não, aí eu era...

José Simão: No Ceará você era engraçado ou você ficou engraçado depois?

Chico Anysio: Não, eu tinha sete anos no Ceará. No Ceará eu era muito pequenininho.

Maria Amélia Rocha Lopes: Chico, você costumava assinar os seus contratos com a TV Globo em branco.

Chico Anysio: Em branco.

Maria Amélia Rocha Lopes: E não colocava mais nada? Depois do ano passado, daquele affair todo, TVS [TV Studios, nome antigo da emissora SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), rede de televisão do empresário e apresentador Silvio Santos, formada em 1981 depois da compra de vários canais de televisão em todo Brasil], pode sair da Globo, ficou magoado com um, com outro, não sei o quê... Mudou isso? Agora você quer tudo ali preto no branco?

Chico Anysio: Não, não houve mágoa. Ali... eu vou ter que explicar o que é que houve ali. Ali foi o seguinte, o que houve ali foi, foi um... no ano anterior, eu fiz um programa chamado Grupo Esculacho, e esse programa era um programa piloto para ver se dava certo ou se não dava. No caso de dar certo, ele seria fixo no ano seguinte. Então, envolveu oitenta artistas. As oitenta pessoas que fizeram o programa, fizeram sabendo disso, que se desse certo continuaria. Então houve artistas como, por exemplo, a Estela Miranda, que estava contratada pela [TV] Manchete, que abriu o contrato dela na Manchete, porque disse: “Não há como não dar certo esse programa.”, quando ela leu. "Então, eu vou ficar aqui, está certo?". Então o programa foi feito... a pesquisa dele, do Ibope... e ele teve 96% de aceitação, e não havia por que ele não ir. E aí ficou resolvido que ele vai.

Maria Amélia Rocha Lopes: Não foi?

Chico Anysio: E quando foi resolvido que "ele vai", isso eu falei para todo mundo: “olha, vai!”, e as pessoas desmancharam coisas, desfizeram contratos, desaceitaram convites, ba-ba-bá. E o programa, que seria o mais barato programa da estação - porque tudo a ser gasto já tinha sido: o cenário estava pronto e o figurino também, e uma escola é o mesmo cenário e o mesmo figurino o ano inteiro -, na última hora resolveram que "não vai".

Maria Amélia Rocha Lopes: Quem resolveu que "não vai"?

Chico Anysio: O Boni resolveu que "não vai". Mas ao resolver que "não vai", para ele foi tranqüilo: ele disse duas palavras “não vai” [risos] e acabou. Agora, eu fiquei em uma situação muito desagradável junto a todo mundo, que, por acreditar em mim, tinha desmanchado coisas, e por motivo...

José Simão: [Interrompendo] O que eles alegaram? O "não vai" não tinha [justificativa]?

Chico Anysio: Eu não sei.

José Simão: Ou foi só "não vai"?

Chico Anysio: Foi só "não vai".

José Simão: Também é o que basta, não é?

Chico Anysio: É.

[Risos]

Joanna Rodrigues: E que fim deu o Esculacho?

Chico Anysio: Hein?

Joanna Rodrigues: Isso ficou arquivado? O Grupo Esculacho?

Chico Anysio: Ficou.

Joanna Rodrigues: Você não pretende... ?

Chico Anysio: Não, não depende mais de mim.

Joanna Rodrigues: Não mais.

Chico Anysio: Está lá. A Globo sabe que ele existe, não é? Porque o Grupo Esculacho é um programa muito... ele é jovem, ele é feliz, ele é um programa que não tem erro; a escola não tem erro nunca, e aquela escola ainda mais, porque tudo ali era possível, né? Podia ter aula de educação física, podia ter externa, podia ter aula de música, podia ter o que você quiser. O elenco... juntava os dois elencos, os antigos e os novos, para que os novos aprendam com os antigos, e a única vantagem de envelhecer é saber mais, não tem outra, né? Não tem como uma pessoa de 16 anos saber mais que um de 61, a não ser que ela seja um super dotado e o de 61 um idiota.

Joanna Rodrigues: Até quando você... ?

Maria Amélia Rocha Lopes: Depois disso, você deixou de assinar o contato em branco?

Chico Anysio: Não, não, não. Eu ainda assino meio em branco.

Maria Amélia Rocha Lopes: É?

Chico Anysio: É.

Joanna Rodrigues: Como é meio em branco?

Maria Amélia Rocha Lopes: Confiança total?

Chico Anysio: Meio em branco é porque eu não discuto "eu quero tanto, eu quero tanto, me dá isso, me dá aquilo, ba-ba-bá e tal." Não, porque não adianta. Quem ganha em cruzeiro é muito difícil. Você... não há como você ficar rico em cruzeiro, a não ser herança, sena [loteria] ou roubo. Não tem outro jeito.

José Simão: Seqüestro agora.

Joanna Rodrigues: Seqüestro.

Chico Anysio: É, ficar rico em cruzeiro não tem... eu estava um dia desses fazendo uma conta do Bill Cosby, que ganha 1.250.000 dólares por programa, e eu ganho vinte vezes menos do que isso por ano. Por ano! E ele ganha isso por programa. Ele faz um programa de 25 minutos, onde ele chega com a roupa que ele vem de casa, senta ali naquela coisa, bate aquele papo, [risos] aí vai embora. Aí ganha seis milhões de dólares por mês.

Maria Amélia Rocha Lopes: É muita diferença, né?

Chico Anysio: Como é que eu vou discutir com a Rede Globo se eu quero 250 ou trezentos? Não vai mudar em nada a minha vida.

Maria Amélia Rocha Lopes: Agora, é interessante para você, estar... ter o seu programa ali na TV Globo? Por você dizer que não é ali que você ganha dinheiro, quer dizer, a sua imagem ali, o seu programa, o seu nome toda semana na televisão...

Chico Anysio: Mas eu sou um homem de televisão.

Maria Amélia Rocha Lopes: ... funciona para você ganhar dinheiro fora?

Chico Anysio: Não, não é isso, porque esse dinheiro que eu ganho... o dinheiro que eu ganho.. É ótimo esse dinheiro que eu ganho, está certo? Eu ganho bem, eu tenho um dos melhores salários da televisão. Eu, no meu teatro, eu ganho bem e tudo bem. Só que esse dinheiro todo, transformado em dólar, fica uma bobagem. Quando você muda para dólar fica uma bobagem. Eu tenho que economizar para fazer uma viagem, está certo? Porque eu vivo do meu dinheiro, do meu salário. Eu não tenho nada. A única fonte de renda que eu tenho sou eu. Eu não posso ter uma hepatite, eu estou proibido disso; [se eu ficar] 45 dias parado, eu estou frito.

José Maurício Machline: Chico, você falou...

Maria Amélia Rocha Lopes: São cinco filhos, né?

Chico Anysio: É.

José Maurício Machline: Você falou do seu teatro. Você é um homem que está sempre fazendo shows pelo Brasil afora e você sempre renova anualmente, ou a cada dois anos, o seu show. Você tem alguma programação de show para o futuro?

Chico Anysio: Tenho.

José Maurício Machline: E você pode contar?

Chico Anysio: Posso. Eu vou fazer um show agora no Teatro da Lagoa [teatro situado no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro], a partir de agosto. O Teatro da Lagoa é como se fosse meu, né? Porque eu inaugurei em 1969 e fiz seis espetáculos lá. Então, as pessoas até achavam que eu era o dono do teatro. Ele [o teatro] é do Ricardo Amaral [empresário brasileiro conhecido como o "rei da noite carioca", criou os bares, boates e clubes noturnos no Rio de Janeiro, São Paulo, Nova York e Paris]. Então, em agosto, vou fazer um show, porque eu vou mudando o show à proporção em que eu vou fazendo, né? Quem viu meu show no Palace [casa de shows inaugurada em 1983 em São Paulo, cujo nome mudaria em 2001, quando de sua compra pela CIE (Corporação Interamericana de Entretenimento), maior empresa de entretenimento da América Latina, passando a chamar Directv Music Hall], por exemplo, e no Olympia [casa de shows inaugurada em julho de 1988, no bairo da Lapa, em São Paulo], já [verá que] está diferente, já tem muita coisa diferente. Então, eu vou fazer no Rio, botar outras coisas novas, juntar às novas que já estão. Eu estou esperando um texto do Zé Simão que vai... que é [o] que está faltando para completar, e vou fazer um show que estou com vontade de botar o título de Deixe o seu recado, porque ele vai ter o cenário como nunca teve. Vou fazer um cenário que é minha... o meu escritório e meu ateliê, e uma secretária eletrônica onde estão os recados colocados ali. Então, pode ter recado seu, recado de um jornal, recado do Boni, recado do Daniel [Filho], recado de pessoas... de um modo geral, encomendando trabalho, os recados, e aqueles telefonemas da secretária eletrônica vão gerar as cenas que eu vou fazer, os monólogos, as histórias que eu vou contar e tal; e o último recado é do doutor Adib Jatene [(1929-), médico e professor universitário, foi duas vezes ministro da Saúde (em 1992 e entre 1995 e 1996). Ver entrevistas com Jatene no Roda Viva], me recomendando trabalhar menos, e por aí e tal...

José Maurício Machline: Falando em teatro, eu já ouvi muito, dentro da classe teatral brasileira, e, principalmente, de uma das atrizes que eu reputo como uma das grandes estrelas do teatro, que é a Marilia Pêra [(1943-), atriz, cantora e diretora brasileira], que muita coisa do que ela aprendeu no teatro foi vendo você atuar, graças a duas coisas que ela reputa como importantíssimas, que são a economia e a precisão no ato da representação e do gestual. Então, ela considera você um grande mestre. Você teve um mestre ou isso veio do céu?

Chico Anysio: Marilia Pêra é a minha mestra. [risos] Marília Pêra, Fernanda Montenegro, esse pessoal que... Irene Ravache e Lima Duarte [atores brasileiros consagrados, do teatro e da televisão], [...]. Eu acho que representar... eu digo sempre [que] a única coisa que eu ensino, que eu acho que é possível ser ensinado a alguém... eu digo sempre que representar é a arte de não representar, que quanto menos, melhor, né? E, ouvindo isso da Marília [Pêra], que adoro a Marília, tenho maior respeito por ela, é a minha "ídola"... eu não sabia que ela achava isso de mim [...]. Então, vou pedir mais na Globo, no próximo contrato.

José Maurício Machline: Se você se olhasse um dia representando e vendo a forma com que você gesticula e com que você conta uma história, é muito difícil de ver alguém com essa capacidade hoje em dia, e a Marília, a partir do momento [em] que ela me alertou, e que eu vi você representando algumas vezes, eu acho que ela está certíssima.

Chico Anysio: É, eu procuro fazer assim.

Oswaldo Mendes: Chico, essa é a receita do humor? A economia é a receita de humor?

Chico Anysio: Não, não é de humor; é de representar em si.

Oswaldo Mendes: Sim, mas do humor, especificamente do humor... ?

Chico Anysio: Acho que do humor também, sabe? Porque as pessoas, quando vão fazer humor, elas fazem caretas, elas exageram, só porque é um programa de humor. E isso acontece muito quando eu convido atores de novela para o meu programa, né? E eu digo: "não, faz como você faz normal. Não precisa fazer mais. Faz..."...

Oswaldo Mendes: Porque há uma tendência de [...]?

Chico Anysio: É, por ser engraçado, querer ser mais engraçado do que é. Não, não é preciso, né? Nós temos um exemplo muito bom no nosso grande palhaço, que é o Renato Aragão [(1936-),humorista brasileiro, famoso por liderar a série Os Trapalhões, exibida pela Rede Globo. É também conhecido pelo nome de seu personagem Didi Mocó, ou apenas Didi], que é o nosso grande palhaço sem pintura, que ele é completamente contido, ele faz tudo aquilo sem nenhum exagero, sem nenhum excesso, e isso aí é que faz dele um ídolo das crianças; as crianças adoram.

Oswaldo Mendes: Buster Keaton [...]. Mais econômico do que o Buster Keaton?

Chico Anysio: É, o Buster Keaton não ria nem nada, nada.

Oswaldo Mendes: Nada.

Chico Anysio: Nada.

Kleber de Almeida: Chico, eu tenho um amigo que está no sétimo casamento e está bem, mas ele me disse que, se ele pudesse voltar para o primeiro, talvez fosse melhor, porque ele ainda tem gratas recordações do primeiro e está com setenta e poucos anos, e elege a primeira mulher como a grande mulher da vida dele. Você também, que tem uma vasta experiência nessa área, você pode nos falar disso? Você gostaria de falar disso?

Chico Anysio: Não, eu acho o seguinte. Eu acho que casamento... eu acho que é a coisa mais certa da vida, porque a gente, andando de dois, encurta o caminho [risos], divide, né? Os casamentos meus terminaram muito menos por culpa minha. Eu não fui o promotor dos desenlaces. Eu fui, de um modo geral, o concordante. Eu sei que viver comigo é dificílimo, mas também acho que quem não viver comigo, não vive com ninguém, porque eu sou um cara de poucas reclamações, de poucas exigências. Eu não... sabe, eu não sou machista, eu não sou... eu tenho tudo para ser um coronel do nordeste, porque o meu pai era, meu pai era um coronel, coronel sem farda, mas não me considero como sendo. Eu dou uma liberdade talvez até excessiva para meus filhos todos e não sou exigente, mas, claro, não tenho hora, estou um dia em Porto Alegre, no outro estou em Joinvile, estou viajando, vou gravar, não dou aquela assistência normal do homem normal, do cara que chega do trabalho às sete horas e só vai trabalhar [no dia seguinte]. Eu não tenho feriado, eu não tenho dia santo, eu não tenho... o único dia [em] que eu sei que não trabalho é no Carnaval. Mesmo assim, já houve carnavais em que eu trabalhei, fui para clubes entrevistar gente e tal. Então, o artista é uma profissão estranha, ela é rara, por isso é difícil. Qualquer um de nós pode ser general desde que faça Agulhas Negras [Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), unidade do Exército brasileiro localizada em Resende, no estado do Rio de Janeiro], mas não são muitos generais que podem fazer o Azambuja [personagem de Chico Anysio], né? Então, artista é uma classe de exceção. E a vida é diferente, não tem horário para comer, e isso tudo vai complicando. As mulheres vão se desagradando, apesar de ter casado sempre com artistas. [D]Os meus casamentos, eu não tenho arrependimento de nenhum, porque de todos eles eu ganhei filhos e esse é o prêmio maior da vida. Não há nada na vida que explique melhor um casamento, que justifique... eu não sei, não sei como podem existir casais sem filhos, quando os dois podem ter filhos. Quando um dos dois não pode, eu aceito, mas podendo, o cara que evita, ele não sabe o que está perdendo. Filho é a coisa melhor da vida. Então, não tenho repúdio por nenhum casamento, mas não me casaria de novo com nenhuma das mulheres com quem eu fui casado.

Rodolfo Konder: Mas você mantém uma relação cordial com elas?

Chico Anysio: Com todas elas, com todas elas. E até elas próprias, umas com as outras, de um certo modo, sim.

Joanna Rodrigues: Elas se entendem?

Chico Anysio: Se dão. Elas são, civilizadamente... não é que se adorem ou ba-ba-bá e tal.

José Simão: [Interrompendo] Não sendo [...] do Nazareno [personagem de Chico que destratava a esposa], não?

[Risos]

Chico Anysio: Porque não há nenhuma da qual... Não. Há um detalhe importante: eu não saí de uma para outra, eu saí de uma e aí pintou a outra, está certo? Não foi [traição], não há por que aquela ter raiva de outra.

Rodolfo Konder: E a relação com os filhos, como é que é?

Chico Anysio: Na relação com os filhos, isso aí eles que poderiam responder. Eu sou um... um dia, no Dia das Mães... eu tinha quatro [filhos] nessa ocasião, estavam os quatro juntos, eu falei: "eu estou cortado com vocês.". [E eles perguntaram:] "Por quê?". [Então eu respondi:] "Porque é Dia das Mães e ninguém me dá presente.". Eles disseram : “Ô, pai, é mesmo.” [Chico coloca as mãos na cabeça].

[Risos]

Maria Amélia Rocha Lopes: E com os netos, Chico? Que tal ser avô?

Chico Anysio: Ser avô para mim foi de um...eu não pude saborear o ser avô como Oswaldo Aranha [Osvaldo Euclides de Sousa Aranha (1894-1960), político e diplomata brasileiro], que disse que ser avô é pai com açúcar - não é? - por uma razão: porque eu tenho filho mais novo que a minha neta. A minha neta, durante muito tempo chamou meu filho de tio neném, porque [risos] ele era mais novo que ela.

Joanna Rodrigues: O Bruno? O seu caçula?

Chico Anysio: É, então, eu não... e como eu paro pouco em casa, então eu não tenho com eles essa... o que terei, porque vai ter uma hora [em] que em Petrópolis vai ser a casa do vovô, onde eles vão passar o domingo comigo e vou ter aquilo que eu sonhei muito na minha casa de São Conrado e tive que largar porque ela ficou grande demais: eu, minha mulher e meu filho lá dentro, havia dias em que não nos encontrávamos [risos]; a casa era enorme e tal.

José Maurício Machline: Agora, Chico, um dia você me contou uma história que eu achei muito interessante, que, como você tem cinco filhos, que você gostava muito de trabalhar quando eles eram pequenos, com eles perto da mesa.

Chico Anysio: Sim, [...] dentro da gaveta.

[Sobreposição de vozes]

José Maurício Machline: [...] pois é, com eles dentro da gaveta e tal.

Chico Anysio: É.

José Maurício Machline: E com isso, hoje o Cícero [um dos filhos de Chicho] já está grande, já tem sete anos, se não me engano.

Chico Anysio: Sete, é.

José Maurício Machline: Já tem sete anos, e que você sente muito a falta de um bebê perto de você.

Chico Anysio: Sinto, sinto, sinto.

José Maurício Machline: E isso quer dizer que vem mais por aí?

Chico Anysio: Não, não. [risos] Já falei que eu conversei muito com a minha mulher, porque...

José Maurício Machline: Tentando...

Chico Anysio: Não, não é isso não. Nós estamos em uma discussão, porque eu queria adotar um - né? -, que ela não quer, ela não quer ter filho mais. É por problema de idade. Ela acha que não tem mais idade para ter filhos, ela tem...

José Maurício Machline: Mas ela é moça.

Chico Anysio: Eu sei, mas aí, até ela se convencer de que não... Ela não quer. Então... mas ela quer adotar uma menina e eu quero um menino, porque eu estou acostumado, eu tenho cinco homens. Então, para mim é... não sei nem como brincar. A minha neta, eu não tenho intimidade com ela, porque, sabe, eu estou muito condicionado a Forte Apache [briquedo muito comum entre os garotos],[risos] a futebol, luta de boxe, sabe? Só homem, cinco homens, então...

Rodolfo Konder: Mas as meninas agora, Chico, elas [também] brincam de Forte Apache.

[Risos]

Chico Anysio: Elas brincam.

Rodolfo Konder: Elas brincam de carrinhos.

Silvio Giannini: Chico, eu queria voltar à questão do humor. Por que é que, no Brasil, se explora tanto, no humor, o preconceito? Especificamente no Brasil, contra o negro, a miséria... Por quê? Qual a explicação para isso?

Chico Anysio: Olha, porque isso...

Silvio Giannini: Já que em outros países... no caso da França, por exemplo, seria inclusive passivo de [...]...

Chico Anysio: [Interrompendo] Olha, isso aí é o seguinte: eu sou participante disso, eu sou um sofredor disso, porque, assim como eu vejo atores negros reclamando que os negros são sempre colocados como empregados, os nordestinos também; eu também sou nordestino.

Silvio Giannini: É, o preconceito inclusive com relação aos nordestinos...

Chico Anysio: Sou do Nordeste, sou nordestino também. Ele não é o dono da indústria, ele é o faxineiro. Mas isso aí acontece em todos os países. Então, há um preconceito contra o judeu na América. Há humoristas famosos na América que só fazem piada de judeu. Há outros que só fazem piadas de negros. Outros só fazem piadas de porto-riquenhos. Então, isso é uma coisa que é mais ou menos universal. Não acho que esse preconceito seja proposital, seja... sabe? Não sei...

Silvio Giannini: Não é um sentimento sádico da burguesia?

Chico Anysio: Não, não.

Silvio Giannini: Por que explorar esses contrastes?

Chico Anysio: Não sei, eu não uso muito isso, não uso muito isso. Por exemplo, português no meu programa não é burro. Os personagens portugueses que eu fiz sempre foram [espertos]. O Alfacinha era vivíssimo, espertíssimo. Enfim, depois eu fiz aquele português com a hippie, que era... eu fiz o cientista português; eu nunca fiz português burro. Eu não sou muito ligado na coisa estereotipada; até me policio, né? Os personagens homossexuais que eu faço, os homossexuais adoram, porque eu faço a frescura da coisa, né? Agora, o Haroldo é um personagem adorado, o Painho sempre foi [Haroldo e Painho são personagens homossexuais de Chico], e não tenho essa visão assim preconceituosa das coisas, não.

Maria Amélia Rocha Lopes: Chico, você tem facilidade, por exemplo, para fazer um personagem, se você não estiver caracterizado? Por exemplo, você está assim [descaraterizado] e fazer a voz do Painho?

Chico Anysio: Ah não. É difícil, é muito difícil.

Maria Amélia Rocha Lopes: É impossível? Qualquer personagem?

Chico Anysio: Não, é difícil, mas impossível não é. Mas é difícil, porque o mais difícil... eu, depois de estar vestido dele, na hora do ensaio, já ensaio com a voz. Até o diretor fala: "Não precisa, não faz a voz agora.", mas eu já estou de Azambuja, ali já sou [o personagem].

Maria Amélia Rocha Lopes: Quer dizer, assim, de cara limpa não dá?

Chico Anysio: Assim é difícil. No rádio é um mistério. Eu faço no rádio. Eu faço, eu faço.

Maria Amélia Rocha Lopes: É mais complicado?

Chico Anysio: Eu faço, eu faço. Mas eu me acho... acho que não está legal.

Maria Amélia Rocha Lopes: Está faltando a carinha?

Chico Anysio: É, acho que está em falta a roupa e tal.

Rodolfo Konder: Chico, a sua capacidade de rir começa com capacidade de a gente rir de si mesmo? Por exemplo, você, falando da sua condição de nordestino, você teria dificuldade de fazer piadas com nordestinos, por ser nordestino, ou você acha que a partir dessa capacidade de rir de si próprio, que a gente começa a poder rir dos nordestinos?

Chico Anysio: Mas é. Essa aí é uma das chaves do humor, né? No meu primeiro show, era tudo contra mim, ele era tudo contra mim. Então, eu contava a história da minha vida. Era um monólogo. Eu nasci no Dia dos Pais. O Dia dos Pais é um dia que fica nove meses depois do Dia das Mães. Dia das Mães é nove meses depois do Dia dos Pais. E, quando eu nasci, meu pai dava gargalhadas. Era, de um lado, meu pai rindo, do outro, minha mãe chorando, e no centro eu, nu, em cima da cama, exposto à visitação pública. O dono da fábrica, ambiente capitalista... dono da fábrica dando risada, e a fábrica sofrendo excesso de produção, e o produto humilhado [risos], mas eu nasci, a enfermeira disse para o meu pai: "Nasceu menino.". Meu pai perguntou: "Como ele é?". Meu pai perguntou como eu era. Você vê. O homem não sabe o que faz. E a enfermeira me descreveu: "Ele tem os olhos assim, é assim....", aí o meu pai disse: "Não sei se compro um berço ou uma jaula.". [risos] Era tudo contra mim. O médico não sabia onde me dava palmadas. Três vezes me bateu na testa. [risos] Então, isso é uma chave do humor. Então eu fazia isso, fazia a história do avião de Maranguape...

José Maurício Machline: História do avião?

Maria Amélia Rocha Lopes: Eu sei.

José Simão: Auto-ironia?

Chico Anysio: É isso, isso funciona.

José Simão: Lamartine Babo [(1904-1963) compositor popular brasileiro que transitou por vários estilos musicais até se encontrar no ritmo do Carnaval, fazendo marchinhas conhecidas até a atualidade] tem isso. Quer dizer, todo mundo que faz humor tem essa coisa?

Chico Anysio: Lamartine Babo diz: "Eu não tive voz, eu tive vez.", Lamartine dizia.

José Simão: [...] aquela coisa da magreza. Usava um pijama de uma listra só.

Chico Anysio: Isso.

Maria Amélia Rocha Lopes: Chico, não existe humor em país feliz?

Chico Anysio: Como?

Maria Amélia Rocha Lopes: Não existe humor em pais feliz?

Chico Anysio: Não, não. Não existe humorista sueco [risos], finlandês... não existe, não existe.

Maria Amélia Rocha Lopes: Quer dizer, a desgraça é a base do humor?

Chico Anysio: É a base do humor, a base da arte em si. Os grandes artistas da Renascença [conjunto de transformações culturais e científicas que se iniciaram na Itália, no século XIV, e se expandiram por toda a Europa Ocidental até o século XVI, marcando a ruptura com a estrutura medieval e o início da Idade Moderna], os... Leonardo Da Vinci [Leonardo di ser Piero da Vinci(1452-1519), pintor, escultor, arquiteto, engenheiro, botânico e músico do Renascimento italiano], Michelangelo [Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (1475-1564), pintor, escultor, poeta e arquiteto italiano, reconhecido como um dos maiores criadores da história da arte do Ocidente], todos foram de épocas infelizes em seus países e tal. Quando está tudo bem, não há por que você fazer graça da coisa.

Maria Amélia Rocha Lopes: Quer dizer que você torce para continuar tudo assim?

Chico Anysio: Não, não é que eu torça!. Não, não.

Maria Amélia Rocha Lopes: Não?

Chico Anysio: Não, porque eu tenho mais 15 anos de humor, e em 15 anos não arrumam...

[Risos]

[Sobreposição de vozes]

Rodolfo Konder: Arnaldo Correa.

Maria Amélia Rocha Lopes: Você assiste [a] algum programa de humor na televisão?

Chico Anysio: Se eu assisto?

Maria Amélia Rocha Lopes: À parte o seu?

Chico Anysio: Assisto, eu gosto, eu gosto. Olha aqui, eu gosto muito da Praça [A praça é nossa], eu gostava muito do Programa do Jô, gosto do [programa do] Agildo [Ribeiro]. [No programa] Do Agildo, eu acho que tem boneco demais; já falei com ele [risos]. [Eu gostaria mais de] Um pouco menos de boneco e um pouco mais de Agildo. Eu gosto muito do Agildo, não é?

Maria Amélia Rocha Lopes: Sei. E ele o ouve?

Chico Anysio: Às vezes ouve, às vezes não. Eu já falei com ele: "Agildo, tira o brinco, porque todos os personagens ficam de brinco; não custa nada você tirar um brinco. Tira o brinco na hora de gravar. Gravou, bota o brinco." [e ele me diz:] "Ah é.". Mas ele esquece [risos]. Ele esquece. O Renato [Aragão]... eu sou... faço a supervisão do programa do Renato Aragão. Este ano eu participei da remodelação do programa e estou muito feliz, porque ele está... é o quarto índice [de audiência no ranking] da casa [TV Globo].

José Simão: TV Pirata, você vê?

Chico Anysio: TV Pirata eu vejo pouco, para não ter que dar palpite.

[Risos]

Chico Anysio: Porque TV Pirata foi muito... Eu vou explicar: TV Pirata, eu participei da criação dela, eu fui para lá até com o pé quebrado e tal, e peguei, dos cento e... quase duzentos esquetes, levei para minha casa para separar, para fazer um... para organizar, porque eles não estavam acostumados a esse tipo de trabalho, porque um programa semanal de televisão é um saco sem fundo; você acaba de fazer o programa, bota aqui, quando você olha já acabou; e você faz outro, bota aqui, quando você olha já acabou; você bota já acabou. Então, é um tipo de trabalho que é preciso... há uma prática que eu tenho e que eles não tinham, porque nenhum deles era habituado a isso. Então, eu não queria para mim nenhum louro, nem coisa nenhuma. Estava lá ajudando sem ganhar dinheiro, sem ganhar nada, não tinha um centavo nisso. Aí levei esses disquetes para casa, separei todos: esses aqui são os possíveis, são os impossíveis, os inviáveis, os sonhadores, nenhum foi eliminado. Tá, esses podem ser feitos semanalmente, esses só uma vez por mês... porque, pelo trabalho e tal. Peguei tudo aquilo, ainda me lembro que eu botei, peguei uma tira do Luiz Fernando Veríssimo [(1936-), escritor brasileiro muito conhecido por suas crônicas e textos de humor publicados em jornal], que tinha no primeiro quadrinho, um cara dizendo assim: "O velho sol.". No outro quadrinho, alguém diz assim: "A velha lua.". No outro quadrinho, dizendo assim: "É, tem uma hora que tem que chamar um profissional." [risos] Então, peguei essa tirazinha e botei junto, com um bilhete para o Daniel [Filho] e mandei tudo. Tá. E aí recebi um telefonema [informando] que o Cláudio Paiva [cartunista e roteirista de programas de humor brasileiro] não trabalhava se eu tivesse envolvido, porque ele não queria o meu envolvimento naquilo. Falei: "está bom.". Então não perdi nada, só perdi o tempo de ter... ba-ba-bá, mas aí foi criada uma polêmica, porque eu defendia uma tese de que, se a minha empregada não entender, aí não funciona, porque a minha empregada é um símbolo do país.

Maria Amélia Rocha Lopes: É um bom termômetro, não é?

Chico Anysio: E aí eles começaram, fizeram muitas ironias com isso, que a Cora Rónai [Cora Tausz Rónai (1953-), jornalista brasileira] fez uma crítica contra, que ela era a minha empregada e tal. E, como eles não tinham nada a perder e só quem tinha era eu, porque eles estavam chegando e eu estou... eu já estou, eu achei melhor não ver, porque não vendo eu fico impedido de dar palpite. Eu vi uns três ou quatro. Um dia eu ia jantar, a Débora Bloch [(1963-),atriz brasileira] estava vomitando em cena. Aí eu não jantei mais e acho que não tem a menor graça a pessoa vomitar. Eu acho que vomitar é uma coisa desagradabilíssima. A palavra vômito em si já é desagradável. O gestual do vômito é pior, né? Tudo é ruim. Então, esse tipo de graça não me agrada.

Maria Amélia Rocha Lopes: Agora, quando você vê que a coisa está mais ou menos naufragando, porque a impressão que está dando é que não funcionou muito bem, a TV Pirata...

Chico Anysio: Não, acho que...

Maria Amélia Rocha Lopes: O que você sente?

Chico Anysio: O erro maior da TV Pirata, eu acho...

José Simão: Acho que os tipos são muito bons.

Chico Anysio: Eu acho o seguinte...

José Simão: Acho os tipos...

Chico Anysio: O elenco é muito bom.

José Simão: É.

Chico Anysio: O diretor também, né? O elenco é ótimo e o diretor, admirável. O Guel [Guel Arraes, nome artístico de Miguel Arraes de Alencar Filho (1953-), cineasta e diretor de televisão brasileiro] é um craque. Mas eu acho que o erro um do programa é que não é um programa de humor, é um programa de patota. E uma turma que faz o programa... e ele tinha que ser um programa dos jovens do humor. Então, ali tinha, além dos que estão, tinha que estar Estela Miranda, Estela Freitas, Cláudia Gimenes, tinha que estar o Felipe Pinheiro, tinha que estar Pedro Cardoso; vamos usar os comediantes novos, todos do país, cinqüenta [comediantes jovens].

José Simão: Mas, no humor, não tem esse negócio de nova geração, velha geração, né? Porque o humor é soberano. Não sei se você acha isso...

Chico Anysio: Acho também.

José Simão: ... que ele não tem isso de...?

Chico Anysio: Não, mas [foram] eles que criaram isso.

José Simão: Certo, é.

Chico Anysio: Eles que criaram essa... porque eles tiraram... o Brandão Filho era deles. O Brandão Filho, o Walter D'Ávila, o Milton Carneiro era deles; Paulo Silvino [(1939-) humorista com atuações em diversos programas, entre os quais a Escolinha do professor Raimundo, entre 1993 e 1995] eles tiraram, não quiseram.

José Simão: Porque essa mistura é super sadia, não é?

Chico Anysio: Eu acho que sim.

José Simão: Como tem na Escolinha.

Chico Anysio: Eu acho que sim.

Maria Amélia Rocha Lopes: Chico,...

Rodolfo Konder: Você é contra o teatro besteirol também, Chico?

Chico Anysio: Não, não, de maneira nenhuma. Não. Inclusive eu tenho redatores importantes do meu programa que são criadores, lançadores: Mauro Hains, Vicente Pereira, gente do besteirol. Acho que besteirol é um estilo, mas eu acho o seguinte: que há... se eu escrever um esquete para a televisão e eu quiser botar no teatro, eu tenho que escrever de novo. E se eu quiser botar num filme, eu tenho que escrever de novo. E se eu quiser publicar, eu tenho que escrever de novo. São linguagens diferentes. Então, não posso pegar o texto do Casseta Popular [revista de humor cujos integrantes se uniram aos escritores do jornal de humor Planeta Diário e formaram a trupe do Casseta e Planeta - eles eram os idealizadores e redatores da TV Pirata] ou do Planeta Diário [tablóide humorístico brasileiro de grande repercussão, publicado entre 1984 e 1992]... ele é muito engraçado lido, mas ele não pode ser posto daquele modo na televisão. Ele tem que ser reescrito. E se ele for para o teatro, de novo, então é esse o trabalho que eu ia fazer, certo? Porque os redatores não tinham prática de televisão.

Oswaldo Mendes: Chico,...

Rodolfo Konder: Chico,...

Oswaldo Mendes: O besteirol lembra muito uma piada esticada, não é não? [...] sensação disso, do chamado teatro besteirol?

Chico Anysio: É o "esquetão" [um esquete ampliado] .

Oswaldo Mendes: O "esquetão", você puxa, puxa, até que o rolo não dá mais.

Chico Anysio: Mas eu acho engraçado. Acho que funciona. Acho que da pé. Eu gosto.

Rodolfo Konder: Chico, infelizmente nosso tempo se esgotou. Nós vamos ter que encerrar o programa. Em nome da TV Cultura, agradeço muito à sua presença aqui, agradeço aos convidados do programa, aos convidados da produção, e esperamos continuar contando com os telespectadores, a audiência, na próxima segunda-feira, quando o Roda Viva vai ser realizado mais uma vez às 21h30. Muito obrigado e boa noite.

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