;

Memória Roda Viva

Listar por: Entrevistas | Temas | Data

Aldo Rebouças

23/2/2004

Com base no exemplo de países europeus, o pesquisador defende o eficiente aproveitamento da água, especialmente sua reutilização e novos métodos de irrigação do solo

Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.

     
     

[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. O entrevistado de hoje do Roda Viva costuma dizer que o Brasil é o único país que combate escassez de água com mais oferta de água. É uma visão crítica sobre as políticas públicas que, em geral, se concentram mais na busca de novas fontes de água sem resolver os problemas que comprometem cada vez mais o abastecimento. Recentemente, com a seca, muita gente ficou sem água. Agora com as chuvas, a escassez continua por várias razões: está chovendo no lugar errado e já não se fazem mais reservatórios como antigamente. A crise da água é o tema do programa desta noite com o geólogo e professor Aldo Rebouças, um dos principais pesquisadores brasileiros em hidrologia e planejamento de recursos hídricos.

[Comentarista]: O professor Aldo da Cunha Rebouças conhece de longa data o que tem de doce, de salgado e de turvo na água brasileira. Ele é formado em geologia no Recife, com mestrado e doutorado em hidrogeologia e recursos hídricos na França. Em 1976, tornou-se professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, onde fez carreira acadêmica e ampliou os estudos e pesquisas sobre recursos hídricos. Autor de quase uma centena de trabalhos e publicações técnicas, o professor participou também da organização e coordenação científica do livro Águas doces no Brasil, um volumoso estudo de setecentas páginas onde ele escreveu três capítulos sobre questões da água e os desafios que ela coloca para governos e sociedades. O Brasil é o país que mais tem água doce no mundo, está cortado por rios perenes que não desaparecem na seca, tem algumas das maiores represas do mundo e a chuva é generosa em 90% do território. 65% dos estados são bem abastecidos de água, 25% têm algum problema localizado e 10% vivem em situação crítica, abandonados pela chuva e pelas políticas públicas. Mas, mesmo quem tem muita água em volta, como o caso de Manaus e Belém, sofre racionamentos frequentes, como sofrem muitas outras cidades, até aquelas onde as chuvas que poderiam melhorar o abastecimento, por ironia, só inundam ruas e não recuperam os reservatórios. São desequilíbrios, contradições e absurdos que ajudam a evidenciar a falta de planejamento e as irracionalidades no sistema.  A água, tão abundante pela própria natureza, pode não faltar porque a quantidade existente no planeta não diminui, ela se recicla, mas a água doce, boa de beber, está ficando escassa, ameaçada pelo mau uso, poluição, desperdício, especulação e descaso. Esta semana, o jornalismo público da TV Cultura se dedica ao tema, com o Roda Viva de hoje e uma série especial de cinco reportagens no Diário Paulista [telejornal da TV Cultura] até sexta-feira. A primeira, já exibida hoje, mostrou situações de mananciais na Grande São Paulo, que, a exemplo de outras regiões metropolitanas, estão comprometidos pela poluição, desmatamento e ocupação urbana descontrolada. Bairros inteiros invadem áreas de proteção e mesmo onde há preocupações com o esgoto, o cuidado não compensa o erro da ocupação indevida. Nos próximos dias, o Diário Paulista vai mostrar como as cidades estão dependendo cada vez mais de águas distantes. São Paulo, por exemplo, precisa da ajuda do rio Jaguari, que nasce em Minas Gerais e vem auxiliar o abastecimento da cidade. No litoral paulista, Guarujá captava a água no rio Jurubatuba, que nasce perto da Serra do Mar. Com o crescimento da população e do turismo, foi preciso buscar água no vizinho [rio] Jurubatuba-mirim, que já não é mais suficiente. A cidade agora vai gastar nove milhões de reais para atravessar o canal com uma adutora e trazer água tratada do rio Cubatão. Mas, a busca de águas de rios também tem o seu lado sujo. O Brasil continua jogando esgoto nos rios, no contra-senso claro e estúpido de sujar a água que se vai beber. Pouco mais de 10% das cidades brasileiras fazem hoje o tratamento de seus esgotos. E as reservas subterrâneas? O Aquífero Guarani, a imensa fonte de água debaixo de oito estados brasileiros e mais Uruguai, Paraguai e Argentina, agora também é fonte de preocupação. O aquífero aflora em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e abastece toda a região com a água pura, resultante da demorada filtragem da água da chuva no solo, mas a sensação de abundância estimulou a perfuração desenfreada e clandestina de poços artesianos e eles se tornaram possíveis pontos de contaminação do lençol subterrâneo. A torneira que hoje está negando a água boa e farta é o alerta mais visível para o uso racional da água, a começar pela própria torneira. O pinga-pinga durante um mês pode encher uma caixa d’água de mil litros. Na rede pública, a falta de atenção e investimentos deixa vazar por canos furados a água que poderia ser usada por milhões de pessoas. Ligações clandestinas em São Paulo, por exemplo, roubam 15% da água produzida pela Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo]. Na irrigação agrícola, o pivô central, o preferido, gasta o dobro da água necessária e no jardim doméstico a mangueira esquecida escorre para o ralo, teima em substituir a vassoura nas calçadas e deixa escapar mais de quinhentos litros de água cada vez que alguém lava o carro sem usar o balde. O desperdício continua persistindo no banho demorado, nas torneiras abertas desnecessariamente em banheiros e cozinhas, nas máquinas de lavar que sempre trabalham em nível mais alto e nos vasos sanitários antiquados que gastam até o triplo da água em relação aos modelos ecológicos. Na ponta final do cano, a torneira, que antes pingava fechada por vazamento, agora já está pingando aberta por escassez.

Paulo Markun: Para entrevistar o geólogo Aldo Rebouças, nós convidamos o Washington Novaes, documentarista, consultor de meio ambiente da TV Cultura e supervisor geral do programa Repórter Eco; Lourival Santana, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo; Ricardo Araújo, coordenador técnico do programa "Mananciais" da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp; Mariana Viveiros, repórter do jornal Folha de S.Paulo; Guido Gelli, diretor de geociências do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]; Gustavo Faleiros, repórter do jornal Valor Econômico. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Boa noite, professor Aldo.

Aldo Cunha Rebouças: Boa noite.

Paulo Markun: Assistindo a essa reportagem, dá vontade de voltar para casa e desistir de tudo. Ela não traz nenhum fato novo, mas o encadeamento das informações sobre o desperdício, poluição, ocupação de mananciais, contaminação do lençol freático, enfim, é assustador. A pergunta é: essa situação tem saída?

Aldo Cunha Rebouças: Tem saída sim, na medida em que a sociedade e o governo tomarem consciência disso e nós tivermos políticas públicas de Estado e não políticas de governo.

Paulo Markun: Qual é a diferença?

Aldo Cunha Rebouças: A diferença fundamental é que a política pública de Estado são políticas de longo prazo, médio prazo, de dez, 15, vinte anos, que passa governo, entra governo e não importa, segue o seu rumo. A política de governo é aquela que visa só o efeito eleitoreiro, tem curtíssimo prazo - de um a três anos - e atende exclusivamente ao efeito eleitoreiro.

Paulo Markun: O senhor enxerga nesse horizonte uma mudança de política de governo para política de Estado?

Aldo Cunha Rebouças: Há uma tendência de a sociedade reagir muito, porque nós tivemos, em 1972, a primeira [Conferência] das Nações Unidas em Estocolmo [Suécia], que era fundamentalmente centralizadora, de controle central. E, vinte anos depois, tivemos a Rio 92, uma reforma do sistema. Todo o mundo desenvolvido percebeu que não podia continuar gastando água como estava e se buscou uma visão de desenvolvimento sustentável, que significa cidadania. Então, na medida em que há um crescimento da cidadania nesse campo, eu creio que é uma saída relativamente tênue, porém positiva.

Washington Novaes: Mas, professor, como a cidadania vai fazer, por exemplo...Vamos pegar o caso específico de São Paulo, que está com inundação e racionamento ao mesmo tempo. São Paulo continua perdendo 15% da água que sai das estações de tratamento e além de tudo, com uma falta brutal de informação. Ninguém explica exatamente o que está acontecendo na questão da água com reservatório baixo na época de chuvas e todas essas coisas. Como é que se vai fazer?

Aldo Cunha Rebouças: Realmente há um impasse muito grande da informação. O detentor da informação, que geralmente é governo ou empresas, precisa ser o mais transparente na comunicação desses fatos, dessas informações, para que a sociedade possa reagir, digerir e produzir um efeito de cidadania dentro do processo.

Washington Novaes: Mas o senhor acha, por exemplo, que hoje existem suficientes informações meteorológicas, de mudanças climáticas localizadas, de mudanças na questão hídrica em função de desmatamento, de uso da terra e de uma porção de fatores? Por exemplo, ninguém explica por que está chovendo no Nordeste cinco vezes mais do que a média. Ninguém dá uma explicação muito satisfatória do porquê de haver mananciais e reservatórios baixos em época de tanta chuva. Não há um déficit de informação?

Aldo Cunha Rebouças: Há uma manipulação de toda informação. Manipula-se a informação e procura-se, de certa forma, tirar proveito dessa informação.

Washington Novaes: Como assim?

Aldo Cunha Rebouças: Eu vejo isso como uma situação extremamente vexatória porque se tem a informação e ela é manipulada. Temos uma tendência a ter uma memória muito curta. Tudo que vem a longo prazo geralmente não interessa ao homem. Mudança global, por exemplo, não interessa muito ao homem porque é de longo prazo, vem devagarzinho.

Paulo Markun: O [aquecimento global], você diz?

Aldo Cunha Rebouças: O aquecimento. É um processo muito lento. Nós tivemos uma mudança climática no mundo que levou cem mil anos. Isso passa muito a vida útil do indivíduo, que só pensa no seu período de vida, cinquenta anos no máximo. Cem mil anos para ele é muito tempo, então ele perde a noção da importância dessa medida.

Washington Novaes: Mas o senhor acha que as mudanças climáticas, tanto globais como localizadas, estão influindo nessa questão?

Aldo Cunha Rebouças: Eu não sei...Não posso te dizer diretamente o que eu acho, pode ser um palpite. Não tenho evidências efetivas de que essas mudanças globais estejam em andamento a ponto de provocar uma mudança tão grande, uma perturbação tão importante. Porém, é necessário considerar que nós temos dados importantes em operação e que são manipulados, como o fato do aquecimento global se extrapolar para o efeito do automóvel, da queima do combustível fóssil. Na realidade, muitas nações do mundo contestam isso porque, mais perigoso que o automóvel, seria a barragem, a grande represa, que está matando muita vegetação.

Lorival Sant’ana: Professor, o que falta a gente saber a respeito dos reservatórios aqui em São Paulo, por exemplo?

Aldo Cunha Rebouças: Aqui em São Paulo está faltando uma comunicação que situe...Por exemplo, o reservatório de Cotia [município do interior de São Paulo] não tem reserva útil, nem tem volume morto.

Paulo Markun: O que quer dizer isso?

Aldo Cunha Rebouças: Volume morto é aquele volume que fica abaixo...Há a reserva útil e abaixo dela fica o volume morto, que seria como a reserva do carro. Quando chega no "vermelhinho" [refere-se ao medidor de combustível dos automóveis], você ainda tem cem quilômetros para rodar, isso é o volume morto. Cotia não tem volume morto: quando bate, é 5% do volume total que ele tem. Já Cantareira [Sistema Produtor de Água Cantareira, maior reservatório de água do estado de São Paulo] tem 30% de volume morto.

Paulo Markun: Por quê? Ele foi construído errado?

Aldo Cunha Rebouças: Foi construído errado e em outras épocas quando não se considerava esse volume morto e esse volume útil. Já Cantareira tem vários reservatórios com volume útil e volume morto. Então, quando nós temos um processo de uso da água, geralmente tomamos medidas de precaução para volume útil e volume morto, como a Cantareira, que tem um volume morto muito grande, de quase 30%. Então, quando se diz “5% da Cantareira”, é volume útil e não volume total, e quando se diz “5% de Cotia”, é volume total, porque não existe volume morto. Então, é necessário informar isso à população e não dar uma de "machão".

Mariana Viveiros: Professor, o senhor acha que, sem esse tipo de informação, a população consegue fazer a sua parte? Assim como o paulistano, imagino que o brasileiro em geral tenha essa cultura do desperdício, de achar que a água não vai acabar nunca, porque o país é cheio de água e tem uma das maiores reservas de água doce do mundo. Como a população pode fazer a sua parte se ela não tem a informação?

Aldo Cunha Rebouças: Não se pode pedir essa informação à empresa de água. Quem tem que fazer isso é o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, que é um conselho político, formado por várias secretarias, inclusive pela Secretaria de Obras e Secretaria de Saúde. Ele precisaria informar à população sobre a diferença fundamental entre volume morto e volume útil, qual é a importância do desperdício e do uso racional da água.

Mariana Viveiros: O senhor acha que só a informação resolve ou precisaríamos de outras ações mais fortes do governo? Não só multar, mas incentivo mesmo, como por exemplo, troca de válvulas de descarga, de equipamentos hídricos, reduzir o preço desses equipamentos para que isso se torne mais acessível, dar um incentivo para que as pessoas troquem suas bacias como, por exemplo, já acontece em outras cidades do mundo, como Nova Iorque?

Aldo Cunha Rebouças: Exatamente. Creio que o povo precisa ter uma demonstração de transparência do governo, que as empresas de governo sejam transparentes e que haja estímulo. Ninguém vai quebrar um banheiro sem um estímulo, trocar uma bacia sanitária sem estímulo. Esse estímulo foi dado pelo Canadá em 1981, quando se criou o Programa Nacional de Uso Racional da Água. Por dez anos, o Canadá reembolsava bacias sanitárias que eram trocadas. As antigas eram de 18, vinte litros e e eles recebiam bacias de cinco litros. Cada um que chegava no banco apresentava sua fatura e tinha um bônus na companhia de água. Ele pagava enquanto ia usando a água...

Washington Novaes: A Cidade do México fez isso também, né?

Aldo Cunha Rebouças: Sim, é necessário haver programas de estímulo. As pessoas têm que ter multa também. Você compra um carro muito sofisticado e está lá o velocímetro marcando 240 quilômetros por hora. Ninguém passa em uma rua nessa velocidade. Todo mundo corre e as barreiras eletrônicas estão lá. Todo mundo regula, diminui a velocidade porque não se pode passar na rua a mais de trinta por hora, por exemplo, em determinada barreira eletrônica. E, se passar mais, perde a carteira, a carteira é cassada ou ela recebe uma multa muito pesada. Então, assim nós deveríamos ter castigos para quem não sabe usar, e prêmios e estímulos para quem sabe usar.

Guido Gelli: Professor, nós temos duas perspectivas de cobrança. Uma delas é para o usuário. Nós vemos frequentemente o desperdício de água - sem botar culpa em ninguém, vamos todos assumir essa culpa - mas lavar calçadas, varrer calçadas com mangueiras de água...Enfim, até eu como síndico, como usuário, e não como produtor de água, canso de insistir com os porteiros da redondeza. Como nós sabemos que isso não pesa no bolso dessas pessoas que estão executando, então é difícil. Quer dizer, no dia em que pesar como pesa no bolso o custo com energia elétrica, por exemplo, é claro que as pessoas vão tomar um cuidado maior. Nós tivemos um exemplo em 2001, que foi a crise de energia [crise energética]. Fizemos uma cobrança maior pelo uso acima de um patamar de energia elétrica e houve um contingenciamento efetivo na economia. No caso da água, nós precisaríamos, primeiro, ter investimento do governo colocando relógios em todos os domicílios abastecidos. O fato é que não há relógios.

Ricardo Araújo: Nós temos relógio em 100% dos domicílios.

Guido Gelli: No Rio de Janeiro temos só relógios condominiais, nos prédios.

Washington Novaes: Mas não existem [relógios] por apartamento, nos edifícios?

Ricardo Araújo: Por apartamento não! Aí é uma questão da construção civil, não é que a concessionária simplesmente impede isso. Na verdade, não temos nenhuma posição contra.

Guido Gelli: Mas temos relógios no condomínio, esse que é o problema. Em um edifício com trinta, quarenta domicílios, a água é rateada por todos os moradores, diferentemente da energia elétrica. Por onde deveríamos começar? O poder público deve colocar esses relógios em cada apartamento, em cada economia abastecida, para que cada um pague devidamente o preço justo pela água.

Washington Novaes: Além disso, se o senhor me permite acrescentar, há uma diferença muito grande entre uma faixa de tarifas e outra. Não há estímulo. A pessoa economiza um pouco e continua na mesma faixa, não há redução significativa em função de faixa.

Aldo Cunha Rebouças: É, realmente isso é muito problemático. Outro dia eu estava fazendo uma entrevista para um canal de televisão e ensinando o pessoal sobre a necessidade de cada um fazer economia de água. Uma senhora de Guaianases [distrito da cidade de São Paulo] disse: “Professor, eu gostei muito da sua entrevista, mas eu quero que você me responda uma coisa: como eu vou fazer economia se eu saio às oito horas da manhã e volto às oito horas da noite, gasto água à toa, só consigo consumir quatro metros cúbicos e, não obstante, a companhia me faz pagar dez?”. Aí eu digo: “Bom, realmente é um fato que a gente precisaria reestudar”.

Washington Novaes: Dez [metros cúbicos] é o mínimo, né?

Aldo Cunha Rebouças: É o mínimo. Então, uma outra senhora ligou e disse: “Moro sozinha no apartamento, eu saio às oito horas da manhã e volto às oito horas da noite. Meu vizinho de cima tem dez pessoas em casa, com piscina e tudo, e eu pago a mesma taxa que ele”. É o rateio do condomínio. Então, realmente falta uma visão do condomínio de que esse processo não é correto, não é justo. Eu estou impondo a uma senhora uma tarifa de água que ela não consome nunca em benefício de outro, que consome muito mais do que a tarifa dela.

Mariana Viveiros: Mas é muito difícil fazer hidrômetros individuais em apartamentos que já estão construídos, né? Para os novos, já existe uma legislação que obriga...

[sobreposição de vozes]

Guido Gelli: Não é difícil, na entrada de cada apartamento você coloca um relógio.

Aldo Cunha Rebouças: Não é difícil, porque isso já foi conseguido na luz. Antes havia um contador de luz comunitário, agora é individual. Da mesma maneira, a água pode ser individual. Depende muito do síndico querer ou não assumir o compromisso de fazer isso.

Mariana Viveiros: Não é uma grande obra?

Aldo Cunha Rebouças: Não é uma grande obra e não há um grande impedimento. É questão de economia, de bolso.

Lorival Sant’ana: E o preço da água em si, professor? Mesmo nessas coisas individuais, como lojas, também se gasta muita água porque eles acham que a água é barata, não se preocupam com preço. Por outro lado, para as pessoas pobres, a água é cara. A experiência da privatização na África, nos países pobres, acabou privando as pessoas de água. A lógica do mercado também é complicada de ser aplicada na água. Como dosar tudo isso?

Ricardo Araújo: Não esquecendo que boa parte da população que atendemos é de baixa e baixíssima renda...

Guido Gelli: Você pode, para um consumo mínimo, não taxar [a água]. A partir de um determinado consumo...

Aldo Cunha Rebouças: [interrompendo] Nós tivemos uma segunda Reunião Mundial das Águas em Haia [cidade sede do governo holandês], na Holanda. Nessa reunião, se estabeleceram três cenários muito interessantes. O primeiro cenário é o da crise, do desperdício atual. O segundo cenário é de desenvolvimento sustentável e o terceiro é da cidadania. Verifica-se o seguinte: é necessário que as políticas públicas considerem esses cenários. Há regiões do Brasil onde é impossível pensar em estabelecer Comitês de Bacias [Hidrográficas] [Esse comitê é um órgão colegiado que debate questões referentes à gestão das águas e bacias em diversas regiões. Entre os objetivos, estão: articular entidades, aprovar e acompanhar a execução de planos de recursos hídricos, estabelecer mecanismos e valores de cobrança pelo uso da água. São compostos por representantes do poder público, usuários da água e organizações com ações na área de recursos hídricos], por exemplo, para operar. No Norte do Brasil, é impossível pensar que um estado como Amapá vai ter que apresentar um plano de água sob pena de não ter acesso ao recurso que o governo dispõe. É necessário que o habitante de Fortaleza tenha um outro comportamento com relação ao habitante de Porto Alegre, por exemplo. Agora, o que vamos encontrar é o mesmo desperdício em Porto Alegre e em Fortaleza.

Washington Novaes: Pois é. Por falar em desperdício, o senhor tem falado com freqüência que as grandes cidades brasileiras desperdiçam de 40% a 50% de água, em média. Agora, os bancos oficiais brasileiros não financiam sistemas de conservação da rede de manutenção, só financiam obras novas de captação, novas barragens, novas adutoras, novas estações de tratamento, e isso, pelo que eu tenho visto, custa cinco a sete vezes mais do que conservar a água. Por que não se tem uma política pública que leva os bancos a financiar a conservação da água, e não a geração de água nova? É para favorecer as grandes empresas de construção?

Aldo Cunha Rebouças: Talvez...Mas também, fundamentalmente, porque a sociedade aceita.

Washington Novaes: Mas ela nem sabe!

Aldo Cunha Rebouças: Mas ela precisa saber! E ela tem como se informar disso e defender seus interesses, seus direitos, e não ficar nesse “Ora, veja, pois é...”, pois é o quê? Nós temos que reagir a essa situação, porque o político faz aquilo você quer, que o eleitor quer. Se o eleitor se deslumbra com ponte, ele faz ponte, se ele se deslumbra com viaduto, ele faz viaduto, se ele se deslumbra com estrada, ele faz estrada, se ele se deslumbra com encanamento de água, ele faz encanamento de água.

Ricardo Araújo: Professor, só um pequeno aparte, uma pergunta. Isso não tem a ver com a desestruturação institucional do setor de saneamento no Brasil? Ele já foi mais estruturado. Quando ele foi estruturado, nas décadas de  setenta e oitenta, havia muito financiamento para controle de perdas. O BNH [Banco Nacional da Habitação, banco público criado para financiar empreendimentos imobiliários no Brasil. Foi extinto em 1986] financiava isso, havia uma linha de crédito importante para isso. A partir do momento em que o setor foi se desmoronando, o BNH foi extinto e suas funções transferidas para a Caixa Econômica Federal, esse tipo de política foi esmaecendo até praticamente se findar. Não sei se é uma explicação apenas na linha do que o senhor está colocando, mas talvez essa questão institucional seja muito importante.

Washington Novaes: Mas os desperdícios não diminuíram.

Ricardo Araújo: Os desperdícios dependem muito da região. Eles são menores em algumas regiões. São menores na região metropolitana de São Paulo e são maiores em outras regiões metropolitanas que eu não vou citar.

Washington Novaes: Em Recife é 70%.

Ricardo Araújo: Certamente é bastante grande.

Aldo Cunha Rebouças: Realmente, existe uma coisa muito importante a ser vista: é a empresa de água. A gente não pode cobrar da empresa de água que ela tenha a ética da "raposa que toma conta do galinheiro".

Ricardo Araújo: Mas, por favor, não me coloque na posição de raposa porque eu me sinto...Eu não quero vestir essa carapuça.

[risos]

Aldo Cunha Rebouças: É necessário que a gente tenha uma consciência de que não se pode exigir da empresa de água...Eu estive agora no Japão e é muito diferente a situação. Você chega no hotel cinco estrelas, escuta a água, [alguém] lavando as mãos, caindo em algum lugar e você olha que [a água] está no tanque de descarga, caindo na caixa de descarga, é o reuso de água que eles estão estimulando. Um amigo meu, que vai lá para o Japão, voltou apavorado com o custo de água, pagava mais de água de banho do que a diária de hotel, porque a diária de hotel não inclui o custo da água. Então, é necessário a gente ver isso...Quando estive em uma reunião de um programa de TV, disse que a solução de São Paulo era o banho coletivo. Permaneço ainda em mente com o banho coletivo, como se faz na Inglaterra.

Ricardo Araújo: O senhor vai armar uma guerra com as pessoas mais conservadoras...

Aldo Cunha Rebouças: Mas é necessário. Agora, não pode deixar o sabão cair!

[risos]

Paulo Markun: um programa de TV, o Big Brother [programa da Rede Globo, onde um grupo de pessoas fica isolado em uma casa sendo filmado 24 horas por dia, disputando um prêmio], que mostra que o banho já é coletivo. [risos] De repente, é isso que o senhor está dizendo. Nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o geólogo Aldo Rebouças e discutindo a crise da água. Luís Homero Câmara Medeiros, aqui de São Paulo, pergunta o seguinte: “Como resolver de forma sustentável o problema da seca do Nordeste considerando vários exemplos de áreas desertificadas ou semi-áridas em todo o mundo em que tal problema foi resolvido?”. E pergunta também qual é a opinião do senhor sobre a transposição do rio São Francisco [ver Roda Viva sobre Debate Transposição do Rio São Francisco].

Aldo Cunha Rebouças: Bom, começando pela última pergunta dele, a transposição das águas do rio São Francisco é uma falácia, porque não se leva água para a região que evapora muito.

Washington Novaes: E nem para a região onde estão as pessoas que sofrem com as secas.

Aldo Cunha Rebouças: Exatamente. É necessário haver uma mudança de política. Não é mais possível continuar combatendo escassez com maior oferta. E trazer água do rio São Francisco...

Paulo Markun: [interrompendo] Eu queria que o senhor explicasse essa frase porque ela fica parecendo um paradoxo. Quer dizer, “combater a escassez com maior oferta” às vezes funciona, pois se há falta de comida e se dá comida, a pessoa engorda.

Aldo Cunha Rebouças: Às vezes funciona. Ou então ensinar a pessoa a comer.

Paulo Markun: Sim, mas o que significaria? Com a quantidade de água que existe no Nordeste é possível resolver o problema?

Aldo Cunha Rebouças: É possível resolver o problema desde que haja uso e conservação da água, e não como está hoje.

Washington Novaes: O senhor disse no seu livro que o único estado brasileiro em situação crítica em matéria de água é Pernambuco. Ele usa mais de 20% da água superficial. Os outros estados podem ter situações localizadas, mas não têm uma situação crítica. É isso?

Aldo Cunha Rebouças: Isso mesmo. O pernambucano seria praticamente o cidadão brasileiro mais pobre de água. Mas é equivalente a um alemão...Por que o alemão tem aquela exuberância do ponto de vista tecnológico e econômico? Porque sabe usar a água. Você vai na Alemanha, a água é um recurso competitivo importantíssimo e que ninguém desperdiça. Já em Pernambuco, tivemos uma visita de uma empresa americana para fazer a privatização da Companhia de Água de Pernambuco. Ela considera que não há viabilidade nenhuma porque o problema de lá não é de água, é de uso. É de deficiência do uso...Sabendo usar a água, ela não vai faltar.

Washington Novaes: Agora, há 17 milhões de pessoas no Nordeste que realmente sofrem com uma estiagem, mas a solução é localizada, né? Quer dizer, é com cisternas [tecnologia popular para a captação da água da chuva], poços, não é com transposição de água.

Aldo Cunha Rebouças: Não é com transposição de água, exatamente.

Washington Novaes: A transposição é para favorecer grandes projetos de irrigação e exportação?

Aldo Cunha Rebouças: Exportação, o grande mercado, e não o pequeno mercado.

Gustavo Faleiros: E por falar em exportação e irrigação, como unir essa questão de crescimento econômico via agricultura, que é um dos nossos maiores potenciais, e o uso racional de água? Os países mais ricos, ao passo que se desenvolvem, usam mais água do que os mais pobres. Como resolver essa questão?

Aldo Cunha Rebouças: Fundamentalmente na base de “sabendo usar não vai faltar” porque nós não podemos pensar...O Brasil é um país maravilhoso porque todo dia brilha um sol em qualquer lugar deste país. Esse é a fonte fundamental da fotossíntese [fundamental para a sobrevivência de todos os seres vivos da Terra, é o processo pelo qual a planta sintetiza compostos orgânicos a partir da presença de luz, água e gás carbônico. Os organismos fotossintetizantes capturam a energia solar e a transformam em energia química], que gera o alimento. Além disso, temos muita água. A associação de muito sol e muita água gera uma fotossíntese imbatível em termos de produção de alimentos para o mundo. E o brasileiro, lamentavelmente, passa fome. Por quê? Por razões políticas, não há uma política adequada de uso e conservação de água, de recursos hídricos e de alimentos. Quando se vai fazer, por exemplo, a salvação do Nordeste, 1%, 2% da superfície do Nordeste seria irrigável. É impossível pensar em salvar uma região com 1%, 2% da sua superfície. E vai produzir grão para quem? É necessário que a pessoa tenha uma visão efetiva do mercado que está atendendo. Eu não posso pensar em fazer arroz no Maranhão gastando 21 metros cúbicos por hectare por ano quando eu gastaria apenas quatro mil com manga, acerola ou outra fruta.

Mariana Viveiros: Mas também há desperdícios na irrigação?

Aldo Cunha Rebouças: Muito desperdício. 93% do Brasil utiliza os métodos menos eficientes de irrigação, que são espalhamento superficial [distribuição da água se dá pela gravidade, por meio da superfície do solo], pivô central [tubulação recebe a água de um dispositivo central, chamado de ponto do pivô, se apóia em torres metálicas triangulares. As torres movem-se continuamente por dispositivos elétricos ou hidráulicos, fazendo movimentos concêntricos ao redor do ponto do pivô] e canhão [aspersor é utilizado manualmente e irriga grandes áreas].

Washington Novaes: Uma vez, o senhor deu um dado impressionante. Falou que se evitássemos 10% do desperdício da água com a irrigação, poderíamos abastecer o triplo da população brasileira.

Aldo Cunha Rebouças: Exatamente. Isso é dado das Organização das Nações Unidas [ONU]. A Organização Mundial da Saúde [OMS] é que estabelece esse parâmetro.

Washington Novaes: Por que não se proíbe o pivô central se existem métodos muito mais eficientes como o gotejamento [água é levada por tubos e distribuída na superfície do solo em regiões pontuais]  e a microaspersão [método de irrigação localizada em que a água é distribuída por microaspersores próximos ao sistema radicular das plantas]?

Aldo Cunha Rebouças: Porque os bancos só financiam o pivô central, que é proibido na Europa, na Espanha. Os bancos estrangeiros vêm aqui para financiar o pivô!

Guido Gelli: Por que razão?

Aldo Cunha Rebouças: Por razão meramente de falta de informação. O banco estrangeiro tem 2% de juros ao ano e empresta aqui a 12% ao mês. Então, essa política financeira está matando o Brasil todinho.

Paulo Markun: O Fabiano Ternato, que é de Salvador, na Bahia, é estudante de geografia e observa o seguinte: “Sendo a agricultura a atividade que mais utiliza água, o senhor seria a favor de o setor sofrer maior taxação?”. Eu acrescento o seguinte: como se taxar a água de um sujeito que tira a água do regato [pequena corrente de água] do fundo da propriedade dele?

Aldo Cunha Rebouças: [risos] Exatamente, exatamente...Não se pode fazer essa mecânica simples de taxar mais a água de irrigação porque ele gasta mais. Gastaria mais se tivesse água, mas ele não tem água, nem faz irrigação porque não tem água.

Paulo Markun: Mas como diminuir esse desperdício de irrigação?

Aldo Cunha Rebouças: Privilegiar a irrigação mais eficiente, o uso eficiente da água, estimular isso, mas não taxar diretamente.

Mariana Viveiros: O senhor acha que a cobrança pelo uso da água é um instrumento válido para a irrigação? Isso seria um "estímulo"?

Aldo Cunha Rebouças: A cobrança pelo uso da água é instrumento de gerenciamento e não de fluxo de caixa. Lamentavelmente, a maioria do pessoal pensa na cobrança como fluxo de caixa e é necessário entender que ele é importante como um instrumento de gerenciamento. A pessoa só vai considerar a água se pagar alguma coisa por ela. O que dói no bolso vai para a consciência.

Washington Novaes: O senhor também não pode controlar a irrigação mudando a legislação sobre a outorga [concessão] de água?

Aldo Cunha Rebouças: Pode, exatamente.

Washington Novaes: Quer dizer, haverá outorga da água se não usarem pivô central e usarem um método mais eficiente...

Aldo Cunha Rebouças: Se usarem um método mais eficiente, mais razoável para aquela região...Por exemplo, no Norte, ali em São Francisco, na Bahia, nós tivemos a oportunidade de ver os pivôs centrais gastando cento e tantos metros cúbicos por hora de um poço, esgotando completamente o sistema. Ele irrigava café. Nós fizemos um estudo aqui no nordeste de São Paulo, onde o café só é viável de ser irrigado se for densamente plantado, a cana é irrigada se for densamente plantada. Você não pode plantar cana e café com o espaçamento do tempo dos escravos.

Washington Novaes: Mas talvez valesse a pena a gente dar um dado, que é o seguinte: um pivô central que irriga cem hectares - que é a média dos pivôs centrais - consome tanta água quanto uma cidade de trinta mil habitantes.

Aldo Cunha Rebouças: Exatamente. E, quando um país importa soja, ele está importando água. Portanto, o compromisso com a água é mundial.

Washington Novaes: São 1,3 mil litros [de água] para produzir um quilo de soja.

Aldo Cunha Rebouças: Um quilo de soja!

Gustavo Faleiros: Professor, no Fórum de Kyoto [refere-se ao III Fórum Mundial de Água, realizado na cidade japonesa de Kyoto, em março de 2003] do ano passado muito se falou sobre esse consumo virtual de água, que um boi consumiria mil litros de água para produzir um quilo de carne...

Washington Novaes: [corrigindo] 15 mil litros de água.

Gustavo Faleiros: É impressionante...O senhor acredita que essa consciência de que uma coisa que demanda muita água ou uso irracional não deve ser comprada possa chegar ao consumidor ou ao comprador final?

Aldo Cunha Rebouças: Vai chegar e isso já ocorre no grande mercado do mundo desenvolvido. Esse tipo de raciocínio também vai chegar para nós. Ninguém está isento, isolado do grande mercado.

Washington Novaes: O senhor acredita que a carne vai passar a custar muito mais, na proporção do volume de água que ela consome?

Aldo Cunha Rebouças: O boi vai ter uma taxação muito mais alta e os produtos agrícolas vão encarecer por conta da água que consomem.

Lorival Sant’ana: Professor, mudando de assunto, até porque eu não sei se o rio Tietê é água...Como o senhor vê a política do governo para o rio Tietê, a maneira como o problema está sendo resolvido ou não está sendo resolvido? [refere-se ao Projeto Tietê, criado pelo governo do estado em 1991 para despoluir as águas]

Aldo Cunha Rebouças: O problema do rio Tietê é muito complicado. Eu tive recentemente uma visita de um japonês que vinha fiscalizar as obras e ele pediu para eu apanhá-lo no aeroporto. E eu disse: “Entre a sua última viagem e esta, qual é a diferença que o senhor observa?”. Ele disse: “Já pintaram as pontes!”. 

[risos]

Aldo Cunha Rebouças: Quer dizer, é necessário informar a população...Não podem continuar jogando lixo e entulho no rio Tietê. Se a população não for informada, não houver uma campanha muito séria de informação, a população vai continuar entregando o seu lote completamente limpo, tudo vai para rio Tietê.

Lorival Sant’ana: E o esgoto?

Aldo Cunha Rebouças: O esgoto? Vamos ver o seguinte: Santana do Parnaíba [município da região metropolitana de São Paulo] sofria, em todo final de semana, aquela ameaça de sepultamento pelas espumas tóxicas. Isso simplesmente porque, no serviço público, quando chega sexta-feira, o cara fecha a bodega dele e não há mais fiscalização e controle. A indústria e a população jogam toda a tranqueira que acumularam durante a semana no rio.

Ricardo Araújo: Mas controle de quê?

Aldo Cunha Rebouças: Controle de esgotos.

Ricardo Araújo: Mas quem é o órgão controlador, no caso? O senhor está se referindo à Sabesp ou Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo]?

Aldo Cunha Rebouças: Eu não estou me referindo a ninguém, eu não quero...É que estão exigindo a "raposa ética".

Ricardo Araújo: Eu continuo não vestindo a carapuça de raposa aqui no nosso debate. [risos]

Aldo Cunha Rebouças: Talvez a Cetesb, talvez um órgão de controle ambiental é que deveria estar controlando o lançamento dos esgotos e afluentes no rio Tietê. Se a gente não tiver uma consciência de que não pode jogar o esgoto, não vai haver condição nenhuma de recuperação do rio Tietê.

Ricardo Araújo: Agora, professor, não só a questão do projeto do rio Tietê, mas também o saneamento do rio, não se resolvem de forma muito lenta? Não é uma questão processual que se resolve ao longo de muitos anos? Nós temos uma região metropolitana de São Paulo com 18,5 milhões de habitantes. Não é uma região metropolitana de malha urbana moderna, não é uma região metropolitana rica, nós não estamos em um país desenvolvido, nós temos todos os tipos de desigualdades sociais e desorganização urbana. Então, trabalhar para reverter prejuízos que se acumularam ao longo de muitas décadas não é um processo longo?

Aldo Cunha Rebouças: Muito longo, mas é preciso não perder de vista o seu objetivo, insistir, persistir e não desistir.

Washington Novaes: Mas como se fazer isso, professor? Vamos entrar na questão da Política Nacional de Saneamento [as diretrizes nacionais para o saneamento básico foram estabelecidas pela Lei 11.445, promulgada em 2007]. Nós continuamos tendo, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], sete milhões e meio de domicílios sem uso de água. Temos quarenta milhões de pessoas sem rede de esgotos e fossas, 84% dos esgotos não têm tratamento. Eu fiz até uma conta aqui: 84% dos esgotos sem tratamento significa um despejo de 21,4 bilhões de litros de esgoto por dia nos rios brasileiros. Bom, a Política Nacional de Saneamento não anda, está parada no Congresso Nacional, volta e meia fazem uma modificação. Agora, se fala que para resolver o déficit, são necessários 180 bilhões de reais e isso será feito no âmbito desse novo projeto do PPP, Parcerias Público-Privadas [lei sancionada em dezembro de 2004, que dá oportunidade para ampliar a participação do setor privado na provisão de serviços, em especial no setor de infra-estrutura, potencializando ganhos de eficiência e desoneração dos contribuintes]. Mas, quem vai pagar esgoto para pobre? Pobre não tem dinheiro para pagar implantação de rede de esgoto. Na parceria com empresas privadas, a empresa vai querer ser paga, não vai fazer isso para perder dinheiro. Como resolver isso?

Aldo Cunha Rebouças: O governo teria que investir mais nesse setor. Nós pagamos hoje 30% do PIB [Produto Interno Bruto] de impostos.

Washington Novaes: Quase 40%.

Aldo Cunha Rebouças: Quase 40% do PIB é pago em impostos, sem nenhum retorno. É necessário haver o retorno adequado, a população precisa disso, o governo precisa se conscientizar disso e acabar com esse problema de tópicos, piscinão ali, piscinão acolá e drenagem feita...

Washington Novaes: [interrompendo] Tem piscinão que não adianta! Aricanduva [distrito de São Paulo] tem piscinão.

Aldo Cunha Rebouças: Eu fui à Itapecerica da Serra [município da região metropolitana de São Paulo] para ver uma enchente violenta lá, com um piscinão cheio de lixo. A população joga esse lixo no riacho ou é o poder público que não coleta [o lixo]?

Washington Novaes: 20% do lixo brasileiro não é recolhido.

Aldo Cunha Rebouças: O fulano corta a árvore e deixa a tranqueira no solo ou na calçada para que a enxurrada leve. Depois, vem uma empresa contratada para fazer a coleta no dia seguinte, três ou quatro dias depois...

Washington Novaes: Imagine se não houvesse o catador de lixo que recolhe...

Aldo Cunha Rebouças: Se não houvesse catador de lixo, seria um caos.

Mariana Viveiros: Mas então o senhor acha que a entrada de capital privado nesse setor de saneamento é temerária? Quer dizer, não vão contratar esgoto porque quem vai pagar? Tratar esgoto é o mais caro, é a justificativa que as companhias dão para não tratarem. E não é pago, não está na tarifa.

Aldo Cunha Rebouças: Isso é errado porque tratar esgoto significa saúde.

Mariana Viveiros: Sim, mas o senhor acha que o capital privado no setor de saneamento seria temerário até para a questão da saúde pública?

Aldo Cunha Rebouças: Se eu tivesse dinheiro, eu não investiria no Brasil, eu investiria fora, em outro país.

Mariana Viveiros: Não é o que as empresas francesas pensam.

Washington Novaes: Não há uma contradição nisso? Se há necessidade de se investir 180 bilhões e não há dinheiro para isso...A iniciativa privada entra para uma grande parte disso mas o governo vai ter que pagá-la, porque ela não vai ficar sem receber. Se ele fizer por conta dele, não sai mais barato?

Aldo Cunha Rebouças: Em tese sim, mas praticamente não. Isso porque governo é perdulário [gasta excessivamente] e está acostumado com o desperdício. O serviço público não tem preocupação nenhuma com recursos e aparecem as facilidades, os "CPFs" da vida, que são as comissões por fora.

[risos]

Aldo Cunha Rebouças: Isso não é Cadastro de Pessoa Física, é "comissão por fora", CPFs que sobem muito e geram esse desperdício muito grande.

Guido Gelli: Mas há alguns setores do governo que reverteram, acho que é possível reverter. Se cobrarem uma tarifa justa de água e a tarifa de esgoto associada... E se não cobrarem da população...Ou seja, é possível não cobrar até uma determinada quantidade de água distribuída e cobrar a partir daí e gradativamente, cada vez mais, pela quantidade consumida e fazer uma tarifa de esgoto como é hoje, proporcional à tarifa de água. Quanto ao investimento, eu discordo do senhor, me perdoe. Estamos lançando em 22 de março, no Dia Mundial da Água, o Ato Nacional de Saneamento e o que nós verificamos é que realmente existe uma demanda muito grande de investimento nesse setor. O governo prometeu 4,5 bilhões de reais nesse ano, sem contingenciamento, mesmo reconhecendo uma necessidade mínima de seis a oito bilhões, mas 4,5 bilhões investidos nessa área já é uma quantidade razoável de recurso. Eu acho que, com investimento no setor e essa parceria público-privada, poderemos ter algum retorno. Eu volto até àquela questão anterior: o que nós devemos é ter uma cobrança efetiva em cada domicílio, cada residência, para que cada um seja responsável pelo custo daquela água que é desperdiçada e, a partir daí, fazer a cobrança de tarifa de esgoto. A partir daí, vamos ter todos os processos, como o de reutilização [da água]. Na Alemanha, se faz a reutilização. É claro que a população da Alemanha tem uma consciência bastante distinta da nossa com relação a isso. As cidades brasileiras planejadas são voltadas para o rio, nós nos habituamos a construir a cidade de frente para rua e usar o rio como vazador de lixo. O rio Carioca, no Rio de Janeiro, ninguém sabe onde passa...Ele deu origem ao nome do habitante da cidade, abasteceu durante muitos anos a população do Rio de Janeiro e hoje foi todo coberto, virou um tubo de esgoto. Mas, enfim, eu acho que se não tivemos no passado essa consciência, acho que a teremos quando pudermos cobrar por esse serviço, é uma demanda muito grande de...

Aldo Cunha Rebouças: [interrompendo] O fato de você ser otimista me deixa extremamente satisfeito.

Ricardo Araújo: Mas será que nós não temos algumas razões para o otimismo? Eu fico imaginando se quando nós focamos a  atenção em determinado assunto de uma maneira muito crítica, não mostramos também uma incrível incapacidade de verificar certas vitórias. O senhor disse que o setor público é muito perdulário e eu estarei longe de ser alguém que discordará disso, mas eu lembraria o seguinte: em relação ao setor de saneamento, pegando um dado do IBGE de 1960, nós tínhamos uma população em torno de trinta e poucos milhões de habitantes com 44% dessa população urbana atendida com água. De lá para cá, nós subimos esse atendimento de uma tal forma que, no ano 2000, pudemos dizer que agregamos 110 milhões de novos usuários ao sistema público de água, que dá duas vezes a população da Itália. Isso é uma vitória. E aí, no caso, foi uma vitória do setor público. Há um monte de derrotas, mas há vitórias também. O que eu gostaria de ver é se nós não conseguimos ter uma posição mais equilibrada sobre perspectivas para o futuro em relação a todos os enroscos que identificamos aqui.

Aldo Cunha Rebouças: Eu sou otimista nesse ponto porque eu vejo o seguinte: pagamos 40% do nosso PIB em impostos, mas não temos retorno muito adequado disso. Vemos que o dinheiro não falta, nós temos dinheiro, o governo tem dinheiro. Mas, ele precisa gastar esse dinheiro adequadamente, investir, controlar, para poder usufruir mais desse dinheiro.

Washington Novaes: Estamos pagando muitos juros, 8% do PIB em juros.

Ricardo Araújo: 145 milhões [de reais] de juros.

Guido Gelli: O senhor disse que eu sou otimista, mas eu não sou. Estou me referindo aos investimentos que foram feitos no setor de comunicação, de telefonia. Lembremos como era difícil conseguir uma linha! Rapidamente, em dez anos...

Aldo Cunha Rebouças: [interrompendo] Todo mundo, todo moleque tem o seu celular.

Guido Gelli: Mas nós cobramos! É um serviço pago da mesma maneira que a distribuição de energia elétrica. Hoje, temos um serviço razoável que atende a um percentual razoável da população. Não é 100% como deveria ser, principalmente nas áreas rurais, mas porque é um serviço pago.

Paulo Markun: É que nenhum dos dois dá ali na esquina...Talvez a diferença seja essa. A água, é só o sujeito pegar no rio que está tudo resolvido.

Washington Novaes: Eu também não sei se é preciso ter algum investimento a fundo perdido. A Mariana levantou a questão dos investimentos em esgotos. Na Europa e Estados Unidos, grande parte dos investimentos em tratamento de esgoto é de fundo fiscal, não é da tarifa das companhias. Aqui no Brasil há uma certa crença, por desinformação, que as companhias têm que arcar com isso. A Sabesp faz um esforço enorme, mas não é possível estender isso para outros estados.

Washington Novaes: Mas elas cobram. Na tarifa de água, que é paga, uma parte se destina à questão do esgoto.

Ricardo Araújo: Mas as empresas que operam na França, Inglaterra, Estados Unidos, também cobram. Além disso, há o aporte de recurso fiscal. Aqui a gente não discute isso até porque nosso garrote fiscal é enorme.

Washington Novaes: Aqui temos um outro problema, que é o judiciário. O judiciário não permite cobrar tarifa sobre tratamento de esgoto a não ser que o serviço seja medido, avaliado consumidor por consumidor. É por isso que cobram 20% em média para os esgotos...

Paulo Markun: Bem, eu queria pedir licença a vocês. Vamos fazer um rápido intervalo e voltamos já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite discutindo a crise da água com o geólogo Aldo Rebouças. Professor, temos duas perguntas aqui relacionadas com águas subterrâneas. João da Silva, de Ribeirão Preto, que se declara pedreiro, pergunta o que o senhor acha das empresas que utilizam água subterrânea e se existe uma lei que proíbe esse uso. E Evanildo Aguiar da Silva, que manda a sua pergunta pela internet, faz uma consideração: “Os Estados Unidos pressionam para militarizar a região da América do Sul e romper o eixo Brasil-Argentina para uma nova agenda geopolítica em que está em jogo a maior reserva de água doce do mundo, o chamado Aquífero Guarani. Depois do petróleo, será essa a próxima guerra?”.

Aldo Cunha Rebouças: A primeira pergunta é...

Paulo Markun: Se existe uma lei que proíbe o uso de água subterrânea e o que o senhor acha das empresas que utilizam isso.

Aldo Cunha Rebouças: Existe uma lei no estado de São Paulo que determina...É o seguinte: todas as águas [subterrâneas] do Brasil, a partir de 1988, são públicas...

Paulo Markun: O dono é o DNPN [Departamento Nacional de Produção Mineral]?

Aldo Cunha Rebouças: Não, o DNPN coordena apenas as águas subterrâneas que são engarrafadas.

Washington Novaes: É a Agência Nacional de Águas [ANA - Vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, foi criada para implementar e coordenar a gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos e regular o acesso a água, promovendo o seu uso sustentável], né?

Aldo Cunha Rebouças: A Agência Nacional de Águas passaria a ter uma coordenação desse processo de águas subterrâneas.

Paulo Markun: Mas essa é aquela agência que não pegou, né?

Aldo Cunha Rebouças: Agência Nacional de Águas é a agência que está patinando muito para pegar, porque é uma agência nova, recém-criada, é única agência criada pelo governo e está tendo muito dificuldade em participar do processo porque a lei estabelece que as águas da União são prioritariamente vendidas com recursos que revertem para a União...

Washington Novaes: A Agência Nacional de Águas tem hoje um orçamento anual inferior ao que ela recebe das hidrelétricas pela utilização da água, ou seja, ela está hoje contribuindo para o ajuste fiscal, para as economias que o governo faz para pagar juros.

Ricardo Araújo: Ela tem crédito junto ao Tesouro Nacional.

Aldo Cunha Rebouças: Exatamente, porque ela está patinando muito por conta...A lei federal diz que toda a água deveria ser cobrada nas bacias da União, os recursos gerados seriam revertidos prioritariamente às bacias que deram origem. Já as leis estaduais - quase todos os estados têm leis estaduais, 24 estados já têm leis - estabelece que as águas teriam obrigatoriamente recursos que seriam aplicados nessas bacias que deram origem.

Paulo Markun: Quer dizer, há leis demais e aplicação de menos.

Aldo Cunha Rebouças: Lei demais e aplicação de menos. E [são leis] confusas dentro do seu processo, porque geram uma dificuldade muito grande de entendimento.

Washington Novaes: Recentemente houve uma polêmica enorme via internet no Brasil quando se realizou um congresso no qual se discutia a questão do Aquífero Guarani. Muita gente dizia que os caminhos estão sendo abertos para a privatização das águas do Aquífero Guarani e que isso seria um crime contra a nacionalidade. O pessoal que está trabalhando nisso ficou indignado, há muita gente séria trabalhando nisso. Qual é a sua visão dessa questão?

Aldo Cunha Rebouças: A visão fundamental é que nós precisamos aprender a usar a água subterrânea, inseri-la no sistema de gerenciamento de água no Brasil. Hoje nós temos um processo extremamente danoso de apropriação indevida.

Washington Novaes: Poços clandestinos?

Aldo Cunha Rebouças: Poços clandestinos não controlados. São Paulo tem cerca de 12 metros cúbicos por segundo produzidos pelo poços clandestinos não controlados.

Paulo Markun: Só para entender, esses poços clandestinos ficam onde? Como o sujeito faz?

Aldo Cunha Rebouças: A maioria dos poços da Grande São Paulo são todos de hotéis de luxo, hospitais e prédios de apartamentos.

Ricardo Araújo: Postos de gasolina também?

Aldo Cunha Rebouças: Postos de gasolina.

Washington Novaes: A região de Ribeirão Preto tem muitos, Londrina também.

Aldo Cunha Rebouças: Londrina é 100% abastecida por poços em um processo ainda muito difícil. Não são poços. Na verdade, são buracos de onde se extrai água. Aí cria-se uma situação muito difícil porque não há controle de lixo, não há controle de industrialização, de uso e ocupação de solo.

Washington Novaes: De agrotóxico que se infiltra...

Aldo Cunha Rebouças: De agrotóxico, que podem agredir o Aquífero.

Mariana Viveiros: É engraçado porque eu já vi matérias em que o próprio DAE [Departamento de Água e Esgoto], que cuida dos poços, fala: “Existem X poços clandestinos”. Mas, se eles sabem que isso existe, não são eles que têm que ir lá, fechá-los e tomar uma providência com relação a isso?

Ricardo Araújo: É uma estimativa parecida com aquelas de contrabando, são sete mil poços ativos e 1,3 mil com outorga, regulares e aí se estima um número. Não há uma base firme.

Washington Novaes: Porque não há controle.

Paulo Markun: Nunca vi notícia de poço clandestino fechado.

Aldo Cunha Rebouças: Não há nenhum poço clandestino fechado, não há nenhuma penalidade exercida pelo mau uso da água ou a contaminação por conta de agrotóxico colocado na água, ou varrendo a calçada com mangueira, ou lavando carro com mangueira. Não existe nenhuma penalidade.

Washington Novaes: A própria outorga de água é uma ficção, a outorga é concedida...Cada um tem direito a cem litros por segundo. Mas, ninguém vai lá para ver se estão usando cem litros ou não.

Mariana Viveiros: Mas, se fechassem os poços clandestinos, São Paulo não ia ter água para abastecer as pessoas que usam os poços clandestinos, né? São 12 metros cúbicos por segundo, 12 mil litros. De onde vão tirar água para isso?

Ricardo Araújo: Essas estimativas variam um pouco, há quem estime um pouco menos, sete ou nove mil litros...

Aldo Cunha Rebouças: A última avaliação é que existem sete mil poços. Que sejam dez, mas o crime é o mesmo.

Mariana Viveiros: E não haveria água do mesmo jeito?

Aldo Cunha Rebouças: Não, do mesmo jeito.

Mariana Viveiros: Se fossem dois mil litros por segundo também não haveria?

Aldo Cunha Rebouças: Não haveria, não há controle.

Mariana Viveiros: E como se faz o controle se você não tem alternativa para abastecer as pessoas?

Aldo Cunha Rebouças: Está faltando inserir essa água de reuso. A Sabesp deveria partir para uma visão de uma empresa fornecedora de água potável de primeira qualidade para consumo humano e água de reuso, de qualidade não controlada. O resfriamento de torre de uma indústria não precisa ter água potável. Irrigar o gramado de campo de futebol do São Paulo não precisa ser com água potável.

[...]: Nem do Corinthians?

Aldo Cunha Rebouças: Nem do Corinthians! Não precisa ser água potável, então [a Sabesp] deveria estimular esse reuso de água porque é um maneira muito interessante de ela ter um rendimento, faturamento de outra atividade.

Washington Novaes: Há estados que já votaram a cobrança pelo uso da água. Por exemplo, o Paraná votou, só que deu isenção para praticamente todo mundo.

Aldo Cunha Rebouças: Para todos os agricultores, pelo menos.

Washington Novaes: Agricultores, industriais.

Aldo Cunha Rebouças: Exatamente.

Washington Novaes: Aqui na Assembléia [Legislativa] de São Paulo há proposta de isenção para vários setores também.

Aldo Cunha Rebouças: Vários setores industriais. No Paraná, o que ocorre? Está havendo a penalidade do mercado, o produto agrícola que é produzido no Paraná não pode ser vendido em São Paulo, porque em São Paulo, em princípio, não haveria problema de cobrança de água. Não há isenção específica. Então o mercado criou regulamentos que colocam uma certa ordem no processo.

Guido Gelli: Se houver um custo efetivo, um preço justo a ser pago, dá para medir a água para irrigação, pelo menos, dos grandes consumidores. Na área agrícola, o caminho seria o quê? A cobrança?

Aldo Cunha Rebouças: Seria a cobrança para ajustar. E também daria o suporte financeiro para as despesas de trazer gente e tecnologias novas que deveriam ser adotadas...

Paulo Markun: Por falar nisso...

Aldo Cunha Rebouças: ...e questões de uso do dinheiro que seria gerado pelo processo.

Guido Gelli: Se cobrar, o pessoal passaria a regar gramado com água reutilizada, mesmo no prédio, como se faz na Alemanha e outros países. Os próprios edifícios tratam e reutilizam a água - não do esgoto sanitário bruto, mas água de pia - e fazem a captação da água de chuva.

Paulo Markun: Por falar em novas tecnologias, faz sentido a gente pensar na ampliação do sistema de tratamento de esgoto convencional em cidades que tem 40%, 50%...Vivo em Florianópolis, que é à beira mar, que vive do turismo, que não tem 50% do esgoto captado. As casas, os edifícios, têm fossas que contaminam o lençol freático e, em muitos lugares, contaminam o oceano que está ali do lado. Portanto, a praia fica imprópria. Faz sentido pensar na tecnologia tradicional de puxar um cano que vai coletando todos os esgotos e vai parar numa estação enorme de tratamento a não sei quantos quilômetros dali e depois aquela água tratada sai para um lançador oceânico, alguma coisa assim?

Aldo Cunha Rebouças: Em princípio, há alternativas tecnológicas no mundo e lá fora não se faz isso.

Washington Novaes: Tratamento localizado, né?

Aldo Cunha Rebouças: Tratamento localizado.

Paulo Markun: As companhias não fazem e nem o governo financia, nada disso?

Aldo Cunha Rebouças: As pessoas fazem com investimentos próprios, mas são compensadas. No Canadá, todo mundo faz isso, mas é compensado. É aquela história: quem é autônomo recebe um prêmio, porque é uma pessoa que gera riqueza e não depende do poder público.

Washington Novaes: Aqui, as grandes empresas construtoras resistem inclusive ao sistema de esgoto condominial, que é no mínimo 40% mais barato. É exatamente por isso que elas resistem.

Aldo Cunha Rebouças: Resistem porque é mais barato.

Ricardo Araújo: No caso da Sabesp, nós aplicamos - é meio complicado falar para o telespectador porque ele não sabe o que é uma rede coletora condominial - mas nós aplicamos a experiência aqui [em São Paulo]. Ela teve êxito em Natal, Rio Grande do Norte, mas aqui nós tivemos problemas como a mobilidade das pessoas. As pessoas mudam muito, as relações comunitárias são um pouco mais frouxas. Há mais impessoalidade em São Paulo, é uma discussão um pouco longa...Mas, eu não diria que nós, na Sabesp, estamos absolutamente fechados a qualquer inovação que nos leve à redução de custo, muito pelo contrário.

Washington Novaes: Brasília, que não é muito diferente, tem hoje esgoto condominial. Ele [existe] em praticamente todo o Distrito Federal.

Washington Novaes: Aqui em São Paulo nós tivemos uma experiência muito negativa. Resolvemos não reaplicá-la, embora haja tentativas aqui e ali.

Aldo Cunha Rebouças: O que eu vejo é o seguinte: nós precisamos pensar a Lei das Águas, Lei 9.433/97 [criou a Política Nacional de Recursos Hídricos], como uma lei que não engessa o sistema. O fulano da Amazônia não precisa ficar preso à Lei, fazendo exatamente o que ela determina, mas ajustando o que se pode fazer na região. Bacias que são esculpidas em terrenos sedimentares têm uma descarga de base muito grande, têm aquíferos importantes. O Comitê de Bacias [Hidrográficas] precisa ter criatividade para criar situações e não ficar engessado pela lei federal. Há uma verdadeira dificuldade. Precisamos tomar liberdade de falar isso, porque, de maneira geral, a cultura do brasileiro é o "Deus que garante tudo, que dá água, que garante tudo". Nossa legislação não reforça direitos, mas reforça prêmios. Você tem direito à água na medida em que souber usá-la.

Washington Novaes: Mas, na própria legislação nacional, por exemplo, no Conselho Regional de Recursos Hídricos, o setor hidrelétrico tem mais representantes do que a sociedade toda noConselho.

Aldo Cunha Rebouças: Porque talvez eles sejam mais permeáveis à chamada desse conselho, acreditem demais nesse conselho. E vão dominá lo.

Washington Novaes: Tanto dominam que, por exemplo, na votação nacional da Lei Nacional de Recursos Hídricos, as hidrelétricas passaram a pagar pela inundação, como se fosse uso da água. São duas coisas completamente diferentes, mas elas conseguiram.

Gustavo Faleiros: Nesse aspecto, o senhor vê avanços nos comitês de bacias como instrumento de gestão?

Aldo Cunha Rebouças: Alguns comitês estão indo muito bem e outros indo muito mal. Uns estão complicando muito o processo e outros estão favorecendo, melhorando e achando saídas para o processo. O que não podemos fazer é pensar o Brasil de Brasília. O Brasil é muito heterogêneo, é muito grande, tem climas muito variados, bacias variadas, bacias esculpidas em terreno sedimentado, rios temporários, rios perenes, tem de tudo. E a gente precisaria ter uma legislação que atendesse a todas as variações de características que existem no país.

Washington Novaes: Quais são os que vão bem, professor?

Ricardo Araújo: Quais são os que vão mal?

Aldo Cunha Rebouças: O Comitê [da Bacia Hidrográfica] do Alto Tietê vai muito mal. Eu conheço bastante o Alto Tietê...Ele iria muito bem porque tem a maior massa crítica de pessoas informadas dentro do sistema, participando.

Washington Novaes: Por que vai mal?

Aldo Cunha Rebouças: Vai mal porque é engessado pelo sistema, não permite participação da [sociedade] civil, que é completamente desconsiderada no comitê.

Mariana Viveiros: Ele é dominado politicamente pela prefeitura de São Paulo, por exemplo?

Aldo Cunha Rebouças: Exatamente, é dominado politicamente e ideologicamente.

Guido Gelli: A questão é conjuntural? O senhor está criticando o modelo de comitês de bacias como um todo ou é uma questão específica do Alto Tietê?

Aldo Cunha Rebouças: É conjuntural do Comitê do Alto Tietê. Se ele mudasse algumas coisas...

Washington Novaes: O Piracicaba [refere-se ao Comitê de Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí] vai bem?

Aldo Cunha Rebouças: Sim, vai bem. O [Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio] Paraíba do Sul deveria ir melhor se houvesse uma sintonia da legislação federal com a legislação estadual, porque há uma confusão muito grande com relação ao uso, ao pagamento e aplicação dos recursos gerados pela cobrança.

Washington Novaes: Mas o Comitê de Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí já cobra pelo uso da água.

Aldo Cunha Rebouças: Já cobra pelo uso da água e houve uma dificuldade muito grande em transformar aquela associação de usuários em comitê de bacia. Mas hoje já aceitaram o comitê.

Washington Novaes: E como vai se resolver essa disputa entre o Comitê de Piracicaba e São Paulo? São Paulo usa trinta mil metros cúbicos por segundo dessa bacia. Eles não querem mais ceder. E o contrato vence este ano, em agosto.

Aldo Cunha Rebouças: Talvez o comitê não renove.

Washington Novaes: E se não renovar, o que vai acontecer?

Aldo Cunha Rebouças: Se não renovar, a cidade de São Paulo vai "dançar" e vai ter que pagar muito mais caro pela água.

Ricardo Araújo: É possível fazer isso? Nós retiramos metade da água que São Paulo bebe dessa bacia e essa é uma situação que existe há trinta anos. A outorga vence em agosto. Nós vamos partir para o apocalipse? Não vamos ter a renovação da outorga da água e de repente, da noite para o dia, ficamos sem metade da água que São Paulo bebe, é esse o quadro? Ou em negociações vai se chegar a uma situação mais razoável?

Aldo Cunha Rebouças: Vamos chegar a uma situação adequada.

Washington Novaes: Mas pode diminuir, por exemplo, a outorga.

Aldo Cunha Rebouças: Pode diminuir e já está diminuindo muito. Temos grandes obras feitas no Alto Tietê com vistas a compensar o que estamos tirando de Piracicaba.

Ricardo Araújo: Mais ou menos.

Paulo Markun: Denise Bernardes da Silva, paulistana, acadêmica de direito ambiental, queria saber o que está sendo feito em termos de políticas públicas relacionadas ao sistema de captação de água da chuva. Existe alguma política pública sobre isso?

Aldo Cunha Rebouças: Nada que eu conheça.

Paulo Markun: Poderia ajudar?

Aldo Cunha Rebouças: Poderia ajudar muito.

Paulo Markun: Que tipo de coisa poderia ser feita?

Washington Novaes: Mas São Paulo já tem uma legislação para obras novas...

Aldo Cunha Rebouças: Mas não são políticas públicas federais, como ela estava perguntando. Existem algumas regiões que têm políticas públicas como no Ceará, como aqui em São Paulo. Isso está em operação, porém...

Paulo Markun: Na vida prática das pessoas, isso significa o quê? O que significa o sujeito captar água da chuva na casa dele?

Aldo Cunha Rebouças: Um abatimento muito grande na sua conta de água.

Paulo Markun: Essa água é usada onde?

Aldo Cunha Rebouças: Descargas, lavagem de pátios e até para beber, se houver preocupação com a manutenção da sua qualidade.

Paulo Markun: O que a pessoa precisa fazer para captar a água da chuva?

Aldo Cunha Rebouças: Ter um reservatório.

Paulo Markun: São questões muito estratosféricas, importantíssimas para a vida das pessoas, mas elas não sabem.

Aldo Cunha Rebouças: Precisam fazer um reservatório que possa coletar essa água da chuva.

Washington Novaes: E é uma contribuição enorme para não agravar o problema da inundação, porque isso retém a água.

Aldo Cunha Rebouças: Agora,  precisaria de um reservatório para acumular essa água de chuva...

Washington Novaes: No Japão, é obrigatório.

Aldo Cunha Rebouças: Todos os edifícios com mais de quinhentos metros de água de superfície implúvia são obrigados a ter um reservatório.

Mariana Viveiros: É a mesma lei aqui de São Paulo, mas a construção civil alega que fazer uma piscininha encarece muito os imóveis...Acham que é uma lei que não vai pegar.

Aldo Cunha Rebouças: Eu sei, mas falta o estímulo, falta o governo criar um instrumento de estímulo, porque ou abate o imposto, ou diminui na conta, mostra que tem uma economia muito grande na conta da água. Mas, ninguém pergunta isso à Sabesp, porque não é ela que vai responder.

Gustavo Faleiros: É melhor estimular ou punir?

Aldo Cunha Rebouças: É melhor estimular do que punir e a Sabesp não deve ser perguntada sobre isso, porque seria exigir que ela tivesse ética o suficiente para "tomar conta do galinheiro". Ela vende água, como ela vai...

Mariana Viveiros: Mas a Sabesp é uma empresa cujo maior acionista é o governo do estado. Ela vive dizendo que responde ao governo do estado e à Secretaria de Recursos Hídricos. Talvez também seja o caso de o governo do estado fazer valer o seu...

Aldo Cunha Rebouças: [interrompendo] Valendo a situação de que ela é uma estatal importante no estado de São Paulo.

Washington Novaes: Qual é a sua posição a respeito da privatização de abastecimento de água? Isso é uma polêmica no mundo inteiro.

Aldo Cunha Rebouças: Eu acho que nós não precisamos de privatização no sentido de transformar água em mercadoria. Não há recursos, nem gente, nem capacidade.

Washington Novaes: No mundo já são seiscentos milhões de pessoas abastecidas por sistemas privatizados.

Aldo Cunha Rebouças: Mas eu acho que o Brasil não precisa participar dessa "dor de parto", não tem esse parto, ele tem muita água e barata.

Guido Gelli: Essas empresas como a Sabesp, Cedae [Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro], são empresas muito grandes, criadas na época dos governos autoritários militares, que centralizavam muito. Em toda concessão de investimentos se dava só uma contrapartida e os municípios eram obrigados a fazer os convênios. Na verdade, o problema é que são muito grandes e têm também, talvez, um vício de origem, que é juntar a mesma empresa de saneamento e tratamento de esgoto à empresa que trata e vende a água.

Ricardo Araújo: Mas isso é uma coisa tradicional no mundo.

Guido Gelli: Minha pergunta é se a municipalização é um caminho. Eu estou tentando entender...A crítica que o senhor faz à Sabesp é a crítica que nós todos fazemos à Cedae, no Rio de Janeiro, e a todas as companhias de saneamento. Não quero dizer que é uma crítica aos governos, é talvez uma crítica ao modelo. Será uma crítica ao modelo?

Aldo Cunha Rebouças: Ao modelo, talvez, porque muitas dessas empresas não têm sequer a concessão do município  mas exploram o serviço.

Ricardo Araújo: A Sabesp, por exemplo, opera o serviço na capital do estado porque nunca uma empresa municipal, uma organização municipal fez isso. O serviço sempre foi estadual desde 1885, ou seja, há 120 anos. Se hábitos e costumes valem alguma coisa, isso deveria ser ponderado. Eu faria uma observação, complementando talvez a pergunta do Guido, mas em uma outra direção: 43% da população brasileira urbana mora em regiões metropolitanas com mais de um milhão de habitantes. Quando tínhamos um serviço público municipal, não tínhamos regiões metropolitanas desse porte. Quando falamos em municipalização, será que nós não estamos tirando da agenda pública aquele tema que nunca entra, que é a questão metropolitana? Eu diria o seguinte: o que a Sabesp faz...Francamente, nós não gostamos de ser colocados no mesmo cesto que outras companhias que não funcionam tão bem quanto nós. Achamos que funcionamos razoavelmente bem. Mas, no caso da Sabesp, por exemplo, ela atua na região metropolitana de São Paulo e em vários municípios. Há municípios que têm características sociais e há outros com outras características sociais. Há municípios que são ricos, têm um mercado bom de trabalhar e há municípios que são muito ruins. Uma coisa é trabalhar em município como São Paulo, São Bernardo [do Campo], que têm uma arrecadação muito grande, têm renda média grande, ainda que tenham bolsões de pobreza. Outra coisa é trabalhar em municípios metropolitanos como Francisco Morato e Carapicuíba, que são municípios paupérrimos. Evidentemente, a gente faz o cruzamento de receita tirada de um lugar e transfere para outro lugar de forma que a gente atenda uma malha urbana que seja apenas uma. Boa parte das divisões entre os municípios é fixa. Se a gente parte tudo isso, como faz?

Guido Gelli: Na geração e distribuição de energia elétrica acontece a mesma coisa, em telefonia é a mesma coisa, em comunicações...E há como partir e dividir, é só colocar...

Ricardo Araújo: [interrompendo] Para o setor de telecomunicações, se criou uma companhia com sede no Rio que atende o Rio de Janeiro, boa parte do Sudeste e todo o Nordeste, para conseguir escala de mercado. Sem escala de mercado, o que se faz?

Washington Novaes: Mas no caso do saneamento, o Congresso [Nacional] não consegue definir a questão sobre a quem cabe a concessão nas regiões metropolitanas porque os municípios querem ficar com ela para privatizar, vendê-la para uma empresa privada. Também há a questão da interligação do sistema, como é que se faz no momento em que se decidir que é municipal? O sistema é interligado, o esgoto é interligado, a água é interligada, tudo é interligado e há esse nó legal que não se resolve no Congresso. Essa discussão está lá há dez anos  e não se resolve.

Ricardo Araújo: E não temos política federal para regiões metropolitanas, isso é um assunto místico na agenda pública, embora 43% da população urbana brasileira viva em regiões metropolitanas com mais de um milhão de habitantes. Eu estou desconsiderando regiões metropolitanas com menos população que isso.

Guido Gelli: Mas a crítica é o modelo, né?

Aldo Cunha Rebouças: A crítica é o modelo.

Guido Gelli: É claro que, à primeira vista, a Sabesp se sentiu ofendida, como se estivéssemos comparando...

Ricardo Araújo: [interrompendo] Não, ofendida não...

[sobreposição de vozes]

Aldo Cunha Rebouças: Temos que mudar o modelo da cultura, a concepção de muitas coisas. Por exemplo, quando o governo federal quis fazer a transposição do rio São Francisco, ele encalhou logo no problema de não haver um comitê de bacia. Aí ele criou o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco [em 2001]. Eu sou contra esse comitê de uma bacia que tem a dimensão da França. O problema do Alto São Francisco não tem nada a ver com o Baixo São Francisco.

Guido Gelli: Estamos terminando agora de fazer todo o mapeamento do Brasil, o mapa de bacias hidrográficas até a terceira ordem, afluente do afluente do afluente, e estamos com bancos de dados associados, com o senso agropecuário, do residente,  o lançamento de esgoto com informações da pesquisa nacional de saneamento básico. Mais uma questão do modelo: esses comitês funcionariam até segunda, terceira ordem? Claro que não dá para pensar no comitê do rio Amazonas, rio Solimões, rio São Francisco...mas e subcomitês de bacias?

Aldo Cunha Rebouças: Subcomitês de bacias, sim. O Projeto Áridas, que é o projeto mais rico de avaliação de recursos hídricos do Nordeste, chegou a identificar cinco subcomitês de bacias do rio São Francisco, que seriam parceiros, porque não se pode pensar em uma gestão que abranja do Alto [São Francisco] até o Baixo [São Francisco], é impossível.

Mariana Viveiros: Mas o exemplo dos subcomitês de São Paulo não é muito bom, né?

Aldo Cunha Rebouças: Não, não é muito bom. Alguns funcionam, outros não. Não funcionam por razões circunstanciais, mas em tese deverão ser mantidos.

Mariana Viveiros: Devemos insistir no modelo?

Aldo Cunha Rebouças: Devemos insistir.

Paulo Markun: Nosso tempo está acabando, eu queria fazer uma última pergunta que mereceria, na verdade, um programa inteiro. De alguma forma, pode ficar a sua resposta, ainda que sintética, como uma referência para que continuemos a pensar nessa questão. A pergunta é de Luis Antônio Evangelista de Andrade: “O senhor não acha que se continuarmos discutindo a questão da água, como toda temática ambiental, sem levar em conta a natureza da sua escassez, que é resultado do modelo de desenvolvimento alocado no modo de vida urbano, industrial e capitalista, a gente está sendo simplista ou até retórico?”.

Aldo Cunha Rebouças: Eu não sei...Tenho minhas dúvidas quanto a esses modelos capitalistas, porque nós não temos um capitalismo. Tentamos um capitalismo mas não chegamos a ele ainda, estamos em uma fase de transição para um capitalismo ou para um socialismo. Eu acho que o Brasil tem uma dificuldade muito grande de se encaixar dentro do modelo por conta disso: fase de transição, nem é capitalista e nem é socialista, é socialista no pensamento e capitalista nas ações. Isso cria uma situação muito difícil de ser administrada em um debate como esse que está propondo.

Paulo Markun: Muito obrigado pela sua entrevista, muito obrigado aos nossos entrevistadores, a você que está em casa. Nós voltaremos na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite, com uma imperdível entrevista com o compositor Paulo César Pinheiro. Ela foi gravada hoje. Você não pode perder. Uma ótima semana e até lá.

Sobre o projeto | Quem somos | Fale Conosco