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Luiz Carlos Bresser Pereira: Boa noite.
Heródoto Barbeiro: Ministro, estamos todos aqui atentos para ouvir as explicações e respostas do senhor. A questão fundamental ainda é a estabilidade dos funcionários públicos de uma maneira geral. Ultimamente, a gente tem ouvido a substituição do fim da estabilidade pela flexibilização da estabilidade. Gostaria que o senhor nos explicasse a diferença entre uma e outra e como o senhor está sendo recebido pelos próprios funcionários públicos federais?
Heródoto Barbeiro: Ministro, vou passar a palavra ao Ricardo Setti, mas antes eu queria que o senhor respondesse rapidamente o seguinte: [entre] esses quatro partidos que o senhor citou, que o senhor já conversou, o PT [Partido dos Trabalhadores] estava no meio ou não?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, o PT não estava.
Heródoto Barbeiro: Ricardo Setti, por favor.
Ricardo Setti: Ministro, eu acho que, em uma entrevista como esta, é muito útil a gente tentar levantar alguns exemplos. O jornal O Estado de S. Paulo de domingo trouxe alguns exemplos de barbaridades inacreditáveis que acontecem em alguns estados, sobretudo, o Espírito Santo, onde há marajás da Polícia Militar ganhando 150 mil reais por mês como oficiais aposentados. Eu queria perguntar ao senhor: até agora, nesse um mês de governo, que tipo de barbaridades semelhantes ou algo do gênero o senhor detectou na administração federal?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Nada semelhante a isso, a não ser uma coisa que não fui eu que detectei - quem detectou foi o Reinhold Stephanes [economista e político brasileiro, então deputado federal pelo estado do Paraná], que é relativa à Polícia Militar do Rio Grande do Sul, onde existem 22 coronéis na ativa e trezentos e tantos como aposentados. É uma relação absolutamente escandalosa, todos sendo pagos pelo cidadão contribuinte, que paga toda essa gente que não trabalha. A outra coisa que me impactou muito, também ainda na área da aposentadoria, foi o fato de que os pobres - isso também são dados do Reinhold Stephanes - se aposentam, em geral, com sessenta, 62 anos, os empregados rurais se apresentam com 62 anos em média, hoje. Enquanto isso, a classe média de funcionários públicos, especialmente, se aposenta em média com cinquenta anos. Há muito professor se aposentando com quarenta, 43, 45 anos.
[...]: Com aposentadoria integral, ministro?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Integral e mais alguma coisa, não é só integral. Integral mais 10%, às vezes chega a 20%. Em toda parte do mundo, a aposentadoria é sempre uma fração do salário que a pessoa ganhava no final, o que é muito razoável.
Marcelo Parada: Gostaria de introduzir aqui mais um tema para a gente falar sobre estabilidade.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Sim, vamos lá.
Marcelo Parada: O senhor como ex-aluno do Largo São Francisco [refere-se à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo] deve ter estudado direito administrativo...
Luiz Carlos Bresser Pereira: Claro.
Marcelo Parada: É claro que todo mundo é a favor da introdução de critérios de eficiência no serviço público. Agora, o instituto da estabilidade, assim como do concurso público, não é feito para preservar o funcionário, mas para preservar o interesse da sociedade, para que um governante não empregue quem ele quiser e não demita, por ventura, um inimigo político. Ou seja, não é mais importante antes de discutir o final da estabilidade, discutir porque que são aprovados os "trens de alegria" de forma absolutamente vergonhosa? A Constituinte de 1988 aprovou um monte de gente que entrou pela porta dos fundos no serviço público. Não seria esse o melhor começo para a conversa?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Mas eu não tenho dúvida nenhuma!
Ricardo Setti: Deixe-me só pegar uma carona nessa pergunta...Por que não propor uma emenda constitucional mais ou menos no seguinte sentido: funcionário público só pode ser nomeado por concurso, sem exceção nenhuma. Isso aí já começa a resolver.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Mas isso já existe. A Constituição brasileira...
Ricardo Setti: [interrompendo] Mas nem cargo de confiança.
[...]: Nem ministro de Estado?
Luiz Carlos Bresser Pereira: [risos] Aí não dá, os cargos de confiança em toda parte do mundo têm que ser ocupados por pessoas que vêm de fora, senão ficaria uma coisa absolutamente fechada...
Ricardo Setti: [interrompendo] Os profissionais mesmo, pega os profissionais!
Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu anunciei na semana passada - e todos os jornais deram - que eu estou reservando 65% dos cargos da administração federal para os funcionários públicos. São os cargos chamados DS-1, DS-2 e DS-3. Não dá para reservar ainda os DS-4, DS-5 e DS-6, porque são os cargos de confiança mesmo. Agora eu quero voltar aqui à sua pergunta. Acho que essa forma de enfrentar os problemas, Marcelo, é desviar dele, quer dizer, ao invés de enfrentarmos esse problema de estabilidade vamos enfrentar outros problemas. Não há dúvida de que a Constituição de 1988 fez uma barbaridade e essa barbaridade foi tornar quatrocentos mil funcionários, que eram celetistas [CLT - Consolidação das Leis do Trabalho], de repente por obra e graça de um “espírito santo”, em funcionários estáveis e com direito à aposentadoria integral, além de poderem tirar o seu Fundo de Garantia por Tempo de Serviço [FGTS] que tinham até aquela data. Isso foi uma violência contra o contribuinte brasileiro, que está pagando fortemente esse privilégio. Mas isso já foi feito e para desfazê-lo é extremamente difícil, se não é impossível. Agora, o que nos interessa, quando se fala em reformar o Estado, é fazer um Estado que, daqui para frente, seja melhor. Inclusive, algo que é discutível é se o funcionário público, que hoje é estável, tem direito adquirido ou não. Minha impressão - eu não sou jurista - é que ele tem direito adquirido, de forma que se nós mudarmos o estatuto da estabilidade na Constituição, se nós tirarmos essa estabilidade rígida e a tornarmos flexível - já eu explico do que se trata, isso não vai mexer em tantos interesses atuais, mas vai abrir uma perspectiva para que o Estado vá se tornando, aos poucos, muito mais eficiente. Haverá uma quantidade enorme de pessoas se aposentando nos próximos cinco anos, será necessário fazer concurso, porque todo mundo entra no Estado hoje por concurso público. Com isso, poderíamos ter uma administração muito mais eficiente. Aí você diz: “Não, mas a estabilidade foi pensada para defender o Estado, defender a função pública contra os interesses de pessoas que podem ser prejudicadas por elas”. Exatamente, essa é a idéia que justifica a estabilidade para aquelas funções que são especificas do Estado. Eu não tenho dúvida nenhuma de que é preciso haver o direito à estabilidade para o juiz, o promotor, o delegado de polícia, o fiscal de Imposto de Renda e o militar. Não há dúvida de que essas pessoas que exercem funções específicas do Estado devam ter a garantia...
Pedro Cafardo: [interrompendo] Diplomata o senhor não inclui, ministro?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Diplomatas também! Eles devem ter a garantia da estabilidade. Agora, os demais, que exercem funções extremamente semelhantes às funções que são feitas no setor privado, eu acho difícil você justificar. Mas aí vem uma outra coisa e isso é importante: "Quando mudar o governo, poderá haver derrubadas". No Império, havia derrubada, mudava o ministério, mudava o partido político, e se demitiam todos os funcionários ou uma boa parte deles. Agora, isso no Brasil, pelo menos em nível federal e na maioria dos estados, já não é mais possível. Administração pública é um negócio sério, respeitável, está entranhada na sociedade. Vejam, por exemplo, quando houve a transição do regime autoritário para o democrático em 1982 nos estados...Aqui em São Paulo, no governo Montoro, para quem eu trabalhei, não houve nenhuma derrubada de funcionários e havia muitos que não eram estáveis na época. Em 1985, a transição do autoritarismo para a democracia foi em nível federal e não se mandou ninguém embora...Agora, em Brasília, está havendo a transição de um governo do PTB [Partido Trabalhista Brasileiro] para um governo do PT e não está havendo derrubada nenhuma. Agora dizem: “Mas pode acontecer isso em municípios pequenos”. Admito que possa, mas há essas reformas da Constituição que flexibilizam...Eu vou explicá-las daqui a pouco, não tive tempo de explicar o que é a flexibilização da estabilidade...Quer dizer, essas reformas interessam profundamente aos estados e aos municípios. Você imagine o município que teve um prefeito populista, que achava que precisava não só pagar bons salários aos seus funcionários, mas principalmente que devia admitir um monte. E admite um monte deles por concurso, porque acha que o Estado deve oferecer emprego - isso é bem típico do populismo. O Estado não deve oferecer emprego, deve proporcionar que haja emprego oferecido pelo setor privado. Os municípios brasileiros tiveram, depois da Constituição de 1988, um aumento de arrecadação real de 116% ou 106% e, no entanto, estão todos quebrados. Por quê? Porque a contratação de funcionários públicos por concurso foi brutal. Então, você paga a folha de pagamento do município com funcionários públicos e não pode mais demitir. Aí você elege um, dois, três prefeitos ótimos, sérios, competentes, que querem fazer o município funcionar a serviço da população e não podem fazer nada, porque têm que pagar funcionários estáveis. Eu acho que isso é um escândalo!
Josemar Gimenez: Ministro...
Josemar Gimenez: Ministro, uma das poucas vezes que eu vi o senhor mal humorado foi quando o presidente Fernando Henrique estava compondo o seu governo. O senhor entrou chanceler e saiu ministro da Administração Federal mas não queria pegar esse cargo. O que há de verdade nisso? Realmente o Itamaraty [Palácio do Itamaraty, onde está sediado o Ministério das Relações Exteriores] vetou...os diplomatas vetaram o seu nome? Como foi isso?
Entrevistador: Foi por isso que eu estranhei quando o senhor não botou os diplomatas entre aqueles que teriam estabilidade...
Luiz Carlos Bresser Pereira: A coisa é muito simples. Quando o Fernando Henrique me chamou e disse que estava interessado em conversar comigo, eu disse a ele qual era a minha preferência, e a minha preferência era ser ministro das Relações Exteriores. Disse a ele que minha segunda preferência era ser ministro da Administração Federal, porque eu achava que essa função era extremamente importante. Há vários anos, desde que fui ministro da Fazenda em 1987, me convenci que a grande crise brasileira era fundamentalmente uma crise do Estado brasileiro. Eu escrevi um livro, publicado em 1992, chamado A Crise do Estado. Ao escrever esse livro, defini a crise do Estado como uma coisa muito específica. A crise do Estado tem três aspectos. Uma crise é fiscal, o Estado que quebrou, o Estado que perdeu crédito, isso é um problema que o ministro da Fazenda, o ministro do Planejamento tem que enfrentar, é a famosa reforma fiscal e tributária. Segundo, eu tentei já fazer isso enquanto ministro, é a crise da forma da intervenção na economia e no social, isso é uma coisa que todos os ministros têm que fazer, especialmente em educação, saúde, planejamento, indústria e comércio. E, finalmente, havia uma terceira tarefa muito importante, que era a crise do aparelho burocrático estatal. Esse aparelho burocrático estatal está numa séria crise que foi muito agravada pela Constituição de 1988. Eu também tinha esse diagnóstico e me parecia que era importante intervir nessa área, não apenas na Constituição que nós estamos discutindo aqui como plano de estabilidade e de aposentadoria integral e por tempo de serviço, com outras coisas muito importantes para se fazer. Sabendo da importância, disse ao presidente eleito o que era a minha segunda alternativa e foi essa a alternativa que ele preferiu.
Josemar Gimenez: Houve veto do Itamaraty, houve resistências dos diplomatas?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não sei, a imprensa noticiou isso. Os diplomatas sempre foram muito amáveis comigo, eu tenho excelentes relações com todos eles, inclusive com o ministro Lampreia [Luiz Felipe Lampreia, ministro das Relações Exteriores entre 1995 e 2001], portanto não vejo nenhuma razão para que houvesse veto.
Entrevistador: Com o embaixador Paulo Tarso [Flecha Lima] também?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Com o Paulo Tarso tenho ótimas relações, realmente muito boas. Acho que o Paulo Tarso é um dos grandes diplomatas do Brasil.
Pedro Cafardo: Ministro, eu queria usar a minha pergunta para dar oportunidade ao senhor para explicar logo o que é essa flexibilização. Só lembrando o seguinte: essa palavra flexibilização é proibida nos manuais de redação. Até porque, em geral, ela é usada por economistas e não quer dizer nada, nem sim, nem não, nem acaba e nem não acaba, é um meio termo meio assim... Flexibilização nem acaba e nem continua.
Luiz Carlos Bresser Pereira: O senador Josafá Marinho, que é um grande senador e que estava na última reunião do PFL [Partido da Frente Liberal], disse que também não gostava da palavra flexibilização e propunha que se falasse em revisão, e não em estabilização. Vamos...revisão ou flexibilização, não tem importância! Do que se trata essa flexibilização que o Heródoto perguntou logo no começo? Trata-se do seguinte: para as funções específicas, típicas e tal, não se mexe em nada. Hoje a Constituição diz que para você dispensar um funcionário só pode ser por sentença passada e julgada ou por inquérito administrativo em que se apure uma falta grave do funcionário: roubou, bateu, matou, enfim, estuprou, coisas muito violentas. Isso pode dar demissão. Então, o que eu proponho para flexibilizar é que se tenha mais duas causas para dispensa, e essas duas causas seriam, como no direito privado, como na legislação trabalhista que atinge os trabalhadores brasileiros em geral, que o sujeito tivesse também a possibilidade de dispensa de funcionário por mau desempenho, desempenho insuficiente, porque está desinteressado, desmotivado, como primeiro motivo; e o segundo motivo é porque há excesso de quadro, porque está sobrando gente, porque se extinguiram aquelas funções, coisas desse tipo. Seriam duas causas. Agora, como essas duas causas não são faltas graves, não podem ser tratadas da mesma maneira que se trata a falta grave, porque hoje, se você sofre um processo administrativo e é demitido por esse motivo, você perde todos os seus direitos.
Pedro Cafardo: É a chamada justa causa.
Luiz Carlos Bresser Pereira: A justa causa. E você é liquidado. Já na forma que eu proponho, um funcionário que fosse dispensado nessas condições, em primeiro lugar, ganharia uma indenização correspondente ao FGTS, ou seja, correspondente a um mês de salário por ano de trabalho. Em segundo lugar, se ele tivesse...
[...]: E quem pagaria, viria do Tesouro [Nacional]?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Ele conservaria sua aposentadoria proporcional ao tempo de trabalho. Se ele trabalhou dez, 12 anos e se imagina que ele se aposente, em média, com 36 anos, então ele teria um terço de sua aposentadoria. Quando ele se aposentasse na época...que se aposentasse ainda no setor privado, receberia sua aposentadoria do setor público.
Luiz Carlos Bresser Pereira: É mais ou menos isso.
Heródoto Barbeiro: Poderia contar os números...
Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Um sistema desse tipo precisaria ser definido com mais precisão do que já tenho definido.
Pedro Cafardo: Mas, ministro, isso não ia acabar criando uma indústria da demissão para aqueles funcionários que estão no final da carreira, próximo da aposentadoria, e que não receberiam nada assim que se aposentassem? Se ele vai contar o tempo que trabalhou e ainda assim vai receber um valor equivalente ao Fundo de Garantia, então seria uma vantagem ele receber esse valor e se aposentar sem os 35 anos [tempo mínimo de contribuição para garantir a aposentadoria integral]...
[...]: E quem pagaria isso, ministro?
[sobreposição de vozes]
Pedro Cafardo: Não sei se o senhor entendeu, mas se ele for demitido, perde o direito à aposentadoria proporcional, por exemplo.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Se ele for demitido sem justa causa?
Pedro Cafardo: Sem justa causa.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho que não, ele deve ter sua aposentadoria. Por que vai perdê-la? Como vai perdê-la?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Realmente isso é um problema, quer dizer...
Pedro Cafardo: [interrompendo] Todo mundo vai querer receber esse Fundo de Garantia, evidentemente.
José Roberto de Toledo: Hoje, no funcionalismo público, quem se aposenta recebe pelo Tesouro ou estou enganado?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Pelo Tesouro.
José Roberto de Toledo: E, nesse caso, ele teria uma aposentadoria via previdência?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, agora vamos tratar da aposentadoria. O problema do Cafardo é complicado, é um bom problema, mas vamos tratar da aposentadoria, que é uma coisa muito séria. Hoje, a Constituição diz que o funcionário público se aposenta com a aposentadoria integral e, pelas leis, eles conseguem mais 10 a 20%. Tudo é pago pelo Estado, sem nenhuma... Eles se aposentam por tempo de serviço, que são 35 anos, mas para as mulheres, são trinta anos. E depois há...
José Roberto de Toledo: [interrompendo] Casos especiais.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Em casos especiais, são 25 [anos], para certos professores, etc. O que está absolutamente decidido no meu governo é que o problema da Previdência no Brasil é gravíssimo, é a condição sine qua non [indispensável] para que o país estabilize o Plano Real e consiga sair da crise fiscal, que esse assunto seja resolvido. Para se ter uma idéia da dimensão do problema público, o INSS [Instituto Nacional de Seguro Social, autarquia do governo que recebe contribuições para a manutenção da Previdência e paga as aposentadorias e outros benefícios] gasta anualmente 35 bilhões de reais para 15 milhões de beneficiários com aposentadorias de setor privado. Para os aposentados do setor público, que são apenas quatrocentos mil, o Estado gasta 10,5 bilhões de reais.
José Roberto de Toledo: O senhor tem uma projeção desse número para os próximos cinco anos?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Vai aumentar muito, eu não tenho uma projeção precisa, mas vai aumentar muito. Esses quatrocentos mil devem, em cinco anos, chegar a cerca de seiscentos mil e empatar com o número de funcionários públicos...
José Roberto de Toledo: Quer dizer, duzentos mil funcionários devem se aposentar nos próximos cinco anos...
Luiz Carlos Bresser Pereira: Mais ou menos, não tenho um número preciso.
José Roberto de Toledo: Pela sua proposta, se eles fossem demitidos - obviamente não todos, mas uma parcela deles - essa conta passaria do Tesouro para a previdência?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, vamos lá. Vamos dizer como é a proposta de sistema de aposentadoria. Primeiro, se acaba com a aposentadoria por tempo de serviço, isso tanto para o setor privado como para o setor público. A aposentadoria será basicamente por sessenta anos com pequenos ajustes por tempo de serviço. Vamos dizer, para simplificar a vida, que essas pessoas se aposentam com sessenta anos, o que é norma em todos os países do mundo. Nós sabemos que a idade média do brasileiro não é sessenta anos. Quando ele chega aos sessenta anos, a chance de vida dele é mais 18 anos, em média, então ele tem muito tempo de vida pela frente depois de aposentado. Então, essa idade de sessenta anos não valeria para todos os setores. A segunda coisa é que acaba a aposentadoria por tempo integral garantida na Constituição, e aí o que o Ministério da Previdência [Social] ofereceu ao Ministério do Planejamento foram duas alternativas. Uma alternativa seria tratar os funcionários públicos exatamente como serão tratados os funcionários privados, ou seja, até cinco salários mínimos se garantiria uma aposentadoria próxima de integral, garantida pelo INSS, garantida pelo Estado e o complementar seria feito em fundos de previdência privados. Como isso vai ser feito no setor privado, é uma decisão que deverá ser aprovada, se faria a mesma coisa para o setor público.
José Roberto de Toledo: Mas isso seria para médio, longo prazo?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, imediatamente, há um processo de transição...
José Roberto de Toledo: Mas e quem não pagou o fundo privado, por exemplo? Como ele faria essa complementação?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, existe uma transição. O Estado ou o INSS também garantem essa transição...Esse é outro problema. Agora, a alternativa seria, no caso do funcionário público, o Estado continuar responsável, não há mais aposentadoria por tempo integral, mas o Estado continua responsável. Eu prefiro essa, acho que o funcionário público não é exatamente igual ao funcionário privado, há certos funcionários como militares, carreiras típicas, que precisam de tratamento especial. Mas seria um fundo com princípios autoriais. O que quer dizer isso? Se os funcionários contribuem com 10% dos seus salários, como estão contribuindo atualmente, e o Estado contribui com o dobro disso, correspondente a 20% do salário, isso dá um volume de dinheiro que vai sendo capitalizado a uma taxa de juros razoável, dá o quanto - depois de um prazo normal de trabalho e de uma expectativa de vida média - dá para pagar para o aposentado. Foi esse cálculo que me levou a um cálculo aproximado de 70%, então eu disse na imprensa imaginava que isso sendo feito, os funcionários teriam uma aposentadoria correspondente a aproximadamente 70%. Se eles quisessem pagar mais do que 10% ou se o fundo pudesse render mais do que isso, até podia ser uma porcentagem [maior], mas seria uma coisa racional. Essa é a idéia.
[sobreposiçaõ de vozes]
Dora Kramer: Ministro, uma coisa é a proposta técnica e outra coisa é a viabilidade política da proposta. Embora os deputados tenham se comportado muito bem com o senhor no seminário da Esaf [Escola de Administração Fazendária], no plenário as coisas se passam de outra forma e hoje os partidos já consideram que a estabilidade atrapalha e há toda essa questão do funcionalismo. Eu queria saber: é absolutamente inadiável que a questão do funcionalismo entre agora? Quais os limites da negociação política e como fazer passar isso no Congresso Nacional, uma vez que é necessário convencer pelo menos 252 pessoas?
Luiz Carlos Bresser Pereira: O que é absolutamente inadiável é a parte do sistema de aposentadorias, porque tem que se resolver conjuntamente o sistema público e o sistema privado. Os dois têm efeitos fiscais da maior gravidade e, portanto, precisam ser resolvidos juntos. Não faz sentido resolver só o setor privado, que custa 35 bilhões, e não resolver o setor público, que custa dez bilhões. É preciso reduzir esses custos no setor público também, sem prejuízos aos direitos adquiridos. Está muito claro que os direitos adquiridos, inclusive a expectativa de direitos será garantida, não há nenhuma dúvida a respeito disso no governo. Isso é fundamental. Quanto à estabilidade, não é essencial que se resolva isso já. Se quiserem esperar um pouco, podemos. É uma decisão política que o presidente e os líderes dos partidos políticos deverão fazer. Quer dizer, eu acho que meu papel é discutir esse assunto com a sociedade, porque estou convencido de que isso interessa profundamente ao funcionário brasileiro. O Brasil só poderá ser um país moderno se tiver uma administração pública moderna e eficiente.
Dora Kramer: Mas é preciso convencer o Congresso.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Para convencer o Congresso, há dois jeitos. Ou você convence o setor corporativo que pressiona lá dentro do Congresso, nos corredores do Congresso, ou você pressiona o Congresso através da opinião pública geral, são duas formas de...Não há dúvida nenhuma, a pressão que vai haver nessas matérias de aposentadoria, de estabilidade e outras dentro dos corredores do Congresso, vai ser dos funcionários públicos que pensam que estão defendendo os interesses dos funcionários, mas não estão. Eles estão defendendo os interesses da minoria de funcionários que não trabalha direito. Essa gente vai pressionar o tempo todo, vai gritar, gritar e gritar. Agora, se a opinião pública adotar uma posição diferente e perceber que o Brasil, para ser um país estável, com moeda estável, moderna, com crescimento, precisa ter um setor público muito bom, muito eficiente, muito prestigiado, mas que custe pouco de forma que possa ter competitividade internacional, aí então eu vou conseguir...
Dora Kramer: [interrompendo] É uma questão de difícil compreensão popular, para fazer as pessoas se mobilizarem.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Mas eu acho que a gente não deve nunca subestimar a sociedade brasileira, o povo brasileiro. Eu acho que eles são capazes de pensar. Fala-se muito em justiça social. Quer dizer, existem alguns partidos que têm...
Luiz Carlos Bresser Pereira: Especialmente alguns deputados do PT, mas não todos. Há muitos deputados do PT que estão muito interessados nessas propostas.
Dora Kramer: Quais?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não importa dizer quais, deixe que eles próprios...Você vai lá e pergunta para o jornalista, para o deputado, que ele te diz. Agora, alguns acham que estão defendendo os pobres e os oprimidos...E por que essa diferença brutal de tratamento entre o setor privado e os funcionários públicos? Isso é justiça social? Por que a aposentadoria um funcionário público é 13 vezes maior do que recebe uma pessoa no INSS? Isso é justiça social? Então, para mim, é muito injusto. Acho que o povo brasileiro vai perceber isso, se você escrever isso no seu jornal, se a TV Cultura puser isso ao vivo, como está pondo agora. Isso vai ser muito importante para o país.
Heródoto Barbeiro: Ministro, queria dizer que o senhor acabou de responder ao senhor Fábio, de Florianópolis, que acabou de perguntar isso. O senhor Roosevelt, de São Paulo, e Fábio Delboni são favoráveis ao fim da estabilidade. O senhor Jonas, de Fortaleza, está protestando e dizendo que isso não foi colocado na campanha eleitoral. Pois não, Marco!
Marco Damiani: Sobre o que a população consegue ou não entender, há uma questão que ficou confusa, a gente sente isso olhando as pessoas na rua. É a questão dos salários, que interessam tanto quanto a estabilidade e a aposentadoria. Neste momento, interessa [menos] o salário de cada um, na medida em que o Plano Real coloca muitas amarras para a melhoria salarial das categorias, e interessa mais os salários do presidente da República e dos ministros. O Congresso aprovou um pacote que levantou o salário do presidente a 8,5 mil reais, e dos ministros a oito mil. Eu queria saber se o senhor participou de algum tipo de aconselhamento ao presidente da República para que ele viesse a público rebaixar o próprio salário em 25%. Queria também saber se essa não foi uma fuga da discussão principal, sendo uma típica solução tucana [refere-se ao PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira, do presidente Fernando Henrique]? Afinal de contas, se é preciso que o presidente e ministro ganhem bem, porque têm que ganhar bem, mas menos 25%? Foi uma medida adotada muito de olho nas pesquisas sobre a queda de popularidade do presidente?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho que esse problema merece uma análise bem serena. Nós sabemos perfeitamente que ministro de Estado receber três mil reais por mês não faz absolutamente sentido nenhum, não dá para eles manterem um padrão de vida, a não ser que já tenham recursos próprios, já tenham rendas próprias ou que recebam de empresas por fora, o que seria uma coisa muito desagradável, contra todos os princípios do governo. No entanto, governos anteriores não tinham coragem de colocar os salários dos ministros em um nível adequado. Quando fui ministro da Fazenda, recebia um salário absolutamente ridículo, me descapitalizei. Quando eu fui secretário do estado de São Paulo, também me descapitalizei, entrei no governo em 1983 com um certo nível de patrimônio e sai com bem menos patrimônio, cinco anos depois. Não é justo isso, quer dizer, que as pessoas não fiquem ricas no governo, tubo bem, mas serem descapitalizadas é um estímulo à corrupção. Então, o governo Fernando Henrique, que quer ter uma posição absolutamente franca, decidiu quem quando houvesse o aumento dos deputados - e era uma decisão dos deputados e não do governo, diziam até que queriam aumentar para dez mil reais e o presidente da República chegou aos oito mil - haveria o mesmo aumento para os ministros. Acho que foi uma posição de coragem, inclusive...
Marco Damiani: [interrompendo] Mas aí cortou 25%.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Cortou 25%, foi uma medida simbólica, se você quiser. Infelizmente, o governo não tem condições neste momento de aumentar o salário mínimo, mas o presidente deixou absolutamente claro que pretende aumentá-lo para cem reais, em um curto prazo.
[...]: Ministro, aliás, o que se vai fazer com os 25%?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Vai ter que ser devolvido aos cofres da União, não sei exatamente como.
[...]: [interrompendo] Você vai se descapitalizar de novo, ministro!
Luiz Carlos Bresser Pereira: Voltando aqui, qual é o compromisso do presidente? Ele já conversou com o ministro Reinhold Stephanes, que disse que se fosse possível uma economia de aproximadamente cinco bilhões de reais com as reformas da Constituição e com as reformas na parte da aposentadoria, seria possível se conseguir um valor aproximado disso em um prazo relativamente curto, [proporcionando] o aumento do salário mínimo para cem reais.
Heródoto Barbeiro: Essa mudança que o senhor está propondo nas aposentadorias vai valer também para os deputados e senadores?
Luiz Carlos Bresser Pereira: [risos] Eu acho que eles têm o sistema especial deles...
Heródoto Barbeiro: O senhor está falando de não se pagar mais a aposentadoria integral para o servidor público, assim como ocorre na iniciativa privada, não é isso? Os deputados e senadores, com quatro anos de mandato, já começam a se aposentar com 50% do que recebem?
Luiz Carlos Bresser Pereira: São eles que legislam a respeito desse assunto, eu não posso...A única coisa que está sendo dita em termos de mudanças na Constituição é que não se garante mais a aposentadoria integral. Depois, é na legislação e nos fundos que vai se fazer cada caso...
Heródoto Barbeiro: Para a população entender, isso vai valer para os deputados e senadores ou não?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, você sabe que não vai, porque são eles que legislam isso, eles têm que legislar a parte deles por conta deles.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Isso.
Josemar Gimenez: Eu queria saber se, com o possível fim da estabilidade, o governo tem cálculos de quantas pessoas poderiam ser trocadas ou demitidas?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Minha impressão é de que esse número de 580 mil funcionários não é absolutamente excessivo, há desequilíbrios, há setores com excesso de funcionários. Mas, o número de funcionários caiu nos últimos anos, nós tivemos mais funcionários na ativa do que temos atualmente. Caiu porque se aposentaram, então não há nenhum cálculo e eu não creio que o fim da estabilidade implique em grandes demissões. Primeiro, porque eles têm direito adquirido. E, se não tiverem direitos adquiridos, não existe uma premência [urgência] em nível federal. Acho que, em nível municipal, a coisa é séria em alguns municípios. Em nível federal, faz muito tempo que a idéia do empreguismo generalizado desapareceu da administração pública brasileira.
Ricardo Setti: Seguindo a pergunta do Josemar, há a questão da anistia que o presidente Itamar [Itamar Franco, presidente da República entre outubro de 1992 e dezembro de 1994. Foi vice-presidente de Fernando Collor e teve que assumir a Presidência do país depois do processo de impeachment de Collor] assinou para aqueles que foram demitidos durante o governo Collor, inclusive com uma coisa curiosíssima: um dos dispositivos aprovados é readmitir quem foi demitido injustamente com violação da lei. [refere-se à Lei 8.878/94, que anistiava os funcionários públicos demitidos entre 1990 e 1992 durante o governo Collor] Olha, isso aí é obvio, qualquer pessoa demitida com violação da lei pode obter isso na Justiça, a lei não precisava dizer isso, mas de qualquer maneira foi conseguida uma anistia. Existem aí quarenta, cinquenta mil pessoas em filas e se habilitando a essa anistia. Como o governo Fernando Henrique vai conduzir essa questão?
Marcelo Parada: [interrompendo] Ministro, só mais uma curiosidade...
Luiz Carlos Bresser Pereira: Deixa eu terminar...
Marcelo Parada: [Interrompendo] Só uma curiosidade, perdão: é verdade que o senhor disse que o governo Collor foi muito moralista?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu já respondo essa também, vamos pela ordem! Primeiro, vou terminar de responder ao Josemar. Eu disse que a estabilidade não vai implicar em grandes demissões em nível federal. Então, qual é a vantagem do fim da estabilidade? A grande vantagem é que vai se trabalhar mais, vai se trabalhar com mais disposição, com mais eficiência, porque não há essa cobertura total que existe hoje. Isso é extremamente importante, é fundamental. Agora, quanto ao problema dos anistiados, existe uma lei que foi aprovada no Congresso que deu a anistia. Essa lei é contraditória, difícil de explicar e o que ela fez basicamente? Ela diz: "As pessoas devem se habilitar ao ingresso, mostrar que foram demitidas naquela data. Caso sejam habilitadas por comissões - e quase todas foram, naturalmente - aí as empresas e repartições poderão readmiti-las, desde que haja verba e necessidade". Disse também uma terceira coisa, que as empresas que quisessem contratar pessoas daqueles cargos que estavam com anistiados não poderiam fazê-lo enquanto não contratassem primeiro os que estão aí. Esse último dispositivo já está eliminado da lei por medida provisória. A posição do governo é que nós devemos admitir sim alguns anistiados, mas aqueles que as empresas acharem que merecem, caso a caso, e havendo necessidade deles. Senão, não há razão para fazer isso.
Pedro Cafardo: Queria falar ainda da anistia...É sobre anistia ainda?
Leão Serva: Não.
Pedro Cafardo: Deixa eu falar sobre a anistia, por favor...
Luiz Carlos Bresser Pereira: Você fez uma outra pergunta também, eu não respondi.
Marcelo Parada: Eu perguntei sobre o negócio do moralismo.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Então, eu queria responder isso, porque isso é tão ridículo...
Luiz Carlos Bresser Pereira: O que aconteceu foi o seguinte: a Folha de S.Paulo me perguntava a respeito da permissão que o governo fez para que os secretários pudessem usar o carro oficial mais frequentemente. Então, o jornal lembrou que foi o presidente Collor que proibiu o uso de carros de modo generalizado e aí eu disse que isso era excesso de moralismo do governo Collor. Usei mal a palavra, pois queria dizer que aquilo era um falso moralismo. Só que a imprensa - e parece que você também - resolveu entender errado...
Marcelo Parada: Não, eu não entendi, eu apenas confirmei isso com o senhor.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Nunca existe excesso de moralismo. O que estava pretendendo dizer era um falso moralismo da parte do governo Collor. Enquanto tomava medidas arbitrárias e pouco razoáveis em relação aos altos funcionários, que têm uma responsabilidade enorme pela administração pública do país, fazia o que nós vimos com os fundos públicos.
Pedro Cafardo: Aliás, sob o pretexto de combater os marajás, ele destruiu alguns setores da administração pública. Eu queria perguntar sobre essa questão da anistia, porque a notícia que circulou é que foram recontratados no segundo semestre do ano passado, por conta dessa anistia, cerca de 16 ou 17 mil funcionários públicos. E o senhor justificou essas contratações dizendo que elas eram necessárias, que havia realmente falta de pessoal no serviço público.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Você está fazendo uma confusão...
Pedro Cafardo: Não é isso?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, de fato foram contratados cerca de 17 mil funcionários na administração federal direta no ano passado.
Pedro Cafardo: Nos últimos seis meses do [governo] Itamar.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Nos últimos seis meses ou durante o ano todo, porque isso foi só nos últimos seis meses...Mas foram por concursos públicos.
Pedro Cafardo: Não são os anistiados?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, não são os anistiados. Eu não tenho uma estatística, mas foram poucos anistiados admitidos. Esses foram concursados especialmente em hospitais públicos, onde houve mais admissões. Foi tudo por concurso regular.
Pedro Cafardo: E havia essa necessidade de pessoal?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Em certos setores, especialmente em hospitais, parece que havia necessidade. Por sugestão do Ministério da Educação, eu suspendi os concursos públicos por três meses, exatamente para se fazer uma reavaliação, mas a informação que eu tenho é que o Ministério da Educação vai propor que o concurso que se complete em vários locais, porque há necessidade urgente de admitir pessoas.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Em primeiro lugar, 1,1 milhão foi o número que o Heródoto colocou no começo, mas deve ser o número que inclui funcionários de empresas estatais, que não são funcionários públicos. Funcionários públicos da ativa são 580 mil e não 1,1 milhão.
Leão Serva: Mas todos os funcionários, mesmo das estatais, têm todos esses privilégios que o senhor mesmo apontou aqui. Os salários na Petrobras são excessivamente maiores do que os salários correspondentes na iniciativa privada. Do ponto de vista da opinião pública, essa aparência de marajá de todos os funcionários públicos incide também sobre todos os funcionários das empresas estatais.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não se deve falar em marajás. Eles ganham salários mais altos do que o mercado, mas marajás não existem nas empresas estatais. Estou aqui tratando o tempo todo mais da administração direta, porque os funcionários das empresas estatais escapam do meu Ministério, estão por conta do Ministério do Planejamento.
Leão Serva: Qual é o nível de absenteísmo [ausência de trabalhadores no processo de trabalho] nesse setor?
Luiz Carlos Bresser Pereira: De qualquer forma, a admissão, pela Constituição, tanto nas empresas públicas quanto no Estado, só existe por concurso, o que foi uma boa coisa.
Leão Serva: Essa máquina acumula muitos "trens da alegria". [Quantos] mais ou menos?
Luiz Carlos Bresser Pereira: "Trens da alegria" é outra coisa! Espera um pouquinho, vamos especificar as coisas, senão misturamos tudo. Desses 580 mil que nós temos, mais ou menos quatrocentos mil eram celetistas. Muitos deles entraram sem concurso e foram efetivados. Isso é coisa do passado, não acontece mais, mas aconteceu, é um número muito grande. "Trem de alegria" é outra coisa, é quando, especialmente no final de legislaturas, se faz aumento de salário - não admissões - mas se efetivam pessoas...Quer dizer, efetivar não dá mais, porque a Constituição proíbe, mas aumentar o salário é possível, isso pode acontecer.
Leão Serva: Quantos faltam acabar?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Isso é muito difícil de saber. Por exemplo, existe uma coisa impressionante aqui em São Paulo no INSS. Segundo as informações do ministro Stephanes, 25% do seu funcionalismo está permanentemente com auxílio-doença [benefício concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos], estão doentes permanentemente.
Entrevistador: Dos funcionários públicos ou do INSS?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Dos funcionários públicos do INSS, em São Paulo. O clima em São Paulo deve ser extremamente insalubre. Nós devíamos chamar uma junta médica de todas as partes do mundo para fazer uma verificação do porquê de tanta doença no INSS...[ironizando]
Heródoto Barbeiro: Ministro, nós vamos fazer um rápido intervalo...
Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Mas esse é um fato que nós temos.
Heródoto Barbeiro: Ministro, nós vamos fazer um rápido intervalo. Apenas queria dizer que o senhor acabou de responder à Hercília Gomes de Oliveira, de São Paulo; Cida Santos, de São Paulo; Luzia, de Itabira. A Marta Bahia quer saber se o senhor tem alguma aposentadoria ou não.
Luiz Carlos Bresser Pereira: [sorri] Eu acabei de me aposentar neste mês, com sessenta anos de idade, pelo INSS.
Heródoto Barbeiro: Está bom. Vamos a um rápido intervalo e a gente volta daqui a pouquinho. Hoje estamos entrevistando o ministro Bresser Pereira. Até já.
[intervalo]
Heródoto Barbeiro: Voltamos com o programa Roda Viva, hoje entrevistando o ministro de Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira. Ministro, eu gostaria que o senhor respondesse a um longo fax, assinado pela procuradora da República, Ana Lúcia Amaral. Ela diz o seguinte: é servidora pública, procuradora da República há 16 anos, recolhe 12% para a seguridade social. E ela pergunta: "Após me aposentar, só me restará o direito de um salário mínimo?". E ela desdobra a pergunta dizendo: "O senhor paga seu aluguel, condomínio, gás, telefone etc, com seu salário de ministro?".
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não. Não estou entendendo nada do que ela está perguntando. Por que ela vai receber, de acordo com minha proposta, um salário mínimo de aposentado? O que eu estou dizendo é muito diferente. Ela vai receber uma aposentadoria em que, até cinco salários mínimos, terá uma garantia basicamente de 100% do salário. Daí para adiante, ela terá uma aposentadoria que eu imagino que corresponderá aproximadamente a 70% do salário dela dependendo...se for 10% que ela continuará contribuindo, deve dar mais ou menos 70%. Eu não sei qual é o salário dessa senhora, mas eu imagino que ela vá receber muito mais do que um salário mínimo e muito justamente, senão ela vai morrer de fome. Não quero que nenhum funcionário público morra de fome, muito pelo contrário, quero que eles vivam muito bem.
Heródoto Barbeiro: Dora, por favor.
Dora Kramer: Para o senhor, que é responsável pela reforma do Estado, qual é o Estado ideal e qual é o Estado possível?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, é difícil dizer o que é o Estado ideal, essa é uma grande discussão, houve uma grande discussão no Brasil e no mundo nesses últimos anos. E havia três posições sobre esse assunto. Há a velha posição estadista nacional desenvolvimentista, a velha posição que quer manter o Estado tão grande como sempre foi e até um pouco maior. Eu acho que essa é superada. Existe a posição alternativa, que é a posição neoliberal. Neoliberal quer dizer liberal radical, que diz o seguinte: já que existem distorções do Estado, já que o Estado está em crise, já que há abusos em privatizações, interesses injustos que o Estado abriga etc, vamos produzir o Estado mínimo, vamos fazer com que tudo seja regulado na economia pelo mercado e nada pelo Estado. Eu acho isso também um contra-senso, nenhum país do mundo faz isso. Do ponto de vista social, seria um escândalo, do ponto de vista econômico, seria um perigo. Há uma terceira alternativa, que é a que eu chamo de social-democrática e pragmática, que é ter um Estado pequeno e reformá-lo. É isso que o governo Fernando Henrique pretende fazer, pretendo contribuir para isso. Dora, costumo fazer uma comparação... Nós temos hoje no Brasil um Estado que é um elefante velho, grande e balofo, quer dizer, nós precisamos de um Estado muito menor, um tigre jovem, ágil e forte, é disso que nós precisamos em termos gerais. Agora, em termos mais específicos, dentro da estrutura do Estado, é muito importante pensar no seguinte: a administração moderna diz que as empresas devem ter um núcleo burocrático muito pequeno. Existiria um anel de trabalhadores, organizados em células. Essas células estariam se auto-gerindo e recebendo de acordo com a produtividade, em uma relação muito íntima com o mercado, uma espécie de mercado que se faz dentro da empresa. Finalmente, haveria um setor terceirizado, pois a empresa contrata serviços de terceiros. A mesma coisa deveria ser o Estado, nós deveríamos ter um aparelho burocrático muito pequeno, com as funções bem específicas: de polícia, de segurança, de Justiça, de arrecadação de impostos. Em termos de definições e diretrizes políticas, isso precisa de pouca gente. Depois, nós deveríamos ter uma grande área em volta, que é área social. Para isso, eu tenho propostas de reforma da área social por meio do que eu estou chamando de organizações sociais, organizações públicas não estatais, que saem do Estado em boa parte e se integram à sociedade, sem passarem por privatização. Então, é nisso que a gente tem que pensar. Acho que dá para caminhar nesse sentido. As reformas da Constituição são uma parte, mas não tudo, há muita coisa para se fazer no Estado para que ele seja moderno, eficiente e justo.
Josemar Gimenez: Ministro, mudando um pouco de assunto, em 1987, o senhor foi mentor daquele plano econômico [Plano Bresser]. Centrais sindicais e estatísticos falam da perda de 26,06% [perdas salariais] pelo Plano Bresser. Até hoje há categorias que reivindicam isso. Passados oito anos desse processo importante para o país, como o senhor avalia isso?
Luiz Carlos Bresser Pereira: É muito simples. Do ponto de vista legal, o Supremo Tribunal Federal já deixou isso meridianamente definido. Mas vamos deixar a parte jurídica, porque os juristas entendem - eu não sou jurista, eu sou só formado em direito - e vamos pegar a parte econômica! Não houve perda nenhuma, isso é uma falsificação total. A perda dos 25% ou 26% do Plano Bresser é correspondente à perda dos 89% do Plano Collor. Eu me lembro muito bem que, logo depois do Plano Collor, se cobrava da CUT [Central Única dos Trabalhadores, maior organização sindical da América Latina, fundada em 1983, em São Bernardo do Campo, estado de São Paulo] um aumento de 89% para os seus funcionários. Ela não dava, senão quebrava imediatamente. Naquela época do Plano Bresser, eu dizia e disse aqui no Roda Viva e em outros lugares, mostrando gráficos - o Roda Viva pode ir lá nos seus arquivos e descobrir isso - que, em função do meu plano, deveria haver um aumento de salário real entre 10 e 12%. Já o Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] afirmava que haveria uma perda de 26%. Então, havia uma diferença de menos 26 para dez a 12 a mais, é uma diferença real de 38%. Um deles estava errado, um deles era mau economista, incompetente economista. Pois bem, existe uma coisa chamada Índice de Salário Médio Real, publicado pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], e outro Índice de Salário Médio Real, publicado pelo Dieese. Pois bem, eu proponho ao Josemar que vá lá, já que é jornalista do O Globo, buscar os índices do Dieese e do IBGE de julho e agosto de 1987. Você vai verificar que não houve aumento de 12% ou 10% como eu esperava, mas de cerca de 5% no salário médio real dos trabalhadores. Não foi uma perda de 26%. Portanto, essa perda jamais existiu, é uma tentativa de perceber em termos legais uma coisa que nem legal é, é uma tolice.
Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Falta de apoio, não de lealdade.
Ricardo Setti: Falta de apoio, basicamente. Agora, o presidente Sarney, como presidente do Congresso [Nacional], é um aliado do governo Fernando Henrique. Como o senhor avalia a qualidade desse aliado, como a confiabilidade, os valores... Até quando o governo Fernando Henrique acha que pode contar com o ex-presidente Sarney?
Dora Kramer: Posso completar? Ele é, na condição de presidente do Congresso, um dos principais condutores das reformas.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Enquanto presidente, o Sarney teve dois papéis muito positivos. Ele fez o acordo com a Argentina [Declaração de Iguaçu, celebrada em 1985, a fim de propor a integração econômica entre esses dois países, que acabavam de sair de períodos ditatoriais], que mudou as relações econômicas internacionais do Brasil e deu a base para o Mercosul [Mercado Comum do Sul - proposta de aliança que prevê o livre comércio e política comercial comum de países da América do Sul]. Isso foi muito importante. Segundo, ele teve uma contribuição importante em matéria da consolidação da democracia no Brasil, que não estava fácil naquela época. Uma terceira coisa que ele fez foi brigar muito contra o caráter populista da Constituinte. Agora, ele não conseguiu enfrentar o problema da inflação, quer dizer, não havia clima, o clima era muito populista. Se vocês estiverem lembrados, quando assumi o ministério, falei que eu queria fazer ajuste fiscal e, na semana seguinte, havia um movimento violento dentro do meu partido para me expulsar do partido, porque eu "era amigo do FMI [Fundo Monetário Internacional]". Era um clima completamente diferente do que é hoje. O Brasil avançou brutalmente nesses sete anos.
Ricardo Setti: Seu partido, na época, era o PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], só para lembrar.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Meu partido era o PMDB. O próprio PMDB mudou muito daquela época para cá.
Entrevistador: Para pior ou para melhor?
Luiz Carlos Bresser Pereira: O governo Sarney foi vítima disso, desse clima e não soube, não foi capaz ou não teve condições de se posicionar contra isso. Mas, eu acho que agora o presidente Sarney será, sem dúvida, um aliado importante do governo e da modernização do país.
Heródoto Barbeiro: Ministro um esclarecimento. Eu tenho três perguntas aqui, que são dos senhores Ronaldo Menezes, Celso Beirão e Evaristo Fernandes. Os três gostariam que o senhor explicasse rapidamente o acordo que o senhor fez com o Grupo Pão de Açúcar quando saiu de lá. Um deles está dizendo que o senhor teria recebido um milhão de dólares e não teria pago impostos sobre isso. Então, seria interessante que o senhor esclarecer isso ao telespectador.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Sem dúvida! O que aconteceu é que eu trabalhei trinta anos no Pão de Açúcar e fiz um acordo. Quando eu terminei de fazer o acordo, que era aproximadamente esse valor, o setor de pessoal do Pão de Açúcar me informou que a prática da empresa era que, toda vez que saísse um funcionário importante, o acordo seria feito na Justiça do Trabalho, porque isso tornava inviável qualquer reclamação posterior. Disseram que já tinham feito isso com todas as demais pessoas de alto nível que tinham saído e que seria bom fazer comigo. Concordei e isso foi feito. Aí veio a notícia de que eu poderia - eu só soube no dia em que fiz o acordo, porque os jornais me anunciaram isso - me beneficiar de não pagar impostos, porque dependendo dos itens do acordo... Alguns deles não são sujeitos a impostos e foi o que aconteceu. Realmente eu me beneficiei desse dispositivo legal, mas foi por acaso. Essas pessoas talvez não acreditem nisso.
Pedro Cafardo: E quanto foi o valor, ministro?
Luiz Carlos Bresser Pereira: O valor foi esse.
Pedro Cafardo: Não, quanto o senhor teria que recolher se não fosse o acordo?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Se eu não tivesse...
Pedro Cafardo: [Interrompendo] 25%?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Se eu tivesse que pagar os impostos normalmente, seria 25%. Agora, foi uma coisa legal e pública, não foi nada escondido, nada feito contra a lei.
Josemar Gimenez: Agora, como indenização trabalhista, o senhor não pagou nada de Imposto de Renda, no caso?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não paguei nada, mas foi algo absolutamente legal e público. Não estava escondendo nada de ninguém.
Marco Damiani: Ministro, queria insistir um pouco nessa questão da reforma constitucional, porque muitos dos seus projetos, para se concretizarem, passam pela reforma. O que é possível observar nesse momento é que o PSDB não está muito articulado em torno do projeto presidencial pelas reformas. A bancada que menos entendeu a exposição do ministro José Serra nas reuniões com os partidos foi realmente a do PSDB e, no Congresso, o PFL tem as exposições mais importantes, inclusive com o presidente Sarney, que é do PMDB, mas tem o coração no PFL. O senhor não teme que, centrando o governo nas reformas, elas venham a ser desfiguradas por um Congresso que a gente sabe que é clientelista, muito parecido com Congresso anterior e, ainda por cima, comandado pelo PFL?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, eu acho que a reforma constitucional é uma coisa absolutamente fundamental para o país. Existe hoje uma consciência muito clara de que a Constituição de 1988 foi equivocada. Ela teve alguns avanços, algumas coisas importantes, não é tudo equivocado, mas ela foi detalhista e teve muitos elementos daquele nacional-desenvolvimentismo do passado. Quanto ao excesso de detalhismo, é preciso diminuir, tirar muita coisa da Constituição e passar para a lei complementar, e é preciso tirar esses elementos. No caso, por exemplo, da administração pública, houve avanços, como a exigência de concurso público para todas as pessoas. Mas, quando se fez o [Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos] e obrigou que todo funcionário seja estatutário, tenha aposentadoria integral e estabilidade, indiscriminadamente, isso foi um exagero, tornou o sistema violentamente rígido. Havia o princípio de que havia administração direta e indireta. A indireta seria de fundações e autarquias, entidades mais autônomas. Tudo isso acabou com a Constituição de 1988. Houve uma preocupação muito grande em controlar os processos administrativos e não os resultados, que é o que se faz na administração moderna. É preciso mudar isso...
Marco Damiani: [interrompendo] E o senhor vê coesão suficiente no PSDB?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Acho que a sociedade está percebendo que isso é necessário, os deputados sabem disso. O PSDB é um partido social-democrata, ou seja, um partido de centro-esquerda. Nos anos 30, os liberais tiveram que fazer uma transição para uma situação mais de intervenção do Estado na economia, porque naquele momento era preciso fazer isso, havia insuficiência de demanda etc. Nos anos 80, quando houve a crise do Estado, foi a esquerda que teve que fazer sua transição intelectual para posições mais liberais. Quer dizer, o PSDB é um partido social-democrata que também pode ser um partido social liberal, porque hoje cada vez mais é social, mas ao mesmo tempo é liberal pois tem que fazer as coisas funcionarem pelo mercado. Não há dúvida de que o mercado é um elemento fundamental de coordenação da economia e precisa ser fortalecido. Essas contradições são próprias do partido, mas são coisas muito boas...
[sobreposição de vozes]Dora Kramer: Com quem o PSDB vai se aliar?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não creio...O PSDB vai ser um grande elemento dessa reforma.
Leão Serva: Ministro, tenho a impressão de que o senhor procurou dar um nó na cabeça do nosso telespectador. Afinal, a bancada do PSDB está coesa com as reformas ou não?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho que está.
Leão Serva: Mas houve uma aparente rebelião...
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não. Na reunião, eu só vi um deputado destoar completamente, dizer coisas muito antigas. Foi só um, os demais tiveram intervenções magníficas. Não vejo problema.
Leão Serva: Se o senhor me permite adiantar um ponto, na sua avaliação, a reforma do funcionalismo público será mandada pelo governo agora no dia 16 de fevereiro para o Congresso ou ela irá numa segunda etapa?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho que a parte relativa ao sistema de aposentadoria vai agora, porque tem que ir. A parte da estabilidade, eu não sei, é uma decisão que o presidente tem que tomar. O pessoal que vai fazer objeção à estabilidade vai fazer também objeção à aposentadoria, será igualzinho, não vai ter diferença nenhuma entre uma coisa e outra. Por outro lado, você não precisa resolver isso tudo de um dia para o outro. O governo tem uma proposta clara, tenho trabalhado intensamente com os meus assessores, conversado com muita gente, inclusive obtendo subsídios dos próprios deputados com quem eu conversei nessas quatro reuniões, não só publicamente, mas nos intervalos etc. A idéia é apresentar uma proposta claríssima. O esquema do Jobim [refere-se ao então deputado federal Nelson Jobim, relator da revisão constitucional] é um esquema muito interessante, em que você faz duas coisas: primeiro, propõe que várias coisas saiam da Constituição. Depois você emenda aquilo que ficou na Constituição e aquilo que saiu da Constituição, porque aquilo que saiu vai ficar como lei transitória, vai continuar valendo para que não fique um vácuo.
Ricardo Setti: Até se aprovar uma lei nova.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Até se aprovar uma lei mais completa. Estou fazendo isso muito detalhadamente, de forma que o Congresso vai receber uma proposta completa e aí então, em cima dela, vai discutir, debater com a sociedade e a imprensa. Eu acho que o motivo pelo qual não houve uma revisão constitucional no ano passado foi que o governo não tinha uma proposta clara.
Dora Kramer: Ministro, quais são as alianças que o governo vai ter que estabelecer para conseguir passar a reforma? O PSDB não concorda com tudo, o PFL também não concorda com tudo, o PMDB é aquela "geléia" geral que a gente conhece. Quais são as alianças? Vamos pegar só esses três primeiros pontos: ordem econômica, previdência e tributos. Que alianças ele vai ter que estabelecer para esses três primeiros pontos?
Luiz Carlos Bresser Pereira: As alianças estão basicamente estabelecidas. O governo Fernando Henrique é um grande governo, tem coalizão política, pega da centro-esquerda até centro-direita.
Dora Kramer: Mas que não concorda com tudo!
Luiz Carlos Bresser Pereira: Nunca ninguém concorda com tudo. Tudo se debate, se negocia, isso faz parte do jogo democrático em qualquer lugar do mundo. Depois se vota, é preciso votar com três quintos em dois turnos, nas duas casas do Congresso. Portanto, depois que se faz o acordo é preciso votar em bloco também, não se pode brincar aí. Você vai votar por capítulos da Constituição, tem o capítulo da administração pública, tem o capítulo tributário, tem o capítulo da Previdência, tem o capítulo da ordem econômica. Para cada um desses, vai ser preciso que haja alguns deputados que sejam os representantes do governo do Congresso.
Dora Kramer: [interrompendo] Quer dizer, um núcleo permanente?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Um núcleo permanente. Eu imagino que eu vou ter que estar no Congresso muito intensamente, vou conversar com os deputados, senadores, debater com eles etc.
Marco Damiani: O senhor não acha que o PSDB está deixando o presidente da República um pouco sozinho demais? Ou seja, ele mesmo já fez uma reunião de conselho político e deu um "puxão de orelha" em todo mundo: “Pô, eu telefonei para vocês, não era para ter o mínimo...”. Ele falou com as lideranças. O senhor está sentindo a necessidade de ir ao Congresso para fazer essa articulação que hoje não existe ou estou errado?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, eu acho que o PSDB não está deixando o presidente sozinho. Agora, o fato de eu achar que devo ir ao Congresso é porque nós estamos numa democracia e quem vai fazer a reforma da Constituição não vão ser os ministros, mas é o Congresso. Então eu vou lá e convenço os deputados e senadores...
Marco Damiani: [interrompendo] Os deputados não estão nem te procurando, por exemplo, "Ministro, do que o senhor precisa? O que eu posso fazer no Congresso?". Os tucanos não estão indo até o senhor.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Também estão, tenho muitos amigos entre os deputados tucanos...
Dora Kramer: Há um limite nessa negociação, ministro? Quer dizer, o senhor deixou claro que isso vai ter que ser negociado. Agora, há uma barreira que não dá para passar, para ultrapassar?
Luiz Carlos Bresser Pereira: É difícil saber isso, porque a gente tem... Quando nós soubermos quais são as reformas que foram propostas pelo governo, aí então...
José Roberto de Toledo: [interrompendo] O senhor já sabe.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu já sei a parte relativa, eu contei um pouco, posso contar mais a respeito do capítulo de ação pública, das aposentadorias, da estabilidade, do regime jurídico único, que deve desaparecer, há outros elementos. Agora, o governo não tem condições de fazer um limite, porque quem decide isso são os deputados e senadores. Agora, é claro que a gente vai brigar pelas nossas idéias. O presidente vai lutar pelas suas idéias. A posição do presidente é muito clara, ele diz assim: “Ou nós temos um apoio da opinião pública ou não há reforma”. E sse apoio da sociedade é fundamental e acho que ele existe.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, isso é outra coisa. Se houver mudança do regime jurídico único, isso vale para o futuro, quem já está nesse regime não muda. Agora, eu tenho uma proposta que é muito importante, talvez seja a reforma estrutural do Estado mais importante que eu estou propondo...
Entrevistador: Educação.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não é específico de educação, é específico da área social. A idéia é de nós termos um terceiro setor entre o Estado e o setor privado. A impressão que se tem hoje é que só existem dois tipos de propriedade e de organização no mundo: estatal ou privada, o que não é verdade. Existe um terceiro setor, que é o setor que eu chamo de público não-estatal, ou seja, de entidades sem fins lucrativos voltadas para o interesse público, mas que não são Estado, existem as fundações e instituições de maior importância. Nós podíamos pensar em um tipo de organização que eu chamaria de "organizações sociais", é um nome que eu estou inventando, e essas organizações sociais seriam sem fins lucrativos, de direito privado, totalmente autônomas do Estado, mas que, por autorização legislativa estadual, federal ou municipal, ficasse autorizada a receber verbas do orçamento da União, dos estados e dos municípios, desde que houvesse um contrato de gestão com o governo. Essas organizações seriam controladas por conselhos, como a Fundação Padre Anchieta [fundação a qual pertence a TV Cultura], que tem um conselho grande, com quarenta e poucos membros, pessoas importantes da sociedade, alguns representantes de governo e uma minoria de representantes da própria instituição. É o modelo americano, que funciona para os hospitais e universidades.
José Roberto de Toledo: Isso se aplicaria às universidades federais hoje?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Poderia, isso significaria uma imensa autonomia e implicaria também que as universidades assumissem as responsabilidades do seu próprio destino, apoiadas pelo Estado...
José Roberto de Toledo: Ficaria a competição entre elas...
Luiz Carlos Bresser Pereira: Continuariam a ter o apoio do Estado, funcionários públicos continuariam cedidos a essas instituições, mas as instituições ficariam muito mais responsáveis sobre si mesmo. Não ficariam com essa idéia, que é muito ruim, de que quem paga é o Estado. "O que a gente quer? Mais verba, mais salário. Agora vamos tratar de administrar essa entidade, essa universidade, esse hospital, esse museu da forma mais racional possível, mais competente possível e de forma a obter recurso da própria sociedade". Quer dizer, haver uma interação real entre esse serviço e a sociedade.
José Roberto de Toledo: Em que pé está essa sua proposta dentro do governo?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Essa proposta está avançando bastante, mas ainda não há uma decisão de governo a respeito dela. O Ministério da Educação está interessadíssimo nela, mas não é oficial ainda, não há nenhuma posição oficial.
José Roberto de Toledo: Tem prazo para a discussão?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, o prazo mais curto que eu puder, mas isso é um processo que está caminhando, que a gente vai conversando e não dá para conversar com todo mundo ao mesmo tempo.
Heródoto Barbeiro: Segundo a telespectadora Maria Alvarenga, o senhor teria dito aqui no Roda Viva que a expectativa de vida do brasileiro é de 78 anos. O senhor falou em aposentadoria aos sessenta anos e depois expectativa de vida de mais 18.
Luiz Carlos Bresser Pereira: É preciso entender o seguinte: quando se fala em expectativa de vida, você tem que pensar na expectativa de vida em diversos momentos da vida. Quando as pessoas nascem, a expectativa de vida no Brasil é em torno de sessenta anos. Por quê? Porque muita criança morre, morre adolescente... Quando você chega aos sessenta anos, sua expectativa de vida é de aproximadamente mais 18 anos, ou seja, 78 anos.
Heródoto Barbeiro: Em média?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Em média, essa é a média.
Heródoto Barbeiro: Ministro, tenho uma outra questão aqui. Um juiz do Trabalho de Curitiba diz o seguinte: "Por uma portaria sigilosa de outubro de 1994, o procurador geral da República mandou incorporar para sempre aos salários dos atuais procuradores em todo Brasil vantagens de servidores públicos". Ou seja, se o procurador exercer cargo de confiança no serviço público federal, está ganhando o seu salário de procurador mais aquele cargo de confiança. E diz aqui: "Ingressei com uma ação popular em Brasília na Justiça Federal contra isso no último dia 1 de fevereiro e a primeira ação é do Ministério Público, órgão que a Constituição da República incumbe pela ordem, moral e lei, que é o réu. Denunciei esse fato por escrito". E diz mais: "O pior é que, mesmo para os servidores públicos, os benefícios de incorporação estão proibidos por uma medida provisória". E ele conclui dizendo que o Ministério Público a descumpre. Ele pergunta ao senhor como fazer para combater os marajás. Quem assina é o doutor Ricardo Sampaio.
Luiz Carlos Bresser Pereira: A medida provisória de que ele fala fui eu que propus ao governo, ela acabou com os quintos. Você incorporava aos seus salários as gratificações de um quinto do salário por ano.
[...]: Incorporava definitivamente?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Definitivamente. Suspendi isso, mas minha idéia não é acabar de tudo com isso, porque eu acho que um quinto é um exagero, mas em termos de décimos me parece que é razoável que haja alguma incorporação... Qual é o sistema do funcionalismo público? Você tem um salário básico com vencimento e depois, se você ocupa cargos em comissão, você recebe os chamados DAS, que variam de quatrocentos reais a 1,6 mil reais. Você passa a receber esse salário. Agora, quando você sai da comissão, você perde esse salário, então as pessoas entram e saem, entram e saem, quer dizer, fica uma instabilidade muito grande na sua remuneração. É razoável que a pessoa que ficou vários anos em cargos de comissão vá incorporando, mas não se pode fazer isso em cinco anos. Então, me parece que em dez anos seria razoável.
Marcelo Parada: Ministro, queria voltar ao assunto da eficiência do Estado, que é uma busca...
Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Fundamental. A eficiência e a efetividade. Você precisa ter um Estado efetivo e eficiente.
Marcelo Parada: Pois é.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Capaz de garantir a propriedade, a segurança e prestar serviços a um custo barato para a sociedade.
Marcelo Parada: Agora, tão importante quanto essa reforma que o senhor está propondo é aquela que a população sente todo dia, que é a má vontade, que é a cara amarrada, que é o mau atendimento que ele tem nos diversos guichês, nos telefones e tudo mais. É a interface entre o cidadão e aquele funcionário que devia lhe atender bem e que acaba não atendendo. Não sei se o senhor passou o dia hoje em São Paulo...
Luiz Carlos Bresser Pereira: Passei.
Marcelo Parada: Viu quanto choveu? Pois é, a rádio Eldorado pediu a liberação da Voz do Brasil [programa radiofônico de notícias oficiais do governo federal, transmitido obrigatoriamente por todas as rádios do país] para a Radiobrás [Empresa Brasileira de Comunicação], assim como outras emissoras, para informar o paulistano sobre o melhor caminho para voltar para casa e tudo mais. E a Radiobrás, misteriosamente, disse que não havia liberação, algo que é absolutamente de praxe aqui em São Paulo e no Brasil inteiro. Quer dizer, essa insensibilidade do serviço público é algo que deixa todo cidadão absolutamente perplexo. O que fazer contra essa insensibilidade?
Luiz Carlos Bresser Pereira: São duas coisas. Há certas mudanças que são de ordem educacional, como treinamento etc, quer dizer, isso é muito bonito e necessário. Mas a outra - e eu acabei de contar aqui para seu colega e para todos os ouvintes do Roda Viva - é que, se nós transformarmos a parte social do Estado, a parte que presta serviços sociais à população, de saúde, de educação e de cultura, em organizações públicas não-estatais, organizações sociais que interagem na sociedade, que não têm essa garantia absoluta de um militar ou um juiz de direito, aí muda a coisa, eles vão ser muito mais atenciosos. Você já foi à Nova Iorque, ao Metropolitan [The Metropolitan Museum of Art]? Aqueles museus são organizações públicas não-estatais, você vê aqueles funcionários trabalhando fortemente para fazer aquilo bem sucedido, porque eles sabem que o emprego deles depende daquilo. Eles conseguem verbas do Estado, mas também têm verbas do trabalho que eles prestam à sociedade. Agora, quando você faz um serviço pelo qual você não tem nenhuma remuneração direta ou indireta, que está tudo garantido, estável, então você age dessa forma pouco atenciosa, autoritária, etc.
Pedro Cafardo: Até os advogados do governo, às vezes, não agem a favor do governo. O caso que o Ricardo Setti contou desse marajá do Espírito Santo. Ele é advogado e se especializou em fazer mandado de segurança a favor dele mesmo. E ele vem ganhando sucessivamente todas as questões que ele coloca na Justiça, porque os advogados da União, no caso o governo do Espírito Santo, também não defendem o governo.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Há uma coisa que é muito importante...O Pedro Malan [ministro da Fazenda de dois governos de Fernando Henrique], especialmente nessas reuniões, tem se mostrado indignado porque ele foi obrigado - não chegou a pagar - a pagar 170 milhões de dólares ou de reais de honorários advocatícios em uma ação trabalhista. Quer dizer, é uma irresponsabilidade! Não posso imaginar como uma juíza pode fazer uma coisa dessas e não sofrer punições. Para mim, é totalmente incompreensível que se possa interpretar a lei para conseguir pagar advogado em uma questão trabalhista do interior, em Rondônia, é realmente um escândalo. Então, quanto a essa coisa discutida na imprensa, é fundamental que o próprio Supremo Tribunal Federal, o próprio poder judiciário, trate de por ordem na casa também.
Heródoto Barbeiro: O Estado poderia contratar assinando a carteira de trabalho de uma pessoa?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, o Estado precisa de concurso público para contratar pessoas. Você poderia ter uma alternativa, que é quase a mesma coisa, pelo processo seletivo público.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Não. Baneser não pode, a não ser que você...Não pode atualmente, pela Constituição. Agora, eu acho que seria perfeitamente razoável. Houve um momento em que se resolveu que era preciso dar mais flexibilidade ao Estado e para isso se usaram as empresas estatais para contratar gente. Isso foi usado muito fortemente no governo militar.
Heródoto Barbeiro: O cidadão era empregado da Petrobrás e trabalhava em um órgão do governo para poder ganhar um salário melhor, etc.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Isso, como no Banco do Brasil, Cesp [Companhia Energética de São Paulo], na Serpro [Serviço Federal de Processamento de Dados], Baneser... e ele trabalhava na administração pública direta. A grande maioria trabalhava e havia alguns que não trabalhavam e eram colocados à disposição de políticos. Aí começava a haver empreguismo também, que era secundário, não era o fundamental. Mas havia uma lógica para isso, especialmente para trabalhos temporários, que era a necessidade de flexibilidade. Você não pode fazer concurso público para tudo, em todos os casos, há certos momentos em que você precisa contratar pessoas mais rapidamente, etc. É preciso que haja, para certas atividades do Estado, alguma flexibilidade. Isso poderia ser feito através de uma empresa que fosse totalmente controlada pela sociedade, cujos funcionários fossem colocados à disposição, por exemplo, aqueles que trabalham nas oficinas culturais da Secretaria da Cultura, que trabalham na Febem, que trabalham na Secretaria do Meio Ambiente, fazendo serviços temporários, não definitivos. Se essas pessoas estivessem contratadas por uma empresa que todo mundo conhecesse, que publicasse todos os meses no Diário Oficial a relação completa dos seus funcionários, seus salários, onde estão colocados, talvez isso fosse uma forma de fazer com que esses serviços funcionassem.
Heródoto Barbeiro: Quer dizer que o senhor acha que o Baneser não está errado, o que está errado é a falta de transparência? A metodologia está correta?
Luiz Carlos Bresser Pereira: A falta de transparência. A metodologia deve ser reduzida, deve ser feita só para casos...para dar uma valvulazinha, porque o que eu estou discutindo aqui o tempo todo é que é preciso dar mais de um regime jurídico e dar mais flexibilidade. Eu sou a favor do concurso público ou do processo seletivo público, mas acho que precisa haver uma pequena válvula muito controlada pela sociedade para certas coisas urgentes. A gente tem que ser realista, nós não podemos trabalhar inflexivelmente em tudo, isso se torna muito ineficiente. E a imprensa tem a obrigação de se preocupar com isso, porque você começa a denunciar quando se fazem coisas boas só por formalismo, isso é péssimo também. Aí os políticos entram na mesma jogada e começam a fazer bobagem.
Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Inédito é muito ruim?
Leão Serva: Eu imagino que seja muito bom. O que se diz é que é muito bom, porque a pessoa é muito dedicada, porque se ela tratar mal o contribuinte, vai receber efetivamente uma punição. O que eu entendo e que não ocorre no Brasil é exatamente a punição do funcionário que serve mal, que maltrata, que atende mal. O serviço público não é avaliado. Como essa questão foi tocada, mas até agora o senhor não tratou bem dela, como o senhor imagina que seja possível avaliar e controlar? Como o cidadão deve fazer quando se sente lesado para que efetivamente o serviço público comece a ser avaliado pela sociedade, controlado pela sociedade e que sirva ao cidadão e não a uma casta de funcionários públicos?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Estou convencido de que a administração pública e a burocracia pública brasileira têm um nível bem mais alto do que se imagina.
Leão Serva: Onde se esconde isso?
Luiz Carlos Bresser Pereira: No governo federal, eu estou dizendo, por exemplo.
Leão Serva: Lá em Brasília? Porque aqui em São Paulo não é o que se vê.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Aqui em São Paulo também tem muito, trabalhei por quatro anos no governo do estado e vi funcionários da melhor qualidade, com o maior espírito público.
Leão Serva: Sim, mas eu estou dizendo que no atendimento ao público isso não se realiza.
Luiz Carlos Bresser Pereira: No atendimento ao público, muitas vezes isso não se realiza e nós já falamos que são duas coisas que devem ser feitas. Uma delas é mudar a estrutura para organizações públicas não-estatais e a outra é a educação. Agora, em termos de punição, é muito difícil fazer isso e não creio que seja a melhor forma, porque eu acho que a maioria dos funcionários públicos está no caminho público porque a idéia de serviços é considerada importante. O atendimento não é tão ruim assim. O atendimento às vezes é ruim, porque as condições de trabalho do próprio funcionário também são ruins, ele está se julgando mal pago, o clima geral do país não é, não é... Quer dizer, o trabalho dele não está sendo valorizado, então seria preciso fazer muito treinamento, avaliações constantes. Porque não há nenhuma razão para que essas pessoas que atendem ao público, que têm estabilidade... para quê isso? Tenho dito que é muito importante nessa reforma do Estado nós termos, como os demais países, uma integração muito maior entre o mercado de trabalho privado e o mercado de trabalho público, de forma que as pessoas possam sair do mercado de trabalho privado e ir para o público e vice-versa. Na Alemanha, por exemplo, você abre os jornais e todo dia há anúncios do Estado procurando funcionários. Isso faz parte do jogo, eles precisam de funcionários como também as empresas que fazem anúncios. Não é um privilégio trabalhar no Estado, porque as condições de trabalho de aposentadoria, de salário etc são muitos semelhantes ao Estado.
Pedro Cafardo: O Estado está no mercado, competindo com as empresas.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Também, de várias formas, para certas atividades, outras não. Atividades de fiscalização, justiça e segurança, não. Nas outras atividades, sim.
Leão Serva: O objetivo é se equiparar à iniciativa privada...
Luiz Carlos Bresser Pereira: Claro, é muito importante que haja...Não há razão para termos dois mundos totalmente à parte.
Marcelo Parada: Ministro, e a história do sequestro? O senhor sabia que estava fazendo tanto sucesso assim entre o funcionalismo?
Luiz Carlos Bresser Pereira: Aquilo foi uma bobagem, uma tolice do líder sindical, que se retratou imediatamente. Eu me recusei a receber os outros diretores da CUT que estiveram lá no dia seguinte, quando havia uma entrevista marcada. Eles se retrataram muito elegantemente e, na semana seguinte, eu tive uma reunião com eles. O rapaz que fez essa irresponsabilidade não foi. E foi uma boa reunião, disse a eles que o que eles precisam pensar é em defender os reais interesses dos funcionários públicos. E aí é que veio uma coisa interessante. Às vezes vejo por parte da imprensa, especialmente do Rio de Janeiro, de Brasília, onde tem muito funcionário público... estou vendo aqui O Globo, já fiz essa brincadeira três vezes com um repórter de O Globo. Na primeira entrevista coletiva que eu tive lá no meu ministério, tinha um repórter jovem de O Globo que me perguntava muito agressivamente coisas sobre o funcionalismo público. Aí eu disse: “Espera um pouquinho, qual é o seu jornal?”. Ele disse: “É O Globo”. E eu: "É um grande jornal do Brasil. Quantos leitores você imagina que sejam funcionários públicos?”. Ele não sabia. Eu falei: “Olha, são 6% entre estaduais, municipais e federais, então quem sabe 15%”. O rapaz achou que era razoável o número. Aí eu fiz uma segunda pergunta para ele: “Quantos você imagina que sejam, dos funcionários públicos, aqueles que vão ser contrariados ou realmente prejudicados com essas medidas?”. E ele não sabia dizer. Eu falei: “Quem sabe 10%, talvez um pouco mais, mas 10% me parece um numero razoável porque a grande maioria é de pessoas que, quando tiverem que trabalhar, vão achar essa idéia muito mais feliz e ficarão muito mais satisfeitas com isso”. Ele concordou, podia ser um pouco mais também, mas 10 ou 20% não fazia muita diferença. Então eu falei: “10% de 15% é 1,5%. Então, 1,5% estão sendo prejudicados. Se você puser 20%, é 3%. E o resto? 97% ou 98,5% serão os beneficiados, que são os contribuintes, funcionários públicos que também são contribuintes, que pagam impostos todo dia em cada compra que fazem, pagam Imposto de Renda no final do ano, pagam para ter o serviço, para ter garantias, para ter coisas. Afinal, você atende a que interesse? De 98,5% dos seus leitores ou de 1,5%?". Essa é uma questão fundamental que tem que ser feita a cada momento e que mostra que essas reformas beneficiam não só o povo brasileiro, mas os funcionários, a maioria boa.
Heródoto Barbeiro: Ministro, infelizmente, o nosso tempo está esgotado. Apenas queria dizer ao senhor que recebemos aqui uma quantidade muito grande de fax. São algumas perguntas de caráter muito técnico, nós gostaríamos até de passá-las ao senhor, porque dizem respeito a algumas particularidades do funcionalismo público federal. Ministro, muito obrigado pela gentileza, pela participação do senhor hoje.
Luiz Carlos Bresser Pereira: Foi um grande prazer.
Heródoto Barbeiro: Muito obrigado. Queríamos agradecer também a participação dos jornalistas e a sua participação pelo fax e pelo telefone. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite. Nós aguardamos a sua atenção.