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Augusto Nunes: Boa noite. Começa aqui, mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. Este programa é transmitido simultaneamente pela Rádio Cultura AM e retransmitido pelas TVs educativas dos seguintes estados: Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Bahia e Piauí. O programa também alcança Porto Alegre. O programa Roda Viva é transmitido ao vivo; portanto, podemos encaminhar ao nosso entrevistado desta noite as perguntas que receberemos pelo telefone 252-6525, repito: 252-6525. Nossos telespectadores podem falar com a Ana Nery, a Bernadete ou a Iara e, através delas, vocês farão perguntas ao ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, nosso convidado desta noite. O ministro Maílson da Nóbrega é o quarto titular da pasta desde o começo do governo [José] Sarney [1985-1990]. Desde 7 de janeiro deste ano, cabe a ele a difícil tarefa de administrar a crise econômica brasileira, uma das mais profundas da nossa história. Sobre a crise, sobre os seus planos, sobre como vai o governo é que o ministro Maílson da Nóbrega vai falar nesta noite, sentado ao centro de uma Roda Viva formada pelos seguintes entrevistadores: José Occhiuso, editor de Economia do Jornal da Cultura; Luis Nassif, jornalista da Agência Dinheiro Vivo; John Bahram, correspondente do jornal Financial Times; Jorge Escosteguy, editor-executivo da revista IstoÉ; Marco Antônio Rocha, comentarista econômico da Rede Manchete, da rádio Eldorado e do Jornal da Tarde; José Laurentino Gomes, chefe da sucursal de Brasília da revista Veja; professor Oliveiros Ferreira, diretor do jornal O Estado de S. Paulo; e Boris Casoy, editor da coluna Painel e membro do conselho editorial do jornal Folha de S. Paulo. Também estará conosco, registrando momentos e cenas deste programa, o cartunista Paulo Caruso. Registramos e agradecemos também a presença de alguns assessores do ministro Maílson da Nóbrega e de alunos da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, a USP. Ministro Maílson da Nóbrega, ainda hoje, o Tribunal Federal de Recursos suspendeu a liminar que assegurava o pagamento da URP [Unidade de Referência de Preços, índice para referência de tetos de reajuste de alguns preços, vigente entre junho de 1987 e janeiro de 1989] aos funcionários da Caixa Econômica Federal. Agora, a luta judicial continua. O senhor acha que o governo terá ajuda da Justiça para manter a URP congelada ou o senhor acha que isso pode acabar nas próximas horas? [em 7 de abril, como medida de contenção de gastos, o governo suspendeu por dois meses o reajuste dos salários funcionários do governo e de empresas estatais de acordo com a URP]
Maílson da Nóbrega: Bom, eu não...
Augusto Nunes: O governo pediu ajuda da Justiça em uma reunião neste final de semana.
Maílson da Nóbrega: Eu diria que não. O governo não pediu ajuda da Justiça, mesmo porque a Justiça é um dos poderes e é independente do executivo. O que o presidente José Sarney [José Sarney de Araújo Costa] decidiu foi convidar os presidentes dos principais tribunais superiores para uma conversa, dentro do princípio de que, apesar de independentes, os poderes como o executivo e o judiciário não podem ser desconhecidos um do outro. A idéia foi de trocar experiências, ouvir, mostrar aos juizes as razões pelas quais o governo tomou a grave decisão de suspender o pagamento da URP por dois meses. Não teve nenhum sentido de forçar uma decisão, nem de induzir a Justiça a uma decisão favorável ao governo.
Augusto Nunes: Ministro, desculpe, sem querer interromper o senhor, não há nisso uma forma de sedução? Porque o governo poderia oferecer esses argumentos por escrito - por exemplo, encaminhar dentro do processo.
Maílson da Nóbrega: Não, eu tenho a impressão de que o debate olho a olho, ao vivo, ele tem um...
Augusto Nunes: Ele impressiona mais.
Maílson da Nóbrega: ...ele impressiona mais, é mais fácil apresentar argumentos, debater, questionar, do que com a matéria pura e simples, a letra fria das petições, das defesas judiciais. Quer dizer, em nenhum momento o governo pediu, pela palavra do presidente ou de seus ministros, que a Justiça tivesse comportamento A ou B. A Justiça julga de acordo com as leis; ela tem que ter subsídios, informações sobre o grave momento da vida nacional. Como você mesmo disse na sua introdução, o país vive o que talvez seja a maior, a mais grave crise econômica da sua história recente. Neste momento, algumas medidas duras, difíceis do ponto de vista social e político têm que ser adotadas e geram - o governo está preparado para isso -, geram essa onda de protestos de insatisfação. Isso é próprio de um processo de ajustamento...
Oliveiros Ferreira: Ministro...
Augusto Nunes: Ministro - você desculpe, Oliveros, só para completar a sua resposta: o senhor acha que essa decisão do Tribunal de Recursos é um bom sinal para o governo?
Maílson da Nóbrega: Não. Eu preferiria não comemorar essa decisão, até porque não tenho detalhes dela. Pelo menos, mostra que, ao contrário do que se imaginava, não haveria uma derrota liminar do governo em todas as instâncias. O que eu posso dizer é que o governo está decidido a usar todos os meios a seu alcance, do ponto de vista legal, para fazer prevalecer nas instâncias finais a decisão de suspensão temporária da URP.
Augusto Nunes: Oliveros Ferreira, depois Luis Nassif.
Oliveiros Ferreira: Ministro, o senhor falou na tomada de graves decisões. O jornal O Globo, do Rio, publica hoje, em manchete, uma matéria que é extremamente grave: que o governo estaria pensando em convocar, para o serviço ativo do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, os grevistas dos serviços essenciais. O que é que o senhor sabe disso, ministro?
Maílson da Nóbrega: Eu não sei nada. Não sei de onde partiu essa notícia. Posso dizer que tenho estado com o presidente José Sarney em várias oportunidades, com outros ministros do governo, que temos discutido as graves, como disse, decisões adotadas pelo presidente e a forma de defender a sua implementação. E posso lhe garantir que em nenhum momento, mas em nenhum momento mesmo, essa hipótese foi aventada, foi levantada por quem quer que seja. Eu desconheço a fonte do jornal e, pelo menos do meu conhecimento, não é intenção do governo esse tipo de medida heróica.
Luis Nassif: Ministro, em relação à URP, havia uma resistência do chefe do Estado Maior do Exército de aceitar o final da URP e ele foi convencido em cima de alguns números não tão gritantes, alguns números que mostravam que, sem a suspensão da URP, a receita disponível seria insuficiente para pagar o funcionalismo. No entanto, tem dois pontos que eu queria colocar em relação a isso. Com essa suspensão da URP houve uma folga de caixa do governo e isso coincidiu com o anúncio, pelo próprio governador [de São Paulo, Orestes] Quércia [governador de 1987 a 1991], aqui de São Paulo, de um aumento das transferências para os estados e municípios. Eu pergunto duas coisas. Em relação a isso, é justo, em cima do funcionalismo, em cima de uma receita disponível, de um ganho de receita conquistado às custas de uma redução do salário real do funcionalismo, aumentar essas transferências, aumentar essas outras despesas em cima da receita do governo? E a segunda coisa: foi noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo que, nessas discussões, Exército, Marinha e Aeronáutica participaram cada qual com um assessor econômico, que era um militar com algum conhecimento de economia. Qual é o papel real desses assessores econômicos militares na discussão dos planos econômicos do governo?
Maílson da Nóbrega: Bom eu sinto... talvez eu vá desapontá-lo na resposta, porque nenhuma das três afirmações que você fez aí é verdadeira.
Luis Nassif: [...]
Maílson da Nóbrega: Não, você fez afirmações. A primeira afirmação é de que o brigadeiro Camarinha era contra a suspensão da URP. O que eu sei é dos entendimentos que tive com ele. Tive vários. Em nenhum momento ele colocou as Forças Armadas ou o Estado-Maior das Forças Armadas como um oponente decisivo ou definitivo a essa medida. O que ele sempre questionou - e questionou com razão - foi o fato de que a medida não poderia ser isolada, ou seja, ela não poderia ser aplicada a apenas uma parcela do funcionalismo público, do funcionalismo do governo federal. Apesar de algumas correntes do governo defenderem, na época, que a medida não poderia ser estendida às estatais, o brigadeiro Camarinha o defendia, e com razão. E nos ajudou muito nisso aí, a estender, por uma questão de justiça, a todo o funcionalismo público, a medida.
Luis Nassif: Ao poder judiciário, inclusive?
Maílson da Nóbrega: Ao poder judiciário e ao poder legislativo. A segunda questão, se eles foram acompanhados de assessores econômicos: também não. Em nenhuma das reuniões havidas das quais eu participei havia assessores de quaisquer dos ministros. As conversas, as discussões foram feitas entre os ministros da Fazenda, da Seplan [Secretaria do Planejamento], do Gabinete Civil, do SNI [Serviço Nacional de Informações], algumas vezes. E os ministros militares, é claro que todos têm assessores, e tanto o ministro Camarinha quanto os outros ministros iam munidos de quadros demonstrativos da evolução das despesas de pessoal. A terceira pergunta...
Luis Nassif: [...]
Maílson da Nóbrega: Desses dados.
Luis Nassif: Levados por quem?
Maílson da Nóbrega: Levados, certamente, pelos seus assessores. Nunca foram com assessor ao lado, está certo?
Luis Nassif: Ah! Não, tudo bem.
Maílson da Nóbrega: A terceira questão?
Luis Nassif: Esse anúncio do aumento das transferências.
Maílson da Nóbrega: Bom, também não é nada disso.
Luis Nassif: O próprio ministro [do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente] Prisco Viana anunciou isso aí em um programa da Globo do Rio, nesta manhã.
Maílson da Nóbrega: Não. Não, não.
Luis Nassif: Quem foi que anunciou isso?
Maílson da Nóbrega: Ele não anunciou nada disso. O que ele anunciou foi a possibilidade de um estudo que será submetido a um grupo de trabalho. Se esse grupo de trabalho conseguir provar que pode se fazer a medida sem afetar o déficit público, aí nós vamos levar para o Conselho Monetário Nacional, que examinará a medida. Portanto, tem várias...
Luis Nassif: Precisa explicar direito para o governador Quércia que ele não precisa ficar tão alegre...
Maílson da Nóbrega: Deixa eu te explicar isso aí.
Augusto Nunes: Um minutinho só ministro. Só queria que o Nassif, então, arredondasse as perguntas que acho que ele ainda deve fazer, para a gente completar a roda.
Maílson da Nóbrega: Posso completar a dele? Tudo bem?
Augusto Nunes: Por favor.
Luis Nassif: Por mim, já acabou.
Maílson da Nóbrega: É o seguinte. O que a imprensa toda afirmou é que o governador Orestes Quércia chegou em Brasília, reuniu-se com o ministro da Fazenda e do MHU [Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente] e arrombou a porta do controle do déficit público, centrado, em um dos pilares, no nível de endividamento dos estados e municípios. Não é verdade. Te digo aqui: não é verdade. Não houve nem haverá exceção à regra da [resolução] 1469 [do Conselho Monetário Nacional, que limitou os empréstimos e repasses por instituições financeiras a empresas estatais e órgãos da administração]. O que há é que você não pode estabelecer um sistema de controle do déficit público com total inflexibilidade. Do contrário, seria um controle burro: você não precisaria do ministro, sentava no computador e ele diria ali o que se deveria fazer e o que não se deveria fazer. Uma função do Ministério da Fazenda e do próprio ministro é administrar essas pressões e verificar onde e quando ele deve ser flexível, desde que não afete o programa global. O que é que está acontecendo no caso específico de São Paulo, que é do interesse do governador Quércia? É o caso dos conjuntos habitacionais - basicamente, os conjuntos das Cohabs [Companhias de Habitação Popular, órgãos estaduais e municipais para financiar habitação para a população de baixa renda], nos quais o estado ou municípios se comprometem a fazer as obras de infra-estrutura. Isto é, você não pode concluir o conjunto habitacional, as casas, sem ter o arruamento, a luz, a água, o calçamento e assim por diante. A experiência do passado mostra que, quando você controla o déficit público até os seus limites de endividamento, [até] o máximo, você acaba não dando condições ao estado de fazer essa infra-estrutura. E o que acontece? O conjunto não fica habitável, e as pessoas invadem o conjunto e a emenda é pior do que o soneto. Ou seja, fica mais caro. O que é que nós decidimos? Nós decidimos averiguar quantos conjuntos estão nessa situação. O MHU, o ministro Prisco Viana, fará um levantamento desses casos. Tem outros casos - por exemplo, de contratos assinados com a Caixa Econômica que, pela regra, não deveriam ser desembolsados, mas, com base naqueles contratos, o governador, o prefeito fez uma concorrência, contratou as obras, começou as obras; e, se parar agora, ele vai ter que indenizar, por exemplo, o construtor. O que é que nós vamos fazer? Quanto custa isso? Primeiro: como isso se distribui entre 1988 e 1989? Terceiro: quanto é isso como proporção do PIB [produto interno bruto]? Se for 0,1% do PIB - isso eu disse para o governador Quércia -, eu não vejo problema nenhum em acomodar dentro desse teto global de 4%. Se for 2% do PIB, paciência, não vai ser feito. Quer dizer, esses dados, depois, serão levados a um grupo de trabalho. Esse grupo de trabalho é composto de técnicos do Ministério da Fazenda, da Seplan, do MHU, da Caixa Econômica Federal. Avaliado todo esse impacto, vai ao Conselho Monetário Nacional para autorizar, especificamente, naqueles conjuntos A, B e C, uma adição ao saldo da Caixa Econômica. Não é uma exceção para essa medida...
Augusto Nunes: Ministro, só queria que o senhor abreviasse, pois os entrevistadores estão ansiosos aqui. Jorge Escosteguy.
Boris Casoy: Ministro, eu queria fazer uma pergunta sobre...
Augusto Nunes: Boris Casoy.
Boris Casoy: ...sobre a imensa carga tributária que se abateu nesse ano. Não quero entrar em questão de justiça ou não, mas, repentinamente, se abateu uma grande carga tributária sobre a pessoa física - mais especificamente, sobre a classe média brasileira. Eu alinhei alguns sintomas disso, inclusive burocráticos. Por exemplo, [lendo] foi eliminada a correção do imposto pago na fonte; em compensação, foi introduzida a correção no imposto a pagar; o Imposto de Renda calculado com OTN [Obrigações do Tesouro Nacional, títulos da dívida pública reajustado mensalmente de acordo com a inflação oficial] de janeiro ao invés de se calcular esse imposto com OTN de abril; e, finalmente, esse famigerado imposto... essa famigerada declaração trimestral a que uma parcela da classe média está sujeita, tornando essa parcela uma verdadeira escrava do governo. Todos nós que, através dos nossos esforços, conseguimos ganhar um pouco mais somos obrigados a manter uma verdadeira estrutura cartorial, incomodando as nossas contas, para poder acompanhar e satisfazer a boca do leão aberta desse tamanhão, para satisfazer essa ânsia enorme do governo em cima da classe média brasileira. Isso não vai sossegar, ministro? Nós vamos continuar assim? Vai ser criado um imposto bimestral, mensal, declaração? Quer dizer, além de vocês nos taxarem violentamente, vocês ainda nos irritam violentamente. Uma declaração horrorosa de três em três meses, cada um de nós tem que ter um contador.
Marco Antônio Rocha: Olha, e vem aí o Imposto de Renda Estadual...
[risos]
Boris Casoy: Tem o IPVA [Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores] do veículo - era em uma vez; agora, é em duas, todos nós vamos lá no Detran [Departamento de Trânsito] duas vezes, tem que pegar um despachante, pagá-lo, é uma grande confusão. Nós todos vamos acabar trabalhando o dia todo para o governo fazendo contas enormes e tal.
Oliveiros Ferreira: Boris, você sabia qual é a diferença, que um chofer de táxi me disse, entre o comunismo e o regime brasileiro?
Boris Casoy: Não, ainda não conheço.
Oliveiros Ferreira: Ah, genial! Disse que, no comunismo, nós sabemos que trabalhamos para o governo; mas, em compensação, ele dá isso, isso, isso e aquilo. No Brasil, a gente trabalha para a gente e o governo toma tudo e não dá nada.
[risos]
Boris Casoy: Veja, ministro, isso...
[sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Ministro Maílson da Nóbrega.
Maílson da Nóbrega: Volto ao fundo da questão.
Augusto Nunes: Bóris.
Maílson da Nóbrega: Você deixou o "coitadinho" do contribuinte, aquele que ganha de dez fontes [de renda], você deixou... esse é um "coitadinho", não é bem assim - espera aí...!
Boris Casoy: Ministro, não é isso, o senhor está subestimando...
Maílson da Nóbrega: Espera aí, eu gosto... Não, deixa eu responder!
Boris Casoy: Então eu vou dar um exemplo de um contribuinte, um sujeito que tem duas casas alugadas, conquistadas através do seu trabalho e uma fonte de renda.
Maílson da Nóbrega: Espera aí, espera aí, espera aí...
Marco Antônio Rocha: E os professores que dão aula em três ou quatro colégios.
Maílson da Nóbrega: Não. É fácil, sabe...
Boris Casoy: Milhares de professores.
Maílson da Nóbrega: É fácil. O que é que você diz de um contribuinte que só tem uma fonte? Só tem uma fonte e, sobre essa [fonte], ele paga Imposto de Renda como qualquer contribuinte. Agora, o sujeito que tem duas, três, quatro fontes, ele paga Imposto de Renda, ou pagava, em cada uma delas de acordo com a tabela do Imposto de Renda aplicada naquele caso como se fosse isolado - mas, no fundo, ele tem uma renda que é duas, três vezes superior à daquele sujeito que só tem uma fonte. Mas suponhamos que seja até a mesma. Você tinha um tratamento diferenciado para o assalariado que só tem uma fonte de renda, daí ele não pode fugir; enquanto que o outro, que tem três, quatro fontes - pode ser de aluguel, pode ser do que... deixa eu terminar, deixa eu terminar - é beneficiado pela inflação. E, no fundo, embora tendo o mesmo nível de renda de um assalariado que tem só uma, ele termina pagando menos imposto. Então, eu não acho... não é bem assim...
Boris Casoy: O senhor está sendo absolutamente injusto, ministro. O senhor faz uma colocação absolutamente injusta.
Maílson da Nóbrega: Não, não, não...
Boris Casoy: Agora, eu pergunto o seguinte: o senhor acha que isso podia representar o salto que representou de um ano para o outro?
Maílson da Nóbrega: Não, não é salto, eu acho que é só justiça...
Boris Casoy: As pessoas estavam desprevenidas, as pessoas têm um orçamento.
Maílson da Nóbrega: É só justiça. Não estavam desprevenidas.
Boris Casoy: Isso o senhor pode fazer, justiça, um dia. Justiça, o senhor podia fazer demitindo cem mil funcionários.
Augusto Nunes: Espera aí, Boris, por favor, Boris...
Maílson da Nóbrega: Não estavam desprevenidas, não estavam desprevenidas...
Augusto Nunes: Ministro, por favor, só para ordenar aqui a conversa. Eu queria que o Boris fizesse a pergunta e o senhor respondesse.
Boris Casoy: O ministro está sofismando. Eu até...
Augusto Nunes: Eu queria que você fizesse a ressalva e, em seguida, o ministro responde e passamos a bola.
Boris Casoy: Eu acho que até é justo, viu ministro, eu acho que até é justa a colocação...
Maílson da Nóbrega: Ah, obrigado!
Boris Casoy: Eu... o tempo todo estou dizendo. Eu fiz a ressalva quando fiz a pergunta. Absolutamente justo. Agora, o salto, ministro, foi um salto de dez anos, pegou a todos desprevenidos. Pegou uma parcela da classe média que trabalha, que não especula no mercado financeiro e, de repente...
Maílson da Nóbrega: Mas você está defendendo...
Boris Casoy: ...justiçou, fez justiça...
Maílson da Nóbrega: Sabe o que é que você está defendendo? Deixa eu terminar.
Boris Casoy: Eu estou defendendo uma parcela muito grande da população, ministro.
Maílson da Nóbrega: Não, você está defendendo aquele "coitadinho" que ganha um milhão de cruzados e divide a renda dele em dez de cem.
Boris Casoy: Ministro, é o meu caso e eu não ganho um milhão de cruzados [moeda brasileira criada pelo Plano Cruzado que existiu de 1986 a 1989]. É o meu caso...
Maílson da Nóbrega: Dez de cem e paga imposto sobre cem.
Boris Casoy: Eu sou obrigado... Eu invoco os testemunhos de todos os nossos companheiros, muitos dos quais são obrigados a fazer essa declaração trimestral...
Maílson da Nóbrega: Mas você não está pagando Imposto de Renda além do que você pagaria se tivesse uma fonte só.
Boris Casoy: Não, não. Eu tive um salto de dez anos, ministro.
Maílson da Nóbrega: Isso significava que você pagava Imposto de Renda abaixo do que deveria pagar.
Boris Casoy: Me fizeram justiça em um dia.
Augusto Nunes: Por favor, Boris e ministro, eu queria que o debate prosseguisse...
Maílson da Nóbrega: É.
Augusto Nunes: Marca a tua posição mas não a pergunta.
Marco Antônio Rocha: Eu queria fazer uma pergunta aí, ministro.
Maílson da Nóbrega: Pois não.
Marco Antônio Rocha: Desde que o senhor entrou no Ministério, toda essa campanha... o senhor entrou dizendo inclusive que o problema fundamental, prioritário, era o problema do déficit público...
Maílson da Nóbrega: Certo.
Marco Antônio Rocha: ...que era preciso combater o déficit público. O senhor entrou, então, fazendo campanha de combate ao déficit público.
Maílson da Nóbrega: Isso.
Marco Antônio Rocha: O senhor está vai completar quatro meses de governo. Eu quero saber, em números, quais são os resultados dessa sua campanha até agora.
Maílson da Nóbrega: Olha, nós não temos números definitivos, mesmo porque o déficit é levantado de forma trimestral. O trimestre terminou dia 31 de março. Levamos, geralmente, dois meses para catalogar, levantar e analisar os dados do déficit público. Como você sabe - você, que é um comentarista econômico de prestígio e conhece bem esse assunto -, o déficit público não é aquilo que muita gente pensa, um prejuízo de empresa estatal. O déficit público é aquilo que o governo gasta a mais do que arrecada. Como dá muito tempo para você levantar o que cada esfera do governo gasta a mais do que arrecada, levaria três, quatro anos para fazer todo esse levantamento. Há uns trinta ou quarenta anos se desenvolveu, sobretudo na Europa, o conceito da necessidade de financiamento, partindo do pressuposto de que tudo aquilo que o governo gasta a mais do que arrecada, por definição, toma emprestado. Mas, mesmo assim, no Brasil, você tem que levantar isso em centenas de instituições financeiras, bancos comerciais, bancos de investimentos, caixas econômicas, bancos oficiais e nos fornecedores. Então, leva um tempo... Vai levar umas duas semanas.
Marco Antônio Rocha: O professor [Andrea Sandro] Calabi dizia, quando estava na Secretaria do Tesouro [do Ministério da Fazenda], que havia sido montado um sistema de acompanhamento praticamente diário...
Maílson da Nóbrega: Do caixa da União.
Marco Antônio Rocha: Dos gastos e receitas do governo.
Maílson da Nóbrega: Não, não, não. Do caixa da União, é diferente. Porque o governo se divide entre União, estados, municípios e empresas estatais. Dos estados e dos municípios e União...
Marco Antônio Rocha: Bom, ministro, o senhor está dizendo que só daqui a dois ou três meses é que o senhor vai saber qual é o resultado dessa sua batalha que começou em janeiro?
Maílson da Nóbrega: Não, não. Resultados, a gente sabe que tem, está certo? Você tinha pedido números. Por exemplo, nós já sabemos dados preliminares de que o déficit do governo federal, da União, do Tesouro, no mês de abril, foi inferior, em termos nominais, ao de março. Então, isso já é um resultado.
Augusto Nunes: Ministro, queria aproveitar uma carona aqui do Marco. O senhor acha que o governo se comporta com austeridade? O senhor diria aqui que o governo não é perdulário?
Maílson da Nóbrega: Depende do que você chama de perdulário...
Augusto Nunes: Perdulário é gastar o que não tem, é gastar mais...
[sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Por exemplo: ter funcionários ociosos, ter um funcionalismo, um número de funcionários maior do que o necessário. O senhor sabe, como bom economista que é, bom administrador das finanças, o que é um perdulário o que não é.
Maílson da Nóbrega: Não. Principalmente, há confusão em torno disso, sabe. Por exemplo, você chega em uma empresa excelentemente bem administrada, como a Embraer, por exemplo, e, do ponto de vista do déficit público, ela tem déficit. Porque ela toma emprestado, e tudo que ela toma emprestado, ainda que para aplicar em atividade produtiva, é déficit, ela gastou mais do que tinha. E alguém pode chegar para a Embraer e, pelo fato dela constar da estatística de déficit público, dizer que ela é uma entidade que administra perdulariamente o dinheiro público. Esse é um ponto. Agora, se você vai à questão direta do perdulário para valer, é claro que há desperdício no governo, não é? Há desperdícios, há ineficiências, não é? Nesse sentido global, eu diria que sim. Certo? Quer dizer, o governo, o governo como um todo, na medida em que ele intervém demais, exageradamente, na atividade econômica, ele termina gerando ineficiência. E qualquer ineficiência na aplicação de dinheiro público, ainda que não haja desonestidade, é ruim para a sociedade.
Boris Casoy: Ferrovia Norte-Sul [ainda em construção, ligando o Pará ao Mato Grosso do Sul; na época, sua previsão restringia-se ao Maranhão, Tocantins e Goiás] é desperdício, ministro?
Maílson da Nóbrega: Eu acho que não. Depende, isso depende de como você financia a ferrovia Norte-Sul, sabe? Você diria que a expansão do metrô do Rio é um desperdício? Do de São Paulo?
Boris Casoy: Eu acho que não.
Maílson da Nóbrega: Ah! Está certo. Então a ferrovia Norte-Sul...
Boris Casoy: Mas é diferente.
Maílson da Nóbrega: Não é diferente.
Boris Casoy: Mas tem gente na linha, ao longo da linha...
Maílson da Nóbrega: Mas, espera aí. O importante não é a construção da ferrovia, é a forma como se financia a ferrovia.
Boris Casoy: É a utilidade da ferrovia.
Augusto Nunes: Boris...
Maílson da Nóbrega: Mas veja, ela é... Você é contra a construção da Belém-Brasília? Acha que ela teve algum papel? Você é contra o papel que teve a ferrovia no Oeste americano?
Luis Nassif: Tem alguma análise de benefício aí?
Maílson da Nóbrega: No Oeste americano?
[...]: Aí não, ministro.
Maílson da Nóbrega: Aí não, por quê?
Augusto Nunes: Ministro...
Luis Nassif: O senhor tem algum estudo técnico do governo comparando a aplicação dos recursos?
Maílson da Nóbrega: Olha, isso é um problema do Ministério dos Transportes.
Oliveiros Ferreira: O senhor, não concordando...
Maílson da Nóbrega: Não. Não. Você está enganado. Você está enganado. Se fosse assim não precisava ter ministro, bastava ter o Ministério da Fazenda.
[sobreposição de vozes]
Boris Casoy: A Belém-Brasília é uma coisa útil para o governo?
Augusto Nunes: Boris. Boris, por favor. Eu cortei, eu cortei...
Boris Casoy: A Transbrasil, o aeroporto, pois é, mas é um dinheiro nosso, gasto...
Maílson da Nóbrega: O que é que você está pensando, Boris?
Boris Casoy: Eu estou pensando...
Maílson da Nóbrega: Eu estou dizendo se você fosse um político seria um grande demagogo.
Boris Casoy: Não, ministro...
Maílson da Nóbrega: O que eu estou dizendo é isso, você está imaginando que você pode colocar no Ministério da Fazenda... e é aí que tem uma grande distorção cultural, da qual você participa - ou seja, imaginar que o Ministério da Fazenda pode ser o responsável direto, indireto, por cima, por baixo, do lado, à direita, à esquerda, de todos os problemas do Brasil, certo? Essa é uma grande distorção que está na cabeça de todos nós - inclusive na sua, que eu estou vendo.
Boris Casoy: Não, ministro.
Augusto Nunes: Por favor.
Oliveiros Ferreira: Não estaria na sua, ministro? Não estaria na sua...
Maílson da Nóbrega: Nunca.
Oliveiros Ferreira: Mas, em sentido contrário?
Maílson da Nóbrega: Pelo contrário! Deixa eu dizer...
Oliveiros Ferreira: Posso fazer a pergunta aqui?
Maílson da Nóbrega: Faz, faz.
Oliveiros Ferreira: O [historiador inglês] Liddel Hart [1895-1970]...
Maílson da Nóbrega: Como?
Oliveiros Ferreira: Liddel Hart, o historiador militar, ele entrevistou todos os generais de Hitler que foram presos e, ao fim, ele se fez a seguinte pergunta: por que o general [Heinz] Guderian [1888-1954], no fim da guerra, sabendo que o Estado-Maior do Exército não tinha poder nenhum, aceitou jogar sua capacidade técnica sendo chefe do Estado-Maior do Exército? O senhor hoje é ministro...
Maílson da Nóbrega: O que você quer dizer com isso?
[...]: Ele não quer dizer nada...
Oliveiros Ferreira: Eu quero dizer... o senhor hoje...
Maílson da Nóbrega: Te confesso que não entendi bulhufas. Você deu uma aula de erudição, mas não entendi bulhufas.
Oliveiros Ferreira: O senhor hoje é ministro de um governo cujo presidente disse que a legalidade acabou.
Maílson da Nóbrega: Eu não me lembro de ele ter dito isso.
Oliveiros Ferreira: Sexta-feira, ele disse que o confronto do legislativo com o executivo, no caso da CPI [a CPI da Corrupção, de 1988], indica que a legalidade acabou.
Maílson da Nóbrega: Olha, sinceramente, não vi.
Oliveiros Ferreira: Eu li, eu li o pronunciamento dele.
Marco Antônio Rocha: Agora, o senhor não está reparando...
[sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Por favor, Marco! Por favor, é que eu impedi que o Jorge Escosteguy fizesse...
[...]: O que eu falei para ele tem importância, meu Deus!
Maílson da Nóbrega: Tem, tem.
Boris Casoy: Ao me acusar de demagogo, o senhor reduz o seu papel ao de um simples caixa do governo. Não é verdade!
Augusto Nunes: Boris... Boris, por favor. Jorge Escosteguy; depois, o Laurentino.
Jorge Escosteguy: Não chegamos a uma conclusão sobre isso. Na semana passada...
[sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Por favor, Boris!
Jorge Escosteguy: Na semana passada, o embaixador do Japão, sr. Koichi Komura, em uma palestra, em um seminário aqui em São Paulo patrocinado pela Gazeta Mercantil, disse que os empresários japoneses temem investir no Brasil porque têm a impressão de que no Brasil impera o caos. É sabido que o Brasil tem interesse - o senhor mesmo já deve ter manifestado isso - em obter recursos japoneses, principalmente desse plano de reciclagem. Ou seja, o Japão tem cerca de vinte bilhões de dólares, ainda, em superávit da iniciativa privada para aplicar nos países em desenvolvimento, especialmente naqueles que têm problema de dívida externa. Desses vinte bilhões, cerca de nove bilhões já estão com seu destino traçado. E, entre os países que vão receber essa ajuda, não está o Brasil. Estão países como a Malásia, a Tanzânia, a Colômbia etc., porque os japoneses não confiam no Brasil. O senhor acha que o Brasil ainda não é confiável para a comunidade financeira internacional? Não há condições de se obter esses recursos?
Maílson da Nóbrega: Bom, em primeiro lugar, eu tenho declarações do embaixador japonês, prestadas ao Ministério de Relações Exteriores, de que ele não declarou isso que o senhor falou. O que houve foi um defeito de tradução.
Jorge Escosteguy: Ele repetiu depois isso em Brasília...
Maílson da Nóbrega: Veja, essa informação oficial que eu tenho. Não é porque eu esteja mais certo, mas é a informação oficial.
Jorge Escosteguy: Mas, de qualquer forma, o Japão...
Maílson da Nóbrega: A segunda, eu realmente não sei de onde você tirou, essa informação que não tem nada para o Brasil.
Jorge Escosteguy: Do Ex-Im Bank japonês.
Maílson da Nóbrega: Com quem eu estive. Estive com o presidente do Ex-Im Bank japonês já duas vezes, em Washington e em Caracas. Estive agora com o ministro da Fazenda japonês e ele me disse exatamente o contrário. De modo que não sei como você tem essa informação.
Jorge Escosteguy: [...]
Maílson da Nóbrega: Não. Nós imaginamos que o Brasil deverá ser contemplado... Na América Latina são quatro bilhões de dólares, só para sua informação...
Jorge Escosteguy: Mas ele ainda não foi contemplado.
Maílson da Nóbrega: ...dos quais, dos quais... Não foi contemplado porque tem todo um ritual a ser seguido. Não foi contemplado porque não chegou a hora ainda, certo? Mas há quatro bilhões de dólares para a América Latina e nós suspeitamos que o Brasil pode ser beneficiado com [recursos] da ordem de dois bilhões de dólares. Só que, pela legislação japonesa, um país só pode se candidatar ao financiamento oficial se ele estiver absolutamente regular...
Jorge Escosteguy: Se ele dever?
Maílson da Nóbrega: Não é dever, não. Se ele tiver sua situação regular. Como o Brasil negociou um acordo com o Clube de Paris [associação de credores de países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para discutir e renegociar dívidas de países que não pertencem à organização] e, em seguida decretou a moratória e não voltou a negociar, o Brasil se encontra em situação irregular perante os países industrializados que se reúnem no âmbito do Clube de Paris - e, portanto, com o Japão. Então, nós precisamos, primeiro, fazer um acordo, ainda que preliminar, no âmbito do Clube de Paris para, em seguida, iniciar negociações com o governo japonês. Mas, só para você ter uma idéia do interesse, o que não bate muito com a sua conclusão, o Ex-Im Bank japonês...
Jorge Escosteguy: Não, a conclusão não é minha...
Maílson da Nóbrega: Pois é, eu estou falando com as fontes oficiais, porque são elas que decidem. Eu não sei com quem que você está falando. Então, o Ex-Im Bank japonês enviou a Washington um dos seus diretores para falar especialmente comigo, quando de minha presença em Washington. Estive agora com o presidente - eu acho que é ele quem decide - em Caracas; estive com o vice-ministro da Fazenda, que é um homem dos mais poderosos da área internacional; estamos em contato permanente, estamos preparando os projetos, de modo que eu não vejo nenhum... não vejo, como você, nesse cenário negativo, a possibilidade do Brasil não obter financiamento. Vai depender muito de nós mesmos, não deles; e, aí, é uma questão de esperar para ver.
Augusto Nunes: Laurentino. Depois vamos completar: Laurentino, John, depois o Occhiuso. Vamos completar a roda antes da primeira metade do programa.
José Laurentino Gomes: De todas as medidas que compunham o último pacote salarial existe uma, que continua na gaveta, que é o decreto que extingue o repicão ["efeito cascata" de várias gratificações que multiplicava o salário de funcionários do governo], o mecanismo jurídico que cria os "marajás" - do poder judiciário, por exemplo. Eu queria saber do senhor o seguinte: por que é tão fácil congelar a URP do funcionalismo em nível inferior e é tão difícil mexer nos altos salários do governo, como é o caso do repicão?
Maílson da Nóbrega: Em primeiro lugar, você não completou a informação: também a URP do juiz foi suspensa por dois meses, certo? Portanto, não houve discriminação contra quem quer que seja nessa área.
José Laurentino Gomes: Mas ministro, chegou ao Ministério essa medida, a extinção do repicão, e isso não aconteceu até agora.
Maílson da Nóbrega: Eu acho que o governo continua determinado a fazer isso. É uma sugestão apresentada pelos ministros militares, pelo Ministério da Fazenda, e pela Seplan, e que está sendo examinada no âmbito jurídico, nos órgãos jurídicos do governo. Quer dizer, é uma medida complexa...
José Laurentino Gomes: Mas, quando o senhor falou isso, o senhor disse que...
Maílson da Nóbrega: ...é uma medida complexa que exige estudos adequados para evitar que o governo venha a tomar uma medida que não seja defensável do ponto de vista jurídico. Mas eu não tenho informação nenhuma de que o governo tenha desistido dela.
Augusto Nunes: John.
John Barham: Ministro, o senhor defende abertamente a abertura do Brasil ao investimento estrangeiro, às importações em dólar, embora o Congresso Constituinte tenha votado a favor de teses nacionalistas, protecionistas. Isso gera muita confusão fora do Brasil? Como é que o senhor explica esse caos aos interlocutores em Washington e Paris, por exemplo?
Maílson da Nóbrega: Bom, primeiro, esse tipo de matéria não é objeto das nossas conversações em nível oficial. Eu tenho tido conversações com o secretário [de Estado James] Baker, dos Estados Unidos, com o presidente [Barber] Conable, do Banco Mundial, e o [Michel] Camdessus, [diretor-gerente] do Fundo Monetário [Internacional], e nós discutimos assuntos de interesse econômico. É claro que essas atitudes, do ponto de vista do que acontece neste país, são retrógradas. Mas são atitudes tomadas por uma Assembléia que tem um mandato popular para tomá-las, certamente influenciada por algum grupo...
John Barham: Mas o senhor está remando contra a vontade do país, porque a vontade do país é se fechar...
Maílson da Nóbrega: Não, eu tenho impressão que esses grupos talvez não representem a totalidade do desejo nacional. Eu acho que o trabalhador brasileiro deseja ter emprego, sabe? Eu tenho a impressão de que, já no trabalhador brasileiro hoje, existe uma consciência de que entre o discurso nacionalista ultrapassado e o emprego, a proteção à sua família, a assistência social, ele prefere essas duas coisas, proteção e emprego. De modo que acho que não representa o povo brasileiro na sua maioria. Mas foram eleitos, não importa por que processo ou por que influências. Mas eu vejo isso com muita naturalidade. No caso de Portugal, também houve isso: a Constituição [de 1976] fechou o país, criou grandes dificuldades e, depois de um certo tempo, o povo português se convenceu de que esse não era o caminho e que eles estavam na contra-mão da história, e elegeu um governo que está aprovando as mudanças. Não é? Em segundo lugar, ainda não é uma matéria definitiva, ela vai a uma segunda votação. E, se for votado, paciência. Eu ouvi hoje uma declaração de um dirigente de uma empresa multinacional segundo a qual ele não via com muita preocupação esse assunto, porque no Brasil as coisas têm sido muito lá no nacionalismo e depois chega um pouco na racionalidade, e assim o país vai; é um país jovem, cheio dessas contradições. As pessoas acham que a felicidade nacional pode ser decretada por um artigo da Constituinte, está certo? Então, fazem de boa fé, bem intencionadas, querem realmente a felicidade das pessoas, e aprovam alguns artigos que dão, realmente, conquistas sociais indiscutivelmente importantes que são incompatíveis com a capacidade de investimento e poupança do país.
Augusto Nunes: José...
Marco Antônio Rocha: Ministro, se nós precisamos de investimento estrangeiro - como o senhor mesmo tem defendido -, se nós precisamos de poupança externa, por que o governo brasileiro não consegue apresentar ao Banco Mundial projetos capazes de absorver as disponibilidades do Banco Mundial já colocadas a serviço do Brasil? Os créditos já autorizados e não desembolsados.
Augusto Nunes: Em seguida, o José Occhiuso, por favor.
Maílson da Nóbrega: Olha, eu acho que há uma desinformação aí. Há uma desinformação muito grande, que foi numa matéria publicada pela revista IstoÉ baseada em um relatório do Banco Mundial. E a IstoÉ chegou à conclusão, infelizmente equivocada - porque a IstoÉ é uma revista de alto prestígio e competência -, em que ela diz que o Brasil tem quatro bilhões de dólares sem receber do Banco Mundial, quatro bilhões de dólares...
Marco Antônio Rocha: Não, não tem isso, mas tem alguns milhões de dólares sem receber.
Maílson da Nóbrega: Não, espera aí. Quatro bilhões... Deixa eu terminar. Quatro bilhões de dólares sem receber. Esses quatro bilhões de dólares são simplesmente a carteira toda do Brasil. O que tem a receber. Isso é feito em vários anos. Então, você não pode dizer que vai receber hoje aquilo que, pelo contrato, você tem que receber daqui a três, quatro anos...
Marco Antônio Rocha: As nossas relações financeiras com o Banco Mundial...
Maílson da Nóbrega: Veja bem, veja bem...
Marco Antônio Rocha: ...se inverteram nos últimos dois anos, estão nitidamente parando.
Maílson da Nóbrega: Não por culpa dos projetos. Não tem nada a ver com projeto, hein? Não tem nada a ver com projetos. O que existe, viu, e aí o governo tem que reconhecer...
Marco Antônio Rocha: Nós estamos com saldo negativo...
Maílson da Nóbrega: Espera aí... Você está...
Marco Antônio Rocha: Estamos ou não estamos com saldo negativo?
Maílson da Nóbrega: Mas não por causa dos projetos. O Brasil ficou com saldo negativo no Banco Mundial por uma simples e pura atitude de confrontação com o sistema financeiro internacional. Quer dizer, nós partimos de uma posição ingênua, de que nós iríamos chegar para os bancos com uma mensagem assim: “Nós estamos ameaçando vocês; vocês vão falir porque eu vou decretar a morte de vocês, eu não preciso mais de vocês e está decretada a moratória”. E imaginar que os países-sede desses bancos, lá, a França, diriam assim: “Você está ameaçando o meu sistema bancário; apesar disso, eu vou te emprestar dinheiro e, apesar disso, eu vou te apoiar nas operações do Banco Mundial." Então, a queda das operações com o Banco Mundial têm muito a ver com a atitude de confrontação que o Brasil adotou ao longo do tempo. Agora, o que não significa dizer que não haja falhas; há. E estamos muito preocupados com isso. O Brasil tem um sistema descoordenado de relacionamento com o Banco Mundial. Alguns órgãos do governo contratam operações com o Banco Mundial sem a segurança de que haja contrapartida nacional para esse recurso. Quando chega na hora do lançamento, não dá; e, porque não dá, o Banco Mundial não desembolsa; mas, como você já tinha assumido o compromisso de desembolsar, paga uma comissão do compromisso. Enfim, esse assunto foi diagnosticado desde 1984, 1985. Em 1986, o governo adotou uma providência saneadora: a partir de 1986, nenhuma operação é negociada com o Banco Mundial sem que alguém do governo estabeleça, primeiro: se aquela instituição vai ter a contrapartida, se o projeto é mesmo prioritário para os planos do governo; segundo: se quem vai negociar tem capacidade de dar informações adequadas.
Augusto Nunes: Ministro...
Maílson da Nóbrega: Eu te garanto que, nos projetos negociados a partir de 1987, esse problema não existe mais.
Marco Antônio Rocha: É por isso que não sai o dinheiro da Eletrobrás, por exemplo?
Maílson da Nóbrega: Não, isso é outra coisa, meu Deus do céu! Isso é outra coisa, isso é outra coisa.
Augusto Nunes: Ministro, eu queria que o senhor abreviasse, então, essas explicações, para que o José Occhiuso completasse a roda. Qual foi a observação do Marco e do Escosteguy?
Jorge Escosteguy: O Marco lembrou bem, o próprio presidente da Eletrobrás se referiu a isso. Há quinhentos milhões de dólares que não foram liberados pelo Banco Mundial porque as estatais não foram saneadas como era a exigência em contrato.
Maílson da Nóbrega: Não, não. Eu acho que há uma bruta de uma confusão aí.
Jorge Escosteguy: Então, quer dizer que o presidente da Eletrobrás se confundiu?
Maílson da Nóbrega: O que há, veja, depende da interpretação que você deu à declaração dele, eu não ouvi...
Jorge Escosteguy: Não é interpretação...
Augusto Nunes: Por favor, ministro, eu gostaria que o senhor fosse breve para que o Occhiuso possa fazer a sua pergunta, que não se sinta constrangido aqui.
Maílson da Nóbrega: Olha, o que há é o seguinte: o sistema instalado no Brasil para o setor elétrico é um sistema compatível com um regime autoritário, em que você manda nos estados. É um sistema da reserva geral de garantia, reserva geral de conversão. Tem uma série de [...], pela qual você tem uma tarifa única em todo o território nacional. Algumas empresas que ganham mais do que o nível estabelecido de retorno transferem para um fundo comum que subsidia as outras empresas. Então, você pode ter o caso de uma empresa de energia elétrica em São Paulo que tem uma rentabilidade tal e vai subsidiar a empresa de energia elétrica de Goiás, por exemplo, de Minas Gerais ou de Santa Catarina - não sei, estou te dando exemplos. Então, o sistema só se sustenta se tiver um grau de controle sobre o governo. Quando vieram as eleições de 1986, os novos governadores, alguns deles, não aceitaram essa posição e passaram simplesmente a não repassar os recursos que deveriam à Eletrobrás. Em alguns casos, até atrasaram fornecimento de energia. E [aí] tem que se repensar todo o sistema, porque ele não é compatível com o sistema aberto em que a aceleração é muito mais forte do que em um regime centralizado. Então, o que tem dificultado as negociações com o Banco Mundial...
Jorge Escosteguy: Ministro...
Maílson da Nóbrega: ...veja só, o que tem dificultado as negociações com o Banco Mundial não é um problema de administração de empréstimo, não. É um problema que é muito complexo, que exige uma grande negociação entre estados e União para encontrar um novo sistema que seja compatível com o processo democrático aberto em que os estados não são mais tutelados...
Augusto Nunes: Ministro, por favor, ministro. José Occhiuso.
Jorge Escosteguy: Que todas as estatais sejam bem administradas.
Augusto Nunes: Ministro...
Maílson da Nóbrega: Como?
Jorge Escosteguy: Que todas as estatais sejam bem administradas.
Augusto Nunes: Ministro...
Maílson da Nóbrega: Não, não tem nada a ver com isso. É só um problema...
Jorge Escosteguy: Não é necessário. [risos]
Maílson da Nóbrega: É um problema... Não. Necessário é. Necessário é, mas não é isso, não, não é isso. E eu te digo porque coordenei esse estudo durante muito tempo. É encontrar o que se chama Rencor [Reserva Nacional de Compensação e Remuneração, instituída por um decreto nove dias após a entrevista]. É um novo sistema em que haja repasse de recursos entre as empresas estatais de energia elétrica na área estadual e as na área federal. Enquanto não arranjarmos essa coisa... porque o resto já foi feito: seria um reajuste de tarifas em termos reais que restabelecesse um grau de rentabilidade equivalente a 10% do investimento em termos reais, que seja de 10%. Tudo isso já foi feito, nós precisamos só acertar essa questão de como as empresas repassam recursos de compra e venda de energia elétrica.
José Occhiuso: Deixe eu aproveitar a minha chance aqui...
Maílson da Nóbrega: Pois não.
José Occhiuso: ...e lavar a alma. Eu queria discutir um pouco sobre inflação.
Maílson da Nóbrega: Sim.
José Occhiuso: Os preços públicos responderam por cerca de 30%, 40% do índice mensal de inflação. E, congelando a URP, o governo teria, em tese, menos necessidade de passar os custos de folha de salário para os preços públicos. Eu gostaria de saber se não haveria aí uma possibilidade de adiar o reajuste dos preços públicos como forma de dar uma contida na inflação mensal. Ainda com relação à inflação, o presidente do Banco Central disse, no fim da semana passada: “Uma inflação como a nossa só se controla com choques.” [A inflação no Índice de Preços ao Consumidor (IPC) em março de 1988 foi de 19,28%] Eu gostaria de saber o que o senhor acha sobre isso e também quais os níveis de inflação que o senhor considera aceitáveis para a nossa economia.
Augusto Nunes: Por favor, ministro, já que o senhor vai falar sobre esse assunto levantado pelo Occhiuso, eu queria fazer uma pergunta que foi encaminhada por um aluno aqui presente. Se quiser se identificar, por favor. Ele diz o seguinte: “Estima-se que a inflação brasileira, neste ano, atinja o patamar de mais de 800% ao ano, uma vez que deve ficar na faixa dos 20% ao mês." [ficou em 933,62%] Nas operações por nós efetuadas no dia a dia, consumidores que somos, comumente observamos vendas efetuadas com valores em dólares, freqüentemente, ou em OTN. Pergunto ao ministro: a tão discutida e falada hiperinflação brasileira já não estaria ocorrendo, uma vez que a moeda legalmente circulante se restringe a uso de baixo valor e curtíssimo prazo?” Então, eu queria que o senhor primeiro dissesse...
Maílson da Nóbrega: Quer repetir? Como é?
Augusto Nunes: É um aluno aqui presente...
Maílson da Nóbrega: Não. Repetir esse último, esse último, o que foi?
Augusto Nunes: Pergunta se a "hiperinflação brasileira já não estaria ocorrendo, uma vez que a moeda legalmente circulante se restringe ao uso de baixo valor e curtíssimo prazo". Então, a pergunta é a seguinte: o senhor acha que o Brasil já vive um processo hiperinflacionário? E, em seguida o senhor responderia às perguntas...
Maílson da Nóbrega: Não. Não.
Augusto Nunes: O senhor acha que não?
Maílson da Nóbrega: Não. Isso é muito difícil dizer. Os estudiosos da hiperinflação chegam a dizer que ela só se caracteriza como tal quando a taxa mensal de inflação ultrapassa 50% ao mês. Não chegamos ainda nisso. Nós estamos é em um nível de inflação indecente, isso sim, certo?
Augusto Nunes: E o cruzado é um papel...
Maílson da Nóbrega: É indecente [a inflação]. Eu acho que é inaceitável, isto é, todo o esforço do governo deve ser feito para reduzir esse nível de inflação. Mas não estamos ainda na hiperinflação - e tomara que não cheguemos lá, porque não há exemplos, na história de hiperinflação, em uma economia indexada como a brasileira nem com graus de desequilíbrio de renda pessoal e regional tão acentuados. De modo que a hiperinflação no Brasil seria um efeito muito mais danoso, do ponto de vista social, do que aquela que ocorreu em países como a Bolívia, recentemente, e, no passado, a Alemanha, a Hungria, a Áustria. [a inflação mensal brasileira ultrapassou 50% momentaneamente em janeiro de 1989 e novamente de dezembro do mesmo ano a março de 1990, quando atingiu 84,32% mensais]
Augusto Nunes: Como observa o Leônidas Milione Júnior, de Araçatuba, os editais para construção de obras do governo são feitos com base na OTN. Isso não é um sinal da desmoralização completa do cruzado?
Maílson da Nóbrega: Não, não são.
Augusto Nunes: Não são?
Maílson da Nóbrega: Não. Acho que ele se equivocou. Eles são feitos em cruzados e reajustados pela OTN, isso sim.
Augusto Nunes: Perfeito.
Maílson da Nóbrega: Mas isso não é problema, não, porque os contratos de habitação são por OTN desde o início do Banco Nacional da Habitação. E tem que ser, porque os recursos são captados também em OTN.
Augusto Nunes: Mas então, vamos lá ao...
Maílson da Nóbrega: Agora eu teria que voltar...
Augusto Nunes: Exatamente.
José Occhiuso: [segurando um microfone] Acabam de me informar que o meu [microfone de] lapela não está funcionando. É o seguinte. A primeira pergunta que eu tinha feito é com relação a reajuste de tarifas públicas. Houve congelamento da URP para os funcionários; [a pergunta é] se isso não propiciaria um ganho para adiar o reajuste das tarifas - que tem sido feito em bases mensais - e, com isso, ganhar um pouco na inflação mensal. A segunda coisa é com relação ao que o presidente do Banco Central disse neste final de semana. Disse que uma inflação como a nossa só se controla com choque [heterodoxo, política de combate à inflação caracterizada por congelamento de preços e liberalização das políticas montetária e fiscal]. Eu gostaria de saber o que o senhor acha disso. E também quais os níveis de inflação que o senhor considera aceitáveis, já que 20% são indecentes, e são mesmo.
Augusto Nunes: Após a sua resposta, nós teremos um intervalo, ministro.
Maílson da Nóbrega: Muito obrigado. Em primeiro lugar: a primeira pergunta é sobre tarifas?
José Occhiuso: Exatamente.
Maílson da Nóbrega: Olha, eu acho que não. As tarifas do serviço público brasileiro foram concluídas de forma inconveniente ao longo do tempo e são a causa de alguns desequilíbrios estruturais por que passam hoje as empresas estatais. Quer dizer, nós controlamos preços de energia, de aço, de petróleo e subsidiamos, através das empresas estatais, uma grande parcela dos consumidores no Brasil. Isso trouxe inconvenientes de toda a ordem. Você veja: até hoje, a Siderbrás e as empresas estatais passam por sérias dificuldades. Nós usamos o aço para subsidiar grandes setores da indústria no Brasil. Portanto, a nossa decisão é de continuar o processo de recuperação das tarifas e dos preços públicos, porque é por aí que as empresas estatais - assim como ocorre com uma empresa privada - vão financiar os seus investimentos sem ter que pressionar o Tesouro Nacional: pedindo dinheiro para aumentar o capital. Ou seja, a Siderbrás vai vender o aço por quanto ele custa, certo? Necessariamente você tem que ter um controle da eficiência dessas empresas, mas, [estando] tudo o mais constante - isto é, se ela é empresa eficiente -, ela deve vender o aço por quanto ele custa. E há uma defasagem muito grande de tarifas. Então, em princípio - nós estamos examinando isso, discutindo no governo -, em princípio, é continuar o processo de recuperação de tarifas. A segunda pergunta é?
José Occhiuso: Só uma coisa...
Augusto Nunes: O choque.
José Occhiuso: ...essa [recuperação] de tarifas continuaria sendo feita com base na inflação do mês anterior?
Maílson da Nóbrega: Em princípio, sim, porque isso vem dentro do processo de recuperação de tarifas, como se fez a partir de outubro. A partir de outubro, tarifas como a de energia elétrica, o preço de aço, energia como um todo, foram reajustados acima da inflação, para compensar o período em que foram reajustados abaixo da inflação.
Augusto Nunes: Ministro, o senhor poderia falar rapidamente sobre o choque? Temos necessidade de...
Maílson da Nóbrega: A outra pergunta é? Sobre o choque.
José Occhiuso: É. Isso. Em relação ao choque.
Maílson da Nóbrega: Olha, eu não acredito que você possa dar um choque, não sei a que atribuir essa afirmação do presidente do Banco Central. Eu não sei como você pode dar um choque, na economia, de congelamento de preços e salários quando você tem um déficit público com potencial de 8%. É a mesma coisa que você tapar uma chaleira e botar fogo alto embaixo, um maçarico embaixo e esperar que ela não vá explodir. Vai explodir - talvez nem a tampa suba, a panela se derreta. [Em janeiro de 1989, o governo lançou mais um choque heterodoxo, com o Plano Verão, ainda sob a gestão de Maílson]
John Barham: Não podia dar um calote na dívida pública?
Maílson da Nóbrega: Como?
John Barham: Não podia dar um calote na dívida pública?
Maílson da Nóbrega: Aí seria o desastre total. Posso comentar isso depois. Ou agora?
Augusto Nunes: Ministro, por favor, nós teremos agora um ligeiro intervalo. O Roda Viva, com o ministro Maílson da Nóbrega, volta já, já.
[intervalo]
Augusto Nunes: Retomamos aqui a conversa com o ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, convidado do Roda Viva desta noite. Antes de encaminhar ao ministro algumas perguntas formuladas por telespectadores, o Occhiuso vai dizer por que que não considera inteiramente respondida a pergunta feita no final do primeiro bloco.
José Occhiuso: Sim. O senhor disse que os 20% de inflação são indecentes. Concordamos todos. Eu gostaria de saber qual o índice que o senhor considera aceitável.
Augusto Nunes: Decente?
José Occhiuso: Decente. Deixa eu aproveitar, pegar agora, aqui, outra vez. Como é que se coaduna uma política de contenção ao déficit, congelamento de URP e congelamento da dívida dos estados e municípios com o aumento da dívida pública que está ocorrendo através de leilões de OTNs?
Augusto Nunes: Essa é uma outra pergunta?
José Occhiuso: É uma outra pergunta. Estou aproveitando porque vai demorar para chegar em mim outra vez aqui.
Augusto Nunes: Tem razão. Ministro.
José Occhiuso: Então seria a resposta da primeira e esta é a segunda pergunta: me parece um pouco incoerente cortar a URP e congelar empréstimos dos estados e municípios por um lado e, por outro, o Banco Central vendendo títulos à taxa de 13% ao ano, como saiu hoje, contra o que estava vindo com a...
Augusto Nunes: 13% reais.
José Occhiuso: 13% reais, mais comissão.
Maílson da Nóbrega: Qual é a sua sugestão então? É o calote? É...
José Occhiuso: Não. Não. Não é o calote. É que eu estou... A única coisa que eu estou notando aqui é que me parece que há uma...
Maílson da Nóbrega: Mas então explique onde está a incoerência.
José Occhiuso: Há uma medida que, a meu ver, está puxando para um lado, que são essas OTNs, medidas efetivas...
Maílson da Nóbrega: Está bem, então onde é que está a incoerência?
José Occhiuso: ...do outro, há uma medida que vai pressionar a dívida pública, que está aumentando a dívida pública.
Maílson da Nóbrega: Sim, mas, [se] está aumentando a dívida pública, tem déficit. Qual é, onde é que está a incoerência?
José Occhiuso: Até agora, o Banco Central vem fazendo uma política com LFT [títulos de renda fixa emitidos pelo Tesouro Nacional] - primeiro [com] LBC [Letras do Banco Central, títulos emitidos por esse banco] -, conseguindo rolar a sua dívida com taxa de juros em torno de 0,5% ao ano mais overnight [aplicação financeira no mercado aberto para resgate no primeiro dia útil seguinte]. Com OTNs, o Banco Central está pagando 13% de juros ao ano mais correção monetária.
Maílson da Nóbrega: Olha, eu acho que a sua informação não está completa não, sabe? Porque no primeiro leilão feito pelo Banco Central - nesse leilão, o tomador corre o risco da taxa -, no primeiro leilão, que nós achávamos ter tido o custo mais amplo de todos, você sabe que o resultado final foi inferior ao da própria LFT? Agora, eu acho que você fez uma pequena confusão aí, sabe?
José Occhiuso: Como confusão, ministro?
Maílson da Nóbrega: É, você fez uma pequena confusão aí. O fato de existir dívida pública não quer dizer que ele seja incoerente em si. A medida de contenção do déficit público...
José Occhiuso: A dívida está sendo encarecida.
Maílson da Nóbrega: Não tem nenhuma decisão de encarecer a dívida pública, está certo? O que se tem procurado é evitar que, pelo completo corner em que está o Banco Central, você perca de uma vez o controle da política monetária. Isso é um preço a pagar por anos de um certo corte na política monetária durante o qual se foram criando gavetas, descaminhos no Banco Central, [uma] forma disfarçada de financiar o déficit, de tão gigantesco que ele era, de tal forma que hoje a base monetária do Brasil é algo como de 5% a 10% do passivo total do Banco Central, enquanto que em qualquer país em que você tenha um sistema adequado de Banco Central a base monetária é de 5% do passivo ou praticamente 5% do passivo.
Augusto Nunes: Ministro, por favor, gostaria que o senhor dissesse qual é o nível aceitável de inflação e, em seguida, vou encaminhar outras perguntas.
Maílson da Nóbrega: O nível aceitável seria zero, não é não? Certo? O ideal...
Augusto Nunes: Já prometeram isso, ministro. Ministro, o senhor não faça isso, já nos prometeram...
[risos]
Maílson da Nóbrega: Aceitável, aceitável é você ter uma bola de cristal. É impossível você dizer qual é o nível aceitável, certo? O nível aceitável de inflação seria aquele mais baixo possível.
José Occhiuso: Sim, mas o senhor deve ter uma meta...
Maílson da Nóbrega: Nem pode ter, não pode ter...
Augusto Nunes: Ministro. Ministro, por favor...
Maílson da Nóbrega: Eu posso responder a do... Como é seu nome?
John Barham: John.
Maílson da Nóbrega: Posso responder a dele?
Augusto Nunes: Por favor.
Maílson da Nóbrega: Do calote?
John Barham: É, do que eu entendo, depois da Primeira Guerra Mundial [1914-1918], a Áustria e a Alemanha eliminaram a inflação [a hiperinflação pós-guerra que teve seu auge na Alemanha em 1923] dando um calote parcial na dívida pública, não é?
Maílson da Nóbrega: Não, veja, por hiperinflação!
John Barham: Exatamente. Agora, [inflação de] 800% [ao ano] é...
Maílson da Nóbrega: Não, mas veja. Lá na Alemanha não existia correção monetária. Então, o sujeito que comprou o papel do governo entrou pelo cano, porque ele comprou um papel que no outro dia não valia mais nada. Só para você ter uma idéia, a hiperinflação alemã começa em 1917 - portanto, antes do término da Primeira Guerra Mundial -, a grande inflação, e termina por volta de 1924, 1925. Nesse período, os preços evoluem cem trilhões por cento. Eu vi um estudo recente que mostra que, no início da inflação, os ativos financeiros eram da ordem de duzentos milhões de marcos. Para pessoas que tinham investido em caderneta de poupança, títulos do governo, no fim do período esses duzentos milhões de marcos foram reduzidos a um centavo.
John Barham: Mas eu... minha pergunta é a seguinte...
Maílson da Nóbrega: Então, veja...
John Barham: ...já houve calote no Brasil, assim, manipulando taxa de inflação, por exemplo...
Maílson da Nóbrega: Com desastrosos resultados, com desastrosos resultados. Então, veja, as pessoas dizem... No Brasil, durante muito tempo, um grupo de pessoas defendeu: “O problema do déficit público no Brasil não é o gasto do governo, é o juro da dívida pública”. Que é uma forma disfarçada de dizer assim: “Vamos continuar gastando e aumentando essa dívida pública” - que, em si, é contraditório, a menos que a pessoa esteja pensando em um calote efetivamente, não é?
Augusto Nunes: Ministro...
Maílson da Nóbrega: Deixe eu só concluir aqui. Você sabe de uma coisa? Nós fizemos um levantamento recente: do dinheiro que financia a dívida pública brasileira, 81% é de pessoas físicas e de pessoas jurídicas não-financeiras. Portanto, essas pessoas que mandam dar um calote na dívida pensam que vão “dar o cano” nos bancos. Não, os bancos só têm 19% da dívida pública. Depois, o seguinte: essa pessoa que sugere o calote, como é que você faria com a caderneta de poupança? Porque a caderneta de poupança é um sucesso, entre outras razões, porque é garantida pelo governo. Um governo que dá um calote na sua dívida, como é que ele fica com o sujeito que faz uma caderneta de poupança?
John Barham: A minha pergunta é a seguinte: o governo já deu vários calotes no passado...
Maílson da Nóbrega: Quando?
John Barham: Durante a última administração do Delfim Netto [como ministro do Planejamento, de 1979 a 1985]...
Maílson da Nóbrega: Mas com resultados muito ruins. Não devemos repeti-lo, vamos...
John Barham: Mas parece que não tem outra alternativa, porque você tem um gasto [...] que vão aumentando o déficit...
Maílson da Nóbrega: Não. A alternativa é combater o déficit, está certo? A alternativa é chegar a um ponto tal em que o déficit, pelo menos durante um período, seja mantido...
Augusto Nunes: Ministro...
Maílson da Nóbrega: ...em termos relativos, estáveis. Livre do PIB [Produto Interno Bruto].
Augusto Nunes: Por favor, eu quero encaminhar algumas perguntas que foram feitas pelos telespectadores. Depois o senhor receberá cópias de todas elas.
Maílson da Nóbrega: Sem dúvida.
Augusto Nunes: Por exemplo, o Antônio Carlos, de Santo André, diz assim: “Como deve proceder um funcionário público que está com o seu salário congelado e que não pode pagar as mensalidades do veículo que comprou, reajustadas pela OTN; a escola, que é reajustada pela URP; e prestações diversas que sofrem reajustes mensais?”. Isto é uma pergunta. Outra é a seguinte: vários telespectadores dizem que, antes de congelar a URP, o senhor poderia tentar outras medidas. Por exemplo, Oscar Oliveira diz que o senhor poderia demitir os funcionários nomeados por critérios políticos; Agostinho, do Tucuruvi, sugere que o senhor demita os funcionários admitidos, também sob critérios políticos, pelo governo Sarney; e Dorival Duran, da Vila Formosa, acha que o senhor deveria privatizar estatais - que, segundo ele, são os verdadeiros cancros do país - antes de congelar a URP. Então, eu queria primeiro que o senhor aconselhasse esse funcionário com salário congelado, que quer saber como vai fazer para pagar as suas prestações e mensalidades e, em seguida, dissesse porque que o senhor começou pelo congelamento da URP.
Maílson da Nóbrega: Bom, deixa eu responder a primeira questão. Qual é? Como é que vai fazer...
Augusto Nunes: O funcionário, como é que faz? O salário está congelado.
Maílson da Nóbrega: Primeiro, o seguinte. Se ele fosse um empregado do setor privado - e está acontecendo: é empregado do setor privado, a empresa não pode pagar a URP, ele perde o emprego, como é que faz esse empregado? Você podia responder ou não?
Augusto Nunes: Eu?
Maílson da Nóbrega: Sim.
Augusto Nunes: Não.
Maílson da Nóbrega: Então...
Augusto Nunes: É o senhor que dever sugerir coisas aqui.
Maílson da Nóbrega: Então, é uma situação...
Augusto Nunes: O que o senhor acha que tem que fazer?
Maílson da Nóbrega: Ele tem que lamentar, como ele está se lamentando, mas a alternativa que o governo teria seria demiti-lo. O governo não faz isso porque, certamente, ele é um funcionário estatutário, ele tem uma estabilidade e a Constituição diz, no Brasil - é um dos poucos países em que isso ocorre - que o funcionário público que adquirir estabilidade não pode ser demitido, ainda que o órgão dele desapareça. Então, a alternativa do governo para o caso dele seria demiti-lo. O que o governo fez? Ao invés de demiti-lo porque o governo não tinha como pagar o salário dele - dele e de todos, de todo o conjunto -, o governo deixou de dar o adiantamento da URP por dois meses.
Augusto Nunes: Mas, ministro, o presidente Sarney disse aos sindicalistas que a URP não será extinta no setor privado. Quer dizer que, se o presidente está estimulando esse tipo de demissão, não sabe o que está acontecendo?
Maílson da Nóbrega: Não, não, veja, a extinção da URP no setor privado terá que ser feita com um processo de livre negociação salarial. Eu, por exemplo, sou favorável à livre negociação salarial em um contexto de estabilidade monetária, de inflação estável, baixa. Você não pode fazer hoje a livre negociação salarial com um nível de inflação indecente de 20%, não é? Portanto, o nosso amigo, eu, no lugar dele, também estaria infeliz, não é? Mas, essa é a situação do país. Deu-se um nível de salário para ele que é incompatível com as possibilidades do país...
Augusto Nunes: Agora...
Maílson da Nóbrega: Ao mesmo tempo, a Constituinte tirou receitas da União que ela tem que substituir. Com o quê? Ou com redução de salários ou com transferência de encargos...
Augusto Nunes: Nós vamos passar o Boris, o Luis Nassif, depois nós vamos parar...
Maílson da Nóbrega: Mas eu não respondi às outras questões.
Augusto Nunes: Pois é, porque o senhor não começou com outras medidas?
Maílson da Nóbrega: Começou. Começou, aí é que está o equívoco...
Luis Nassif: O duplo emprego, por exemplo...
Maílson da Nóbrega: Começou. Primeiro, tem o pacote fiscal de dezembro, em que eliminamos os incentivos fiscais ao turismo, reduzimos os incentivos fiscais ao florestamento, reduzimos os incentivos fiscais à informática, reduzimos os incentivos fiscais para a Embraer, a Fundação Educar, Finor [Fundo de Investimento do Nordeste], Finam [Fundo de Investimento da Amazônia]. Segundo, limitamos os incentivos fiscais para a formação do trabalhador, para a alimentação do trabalhador, para certos investimentos das empresas...
Luis Nassif: Por que o senhor aumentou o limite da Zona Franca, ministro?
Maílson da Nóbrega: Veja só... Quem diz que eu aumentei?
Luis Nassif: No ano passado, aumentou.
Maílson da Nóbrega: Mas qual é? O que isso tem a ver com o déficit público, meu amigo?
Luis Nassif: Claro que tem.
Maílson da Nóbrega: Como?
Luis Nassif: Você traz produtos de lá que não pagam imposto, você está vendendo menos produtos que têm imposto.
Maílson da Nóbrega: Você está, você está equivocado.
Luis Nassif: Não, senhor.
Maílson da Nóbrega: Nisso, você está equivocado.
Luis Nassif: [sorrindo] [...] o senhor está equivocado quando eu não estou equivocado.
Maílson da Nóbrega: Tem um limite. Tem um limite.
Luis Nassif: Eu não estou equivocado.
Maílson da Nóbrega: Tem um limite. A pessoa vai trazer de lá produtos importados que têm um limite. Se você aumenta a quota para trazer produtos importados, o que vai acontecer é que menos pessoas vão trazer mais produtos, mas o limite é o mesmo.
Luis Nassif: A selva amazônica tem caminhos lá...
Maílson da Nóbrega: Não, não. Você está fazendo acusações. Devia ter prova para isso.
Augusto Nunes: Boris Casoy.
Maílson da Nóbrega: É difícil. No Brasil, é fácil fazer acusações sem prova, sabia?
[...]: Não.
Maílson da Nóbrega: Você acaba de fazer uma.
Augusto Nunes: Boris.
Boris Casoy: Nós estamos falando de inflação, vou fazer uma pergunta... Vou lhe perguntar uma amenidade...
Maílson da Nóbrega: Melhorou.
Boris Casoy: ...uma curiosidade nada conflitiva, o senhor não vai me chamar de demagogo...
Maílson da Nóbrega: Eu vou lhe responder com mais calma.
Boris Casoy: E eu vou lhe dar a oportunidade de dar uma aula à população do estado de São Paulo.
Maílson da Nóbrega: Você é professor.
Boris Casoy: Como é que o cidadão... É, nós somos professores, todos nós. Como é que o cidadão Maílson da Nobrega - não o ministro -, se é que tem sobras no seu orçamento doméstico; se não tiver, como é que ele se defende da inflação? O senhor compra dólar, o senhor investe em caderneta de poupança...? Se o senhor não tem sobra, como é que o senhor... Se o senhor as tivesse, como é que o senhor faria? O que o senhor aconselha para a população para defender aquele dinheirinho, aquela poupancinha, o que é que o senhor faria?
[...]: O sr. perdeu [...]?
Maílson da Nóbrega: Perdi.
Boris Casoy: Perdeu?
Maílson da Nóbrega: Perdi duas vezes, não é? Eu perdi porque sou funcionário do Banco do Brasil e perdi porque tenho uma gratificação como ministro do Estado.
Boris Casoy: Mas, como é que...
Maílson da Nóbrega: Olha, vou dizer, no momento não estou tendo sobra nenhuma...
Boris Casoy: Mas se o senhor tivesse...
Maílson da Nóbrega: ...porque estou fazendo uma reforma na minha casa. Mas, quando tinha, eu investia em caderneta de poupança.
Marco Antônio Rocha: Está investindo a sobra na sua casa.
Maílson da Nóbrega: É, estou investindo na minha casa. Eu sempre investi em caderneta de poupança. Como eu nunca tive um salário que me permitisse, não tinha os dez salários que você tem, eu nunca...
Boris Casoy: Não tenho, ministro. Eu não tenho, ministro...
Maílson da Nóbrega: Como eu só tive um salário a vida toda, se só der um pouquinho assim para chegar no fim do mês, sabe o que eu faço? Eu invisto em caderneta de poupança. Porque não dá para investir em ações, essas coisas, sabe? Caderneta de poupança...
Boris Casoy: Dólar nunca?
Maílson da Nóbrega: Nunca.
Boris Casoy: Não é bom?
Maílson da Nóbrega: Não. Não sei se é bom. Nunca tive dinheiro para investir em dólar. Eu ganhei em dólar já, quando estive no exterior, está certo? Passei dois anos e o salário era a pago em dólar. Mas...
José Laurentino Gomes: Ministro, ministro...
Maílson da Nóbrega: ...mas comprar no mercado nacional, nunca comprei.
José Laurentino Gomes: Ministro, o senhor serve a um governo cujo principal grupo de apoio no Congresso, o Centrão, tem o seguinte lema: “É dando que se recebe.” Só na semana que antecedeu a votação do mandato e do sistema de governo, só um ministério, o Ministério do Desenvolvimento Urbano, liberou 14 bilhões de cruzados em verbas com fins políticos. Como é que o senhor concilia essa necessidade de conter o déficit público e esse caráter perdulário do governo na sua área política?
Maílson da Nóbrega: Em primeiro lugar, eu acho que está - vou dizer de novo -, está aí um equívoco. [risos] Um equívoco.
[risos]
Maílson da Nóbrega: O que vale é a versão, não é? Essa foi a versão que saiu na imprensa. Isso não tem nada a ver, está certo? O que houve? Veja, existe um limite de endividamento dos estados e municípios e empresas estatais na Caixa Econômica Federal, no BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], nos demais bancos do governo e no setor privado. Agora, esse limite não impede que a Caixa Econômica faça operações. Por exemplo, se a prefeitura “A” pagar uma prestação, a prefeitura “B” pode ter um empréstimo equivalente àquele pagamento, certo? Agora, a prefeitura “B” precisa de autorização do Senado Federal, porque todas as operações com recursos do Fundo de Garantia têm que ser autorizadas caso a caso pelo Senado Federal. O que ocorre: existe todo um processo que passa pelo Banco Central, vai ao Conselho Monetário Nacional, [então] o ministro da Fazenda, em seguida, encaminha ao Gabinete Civil, que encaminha ao Senado Federal através do presidente da República. Então, essas operações foram todas encaminhadas ao Senado Federal. Não quer dizer que elas vão ser realizadas, só se houver margem...
Augusto Nunes: Ministro...
Maílson da Nóbrega: ...nas aplicações da Caixa Econômica Federal.
Augusto Nunes: Está muito ligada à pergunta feita pelo Laurentino, uma pergunta que o senhor vai acompanhar por aqueles monitores. Foi feita pelo deputado Guilherme Afif Domingos.
Maílson da Nóbrega: Onde? Qual é o monitor?
Augusto Nunes: Guilherme Afif Domingos. O senhor pode acompanhar por ali.
[inserção de vídeo]
Guilherme Afif Domingos: Meu caro ministro Maílson. Vossa excelência tem mostrado uma posição muito coerente dentro da sua linha de atuação e nós temos acompanhado o seu esforço na busca de equacionar o violento problema do déficit público. Mas, aí, eu acredito que existe uma dificuldade muito grande para esta linha de ação, que é o problema político. Hoje, no Brasil, existe o que nós chamamos “política dos governadores”. E a política dos governadores, hoje, para dar sustentação política a um governo fraco, exige mais. E a exigência a mais para uma ação de governo, inclusive de verbas, inviabiliza todo e qualquer plano de austeridade. Como o senhor, que está buscando uma direção certa, se vê, neste caso, com esta falta de apoio político para o grande choque que a nação está esperando - o choque da austeridade e o choque da moralidade?
[fim da inserção de vídeo]
Maílson da Nóbrega: Meu caro amigo Guilherme Afif, em primeiro lugar, eu não recebi, no Ministério da Fazenda, nenhuma dessas pressões a que você se refere. O que eu tenho tido...
Jorge Escosteguy: Está equivocado?
Maílson da Nóbrega: O que eu tenho tido... Como?
Jorge Escosteguy: O deputado também está equivocado?
Maílson da Nóbrega: Não, não...
Boris Casoy: Não. É demagogo. Demagogo.
[risos]
Maílson da Nóbrega: Não. Nem uma coisa, nem outra. Ele está mal informado, [risos] ele está mal informado. Ele é um grande deputado, vocês sabem, um grande defensor do liberalismo. Nós somos amigos de longa data, comungamos das mesmas idéias...
Augusto Nunes: Ele está dizendo que também os governadores, ministro...
Maílson da Nóbrega: ...achamos que o Estado, achamos que o Estado...
Augusto Nunes: E agora ele está afirmando que também os governadores acham que é dando que se recebe.
Maílson da Nóbrega: Não, eu não acredito nisso. O que existe é um limite que terá ser observado. O limite de endividamento dos estados e dos municípios é um dos pilares do conjunto de medidas para se combater o déficit público, que está sendo rigorosamente observado. A resolução é de fevereiro e até hoje não abrimos uma exceção sequer. E não vamos abrir qualquer uma.
Luis Nassif: Ministro, deixa eu colocar dois pontos aqui. Primeiro, com relação à Zona Franca. Não me convenceu o que o senhor disse, que aumentou o limite de importação mas, como não aumentou o limite de uma pessoa trazer para cá, não tem efeito nenhum, então foi uma medida inócua.
Maílson da Nóbrega: Não, não é isso, não.
Luis Nassif: Mas eu... Deixa eu passar isso aí para a gente...
Maílson da Nóbrega: Pois não.
Luis Nassif: Tem uma questão também importante aqui...
Maílson da Nóbrega: Mas eu acho que tem que ser esclarecido isso...
Luis Nassif: Tudo bem, mas deixa eu terminar isso aqui, então. O senhor é uma pessoa séria...
Maílson da Nóbrega: Muito obrigado.
Luis Nassif: ...mas eu fui apanhado pelo contrapé uma vez pelo [...]. Eu quero saber o que é que aconteceu. Logo que o ministro [Luiz Carlos] Bresser [Pereira, ministro da Fazenda em 1987] saiu [em dezembro de 1987], ele divulgou - tive uma conversa com ele -, ele divulgou o plano de negociação da dívida externa que ele tinha montado, que previa, no final daquele prazo da moratória, o não-pagamento dos juros, uma definição unilateral das condições de pagamento da dívida e o lançamento de bônus no exterior, acoplado à questão de conversão. Ele achava que o senhor não ia conduzir esse plano porque o senhor tinha uma idéia de uma negociação mais convencional. No entanto, alguns outros setores, algumas pessoas que estavam participando do processo de negociação, achavam que era possível que esse plano fosse tocado. Eu consultei a administração do seu ministério. Ela entrou em contato com o senhor e a resposta que me veio no final do dia foi de que o plano Bresser de negociação da dívida iria ser tocado. Levei isso aí no final do mês, não deu nada disso. Eu pergunto o seguinte: o senhor realmente tinha a convicção que esse plano tinha que ser tocado? Houve uma mudança de avaliação no meio do caminho ou o senhor mesmo, sem convicção, declarou que o plano ia ser tocado para esvaziar uma polêmica antes de partir para o processo de negociação da dívida?
Maílson da Nóbrega: Bom, primeiro, você disse duas coisas erradas aí. Não tem isso no plano, não.
Luis Nassif: Tem. Ele me disse, ele me disse.
Maílson da Nóbrega: Como?
Luis Nassif: Ele me disse.
Maílson da Nóbrega: Disse para você e não disse para mim.
Luis Nassif: Hã?
Maílson da Nóbrega: Porque o que está por escrito lá é outra coisa, certo?
Luis Nassif: [...] uma frase dele, na mesma ocasião...
Maílson da Nóbrega: Meu amigo, ele pode ter dito para você dez mil coisas. O que eu tenho no documento de negociação da dívida externa não tem nada sobre pagar juros.
Luis Nassif: Não pagou os juros de janeiro?
Maílson da Nóbrega: Não, não.
Luis Nassif: Isso é um absurdo... Me foi dito isso...!
[risos]
Maílson da Nóbrega: Não. Não. Veja só. Veja só, não tem nada disso.
Luis Nassif: [rindo] Aí não dá...!
Maílson da Nóbrega: O que existe - e aí vocês estão levando a coisa muito para o lado emocional...
Luis Nassif: Não. Não estou, não.
Maílson da Nóbrega: Veja só. Veja só. Olha. Tem até havido... um senador - fui lá no Senado, ele disse assim, fez uma acusação de dedo em riste e não me deu tempo nem de responder, ficou a versão dele: “O senhor está aderindo ao contrato dos bancos”. Eu lhe respondi: "Se estivesse aderindo já teríamos assinado o contrato no dia 9 de janeiro", que é o primeiro dia. Se é para aderir, chega aqui e assina. Se não saiu até agora é porque estamos defendendo os mais legítimos interesses do país. Segundo ponto: negociação é negociação, certo? Se você sai daqui com um plano [dizendo] “esse é o meu plano!”, então não vai para a mesa, porque não tem negociação. Se você senta na mesa, é porque tem que negociar. [Nassif tenta intervir] Espera aí, espera aí! Você tem que negociar. Então, você sofre... Uma negociação só existe se as duas partes estiverem dispostas a ceder em benefício de uma solução de comum interesse. Você está de acordo com isso?
Luis Nassif: Está-se há um ano negociando; então, não era questão de derrotismo?
Maílson da Nóbrega: Não, não estava há um ano, não, você está errado de novo. A primeira negociação...
Luis Nassif: Desde a moratória que está se negociando.
Maílson da Nóbrega: Não. Você está errado de novo.
Luis Nassif: Não estou, ministro.
Maílson da Nóbrega: Está completamente errado. A primeira negociação foi feita no dia 25 de setembro. Portanto, como a gente ainda está em maio, não fez um ano, ainda.
Luis Nassif: O ministro Bresser disse que a primeira negociação...
Augusto Nunes: Por favor, vamos tentar encerrar a discussão, então. Nassif.
[sobreposição de vozes]
Luis Nassif: O que é que tinha o plano Bresser?
Maílson da Nóbrega: Espera. Não tem nada disso.
Augusto Nunes: Ministro...
Luis Nassif: O que é que tinha o plano Bresser de negociação da dívida?
Maílson da Nóbrega: Tinha uma redução... tem vários pontos, está certo? Tinha uma redução do spread [para] zero por cento - era 2,6% -, para zero por cento. Nós conseguimos 0,81%.
Luis Nassif: Bônus?
Maílson da Nóbrega: Bônus? O bônus não foi abandonado, está certo? Nem está na proposta, hein? Tem mais essa. Nem está na proposta. Nós já conseguimos e vamos conseguir um waiver para lançamento de bônus, mas bônus é um negócio muito especializado que tem que ser negociado em um foro próprio e não em uma mesa de negociações...
Augusto Nunes: Vamos tentar correr a roda. Vai, Boris.
Boris Casoy: O governo acena, ou promete, ou diz ao FMI [Fundo Monetário Internacional] que vai tentar evitar aumentos salariais no setor privado? Isso é fato ou não é?
Maílson da Nóbrega: Não, não é.
Boris Casoy: Então, a minha segunda pergunta está cancelada.
Maílson da Nóbrega: OK, obrigado.
Marco Antônio Rocha: Ministro...
Augusto Nunes: Marco.
Boris Casoy: Nós não negociamos nada para [...]?
Maílson da Nóbrega: Nem começou, ainda.
Augusto Nunes: Marco.
Boris Casoy: Nada?
Maílson da Nóbrega: Nada e não vai haver alteração na política salarial. Espera para ver.
Marco Antônio Rocha: O senhor disse...
Maílson da Nóbrega: Alguém deu um furo em você.
Marco Antônio Rocha: Aliás, o Augusto Nunes, no começo do programa, falou de uma crise...
Maílson da Nóbrega: Alguém furou, não "deu um furo", não, é furada, a notícia. Desculpe.
Marco Antônio Rocha: O Augusto Nunes, no começo do programa, mencionou a crise econômica brasileira e que o senhor iria discutir essa crise aqui, conosco. O senhor...
Maílson da Nóbrega: Vocês estão discutindo [...].
Marco Antônio Rocha: ...corroborando a crise econômica ou esse fato, diz que o Brasil vive, talvez - suas palavras, suas - a mais grave crise da sua história...
Maílson da Nóbrega: De acordo.
Marco Antônio Rocha: Todavia, durante todo o programa, o senhor tem tentado mostrar que está tudo sobre controle, que o governo está controlando tudo e que as coisas marcham bem. Então, eu perguntarei: em que consiste a crise econômica que nós vivemos?
Maílson da Nóbrega: Não. Aí há uma diferença, hein? Aí há uma diferença. A crise continua. O Brasil tem...
Marco Antônio Rocha: Qual é a crise? Em que consiste?
Maílson da Nóbrega: É um grande desequilíbrio do setor público. Quer dizer, o setor público como um todo - os estados, municípios, a União - gasta em despesa corrente mais do que a arrecadação líquida. Portanto, nós estamos em uma situação em que o setor público está tomando dinheiro emprestado para pagar pessoal e gastos de custeio. Isso é muito grave. Nós temos que recuperar a capacidade de poupança do país e voltar aos níveis que tivemos no início da década de 1970, por exemplo, em que o governo tinha uma sobra de caixa - o governo como um todo, União, estados e municípios - da ordem de 6% do PIB. Ou seja, grande parte dos investimentos públicos era financiada por economias do próprio sistema.
Marco Antônio Rocha: Mas o senhor não conseguiu demonstrar que nós estamos recuperando a capacidade de poupança do país. Portanto, não estamos saindo da crise, estamos indo mais para dentro dela... Estou pedindo agora...
Maílson da Nóbrega: Então vou te demonstrar...
Marco Antônio Rocha: Quando eu já pedi números para o senhor, o senhor disse que não tinha ainda os números.
Maílson da Nóbrega: Não tenho, ainda.
Marco Antônio Rocha: Então...
Maílson da Nóbrega: Não tenho ainda. Você tem medidas. São medidas na direção de...
Augusto Nunes: Agora, ministro, por falar em medidas, alguns telespectadores cobram o fato do senhor não ter respondido com muita clareza sobre essa questão de por que não houve cortes no funcionalismo e por que as estatais não estão sendo privatizadas com mais intensidade. Então, por exemplo, o José Carlos, de Volta Redonda, diz: “Por que o senhor não corta as diretorias de muitos cargos das estatais, por exemplo?” O Márcio Michel, de Santos...
Maílson da Nóbrega: Ele podia apontar...
Augusto Nunes: ..."por que o senhor não demite os cem mil funcionários?" Ele até aponta: "Na Companhia Siderúrgica Nacional existe uma diretoria de patrimônio e uma diretoria social que são diretorias nitidamente políticas e só servem como cabide de empregos, gerando, em conseqüência, altas despesas dentro da estatal." Ele é de Volta Redonda, Rio de Janeiro.
Maílson da Nóbrega: [...] para o Tribunal de Contas da União.
Augusto Nunes: Mas, ele está tendo a chance de encaminhar ao senhor. O que o senhor tem a dizer?
Marco Antônio Rocha: Augusto, Augusto, se você me permite embarcar na canoa do telespectador...
Augusto Nunes: Por favor.
Marco Antônio Rocha: Porque o ministro, hoje de manhã, no Congresso Internacional de Instituições de Resseguro, no Rio de Janeiro, disse uma frase - pelo menos a frase estava no telex que eu recebi na Manchete, o senhor vai me confirmar se o senhor disse isso ou não, lá no discurso: que “precisamos todos repensar o papel do Estado brasileiro na economia”. Certo?
Maílson da Nóbrega: Certo.
Marco Antônio Rocha: Foi uma das coisas. E que "precisamos fazer um esforço corajoso de privatização das empresas estatais”. O senhor declarou isso?
Maílson da Nóbrega: Isso. Isso, declarei.
Marco Antônio Rocha: Pois então, me parece que isso está na linha do que o telespectador pergunta.
Maílson da Nóbrega: Veja. Primeiro, o seguinte. Coisa mais fácil, nós estamos em uma situação, que é própria de uma situação de dificuldade, em que as pessoas tendem a pensar que a solução está do outro lado, não é? Então, você vê, com muita freqüência, assim: “Por que não acabam os incentivos, os subsídios, em vez de suspender a URP dos funcionários?” Ninguém aponta. Esse, pelo menos, apontou; fez uma denúncia - que terá que ser apurada, eu acho, nessa altura do campeonato. Agora, o desequilíbrio é muito grande, no governo, e esse negócio, essa suspensão da URP é apenas 20 a 25% do esforço global de redução do déficit em que estamos envolvidos. Quer dizer, os 80%, os 75% a 80% vêm de outras áreas. Nós eliminamos, sim, incentivos fiscais, reduzimos substancialmente, temos enfrentado pressões sérias. Até hoje os reflorestadores e os hotéis estão pressionando para a gente não acabar o incentivo. Isso é muito comum. Todas as áreas beneficiárias de algum tipo de ação do governo, de gasto do governo, tende a resistir a qualquer corte - inclusive os funcionários públicos. Essa questão da privatização vem a propósito. Por que é que o governo, nos últimos, pelo menos, seis anos, não fez um grande programa de privatização, apesar de sempre anunciá-lo? Eu acho que por uma série de razões. Eu não estou culpando ninguém aqui, mas o processo não foi devidamente conduzido. Por exemplo, você diz "A Acesita, por exemplo, já constou de várias listas de privatização". Parece que há um convencimento dentro do governo de que ela deveria ser privatizada. Mas, no outro dia em que o governo anunciava a privatização, o presidente do Banco do Brasil, que é o maior acionista da Acesita, ia para a televisão e dizia assim: “Mas a Acesita não pode ser privatizada, não tem nem como.” Quer dizer, o próprio setor do governo era contra a privatização. Tem uma grande mudança, agora: uma vez selecionada para privatização, a empresa sai da supervisão ministerial. Por exemplo, se ela estiver no MIC [Ministério da Indústria e Comércio], passa para a Seplan, e a diretoria dela será alterada, será colocada uma diretoria com um mandato determinado de privatizar. Porque hoje, quando...
Marco Antônio Rocha: Na Caraíba Metais está acontecendo o contrário.
Maílson da Nóbrega: Não sei.
Marco Antônio Rocha: O presidente encarregado de privatizar, que era do BNDES, acaba de ser substituído pelo filho do [Antônio] Lomanto Júnior [governador da Bahia de 1963 a 1967], na Bahia.
Maílson da Nóbrega: Bom, não tenho essa informação. Não tenho essa informação. Mas a determinação é essa, você muda... Mas ela vai ser privatizada, essa é a informação que eu tenho. Não tenho esses detalhes. Você também fazendo acusação grave. Então...
[risos]
Augusto Nunes: O senhor sai [daqui] com um monte de denúncias, hein? Com um monte de denúncias.
Maílson da Nóbrega: Então, veja, o que ele quer dizer? O fato de ele ser filho de senador não quer dizer que ele não seja competente.
Marco Antônio Rocha: Não. Eu não disse isso. Eu não disse isso.
Maílson da Nóbrega: Você não está dizendo isso. Não está fazendo acusações.
Marco Antônio Rocha: Não. Eu disse que o homem encarregado da privatização foi substituído pelo filho de um político.
Maílson da Nóbrega: Mas você quer dizer que ele não vai fazer a privatização? Você está pondo em dúvida a honestidade do homem?
Marco Antônio Rocha: Não. Eu apenas constatei o fato.
Maílson da Nóbrega: Ah, tá.
Marco Antônio Rocha: O homem que estava encarregado da privatização foi substituído nesse fim de semana.
Maílson da Nóbrega: Então... Onde é que eu estava?
Augusto Nunes: O senhor estava falando que vai ser privatizada, apesar do filho do senador.
Maílson da Nóbrega: Não, não estava dizendo isso.
[risos]
Maílson da Nóbrega: Olha, é um trabalho sério. É um trabalho sério, tem que ser feito com cuidado, com tempo e de forma competente. Não pode chegar hoje aqui, “vai privatizar dez”. Nós queremos privatizar e vamos fazer um esforço nesse sentido.
Augusto Nunes: Ministro, o programa agora está um pouco mais curto; eu queria que as pessoas que estão fazendo poucas perguntas... Laurentino.
José Laurentino Gomes: Ministro, o senhor, quando critica a moratória ou o calote parcial da dívida pública, atribui a responsabilidade aos ministros que o antecederam. Agora, o senhor se esquece de que o governo é o mesmo - quer dizer, mudou o ministro, mas o governo do presidente Sarney é o mesmo que presidia o país sob o [ministro da Fazenda Dilson] Funaro [(1933-1989), ministro de 1985 a 1987] ou sob o Bresser, que é, também, um governo recordista em contratação de pessoal e que, só no ano passado, por exemplo, aumentou a folha de pagamento do poder público em 40%. Então, eu queria que o senhor me respondesse a duas perguntas. O senhor acha que o presidente Sarney também é responsável pelo atual descontrole, já que o governo não mudou? E a segunda: que autoridade moral que o governo tem para propor medidas de controle do déficit público, já que boa parte dos problemas que o governo está enfrentando agora, foi ele mesmo que criou?
Maílson da Nóbrega: Acho que não. Bom, em primeiro lugar: eu não critico a moratória em si. Eu acho que a moratória foi uma imposição dos fatos. Você decreta a moratória quando não tem mais reservas. O que é que fez o Plano Cruzado? Queimou cinco bilhões de dólares de reserva e o Brasil foi a zero, foi à lona, teve que decretar moratória. O que eu critico e acho que foi um equívoco é que a moratória, que é dirigida só aos bancos - tecnicamente é um erro, tecnicamente é um erro -, não se seguiu de um processo adequado de negociação. O país ficou confrontando os bancos durante um certo período, achando que ia obter recursos das agências oficiais para financiar o balanço de pagamento, o que foi um ledo engano. Não estou criticando o ministro Bresser; ele iniciou e encorajou um processo de negociação que, ao contrário do que disse o Nassif...
José Laurentino Gomes: [fala junto com Maílson] No caso do ministro Funaro, o senhor é a favor [...]?
Maílson da Nóbrega: Como?
José Laurentino Gomes: No caso do ministro Funaro, o senhor concorda plenamente com a política do ministro Funaro?
Maílson da Nóbrega: De quê?
José Laurentino Gomes: A política econômica conduzida pelo ministro Funaro, o senhor endossaria ela plenamente?
Maílson da Nóbrega: Eu acho que não é o momento de discutir isso, está certo? Há uma opinião geral, hoje, de que o Plano Cruzado foi uma belíssima oportunidade perdida. Eu não gostaria de comentar nada além disso. Eu acho que não é ético fazer isso. Agora, a sua questão, qual é? Primeiro: eu acho que você também não... Disse que contratou 54 mil funcionários e o...
José Laurentino Gomes: O governo do presidente Sarney é recordista em nível de contratação.
Maílson da Nóbrega: Em primeiro lugar, primeiro lugar - por mais que a gente tente esclarecer esse ponto, não consegue, eu não sei o que é que existe -, em primeiro lugar: 54 mil funcionários foram autorizações dadas pela Sest [Secretaria de Controle das Empresas Estatais] para contratação pelas empresas estatais. Desse total, só foram contratados cerca de 38 mil...
José Laurentino Gomes: Só?
Maílson da Nóbrega: Só. Certo? E 38 mil representam, ao longo de três anos, menos de 1% de crescimento ao ano na alocação de pessoal das empresas estatais. É preciso saber que as empresas estatais têm um milhão e cem mil funcionários. Certo? Se você contrata 1% ao ano e admitindo que... por exemplo, no caso da Eletrobrás, aumentou o parque hidrelétrico brasileiro - várias usinas entraram em operação - e eu acho que seria difícil imaginar que essa empresa não fosse precisar de funcionários adicionais. O Banco do Brasil, por exemplo, foi autorizado a contratar cerca de dez mil funcionários. Por quê? Porque aumentou o número de agências, o Banco do Brasil passou a atuar em vários segmentos do mercado financeiro, passou a ter uma corretora, passou a ter uma financeira, passou a ter uma empresa de leasing, passou a ter uma corretora de seguros, vai ter um banco de investimentos. Então, isso tudo exigiu uma necessidade maior de pessoal...
Augusto Nunes: Ministro, vamos completar...
Maílson da Nóbrega: Não. Tenho que completar isso, porque ele fez também uma... ficou implícito...
Augusto Nunes: Por favor, só vou pedir que senhor abrevie a resposta, que nós estamos com pouco tempo. Muito obrigado.
Maílson da Nóbrega: ...ficou implícito que foi uma contratação política. Não foi. A outra, qual é?
José Laurentino Gomes: Que autoridade moral que o governo tem para propor medidas...
Maílson da Nóbrega: Tem o seguinte: o grande crescimento da folha de salários é um processo que vem de longo tempo. É um processo distorcido, nós temos hoje uma anarquia salarial na política do governo, em vez de uma hierarquia salarial - mas isso é um processo de longo tempo. Ele vem se distorcendo, pelo menos, há uns seis a oito anos, quase.
Luis Nassif: O governo defende o reajuste do poder judiciário e não foi com autorização, com aprovação do ministro Funaro. O Plano Cruzado teve o congelamento [...].
Maílson da Nóbrega: Eu não sei. Poderia ser.
Boris Casoy: O Plano Cruzado acabou se arrebentando em uma eleição [após as eleições de novembro de 1986 para Legislativo e Executivo estadual e municipal, foram feitas profundas reformas no Plano Cruzado, que incluiam o descongelamento dos preços e provocaram recessão] e nós vamos ter uma eleição, se bem que municipal, agora em novembro - se é que nós vamos ter essa eleição. O senhor acha que é possível compatibilizar a sua política de austeridade com o momento eleitoral brasileiro?
Maílson da Nóbrega: Bom, eu tenho demonstrações que será possível.
Augusto Nunes: A propósito, pelo menos dois prefeitos já telefonaram perguntando se o senhor vai liberar a verba para a construção de casas populares. Esse tipo de pressão que está sendo feita...
Maílson da Nóbrega: Se tiver...
Augusto Nunes: ...evidentemente, vai se intensificar. Boris Casoy.
Boris Casoy: Quem ganha? A política ou a sua política de austeridade? É um confronto. Vai haver um confronto, sem dúvida alguma.
Maílson da Nóbrega: Acho que a gente... Prefiro pensar que não. Eu tenho demonstrações de que não. Nós vamos em frente com esse programa.
Augusto Nunes: Ministro, agora, com relação...
Boris Casoy: O senhor tem demonstrações do presidente Sarney?
Maílson da Nóbrega: Tenho. Muito firmes. Quanto à [pergunta] do prefeito, qual é?
Augusto Nunes: Se o senhor vai liberar a verba para a construção de casas populares?
Maílson da Nóbrega: Só se libera se puder ser contida dentro do limite de 4% do déficit público. Eu lamento dizer aos prefeitos que, se não houver margem para deslocamento de outros lançamentos que mantenham o déficit em 4%, o governo não vai autorizar.
Augusto Nunes: Só para continuar... Oliveiros.
Oliveiros Ferreira: Não.
Augusto Nunes: Marco.
Maílson da Nóbrega: Mas vamos tentar encontrar maneiras de, dentro do déficit global de 4%, atender aqueles casos de habitação.
John Barham: O senhor disse uma coisa interessante...
Augusto Nunes: Um momentinho só, John. Marco, tem alguma pergunta?
Marco Antônio Rocha: Eu, não.
Augusto Nunes: Então volta, John.
John Barham: O senhor disse uma coisa interessante no início do program: que, depois de um certo tempo, o Brasil vai voltar a se abrir ao mundo. E eu gostaria de saber quanto tempo isso pode levar. Será um caso de alguns meses, um ano, dois anos, cinco anos, uma década - porque o Brasil tem quatrocentos, quinhentos anos de história se fechando no mundo. Então, eu gostaria de saber quanto tempo vai levar essa abertura.
Maílson da Nóbrega: Isso é um trabalho paciente, longo, de convencimento, que envolverá, inclusive, uma evolução cultural em algumas áreas do governo e do empresariado brasileiro. Quer dizer, isso aí tem duas formas, tem duas vertentes. Uma é que o Brasil volte a ser um país que inspire confiança ao investimento estrangeiro. Que nos convençamos de que o investimento estrangeiro vem aqui trabalhar conosco para criar empregos, para que os trabalhadores que a todo momento chegam ao mercado encontrem uma colocação. Nós temos uma legislação de capital estrangeiro que tem um quarto de século e que se provou suficiente para estimular o investimento estrangeiro e proteger a indústria nacional. Mas nós temos hoje exemplos de outros países - a Espanha, por exemplo, segundo declaração do seu ministro da Economia aqui no Brasil, obteve no ano passado nove bilhões de dólares de fluxo de capital estrangeiro, dos quais seis bilhões aplicados diretamente nas empresas. E o Brasil tem praticamente zero. Ou seja, nós temos um potencial econômico muito grande, talvez igual ou até superior ao da Espanha. O outro é o da exposição, digamos assim, da indústria nacional a um maior coeficiente de competição no mercado internacional. O Brasil é hoje um país que tem um dos mais baixos coeficientes de importação do mundo. Nós importamos pouco mais de 6% do PIB. Eu acho que, se mantivermos esse sistema, se for em um momento de substituição de importações e de grave crise na balança de pagamentos, nós vamos inviabilizar, no longo prazo, a própria exportação do Brasil. Então, é preciso encontrar mecanismos que permitam a importação adicional de matérias primas, peças, partes, componentes e mesmo de bens de capital - principalmente bens de capital -, para manter como verdadeiras compeditoras. Se você olhar o caso do seu país, a Grã Bretanha, vocês exportam e importam aproximadamente 30% do PIB e ganham exportando mais e ganham importando mais.
Marco Antônio Rocha: Ministro, e quando vai sair a reforma aduaneira e tarifária? Por falar nisso.
Maílson da Nóbrega: Deve sair dentro de uma, duas semanas.
Marco Antônio Rocha: Completa?
Maílson da Nóbrega: Completa.
Marco Antônio Rocha: Completa?
Maílson da Nóbrega: Completa. Nós estamos trabalhando para isso.
Marco Antônio Rocha: Com alteração da taxa de câmbio para compensar a queda de alíquota?
Maílson da Nóbrega: Não haverá alteração da taxa de câmbio. Nenhuma.
Boris Casoy: Ministro, ministro, o que o Congresso Constituinte aprovou até agora, na sua opinião, é positivo ou não para a economia brasileira?
Maílson da Nóbrega: Eu acho que é positivo, está certo? Tem uns lados muito difíceis, mas é positivo. Porque é positivo você saber que você está vivendo em um sistema democrático, em que se debate livremente as idéias. Não é isso que nós estamos fazendo aqui?
Boris Casoy: Se o senhor fosse político, eu ia lhe dizer que o senhor é demagogo.
Maílson da Nóbrega: [muitos risos] Isso é que é importante. A Constituição, em qualquer país, sobretudo em um país desses, em que as aspirações estão acima das possibilidades do país, as pessoas tendem a imaginar que, através da Constituição você vai viver a felicidade nacional. Isso foi na Espanha, também, que é um país muito mais adulto do que o nosso, tem uma história muito maior. De modo que eu vejo com muita naturalidade até os excessos que a Constituinte está cometendo.
Boris Casoy: Ministro, eu estive essa tarde...
Maílson da Nóbrega: Em resumo, eu acho que tudo é positivo. Quer dizer, tem lado ruim, tem que preocupa...
Boris Casoy: Eu estive essa tarde com...
Maílson da Nóbrega: ...mas o saldo é positivo.
Boris Casoy: Eu estive essa tarde com o senhor e estou tendo o prazer de privar com o senhor nesse programa, e vejo que o senhor tem um diagnóstico muito detalhado e muito didático da situação brasileira. O senhor me expõe a situação brasileira, e expõe a todos nós, como poucos ministros o fizeram. E essa situação é muito preocupante. O país vive - e eu tenho a impressão que o telespectador tem essa sensação também - um grande nó, uma grande confusão. E o país caminha mais ainda para a confusão. O Brasil tem jeito, ministro? O senhor vê perspectivas a médio prazo? O senhor vê esperanças? Ou estamos definitivamente enredados em um nó sem saída? O senhor tem um diagnóstico? Mas eu vejo que as soluções são quase que seculares.
Maílson da Nóbrega: Olha, Bóris, eu prefiro ser um otimista. Eu acho que tem saída, sim. O Brasil vive, realmente, uma grave crise - uma grave crise política, uma grave crise econômica, grandes dificuldades políticas, sociais; mas é um país que tem um grande potencial, um empresariado competente e dinâmico, uma classe trabalhadora operosa...
Boris Casoy: Para a nossa geração, ainda?
Maílson da Nóbrega: Eu acho que sim. Eu tenho a impressão de que a crise vai nos ensinar muita coisa. Você pode verificar, na história dos povos, que as grandes soluções surgiram com as crises. Quando não tem crise, as pessoas se acomodam, não é?
Luis Nassif: A crise pode levar [...].
Maílson da Nóbrega: Pode, pode. Mas, deixe eu responder a pergunta do Bóris. Eu acho que tem saída e estamos lutando por ela. E acho que há, hoje, uma conscientização crescente de segmentos da sociedade brasileira - por exemplo, da classe média - que sabe vocalizar as aspirações de seu setor; e que chegou a hora, por exemplo, de repensar o Estado, não é? O Estado teve papel decisivo durante um certo período. Foi ele que viabilizou certos segmentos do empresariado privado, nacional e estrangeiro. E hoje ele termina sendo um estorvo: intervém demais, controla demais, gera um grande potencial de corrupção. É hora de repensar tudo isso, é hora de fazer com que o Estado se dedique crescentemente à área social; de deixar aquilo que possa ser feito pelo setor privado, pela indústria, pelo comércio; de deixar o pessoal andar sozinho, ganhar dinheiro, produzir muito, gerar empregos. E o Estado vai cuidar do social, dos pouco favorecidos, das zonas pobres...
Augusto Nunes: Ministro, ministro, por favor, essas aspirações - eu estou gostando muito de ouvir o senhor -, essas aspirações populares, que o senhor, agora, acaba de vocalizar, elas são ouvidas em Brasília? Porque a impressão que se tem, sobretudo longe de Brasília, como estamos, é que essas aspirações não chegam até lá. Exemplo: há evidências de que o povo quer um mandato de quatro anos para o presidente Sarney. O senhor tem pesquisas sucessivas atestando isso. No entanto, não me consta que o governo leve isso em conta; ao contrário. Porque é que o senhor acha que esse discurso do senhor, que é o discurso da sociedade, vai ser aceito por um governo que, sistematicamente, tem agido de costas para essa sociedade?
Maílson da Nóbrega: Não, eu acho que você está, talvez, sendo injusto aí. Você tem evidência de que isso está acontecendo. Uma semana atrás, nós liberalizamos o Comércio Exterior de quatro produtos agrícolas importantes: soja, algodão, milho e arroz. Nós decidimos, no caso da importação de produtos siderúrgicos, que o burocrata perdeu a capacidade de carimbo. Agora, o importador vai direto para a Cacex [Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil] e a guia é automaticamente concedida se ela estiver dentro do limite global. Nós estamos prestes a concluir uma nova política industrial que vai eliminar fortemente o poder discricionário da burocracia. Temos a tarifa aduaneira, que vai, também, eliminar uma forte intervenção do Estado, dizer o que é que o empresário vai fazer no setor A, no setor B. O empresário agora...
Marco Antônio Rocha: Essa nova política industrial inclui ou exclui as ZPEs? [Zonas de Processamento de Exportação, distritos industriais onde há, para as empresas de exportação ali instaladas, incentivos fiscais, cambiais e regulatórios]
Maílson da Nóbrega: É uma política industrial que define diretrizes. ZPE é outra coisa. Eu acho que isso leva tempo, sabe?
Marco Antônio Rocha: Perfeito.
Maílson da Nóbrega: Isso leva tempo. Você tem hoje, nas estatais, uma Associação de Empregados das Estatais, que levou ao Ministério da Fazenda um memorial que você poderia resumir assim: “Tudo às estatais” - porque eles reclamam reposição salarial, participação nas diretorias, comando das estatais e "não" à privatização.
Augusto Nunes: Então, olha, só temos tempo para duas perguntas, então, por favor, vou pedir que o ministro abrevie a resposta. Luis Nassif e Jorge Escosteguy.
Luis Nassif: Ministro, o [jornalista] Clóvis Rossi divulgou, nesses dias, um documento que estaria circulando entre alguns governadores com um plano de um novo pacote que incluiria, entre outras coisas, redefinição de subsídios, aumento de Fundo de Garantia e PIS/Pasep, manutenção de taxa de juros nesse patamar que está aí, e uma política salarial mais restritiva. Então, eu pergunto o seguinte: se esse documento é da lavra do Ministério da Fazenda. Segunda coisa: se há intenção, realmente, de redefinir essa parte de subsídios. Você já mexeu em vários subsídios; mas, se você quiser redefinir mais, como é que ficariam o Finor e o Finam? A primeira pergunta é se realmente esse documento saiu da lavra da Fazenda...
Augusto Nunes: Por favor, é uma pergunta só.
Luis Nassif: Está bem. Enfim...
Maílson da Nóbrega: Olha, o documento tem muita semelhança com as teses que o Ministério da Fazenda define. Eu também li o artigo do Clóvis Rossi e não conheço, não chegou ao Ministério da Fazenda nenhum documento dos governadores propondo essas medidas...
Luis Nassif: Não, esse documento teria saído do governo Federal para os governadores.
Maílson da Nóbrega: Não, não.
Luis Nassif: Não?
Maílson da Nóbrega: Com essas medidas aí, não.
Luis Nassif: Mas [...] aumento do Fundo de Garantia.
Maílson da Nóbrega: Eu acho que o aumento do Fundo de Garantia... Aumento em que sentido?
Luis Nassif: Aumento da alíquota.
Maílson da Nóbrega: Não, eu acho que não... Não. Se chegar, nós vamos examinar, nós temos que examinar tudo que chega lá. Mas não tem nada nesse sentido. E o Finor e o Finam, eu acho que são uma parcela muito pequena da receita; eles representam, hoje, algo como 20% do Imposto de Renda da pessoa jurídica, só, para uma região pobre, não é? Você pode ver que tem distorções na aplicação - isso é natural em qualquer processo de incentivo fiscal -, mas tem tido um papel relevante na industrialização de regiões pobres, como o Nordeste, na criação de empregos.
Augusto Nunes: Escosteguy. Última pergunta.
Jorge Escosteguy: Eu queria aproveitar o fim do programa e lhe fazer uma pergunta e só lhe faço essa pergunta porque o senhor manifestou uma coragem muito rara num homem público brasileiro, principalmente em um governo onde as autoridades procuram sempre se esconder por trás dos seus casos. O senhor teve, recentemente, um problema familiar com um filho seu, que foi preso com problema de tóxicos e o senhor não procurou esconder. Falou à imprensa, disse que, realmente, teve esse problema e que esse problema era do seu filho e que ele teria que resolver. O senhor teve problemas no governo em relação a isso?
Maílson da Nóbrega: Não, nenhum. Eu recebi um telefonema de uma determinada autoridade que me informava que a polícia havia identificado, entre os detidos, o meu filho; e se eu estava adotando alguma providência. E eu disse a ele que não estava adotando providência nenhuma. O meu filho havia sido prevenido dessa situação e havia sido prevenido do fato de que, se ele tivesse algum problema com a polícia, eu não moveria nenhuma palha para... não usaria meu nome, o cargo de ministro para livrá-lo. Eu acho que cumpri essa promessa. Acho que foi uma lição que ele recebeu. Eu acho, como disse em declarações à imprensa, que duvido que tenha um pai hoje que possa atirar a primeira pedra, que não tenha tido um problema familiar em casa. Esse problema é um problema de pai; eu tratei como um problema de pai e não como um problema de ministro da Fazenda. Esse drama afeta não apenas a minha família, afeta a sociedade brasileira como um todo. E acho que, se eu tivesse escondido, eu correria o risco de encobrir um fato, depois ele ser divulgado de forma muito negativa pela imprensa e o meu filho não teria tido o benefício do susto e, vamos dizer assim, do constrangimento a que foi levado, ao depor na delegacia - e desse fato tirar proveito para enfrentar o drama, que também é dele, de experimentar tóxico. O que lhe pareceu uma aventura inocente, terminou não sendo. E isso foi bom para ele, eu acho que foi. Nós temos conversado, voltamos a conversar depois disso tudo, e acho que ele está em um franco processo de recuperação. E foi resultado do fato de eu não ter escondido nada da imprensa nem ter utilizado meu cargo para encobrir a situação dele.
Augusto Nunes: Ministro Maílson da Nóbrega. Muito obrigado ao senhor pela, como lembrou o Escosteguy, sinceridade com que respondeu às perguntas, abordando todos os assuntos que foram abordados aqui. Nós estamos há mais de uma hora e meia no ar e eu queria agradecer, então, a paciência e a sinceridade - repito - que o senhor usou para conosco. Agradeço a presença dos nossos entrevistadores, a presença dos convidados da produção, dos alunos da escola de Economia e Administração. Peço desculpas por não ter podido encaminhar ao ministro de viva voz as perguntas que eles formularam; poderão ser feitas agora. E agradeço aos telespectadores que assistiram o programa e também aos que encaminharam algumas perguntas ao ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. O programa Roda Viva volta na próxima segunda-feira às nove e vinte e cinco. Boa noite.