;

Memória Roda Viva

Listar por: Entrevistas | Temas | Data

Luiz Carlos Bresser Pereira

22/6/1997

O ministro da Fazenda encara a difícil tarefa de explicar por que seu plano econômico dará certo no meio de um governo desacreditado que já amargou dois fracassos

Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.

     
     

Programa gravado

Rodolpho Gamberini: Boa noite! Está começando neste momento mais um Roda Viva, o programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo que, a partir desta noite, passa a ser transmitido simultaneamente também pela rádio Cultura AM de São Paulo. Nesta noite, no centro da Roda Viva, está o ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira. Nesta noite, os telespectadores não podem fazer suas perguntas costumeiras ao ministro ou a alguns entrevistados do Roda Viva, porque este programa foi gravado durante o final da semana. Para participar deste Roda Viva com o ministro Bresser Pereira, estão aqui, nos estúdios da TV Cultura de São Paulo: Roberto Macedo, presidente da Ordem dos Economistas de São Paulo e diretor da Faculdade de Economia da USP; Boris Casoy, jornalista da Folha de S. Paulo; Luis Nassif; jornalista da TV Gazeta, programa Dinheiro Vivo; Pedro Cafardo, editor de economia do jornal O Estado de S. Paulo; Augusto Nunes, diretor do Jornal do Brasil em São Paulo; Ann Charters, correspondente do Financial Times em São Paulo; Walter Sacca, diretor da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo]; Sérgio Mendonça, economista da coordenação do Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos]; Gilberto Dimenstein, diretor da sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo; Christopher Lund, presidente da Câmara Americana de Comércio [de São Paulo]. Paulo Caruso, o cartunista que faz aqueles de desenhos que agente vê durante o programa. Ministro, a gente tem ouvido várias críticas ao plano do Novo Cruzado [ou seja, o Plano Bresser] que partem do Dieese, de economistas, de sindicatos dos trabalhadores, e essas críticas dizem que o plano do Novo Cruzado provoca perda salariais. O senhor diz que, se a inflação for menor ou igual a 5%, não há perda salarial; a partir daí, haverá perda salarial. O senhor...

Luiz Carlos Bresser Pereira: [gesticula rapidamente "mais ou menos" com as mãos]

Rodolpho Gamberini: Por volta disso, não é? O senhor vai ter oportunidade de explicar bastante sobre isso. O senhor está tentando convencer todo esse pessoal de que não há perda salarial ou todo esse pessoal está tentado convencer o senhor de que haverá perda salarial? Como é que está esta discussão neste momento?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, eu acho que economia é uma coisa séria. Ou eu estou errado ou eles estão errados...

Rodolpho Gamberini: [interrompendo] Alguém tem que estar.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não dá para os dois estarem certos ou os dois estarem errados. O que eu estou dizendo é que este Plano Cruzado, este novo Plano Cruzado, ele realmente interrompeu uma perda salarial que os trabalhadores vinham tendo. Houve alguns jornalistas e alguns líderes sindicais que disseram que esse plano foi feito só para acabar com o gatilho - uma coisa absolutamente ridícula; acho que o Dieese... O [economista e político] Walter Barelli me disse por telefone que, entre novembro e maio - acho que foi exatamente essa data - havia tido uma perda salarial de 21% para os trabalhadores. Os cálculos que eu tenho dão aproximadamente isso: em 18%, 20%, 21%, depende do índice que se usa, depende da base, mas é mais ou menos isso. Então veja, os trabalhadores vinham perdendo firmemente com o gatilho, ganharam um pouco menos do que isso entre fevereiro do ano passado e novembro. Quando chegou em novembro, era um pico de salário e tudo indicava [que] ali havia uma espécie de incompatibilidade distributiva: os empresários achavam que os salários estavam altos demais, que seus lucros estavam baixos demais; então, havia um grande nervosismo na economia por causa disso. Queriam acabar com o gatilho [salarial, medida de garantia de reajuste de salário na qual toda vez que a inflação atinge ou ultrapassa um percentual, em um determinado período de tempo, os assalariados têm um reajuste automático no mesmo valor] naquele momento, havia muitos economistas do governo que queriam acabar com o gatilho naquele momento. Mas afinal o gatilho se revelou-se totalmente incapaz de segurar o salário dos trabalhadores. E, quando a inflação se desencadeou porque estourou o primeiro gatilho - isso ajudou muito a inflação se desencadear, embora não tenha sido a causa; a causa foi outra: foi a recomposição de preços relativos a partir do chamado Cruzado 2 [de novembro de 1986, que eliminou o congelamento dos preços instalado pelo Plano Cruzado]. Lembra aquele aumento enorme de preços da gasolina que houve em novembro...

Rodolpho Gamberini: Em novembro.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Gasolina, automóvel etc. Então, os salários estavam realmente caindo, e caíram com a inflação indo para 24%, 23% e tanto em maio. Os salários estavam caindo muito. E este plano, o Novo Plano Cruzado, interrompe a queda dos salários. E tudo indica que vai produzir uma recuperação dos salários de aproximadamente 10%. Depende agora de qual vai ser a inflação de junho - que já foi contabilizada, mas que não se sabe ainda - e, principalmente, vai depender de qual vai ser a inflação de julho, a inflação que começou no dia 16.

Rodolpho Gamberini: Ministro, esse Novo Plano Cruzado, para que ele veio? Para restituir o ganho salarial? Para contentar os empresários que tinham poucos lucros? Ou para abaixar a inflação?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Exclusivamente para abaixar a inflação. Este plano não veio para resolver outros problemas da economia brasileira. Eu diria uma coisa: veio para isso e também veio - porque fiz os ajustes nos preços relativos da gasolina, do aço, da energia elétrica -, veio também para acertar um pouco as finanças públicas, porque havia um atraso muito grande nos preços das empresas estatais e eu recuperei uma parte deste atraso neste dia.

Pedro Cafardo: Por que o senhor não manteve o gatilho? O senhor acabou de dizer que ele não era a causa da inflação. Não era então o caso de deixar o gatilho sem funcionar durante o congelamento [de preços feito temporariamente durante o Plano Bresser] e voltar depois a funcionar em seguida? Por que acabou o gatilho?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Porque a experiência com o gatilho foi muito negativa. Em primeiro lugar, o gatilho não segurava os salários dos trabalhadores. Está demonstrado; não precisa de nenhuma demonstração teórica, basta a experiência...

Pedro Cafardo: [interrompendo] Mas eles se apegaram ao gatilho?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Bom, se se apegaram, mas sabe, a gente precisa... acho que os trabalhadores são racionais, eles são capazes de entender. Por outro lado, se eu conservasse o gatilho e, nos próximos meses, eu tivesse inflações pequenas - 3% por exemplo, nos próximos meses -, depois de alguns meses eu chegaria nos famosos 20%; neste dia aí, então, haveria um salto: de repente, as empresas teriam que dar um aumento de 20% para os trabalhadores; e aí aquela inflaçãozinha, que estava pequenininha, dava um salto - não digo de 20%, mas dava um belo salto - e nós entrávamos novamente na festa inflacionária. Era isso que nós queríamos?

Rodolpho Gamberini: O Roberto Macedo, presidente da Ordem dos Economistas de São Paulo, quer lhe fazer a próxima pergunta.

Roberto Macedo: Bresser, eu gostaria que você desse atenção ao gráfico que você estava elaborando antes, porque eu acho que a razão das divergências está na forma como se constrói este gráfico. Eu gostaria que você o explicasse, para depois eu mostrar que é possível chegar a um resultado diferente. Mas eu devo dizer o seguinte: eu acho que a discussão que está na imprensa entre os economistas está muito centrada sobre a questão do salário, certo? Eu acho que o Plano Bresser, como se chamam, é muito mais do que isso. Eu acho que outras coisas são igualmente importantes, principalmente levando-se em conta a que se destina; inclusive, nos aspectos gerais, eu acho que o plano tem muito mais chance de sucesso do que o primeiro Plano Cruzado. Mas eu acho que agente devia voltar a isso, apenas a título de esclarecimento da opinião pública, certo? Eu gostaria que você explicasse qual é o raciocínio, porque eu ainda não ouvi isso de você - eu estava fora do país quando você apresentou o gráfico na televisão. Se você pudesse me dar essa deferência, gostaria que você apresentasse de novo.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Com muito prazer, eu estou louco para apresentar o gráfico...

[risos]



Luiz Carlos Bresser Pereira: [com uma encadernação de papéis sobre o colo] Embora eu queira uma introdução, ainda. Realmente, este plano não visa fundamentalmente mexer com o salário. Quer dizer, nós procuramos ser os mais neutros possível. Fundamental para que um plano de congelamento como esse dê certo é que ele seja neutro distributivamente. O que quer dizer isso? Que ninguém ganhe muito e ninguém perca muito com o plano. A minha expectativa é que o trabalhador devia ganhar um pouco. Nós discutimos muito com os meus assessores sobre o plano e ficava claro o seguinte: se, por acaso, alguém perder... por exemplo, entre o sistema financeiro e os trabalhadores, é o sistema financeiro que tem que perder e não os trabalhadores. Porque os trabalhadores já perderam bastante nestes últimos seis meses. Ganharam bastante nos seis meses anteriores, mas era razoável que ficasse uma coisa intermediária. É por isso que a idéia de uma recuperação de salários moderada mas efetiva era compatível com o plano - era compatível com a coerência econômica, com a consistência macroeconômica do plano. Vejam, qual é a idéia? A grande preocupação que existe é com o salário de junho. Dizem: "Então os trabalhadores perderam o salário de junho?" Não perderam o salário de junho, porque já se fez frente à inflação que aconteceu em junho com o aumento de salários que houve no dia 30 de maio. Porque sempre é preciso que, quando a gente pensa em salário real e em como é que se corrige o salário real, se pense sempre na inflação futura - porque você ganha o salário no dia 30 do mês para fazer frente às compras do mês seguinte; o que interessa, então, é o que vai acontecer com a inflação do mês seguinte. Esse tipo de idéia é quase impossível de se entender neste país. Por quê? Porque, no Brasil, há muitos anos, se entendeu que a fórmula correta de se indexar salários, de se corrigir monetariamente os salários, é de acordo com a inflação passada e não de acordo com a inflação futura. Então, o que é que acontece? É a idéia dos 100% do IPC [Índice de Preços ao Consumidor]: se a inflação foi 5% num mês, no mês seguinte tem 5%; se for 10%, tem 10%; se for 20%, tem 20%. Isso seria correto, justo, segundo a crença geral. Olha, isto é um absurdo. Primeiro, vou mostrar por que isso é absurdo. Qual é o objetivo fundamental de uma indexação de salários? É manter o salário médio real, ou seja, manter o poder aquisitivo do trabalhador. Então, vamos imaginar - e aqui tem um gráfico [vira a primeira folha da encadernação sobre seu colo; a câmera focaliza o desenho - ver figura acima -; é um gráfico com dois eixos perpendiculares e, no enquadramento formado por eles, duas curvas superpostas: uma vermelha, mais suave, e outra preta, oscilante] -, mas vamos imaginar, nesse gráfico aqui, que aqui [no eixo vertical] eu meça o salário médio real, o poder aquisitivo dos trabalhadores; e aqui [no eixo horizontal], o tempo. Então, esse período aqui [aponta a metade esquerda da curva preta do gráfico, na qual ela está praticamente na horizontal] é um período de inflação muito pequenininha, uma inflação de, vamos dizer, de 2% a 3% ao mês. Então, você corrige sempre 100% da inflação no mês seguinte. Corrigiu, digamos, 3%; aí, a inflação acontece de 3%. [o dedo de Bresser agora vai seguindo a curva da esquerda para a direita; a curva mostra o poder aquisitivo descendo lentamente] A inflação está estável em 3%. Aí, você sobe outra vez em 3%, de 100% de IPC. [a curva dá um pequenino salto para cima e volta ao nível original] Outra vez, o poder aquisitivo vai diminuindo ao longo do mês, até chegar aqui. [a curva volta a descer lentamente] Aí, você corrige outra vez [a curva dá outro pequenino salto para cima e volta ao nível original], e outra vez. [a curva dá mais um salto desse tipo] De repente - vamos dizer, por ordem e graça do Espírito Santo; isto aqui é um modelo, então não tem importância -, com a inflação corrigida em 3% no final do mês, [de repente] a inflação no mês seguinte, em vez de ser 3% é, por exemplo, 20% [sob o dedo de Bresser, a curva agora desce fortemente]; e aí a inclinação da curva é muito maior, vai lá para baixo. E aí fica 20% no mês seguinte, você corrige 20% no final do mês [a curva volta ao nível de antes da queda], outra vez 20% [mais uma queda e mais uma subida], e outra vez, e assim vai, agora com 20%. [ou seja, a curva passa a oscilar muito fortemente, sempre voltando ao nível original] O que aconteceu com salário médio real desses trabalhadores que estavam sendo corrigidos de acordo com essa fórmula mágica dos 100% do IPC, ou seja, de acordo com a inflação passada? O salário dos trabalhadores é essa linha vermelha que liga os pontos intermediários da curva inclinada, na curva. [mostra uma linha vermelha contínua e suave que atravessa as oscilações da curva preta; apesar de a curva preta oscilar sempre voltando ao nível original, a linha vermelha, que, na metade esquerda do gráfico, estava num certo patamar horizontal quando a inflação era de 3%, passa para outro patamar horizontal mais baixo quando a inflação passa a 20%] O que aconteceu com o salário médio real? Estava aqui, estável, enquanto a inflação era de 3% [mostra a metade esquerda da linha vermelha]; sofre uma violenta queda aqui [mostra a transição da inflação de 3% para 20%, onde a linha vermelha cai] e depois fica estável outra vez com a inflação de 20% [mostra a metade direita da linha vermelha, mais baixa]. Se por acaso houver maior inflação, ele vai cair outra vez. Agora, se a inflação de repente desaparece ou se torna pequenininha outra vez, 3% outra vez. O que acontece? Aí, o salário médio real do trabalhador sobe lá para cima. Olha, isto é uma fórmula absolutamente absurda de indexação de salários. E é isto que está na cabeça dos trabalhadores, é isto que está na cabeça dos jornalistas, é isto que está na cabeça de todo mundo que me pergunta. Esta fórmula não funciona! O professor Macedo, que é um...

Roberto Macedo: [interrompendo] Mas eu queria entender o gráfico, que você mostre que, com...



Luiz Carlos Bresser Pereira: Bom, agora vou mostrar, no primeiro gráfico, o que vai acontecer de fato com o salário médio geral dos trabalhadores. [volta à primeira página da encadernação] Então, veja o que vai acontecer. [tira uma caneta do bolso interno do paletó] Eu vou aqui pegar uma caneta, porque fica mais fácil para mostrar isso. [a câmera focaliza o desenho - ver figura acima -; há novamente dois eixos perpendiculares e, no enquadramento, outra linha, desta vez oscilando fortemente, com três saltos verticais e, entre eles, duas descidas diagonais; e à direita, no trecho final da linha, uma descida lenta] Então, eu vou pegar 30 de abril, 30 de maio e 30 de junho. [aponta para três pontos no eixo horizontal, o do tempo, marcados com essas três datas] Então, para ver o processo de transição... é isso que interessa, o processo de transição: nós precisamos saber se esse plano, nesse processo de transição, vai aumentar ou diminuir o salário dos trabalhadores, essa é a idéia. Então, no dia 30 de abril, os trabalhadores receberam 20% de salário real. [no início, à esquerda, no rumo do ponto da data 30 de abril, a curva dá um salto para cima] Devia começar aqui; 30% começa aqui, esqueçam isso [corrige o gráfico com a caneta; ela deveria começar um pouco mais acima do que está no papel]. Quer dizer, receberam 20% no dia 30 de abril - está aqui -; aí, então, houve uma inflação de 23%: [acompanha com a caneta a curva da esquerda para a direita; ela desce na diagonal até o rumo do ponto da data de 30 de maio] então, o poder aquisitivo foi diminuindo, diminuindo, diminuindo, diminuindo e chegou até aqui. O [ponto] médio é esse ponto [aponta o meio da descida diagonal]. Aí, o dia 30 de maio, eles tiveram um novo aumento de 20% [a curva dá outro salto igual para cima em 30 de maio]. Aí, a inflação durante o mês de junho - este mês que está correndo agora, mas foi contabilizada até dia 15 de junho -, a inflação foi também corroendo o poder aquisitivo do salário durante o mês [a curva novamente desce na diagonal]. E eu estou imaginado que essa inflação foi maior do que 20%: foi, vamos ver, 28%, não sei quanto vai ser exatamente - 26%, 27%, 28%, 30%. Então, eu pus aqui, um pouco para baixo [essa descida diagonal desce um pouco mais que a anterior]. Resultado: pego o ponto intermediário [nessa nova descida diagonal] e o salário médio real baixou um pouco por causa disso [o ponto médio da nova descida está mais baixo que o da anterior, porque na segunda vez a curva desceu mais]. E eu diria que essa inflação, em junho, será maior já um pouco por causa do plano, porque o plano fez uma correção no preço da gasolina, fez uma correção no preço da energia elétrica, que já influenciou diretamente o custo de vida do mês de junho. Por isso, houve uma perda devido ao plano - pequena, mas houve [mostra novamente os dois pontos médios das duas descidas, o segundo mais baixo que o primeiro]. Agora, esse 30 de maio foi para fazer frente, portanto, à inflação de junho; a inflação de junho não foi esquecida, não foi comida, nada disso. No dia 30 de junho, você tem um novo e último 20% do gatilho [a curva dá um novo salto para cima em 30 de junho]. E agora a inflação aqui [mostra o último trecho do gráfico, à direita, depois do último salto, que desce muito lentamente, numa diagonal bem pouco inclinada] vai ser bem pequena. Se for menor que 5% - eu imagino que vai ser 3%, por exemplo -, então - olha aqui -, há uma grande recuperação, porque o salário médio real está aqui em cima, agora, e há uma grande recuperação [mostra que o ponto médio dessa nova descida lenta está bem acima dos outros dois]. Essa recuperação, daqui para cá [do primeiro ponto médio, que representa o mês de maio, ao terceiro], de maio - não de junho! -, de maio para cá, é que eu digo que vai ser mais ou menos 10%, desde que a inflação em junho [representada pela segunda descida] seja mais ou menos 26% e a inflação de julho [representada pela terceira e última descida, mais lenta] seja mais ou menos entre 2 e 3%.

Rodolpho Gamberini: O senhor terminou?



Roberto Macedo: [mostrando uma cartolina com outro gráfico] Eu gostaria de fazer uma observação agora, que eu acho que explica a divergência entre o Bresser e alguns outros economistas que defenderam esse mesmo argumento, relativamente a outro conceito. [a câmera focaliza no gráfico de Gamberini - ver figura acima -; é semelhante ao último que Bresser acaba de mostrar, só que com três descidas fortes ao invés de duas antes da inflação se estabilizar; os pontos médios das descidas são denotados por A, B, C e D, ligados por uma linha pontilhada, sendo o D, á direita, mais alto que os outros três pela mesma razão apontada pelo Bresser para o gráfico anterior] O que você está apontando, na realidade, é que há essa queda de A para B e para C e, depois, sobe para D.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Isso!

Roberto Macedo: Certo! A para B, para C, para D - é o mesmo gráfico que o seu...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Certo!

Roberto Macedo: Só que eu entro um pouco em julho...

Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] É, julho está aqui, está aqui: é igual!

Roberto Macedo: Agora, é o seguinte. Esse tipo de gráfico tem sido muito usado na análise daquelas políticas salariais semestrais, anuais, onde você tira a média entre meses, certo? Agora, aí, nessa argumentação, foi inventada uma média dentro do mês, que, a meu ver é equivocada: não existe salário médio no mês, o salário é uno, você o deflaciona pelo índice do mês, certo? Por exemplo, um trabalhador, você diz aqui, ele vai receber um salário aumentado... Por exemplo, o trabalhador, inclusive, principalmente de baixa renda, pode guardar o seu salário ao longo do mês e depois sofrer a corrosão. Mas o pessoal recebe e dá... [Gilberto Dimenstein tenta intervir] Só um minutinho...

Gilberto Dimenstein: [interrompendo] ...guarda e aplica, também.

Roberto Macedo: Tá OK, você pode guardar e aplicar se você não quiser gastar. Eu acho que a questão de como é que o trabalhador gasta o salário é uma questão do foro íntimo dele, se ele puder, porque [às vezes] ele nem pode decidir nada a respeito disso. Então, os que argumentam que há uma queda no salário, trabalham com salário uno, não com uma média dentro do mês, certo? É aí que vai o argumento em que bate com o gráfico seu. Você cai [do ponto] 1, para o 2, para o 3, para o 4, para o 5 [esses pontos são os topos das descidas - no final de cada salto vertical para cima e no início da descida diagonal subseqüente -, estando o ponto 5 na extremidade direita da última descida, que tem inclinação menor; os pontos estão sempre cada vez mais baixos à medida que se desloca para a direita - estando inclusive o ponto 5 mais abaixo que os anteriores, apesar de o ponto médio dessa última descida estar acima dos pontos médios anteriores; assim, Bresser, no seu gráfico, analisou os pontos médios e mostrou que o último sobe, enquanto Macedo, no seu, analisou os pontos mais altos no seu e mostrou que o último deles também desce]. Eu acho que não existe o salário médio do mês, inclusive porque você não pode tomar ele uno: o sujeito vai gastando, ele desaparece ao longo do mês. Essa é que é a razão da divergência. Acho que precisava esclarecer isso, porque, senão, [pode-se achar] que um economista está fazendo cálculo errado ou... Todo mundo está fazendo cálculo correto dentro de algumas hipóteses. Eu, particularmente, não concordo com o conceito de salário médio dentro do mês, eu acho que o salário é indivisível dentro do mês. Isso foi ajustamento de procedimentos e raciocínios muito usados para trimestral, semestral: você tirava a média...

[...]: Nesse período.

Roberto Macedo: ...de vários salários entre meses. Agora, dentro do mês, adaptou-se esse conceito. Agora, eu volto a insistir: eu acho que, neste aspecto aí - economistas estão defendendo este ponto de vista de que a coisa vai de A para B, para C e depois sobe para D [são os pontos médios das descidas] -, dentro das minhas hipóteses, eu acho que não é correto. Agora, eu continuo insistindo que a discussão sobre o Plano Cruzado, o novo plano - o Plano Bresser - está muito centrada sobre essa questão. E eu acho que o plano não é só isso.

Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] O que o Macedo está dizendo...

Roberto Macedo: Eu gosto de declarar a minha posição. Eu não sou de fazer demagogia. Eu acho que nunca deveria haver um plano de estabilização propenso à idéia de dar aumento de salário. Isso é demagogia e não funciona. A experiência do primeiro Plano Cruzado deu nisso. Isso ia a favor de - eu acho que o salário já caiu muito, certo? -, de uma instabilidade; eu praticamente vejo como inevitável que, a partir de julho, talvez tenha que ser adotada algum tipo de medida corretiva. Isso é meu ponto - quer dizer, só para esclarecer a diferença de visão. Para mim, o conceito de salário médio no mês é estranho.

Luiz Carlos Bresser Pereira: O que você está dizendo é que o trabalhador recebe o salário e que ele...

Roberto Macedo: [interrompendo] [...] Xis.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, não é isso, é que ele gasta tudo no mesmo dia...

Roberto Macedo: Não, não, ele pode pôr tudo em poupança.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Se ele puser em poupança, então você não tem razão. Se ele gastar aos poucos, ele [na verdade, você, visto fazer referência ao interlocutor] não tem razão.

Roberto Macedo: [interrompendo] Não, se ele puser aos poucos, ele fica estável.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Agora, se ele gastar tudo no mesmo dia, você está gastando...

Roberto Macedo: Se ele pegar em poupança do mês quatro, ele põe em poupança e fica instável. Ele fica aqui, ó [mostrando no gráfico a última parte da linha, com a descida lenta]; ele pode assegurar o seu poder aquisitivo.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Aí eu não concordo com você. O que vale para o trimestre vale para o mês.

Roberto Macedo: Não, não...

Rodolpho Gamberini: O economista do Dieese...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Vamos lá.

Rodolpho Gamberini: ...o Sérgio Mendonça, também tem um gráfico. Então, vamos aproveitar e fazer uma sessão de gráficos.

[risos]

Sérgio Mendonça: Ministro, eu gostaria de colocar, em relação à questão mais geral, embora possamos olhar no gráfico... O senhor é um homem de idéias claras e tem a vantagem de expô-las nos meios de comunicação, da imprensa escrita, falada etc. Então, com relação à natureza mais geral do Plano Cruzado 3 [ou seja, do Plano Bresser]...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Isso.

Sérgio Mendonça: ...alguns pressupostos foram tomados para que o plano fosse feito...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Claro!

Sérgio Mendonça: Por exemplo, com relação ao realinhamento de preços. Houve um claro realinhamento de preços nos últimos meses, inclusive já sob a sua gestão. Mais que isso: com relação ao excesso de demanda que houve ao longo do Plano Cruzado 1... Por exemplo, com relação aos dados salariais, o que nós temos foi que, [sobre] os dados de crescimento salarial na Grande São Paulo, a pesquisa do Dieese e do Seade [Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados] mostram que houve um crescimento de 5% no ano de 1986, em termos reais do salário. Portanto, não é um crescimento - inclusive, é um crescimento menor que...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Esse número aí é totalmente contra tudo que eu conheço...

Sérgio Mendonça: Esses números são públicos, o senhor pode ter acesso, não há problema nenhum.

Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Tudo bem. Os números que eu conheço da Fiesp, dos outros lados, é um aumento bem maior.

Sérgio Mendonça: No ano do [Plano] Cruzado 1, de 1986, a pesquisa de [...] - Grande São Paulo - [deu] 5% do salário médio real; obviamente a massa salarial cresceu mais, por causa do efeito do emprego. Bom, e, com relação à hipótese de inflação inercial, nós temos uma pesquisa do Dieese que mostra que, em dezembro de 1986, os preços relativos vêm se alterando brutalmente. O senhor sabe, o senhor conhece - o senhor é economista - que os coeficientes de variação... ou seja, enquanto os preços variam para cima e para baixo, vêm mostrando crescimento desde dezembro até agora - inclusive, um período muito importante, porque pega exatamente...

Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Que tipo de variação inflacionária, Sérgio?

Sérgio Mendonça: Não, a inflação que se verificou de lá para cá!

Luiz Carlos Bresser Pereira: Sim, mas quando há aceleração inflacionária, a variação de preços relativos é maior.
 
Sérgio Mendonça: Perfeito, pois é. É exatamente onde eu quero chegar...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Isso é um problema danado; mas, enfim, é isso [...].

Sérgio Mendonça: Exatamente onde eu quero chegar para definir os pressupostos do plano. Bom, se essa hipótese de inflação inercial é importante no plano...

Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Fundamental.

Sérgio Mendonça: ...a hipótese de excesso de demandas, também - de que houve uma queda na demanda ao longo desse período e os salários teriam sido responsáveis por isso em boa parte, ao longo do pós-Cruzado, muito bem - e a hipótese, fundamental para os trabalhadores, da neutralidade, a que o senhor agora se referiu - inclusive, em reunião recente com relação ao realinhamento das tarifas públicas, mostrou-se que vão ser transferidos cinquenta bilhões de cruzados [moeda brasileira que existiu entre 1986 e 1989] ou algo em torno disso para os cofres públicos, com esse realinhamento. Dado esse pressuposto, a minha pergunta é a seguinte: afinal de contas, quem vai pagar esse Plano Cruzado 3? Existe essa colocação? Porque eu não queria fazer a pergunta de cara e dizer quem paga o plano. Eu queria que esses pressupostos fossem colocados, porque veja o seguinte, se os juros vão manter uma política real por conta da demanda - não é possível permitir uma nova explosão da demanda -; se o câmbio já teve uma mididesvalorização que vai transferir uma renda para o setor exportador; e se as tarifas públicas foram corrigidas transferindo-se renda para o Estado - a economia, o senhor sabe bem, é uma bola indivisível -, alguém vai ter que ceder. Quem que vai pagar o Plano Cruzado 3?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, essa "bola indivisível" é relativa. Porque você pode perfeitamente ter um - eu acho que é aqui, a televisão -, você pode perfeitamente ter um aumento da bola - e, portanto não se ter tanta gente perdendo. O que nós vimos, o que aconteceu no Plano Cruzado 1 é que houve um crescimento brutal e a coisa estourou; em seguida, a economia começou [a entrar] em declínio, e aí estava todo mundo perdendo. Se nós continuássemos com os 24% de crescimento da inflação, o que aconteceria? No fim de dezembro, o salário maior dos trabalhadores, que já era 20% menor em maio, seria mais 20% ainda menor em dezembro. Aí, eu queria saber quem é que ficava ganhando nesta história. Então, é preciso parar esse processo. Perfeito. E é preciso, com isso, que alguém perca no processo. A discussão é se perdia o setor financeiro ou se perdia o setor dos trabalhadores. Depende do ponto de vista. Quer dizer, nós vamos, nesse plano, fazer com que os trabalhadores não percam e ganhem pouquinho. Essa é a minha análise. O Macedo discorda por causa daquela análise que eu acho que é respeitável; mas que eu acho que, basicamente, o que nós vamos ter é um pequeno ganho dos trabalhadores - que poderá ser mantido ou não, dependendo fundamentalmente do que vai acontecer na inflação nos próximos meses. E depende também de uma outra coisa também muito importante: quando termina o congelamento, o congelamento rígido, se termina no dia 30 de julho ou no dia 30 de agosto. Se terminar no dia 30 de julho, é melhor para os trabalhadores; se terminar no dia 30 de agosto, é pior. A minha idéia, em princípio...

Pedro Cafardo: [interrompendo] Estou com uma dúvida aí. O ministro sabe quando termina?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Porque vai haver... O que é?

Pedro Cafardo: Desculpe, ministro, quando termina o congelamento? Parece...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não está definido ainda. Eu tenho um prazo máximo de 90 dias; na verdade, vai ser ou 45 dias ou 75 dias.

[...]: Bresser, ministro...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Agora, deixa eu responder à pergunta dele. Então, dentro desse processo, você tem o problema da taxa de juros. Neste momento aqui, por exemplo, nós estamos com uma taxa de juros em pleno declínio. E essa taxa de juros, então, no mês de junho, vai ser claramente menor que a inflação. O setor financeiro já sabe disso, que a inflação de junho vai ser muito maior do que, por exemplo, o que vai haver de reajuste na LBC [Letras do Banco Central, títulos emitidos por esse banco] de julho. Alguém vai perder nisso, também. E a discussão foi muito firme sobre esse processo: se ia perder o trabalhador ou se ia perder o setor financeiro. Os empresários, não havia como determinar se eles vão perder ou ganhar nesse processo. O que nós precisávamos, de qualquer forma, é que houvesse alguma margem para que o congelamento fosse mantido.

Pedro Cafardo: Ministro, mas, com relação ao setor de exportador ou com relação ao Estado? O senhor está falando do setor financeiro.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Ah não, mas eu estou de acordo inteiramente com você, de que o Estado tem que ganhar alguma coisa nisso. E quem vai pagar isso, por exemplo, quando é energia elétrica, são os trabalhadores e os empresários; quando é gasolina, é mais o trabalhadores; quando é aço, é mais os empresários. Porque eu não vou repassar todos os aumentos de custo que irá haver no aço para os trabalhadores. Depende do caso. Mas alguém tem que pagar isso, não há duvida nenhuma. O setor exportador paga associado como um todo - não é grande coisa, porque a máxima foi muito pequenininha, mas tem que pagar, senão não se tem nenhum processo de crescimento das exportações, que é fundamental para a economia brasileira.

Boris Casoy: Ministro, o senhor falou em "economês"; eu quero fugir um pouco do "economês" e entrar no supermercado. Eu acho que, na semana passada, quando apareceram as tabelas [de preços] da Sunab [Superintendência Nacional do Abastecimento, extinta em 1997], a população ficou perplexa. Ela, que já vê o plano com uma certas suspeitas devido aos antecedentes, percebeu que alguns importantes produtos da tabela estavam sendo vendidos no supermercado por preços inferiores aos da tabela da Sunab. Se isso ocorre - e ocorre -, que congelamento é esse?

Luiz Carlos Bresser Pereira: O congelamento é sério, Boris. O que acontece é o seguinte. Quando você vai fazer uma tabela, você tem todo tipo de loja de varejo: você tem pequenos empórios, mercearias, pequenos supermercados, médios supermercados, grandes supermercados, imensos e supermercados de desconto, que vendem a preços muito variados. As diferenças de preços entre o pequeno supermercado - vamos tirar o empório - e o grande supermercado de desconto chegam a ser de 10%, na média. E, quando é 10% na média, em cada preço as variações são enormes. Você tem que encontrar, para começar o congelamento, um ponto médio que dificulte a vida dos pequenos - isso é uma coisa séria - e que permita que os grandes - mas que seja viável até para os pequenos - e os grandes vão vendar abaixo da tabela. E é normal. No outro tabelamento, essas lojas de desconto na área de supermercado, os hipermercados, vendiam 3%, 4% em média abaixo da tabela. Isso faz parte da regra do jogo, porque continua havendo concorrência; o setor varejista é muito competitivo e continua havendo concorrência entre eles depois do tabelamento - o que é bom. Então, é essa a idéia.

Augusto Nunes: Ministro, eu acho que conheço o senhor razoavelmente bem para acreditar no que o senhor e diz e para saber que o senhor é um homem indiscutivelmente sério. Agora, como lembrou o Boris, o prontuário deste governo não é bom. E eu vou relacionar alguns pecados capitais - dos quais o senhor não participou, mas, de qualquer forma o senhor faz parte de um governo que foi responsável por eles. Por exemplo, o governo, aproveitando o crédito que obteve com o sucesso aparente no início do Plano Cruzado 1, fez coisas do seguinte calibre: ele maquiou as contas externas para exagerar as dimensões do superávit, manipulou os índices da inflação, fraudou os números do déficit público, camuflando o que devia de fato. Levando em conta isso, o que garante, o que pode assegurar ao povo que o governo finalmente deixou de mentir?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Bom, a única coisa que eu soube [é que] houve realmente esse erro na parte das importações...

Luis Nassif: Foi o digitador que... [risos]

Luiz Carlos Bresser Pereira: É, aí, realmente, não sei como te explicar isso. Agora, os outros, eu não estou a par. Agora, quanto a se vão acreditar ou não agora nas informações que eu estou dando, nos índices que eu vou publicar etc., eu vou ver...

Augusto Nunes: [interrompendo] Não, eu quis restabelecer comparações. Porque eu acho que o senhor tem pouco a ver com o governo e o plano ético...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Sim, mas agora, digamos, o Ministério da Fazenda é responsável, por exemplo, para informar sobre importação e exportação. Ou vocês acreditam ou não acreditam. Vai também ter que informar a respeito de déficit público - nós estamos discutindo aí o déficit público -, ou acreditam ou não acreditam. Eu não vejo como... Eu estou fazendo a coisa mais séria possível. Em relação ao IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
], não há [com ênfase] nada contra o IBGE. O IBGE, aliás, não está no meu ministério, mas o trabalho que eles têm feito em relação ao índice é absolutamente perfeito e não houve nenhum... Essa história de que há manipulação de índice de preços, isso não pode haver. Hoje é praticamente impossível, porque tem o Fipe [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas] fazendo o índice de preço todo dia, tem o Dieese fazendo índice de preço todo dia, de forma que ficar imaginando em manipulação em índice de preço... É uma coisa que foi feita no passado - em 1972, 1973 foi feito isso - e, depois, não se fez mais.

Augusto Nunes: Mas, ministro, é que o professor João Manoel Cardoso de Melo se referia ao [economista] professor Edmar Bacha - que, na época, dirigia o IBGE - como a "freirinha" do IBGE, porque Bacha se recusava a alterar os índices...

Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Não, o que houve ali - e que eu acho que foi um grande erro que foi cometido - é que, quando o chamado Cruzado 2 - em que nós tínhamos o IPC -, propôs-se que se abandonasse o IPC para corrigir salários e se inventasse um novo índice - que seria apenas [para] uns poucos produtos - para substituir o IPC. Foi feita a proposta, até foi escrito que ia se fazer isso, até foi posto em decreto, se eu não me engano, que ia se fazer isto. Era um escândalo, era um absurdo, mas não era falsificar o índice, era criar um novo índice que era um absurdo e que iria prejudicar os trabalhadores. Isso foi abandonado.

Luis Nassif: Ministro, sem ter que saber demais na parte de salário, que eu acho que é um tema muito complexo para televisão, você não pode... Mas eu quero dizer o seguinte: essa lição de quem perde e quem ganha tem que ver em relação ao passado e em relação o que viria pela frente.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Claro.

Luis Nassif: Em relação ao que viria pela frente, eu acredito que nós estávamos em um quadro muito preto até o Plano Bresser. Então o plano é indispensável. Sem o plano, talvez a gente tivesse uma paralisação total da parte produtiva, que já se prenunciava. Agora, em relação às contas que estão correndo, em relação aos salários, tem um jornal de São Paulo que, nesta sexta-feira, publicou um extenso estudo de um diretor da Fundação Getúlio Vargas; e, com base neste estudo, taxou de levianos todos os críticos dos salários. E os estudos contêm alguns erros conceituais sérios e alguns erros de conta primários. Agora, pergunto o seguinte. É importante saber se o salário perdeu ou não, inclusive para futuramente haver uma legitimidade ou não para se cobrar a diferença; e nós temos aqui, sem levar em conta a inflação de junho, nós temos que a inflação de julho teve uma mudança metodológica indispensável para que a inflação refletisse efetivamente o período Cruzado. Ocorre que, nessa mudança metodológica, a inflação de julho, na verdade, vai refletir, em média, de 12 a 13 dias de inflação apenas, que o senhor mesmo... Pela metodologia adotada, a inflação de julho vai refletir o preço médio de 15 de junho a 15 de julho. E esse preço médio, a grosso modo, simplificando, seria o preço... um nível referente a primeiro de julho contra o preço médio daquele vetor de 15 de junho a 22 de junho; seria um preço médio na faixa de 18 de junho.  Eu não queria entrar por isso, porque é meio complicado, mas, de qualquer maneira, vai ter uma inflação de julho que vai refletir apenas metade da inflação real do período.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Você está enganado, ô...

Luis Nassif: Não estou não, Bresser.

[risos]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Quer dizer, veja...

Sérgio Mendonça: [interrompendo] Ministro, posso só dar uma consideração a essa pergunta.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Certo.

Sérgio Mendonça: Por exemplo, em relação à energia elétrica, voltando para a medição dos índices. A gente sabe que todas essas pesquisas, seja a do IBGE, seja a do Dieese, seja a da Fipe, se você vai medir a energia elétrica, ela é distribuída por lotes e [aí é] pesquisada, por exemplo, no começo do mês de junho, ou no meio, ou no fim do mês de junho. Isso vai se refletir na conta a ser paga, por exemplo, no mês de julho. Como é que o IBGE pode trazer todo o aumento da energia elétrica para o dia 15 e fazer com que esse aumento não se reflita sobre o restante, quando a população vai estar pagando esse aumento - que é o chamado "efeito Alfonsín" [aumento artificial da inflação mensal do primeiro mês após a implantação de um congelamento de preços por causa de que a inflação mensal é calculada como uma média ao longo de todo um mês - e, assim, a do primeiro mês pós-plano inclui os dias daquele mês anteriores à sua implantação; o nome refere-se ao governo do presidente argentino Raúl Alfonsín (1983-1989), que aplicou o congelamento no seu país com o Plano Austral], que ocorreu na Argentina - vai [estar] desembolsando esse gasto no mês de julho até no mês de agosto. Como é que o IBGE vai fazer essa mágica técnica de impedir que esses aumentos...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, o que se fez foi [o seguinte.] Em torno do dia 15 de julho se faz um vetor, porque, normalmente, quando se mede - eu precisaria mostrar no gráfico outra vez, senão é complicado, fazer um novo desenho -, quando se mede a inflação, você pega a média de um mês e compara com a média do mês anterior; então, você pega a média de primeiro a 30 de um mês e pega outra média de primeiro a 30 de outro mês e compara uma com a outra. Se nós fizéssemos isso agora, iríamos ter um efeito Alfonsín. No Plano Cruzado 1, já não foi feito isso. O que se faz? Pega-se o dia 15 de julho e se faz um vetor - quer dizer, separa-se aí - e se calculam os preços do mês de junho agora, como se estivessem todos em torno de desse dia 15. Quer dizer...

Luis Nassif: [interrompendo] E o de julho?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Mesma coisa. Então, agora, o preço de julho passa ter como base esse vetor - que é uma coisa técnica que as pessoas especialistas em despesas sabem como é que se faz -, pega esse vetor do dia 15 e compara com a média de...

Luis Nassif: [interrompendo] De 15 de junho a 15 de julho.

Luiz Carlos Bresser Pereira: A média de julho, que é de 15 de junho a 15 de julho, exatamente isso.

Luis Nassif: Qual é o ponto médio do dia 15 de junho a 15 de julho?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Mas isso não importa, não se pega...

Luis Nassif: Subestima a inflação!

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não subestima. Todos os técnicos me garantem que isso não subestima a inflação. Ninguém fez esse tipo de crítica em razão ao Plano Cruzado 1, onde isso foi feito normalmente. Então, é absolutamente tranqüilo. Você tem, realmente, a inflação de um mês nesse período.

Ann Charters: Senhor ministro, por favor, com respeito ao déficit público, tem uma questão de credibilidade do governo aqui. Porque já foi prometido pelo menos cinco vezes cortes nos gastos públicos. O que exatamente, especificamente vai ser feito para cortar esses gastos?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Bom, em primeiro lugar, eu acho que é importante observar o seguinte. O corte do déficit público é uma das metas do plano de controle macroeconômico que está sendo terminado. Esse plano tem dois objetivos fundamentais. Um objetivo é a taxa de crescimento econômico, que nós queremos que seja de 5% neste ano, 6% no próximo ano e, nos demais, 7%. E o segundo objetivo fundamental é o superávit comercial, que nós queremos que seja de 8 bilhões e meio de dólares neste ano e que seja de 10 bilhões de dólares no próximo ano. O terceiro objetivo - mas é um objetivo instrumental, eu quero que você preste bem atenção nisso - é o objetivo de cortar o déficit público, cuja estimativa para este ano é de 6,7% [do PIB, produto interno bruto], [sendo que] nós estamos tentando colocar como objetivo - isso não está definido ainda definitivamente - em 3,5%. "Tentando", porque ainda não conseguimos chegar lá, não conseguimos ainda descobrir onde cortar para chegar a 3,5%. Por que eu digo que é instrumental? Porque a diferença fundamental entre este plano que estamos fazendo e os planos que o Fundo Monetário Internacional faz não é de caráter formal: nós usamos formalmente conceitos semelhantes a eles, porque são os conceitos que os macroeconomistas usam - e no Fundo Monetário Internacional existem bons macroeconomistas, como existem bons macroeconomistas, eu espero, no governo brasileiro. Então, esse não é o problema. A diferença fundamental diz respeito aos objetivos. O FMI, normalmente, estabelece como objetivos o superávit comercial e a redução do déficit público e deixa o crescimento como resíduo, seja o que for. Se for negativo - se for recessão, por exemplo, que é negativo - tudo bem, ou tanto pior, como diriam eles. No nosso caso não é assim: o resíduo - não é bem o resíduo, mas a variável que é intermediária, instrumental, é o déficit público. Se, por acaso, nós, afinal, definamos como objetivo 3,5% e, para consegui-lo, para chegar nos 3,5%, nós começarmos provocar uma recessão neste país, nós paramos de fazer isso, nós não iremos aos 3,5%. Agora, você pergunta: "Onde está sendo cortado?" Está havendo corte e aumento de receita. O aumento de receita acontece por dois motivos: primeiro, por causa do aumento das tarifas públicas e segundo, por causa da redução da inflação. Por que a redução da inflação? A inflação, que estava em 20%, ela, abaixando para 2%, 3%, 4%, dá um aumento de receita substancial para o governo federal e para os estados. Por quê? Porque entre o momento que você incorre no imposto e o momento em que você paga o imposto, há uma defasagem - [que] depende do imposto; vamos dizer que, em média, haja uma defasagem de 50 dias para todos os impostos. Olha, [com] essa defasagem, se você tem uma inflação grande neste período, há uma corrosão enorme no valor do imposto recebido pelo governo enorme. E, quando a inflação diminui, então a corrosão diminui. Então, você aumenta substancialmente. Há uma terceira coisa. Se a economia entrasse em recessão - como estava entrando -, as receitas tributárias também diminuiriam, [fazendo a economia] deixar de entrar [em recessão] - e eu estou esperando que deixe, porque isso é uma aposta que a gente está fazendo - e, então, você vai ter também aumento de receita. Quanto à diminuição de despesas: nós cortamos o subsídio do trigo; nós cortamos despesas das empresas estatais - eu creio que são 30 ou 40 bilhões de cruzados -; nós cortamos investimentos das empresas estatais - eles iam crescer 12,5% em relação 1986, vão crescer apenas 4% pela última estimativa -; então, esses cortes e mais alguns que ainda temos que fazer é que vão nos permitir reduzir de 6,7%, e mais aqueles aumentos...

Rodolpho Gamberini: Ministro.

Gilberto Dimenstein: [interrompendo] Ministro, ministro, ministro, é uma questão exatamente dentro desta...

Rodolpho Gamberini: [interrompendo] Ministro - Gilberto, deixa eu te pedir licença -, só uma coisa, eu gostaria que o senhor respondesse - eu passo em seguida a palavra a você -, nós temos uma pergunta gravada do presidente da Fiesp, o senhor Mário Amato, e eu gostaria que o senhor respondesse neste momento. Em seguida, eu garanto que o Gilberto lhe faz a próxima pergunta. A pergunta entra por aqueles monitores, por favor.

[inserção de vídeo]

Mário Amato: Não haveria uma possibilidade de nós desvincularmos e indexarmos o salário mínimo, para dar um salário mínimo mais condizente com a dignidade humana? E de tal sorte que isso desse a todo o Brasil uma melhor condição para a classe de menor renda?

[fim da inserção de vídeo]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Quando o Mário Amato e o Walter Sacca, que estão aqui, estiveram no meu gabinete na semana passada, eles foram me propor um abono. Eu disse, naquela ocasião, que um abono eu não achava viável, porque isso implicaria em um aumento do salário mínimo e um aumento do salário mínimo estava vinculado a toda uma série de outros salários. Por outro lado, eu achava que o salário mínimo estava muito baixo. Eu escrevi um artigo nesse sentido antes de ser ministro; eu achava, portanto, que era fundamental, e uma questão de justiça, aumentar o salário mínimo - aos poucos, gradualmente, mas firmemente se conseguisse aumentar o salário mínimo. Para isso, era fundamental desvincular o salário mínimo dos demais salários. Isso é um projeto que o Congresso precisa examinar. Eu já conversei com o Almir Pazzianoto [ministro do Trabalho de 1985 a 1988], que concorda inteiramente, já falei com o presidente Sarney [presidente da República de 1985 a 1990], já falei com alguns congressistas e eu espero que isso possa ser feito. Agora, o que não é possível é falar-se em abono ou aumento de salário sem que isso seja repassado para os preços. Você, repassando para os preços, não adianta nada falar em aumento de salário; agora, se os empresários podem aumentar além de os salários serem repassados para os preços, eu ficaria muito satisfeito.

Rodolpho Gamberini: Gilberto Dimenstein, por favor.
 
Gilberto Dimenstein: Dentro essa relação do déficit, ministro, há um ponto que parece que está intocado - e que parece que vai ficar intocado -, que é a função do funcionalismo. Perto de um terço de tudo o que se gasta em termos de despesa governamental é para pagar funcionário público e encargos sociais. Essa questão, em nenhum momento apareceu neste plano. Por que é que aconteceu isso? É timidez, falta de coragem de enfrentar a máquina pública? Porque, há algum tempo a gente ouve aquelas promessas de demissão de funcionários, de acabar com o funcionário fantasma, de fazer uma folha única para que as pessoas não tenham duplo ou triplo salário, de que órgãos ineficientes sejam extintos. O [...] continua, de certa forma, um drama; o BNH foi extinto, mas os funcionários não foram, passaram para um banco. E eu fiquei muito preocupado sobretudo em relação a essa questão do Augusto: da credibilidade, mesmo. O presidente deu uma entrevista e teve a coragem de dizer que estava se gastando menos com funcionalismo, baseado num cálculo puramente, puramente faccioso e parcial de que [a porcentagem da despesa total gasta com funcionalismo público] cresceu [em] 19,2%, para 17% [da despesa total]; mas o PIB...

Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Porcentagem? 17 é a porcentagem, não é?

Gilberto Dimenstein: Sim, mas sendo que a relação com o PIB se manteve igual e a despesa aumentou - ou seja, a mordida continua a mesma, mas foi o bolo que aumentou. E a preocupação vem do fato de que parece que o governo não vai enfrentar essa questão de cara e vão permanecer as pessoas ociosas, funcionários sem trabalhar, departamentos sugando recursos sem dar nada em troca à nação. O senhor pretende mexer nisso ou vai continuar intocável, isso?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja. Eu acho que esse problema do funcionalismo público é um dos maiores equívocos que existem neste país, e a gente tem que enfrentar esse equívoco. O equívoco é o seguinte: toda vez que se fala em déficit público, fala-se: "Bom, a solução para o déficit público é demitir uma quantidade grande de funcionários públicos" e pronto, está resolvido o problema. Isso é um grande equívoco. No funcionalismo público federal, a porcentagem do orçamento da União com os funcionários públicos é pequena. Salvo engano meu, é de menos de 20%...

Gilberto Dimenstein: [interrompendo]17%.

Luiz Carlos Bresser Pereira: É, 17%, por aí. E o número de funcionários que existem sobrando... Parece que existem, tem gente que diz que... Agora, é muito difícil encontrá-los; parece que existe no [...] um famoso grupo, e eu gostaria muito de poder demitir uma parte destes funcionários. Agora, o resultado disso, em termos concretos, seria muito pequeno. Nos estados, a coisa é diferente, dependendo do estado. Aqui no estado de São Paulo, por exemplo, o número de funcionários públicos excedentes é mínimo. Geralmente, em São Paulo - como também no governo federal -, o que existe é uma imensa disputa entre administradores públicos por funcionários, por escriturários, por economistas, por engenheiros - que tem poucos -; por médicos - que tem poucos -; por professores - que tem poucos. Agora, nos estados, houve excessos. No ano passado, por exemplo, houve uma grande contratação de funcionários; em 1982 também, ano de eleição, houve uma grande contratação de funcionários; depois, são demitidos uma parte deles. Nós estamos pressionando os governadores para que demitam funcionários. E está havendo uma parte das demissões - não tudo que devia haver. Aí, realmente, há abusos sérios. Agora, mesmo isso aí, ao nível do estado, não seria significativo - porque o que eu acho que este tipo de argumento, Gilberto, cria de dificuldade é que seria muito bom se nós pudéssemos realmente enfrentar o problema mais seriamente e resolver sempre [o problema] daqueles que não trabalham - que existem - ou daqueles que ganham dois salários - que existem -; mas eu estaria sendo marginal e nós, de repente, transformaríamos isso em um grande problema e não temos uma explicação para o fato de que o governo brasileiro, o Estado brasileiro como um todo, que tinha uma capacidade de poupança de quase 10% do PIB em 1975 hoje tem poupança zero; e o déficit público, então - esse famoso déficit público... Mas continua investindo - por exemplo, o governo continua investindo em aço, energia elétrica, em transporte, em petróleo, que são investimentos absolutamente essenciais. O setor privado não se mostra com capacidade para substituir o governo nessas áreas; então, o governo tem que fazer isso. Mas não tem poupança nenhuma. Por quê? Porque a sua receita caiu muito - a sua receita de impostos caiu muito e a sua receita de tarifas públicas também diminuiu muito.

[sobreposição de vozes]

[...]: E nós ficamos a mercê dos problemas!

Gilberto Dimenstein: A questão salarial está complicada, no momento, não por causa das contas que os economistas fazem, mas porque ninguém está disposto a ceder nada, porque as pessoas não confiam em um projeto político desenvolvido pelo atual governo. Aí é que está a colocação toda. Eu acho que um trabalhador podia até falar “Olha, estão aqui 30% do meu salário”, desde que tivesse um plano global em que as pessoas acreditassem. No momento em que o governo não aceita cortar...

[...]: Há um plano global, há um plano: a ferrovia Norte-Sul. A ferrovia Norte-Sul é essencial.

[sobreposição de vozes]

Gilberto Dimenstein: Vão surgir até agora umas mil tabelas, todas elas corretas...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu vou responder a essa sua questão...

Gilberto Dimenstein: [interrompendo] Agora a questão é política, no caso.

Augusto Nunes: [interrompendo] Agora, seu ministro, por favor, completar isso...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Deixa o Boris falar.

Boris Casoy: Eu queria então que o senhor respondesse...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu respondo esta parte da pergunta do Boris.

Augusto Nunes: Ministro, por favor. Muito a propósito o que o senhor falou - desculpa, Boris...

Boris Casoy: Pois não.

Augusto Nunes: É que é o seguinte. O governo sempre argumenta que cortes desse tipo são pequenos; mas há também, ministro, o aspecto moral. Quer dizer, eu sei que as mordomias de Brasília representam pouco diante do tanto que se gasta, mas há o exemplo moral. Porque um trabalhador também faz determinados sacrifícios, que representam pouco diante da cifras com as quais lidamos, mas ele faz a sua parte, e o governo nunca. Quer dizer, a demissão de funcionários ociosos, por menor que seja, e o número que resulte disso, eu acho que é importante para o povo saber que o governo também faz a sua parte. Então, eu gostaria de ouvir do senhor se o governo, ao analisar esses números, leva em conta também o aspecto ético e moral da questão.

Boris Casoy: A minha pergunta é a seguinte. São duas colocações. A primeira é a questão ferrovia Norte-Sul [ainda em construção, que ligará o Pará ao Mato Grosso do Sul; na época, sua previsão restringia-se ao Maranhão, Tocantins e Goiás e foi alvo de intensas críticas da imprensa], que me parece uma obra pelo menos fora do tempo. Eu não quero nem entrar no mérito, mas na hora em que se fala em austeridade fica difícil acreditar que o governo vai investir pelo menos 2 bilhões e meio de dólares numa ferrovia que liga o nada com coisa nenhuma. E o segundo aspecto é o seguinte: até quando o contribuinte brasileiro vai subsidiar o carnaval que os governadores dos estados fazem com os bancos estaduais? Eu não tenho os números corretos; dizem-me que o subsídio que o governo federal vai gastar [para] ajudar os bancos estaduais é quase o dobro do subsídio do trigo, cerca de 102 bilhões. Até quando o contribuinte brasileiro vai pagar esse enorme carnaval que os governadores de estado fazem às vésperas das eleições, torrando enormes quantias dos bancos estaduais? Depois vamos nós, através do governo federal, arrumamos a casa, pagamos, cobrimos os rombos desses bancos e a coisa se repete novamente. Eu sei que, no Banco do Estado de São Paulo, que foi presidido pelo ministro, as coisas não se passam dessa maneira, mas, na grande maioria dos bancos estaduais, eu sei que o que vige neste instante é a ruína. Quando se fala em austeridade, por que o contribuinte brasileiro é obrigado a pagar todo esse carnaval? 

Luiz Carlos Bresser Pereira: Bom, são duas questões, primeiro tem as questões do Gilberto e do Augusto. O Gilberto colocou um problema que é... Que fica assim: esse governo não tem credibilidade; como não tem credibilidade, ninguém está disposto a fazer sacrifícios por ele - ninguém está disposto a pagar imposto; ninguém está disposto a pagar aumento de tarifa; ninguém está disposto a fazer nada. Aí, vem o Augusto e diz assim: “e há um aspecto moral, aí, em alguns funcionários excedentes que você não consegue mandar demitir”. Com o Augusto eu concordo: se você realmente consegue identificar alguns funcionários que são claramente excedentes e não os demite, você está agindo muito mal...

Rodolpho Gamberini: [interrompendo] Ministro, só...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Nós temos que enfrentar esse problema firmemente. Agora, agora vou responder à minha pergunta...

[risos]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Agora, eu acho fundamental, ao mesmo tempo... E eu vou insistir em descobrir onde é que estão realmente esses funcionários. Há o famoso caso do IBC - tem funcionário sobrando no IBC, então vamos demitir esses funcionários. O único problema é ver se eles são estáveis ou não são estáveis. Porque às vezes são estáveis e não dá para demitir - porque o funcionário público federal é estável, então não dá para demitir, ponto final. Não adianta, você tem que tentar reaproveitar. Existem várias tentativas de reaproveitamento de funcionário público, também, que seria uma boa idéia, mas é marginal e tem um problema moral. Agora, o problema do Gilberto, esse eu acho que é grave, porque, então, se nós formos esperar que as pessoas tenham que acreditar no governo para depois passarem a colaborar, isso fica uma espécie de círculo vicioso e nós não saímos da crise, não saímos da dificuldade. E é por isso que eu acredito, de um lado, que seria importante que se acreditasse no governo - e eu acho que o governo fez uma série de medidas, recentemente que mostram que ele tem firme intenção de administrar com austeridade o próprio governo. Nós não só temos esse plano, mas as medidas complementares do plano tiveram esse sentido. Se não acreditarem assim mesmo, vai ser muito difícil nós sairmos dessas dificuldades. Agora, quanto ao Boris, duas questões. Quanto ao problema da ferrovia, a ferrovia foi adiada porque não cabia, neste momento, fazer a ferrovia nesta conjuntura - inclusive porque se criou, em relação à ferrovia, uma espécie de psicose nacional, como se fosse um projeto absurdo, nababesco, coisa desse tipo. Eu não acho que o projeto seja assim. Eu acho que o projeto é um projeto sério. É muito difícil medir a sua rentabilidade a curto prazo - difícil mesmo -, mas eu já conversei algumas vezes com o presidente Sarney sobre ele, e o que o presidente Sarney mostra? Mostra, primeiro, um profundo conhecimento do assunto, conhece realmente o problema; e, depois, revela um entusiasmo sobre o assunto quase que absoluto. Ele conhece tecnicamente a coisa sob várias formas e tem um entusiasmo muito grande. Quando eu me lembro dessa ferrovia, eu me lembro muito bem o que aconteceu quando se fez a Belém-Brasília: falava-se a mesma coisa, que ia ser caminho de onça, e deu certo...

Luis Nassif: [interrompendo] A Transamazônica...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Mas aí tem a Transamazônica, que deu errado. Quer dizer, será que o presidente Sarney está certo ou errado? Eu acho que os presidentes, às vezes, têm direito de colocar um problema e têm direito até a discutir. Quer dizer, acho que é uma coisa que está em discussão. Nós temos agora seis meses para continuar a discussão sobre isso. Agora, eu acho que tem que deve se discutir com mais seriedade esse plano da ferrovia, porque havia, em relação à ferrovia, claramente... quer dizer, é uma ferrovia que, a meu ver, tem muita explicação e que mais cedo ou mais tarde vai ser feita - por que é necessária e vai ser barata -; agora tem uma empresa alemã que se mostra interessada em fazê-la. Então, é bom a gente começar a pensar que talvez nós tenhamos de tal forma nos engolfado numa crise - uma crise que tinha outros motivos, que eram a situação da inflação, que eram a crise financeira, que eram uma ameaça de caos econômico em que nós estávamos nos metendo - e, de repente, a ferrovia virou um símbolo disso; e não tinha nada que ver, a ferrovia com a história.

Boris Casoy: Eu fico feliz em ouvir do ministro que doravante nós vamos tratar do assunto com maior seriedade.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho que tem que ser tratada por todos nós. Todos nós temos que tratar com seriedade, todos nós...

[sobreposição de vozes]

Luiz Carlos Bresser Pereira: A imprensa, todo mundo...

[risos]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Agora, finalmente deixem-me responder [a pergunta sobre] o problema dos bancos. Em relação aos bancos, eu estou de pleno acordo com o Boris que isso é um problema sério. O buraco dos bancos, eu acho que é menos de 102 [bilhões de cruzados] - pelo que eu sei, é coisa de 50 bilhões de cruzados -, mas é muito dinheiro, de qualquer forma. E aí, no caso dos bancos estaduais - isso já aconteceu em 1982; acontece em véspera de eleição, especialmente; e voltou a acontecer em 1986 -, eu só vejo uma solução para isso: é fazer com que os bancos estaduais tenham um conselho de administração em que os governadores ou os governos do estado sejam minoria, que tenha um representante da Federação das Indústrias, um representante do comércio, um representante da Federação da Agricultura, um representante dos trabalhadores, um do próprio banco e dois representantes, por exemplo, do governador, de forma que, aí, você vai ter uma administração responsável socialmente pelo banco - mas não uma diretoria política. É o único jeito.

Luis Nassif: Ministro.

Rodolpho Gamberini: Nassif, por favor, nós temos, nós temos...
 
Boris Casoy: [interrompendo] Nós vamos pagar, ministro? Vamos pagar?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Aí não tem jeito, porque o que os bancos podem fazer é o cheque sem fundo. Se o Banco Central recusa o cheque, o que acontece? O banco fale. E você não pode permitir que um banco vá á falência. Há, pelo menos, essa idéia.

Luis Nassif: [interrompendo] Mas a razão, a razão para você...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Mas, depois que se vê essa mudança, pode-se.

Boris Casoy: Eu pergunto se os estados devem ter bancos; se necessariamente devem ter bancos.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Essa é uma boa discussão, também. Ou faz essa mudança... Mas acontece que eles estão aí, e fechá-los seria muito complicado. Por isso, essa mudança que eu estou sugerindo seria muito boa - que está sendo estudada e que evitaria para sempre esse problema.

Rodolpho Gamberini: Ministro, por favor, eu queria pedir a sua licença e a dos convidados para a gente fazer um intervalo. A gente volta daqui a pouquinho e continua; aí, se o Boris quiser voltar a essa discussão dos bancos terá tempo; também o Pedro e todo mundo. A gente volta daqui a pouquinho. Até já!

[intervalo]

Rodolpho Gamberini: Nós voltamos então com o Roda Viva, programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo que, a partir desta noite, está sendo transmitido simultaneamente também pela rádio Cultura AM. Esta noite, o ministro Bresser Pereira, da Fazenda, não pode responder as perguntas dos telespectadores porque nós gravamos este programa durante o final da semana. Ministro, quando o senhor foi nomeado ministro da Fazenda pelo presidente Sarney, eu me lembro de uma entrevista sua na porta de um elevador - não sei se era do Palácio do Planalto ou do Ministério, alguma coisa assim - em que o senhor estava um pouco ansioso, agitado, o senhor estava assim. E uma repórter lhe fez uma pergunta: se o senhor estava feliz. O senhor respondeu que tinha se preparado a vida toda para aquele momento, para assumir essas funções. E eu vi também uma entrevista do seu filho na televisão em que ele estava, também, muito feliz, dizendo que iria ser ótimo, porque aquilo era uma coisa que ele sempre quis na vida. Por favor, ministro, sinceramente: hoje, quando o senhor é o ministro da Fazenda, conhece ainda melhor os problemas da economia brasileira, o senhor acha que o senhor fez uma boa escolha?

Luiz Carlos Bresser Pereira:

Eu acho que sim. Realmente, esta frase eu disse e meu filho ouviu de mim antes. Porque, quando se discutia, quando se falava muito que eu poderia ser o ministro da Fazenda, isso foi discutindo em casa, naturalmente, se valia a pena aceitar ou não. E eu disse isso em casa: que eu tinha sempre me preparado para ser um homem público, desde jovem. Eu queria ser inicialmente juiz, por isso eu fui fazer faculdade de Direito; no meio da faculdade de Direito eu abandonei essa idéia e resolvi ser economista. E, nessa época, eu pensava em planejamento econômico, fundamentalmente. Estávamos, aí, na época dos [...] do desenvolvimentismo econômico; então, eu estava muito entusiasmado com esse tipo de visão. Agora, é claro que eu encontrei a economia brasileira em uma situação muito difícil. Na semana em que eu assumi, o [industrial, banqueiro e diplomata] Olavo Setúbal [1923-2008] e o [economista] Celso Furtado [1920-2004] me disseram a mesma frase, ou quase a mesma, dizendo que nenhum ministro da Fazenda tinha encontrado uma situação tão difícil no Brasil quanto eu desde Osvaldo Aranha [(1894-1960), ministro da Fazenda de 1931 a 1934] em 1931. Isso faz um bocado de tempo...

[risos]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Mas, de fato, nós estávamos em uma situação muito difícil. Mas eu acho que é um desafio muito importante que nós todos estamos enfrentando e eu espero que acabe dando certo. Vamos ver.

Rodolpho Gamberini: Está bom. Eu gostaria que o senhor respondesse agora à pergunta do senhor Christopher Lund, que é presidente da Câmara Americana do Comércio. Por favor.

Christopher Lund: Bom, primeiro, ministro, eu queria agradecer porque o senhor está me ajudando a resolver um grande problema que eu tenho, porque eu estou assumindo a presidência da Câmara Americana agora e a primeira reunião é esta semana, e o tempo que eu ia usar para preparar essa reunião eu usei analisando o seu plano. Então, agora eu tenho uma lista grande de perguntas para fazer que, se for bem-sucedida, eu posso usar na reunião nesta semana.

[risos]

Christopher Lund: Mas, primeiro, todos os associados da Câmara são empresários, 40% nem são americanos, e eu acho que nós, como empresários, vemos o plano como algo bastante positivo, por vários motivos. Primeiro, foi uma ação; segundo, foi um plano com uma certa flexibilidade, um realismo, tem limite estabelecido para o congelamento e outras coisas e promete o retorno ao mercado mais ou menos normal. Eu diria que uma pergunta que todos teriam é: na prática, como vai funcionar, principalmente o congelamento de preços? Da outra vez [no primeiro Plano Cruzado, em 1986], experimentamos um número de aumentos que aconteceram enquanto os nossos preços continuaram congelados. Então, nós queremos saber se isso vai acontecer de novo ou não vai acontecer e como é que vamos agir. E segundo, o senhor falou também da possibilidade de ser 45 dias ou 75 dias. Qual é o limite, mesmo, que o senhor está prevendo? São duas perguntas.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, nesse plano, nós realmente queremos fazê-lo mais flexível, que evite dois erros fundamentais do Plano Cruzado 1. O primeiro erro foi o desequilíbrio macroeconômico, o excesso de demanda que ocorreu devido a um grande aumento de investimentos e também no aumento de salários. E, em segundo lugar, queremos evitar que haja um declínio microeconômico ou dos preços relativos - que é isso com que você está preocupado. O que é isso? Se você congela no dia que nós congelamos - por exemplo, no dia 12 -, é possível que alguns preços estejam atrasados e outros adiantados. Aqueles que tiveram os preços adiantados - quer dizer, que corrigiram o seu preço muito recentemente, que estavam com um bom preço -, esses vão ter lucros muito bons, enquanto que aqueles que estavam com os preços atrasados vão ter lucros muito ruins - vão ter prejuízos, inclusive; podem ter prejuízos. Então, você tem que corrigir isso. O correto, inclusive, seria corrigir baixando os preços daqueles que estão adiantados e aumentando os preços dos que estão atrasados. Você sabe que isso é difícil, não é...? Mas isso seria o correto. E, em alguns casos, eu espero poder fazer isso. Agora, para isso, se nós tivéssemos um sistema de controle de preço mais afiado, mais perfeito, seria mais fácil. Agora, esse congelamento total vai durar 45 dias ou 75 dias. Isso quer dizer o seguinte: que no dia primeiro de agosto ou no dia primeiro de setembro nós começamos a fase de flexibilização dos preços. O que quer dizer isso? Não quer dizer que terminou o congelamento, não, para bem ficar claro. Isso quer dizer apenas que nesse mês - vai ter havido uma inflação durante o mês de julho ou durante o mês de julho e agosto - nós vamos autorizar o repasse dessa inflação que aconteceu em alguns setores para os demais setores, para os setores realmente congelados. Que são o quê? Em primeiro lugar, o salário dos trabalhadores; e, em segundo lugar, com um teto para os preços das empresas. Além disso, a partir dessa época nós podemos fazer estudos que determinem elevação de alguns preços e a baixa de outros. O fundamental é entender que esse congelamento e esse novo plano acredita que fundamental para ele ser bem sucedido é ele observar as leis econômicas, ou seja, o equilíbrio macroeconômico e o equilíbrio microeconômico. O microeconômico é o dos preços relativos e o macro é o da demanda agregada versus oferta agregada. E a segunda coisa que é importante - mas não é a mais importante - é o apoio de todo mundo. Se não houver o apoio, ele não funciona. Mas, no Plano Cruzado 1, achava-se que tudo se resolvia graças ao apoio da sociedade; só isso não é suficiente e nem é o fundamental. O fundamental é você respeitar as leis econômicas. Porque, quando você vai contra as leis econômicas, quando tem uns ganhando muito e outros perdendo muito, a coisa não funciona.

Christopher Lund: O congelamento, então, quando terminaria? Quando se liberaria definitivamente o preço, obedecendo...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não há prazo. Isso é a terceira fase, para a qual não há prazo. Eu imagino que quando nós tivermos domado basicamente a inflação e a inflação estiver pequenininha nós poderemos ir para a terceira fase, que é o descongelamento... Total, total, nunca vai haver, porque sempre haverá certos setores oligopolistas que continuarão com preços... "controlados", vamos dizer assim. E, de qualquer forma, na fase de flexibilização, também é importante se lembrar o seguinte: é que eu vou liberar claramente certos setores. Quer dizer, o setor de confecções - não adianta querer controlar o setor de confecções, eles dão um jeito, muda a etiqueta ou mudam um pouco a forma e tal e puft!; então não sai -; não vou também querer controlar preços de alface ou de legumes - na feira, se houver uma chuva ou se houver qualquer coisa, o preço muda, a oferta varia, são setores muito competitivos. Não tem oligopólio aí e são setores que definitivamente não fazem sentido serem congelados.

Rodolpho Gamberini: Ministro, por favor, eu gostaria que o senhor respondesse à pergunta de Boris Casoy.

Boris Casoy: Ministro, o senhor é um homem do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], um militante do PMDB - disso não há dúvida, da sua fidelidade ao partido - e apresenta um plano que pode ser discutível, mas é um plano razoável e é sério - como o senhor é um homem sério, tem o demonstrado através de toda essa sua participação na vida pública paulista brasileira. Por que setores do PMDB, setores importantes, reagem mal ao seu plano? Ele foi mal vendido ao PMDB? Por que o partido não forma um claro apoio ao seu plano? O que acontece com o PMDB? As razões são eleitorais? O que está acontecendo? Ou o PMDB não acredita no plano, mesmo? Setores do PMDB.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, esse é um plano que a gente não pode discutir muito. Os trabalhadores, por exemplo, estão ofendidos porque não foram consultados antes. O Eduardo Suplicy me disse isso ontem. Mas eles sabem que eu não podia consultá-los antes. O PMDB, eu também não podia consultar antes. Não podia consultar ninguém. O meu chefe de gabinete não sabia, no dia anterior, [que] o plano estava para ser feito. De forma que esse é um problema. Não havia como consultar antes. Agora, depois que o plano foi editado, eu tenho tido alguns contatos com o PMDB que foram muito bons. Mas eu estou de acordo com você que não há, ainda, da parte do PMDB, por enquanto - da maioria dos parlamentares, dos políticos do PMDB -, digamos, um apoio efusivo. Os governadores estão apoiando firmemente na base de, digamos, terem a sua disposição de fiscalização para ajudar o plano. O [Orestes] Quércia [governador de São Paulo de 1987 a 1991], aqui, está fazendo isso com muita clareza e decisão - mas, digamos, esse apoio caloroso para o plano ainda não veio. Por quê? Eu acho que está acontecendo um pouco com o PMDB, que reflete muito a sociedade, o que está acontecendo com todo mundo. Está todo mundo desconfiado: será que vai dar certo ou não vai dar certo? A imprensa está fazendo isso, também; os trabalhadores estão fazendo isso; os empresários estão fazendo isso; e os políticos, que refletem a sociedade, fazem isso, também. Estão vendo se o Bresser acerta ou não acerta desta vez. Eu acho que vai dar certo, mas é um problema que a gente tem que enfrentar com realismo.***parei aqui

Pedro Cafardo: A sociedade está em cima do muro.

Rodolpho Gamberini: [interrompendo] Ministro, por favor.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho que a sociedade está em cima do muro, é isso mesmo. E é bom que fique um pouco, também, porque da outra vez ela se atirou de vez na piscina e a piscina não tinha tanta água assim quanto eles pensavam que tinha.

Boris Casoy: Ministro, o presidente do PMDB, Ulisses Guimarães [1916-1992], conhecia o plano antes, ou um detalhe, algum esboço do plano? Ou ele também foi surpreendido como o seu chefe de gabinete?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, o doutor Ulisses não foi surpreendido, porque o plano... [Eis] a história. No dia em que eu fui convidado, o presidente Sarney me perguntou como eu acabaria com a inflação, como é que eu controlaria a inflação. Eu disse: “Só tem um jeito, é através do congelamento; mas não há condições, nesse momento, para fazer." No dia seguinte eu comecei a fazer o plano. Chamei o [Yoshiaki] Nakano [secretário especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda], o [economista] Chico Lopes e comecei a fazer o plano. Duas semanas depois, eu falei ao presidente Sarney que eu estava com o plano em andamento e que nós o faríamos o mais depressa possível. E, umas três ou quatro semanas depois... não, três semanas depois; portanto, três semanas antes eu falei com o doutor Ulisses que eu estava fazendo o plano. Não disse data para ele, mas descrevi basicamente o plano. E ele também estava muito ansioso para que o plano fosse levado adiante, porque ele sabia, como sabia o presidente Sarney e como sabe toda a população da sociedade brasileira, que era fundamental fazê-lo. A dúvida, está certo ou não... mas eu não vi ninguém até hoje que me dissesse: “Não, você não deveria ter feito”. Mesmo os economistas que diziam “não há condições para” depois que foi feito eles disseram: “Você fez muito bem em fazê-lo”.

Boris Casoy: Ministro, das várias lendas que correm a respeito da história do plano, uma que circula com certa intensidade é a de que o senhor gostaria de ter feito o congelamento um pouco depois - que não era o momento, na sua opinião, de fazer o congelamento ou de lançar o plano como um todo. O que há de realidade nisso?

Augusto Nunes: [interrompendo] Só pegando uma carona. O ministro disse a alguns amigos que não gostaria de fazer o congelamento agora. O senhor apresentava várias razões para isso...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, eu não disse a amigos, você está completamente enganado, Augusto. Eu disse... A história é a seguinte.

Pedro Cafardo: [interrompendo] Disse a inimigos.

[risos]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Na minha entrevista, no dia da minha posse, me perguntaram por que eu não fazia o congelamento já. Eu acho que no meu discurso já teve uma alusão a isso. Aí perguntaram e eu disse: “Eu não posso fazer agora porque não há condições e tal”. Já estava resolvido que ia fazer, mas eu comecei a dar como justificativa que não havia condições porque os preços relativos não estavam ajustados, porque as reservas cambiais não eram suficientes, porque o déficit público não estava sob controle. Eu sabia que, realmente, as condições ideais não existiam. Mas nunca iam existir e, inclusive, iam ficar cada vez piores se eu deixasse. O déficit público ia piorar, eu podia ter maiores problemas com as reservas cambiais se eu continuasse esperando para tomar a decisão. Mas eu comecei a dar essa justificativa - não para os amigos, mas para todo mundo. Essa justificativa não pegou; aí começou uma grande onda de que eu ia fazer o congelamento. Vocês devem estar lembrados disso. Aí, quando começou essa onda, eu falei: “Bom, agora eu tenho que mudar o meu discurso." Aí, falei: “Está fora de cogitação qualquer plano de congelamento”. Foi esse o meu discurso: “Não, essa nem pensar”. Não dava mais razões, eu dizia que estava fora de cogitação. E fiquei nessa conversa durante um mês.

Rodolpho Gamberini: Ministro, por favor, responda à pergunta do senhor Walter Sacca, que é da direção da Fiesp.

Walter Sacca: Ministro, o programa era uma atitude ansiada pelo país. E ela veio. Eu acho que o essencial agora é nós discutirmos o que precisa ser feito para o programa dar certo. O que é o programa dar certo? O programa veio para reduzir a inflação. O presidente da República, quando apresentou à nação o seu programa, fez uma análise detalhada e bastante completa de todos os problemas que a economia enfrentava no momento e que tornavam necessária uma ação. Entretanto, eu gostaria de ouvir do senhor uma análise sobre quais as causas que levaram a economia a esses problemas. Se nós queremos acabar com a inflação, qual é a causa de termos chegado a essa inflação? Quem é o culpado dessa inflação? Para que, a partir daí, nós possamos discutir como evitar que daqui a meio ano nós estejamos de volta à situação que estávamos anteriormente ao Plano Cruzado 3 e tenhamos que fazer o quarto. Então, eu apreciaria - para iniciar o debate desse aspecto do programa, para que o plano seja bem sucedido e duradouro - uma observação sua de quais foram as causas que levaram a economia brasileira a uma inflação tão alta, quem é o culpado dessa inflação, para, a partir daí, discutirmos quais seriam as medidas mais adequadas para [não] retornarmos à mesma situação.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Essa aí é uma pergunta que exige uma conferência, mas eu vou tentar ser resumido. Partindo do Cruzado 1, nós tínhamos uma inflação inercial antiga e alta que tem causas históricas e muito longínquas. De repente, no Cruzado 1, em 28 de fevereiro [de 1986], nós congelamos todos os preços de salários e fizemos um plano que era, basicamente, bem feito - tinha um ou outro defeito, não corrigimos anteriormente os preços relativos; mas, basicamente, ele estava bom. E demos um aumento de 8% de abono, que tudo indica que foi um erro. O que aconteceu em seguida a esse plano? Dois erros fundamentais, que eu acabei de analisar agora mesmo, quando eu respondi para o presidente da Câmara Americana de Comércio. Começaram a surgir, em seguida, dois tipos de desequilíbrio. Um que era óbvio: o desequilíbrio microeconômico. Porque o governo partiu do princípio de que o fundamental era a credibilidade do plano - e a credibilidade do plano significava congelamento total: não se podia mexer em nenhum preço em hipótese alguma. Então, fechou-se o CIP [Controle Interministerial de Preços] para balanço, pronto, acabou, não havia mais que mexer em preço. Eu me lembro de que, no dia 10 de março, eu publiquei um artigo dizendo: “A inflação é um fenômeno real, é um fenômeno causado por conflitos distributivos que tem sua explicação no desequilíbrio permanente de preços relativos: um preço aumenta, o outro tem de aumentar; outro aumento, tem que aumentar." Você desequilibrando e equilibrando os preços relativos sistematicamente: isso é inflação inercial. Logo, você não pode congelar os preços se depois deixar tudo como está. Se você congelar os preços, você mantém preços inflacionários infernais, devido a esse problema. Expliquei isso. Inflação é um fenômeno real, [...] distributivo e que tem conseqüências monetárias, esse era o tema do artigo. Mas o governo ignorou completamente isso. Isso foi um grande erro do Plano Cruzado 1. O segundo erro foi macroeconômico: seja porque os salários aumentaram, seja porque os investimentos aumentaram... foram dois motivos, porque os empresários começaram a ficar eufóricos, também, e a taxa de juros começou a ficar muito baixa, o que tornou os empresários mais eufóricos. Eles podiam, agora, tomar emprestado e pagar taxa negativa de juro. O que é taxa negativa de juro? É que você toma emprestado e, quando você vai pagar, você paga menos do que você tomou emprestado, em termos reais. É uma maravilha. Assim, todo mundo quer tomar emprestado e todo mundo quer investir ou todo mundo quer gastar. Então, todo mundo investiu, todo mundo gastou, todo mundo consumiu. Aí, esse excesso de demanda fez com que os preços relativos, que estavam desequilibrados no dia 28 de fevereiro, ficassem ainda mais desequilibrados. Ao invés de consertar, ficaram mais ainda. Por quê? Porque alguns setores não se podia congelar: o setor, por exemplo, de confecções, de que eu já falei; o setor de serviços pessoais. E outros, você podia, mas eles conseguiam escapar através do ágio; então, aumentava mais, também. Então, quando chegou no dia 21 de novembro havia grande demanda e desequilíbrio profundo de preços relativos. O governo resolveu, afinal, atacar o problema da demanda aumentando o imposto. Mas ele fez isso dando um sinal de aumento, também, de preços, porque mexeu no IPI. Quando ele fez isso, a sociedade, que já não agüentava mais... tinham sido feitos vários artigos dizendo: “Ou nós acertamos esses preços relativos de baixa de demanda ou esse negócio arrebenta por mal; ou nós corrigimos por bem ou arrebenta por mal", usando uma expressão de criança. E foi o que aconteceu. A partir do dia 21 de novembro, a sociedade entendeu que o congelamento tinha acabado e começou o processo de desobediência civil: começaram a cada um a mexer no seu preço de um jeito, de outro, uns mais depressa, outros mais devagar, começaram a desobedecer - e o congelamento foi embora. Quando o congelamento foi embora, o que aconteceu? A inflação, que estava em 2% em novembro, partiu para quase 24% em maio, 23% e tanto em maio. Como é que você pode explicar essa aceleração violenta de inflação? É o famoso processo de recomposição de preços relativos. Se tinha algumas pessoas que estavam muito abaixo, esses aumentaram muito os seus preços. E, quando esses aumentaram muito os seus preços, os outros, ainda que não aumentassem tanto, também trataram de aumentar seus preços, porque achavam que... Aí, a briga é, para quem perdeu, para quem ganhou, muito complicada. Então, todo mundo acha que está perdendo no negócio e todo mundo começa a aumentar, um atrás do outro, os seus preços. Mas explicar isso, por exemplo, só [em termos] de excesso de demanda é impossível, porque imagine se nos Estados Unidos, por exemplo, onde a inflação é 3% ao ano, houvesse um grande excesso de demanda - pode acontecer isso - e os empresários ficassem otimistas, os consumidores ficassem otimistas, o governo gastasse bastante dinheiro e houvesse um grande excesso de demanda. Para onde iria a inflação? De 3% ao ano, poderia subir para 5% em um ano. Nós, de 2%, 3% ao mês, subimos em cinco meses para 24%. Por quê? Porque havia o problema da recomposição dos preços relativos, que é à base da teoria da inflação inercial.

Rodolpho Gamberini: Ministro, o senhor terminou a resposta?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Terminei.

Rodolpho Gamberini: Eu gostaria que o senhor respondesse a uma pergunta gravada do governador Orestes Quércia, por favor.

[inserção de vídeo]

Orestes Quércia: Meu caro ministro Bresser. Eu acredito que você sabe, tem consciência de que todos nós, em São Paulo, estamos apoiando o seu plano. O povo brasileiro apóia o seu plano, porque é fundamental apóia-lo no sentido de nós superarmos os nossos problemas. E eu acredito que um dos aspectos fundamentais de superação desses problemas é a questão da política habitacional. É muito importante a construção civil, que gera empregos, que movimenta a economia. Eu gostaria que você dissesse ao povo de São Paulo, no programa, qual o seu pensamento a respeito dos investimentos do governo federal na área de habitação.

[fim da inserção de vídeo]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho que, realmente, o plano habitacional é um problema muito importante no Brasil. Em São Paulo, especialmente, o governo gastou muito em educação e em saúde - há muita coisa a fazer ainda nessa área, mas, de qualquer forma, se avançou bastante nessa área de educação e saúde nos últimos vinte, trinta anos -, enquanto que, na área de habitação, se avançou muito lentamente. E me parece que há uma prioridade importante na habitação. O governo federal tem recursos para a habitação na Caixa Econômica Federal e está utilizando esses recursos para fazer convênios com os estados. O estado de São Paulo foi um dos que já fizeram convênio com o governo federal para construção de casas populares. O que me preocupa nesse processo é que é possível fazer casas populares baratas e me preocupa a utilização de terrenos muito caros nas grandes cidades para se fazer casas de um andar ou mesmo de cinco andares. Eu acho que nós devíamos fazer prédios mais altos, que tornassem mais baratos, rateassem mais o preço do terreno, que é caríssimo aqui. Eu também não tenho dúvidas a respeito de uma coisa: é preciso, no problema da habitação, que é extremamente difícil resolver, que se baixe, que se haja um certo subsídio para as casas populares. Sem isso, nós não conseguimos resolver o problema da habitação. E é claro que subsídio também tem limites - aqui é o ministro da Fazenda falando. Então, a coisa complica.

Rodolpho Gamberini: Ministro, quando o governador estava fazendo a pergunta, o senhor Walter Sacca, da Fiesp, disse que gostaria, acho, de retomar aquela questão da pergunta - é isso?

Walter Sacca: Eu queria ver as considerações do ministro, principalmente para ver se a conclusão das causas são corretas. Quer dizer, eu concluo, depois de ouvir o senhor, que nós chegamos a uma situação desastrosa porque fomos ineficientes para administrar a nossa economia. Então, a conclusão seguinte é que para evitar a repetição do problema nós temos que ser mais eficientes no dia-a-dia da administração da economia - a principal responsabilidade é da sua área, aqui -, para que, a partir daí, a gente tenha condições de não repetir aqueles mesmos erros: “devia ter feito, não fez; devia ter dado, não deu”. E, [com] isso, esperamos ter umas linhas mestras no plano macroeconômico que em breve deverá ser exposto à nação, mas acreditamos que será essencial que a ação do governo daqui para a frente seja consentânea com o discurso que ele tem feito até agora. E, se eu entendi corretamente, entre o discurso e a ação houve muita divergência, o que criou problemas. O senhor concorda com essa análise?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, o que eu acho é que realmente houve ineficiência, houve erros que foram cometidos no plano de política econômica. Esses erros podem ter sido conseqüência de mau julgamento, vamos dizer - você pode chamar de "incompetência" -, e podem ter sido também conseqüência de vontade de agradar o povo, vontade de agradar os próprios empresários, vontade de agradar a todo mundo. Isso tem um outro nome, chamado "populismo". Quer dizer, pode ser que as duas coisas tenham se somado - uma pitada de populismo e uma pitada de erros - e as duas coisas somadas fizeram com que o Plano Cruzado 1 não desse certo. Esse problema do populismo é um problema que existe na sociedade brasileira como um todo há muitos e muitos anos, é um problema permanente; até no regime militar isso aconteceu - e, quando nós voltamos para o regime democrático [em 1985], a coisa voltou com mais força. E nós temos que fazer muito seriamente a crítica do populismo, porque o que se percebe também é que o populismo é um tipo de política de perna curta. Você tenta agradar o povo, agradar os empresários, os trabalhadores, os banqueiros, dona de casa, quer agradar todo mundo - porque as pressões são violentas -, e você vai agradando aqui, agradando lá, os funcionários públicos e, de repente, o que acontece? Depois de agradar todo mundo, a economia não pode... o bolo, aí, é limitado, aquela bola de que falou o Sérgio. Então, quer dizer - está aqui [apontando para o Sérgio] -, pelo menos, é limitada no curto prazo. A médio prazo, ela pode ser expandida, mas a curto prazo, no momento, ela é limitada. E então o que acontece? Arrebenta. E, quando arrebenta, aqueles políticos que estavam achando que estavam sendo muito populares acabam se tornando extremamente impopulares. Então, nós temos que aprender esse tipo de coisa e começar a fazer a crítica disso. É uma crítica que tem que ser feita sistematicamente por todo mundo.

Walter Sacca: O reverso já está acontecendo. Alguns políticos que eram muito impopulares no passado estão se tornando menos impopulares.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Bom, mas aí é às custas de demagogia, inclusive, não é? O Delfim Netto [ministro da Fazenda de 1967 a 1974 e do Planejamento de 1979 a 1985], por exemplo, virou agora o grande defensor dos trabalhadores. Descobriu que nós "roubamos" 15 dias dos trabalhadores. Eu não acho isso muito sério. E o Delfim Netto é um economista competente - mas agora, neste momento, sobre esse assunto ele está fazendo, claramente, demagogia.

Rodolpho Gamberini: Ministro, quando o senhor estava falando de populismo...

Gilberto Dimenstein: [interrompendo] O senhor acredita que o PMDB acredita no que o senhor falou, em termos de populismo? O PMDB não ficaria chateado com esse tipo de discurso? Porque o que se vê no partido é a busca para arrumar um emprego ali, arrumar um emprego acolá, agradar a fulano, agradar a sicrano - quer dizer, a idéia de desgaste parece que apavora o partido.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho que isso se vê em todos os partidos. Esse problema, esse medo existe em todos os partidos. Mas existe também, em todos os partidos, um número crescente de pessoas que começam a pôr isso em dúvida - inclusive e particularmente no PMDB. A idéia do clientelismo, por exemplo, a idéia de que você faz política atendendo a demanda de fulano, sicrano e beltrano. Eu já vi muito político do PMDB criticar isso muito fortemente e não fazer isso. Então...

Luis Nassif: Ministro, em relação a essas pessoas, especificamente... A gente tem uma idéia de que o tamanho da crise devolve o bom senso ao executivo, ao sistema da Presidência, devolve o bom senso aos políticos para compartilhar sacrifícios e ter uma atitude mais madura. Mas a gente sabe que a situação... se não [...] no arcabouço institucional, não adianta. Se começar a melhorar um pouquinho a situação, tem o fator Sarney que ameaça, realmente, qualquer plano. A pergunta é a seguinte. O senhor criou uma série de mecanismos para tentar resistir a esse tipo de pressão: esse conselho que vai avaliar as despesas, essa autonomia do Banco Central. Mas nós temos... Ainda hoje - hoje não, sábado -, o Estadão publicou uma nota analisando uma distorção que sempre ocorre nos orçamentos públicos: se tem uma inflação mais alta que a prevista, sobra um dinheiro que você pode jogar onde quiser. E essa nota diz o seguinte: que, nessa sobra de arrecadação, vão ser carreados 35 bilhões de cruzados aos ministérios militares. Isso é maior que o subsídio ao trigo deste ano. Eu pergunto o seguinte: dentro desse quadro, esses mecanismos que o senhor criou são suficientes para evitar esse tipo de pressão dos políticos, do fator Sarney e tudo? Um parlamentarismo neste momento poderia lhe dar mais condições de administrar sem esse tipo de pressão - que é legitima, mas que acaba arrasando qualquer plano neste momento?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho que não há nenhum mecanismo que seja suficiente para evitar as pressões ou para se resistir às pressões. Além dos mecanismos, é preciso que haja, digamos, uma maturação da sociedade. E aí, então, você consegue, quer dizer, toda a sociedade torna-se crítica disso. Os políticos percebem que eles não obtêm votos simplesmente porque fazem coisas que agradam ao povo; e que, às vezes, fazendo coisas que não agradam é que eles têm votos. Isso já aconteceu muitas vezes e, em um país desenvolvido, isso acontece sistematicamente. Os políticos que fazem coisas duras e difíceis têm muitos votos por causa disso. Também perdem votos, mas é o jogo. Agora, [sobre] o plano dos 35 bilhões de reais, eu não estou a par, mas o que eu vi ainda esta semana foi uma redução muito grande que houve dos orçamentos militares nos últimos anos. Agora, o que está acontecendo neste ano, eu não estou a par. Havia uma última coisa na sua pergunta que eu não respondi.

Luis Nassif: Essa questão do parlamentarismo...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Ah, tinha uma questão importante. Agora você me deu a chance de falar sobre o parlamentarismo. Eu sou parlamentarista. Eu acho que o parlamentarismo não é a solução...

Augusto Nunes: [interrompendo] [...] puro, ministro?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, puro não, mas basicamente. Eu acho... Eu não quero entrar agora no detalhe...

Augusto Nunes: [interrompendo] Não, só para explicar, porque o Nassif falou, agora, de pressões [...].

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu não quero entrar no detalhe...

Augusto Nunes: Há essa idéia de excluir os ministros militares da vigilância do Congresso, dos poderes do Congresso, e isso é uma esperteza brasileira para permitir...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu sou contra isso. Se é isso, eu sou contra. Eu acho que nós devíamos fazer o parlamentarismo. Há toda uma série de argumentos contra o parlamentarismo. O argumento fundamental é que nós não teríamos partidos políticos com suficiente maturidade para levar adiante o parlamentarismo. Eu acho que é impossível você ter partidos políticos realmente representativos sem parlamentarismo. Agora, também acho impossível você fazer parlamentarismo sem fazer voto distrital. Você tem que fazer voto distrital - preferivelmente voto distrital misto, como na Alemanha, em que metade é eleita por distrito e metade é eleita pelo voto proporcional, de acordo com listas partidárias.

Luis Nassif: Ministro, em relação às relações do Parlamento com o parlamentarismo e a política econômica, um dos problemas que se aponta no parlamentarismo é que se alia à flexibilidade dos formuladores de política econômica. O excesso de flexibilidade dos formuladores de política econômica já jogou o país em duas crises nos últimos anos. De que maneira conciliar uma certa autonomia, um certo reflexo de que a autoridade econômica precisa dispor para tomar boas medidas na área de câmbio e outras, com esse tipo de vigilância que o parlamentarismo impõe sobre o executivo?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu não vejo problema, porque, de qualquer forma, tem que estar muito claro que, no parlamentarismo, você escolhe um ministério e aí esse ministério - o primeiro-ministro e seus ministros - tem autonomia para tomar suas decisões. Se eles tomarem decisões erradas, eles poderão perder um voto de confiança, mas já terão feito as coisas, já terão tomado, com sua própria responsabilidade, por exemplo, decisões na área de câmbio. Então eu não vejo problema por aí. O que eu vejo, por exemplo, de outro tipo de crítica é dizer-se: bom, mas no parlamentarismo esses deputados, esses senadores, que são todos fisiológicos - não é verdade isso; tem muito deputado, muito senador que está longe de ser fisiológico. E segundo, que eu também acho que a única forma de eles assumirem plenamente a responsabilidade do seu cargo é eles terem o poder para isso. Eu acho muito melhor você ter quatrocentos, quinhentos parlamentares sendo responsáveis pela sociedade brasileira do que ter só o presidente da República como responsável.

Rodolpho Gamberini: Ministro, a pergunta, por favor; Roberto Macedo estava...

Roberto Macedo: Eu queria retomar essa questão porque, independentemente de se estar no parlamentarismo ou no presidencialismo, uma questão que se coloca muito, principalmente, talvez, nos meios acadêmicos - porque chega aí fora, a coisa parece teoria - é a questão da política econômica democrática, certo? Eu conheço sua formação há muitos anos, sei que você comunga dessa preocupação da democracia; mas qual o obstáculo para se fazer uma política econômica democrática? Parece que o pessoal chega lá e depois não consegue, vem decreto-lei [decreto com força de lei que emana do poder executivo, que foi substituído, na Constituição de 1988, pela medida provisória, mais branda], vêm decisões sem negociação - eu não me refiro a decisões de câmbio ou de preço, mas tomemos agora, por exemplo, dois exemplos. Nesse negócio da ferrovia [Norte-Sul], ao invés de ficar "faz, não faz, faz, não faz" [...] Precisa-se discutir, vamos discutir no Congresso. Como [acontece], por exemplo, naqueles grandes programas de despesas nos Estados Unidos. Outra questão: por exemplo, essa questão do salário, [sobre a qual] eu já disse [que] há uma ênfase exagerada nela. Eu acho que, mesmo que se tivesse uma pequena perda, seria perfeitamente cabível a negociação com a classe trabalhadora: vamos aceitar uma perda; depois a economia melhora. O que traz o ganho, mesmo, não são essas decisões do governo a curto prazo, é o crescimento econômico. Agora, por que, em essência, não se faz uma política econômica democrática?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu acho fundamental que haja uma política econômica democrática. Por exemplo, no caso da ferrovia, eu acho que... Você sugeriu que se discuta a ferrovia no Parlamento. Acho que devia se discutir no Parlamento, devia se discutir no orçamento. Quer dizer, é fundamental que o orçamento da República seja realmente uma coisa séria, em que estivessem previstos os gastos - inclusive gastos de investimentos -, as transferências para empresas estatais para fazer investimentos, que estivesse tudo ali o mais detalhadamente possível e o mais discutido possível.

Roberto Macedo: Olha, mas isso parece colocação de professor universitário, entendeu? Agora que você está lá, por que não faz isso, então? Por que isso não acontece?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Mas espera um pouquinho. Eu estou lá há um mês e pouco e...

Roberto Macedo: Eu sei. Eu sei, quer dizer, como idéia eu estou de acordo; mas por que isso não ocorre?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Olha...

Roberto Macedo: Esse pacote, por exemplo: por que não foi negociada, essa questão do salário?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, não dava para negociar antes. Agora, o que eu posso negociar mais adiante... Eu já estava conversando com os trabalhadores na segunda-feira - quer dizer, hoje - e eu não vejo nenhum problema em continuar negociando. Quer dizer, uma coisa é... Se, por exemplo, nos próximos meses a inflação for maior do que eu estou prevendo e você verificar que realmente houve uma redução de salário, acho que isso tem que ser discutido, negociado. Não se trata de se se fez um plano apareceu uma fórmula e a coisa fica definitiva para todo o sempre. Se a idéia do plano é ser flexível, ele vai ser negociado. Isso eu acho que é muito importante. Agora, esse problema de política econômica democrática, eu acho também que é muito importante - a transparência das informações e das intenções. Eu, por exemplo, em relação ao plano macroeconômico, estou discutindo o mais possível com a sociedade, estou falando tudo o que eu posso falar, tudo o que eu sei a respeito do plano. Estou dizendo aos meus assessores que discutam também, discutam com a imprensa, contem e tal. Se alguém me disser: “Não, esse objetivo de 5% é muito", ou "é pouco"; "8 bilhões é muito", "é pouco", "por quê" e tal, eu estou pronto para discutir isso enquanto é tempo. Acho que é muito importante. Depois disso, me parece fundamental a transparência nas informações. Por exemplo, a minha idéia é que, daqui a três meses, eu publique o acompanhamento do plano. Eu publique para todo mundo e, se eu conseguir atingir as metas, ótimo; se eu não conseguir atingir as metas, está lá que eu não as atingi. Isso é uma coisa que a gente tem que cobrar. Quer dizer, eu insisto em que tudo isso não é fruto apenas de decisão, [não] é [só] o ministro da Fazendo que resolveu fazer isso. É uma coisa que o ministro da Fazenda faz, mas que todo mundo tem que cobrar, também.

Rodolpho Gamberini: Ministro, por favor...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Cobrar essa democracia. Eu acho que você tem razão, é fundamental que haja maior democracia da política econômica.

Rodolpho Gamberini: Por favor, Pedro.

Pedro Cafardo: Os telespectadores talvez fiquem um pouco frustrados se a gente não aprofundar um pouco mais a discussão num item prático: a questão da tabela que saiu na semana passada. Alguns grandes supermercados só tiveram que remarcar, na verdade, 5% dos seus preços. Eles estavam abaixo da tabela em praticamente tudo. Por quê? O senhor pode explicar? O senhor falou que é a média, mas essa tabela não podia ter sido feita com os preços um pouco mais abaixo? Não seria um ganho para toda a população, para o combate a inflação? Por que ela foi feita tão em cima?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Olha, eu não fui realmente ver os preços. A instrução que eu dei muito claramente para o pessoal da Sunab e da Seap [Secretaria Especial de Abastecimento de Preços], para o [Ricardo] Santiago [diretor-executivo da Seap] e para o Celsius [Lodder, superintendente da Sunab], foi de que tomassem os preços médios do dia 11 e do dia 12 nos supermercados - médios -, aqui em São Paulo e no Rio de Janeiro - foram duas tabelas - e fizessem com esses preços.

Pedro Cafardo: [interrompendo] Mas foram os preços que eles forneceram ou os que estavam na prateleira?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu não fui [...], porque eu nem sei dos preços.

Pedro Cafardo: Porque eles forneceram os preços.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, não foram preços fornecidos pelos supermercados, foram preços que a Sunab levantou já sabendo que haveria o congelamento no dia 11 e no dia 12. Levantou nos supermercados. Além disso, eles checaram isso - ou iam checar, espero que tenham checado - com preços que o IBGE também teria levantado. Eu não sei se eles acabaram conseguindo os preços do IBGE - ele tem levantamentos normais disso.

Augusto Nunes: [...] isso, ministro, o senhor acredita que não seja uma máquina funcional da Sunab?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, a Sunab e o sistema de preços de um modo geral, no Brasil - o CIP -, eram um instrumento que vinha se organizando razoavelmente bem; mas, um ano atrás, mais ou menos, ele foi quase destruído, não é? Então, está sendo agora reconstituído. Eu pus uma equipe na Seap e na Sunab de primeira qualidade. É o Ricardo Santiago, o Celsius Lodder e o Daniel. São economistas muito competentes, mas que estão aprendendo nessa área de preços, porque... Estão aprendendo, mesmo, porque eles não conheciam essa área. Eles são economistas bons, conhecem a economia brasileira, conhecem o sistema federal brasileiro, conhecem o sistema dos trabalhares brasileiros, mas não conhecem preços, especificamente. E isso, eles vão ter que aprender. Aprender junto comigo.

Rodolpho Gamberini: Ministro, por favor, eu queria que o senhor respondesse, agora, uma pergunta do senhor William Eid, que é o presidente da Associação Paulista dos Supermercados. Então, a pergunta é a respeito de preços e também de desabastecimento. Por favor.

[inserção de vídeo]

William Eid: Ministro Bresser Pereira, nós, que o conhecemos profundamente, temos absoluta confiança na sua capacidade técnica para administrar os preços do congelamento e dos tabelamentos. Entretanto, a maior preocupação da população é quanto ao desabastecimento, à falta de produtos por má administração justamente desses preços. Eu perguntaria ao ilustre ministro Bresser: há ambiente político e força política no seu ministério para que essa administração seja corretamente feita?

[fim da inserção de vídeo]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, o desabastecimento acontece quando um empresário sente que aquele preço, a que ele está sendo obrigado a vender porque está congelado, dá prejuízo; ou porque, mesmo dando lucro, ele acha que, se ele segurar o preço por algum tempo, ele vai conseguir depois um aumento satisfatório, maior etc. Aí está uma especulação. O primeiro problema, eu espero que não aconteça. Há uma expectativa, uma decisão muito firme de fazer correção de preços para impedir que o empresário fique tomando prejuízos com preços congelados. Isso é inviável, então não vai acontecer. Agora, quanto ao caso especulativo dos empresários que ficam contando em segurar os seus preços porque mais ainda a inflação vai estourar ou coisa que valha e aí ele vai poder vender, isso é um risco dele. Se ele conseguir fazer isso com sucesso, tudo bem. Eu tenho a impressão de que ele vai fracassar nisso, ele vai perder dinheiro se fizer isso. Se eu puder descobrir um caso desse e puder intervir, eu intervirei com muita força. Mas eu acredito muito que esse plano tem que funcionar bem, porque os empresários não vão ter estímulo nenhum para isso, porque eles vão perder fazendo isso.

Rodolpho Gamberini: Por favor, a pergunta...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não adianta querer combater a inflação - isso é importante - na base da polícia. A polícia, quer dizer, os [...] de fiscalização etc., ajudam e são importantes, mas não são o fundamental. O fundamental é você respeitar as leis de mercado.

Rodolpho Gamberini: Pergunta da Ann Charters, do Financial Times. Por favor, ministro.

Ann Charters: Por favor, senhor ministro, a respeito da retomada de investimentos. Diz agora um analista superconhecido, brasileiro, que ele nunca viu, em trinta anos, os pontos de capital para a retomada de investimentos tão secos. Tem falta de poupança doméstica, por todas as razões que todo mundo conhece. Quais são as idéias do senhor a respeito da conversão de dívida externa para capital de risco?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, a conversão de dívida externa para capital de risco, eu não creio que seja também uma fonte de poupança. Isso é um erro, porque não está vindo nenhum recurso novo do exterior. O que eu estaria [fazendo seria] simplesmente convertendo uma dívida que eu não vou pagar mesmo em capital. E, para isso, eu vou ter que transformar aquela dívida em cruzados. Agora, de qualquer forma, existe a idéia de fazer a conversão de dívida. Nós estamos discutindo isso junto com a equipe que está discutindo o plano da dívida externa. A idéia básica, por enquanto, é fazer a conversão dos juros neste ano - dos juros que vão ser refinanciados -, porque nós, neste ano e no próximo, deveremos pagar coisa de uns 11 bilhões de dólares de juros aos bancos privados. E, desses juros, nós vamos refinanciar, vamos dizer, sete e meio bilhões de dólares. Esses sete e meio bilhões de dólares darão, em todo ou em parte, direito à reconversão - é essa a idéia - de acordo com algumas regras que vão ser definidas. Isso vai ser feito no bônus da negociação que vamos fazer com os bancos. Eu acho que é uma coisa que interessa ao Brasil, porque nós vamos reduzir a nossa dívida; e interessa aos bancos, porque eles também têm, assim, uma solução para o programa do seu crédito. Agora, vamos fazer isso com cuidado. Vamos dar prioridade para quem vai fazer investimentos em exportação. Mas não vamos nos limitar apenas a isso, não.

Christopher Lund: Ministro, abrindo um pouco a pergunta de [...], que vai servir para a nossa reunião de quinta-feira, de qualquer maneira...

[risos]

Christopher Lund: Como o senhor falou antes, o plano não é um objetivo em si: é um meio de retornar a nossa economia a uma certa normalidade. O grande desafio para a economia brasileira, nos parece, é o efetivo aumento da renda per capita de todo brasileiro. E, para isso, tem que ter aqueles 5%, 6%, 7% ao ano que o senhor disse.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Para isso, precisa poupança e investimento.

Christopher Lund: Então, essa era a pergunta. E o senhor disse - e eu concordo - que nem sempre os swaps [mecanismo de troca de posições entre investidores, visando a proteção contra riscos] representam novo dinheiro. Qual é a sua maneira de ver o capital estrangeiro na contribuição para o crescimento da renda per capita brasileira?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu sou favorável ao investimento estrangeiro no Brasil. Eu acho que eles têm tido uma contribuição e poderão continuar dando contribuição ao crescimento da economia brasileira. Agora, o que eu sinto é que ele não está vindo e não vai vir brevemente, porque eles ficam contando com o [...], com a conversão de dívida em investimento. Na conversão de dívida em investimento, existe um ágio ou um deságio [do qual] eles se beneficiam. Então eles preferem não trazer dinheiro realmente novo para o investimento, o que é um prejuízo para o Brasil. Nós temos que saber como é que nós vamos enfrentar esse problema...

Christopher Lund: Mas eu acho que... certamente, esse é um fator; mas outro fator é que o investidor, em qualquer tipo de investimento em qualquer país do mundo, se preocupa com as regras do jogo, com a perspectiva de ter algum retorno pelo investimento que faz. Então, vamos dizer, a receptividade ou a posição do país enquanto a... A gente vê opiniões diferentes, naturais, referentes a esse aspecto. E eu conheço empresas que gostariam muito de participar. E as dúvidas, não são apenas, vamos dizer, a questão de como entrar - porque, mesmo no caso de investimento mediante swap, mesmo assim ele não vai querer fazer um investimento sem perspectiva de retorno. Ele não vai fazer nem se for a 50%.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Mas disso não há dúvida. Quer dizer, o investimento só se faz quando tem perspectiva de retorno, quando você tem perspectiva de lucro. O que existe da parte dos empresários estrangeiros - e dos empresários brasileiros também - é uma espécie de dúvida em relação ao futuro do Brasil, o que eu acho um absurdo. Tem gente que tem dúvida a respeito do que vai ser essa Constituinte, pensam que a Constituinte vai ser profundamente nacionalista ou que a Constituinte vai ser socialista. Tudo isso mostra uma incapacidade de se entender o que está acontecendo no Brasil, quais são as forças fundamentais que existem na sociedade, como é que estão organizadas etc. Eu tenho toda a confiança neste país; acho que os empresários brasileiros, os empresários estrangeiros, as multinacionais podem tranquilamente investir neste país. E precisam fazê-lo porque, se não o fizerem, nós não vamos sair das dificuldades em que estamos. Quer dizer, eles precisam, realmente... O que nós temos hoje - esse que é o problema - é um setor público com uma camada de poupança muito pequena - que nós temos que recuperar, é fundamental fazer isso. Agora, eu não posso imaginar que o setor público volte a recuperar plenamente a sua área de poupança, volte a ter 10% [do PIB] de poupança, como chegou a ter em 1975, se eu não me engano - 10% do PIB. Isso, eu acho que não é viável. Por outro lado, o setor privado tem uma [...] de poupança muito grande - poupa 17%, 18% do PIB. Pode aumentar isso e tem que tratar de investir, porque ele não está investindo tudo isso, está investindo muito menos que isso. E as multinacionais, que estão lá na sua câmara, deviam tratar de investir. Você tem que dizer isso para eles. “Tratem de investir ao invés de ficar com...”

[risos]

Christopher Lund: Os que estão na câmara já estão investindo. E os que não estão ainda, que...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Então, ponha mais sócios na sua câmara, por favor.

[risos]

Christopher Lund: Me ajude.

Pedro Cafardo: Ministro, nessa questão do FMI [Fundo Monetário Internacional], está todo mundo falando pelo senhor e dizendo que o senhor vai ao FMI, o plano está pronto, é questão de dias e tal...

Luiz Carlos Bresser Pereira: O seu jornal está uma graça nisso, Pedro, O Estado [de S. Paulo]. Porque...

Pedro Cafardo: São as pessoas que falam. O jornal publica o que as pessoas falam.

Luiz Carlos Bresser Pereira: [em tom bem-humorado] Porque primeiro os editoriais dizem que eu devo ir para o FMI; e depois, no noticiário, já dizem que eu já fui para o FMI. Então, está meio complicado.

Pedro Cafardo: [interrompendo] O senhor não vai mais?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Depois, dizem que eu estou fazendo um plano para o FMI. Veja, então, vamos tentar esclarecer esse problema do FMI. Em primeiro lugar, eu estou fazendo um plano para o Brasil, eu estou fazendo um plano que eu acho que interessa para a sociedade brasileira. E é um plano que usa conceitos do FMI - mas é muito diferente, em termos objetivos finais, do FMI. Eu já deixei claro qual é essa diferença: o objetivo fundamental é o crescimento; o outro objetivo fundamental, que, às vezes, é contra o crescimento - e eu sei muito bem disso -, é superávit comercial. Mas é fundamental também para nós ter esse superávit comercial, que é uma condição de soberania nossa. Nós agora, por exemplo, se não estivéssemos tendo o superávit comercial que estamos tendo nesse ano, em que está havendo uma recuperação do superávit comercial - nesta semana, devemos anunciar um superávit para maio de novecentos e poucos milhões de dólares; em junho, eu estou esperando um superávit comercial de mais de um bilhão, talvez um bilhão e cem dólares - se nós não tivéssemos isso, a nossa moratória não teria adiantado nada e nós teríamos que fazer correndo um acordo com o FMI. Nesse superávit comercial, eu não preciso fazer acordo com o FMI correndo coisa nenhuma, eu precisaria estar correndo terminando a moratória. Eu não preciso...

Augusto Nunes: [interrompendo] O senhor vai fazer um acordo sem pressa?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Ah, eu farei um acordo sem pressa se o acordo for interessante para o Brasil, e quando. O que eu vou fazer é esse plano. Nesse plano, eu não vou fazer todas as concessões do FMI. Eu sei que eles querem a redução do déficit público, já disseram isso. Eu acho que todos aqui, que estão nessa sala, que representam de alguma forma a sociedade brasileira, também querem a redução do déficit público. Então, parece que é um objetivo nacional, isso. Eu vou tentar reduzir, na medida do possível, o déficit público, mas de maneira realista. Eu sei que vão querer mais. Eu vou até onde for possível. Fui fazer o plano para o Brasil e não para o FMI. Agora, vamos imaginar, só por hipótese, que, afinal, feito o plano - e eles vendo o que já foi feito de medidas tomadas em relação à inflação, em relação à taxa de câmbio, em relação a tudo o mais -, [o FMI] ache que a coisa esteja indo bem e resolva fazer um relatório favorável - que ele tem que fazer de qualquer forma, nos termos do artigo 4 e do acordo que nós fizemos com eles, o artigo 4 do estatuto do Fundo -; e digo mais, que queira, além disso, entender esse plano como um plano aceitável para o Brasil, para o FMI, em termos de captação. Será que nós devemos, assim mesmo, dizer: "Não queremos nenhum acordo com vocês, queremos pagar um bilhão e trezentos que devemos a vocês ou não pagamos" e, aí, entrarmos em um conflito total com toda a sociedade internacional? Acho que não. Mas, de qualquer forma, se por acaso vier essa manifestação do Fundo - que é aceita, que eu não vou pedir, eles que... várias vezes já me disseram que "poderemos, em princípio, aceitar" -, se eles aceitarem, eu vou discutir outra vez com a sociedade - vou discutir na televisão, vou discutir no Congresso, vou discutir com o presidente da República - se é o caso de nós fazermos uma captação e em que condições. Monetariamente, nós não vamos aceitar de qualquer forma, e aí vamos decidir. Agora, essa história do O Estado de S. Paulo ou da Folha ou não sei lá de quem que também tenha dito isso, de que eu já vou fazendo acordo com o FMI, está muito cedo, isso; está muito longe, isso...

Boris Casoy: [interrompendo] Ministro.

Luiz Carlos Bresser Pereira: É possível, eu não tenho nenhum preconceito contra o FMI.

Boris Casoy: Ministro, é interessante que há um grupo de jornalistas aqui e eu acho que o telespectador é curioso por esse aspecto. O senhor sempre foi colaborador dos jornais. O seu pai dirigiu um jornal, o antigo Tempo. Como é que é a imprensa vista do poder? Imprensa como um todo, não devemos entrar em detalhes, mas como é a imprensa? A imprensa corresponde à expectativa? Ela relata a verdade na maioria dos casos? Ela opina corretamente? A imprensa quer dinheiro do poder público? Quer anúncios do poder público? Como é essa coisa da imprensa vista do poder?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Olha, a maioria das pessoas que estão no poder acham que a imprensa é injusta com eles. Que informa mal...

Boris Casoy: [interrompendo] O senhor acha também?

Luiz Carlos Bresser Pereira: ...que deveria ficar se preocupando fundamentalmente em mostrar as coisas positivas que o governo está fazendo, as obras, as realizações, e não... Eu não acho isso. Eu já discuti isso muitas vezes, inclusive com... E eu acho que a imprensa normalmente faz um bom serviço e que é o papel dela fazer esse serviço, um papel crítico etc. Eu acho isso normal. Mas às vezes fico irritado, é claro. Um dia desses, houve um jornal que pôs lá a manchete “trabalhadores perdem 35%”. Um jornal do Rio. Eu fiquei irritado com aquilo, evidente. Outro dia, a Folha pôs uma notícia qualquer que também era absurda. Eu fico irritado com a coisa...

Boris Casoy: [interrompendo] A Folha erra muito, ministro.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Vocês erram, é bom reconhecer, porque vocês... Não é a [só] Folha; o Estado erra, o Jornal do Brasil erra, O Globo erra, todo erram. Quer dizer, às vezes existe, assim, um... Mas, às vezes, estão muito bem informados, também. Então, se todo mundo acreditar em tudo o que a imprensa diz, está errado, vai errar muito, mas eu acho que faz parte do jogo democrático, esse processo de crítica. A imprensa tem que refletir de alguma forma a sociedade. Está bom.

Augusto Nunes: Ministro, eu queria retomar rapidamente... Eu queria dar um último exemplo da infinita capacidade do estado brasileiro de arrumar despesas. Na mesma semana em que o senhor anunciou uma redução substancial no subsídio do trigo, o ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira [ministro de 1987 a 1988], que já prometeu distribuir leite a milhões de crianças brasileiras, diz que vai distribuir agora pãezinhos...

[...]: Só falta o café, agora.

Augusto Nunes: Exato. Isso não é conflitante com o que o senhor anunciou? Em segundo lugar, é viável esse plano, ou é mais um anúncio demagógico do ministério do Planejamento?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, o processo de distribuição de alimentos é uma coisa que existe nos Estados Unidos através do food stamp, do "Selo de Alimentação"; e eu acho que, realmente, para famílias de muito baixa renda, é razoável que haja um subsídio à alimentação - que eu acho que nunca deveria ser em espécie, deveria ser como é nos Estados Unidos, na base de um selo de alimentação, um bônus de alimentação. No momento em que você elimina o subsídio do trigo e aumenta violentamente o preço do pão, seria razoável que você orientasse um problema desses para a área dos pãezinhos, digamos assim. Agora, o que eu acho complicado é você montar um programa desses a partir do governo federal. Eu acho que isso seria muito razoável a ser montada a partir dos governos estaduais e, principalmente, dos municípios, ou então através de um esquema que demore um pouco mais para fazer. E eu tenho sido um sistemático defensor disso desde o tempo em que eu trabalhei no governo [André Franco] Montoro [(1916-1999), governador de São Paulo de 1983 a março de 1987]: que se montasse um sistema para as famílias realmente carentes de food stamps, ou seja, de bônus de alimentação.

Rodolpho Gamberini: Por favor, Gilberto Dimenstein, ministro.

Gilberto Dimenstein: Ministro, o ministro [da Fazenda, Dilson] Funaro [(1933-1989), ministro de 1985 a 1987] saiu do Ministério guindado à condição de um dos inimigos máximos da corrupção do país. Eu suponho que, lá no Ministério, [ele] deve ter visto algumas coisas próximas a isso ou propriamente ditas. Agora que o senhor está lá dentro, como é que é isso? Tem alguma coisa? Ele viu a mais? Ele viu a menos? Foi uma questão política? Porque geralmente se denuncia a corrupção no Brasil quando a pessoa está saindo do poder, mas lá dentro não há um trabalho tão profundo nisso; e o senhor tem um passado de austeridade, de cobrança, de denúncia. A corrupção era menor ou maior do que o ministro Funaro falou?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu não sei, realmente eu...

[risos]

Luiz Carlos Bresser Pereira: É complicado. Quer dizer, que existe corrupção, em qualquer país do mundo há corrupção. No Brasil há corrupção, nos Estados Unidos há corrupção, na França há corrupção, na União Soviética há corrupção, na China há corrupção. Há corrupção em toda parte. Se há corrupção no ministério da Fazenda, eu não tenho notícia; se há corrupção no governo brasileiro, por definição tem que haver, não é? Quer dizer...

Gilberto Dimenstein: [interrompendo] O problema é onde, não é?

Luiz Carlos Bresser Pereira: O problema é saber onde, como achar, de que forma achar. Quer dizer, eu acho que fazer frases gerais sobre corrupção não faz sentido. Se você encontrar alguma coisa... Eu não tive nenhum contato com nenhum processo de corrupção dentro do Ministério da Fazenda no momento, e eu não creio que o ministério da Fazenda seja o local típico para isso...

Gilberto Dimenstein: [interrompendo] Mas teve um caso concreto, ministro, na sua gestão.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Qual foi?

Gilberto Dimenstein: Não na sua gestão. Houve aquele caso em relação ao [Namir] Salek [diretor da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, a Cacex], na Cacex, e o Banco do Brasil fez um relatório e nós da Folha estamos tentando esse relatório e até agora não conseguimos. Falei com o Banco do Brasil, o Banco do Brasil disse que não costuma divulgar relatórios internos. O que acontece? Não seria esse um caso concreto em que o senhor poderia ajudar no esclarecimento de um eventual deslize? O próprio Salec disse que não tem nada contra ele, está disponível a explicar tudo, mas o Banco do Brasil não dá o relatório.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Bom, eu talvez possa discutir com o Banco do Brasil essa política. Quer dizer, realmente, foi feita uma auditoria na Cacex; essa auditoria levou à demissão de vários funcionários. Não apurou nada contra o Namir Salek, que é um homem público, um funcionário público da maior qualidade que está na Cacex há muitos e muitos anos e com quem eu conto muito. Então, eu não vejo... Agora, essa insistência nesse relatório, que a Folha está fazendo, eu acho, também, amarga, porque está pondo em dúvida... Quer dizer, foi feita a auditoria, mandou-se gente embora, está todo mundo sabendo disso; agora, vocês ficam ainda fazendo essas perguntas como se pusessem em dúvida o próprio Salek.

Gilberto Dimenstein: [interrompendo] Por que não divulgam o relatório?

Luis Nassif: [interrompendo] Ministro, deixa pegar um ponto específico aqui.

Boris Casoy: [interrompendo] Espera, o ministro ia dizer por que não divulga o relatório.

[risos]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu não sei por que não divulga o relatório. Eu já respondi isso. Mas isso é uma política interna do Banco do Brasil. Normalmente, os bancos tendem a fazer isso. Eu não sei o que seria de boa parte... Deixa eu perguntar aqui para uma americana. Cadê a Ami Charter? Como é que se avalia isso nos Estados Unidos? Quando se faz um relatório de auditoria interna em um departamento americano, publica-se isso?

Ann Charters: Bom, depende. Agora, se tem na lei o direito do público saber e tem que pedir o relatório, e se não for classificado, eu acho, como um assunto de segurança nacional - o que deve ser bem definido, estritamente -, aí divulga.

[sobreposição de vozes]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Aqui não é um caso de segurança nacional.

[sobreposição de vozes]

Gilberto Dimenstein: É um lugar diferenciado, eu concordo.

Luis Nassif: [interrompendo] Deixa pegar um ponto específico aí.

Gilberto Dimenstein: Tanto que o imposto de renda dos funcionários do Banco do Brasil é financiado pelo banco. É uma casa realmente complicada, fechada; agora, eu não creio que seja segurança nacional.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Também acho que não seja segurança nacional.

Boris Casoy: Está resolvido, Gilberto: temos que pedir o relatório para o Bank of America.

[risos; Bresser gargalha]

Luis Nassif: Eu quero fazer uma pergunta, agora eu quero fazer uma pergunta...

Roberto Macedo: [apontando para Nassif] Naquela hora, você me atravessou...

[sobreposição de vozes]

Rodolpho Gamberini: Não, o Nassif estava na frente. Vai, Nassif.

Luis Nassif: Ministro, esse plano, o Plano Bresser... No domingo, eu e a Folha de S. Paulo tivemos uma informação e a Folha não deu, eu acho que deve ter se extraviado, mas que era um ponto muito importante. O Plano Bresser determinou que as empreiteiras teriam um reajuste até junho - com a correção monetária de maio só, até junho -, isso dito para mim e para um jornalista da Folha. E que, quando foi para a Consultoria Geral da República para acabar de redigir o Plano Bresser, esse artigo das empreiteiras colocou: correção monetária de junho, [com ênfase] "inclusive" o que aumentava em mais 25%, 30% a correção monetária das empreiteiras". Eu mandei uma nota para o Jornal da Tarde, que saiu na segunda-feira de manhã. Na segunda à tarde teve uma reunião com o consultor e, na republicação do plano, foi retirado esse "inclusive". Eu pergunto o seguinte: o "inclusive" foi incluído por quem? E, se era fundamental para reparar alguma injustiça, por que foi retirado na terça-feira?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, realmente houve uma grande discussão sobre esse problema. Não o do "inclusive", mas o da correção de junho, no Banco Central. E eu participei da discussão e o consultor da República estava presente - mas não era ele que estava levantando o problema, era um assessor meu que discutia com um outro se devia ter, se não devia ter, como é que era, se podia fazer a correção ou não podia fazer a correção de junho...

Luis Nassif: [interrompendo] Isso na segunda-feira?

Luiz Carlos Bresser Pereira: É, na segunda-feira.

Luis Nassif: [interrompendo] Depois que tinha sido incluído, sem o conhecimento da Fazenda, o "inclusive"?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Foi, quer dizer, esse "inclusive" foi feito nas discussões no Planalto. Surgiu o "inclusive". Quero dizer que não tinha nada de mais, porque a idéia do meu consultor, o Cláudio Adilson, era que devia ter mesmo o "inclusive", que se devia incluir a correção de junho, havia...

Luis Nassif: [interrompendo] Mas era o Planalto que tinha que discutir com a Fazenda antes de incluir...

Luiz Carlos Bresser Pereira: [interrompendo] Mas veja, tinha o Nakano e o Cláudio Adilson, que foram para o Planalto, porque, na última hora, você tem que, em um certo momento, decidir isso aí; e estava na última hora para o plano ir para o Diário Oficial. Então, não havia nenhum, nada de... Quer dizer, o que há é uma discussão técnica, técnica e econômica - se inclui ou não, como é que inclui, as obras públicas são uma grande complicação -; e afinal resolveu-se deixar isso para se discutir mais adiante. Então, tirou-se o "inclusive". Isso está sendo discutido no nível... Não é do consultor geral da República, nós estamos discutindo no nível da Casa Civil.

Boris Casoy: [interrompendo] Ministro, eu queria voltar à política...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Agora, eu admito que aí há interesses grandes ao longo do tempo.

Boris Casoy: Eu queria voltar à política, já que o senhor lembrou que colaborou, foi secretário de estado no governo Montoro e, até recentemente, estava no Ilam [Instituto Latino-Americano], que o [ex-]governador Montoro montou.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Exatamente.

Boris Casoy: Gostaria de saber o seguinte: o senhor ainda tem o ex-governador Montoro como candidato à presidência da República ou já desistiu?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, eu sou ministro da Fazenda. E, como ministro da Fazenda, eu não vou entrar na discussão sobre quem deve ser candidato à presidência da República. Eu acho que o PMDB tem várias pessoas que têm todas as condições de serem presidentes da República. Uma delas é o governador Montoro, o doutor Ulisses Guimarães, o [senador] Mário Covas [(1930-2001), governador de São Paulo de 1995 a 2001] e há vários outros. Quem vai ser candidato à Presidência da República é um assunto [em cuja] problemática eu não vou entrar, enquanto ministro da Fazenda.

Rodolpho Gamberini: Ministro, por favor, Roberto Macedo.

Roberto Macedo:

O Augusto Nunes se referiu a ele - usou até uma expressão - ao prontuário que o senhor recebeu aí, entrando em uma gestão já em andamento. Na área econômica, tem uma coisa que me preocupa muito; eu já venho falando nela há bastante tempo e não tem necessariamente nada a ver com a sua administração. Mas, na seqüência do processo de ajustamento que a economia brasileira passou a ter no início do ano, com o realinhamento de preços, a queda dos salários reais e toda essa incerteza que passou a permear a economia, eu acho que vem agora uma recessão - que não é necessariamente uma recessão "do Plano Bresser", está certo? Por quê? Porque você nota, a recessão, a gente sabe, a economia, ela é deflagrada pela acumulação de estoques. O exemplo, hoje, são os pátios das indústrias automobilísticas, que estão cheios de automóveis que não têm comprador. Então, eu acho que agora, com os estoques altos, as empresas começam a despedir o empregado. Agora, eu gostaria de saber se você está plenamente consciente dessa possibilidade e em que isso afeta o Plano Bresser na sua sustentação política e, inclusive, na sua dimensão econômica. Porque isso deve ter impacto, por exemplo, no déficit do setor público por queda de receita - na Previdência Social, em particular. Quer dizer, como vai ser isso? Inclusive, na parte, também, da sustentação política, aumentará o volume de críticas ao seu plano.

Luiz Carlos Bresser Pereira: Veja, estava claríssimo para mim, Macedo, que a economia estava caminhando para a recessão. [...] desde novembro; em dezembro já havia a previsão disso. Eu me lembro muito de uma entrevista que o Celso Furtado [(1920-2004), um dos principais teóricos brasileiros da economia, ministro do Planejamento de 1962 a 1963, no governo de João Goulart] deu em dezembro para os jornais, dizendo que, se viesse a inflação, viria a recessão junto. E era uma análise que outros economistas também estavam fazendo naquele momento. E, de fato, as coisas começaram a se confirmar: a inflação provocando a recessão, provocando a crise financeira e a recessão - ao inverso do que se costuma falar. Agora, a minha dúvida é se isso vai continuar depois do plano de congelamento. A minha esperança é de que isso pare e as pessoas voltem a consumir minimamente e a investir, e esse processo recessivo se estanque. Se isso não acontecer, eu tenho alguns instrumentos para tentar evitar isso, na área fiscal e na área monetária: taxa de juros e gastos públicos, basicamente...

Roberto Macedo: [interrompendo] Mas aí não tem a medida [...].

Luiz Carlos Bresser Pereira: ...e, na área salarial, também. Quer dizer, se isso acontecer, eu posso mexer com os salários, também...

Pedro Cafardo: [interrompendo] O senhor admite a hipótese do abono, então?

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, não é bem abono. Aí você vai: “Bresser admite a hipótese do abono”...

Pedro Cafardo: [interrompendo] Não, eu estou perguntado.

Luiz Carlos Bresser Pereira: "Bresser admite rever política salarial sempre que for possível"...

[risos]

Luiz Carlos Bresser Pereira: Eu tenho todo o interesse em... Eu só estou nesse ministério da Fazenda se eu puder dar melhores condições de vida para os trabalhadores. Se não for para isso, não me interessa ser ministro da Fazenda. Isso é meu objetivo a médio prazo. Se eu quero ser um homem público, é para isso, que diabo! Eu quero dar os padrões de vida da população brasileira e dos trabalhadores brasileiros. Agora, abono ou mudança salarial para fazê-la mais favorável, eu poderia fazer se estiver havendo uma recessão. Claramente que eu posso fazer isso...

Roberto Macedo: [interrompendo] Mas aí não pode comprometer o plano? Porque esse plano se sustenta muito nos juros altos, que é um ingrediente, eu acho, correto...

Luiz Carlos Bresser Pereira: Não, não senhor, não compromete o plano.

Roberto Macedo: Quer dizer, acorda o déficit. Não vamos mais brigar sobre o salário...

Luiz Carlos Bresser Pereira: O que compromete o plano... Você veja, que plano é esse? O plano de congelamento ou o plano macroeconômico? O plano macroeconômico, o seu objetivo fundamental é um crescimento de 5% neste ano. Para isso, a indústria tem que crescer muito pouco nesses próximos meses. Então, tem que ter uma certa recessão industrial. Isso é inescapável, porque a agricultura cresceu muito. Mas, se ela começar a crescer ainda menos e se começar a haver um grande desemprego, eu não posso deixar, não é esse o objetivo nosso. O nosso objetivo é fazer essa economia manter uma taxa de crescimento. Então, o que eu vou fazer? Um dos instrumentos que eu tenho, além da política de juros e da política monetária fiscal, é a política salarial. Eu posso mexer com ela.

Rodolpho Gamberini: Ministro, muito obrigado pela sua participação nesse Roda Viva. A gente já está aqui há mais de duas horas conversando. Muito obrigado à participação de todos os convidados, aos alunos da Faculdade de Economia e Administração da USP e a outros convidados da produção do Roda Viva, que volta segunda-feira que vem, às nove e vinte da noite. Boa noite e até lá!

Sobre o projeto | Quem somos | Fale Conosco